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Barão de Itararé, O Pasquim, Latuff: o humor fora da lei Dois momentos altos do humor na imprensa, ambos submetidos à repressão política de suas épocas: o Barão de Itararé, perseguido no Estado Novo, e O Pasquim, que fez um jornalismo sem aspas e sem paletó e gravata. Páginas 30 e 32

O oba-oba dos Jogos Pan-Americanos obscureceu o que ocorreu à sua sombra: a intimidação do cartunista Latuff por usar o mascote Cauê para denunciar violências contra favelados. Páginas 34 e 35

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Jornal da ABI

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LEONARDO BOFF Estamos vivendo a Idade de Ferro da globalização Página 19

CONTADO SEM FANTASIA DOCUMENTÁRIO EXIBIDO NO CINE ABI RELATA COMO SEQÜESTRARAM O EMBAIXADOR NORTEAMERICANO DURANTE A DITADURA. PÁGINA 22

Aquela derrota de 50, sem patriotadas

AGÊNCIA O GLOBO

O SEQÜESTRO DE ELBRICK

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A VIDA CULTURAL PERDE UM GIGANTE: MÁRIO BARATA JORNALISTA, CRÍTICO DE ARTE, PROFESSOR, MUSEÓLOGO, ELE ENCARNAVA O “SOU 300, SOU 350” DE MÁRIO DE ANDRADE. PÁGINAS 38 E39

BÁRBARA HELIODORA E LÉO BATISTA SEM SEGREDOS A CRÍTICA TEMIDA E O LOCUTOR HÁ 60 ANOS NO AR FALAM DE SUAS TRAJETÓRIAS, DESDE OS PRIMEIROS PASSOS. PÁGINAS 10 A 12 E 26 A 29.

Ghiggia faz o segundo gol do Uruguai e acaba com as esperanças brasileiras.

ATENTADO Amaury Ribeiro Jr., outro repórter alvo de pistoleiros Página 34

ROOSEWELT PINHEIRO/ABR

Informado sobre a voracidade do INSS na cobrança de uma dívida que a Casa contesta, o Presidente Lula assegurou: Não tomaram a sede da ABI em outros tempos e não será agora que ela será tomada.


Editorial

INÉPCIA CRIMINOSA COMETIDO NUMA AGLOMERAÇÃO URBANA a 48 quilômetros de Brasília, portanto nas barbas dos P oderes da República, o atentaPoderes do contra o jornalista Amaury Ribeiro Júnior nior,, do Cor Corrreio Braziliense Braziliense,, evidenciou mais uma vez como é áspero o exercício da atividade jornalística fora do principal eixo de nalístico no P aís, produção de material jor jornalístico País, constituído por Brasília, Rio de Janeiro e São P aulo. Paulo. Ainda que situada nas proximidades da capital, Cidade Ocidental não se distingue dos cenários mais longinquos e afastados dos grandes centros, nos quais a prática do jor jor-nalismo é uma empreitada temerária. Quanto à liberdade para o exercício dessa atividade profissional, Cidade Ocidental não difere do Município de P orto F er reira, no interior de Porto Fer erreira, São P aulo, onde há meses foi assassinado o Paulo, jornalista Luiz Carlos Barbon Filho. Nas duas cidades, o script foi o mesmo: um repórter que denuncia mazelas, contrariando fortes interesses estabelecidos; uma despreocupação do jornalista, que se senta num bar para curtir um momento de folga e de ócio; um pistoleiro empresado para, encapuzado, atentar contra a vida do pro pro-fissional. Só um pormenor diferençou os dois casos: por sorte Amaury Ribeiro Júnior sobreviveu aos três tiros que o atingi-

Associação Brasileira de Imprensa

ram, enquanto Barbon encontrou no atentado seu fim trágico. Em ambos os episódios, assustam tanto o crime como a incapacidade do P oder Público Poder de identificar identificar,, localizar e prender seu autor autor,, para que a Justiça lhe imponha as penas da lei. P assados muitos meses, não se conhece Passados quem foi o matador de aluguel que assassinou Barbon Filho. A mesma trilha percorre o caso Amaury Ribeiro Júnior: mais de um mês após a tentativa de liquidá-lo, não se divulgou qualquer providência eficaz para oesclarecimento da autoria do crime. Essa inépcia constitui uma poderosa fonte de alimentação da criminalidade, de estímulo ao crime, de difusão do costume de se empresarem sicários para a consumação de planos criminosos. E não se trata de uma inépcia que tem como vítimas apenas jor jor-nalistas. Nesse ponto os responsáveis pela desídia aliada às ações criminosas não co co-metem discriminações: eles sujeitam todos aos riscos impostos pelos seus fracassos. De nossa parte não cansaremos de clamar contra os criminosos, quer suas ações tenham jornalistas como alvo, quer tenham como vítimas quaisquer outras pessoas, e clamar também contra aqueles que, tendo o dever de proteger a sociedade, são no fundo coadjuvantes dos agentes criminosos.

Nesta Edição Um jornalismo que trabalha com o sonho Mercado: Como (e por quê) a mídia abana artistas miliardários Evocação: Binômio, jornalismo e História Ela é bárbara - Bárbara Heliodora, a crítica mais temida A Academia na Comissão de Honra do Centenário Ninguém vai tomar a sede da ABI. Palavra de Lula. Associações do MP perderam a luta contra o foro privilegiado Leodegário, Personalidade Educacional Esnobaram o Pan Piauí cria a Medalha Carlos Castelo Branco O pioneiro Léo Batista, há 60 anos no ar Garabosky, o colecionador Pasquim, o jornalismo sem aspas e sem paletó e gravata As mutações da imprensa, anos 50 Itararé: o Barão de uma batalha inexistente SEÇÕES ACONTECEU NA ABI

Ainda aquela derrota de 1950 “Estamos vivendo a Idade de Ferro da globalização”, adverte Leonardo Boff O seqüestro de Elbrick, sem ficção Fleury, o criador de presuntos O Menino Maluquinho em dvd LIBERDADE DE IMPRENSA Nuzman contra Kfouri A nova vítima, no entorno da capital: Amaury Ribeiro Jr. Latuff, um caso de intimidação no Pan DIREITOS HUMANOS Uma carta do professor torturado à Secretária Bené, que não responde A lavanderia do sistema penal VIDAS Mário Barata, múltiplo e incansável Uma perda: Mário Carneiro, um pioneiro

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OBSERVAÇÃO - Esta edição foi finalizada e impressa na segunda quinzena de outubro de 2007, quando começou a circular nacionalmente.

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DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO (2007-2008) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata (in memorian), Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho. Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2007-2010) Artur da Távola, Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Salles, Paulo Jerônimo de Sousa, Sérgio Cabral e Terezinha Santos. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos (in memoriam), Edgard Catoira, Francisco Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães. Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2007-2010) Adalberto Diniz, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurício Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes.

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 20.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Maurício Azêdo e Benício Medeiros Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1808 Osasco, SP (11) 3693-8027 As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.


ESPECIALIZAÇÃO

Um jornalismo que trabalha com o sonho Engana-se quem pensa que a vida de um repórter de Turismo é fácil. Apesar das constantes viagens, sua rotina é pesada e desgastante e exige muita atenção na hora da apuração, principalmente porque o seu propósito é descrever o lugar e não aproveitá-lo como turista. Além disso, a falta de recursos financeiros de alguns veículos para custear uma viagem faz que repórteres e editores driblem as situações em que os convites são oferecidos com algum objetivo, contornado por eles a fim de que a matéria seja informativa e imparcial. Ana Carolina Sacoman, editora do caderno Viagem & Aventura do Estadão, diz que a matéria de capa é sempre um destino de interesse do turista brasileiro, mesmo que já tenha sido explorado. Nesses casos, segundo ela, a idéia é mos-

Os cadernos e editoriais de viagens revelam ou descrevem lugares, paisagens, costumes e culturas que a maioria dos leitores não vai poder conhecer. Repórteres e fotógrafos desenvolvem um trabalho agradável, mas também pesado e estafante. POR RODRIGO CAIXETA

trar um lado diferente de lugares que já foram esmiuçados em outras edições — Miami, por exemplo: — Tentamos também equilibrar reportagens sobre destinos nacionais com os internacionais, sobre lugares exóticos com outros mais conhecidos dos brasileiros. Enfim, fazer uma mescla do que pode interessar aos leitores/turistas. No Estadão, a maior parte das viagens da equipe é feita a partir de convites de órgãos de turismo, companhias aéreas, hotéis e operadoras, assim como acontece em outros suplementos do País, diz Ana Carolina. Ela acrescenta: — No entanto, não deixamos que isso influencie a pauta. Nas matérias de apoio valem, como em todo bom jornalismo, o olho e o faro do repórter. Se o destino não vale a pena ser divulgado, simplesmente não o é. Se merece pouJornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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ESPECIALIZAÇÃO UM JORNALISMO QUE TRABALHA COM O SONHO

co destaque, terá pouco destaque. E quem convida já sabe dessa postura de antemão. O leitor também sabe que a viagem foi feita a convite, pois colocamos esta informação no fim do texto. Curiosidades como guias de turismo esquisitos rendem uma matéria engraçada e informativa. Já um documentário sobre alpinismo pode se transformar numa bela pauta de aventura. Os quatro repórteres do Estadão encarregam-se de pesquisar informações úteis junto a operadoras e companhias aéreas — para oferecer ao leitor um serviço o mais completo possível, com opções de hospedagem, transporte etc. — e suas viagens podem render notas e matérias para outras editorias. De acordo com Ana Carolina, as reportagens normalmente são escritas quando eles voltam à Redação — “assim podem refletir com calma sobre a pauta, o que vale a pena ser divulgado e o que deve ser descartado”. Quanto ao critério de escolha do repórter que viaja ou não, ela informa: — Depende da disponibilidade de cada um, pois a viagem também é trabalho, apesar de ser pouco vista como tal. É claro que os repórteres têm perfis diferentes: um prefere fazer pautas de aventura; outro, América Latina; um entende de praia; outro, de neve... Mas todos têm de estar aptos a qualquer viagem. Há um rodízio para não sobrecarregar um único repórter. Ana Carolina considera que o repórter de Turismo tem a oportunidade de conhecer vários países, entender outras culturas e ampliar sua visão profissional: — Para se candidatar ao Viagem & Aventura, porém, é preciso ter bons conhecimentos gerais, domínio de inglês e de pelo menos mais um idioma, saber lidar com imprevistos — que não faltam em viagens — e estar antenado com o que acontece no Brasil e no mundo. É preciso ainda ser curioso, enxergar outras culturas sem preconceito, ter prazer em descobrir tradições alheias às suas, per-

Ana Carolina Sacoman, do caderno Viagem & Aventura do Estadão (acima): A busca de um lado diferente dos lugares já conhecidos, tarefa a que já está acostumada sua colega Adriana Moreira (à direita).

correr o mundo sempre com olhos de iniciante e entender que viajar, mesmo a trabalho, é sempre um prazer. Adriana Moreira, repórter do caderno, diz que, em reportagens especiais, “muitas vezes a pauta é dividida entre várias pessoas da editoria”: — Em média, demoramos de uma a duas semanas, no máximo, entre a concepção e produção da matéria, mas isso pode variar de acordo com a complexidade e o tamanho da reportagem. Algumas são pensadas e produzidas no mesmo dia, por exemplo. Diz Adriana que é bom conhecer lugares e pessoas diferentes, “mas estar sempre viajando não é só flores, como pensa a maioria”: — É preciso lembrar que não estamos de férias. Há muita responsabilidade envolvida. Adriana, que já trabalhou em outras editorias do Estadão, entende que o re-

“Trabalhamos com o sonho”, diz Bruno Agostini, editor no JB, explicando que os jornalistas de Turismo falam de lugares que grande parte dos leitores não tem condições de conhecer.

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pórter de Turismo deve ter as mesmas habilidades que qualquer outro: — É preciso correr atrás de pautas e checar as informações, só que é preciso também gostar de viajar e ter espírito de aventura. Na medida do possível, o repórter de turismo deve procurar coisas diferentes, exóticas e inusitadas para temperar as matérias, o que só se consegue com muita disposição para bater perna e papear com os moradores locais. Deve-se viajar com um olhar um pouco mais aguçado do que o do simples turista e ler muito. Apenas a formação acadêmica não é suficiente, mas isso se aplica a qualquer área do jornalismo. O que torna atraente esse jornalismo Também no Jornal do Brasil, diz Bruno Agostini, editor do caderno Viagem, o cronograma das pautas é feito de acordo com os convites, mas não se atém aos enfoques sugeridos pelas assessorias de imprensa: — Há pouco tempo demos uma matéria sobre Fernando de Noronha. O objetivo de quem nos convidou era vender o cruzeiro até lá, mas nosso foco principal foi a ilha e o cruzeiro entrou na matéria como uma das maneiras de se chegar até lá. Revela Bruno que há outros fatores que influenciam na produção das pautas: — A época do ano sempre traz assuntos que devemos cobrir, mas é fundamental descobrir um lugar novo, uma nova tendência, algo pouco abordado ou com um enfoque diferente. Tudo o que é interessante pode fazer parte da matéria de turismo, como qual-

quer aspecto da cultura popular de uma região. A pluralidade é incrível. A mesma equipe do JB que produz o Viagem faz o Carro e Moto, também semanal. O horário de trabalho não é muito rígido: — Cada um tem seu estilo e seu ritmo. Quando eles viajam, eu os aconselho a imprimir na matéria um diferencial e escrever o texto da forma mais agradável possível. O caderno também recebe muitas matérias de colaboradores e de repórteres de outras editorias quando voltam de viagem, diz Bruno: — Na hora de escolher quem vai viajar, às vezes direcionamos uma pauta para alguém que tem algum tipo de afinidade com o assunto a ser tratado, ou mesmo como prêmio pelo trabalho desenvolvido, como aconteceu recentemente com um repórter nosso que foi para o Chile. Diz Bruno que há uma vantagem em ser repórter da sua editoria: — Estamos livres do “pescoção” (nome que se dá ao plantão das sextas-feiras, quando a Redação costuma trabalhar até mais tarde, adiantando a edição de domingo, após fechar a de sábado). Além disso, um grande benefício é a oportunidade de o repórter ir à rua, viajar, conhecer novas pessoas. Bruno dá uma informação curiosa: — Os candidatos a trabalhar no jornal nunca dizem que querem trabalhar com Turismo, preferem falar em outras editorias, como Política ou Economia. O repórter, na verdade, deve saber escrever sobre qualquer coisa. Não é preciso ser nenhum expert para falar sobre turismo, mas o candidato deve investir em fotografia e mostrar interesse em gastronomia, mercado aéreo etc. Qualquer viagem tem milhões de possibilidades e é isso que faz o jornalismo de turismo ser atraente. Trabalhamos com o sonho, falamos de locais que muitos não podem conhecer, mostramos vários elementos culturais que dificilmente seriam percebidos. Renata Machado, estagiária do Viagem, avalia positivamente as viagens que já fez: — É bacana o intercâmbio que se faz com os colegas do País inteiro, pois normalmente essas viagens são para grupos de jornalistas. Apurar de longe é ruim. A reportagem, diz, deve ser produzida, em média, em uma semana: — Temos uma boa flexibilidade de tempo e isso ajuda a elaborar mais o texto, que costuma ser maior que o factual. Quando viajamos, temos um roteiro programado, mas sempre é possível arrumar um tempo para visitar outros lugares, encontrar personagens interessantes e dar um enfoque diferente ao assunto.


Marlyana Tavares, editora do caderno Turismo — recente ganhador do Prêmio da Comissão Européia de Jornalismo de Turismo como melhor caderno de Viagem, dividido com O Globo —, diz que no suplemento do Estado de Minas, afora o fato de viajar um pouco mais, o repórter faz o mesmo que os outros: — A rotina é de apuração, entrevistas, redação e acompanhamento da edição. Somos três na equipe: editor, repórter e estagiário. Para cada número, sempre pensamos em uma matéria internacional, uma nacional, uma de Minas e uma de serviço. A editoria recebe muitas sugestões de pauta, seguidas ou não de convites, mas o jornal sempre arca com alguma ajuda de custo, “quando não custeia toda a viagem”. — Em geral, procuramos pesquisar o roteiro e ouvir a opinião de pessoas que já conhecem, pensando sempre no que poderia despertar o interesse do público mineiro. Marlyana registra que o mercado para os aspirantes a uma vaga em Turismo é mais restrito do que em outras áreas, pois “geralmente trata-se de uma editoria extremamente reduzida”. Quanto às características do candidato ideal, garante: — A principal é a honestidade, porque você lida com o mundo das viagens, do sonho. É fundamental ter cuidado para não confundir o sonho com realidade, ter claro que o que se faz é conhecer um lugar para falar dele para outras pessoas e não para se divertir, tirar suas férias. Ela dá uma dica: — Independentemente de estar ou não no Turismo, faça

matérias sempre que houver oportunidade e as ofereça aos editores. É uma forma de tornar seu trabalho conhecido. Sem querer tirar mercado de trabalho de ninguém, é importante que se faça um curso de Fotografia, porque, na maioria das vezes, a cobertura será feita sem fotógrafo. E tenha pelo menos o inglês afiado, porque você lida com gente do mundo inteiro. “Agradável, mas de rotina cansativa” Glauce Cavalcanti, repórter do Boa Viagem do Globo, conta que sua rotina é igual à de outros colegas: — A diferença é que nossas matérias são mais trabalhadas, fazemos uma apuração maior. Mas também produzimos textos para outras editorias. Por exemplo, já fiz matéria sobre aviação para a Economia.

Estado de Minas (à esquerda), Correio Braziliense (ao lado) e Zero Hora (acima): qualquer que seja a latitude e sua tiragem, os grandes jornais não podem deixar de oferecer aos leitores uma massa de informações de serviço sobre turismo.

A equipe do caderno, formada por quatro pessoas, costuma fazer reuniões de pauta às quartas-feiras e se programar para pelo menos três edições. Diz Glauce: — Quando o verão está chegando, começamos a preparar matérias especiais. Muitas pautas surgem devido à temporada, outras são sugestões. E muito material vem dos correspondentes. Há épocas em que viajamos mais; outras, menos, como na alta temporada. Os convites são distribuídos a todos da Redação, mas a falta deles não compromete a produção editorial. Ela afirma que o trabalho é “pesado, sério e desgastante”. — Em uma viagem, costumamos fazer em um dia o que o turista faria em uma semana. A gente acorda apurando e só pára quando vai dormir. É preciso dedicação e atenção. É um trabalho agradável, mas Um dos orgulhos profissionais de Marlyana Tavares: o caderno de Turismo do Estado de Minas, que ela edita, foi premiado pela Comissão Européia de Jornalismo de Turismo. Como ninguém é de ferro,aqui ela curte Ávila, na Espanha.

Antes de viajar para fazer qualquer matéria, Anelise Zanoni (à esquerda), de Zero Hora e Mariana Ceratti, do Correio Braziliense, lêem muito sobre os lugares que vão visitar e procuram levantar os ângulos que terão interesse para os leitores.

de rotina cansativa. Quando produzimos matérias de destino, trabalhamos antes, durante e depois. Precisamos confirmar informações, apurar muito, fazer o serviço: preços, rotas etc. Além de o Boa Viagem ter recebido duas vezes consecutivas o Prêmio da Comissão Européia de Jornalismo de Turismo, em 2005 a matéria sobre a Polônia Saborosa sopa de letrinhas, da editora Carla Lencastre, venceu como melhor reportagem de jornal. Para manter a qualidade, Glauce avisa: — Cultura geral é fundamental para o repórter. É preciso saber do que acontece aqui e lá fora, conhecer aspectos culturais e geográficos, ter a curiosidade de viajar e descobrir novas coisas e falar línguas, pois nem sempre contamos com intérpretes. “É preciso ler muito, fazer cursos” No Zero Hora, Anelise Zanoni, repórter do caderno Viagem, produz e escreve matérias sobre destinos, comportamento e eventos, além de coletar sugestões de leitores e fazer pesquisa em sites e revistas: — Quando viajo para fazer alguma matéria, leio bastante sobre o lugar e procuro as matérias que já foram publicadas sobre o assunto. Encontrar pontos de interesse por meio da internet e de guias é vital para especificar como será nossa futura matéria. Na hora de escrever, é importante passar a sensação de que o leitor está no local quando lê o texto — por isso, gosto de usar detalhes, descrever sensações e encontrar diferenciais. Informa Anelise que a equipe do caderno gaúcho não viaja com freqüência: — Embora a editoria receba dezenas de convites por ano, no Zero Hora há uma cultura de dividir as viagens com outros colegas. A editora e eu viajamos apenas duas ou três vezes por ano. Um repórter de Turismo, em sua opinião, deve ter uma visão ampla do que um viajante precisa na hora de viajar: — É preciso estar atento a detalhes que podem estragar o passeio do leitor, como uma comida muito apimentada, um gasto extra com gorjetas, um vôo que sempre atrasa ou um lugar que tem muita chuva no inverno. Além disso, é preciso saber descrever o local, transpor o leitor para o destino e mostrar que realmente vale a pena embarcar naquela viagem. Não basta gostar de viajar para Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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ESPECIALIZAÇÃO UM JORNALISMO QUE TRABALHA COM O SONHO

escrever sobre turismo; a realidade vai muito além. É preciso ter interesse profundo por outras culturas e línguas — e, portanto, participar de seminários, ler muito, fazer cursos e, quem sabe, até uma especialização na área. Continuar estudando e manter-se atualizado é o que faz o diferencial. Uma boa reportagem difere de texto de livro No Correio Braziliense, a repórter do Turismo Mariana Ceratti também costuma escrever para as editorias de Informática e Veículos. Quando surge uma viagem, procura ler na internet sobre o destino: — Isso ajuda o jornalista a se preparar para fazer perguntas, nos permite comparar eventuais mudanças que possam ter ocorrido no local e possibilita já fazer a coleta de algumas informações importantes de serviço. De acordo com ela, grande parte das matérias do Correio é feita a partir de convites, muitas vezes com um roteiro pré-estabelecido: — Uma vez recebemos um convite para ir à serra gaúcha com uma agenda apertada. No último dia, eu e o fotógrafo verificamos que a apuração que tínhamos sobre Gramado — principal destino do roteiro — era insuficiente. Insistimos com a assessoria para cancelar nossa ida a outra cidade e, assim, termos mais tempo em Gramado. Deu certo: fizemos fotos belíssimas e entrevistas incríveis e conseguimos o diferencial de apuração em relação aos outros veículos convidados para a viagem. Mariana considera que o fato de viajar bastante torna a editoria muito atraente: — As pessoas sempre perguntam sobre dicas de viagens, sobre livros especializados, querem saber que passeios são bons e quais são uma roubada. Mas é importante ressaltar que, em meio ao volume de viagens, poucas delas representam descanso. Quando a gente chega a um determinado local, é preciso saber que a partir dali o trabalho vai ser

intenso. Fazemos os passeios, sempre de caderninho na mão, fazendo mil entrevistas, e com a atenção redobrada para não perder nenhuma informação e não deixar buracos na apuração. Um turista convencional pode ficar sonhando e olhando para o céu enquanto o guia dá informações sobre o local. Nós não temos esse direito. Para Mariana, é importante que não se encare a função de repórter de Turismo como algo exclusivamente glamouroso, mas sim como “uma atividade que exige boa apuração, texto de qualidade, referências culturais — literatura, música, artes, política, sociologia — sólidas e constante atualização”. — O texto é fundamental para diferenciar uma boa reportagem de um texto que poderia estar em um guia turístico convencional ou em um livro de geografia ou história. É pelo texto e pela qualidade das informações que você demonstra se o lugar é bom ou ruim, e faz alguém ter vontade ou não de viajar para algum destino. Viagem a trabalho é sempre a trabalho Bettina Monteiro, editora da revista Viagem e Turismo, da Abril, diz que suas pautas surgem a partir de sugestões baseadas em vivências, pesquisas na internet, leitura de publicações estrangeiras e observações do mercado: — Como em toda revista, o repórter vai a campo, já que é impossível falar de um lugar sem conhecê-lo. Antes de viajar, o repórter lê tudo sobre o destino, de reportagens já produzidas a literatura local e textos de referência. Ele faz as mesmas coisas que um turista, só que com o olhar de jornalista. Não só visita o Louvre, mas tenta decifrar uma maneira de seu leitor aproveitá-lo ao máximo. Na medida do possível, vamos aos bastidores das atrações e conversamos com diretores de museus, chefes de cozinha, equipes dos hotéis etc. Diz Bettina que se pode levar dois meses ou dois dias para montar uma viagem:

O interesse por informações de serviço sobre turismo não se concentra apenas nos jornais. Para atender a essa demanda surgiram revistas especializadas, como Viagem e Turismo e Horizonte Geográfico.

— Tudo depende da urgência da reportagem. Como em jornalismo de revista nesta área não há muitas histórias feitas em cima de efemérides, podese fazer uma boa programação. Mas não há regras. Na Editora Abril as contas são pagas pela Redação — do transporte à alimentação no destino. O objetivo disso é manter a independência: — Se o destino estiver com problemas, estes devem ser mencionados na matéria sem que se tenha o constrangimento de estar falando mal do anfitrião. Note-se que muitos organismos de turismo oferecem viagens gratuitas aos veículos. E é muito comum elas serem aceitas e a menção ao convite ser feita ao final da reportagem. Isso, no entanto, não é uma prática na Abril. Bettina diz que há um senso comum de que um jornalista de Turismo é um felizardo, pois conhece o mundo com as contas creditadas à sua empresa: — O jornalista que faz reportagens fora de sua cidade acrescenta mais experiências à sua vida. Mas uma viagem a trabalho é sempre uma viagem a trabalho. Nunca se está desligado, relaxado. Raramente você consegue tomar sol na Toscana, você a investiga. Vai à Disney? Sim, mas não está à toa — anota depoimentos de outras pessoas, observa a altura do brinquedo, conversa com profissionais. Nunca é uma viagem de lazer, sem hora, sem compromissos. A rotina, aliás, é sempre dura. Acordamos cedo, porque a luz da manhã é boa para fotografias, e dormimos depois que as boates abrem. O turno se

estende. É gostoso? É. Mas é um trabalho gostoso, não férias. Ponto de partida: as fotografias Na revista Horizonte Geográfico, o editor Sérgio Adeodato explica como é o funcionamento da edição: — Nosso primeiro critério de escolha de destino é a qualidade das imagens enviadas pelos fotógrafos. Os destinos internacionais têm maior prioridade porque, segundo uma pesquisa, as capas de cidades estrangeiras são mais atraentes, não só pela curiosidade do leitor, mas pela satisfação de um desejo dele que às vezes pode não se realizar. Conta Sérgio que na revista não há repórteres nem fotógrafos contratados, e as matérias são feitas por freelancers. — Nosso enfoque são as belezas naturais, o patrimônio histórico, as festas populares; enfim, procuramos mostrar o que existe no local e como aquilo interage com o meio ambiente. A maior parte das pautas surge quando um fotógrafo visita algum local e lhe envia as fotos: — Como a maior parte deles não escreve com o ponto de vista jornalístico de um repórter, precisamos complementar os dados e fazemos a pesquisa pela internet. Quando alguém vai especialmente para algum destino, são viagens patrocinadas em sua maioria. E normalmente é o fotógrafo que vai, pois damos ênfase às imagens. Esta reportagem foi produzida em novembro de 2005. As motivações, as técnicas e as rotinas nela referidas continuam atuais.

Segredo da produção de matérias, revelado por Bettina, de Viagem e Turismo: o repórter faz o que o turista faz, mas com olhar de jornalista. Adeodato, de Horizonte, vê as fotos para programar o texto.

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MERCADO

Como (e por quê) a mídia abana artistas miliardários POR PINHEIRO JÚNIOR

The Economist publica que as mais importantes casas de leilão da Inglaterra – as rivais Sotheby’s e Christie’s – estabeleceram recordes de R$ 497 milhões e R$ 750 milhões, respectivamente, em uma única noite, com a venda de pinturas contemporâneas. Arte contemporânea, como se sabe, é aquela que dispensa formas e cores. Qualquer um pode reconhecê-la ao primeiro olhar. Depois virar as costas e ir embora murmurando: “Até eu faço isso!”. Não é bem assim. A arte contemporânea, tão extensa que até Steve Spielberg se acomoda entre seus mais badalados expoentes, como cineasta, naturalmente, expressa na verdade grilos e minhocas mentais dos tempos que correm. E como correm! Na pintura, caracterizam-se como contemporâneas aquelas abstratas pinceladas, por vezes tristes e grosseiras, sobrepostas e tronchas, parecendo um silk-screen de fundo de quintal que não deu certo. Podem destacar-se, nestas telas, o preto e o cinza sobre verde-piscina, formando geometrias imprecisas como as que são vistas no quadro paradigmático Green car crash do pop Andy Warthol. Um contemporâneo legítimo contemplado, aliás, com R$ 139,8 milhões. Foi quanto pagaram pelo Green car crash no primeiro dos leilões noticiados. Há quem inclua no ritual contemporâneo das artes os clandestinos grafiteiros. Na verdade, estes são pichadores marginais que borram monumentos artísticos de valor inestimável. E acham que estão produzindo um protesto explícito. Escalas pictóricas acima deles estão os autênticos grafiteiros que, embora discutíveis e até também abominados por críticos e marchands, podem realmente produzir arte e freqüentar galerias e museus dentro de um fenômeno tão globalizado quanto possível. O semanário inglês explica este fenômeno mostrando que o mundo está cheio de novos ricos que não sabem o que fazer com tanto dinheiro fácil. Por isso inflam uma bolha que, de repente, pode abrigar até pichadores de rua. Eis que, recentemente, os pichadores ganharam espaço em fachadas seculares que lhes foram franqueadas em pelo menos um castelo na Escócia. A oportunidade, porém, ainda é uma exceção. Pois os compradores de quadros milionários não são exatamente os tradicionais herdeiros de castelos. São os novos ricos. Principalmente da Rússia e da China. Não morando obrigatoriamente lá. Mas vêm de lá, onde as fortunas jorram de uma cornucópia inimaginável. À custa desses caras, ingleses e ame8

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Um paradigma dessa arte hipervalorizada pela badalação midiática: Green car crash do norte-americano Andy Wharol foi negociado pela fábula de R$ 139,8 milhões.

ricanos estão botando muita grana no bolso, embora começando a temer que essa bolha súbita de luxo e riqueza esteja sujeita a contaminações e desmoralizantes prejuízos. Diz o hebdomadário da preferência do mega-especulador George Soros que os bilionários de última hora ganharam esse dinheiro todo com a falência da União Soviética. E também com o espantoso boom econômico da China. Agora, para comemorar e tornar pública esta prosperidade, esses novos ricos dependuram em suas paredes quadros que são autênticos certificados artísticos da ilimitada conquista financeira que alcançaram depois de décadas de idealismo coletivista. A grana violenta que gastam causa mais espanto porque parece evidente que há uma fugacidade no investimento em uma expressão artística que dispensaria a materialida-

de da tela ou do papel. E seria uma arte tão volúvel e abrangente que, se você espiar o catálogo da internet, vai descobrir que há também desenhistas do diaa-dia promovidos – quem sabe até com justiça – à condição de superartistas. Mas há desenhistas e... desenhistas. Lá estão eles, lado a lado no catálogo democrático, alguns cartunistas, para só citar os brasileiros, como Henfil, Ziraldo, Angeli, Aroeira e Millôr, misturados a infografistas propiciados pela desesperada informatização de tudo. Por duvidar que a posteridade venha a dar valor a obras tão fugazes, o MoMA de Nova York expõe acervos com títulos como Altos e baixos da arte contemporânea e O que é arte e o que não é arte. Nem sempre, porém, são pintores, desenhistas ou apropriadores os maiores beneficiários desta bolha miliardária. A menos que um artista da moda

“O mundo está cheio de novos ricos que não sabem o que fazer com tanto dinheiro fácil. Por isso inflam uma bolha que, de repente, pode abrigar até pichadores de rua.”

conheça um bilionário disposto a lhe pagar diretamente, ele vai cair em mãos inescrupulosas. Como isso é muito fácil, porque o pintor depende de badalações sociais e midiáticas para aparecer e ganhar dinheiro, os atravessadores ficam mesmo com a parte do leão. The Economist garante – e as Bolsas estão aí para comprovar – que há dinheiro sobrando nos mercados mundiais, malgrado os insucessos imobiliários americanos. Em contrapartida, continuam vazios bolsos e pratos de populações inteiras. Inclusive no Brasil do Fome Zero, embora o IBGE afirme que nossa linha de pobreza baixou em conseqüência do assistencialismo do Presidente Lula. Estatísticas da Onu documentaram, recentemente, no entanto, que há um aumento global de comunidades abaixo da fronteira da miserabilidade, principalmente na África e em países da América Latina. Os artistas contemporâneos – nem era preciso dizer – nada ou pouco têm a haver com essa disparidade entre excluídos e incluídos-demais. Ou melhor: eles até podem expressar em pós-modernidades aceitáveis e sem qualquer engajamento específico as injustiças do mundo. Mas, como fazer isso, afinal, e ser imediatamente reconhecido se a arte contemporânea – que é a que rende dividendos no momento – para se apresentar criticamente correta, tem que ser, como nenhuma outra em qualquer tempo, desde Praxísteles, uma arte pela arte genuína? Você pode até achar um absurdo, mas Guernica de Picasso e Retirantes de Portinari estariam absolutamente fora de moda se fossem produzidos hoje. Na moda ainda, talvez só Salvador Dalí, um dos poucos superclássicos do modernismo que escapou da metralhadora consumista e permanece como expressão contemporânea. Porque Dalí, com seus relógios tortos, expressa também o inverno da nossa desesperança de que falava o Nobel da literatura americana John Steinbeck repetindo Shakespeare. Desesperança atualizada por José Saramago, quando se confessa um comunista empedernido, mas sem acreditar em perspectivas socialistas para qualquer parte do planeta nas próximas décadas. Dar um valor justo à arte e ao ser humano, como se vê – é de todo muito problemático. Os cínicos, por exemplo, falam na importância transcendental da moda – a moda corriqueira ditada por designers e estilistas – para justificar pinturas duvidosas arrematadas por milhões de dólares. Um desses gozadores da ignorância nouveau riche – Richard Feigen – garante que a arte contemporânea, principalmente a produzida de


Guernica (acima), de Picasso, estaria absolutamente fora de moda pelos padrões argentários atuais, nos quais somente Salvador Dali sobreviveria.

1940 a 1970 e que teria revolucionado e substituído a arte moderna, é a mais valorizada agora porque combina com a decoração despojada dos lofts do Chelsea e de Manhattan. Daí a disputa pelos quadros do russo-americano Mark Rothko, que alcançam a cifra de R$ 142 milhões em leilões da Christie. E veja que o fornecedor dos traficantes de arte neste caso foi nada menos do que o triliardário David Rockfeller. Ficamos a pensar nos pobre-ricos impressionistas. Eles já foram a moda. Como Van Gogh também o foi depois de morto. Como foram os nossos cubistas que colaram em Portinari. Este mais

sortudo, excepcionalmente, pois emplacou muitas vendas diretas perpetuandose em murais bem pagos pelo governo e por bancos de burras cheias. Pensamos também em nossos artistas mais próximos e atuais, como o cubista Silva Filho, sincero e forte nas cores de seus retratos. Mas que não consegue sequer expor em universidades locais porque não é – veja só! – um contemporâneo. Não usa embalagens velhas, sucata de computador, nem repete fotos altocontrastadas de Marilyn com a boca repolhuda, nem nunca pensou em reciclar tampas de refrigerantes em apropriações, vamos dizer, indébitas.

Com o seu fantástico Retirantes, Portinari é outro "fora de moda": suas telas não combinam com a decoração dos lofts do Chelsea e de Manhattan.

Acompanhamos, na época, por volta de 1950, que Emiliano Di Cavalcanti, o gênio das mulatas maternais eróticas, quando ainda no anonimato doava painéis a donos de jornais, como Samuel Wainer e Roberto Marinho, Assis Chateaubriand e Joãozinho Dantas. A esperança do Di era crescer na mídia e conseguir vender bem suas obras. Conseguiu. E conseguiu também porque Di é realmente

um clássico espetacular do modernismo, com ou sem modismos impostos. Os contemporâneos da preferência bilionária, que usam embalagens de sopa como modelo dispensando o belo e as belas, com toda certeza são uma anomalia, vamos dizer, menstrual. Afinal a arte é mulher. Jovem e procriadora. Pinheiro Júnior, jornalista, é sócio da ABI

EVOCAÇÃO

Binômio: jornalismo e História POR PETRÔNIO GONÇALVES

No começo era apenas uma brincadeira entre estudantes que a polícia levou a sério. Eles também. Cansados de viver de sombra e água fresca, começaram a fazer jornalismo e história na arcaica Belo Horizonte dos venturosos anos 50, divisada entre Juscelinos, Bias Fortes, Lucianos e tantos outros mais. O jornalismo vinha das fileiras históricas de Campos Gerais, no centro-oeste mineiro, na figura genial de José Maria Rabelo. A história vinha das frondosas árvores da Zona da Mata mineira, da musical Ubá, na figura generosa de Euro Arantes. A partir das linotipos móveis de Gutenberg, criaram uma terceira arte, apelidada de imprensa alternativa, que depois emprestaria sua fórmula e seu caminho para O Pasquim, Opinião, Movimento, entre tantos outros. Já no primeiro número do jornal, saído no domingo 17 de fevereiro de 1952, composto manualmente e rodado em papel de péssima qualidade, com quatro páginas tablóides, selou-se um caso de amor incondicional entre a capital mi-

neira e o semanário. Era amor verdadeiro, nutrido pelos editoriais inspirados de José Maria Rabelo e Euro Arantes, pelas matérias de Roberto Drummond e Ponce de Leon, pelas fotos de Antônio Cocenza, pelas charges de Ziraldo, Raf, Borjalo, pelas colunas do General da Banda e General Legal, pela diagramação de Oséas de Carvalho, entre tantas estrelas que ali começavam a brilhar, como José Aparecido de Oliveira, Alberico Souza Cruz, Orlando Vaz Filho, Fernando Gabeira, Paulo Mendes Campos, Afonso Romano de Sant’Anna, Cyro Siqueira, Fábio Lucas, Mauro Santayanna, entre tantos outros nomes, em doze anos de jornalismo e escola. Pioneiro, destemido, debochado, ousado, irônico, criativo, cívico, irreverente, contundente, heróico, inovador, e genial, loucamente genial... profundamente genial... que saudade... que saudade... Assim foi o Binômio, uma perfeita interação entre o jornalismo, o jornalista e o seu tempo. Como era um caso de amor verdadeiro entre a cidade e o jornal - e isso havia virado Minas de cabeça para baixo - ele

Na varanda, a turma do Binômio: José Maria Rabelo, José Aparecido, Oséas Carvalho e Ponce de Leon, fotografados a pedido de Petrônio (à direita).

teria que ser interrompido pelos medíocres, por aqueles que não entendem que a História se faz a partir dos sonhos dos homens. Após o dia 30 de março de 1964, depois de vários Punaros Bleys, a ditadura caduca impediu a circulação do Binômio e passou a perseguir àqueles que o faziam. José Maria exilou-se mundo afora. Euro assistia a tudo, indignado, lá do céu. A minha revolta é que não ouvi falar do Binômio durante os meus quatro anos de faculdade de Jornalismo. Um profundo desrespeito com o jornalismo, com a História do jornalismo, com a História da cidade de Belo Horizonte e, principalmente, com aquele que recor-

re a uma faculdade para aprender um pouco mais sobre as coisas deste mundo e do seu tempo. Aprendi que a nossa História se faz mais nas ruas que nas bancadas das universidades. Pena! Agora, depois de ler nas páginas do tempo as glórias do Binômio, sigo por aí afora pregando a boa nova que nunca se perdeu de nós. Sigo como o velho jornaleiro anunciando aqui, ali e acolá, a grande ‘velhice que chegou’. Esta crônica é publicada na ocasião das comemorações dos 79 anos de vida de José Maria Rabêlo e dos seus 60 anos de jornalismo. Petrônio Souza Gonçalves, sócio da ABI radicado em Belo Horizonte, MG, é jornalista e escritor

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DEPOIMENTO

Bárbara Heliodora, a crítica mais temida Considerada uma das maiores autoridades em Shakespeare, ela chegou a ser vaiada pelos artistas na cerimônia de entrega de um prêmio teatral, pelo rigor com que exerce a crítica. “Foi uma reação meio infantil. Hoje em dia já não acontece”, diz Bárbara, sem mágoa. ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES

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onsiderada a principal crítica teatral da imprensa brasileira, Bárbara Heliodora, aos 84 anos de idade e 50 de profissão, foi uma das responsáveis pela organização do ensino da matéria no Brasil, quando dirigiu o Serviço Nacional de Teatro–SNT, no início dos anos 60. Temida por muitos, ela diz que a crítica é a fase final do

processo criativo e que quem acha que ela é muito exigente é porque não lê a crítica publicada fora do Brasil. E avisa: “Só externo mais indignação quando sinto que houve desleixo, auto-indulgência, coisa que o público não merece”. Primeira carioca a receber o título de doutoramento — pela Universidade de São Paulo,, com uma tese sobre

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a obra de Shakespeare —, Barbara afirma que no Brasil não existe política cultural e que a medida do Governo que unificou o teatro com o esporte, para fins de subvenção, é equivocada. Diz também que o Rio de Janeiro, empobrecido, precisa reformar seus teatros e que o meio teatral, no momento, carece de uma safra de bons diretores.


“A crítica veio da minha curiosidade em desvendar os processos que fazem o teatro funcionar”

Jornal da ABI — Como se deu sua aproximação com o teatro? Bárbara Heliodora — Todo mundo quando criança gosta de brincar de interpretar. Eu, ao invés de querer ser atriz, me interessava pelo processo teatral. Até hoje acho que o grande milagre, a coisa mais inacreditável, é você transformar uma página impressa num espetáculo vivo. Este é o grande fenômeno teatral. No entanto, não me lembro de ter ido a teatro quando pequena. Minha lembrança mais antiga de uma peça foi quando eu tinha 15 anos. Em 1938, conheci o trabalho da Dulcina (de Moraes) e vejo ainda hoje, claramente, sua imagem no palco. Minha memória me tem servido muito bem para preservar muitas coisas que eu vi e que de repente passam na minha frente, ao vivo e em cores. Jornal da ABI — Qual foi a sua grande descoberta? Bárbara — À medida que fui conhecendo mais o teatro, percebi que ele é um instrumento maravilhoso para se aproximar das pessoas e aprender sobre elas, porque se trata de uma arte que depende exclusivamente de ações humanas. Através da imaginação, o teatro leva a gente a conhecer mundos, hábitos, temperamentos e atos que de outra maneira não conheceríamos. É isso que me fascina nessa arte.

Jornal da ABI — A senhora é considerada uma das maiores autoridades em Shakespeare e a melhor tradutora nacional do autor. A revelação de sua obra aumentou seu interesse pela crítica teatral? Bárbara — São duas coisas diferentes. A crítica veio da minha curiosidade em desvendar os processos que fazem o teatro funcionar. Aconteceu na época em que eu comecei a freqüentar o Ta-

Jornal da ABI — E no JB, como foi? Bárbara — O jornalista Geraldo Queirós ia sair do Suplemento Dominical do jornal e me perguntou se eu não queria ocupar seu lugar. Aceitei o convite e comecei a escrever minhas críticas, até que surgiu um fato desagradável. O Mário Nunes, que também escrevia críticas para o noticiário diário do jornal, reclamou com a Condessa Pereira Carneiro, então proprietária do JB. Eu não sabia que o Queirós só escrevia sobre peças em cartaz fora do País. Eu disse à Condessa que ia parar, mas o Reinaldo Jardim, que editava o Caderno B, publicou uma nota, dizendo que enquanto eu não voltasse não haveria coluna de teatro no jornal. Acabou com o Mário Nunes concordando que eu fizesse a crítica do Suplemento Dominical, de onde saí para assumir a direção do Serviço Nacional de Teatro. Jornal da ABI — O cargo lhe permitiu fazer alguma coisa pelo teatro brasileiro? Bárbara — Havia o caso das subvenções, que eram decididas por uma comissão de 17 pessoas de vários segmentos culturais, como teatro, circo etc. Era um processo de cotas pulverizado, em que cada um defendia a sua área. Minha primeira medida foi acabar com esse conselho, criar um novo, previsto para funcionar com cinco membros, e nomear Carlos Drummond de Andrade, Décio de Almeida Prado, Adonias Filho, Gustavo Dória e Agostinho Olavo. Passamos a examinar as subvenções com muito mais cuidado, a estimular o que era mais interessante, e estabelecemos que a verba seria repassada em dois semestres, com prazos estipulados para as solicitações, de acordo com a data de estréia das peças. A medida deu mais equilíbrio à questão. Antes a distribuição das cotas era feita no início do ano; quem estreava no segundo semestre não recebia nada. Jornal da ABI — Houve outras mudanças? Bárbara — Fizemos também a reforma do Conservatório Brasileiro de Teatro, que estava erroneamente subordinado ao SNT, contrariando o que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, da mesma forma que a Escola Nacional de Biblioteconomia era liga-

da à Biblioteca Nacional. Esses órgãos foram unidos na Federação das Escolas Federais Isoladas da Guanabara–Fefieg. Quando a Guanabara virou Rio de Janeiro, nasceu a Fefierj, depois UniRio.

tório ter titulação. Então, quem está ensinando são professores novos, que nunca pisaram num palco, não têm a experiência viva que permite ser bom mestre em disciplinas como Direção e Interpretação. Isso está prejudicando muito o ensino teatral.

Jornal da ABI — Qual foi impacto das reformas? Bárbara — A distribuição de recursos, que hoje está com a Funarte, ficou mais organizada e mais transparente. Também, de um conselho com membros como Drummond e Décio Prado, ninguém podia duvidar da lisura no julgamento das cotas de subvenção. O teatro tornou-se um produto mais respeitável, com estrutura mais reconhecível. Atualmente, tenho algumas restrições a fazer ao seu ensino e até me arrependo de tê-lo levado para a universidade. Ele devia ter ficado como Conservatório, porque o Conselho Federal de Educação não vê que as artes são diferentes das ciências exatas.

Jornal da ABI — Temos alguma universidade com essa preocupação? Bárbara — A vantagem da Usp é ter agregada a ela a Escola de Arte Dramática, em nível de segundo grau. As pessoas passam por lá e só depois vão fazer a Escola de Comunicações e Artes–Eca. Jornal da ABI — Como foi receber o primeiro doutoramento do Rio, com a tese “A expressão dramática do homem político em Shakespeare”, defendida na Usp? Bárbara — Foi importante para eu poder continuar na carreira acadêmica, iniciada com as aulas de História do Teatro no antigo Conservatório. A tese ganhou esse título complicado porque, se eu só a chamasse O homem político em Shakespeare, me poriam diante de uma banca formada por cientistas políticos. Foquei o trabalho nas peças históricas, para mostrar a preocupação constante do autor com o bom governante, aquele preocupado com o bem-estar da comunidade, não o que quer o Estado para si. Shakespeare, porém, não faz sermão, não dá aula: todas as suas convicções se manifestam de maneira dramática.

Jornal da ABI — Como? Bárbara — Antigamente era possível aproveitar atores e diretores experimentados para dar aula. Hoje, é obriga-

“Há uma montagem inesquecível de Hamlet, com Sérgio Cardoso, em 1948. As pessoas urravam de entusiasmo, tinha gente que ia todos os dias.” ACERVO IDART-CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Jornal da ABI — E o seu encontro com Shakespeare? Bárbara — O primeiro livro dele eu ganhei da minha mãe, também aos 15 anos, porque já sabia alguma coisa de inglês e lia pelas beiradas (risos). Depois, como sempre me interessei por teatro e literatura inglesa, fui me apaixonando pelo autor. Quando entrei para a faculdade de Filosofia, ganhei uma bolsa de graduação e fui estudar nos Estados Unidos. Meu ideal era ir para a Inglaterra, mas havia no caminho um pequeno detalhe chamado Segunda Guerra Mundial. E tive uma professora maravilhosa. Estudei não só a obra Shakespeare como a história do teatro europeu antigo e moderno, e várias outras cadeiras ligadas ao espetáculo teatral. Como fiquei em Connecticut, a duas horas de trem de Nova York, fui muito ao teatro nos dois anos em que morei lá. Vi muitas coisas boas.

blado, no Rio, onde fui aprender o processo de ensaio vendo a atuação da ótima diretora Maria Clara Machado. A estréia na crítica aconteceu no final de 1958, quando ocupei a vaga na Tribuna da Imprensa. Fiquei pouco tempo lá, porque mudou o chefe de Redação e o novo queria que eu escrevesse uma coluna de fofocas teatrais. Recusei e, no início de 59, me transferi para o Jornal do Brasil, onde fiquei seis anos.

Sérgio Cardoso numa de suas inesquecíveis adaptações de Hamlet, como esta de 1953

Jornal da ABI — Quais foram as melhores montagens de Shakespeare a que a senhora assistiu no Brasil? Bárbara — Há uma de Hamlet inesquecível, de 1948, com Sérgio Cardoso. Era extremamente romântica, seguindo uma linha muito comum na Alemanha, um pouco inspirada em Goethe. O espetáculo foi um sucesso, as pessoas urravam de entusiasmo, tinha gente que ia todos os dias. Mais recentemente, foi maravilhoso ver Romeu e Julieta com o Grupo Galpão. Apesar dos cortes e alterações, é extremamente fiel ao espírito da peça. Jornal da ABI — O Brasil já teve alguma proposta de dramaturgia popular como a de Shakespeare? Bárbara — Os dois últimos períodos do teatro realmente popular, que serviram a toda a sociedade, foram o elizabetano, na Inglaterra, e o século de ouro, na Espanha. No Brasil, o Auto da compadecida — por não haver brasileiro que não entenda essa peça — é o que mais representa o teatro popular, que, no entanto, acaba sendo feito para a classe média. Aqui a transformação que considero mais importante é que de 1950 para cá começamos a ter um teatro brasileiro.

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ARQUIVO PESSOAL

Jornal da ABI — Como o teatro nacional se impôs ao estrangeiro? Bárbara — Em princípios da década de 60 existia a lei do dois por um, ou seja, para cada dois textos estrangeiros tinha que se produzir um nacional — e todo mundo dava cambalhota para escapar dessa legislação. Hoje, é só abrir o jornal e verificar que cerca de 80% do que está em cartaz é nacional. O Brasil finalmente parou de brincar de fazer teatro, que para mim é o melhor documentário da História do mundo desde a Grécia. Essa nova apresentação de textos brasileiros reflete que o País está mais interessado na própria brasilidade e se conhecendo melhor. Jornal da ABI — Já temos uma tradição teatral? Bárbara — Com Nelson Rodrigues o Brasil começou a ter um teatro seu. Tivemos o Silveira Sampaio, o Teatro de Arena. E temos o Millôr Fernandes e o próprio Ariano Suassuna. Jornal da ABI — Ao mesmo tempo em que recebe elogios, a senhora é a crítica teatral mais temida pela maioria dos atores. Foi sempre assim? Bárbara — A crítica é a fase final do processo criativo. Todo mundo que faz alguma coisa quer que alguém diga como é que ficou. A crítica jornalística tem um dever duplo: informar quem fez até que ponto ele foi bem-sucedido e informar o público sobre o que ele vai assistir. Quem diz que sou muito exigente não lê o que se publica fora do Brasil: é arrasador. Aqui, somos uns anjos, mas não podemos dizer que o ruim é bom, não seria desonesto. Eu brigava muito com Paschoal Carlos Magno por causa disso. Ele tinha outra visão e me dizia: “É preciso estimular esses moços.” Eu retrucava afirmando que não se pode estimular o que está errado, porque é levar a pessoa a fazer o pior. O crítico tem de contribuir para que se encontre o caminho certo. Jornal da ABI — O que deve ser entendido sobre suas críticas? Bárbara — Eu não critico o ator, falo do trabalho que pode não estar bom hoje e amanhã vai estar maravilhoso. As únicas críticas que faço com mais indignação ocorrem quando sinto que houve desleixo, auto-indulgência, coisa que o público não merece. Muitas vezes um erro é extremamente digno, porque se tentou fazer alguma coisa, houve a intenção de acertar. O bom às vezes é mais difícil de analisar do que o ruim. A função do crítico é encarar a realidade e ser o mais isento possível, mas dizer que somos assim totalmente não é verdade. Jornal da ABI — Por quê? Bárbara — Cada um traz para a crí-

nesse ponto o teatro sai prejudicado, porque a lei devia prever que o setor é diferente e necessita de um estímulo especial. Não há política cultural no Brasil. Jornal da ABI — Que modelo seria interessante adotar para desenvolver a produção teatral? Bárbara — No País, o teatro ficou muito habituado a ser subvencionado. Não temos o hábito de ver o espetáculo como qualquer outro investimento, como ocorre nos Estados Unidos. Para eles, subvenção não existe, cada investidor participa como uma sociedade anônima comprando uma cota do espetáculo. Se a peça faz sucesso, ele ganha uma fortuna; caso contrário, deduz sua perda do imposto de renda. tica a sua formação, e isso pesa. Temos referenciais. As pessoas que dizem que lêem somente as minhas críticas descobriram, de algum modo, que eu geralmente concordo com elas — por isso acham minha crítica boa. O crítico tem que assumir seus critérios, não vejo outra maneira de desempenhar a função. Se eu não puder agir segundo o que parece ser claro, tenho que parar. Jornal da ABI — Ulysses Cruz, Marília Pera e Gerald Thomas, que chegou a desejar sua morte, ainda são seus desafetos? Bárbara — Não tenho contato com o Ulysses Cruz e com a Marília Pera hoje me dou muito bem. Tenho o maior respeito pelo talento dela. Quando falei mal, era porque o espetáculo era ruim, estava errado. Já o Gerald Thomas, depois, veio me pedir perdão, foi muito engraçado. Jornal da ABI — Em 93, na entrega do Prêmio Esso de Teatro, a senhora, que estava ausente por problemas de saúde, foi vaiada pelos artistas. Qual foi sua reação ao saber do episódio? Bárbara — Acho melancólico, pois foi uma reação meio infantil. Só isso. Hoje em dia já não acontece. Jornal da ABI — O que prevalece em seu baú de críticas até o momento: as positivas ou as negativas? Bárbara — Provavelmente, as negativas. Em compensação, eu só me lembro das positivas. (risos) Jornal da ABI — A qualidade do nosso teatro vai mal? Bárbara — Infelizmente, há muito autor que usa a chanchada com palavrão, a apelação barata etc., porque sabe que existe um público despreparado que vai achar aquilo muito engraçado. E esse é um teatro que deseduca, que, ao

“Com Nelson Rodrigues o Brasil começou a ter um teatro seu. Tivemos o Silveira Sampaio, o Arena. Temos o Millôr e o próprio Suassuna” invés de tirar o melhor do público, explora o pior. Acho isso terrível. Mas há gente tentando fazer o melhor. Jornal da ABI — As novelas brasileiras sofreram alguma influência do teatro e vice-versa? Bárbara — Na minha opinião, os melhores atores de novelas saíram do teatro, e há na tv muitas pessoas que passam por uma, duas produções teatrais e desaparecem, porque não têm talento. Houve uma diminuição de público nos teatros por causa das novelas, que oferecem entretenimento gratuito para quem não pode sair de casa. Mas a tv podia oferecer uma programação de melhor qualidade. Essa história de que o teatro é caro é um mito. Sua não tradição aqui é que faz com que as pessoas à vezes prefiram pagar muito mais para ver algo que já conhecem. Isso acontece por causa dos maus espetáculos: se uma pessoa vai ao teatro e assiste a um desastre, fica sem voltar uns dois ou três anos. Jornal da ABI — O que a senhora pensa sobre as políticas públicas de incentivo à cultura no Brasil? Bárbara — E elas existem? Agora então que misturaram com o esporte, o que o teatro vai ganhar? Nada, apesar de dar um retorno em publicidade que o esporte não dá. O público do futebol é enorme num determinado momento — e

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Jornal da ABI — Do ponto de vista físico, o Brasil tem bons teatros? Bárbara — No Rio, não. O João Caetano, por exemplo, não tem boa acústica; o Carlos Gomes precisa de poltronas mais confortáveis... Agora estão anunciando a construção da Cidade da Música, para a qual já existem o Municipal e a Sala Cecília Meireles. Mas ninguém constrói um bom espaço para o teatro, com bons recursos técnicos. Jornal da ABI — A senhora já disse que está havendo aqui “uma certa deficiência de direção”. O que acha do teatro experimental lançado por José Celso Martinez Corrêa, nos anos 60? Bárbara — Sou a favor, mas ninguém pode achar que o teatro experimental é para o grande público. Só vai realmente ter curiosidade pela experimentação teatral quem já viu muito teatro. Muitos jovens, por exemplo, ainda não entendem bem o que é teatro experimental. Então, é preciso explicar antes de fazer a experimentação. Jornal da ABI — Qual é a sua esperança em relação ao teatro brasileiro? Bárbara — Que ele fique mais nacional, mas não tacanhamente brasileiro. A curiosidade pelo Brasil é fundamental e o teatro tem que cada vez mais conhecer o País e expressá-lo de forma interessante. Jornal da ABI — Como se forma um bom crítico teatral? Bárbara — Vendo e estudando muito teatro. Por isso fico muito preocupada, porque no momento, no Rio, o panorama está muito pobre. A falta de dinheiro está limitando muito o gênero de espetáculo que se apresenta e, para poder encontrar seus referenciais, o crítico precisa ver produções diversificadas. Para ser um bom profissional é preciso também, acima de tudo, ter muita paixão pelo teatro, para poder assistir ao que é ruim e ainda ter esperança.


“Tomie Ohtake: É uma generosidade muito grande” Em sensível mensagem à ABI, a artista plástica Tomie Ohtake não só aceitou o convite para integrar a Comissão de Honra como, com modéstia, agradeceu por sua inclusão na Comissão. Eis sua carta: “A comemoração do centenário de uma entidade como a ABI-Associação Brasileira de Imprensa é motivo de grande orgulho para o País, tendo em vista a excepcional atuação que teve em prol da livre manifestação, condição fundamental para a democracia. Portanto, ser convidada para fazer parte da Comissão de Honra, alem de se constituir numa surpresa, é uma generosidade muito grande, pois, apesar de hoje todos utilizarem o computador indiferentemente, o meu instrumento original é o pincel, não a caneta dos jornalistas. Quero dizer que aceito com toda a honra e agradeço fazer parte desta Comissão para a comemoração do centenário da ABI-Associação Brasileira de Imprensa. Atenciosamente (a) Tomie Ohtake.”

Serra também diz sim O Governador de São Paulo, José Serra, aceitou participar da Comissão de Honra do Centenário. O convite foi formalizado pelo Vice-Presidente da ABI, Audálio Dantas, em audiência realizada no dia 6 no Palácio dos Bandeirantes. Além de integrar a Comissão do Centenário da ABI, Serra garantiu presença na inauguração do I Salão Nacional do Jornalista Escritor, que integra as comemorações dos cem anos e será realizado de 14 a 18 de novembro no Memorial da América Latina, em São Paulo. Estiveram presentes ao encontro com o Governador o Secretário de Comunicação de São Paulo, Hubert Alquéres; os Conselheiros da Representação da ABI em São Paulo Carlos Chaparro, Eduardo Ribeiro, Leandro Buarque e Gioconda Bordon; e o Diretor-Executivo do Salão do Jornalista Escritor, José Alberto Lovetro. O I Salão Nacional do Jornalista Escritor tem como proposta possibilitar que estudantes, pesquisadores, professores e a sociedade, de maneira geral, tenham acesso a obras escritas por profissionais do jornalismo, que se encontram cada vez mais presentes no universo dos best-sellers. Uma das atrações do Salão, idealizado por Audálio Dantas, será a exposição de capas e ilustrações de livros criadas por Elifas Andreato. O cartaz de divulgação do evento também é uma obra do artista, que se notabilizou, entre muitos outros trabalhos, pelas capas que produziu para os discos de Paulinho da Viola.

ADESÃO

A ACADEMIA NA COMISSÃO DE HONRA DO CENTENÁRIO Os acadêmicos Marcos Vilaça, Arnaldo Niskier,Cícero Sandroni,Ivan Junqueira, Moacir Scliar,Murilo Melo Filho e Paulo Coelho aceitam integrar a Comissão de Honra do Centenário da ABI e se declaram honrados com o convite feito pela Casa. A Academia Brasileira de Letras começou a responder afirmativamente ao convite feito a vários de seus integrantes, principalmente os escritores que são também jornalistas, para integrar a Comissão de Honra do Centenário da ABI. O primeiro a expressar a aceitação ao convite foi o próprio Presidente de Academia, Marcos Vinícios Vilaça, que se apressou em dirigir telegrama à Casa, assim que recebeu o ofício da ABI, dizendo sim. Em ordem alfabética, e não cronológica, responderam imediatamente ao convite os acadêmicos Arnaldo Niskier, Cícero Sandroni, Ivan Junqueira, Moacir Scliar, Murilo Melo Filho e Paulo Coelho. Presidida por Oscar Niemeyer, sócio da Casa desde 1953, época em que dirigia e editava a revista de arquitetura e cultura Módulo, a Comissão de Honra, como a designação indica, tem caráter honorífico, sem quais-

quer encargos de natureza administrativa ou financeira. Como a ABI assinala na mensagem que dirige a personalidades com atuação nos diferentes campos da vida social – a literatura, o teatro, o cinema, as artes plásticas, a música, a educação, a engenharia e a arquitetura, o mundo jurídico, o setor empresarial, o jornalismo —, com a formação dessa Comissão a Casa “expressa a sua homenagem tanto a cada convidado como ao segmento da vida nacional que ele integra”. “Esta Casa – diz a ABI – considera que assim enaltecerá quantos, nessas áreas, contribuíram para qe a imprensa do País, que a ABI defende desde seu surgimento, refletisse ao longo do século decorrido o que de mais significativo marcou nossa existência como ser coletivo como uma comunidade singular entre as nações.” Além da Comissão de Honra, a ABI constituiu a Comissão Executiva do Centenário, formada por diretores e associados, a qual já se encontra em atividade definindo a programação a ser implantada desde logo e no decorrer de 2008 e adotando as providências necessárias.

Falam os acadêmicos IVAN JUNQUEIRA “ É com muito gosto e honra ainda maior que aceito o convite do ilustre confrade para integrar Comissão de Honra do Centenário da instituição que com tato brilho e competência o amigo preside. Em 2008, ano em que a Academia Brasileira de Letras estará comemorando o centenário de morte de seu grande patrono Machado de Assis, será de todo desejável que estas duas agremiações possam estar juntas na celebração de suas datas máximas. Cordialmente (a) Ivan Junqueira.” MURILO MELO FILHO “ Fiquei muito feliz e honrado com o seu amável convite para integrar a Comissão de Honra das homenagens ao centenário da nossa querida ABI. Essa comemoração vai coincidir com o centenário da morte do nosso inesquecível Machado de Assis, que também será devidamente registrado.

Quer isto dizer que no mesmo ano em que morria o nosso Machado estava nascendo a nossa ABI. Tenho o orgulho de ser seu sócio há muitos anos e de ter pertencido durante algum tempo ao seu Conselho Deliberativo. Estes são títulos que, com bastante orgulho, carrego para o resto da minha vida como muito honrosos e gratificantes. Aqui fico ao seu inteiro dispor para ajudá-lo no que for necessário para que essa comemoração se revista do maior brilhantismo possível, como a nossa Associação tanto merece. Com todo o meu respeito e estima (a) Murilo Melo Filho.” ARNALDO NISKIER “Considero grande homenagem ao seu velho amigo pertencer à Comissão de Honra do Centenário da nossa ABI. Conte comigo. O grande abraço do (a) Arnaldo Niskier.”

MOACIR SCLIAR “Prezado Presidente Maurício Azêdo: em primeiro lugar minhas escusas pela demora em responder, mas só agora recebi seu amável ofício convidando para participar da Comissão de Honra do centenário da ABI. Honra é pra mim integrar essa Comissão. Conte pois comigo e receba os cumprimentos do Moacir Scliar.” PAULO COELHO “Como brasileiro que – infelizmente – viveu parte de sua juventude sob a repressão severa do regime militar, fui testemunha em muitas ocasiões da importância e da relevância da ABI durante este período. Portanto, agradeço o convite que muito me alegra, e com muita honra aceito fazer parte da Comissão de Honra que celebrará os 100 anos de luta desta instituição. Um forte abraço (a) Paulo Coelho.”

A COMISSÃO EXECUTIVA Formada por associados e diretores, a Comissão Executiva do Centenário tem a seguinte composição: Alberto Dines, Ancelmo Góis, Artur da Távola, Audálio Dantas, Aziz Ahmed, Benício Medeiros, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Estanislau Oliveira, Fernando Barbosa Lima, Francisco Paula Freitas, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, Marcelo Tognozzi, Maria Inês Duque Estrada Bastos, Mário Barata (in memoriam), Marlene da Silva, Milton Coelho, Miro Teixeira, Paulo Jerônimo de Souza, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Sérgio Cabral, Silvestre Gorgulho, Tarcísio Holanda e Terezinha Santos, sob a presidência de Maurício Azêdo. Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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FOTOS: ACERVO ABL/CEL LISBOA

COMPROMISSO

NINGUÉM VAI TOMAR A SEDE DA ABI. PALAVRA DE LULA. O Presidente ouve relato sobre a ameaça que pesa sobre o Edifício Herbert Moses e garante que em seu Governo a sede da Casa não muda de dono. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu à ABI que ninguém tomará a sua sede, o Edifício Herbert Moses, no Rio, como ameaça o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, no âmbito de uma ação executiva fiscal ajuizada no Tribunal Regional Federal do Estado do Rio, para cobrança de uma dívida que a ABI não reconhece nem como procedente, nem como legítima, nem como justa.A declaração do Presidente foi feita na noite de 28 de setembro, na Academia Brasileira de Letras, onde ele participou da sessão solene comemorativa dos 110 anos da Casa de Machado de Assis. Ao cumprimentar o Presidente assim que este deixou a mesa diretora da solenidade, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, expôs-lhe a preocupação da Casa diante dessa ação executiva fiscal, em face do risco de que o INSS pretenda tomar a sede da entidade para cobrir o débito imputado à ABI. Embora assediado por dezenas de pessoas que desejavam cumprimentá-lo, Lula ouviu o relato com extremo interesse e foi incisivo: – Ninguém vai tomar a sede da ABI. Não conseguiram tomar em outros mo-

mentos, em outras épocas, e não será agora que vão privar a ABI de sua sede. O Presidente recomendou à ABI que buscasse um contato com o Ministro da Previdência Social, Luiz Marinho, para expor o problema e discutir soluções. Ele pôs no bolso o cartão de visita que o Presidente da ABI lhe estendeu e informou que iria determinar ao Ministro Luiz Marinho que tome a iniciativa de promover uma reunião com a Diretoria da ABI.

À vontade entre os imortais, o Presidente Lula foi informal com Vilaça, Presidente da Academia.

Sarney, “em cima” Designado orador oficial da Academia na cerimônia dos 110 anos de fundação da Casa, na qual discursaram também o Presidente da ABL, acadêmico Marcos Vinicios Vilaça, o Governador Sérgio Cabral e o Presidente Luiz Inácio da Lula da Silva, o Senador e acadêmico José Sarney expressou otimismo quanto à aprovação do Projeto de Lei do

Senado nº 191 de 2006, de sua autoria, que concede isenção tributária e fiscal à Academia Brasileira de Letras, à ABI e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e cancela débitos imputados a esse título às três instituições. Informado pelo Presidente da ABI da necessidade de emissão de parecer ao projeto pela Senadora Ideli Salvati ( PTSC) na Comissão da Assuntos Econômicos do Senado, a fim de que a proposição possa finalmente tramitar, Sarney se mostrou confiante, otimista. “Fiquem tranqüilos. Estou em cima”, disse, repetindo com ênfase a mesma frase: “Estou em cima, estou em cima”. Sarney, orador oficial, prendeu a atenção de Sandroni e do Governador Cabral.

DERROTA

Associações do MP perderam a luta contra o foro privilegiado JOSÉ CRUZ/ABR

O Governador Aécio atendeu às associações do MP, mas a Assembléia manteve o foro privilegiado.

A resistência das entidades representativas dos membros do Ministério Público, que pleitearam e obtiveram para a causa o apoio de instituições da sociedade civil, entre as quais a ABI, não foi suficiente para derrubar o foro privilegiado concedido aos ocupantes do Poder por uma lei da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. A luta conseguiu uma vitória importante, com o veto do Governador Aécio Neves ao projeto, mas a Assembléia derrubou o veto e o transformou em lei. A ABI enviou telegrama ao Governador Aécio Neves, pedindo que vetasse o Projeto de Lei Complementar nº 17/2007, que foi aprovado pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais e altera a Lei Orgânica Estadual (LC 34/94). A manifestação da ABI atendeu a um pedido da Associação Nacional dos Membros do Ministé-

rio Público-Conamp, que solicitou apoio para o ato que se realizaria em Belo Horizonte, no dia 23 de julho, com o objetivo de “chamar a atenção da sociedade brasileira sobre a gravidade da situação e os reflexos negativos decorrentes da aprovação do Projeto de Lei 17/2007”. O ato foi realizado na sede do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura e Agronomia de Minas Gerais-CREA-MG e teve o apoio da Associação Mineira do Ministério Público-AMMP e do Sindi-MP. Na mensagem a Aécio Neves, a ABI pediu-lhe que vetasse integralmente a proposição, porque o Projeto de Lei institui, como informa a Conamp, foro privilegiado para autoridades locais, além de outras disposições que criam entraves à livre atuação do Ministério Público em Minas, favorecendo a impunidade dos

que fazem negócios escusos no âmbito da administração pública. O Governador vetou o projeto, acolhendo os apelos que lhe foram feitos, mas a Assembléia Legislativa rejeitou o veto, mantendo o foro especial que privilegia as autoridades locais. Esta é a íntegra do telegrama da ABI: “Minas Gerais não pode ser exemplo de estímulo à impunidade dos que fazem negócios na administração pública, como admitido no Projeto de Lei Complementar nº 17/2007, objeto de emendas que adulteram a proposição originária da Procuradoria-Geral de Justiça desse Estado. Apelamos à sua consciência cívica e senso ético para que vete integralmente essa proposição tão nefasta à moralidade na vida pública. Cordialmente (a) Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa.” Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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DIVULGAÇÃO

PRÊMIO FOTOS: FOLHA DIRIGIDA

Cabral na série organizada por Vítor Iório: A crítica não fez a Ataulfo Alves a justiça que ele merece.

PALESTRA

Cabral fala do cotidiano, na Biblioteca Nacional Leodegário Azevedo Filho recebeu placa das mãos de sua esposa, Ilka Souza de Azevedo

Leodegário, Personalidade Educacional O professor e filólogo Leodegário Amarante de Azevedo Filho, sócio da ABI, é um dos agraciados com o Prêmio Personalidade Educacional 2007, conforme divulgou a Comissão de Apuração do evento, uma iniciativa do Grupo Folha Dirigida, com apoio da Associação Brasileira de Educação-ABE e da ABI. A premiação foi criada em 1999, com o objetivo de contemplar dez pessoas e três instituições cujo trabalho proporciona relevantes contribuições aos segmentos da Educação e da Cultura. Além de Leodegário Amarante de Azevedo Filho, os eleitos deste ano foram Antônio Rodrigues da Silva, Edgar Flexa Ribeiro, Edson Nunes, Hermínio

da Silveira, Maria Lúcia Sardenberg, Nelson Maculan Filho, Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Nival Nunes de Almeida, Padre Jesus Hortal Sanchez e Vera Costa Gissoni. Eleitos Personalidades Educacionais pela terceira vez, o Padre Jesus Hortal e Maria Lúcia Sardenberg passam a fazer parte da Galeria dos Grandes Educadores, tornando-se hors concours. Entre as instituições educacionais e culturais, as mais votadas foram a Academia Brasileira de Educação, a Sociedade Propagadora de Belas Artes (Liceu de Artes e Ofícios) e a TV Educativa (TVE Brasil). A comissão apuradora recebeu 6.432 votos dos membros do colégio eleitoral, do qual fazem parte diretores de escolas e membros de entidades como a Academia Brasileira de Letras, a ABI, a ABE, a Associação Brasileira de Filologia e os Conselhos de Cultura e de Educação do Estado do Rio de Janeiro.

Adolfo Martins, Presidente do Grupo Folha Dirigida e criador do Personalidade Educacional, e Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer da ABI, discursam na cerimônia de entrega das honrarias.

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Uma palestra do jornalista Sérgio Cabral com o sabor de papo informal reabriu em 12 de setembro a programação do projeto Quarta às 4, realizado pela Biblioteca Nacional, idealizado e conduzido pelo também jornalista Vitor Iório. A série, que em 2007 se chama Narrativas do cotidiano brasileiro, tem como objetivo colher depoimentos, de maneira informal, de personalidades que contribuem para o desenvolvimento nos mais diversos setores da vida nacional. Cabral falou de sua longa passagem na imprensa como repórter e cronista de diversos veículos, da experiência de co-fundador do semanário Pasquim e de seus livros sobre a história das escolas de samba e grandes figuras da música po-

pular brasileira, como Pixinguinha, Ari Barroso, Elisete Cardoso e Almirante. Ele contou que atualmente se dedica a contar a vida de Ataulfo Alves, “de certa forma um injustiçado pela crônica musical, que não o colocou no lugar que merece”. Quanto ao filho Governador, Cabral afirmou que prefere se manter afastado das lides políticas, até para não desgastar a relação que eles mantêm e da qual ele tem muito orgulho. Mesmo assim, lastimou a situação de “cidade partida”, usando termo lançado por Zuenir Ventura, que vive o Rio de Janeiro, embora acredite que o Estado seja “maior, mais forte, bonito e criativo do que a violência”.

VEÍCULOS

HONRARIA

A Bola, de Portugal, rumo à África do Sul

Medalha do Pacificador para Nahum, lá em Israel

O mais tradicional jornal esportivo português, A Bola, fará sua estréia no continente africano, primeiramente na África do Sul e depois em Moçambique e Angola. Em entrevista ao Diário Econômico, de Portugal, no começo de setembro, o empresário Mário Arga e Lima, proprietário de A Bola, informou que os lançamentos deveriam ocorrer dentro de um mês, seguindo modelo de edição já usado na Ilha da Madeira: ao conteúdo geral do jornal são acrescidas duas páginas de matérias regionais. Revelou o empresário que só o lançamento em Angola deve atrasar um pouco, devido a problemas técnicos de impressão, mas “logo que sejam criadas as condições, ele (o projeto) prosseguirá”. Lançado em 29 de janeiro de 1945, A Bola tem ótima aceitação entre os angolanos, que compram 2,5 mil exemplares diários do jornal. Com a edição local, a expectativa é de que esse número seja rapidamente superado. Mário Arga e Lima falou também de outro projeto de expansão de A Bola: uma publicação semanal resultante de parceria com o jornal Público, um dos principais diários de Portugal.

Mesmo afastado do Brasil há muitos anos, o jornalista Nahum Sirotsky (foto) recebeu em Israel, no dia 24 de agosto, a Medalha do Pacificador, oferecida pelo Comando Militar do Exército Brasileiro. Esta foi a primeira vez que a comenda foi entregue em Israel e a um brasileiro radicado naquele país. A Medalha do Pacificador foi criada pela Portaria nº 345, de 25 de agosto de 1953, como evocação às homenagens prestadas a Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, por ocasião do sesquicentenário de seu nascimento. Em 1954, o Governo da República autorizou o uso da condecoração nos uniformes militares. A partir de 1955, transformou-se em honraria a ser conferida a militares e civis, brasileiros ou estrangeiros, que tivessem prestado assinalados serviços ao Exército, elevando o prestígio da instituição ou desenvolvendo as relações de amizade entre o Exército Brasileiro e os de outras nações.


DESINTERESSE

ESNOBARAM O PAN Do ponto de vista numérico, o Pan do Rio contou com uma das maiores coberturas jornalísticas da história dos Jogos. Credenciaram-se para essa empreitada 1.394 profissionais de mídia impressa e internet e 4.116 jornalistas de rádio e tv, segundo dados divulgados pela Coordenação de Relações com a Imprensa do CO-Rio. Todo esse esforço, porém, não chegou à grande maioria da população dos Estados Unidos e da Europa, de acordo com depoimento de jornalistas brasileiros e estrangeiros que participaram da cobertura. Desde que a cidade venceu a disputa pelo direito de sediar os XV Jogos PanAmericanos, havia enorme expectativa de que o evento despertasse o interesse da mídia internacional, servindo de vitrina para uma imagem positiva do Brasil no exterior. A animação aumentou quando a ESPN comprou direitos de transmissão do evento — a última vez que uma rede de tv norte-americana (a ABC) tomou essa iniciativa no Pan foi em 1991, em Havana. A estrutura da emissora proporcionou ao CO-Rio a geração de 850 horas de transmissão dos Jogos, em alta definição, para cerca de 150 países, superando o compromisso do Comitê de gerar 700 horas. Porém, ao se contabilizar o índice de notícias sobre o Pan nos principais veículos norte-americanos e europeus, chega-se à conclusão de que os Jogos foram manchete apenas na mídia latino-americana. Na derrota, silêncio

O repórter José Meirelles Passos, correspondente de O Globo em Washington, não acredita que os norte-americanos venham a se interessar pelos Jogos: — Aqui nos Estados Unidos as pessoas e a mídia não dão ao Pan a relevância de uma Olimpíada ou de uma competição pré-olímpica, nem os atletas se importam muito. O Pan é um campeonato como o Brasileiro da Segunda Divisão: só dá grande matéria se o Flamengo cair. Durante os Jogos, os jornais daqui que informaram alguma coisa foram o New York Times e o Post, mas as notícias apareciam em um colunão, puxando, é claro, para as equipes dos Estados Unidos. No dia seguinte à vitória da

A mídia norte-americana e européia não deu a mínima bola para a grande competição que o Rio sediou. Quando seus melhores atletas e suas equipes não participam, europeus e norte-americanos consideram que tudo o mais é desimportante.

Também não há recordes mundiais e o calendário coincide com muitas competições européias. Resta então publicar fatos como casos de doping, desertores cubanos, brigas, irregularidades econômicas e violência, entre outros. As empresas não vão pagar para jornalistas ficarem no Rio três semanas. É mais fácil contratar agências como a nossa. Sem recordes, nada

Seleção Brasileira Feminina de Vôlei sobre a norte-americana, não saiu uma linha sequer nos dois jornais. O noticiário sobre o Pan na imprensa norte-americana foi um retalho, muito pequeno. Mesmo assim, o Prefeito Cesar Maia se diz satisfeito com os resultados alcançados e minimiza o fato: — Isso não surpreende pelo interesse do público norte-americano. Mas a presença dos meios de comunicação dos EUA e a cobertura focalizada, mostrando a preocupação com Chicago em relação ao Rio para 2016, foram suficientes para mostrar a importância do Pan com sua qualidade olímpica. Carlos Roberto Osório, SecretárioGeral do Comitê Organizador dos XV Jogos (CO-Rio), acha que cobertura foi a maior da história do Pan: — O Rio 2007 elevou o patamar do Pan-americano tanto no que diz respeito à cobertura nacional quanto à internacional. Estamos satisfeitos com os resultados. Tivemos mais de 150 veículos estrangeiros cobrindo os Jogos. O azar do beisebol

O New York Times convocou para a cobertura o repórter Larry Rother, seu ex-correspondente no Brasil. De acordo com Mery Galanternick, Chefe do Escritório do NYT no Rio, o jornal tinha programado uma boa pauta para acompanhar o torneio de beisebol, único esporte, nos EUA, a enviar ao Brasil atletas de primeira linha. Mas a desorganização nessa modalidade fez que eles desistissem das matérias: — Era o esporte mais interessante da competição para os norte-americanos, mas, por uma dessas desgraças que acontecem de vez em quando, o beisebol foi o fracasso do Pan. O que aconteceu no campo, instalado num terreno pantanoso e não preparado adequadamente, foi caótico. As partidas viviam sendo adiadas, por falta de condições. Mery, porém, acredita que a longo

prazo os Jogos possam dar visibilidade ao Brasil no exterior, “porque os jornalistas nacionais e internacionais apostavam que o Pan seria um tremendo fracasso e, à exceção do beisebol, tudo deu certo, surpreendendo todo mundo”. Atração: os escândalos

Jorge Luiz Rodrigues, da coluna Panorama esportivo de O Globo, diz que observou poucos norte-americanos na cobertura do Pan. Lembra dos colegas do San Jose Mercury News, do Chicago Tribune e do Sports Ilustrate e dos profissionais das agências Associated Press, Reuters e DPA, que enviou ao Brasil o chefe do escritório de Madri, Sebastián Fest, para atender seus clientes de língua espanhola. O jornalista — que já cobriu cinco Copas, quatro Pans e quatro Olimpíadas — diz que eles não dão muita importância aos Jogos: — Até porque não são classificatórios para as Olimpíadas. Para os norteamericanos, o Pan serve apenas para revelar novos talentos — por isso, inclusive, não enviaram os principais atletas de basquete, vôlei, atletismo e natação. Já os europeus encaram o Pan como uma competição regional, então, ela não interessa a seu público. É como se O Globo enviasse uma equipe para cobrir os Jogos Asiáticos. Giuseppe Bizzarri, do italiano Europa Jornal, diz que, como outros correspondentes europeus, tentou vender pautas esportivas para seu veículo e não conseguiu: — Em primeiro lugar, o Pan é um evento super-regional. Na Europa, julho e agosto são tempo de férias, o interesse da população muda, as pessoas se ligam em outras coisas. Na Itália, nem o futebol dá ibope nesse período. Marcelo Llubera, da France Presse, também acha lógico o pouco interesse europeu numa competição de que não participa: — Além disso, o Pan não atrai atletas renomados, algumas delegações não mandam suas principais figuras.

No caso da AFP, a cobertura foi dividida em três áreas: a regional — para serviço espanhol e português na América Latina —, a de inglês e a de francês: — Para a demanda latino-americana, a equipe da agência foi a maior da história dos Jogos, com dez pessoas, entre repórteres, fotógrafos e técnicos. Já o material produzido em francês privilegiou os pódios, o vôlei — com especial interesse no Brasil, campeão da Liga Mundial — e os casos de doping etc. Em inglês, as matérias foram centradas nos atletas dos EUA e outros países de língua inglesa. Brian Homewood, da Reuters, também diz que o fato de o Pan raramente ter atletas recordistas e com títulos olímpicos esfria o interesse da mídia européia e norte-americana: — Para ela, o Pan não é um grande evento. No Rio, por exemplo, não houve recordes mundiais, como aconteceu com o atletismo em San Juan (1979) e na natação em Winnipeg (1999). Fiz muitas reportagens em inglês para assinantes da Europa, Ásia e Oceania, mas sei que o material não foi muito lido fora da América do Sul. A Copa América na Venezuela teve mais repercussão internacional — garante o correspondente. A China de olho

Se europeus e norte-americanos esnobaram o Pan, o mesmo não aconteceu com os chineses. Para os Jogos, a agência Nova China enviou grande reforço para o correspondente brasileiro, Ricardo de Bittencourt: — A agência deu muita importância ao Pan. Além de mim, que estou baseado no Rio, credenciou os correspondentes de Buenos Aires e Montevidéu e enviou um grupo de dez jornalistas chineses. Vale lembrar que em 2008 a China vai sediar pela primeira vez os Jogos Olímpicos. Então, o Pan-Americano foi uma excelente oportunidade para treinar o pessoal em uma competição esportiva de nível internacional, com muitas competições simultâneas.

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Aconteceu na ABI AGÊNCIA O GLOBO

A tragédia do 16 de julho de 1950 é muito nítida na memória dos que a presenciaram, mas o mesmo não se pode dizer dos registros fotográficos que sobraram.

FUTEBOL

Ainda aquela derrota de 1950 Dois ases do jornalismo esportivo, Luís Mendes e Teixeira Heizer, falam sobre a evolução do futebol brasileiro a partir da Copa do Mundo de 50. Como sempre, ganhou relevo especial o fracasso diante da Seleção Uruguaia comandada pelo capitão Obdúlio Varela. Luís Mendes e Teixeira Heizer, dois grandes ases do jornalismo esportivo brasileiro, deram na ABI a palestra Da tragédia de 1950 às grandes epopéias do futebol brasileiro, promovida pelo Centro Histórico-Esportivo da Casa, apresentando um panorama da participação do Brasil nas Copas do Mundo de 1950 aos dias de hoje. Luís Mendes ressaltou a importância de se falar do que considera o principal evento do esporte brasileiro: — A Copa do Mundo é o único momento em que o povo brasileiro se reúne em torno de uma mesma causa. Em todos os outros aspectos, como política e religião, cada um segue de acordo com sua individualidade. Para se ter uma idéia, eu sempre votei em um partido, enquanto minha esposa era afiliada de outro — brincou o jornalista, dirigindo-se à mulher, a atriz Daisy Lúcidi, que estava na platéia. A opção de retratar o futebol brasileiro a partir da Copa realizada no País deveu-se ao fato de ela ser um marco divisório da posição de destaque do Brasil no cenário esportivo mundial, segundo Teixeira Heizer: — A final dessa Copa também foi envolta por mitos e lendas. Muitos disseram que o Uruguai venceu com base na violência. É verdade que a seleção deles tinha muita raça, mas, analisando as súmulas da partida, vemos que ela cometeu metade das faltas do Brasil. Os uruguaios jogaram muito decentemente, na defensiva. A imprensa da época tentou criar um clima de caos que, na verdade, não ocorreu. Na Copa de 50, o Brasil chegou bem perto de um 18 Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

Mendes e Teixeira Heizer: uma exposição sem patriotadas sobre a perda da Copa do Mundo de 50.

resultado positivo, como nunca antes, pois havia terminado há pouco tempo a Segunda Guerra Mundial e as principais seleções não vieram, ou chegaram aqui com uma incrível perda de uma geração inteira de craques. Mendes recordou que o favoritismo do Brasil era enorme, já que nossa seleção vinha de duas vitórias em três jogos recentes contra o Uruguai, além de ter feito uma campanha melhor na Copa. Os brasileiros entraram em campo se autoproclamando vencedores. Teixeira Heizer exemplificou com o caso de A Noite: — Um dia antes do jogo, o jornal já havia publicado que o Brasil seria campeão. Este fato serviu para os uruguaios entrarem em campo com uma vontade

grande de vencer. A seleção de 1950 era ótima, mas o Uruguai tinha um time superior. Uma série de fatores teria levado à derrota do Brasil diante da equipe comandada pelo centro-médio e capitão Obdúlio Varela, entre eles o clima de “já ganhou” e o movimento de políticos, em campanha eleitoral, dentro da concentração. Heizer aponta ainda como um dos principais a desorganização tática da nossa seleção. A partir da Copa de 1954, porém, percebe-se uma transformação que viraria marca brasileira em campo: — Depois de 50, percebemos a necessidade de usar as marcações à distância e por zona, mais flexíveis que as utilizadas anteriormente. A transformação

só foi possível graças à entrada de Zezé Moreira como técnico. Mas nem tudo era perfeito, pois ainda se percebia um certo bairrismo, um “clubismo” na escalação. Garrincha, um dos maiores jogadores da época, não foi convocado e o Brasil acabou sendo derrotado pela Hungria, cujo time se articulava de forma mais flexível que o nosso. Para Mendes, a melhor Seleção Brasileira da História foi a de 1958, pois só com a primeira vitória em Copas o País foi definitivamente projetado para o cenário internacional: — A Seleção de 58 contou com dois dos maiores jogadores de todos os tempos, no auge da juventude e da forma física: Pelé e Garrincha. Antes, muito pouco se falava do País no exterior. Um sueco chegou a me perguntar se o Brasil ficava na África. Questionado se o futebol-arte estaria desaparecendo atualmente, Mendes disse acreditar que hoje o esporte está mais calcado na preparação física, o que tem feito que a criatividade dos jogadores apareça cada vez menos em jogo. — Não significa que o futebol-arte não exista mais, e sim que ele está perdendo um pouco o seu espaço para um futebol mais violento. Os dirigentes estão privilegiando cada vez mais a forma física do que a técnica. E não se percebe este fato apenas no futebol brasileiro, mas no futebol de toda a América do Sul. Mas, graças a Deus, o futebol-arte persiste em alguns jogadores. (Igor Waltz)

Uma derrota de Mendes O Coordenador do Centro Histórico-Esportivo da ABI, José Rezende, membro do Conselho Deliberativo da casa, contou que antigamente os jornalistas eram chamados para discutir a tabela dos jogos, o que ocorreu na época com Luís Mendes: — Bem que o Luís tentou fazer que o Brasil enfrentasse logo o Uruguai, uma vez que as duas seleções que faziam parte do grupo daquele país, as do Equador e do Peru, desistiram de disputar a Copa. Mas ele foi voto vencido. Com isso, a Seleção Uruguaia teve tempo de se preparar e se entrosar melhor para disputar a final com o Brasil. O primeiro emprego do gaúcho Luís Mendes foi numa estação de alto-falantes em sua cidade, Palmeira das Missões. Já na capital, Porto Alegre, fez teste na Rádio Farroupilha e foi contratado como locutor. Chegou ao Rio de Janeiro com 19 anos e ingressou na Rádio Globo, em 1944, como locutor comercial. A ida para o esporte aconteceu quando Gagliano Neto, o titular, faltou a uma transmissão e ele se ofereceu para substituir o colega. O sucesso foi tão grande que no dia seguinte o Presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, ofereceu-lhe uma vaga de locutor esportivo na emissora. Depois de se dedicar 15 anos exclusivamente à TV Rio, Luís Mendes voltou ao rádio como comentarista esportivo da Globo AM, onde permanece até hoje. Seu companheiro na palestra, Teixeira Heizer, participou do ABI pensa o jornalismo esportivo, do Projeto Estação ABI, em que falou de sua carreira, iniciada há 53 anos no Correio Fluminense. (Márcia Martins)


AULA MAGNA

“ESTAMOS VIVENDO A IDADE DE FERRO DA GLOBALIZAÇÃO”, ADVERTE LEONARDO BOFF Teólogo abre os Cursos Livres de Jornalismo com uma palestra sobre a ética no mundo globalizado, que vive uma situação de caos. POR IGOR WALTZ

A primeira imagem que nos vem à cabeça quando surge o nome de Leonardo Boff é a de um dos maiores expoentes da Teologia da Libertação, corrente que busca congregar o pensamento marxista à filosofia católica. Muito pouco de religião, porém, foi discutido na palestra Ética no mundo globalizado, ministrada pelo teólogo na ABI em 18 de setembro, a convite da Coordenação de Cursos Livres de Jornalismo, a cargo de Cecília Costa. Durante o evento, ele discutiu a crise social, ambiental e ética que a sociedade mundial enfrenta atualmente e a necessidade emergencial de novos valores. Leonardo Boff idsse que estamos vivenciando uma situação de caos no mundo. Estaria em curso uma crise da globalização, abandonada aos poucos para se tentar compreender o processo de integração, tendo em vista a emergência de nacionalismos na Europa e nos Estados Unidos. Boff acredita muito mais em processo de mundialização: — A atual fase do processo de globalização é um fenômeno financeiro e econômico que produz uma devastação fantástica, pois é altamente excludente. Estamos vivendo a Idade do Ferro, uma fase “pré-histórica” deste processo. Quando pensamos em mundialização, devemos pensar em adaptação, em um processo de resolução de todos os problemas gerados. Para o teólogo, a crise ética atual está relacionada ao eclipse da figura do pai e à desestruturação da família: — A figura do pai representa a norma, as regras, a lei. Vemos diversos casos de jovens que atropelam, matam, ou até morrem. Há conceitos que estão se perdendo nas culturas mundiais. Precisamos resgatar a família no seu sentido de jogo de relações de afeto, e não na sua concepção moralista tradicional. A ética não é questão teórica, e sim prática Boff demonstrou também profunda preocupação com as questões ambientais. A situação teria chegado ao ponto atual devido ao modelo desregrado de desenvolvimento econômico, com sérias implicações para o meio ambiente e a sociedade em geral. As conseqüências do processo de aquecimento global, diz, já são catastróficas.

Boff: Estamos à beira de um abismo sem retorno, destruindo a capacidade de reprodução da vida. A fertilidade dos homens está caindo em virtude da quimicalização dos alimentos.

— A ética não tem a ver com teoria, e sim com prática. Chegamos a este ponto devido a práticas danosas à natureza e ao próprio ser humano. Trata-se de uma agressão sistemática à natureza

nos últimos 300 anos, quando o modelo capitalista se consolidou com a Revolução Industrial. Nesse período, nós lançamos na atmosfera uma montanha de dióxido de carbono (CO2), com mais de

um quilômetro de altura. É possível compararmos a nossa situação com a metáfora de um avião que precisar levantar vôo antes que acabe a área de escape da pista do aeroporto. A nossa pista já acabou, já estamos na área de escape. Se não levantarmos vôo agora, onde iremos parar? Boff, que é professor de Sociologia, acredita que não é mais possível sustentar-se nas éticas hoje vigentes numa sociedade regida por valores como individualismo e materialismo: — A globalização seria mais um processo de ocidentalização, e esses ideais pregados por ela já não são capazes de gerar um discurso de esperança. Ou mudamos, ou morremos. Seria muito importante se revisitássemos as sociedades primordiais, como as dos povos indígenas, que, apesar de terem um caráter mais regional, se relacionavam melhor com a natureza. Estamos à beira de um abismo sem retorno, destruindo a capacidade de reprodução da vida. Para se ter uma idéia, a fertilidade dos homens está caindo sensivelmente, devido ao processo de “quimicalização” dos alimentos. Para superar tal situação em que nos encontramos, seria preciso repensar os valores éticos e criar uma ética de fácil assimilação por parte de todos – disse Boff, que propõe que essa ética seja baseada no sentimento e em pilares como “cuidado”, “respeito”, “solidariedade” e “responsabilidade”, valores transculturais e inerentes a todos os seres humanos: — O ser humano é um ser de sentimento. A primeira resposta do homem à natureza é o sentimento, depois vem a razão. A base do ser humano é o afeto. O cuidado deve ser a primeira ética que precisamos desenvolver em escala planetária. Hoje, a natureza e grande parte da humanidade estão no mais completo desamparo. Betinho (o sociólogo Herbert de Souza) uma vez disse que a maior crise da atualidade não é política, econômica ou social, e sim a da sensibilidade. Além disso, o ser humano precisa reaprender a ter compaixão. Nós não vivemos, nós convivemos; nós não existimos, nós coexistimos. Nós somos seres cooperativos, mas a sociedade atual é regida pela competição. O mercado é apenas uma guerra de todos contra todos — concluiu. Igor Waltz é estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.

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Aconteceu na ABI

Filme de Sílvio Da-Rin mostra em Hércules 56 como foi o seqüestro do diplomata norte-americano, em 1969. POR MÁRCIA MARTINS

Os bastidores do seqüestro do Embaixador Charles Burke Elbrick, em 1969, contados em Hércules 56, de Silvio Da-Rin, foram a última atração de setembro do Cine ABI, no dia 24. Os jovens que estiveram no Auditório Oscar Guanabarino puderam conhecer o episódio e os mais velhos, relembrar parte de um momento histórico da ditadura militar. O curador do Projeto Cine ABI, Sérgio Santeiro, lembrou que no Recine, duas semanas antes, o documentário foi consagrado com vários prêmios, entre eles o de melhor filme e melhor diretor. Santeiro ressaltou ainda a importância de Da-Rin como um dos melhores e mais procurados engenheiros de som do País e lembrou a diferença entre documentário e ficção: — No filme O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto, também baseado no seqüestro do Embaixador, temos um fato real rodeado de toda uma ficção. No Hércules 56, a história é baseada no fato como ele aconteceu. Se algo estiver fora do contexto, o Da-Rin será cobrado pela infidelidade. Silvio Da-Rin, que estava na platéia juntamente com a diretora-assistente Joana Nin, limitou-se a concordar com as palavras de Santeiro. No filme, o cineasta reúne o grupo que pensou o seqüestro num papo informal que foi gravado em apenas um dia. Todos os detalhes da ação, do período em que o Embaixador foi mantido preso à sua libertação, foram discutidos pelos ex-revolucionários. O filme também traz relatos atuais dos presos que foram libertados em troca do diplomata: — Eu quis neste momento mostrar o que eles, os dois grupos, pensavam hoje desta ação — conta Da-Rin. O longa traz ainda imagens dos momentos que se seguiram à libertação dos presos no México, para onde foram levados em um avião Hércules 56 da Força Aérea Brasileira — daí o nome do documentário. Cenas do encontro de parte dos exilados políticos com Fidel Castro também são mostradas no doumentário. Após a exibição do filme, Da-Rin conversou com a platéia. O cineasta contou que levou dois anos para reunir todo o acervo mostrado no documentário. O material foi buscado no México, em

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Atualmente técnico de som para cinema muito requisitado, Sílvio Da-Rin (acima) conta que foi muito trabalhosa a produção de Hércules 56, mas o esforço foi recompensado pela boa acolhida à obra. Além de recolher material filmado na época do seqüestro do Embaixador, como a chegada ao México dos presos libertados e deportados (à direita, no alto) e o encontro de parte deles, em Havana, com o Presidente Fidel Castro (abaixo), Da-Rin filmou-os mais de 30 anos depois (à direita).

FOTOS: DIVULGAÇÃO

O seqüestro de Elbrick, sem ficção


Cuba e nos Estados Unidos. Sobre a ausência de Fernando Gabeira no filme, respondeu que os próprios integrantes da ação contaram que a participação do atual deputado federal no seqüestro do Embaixador foi muito pequena; ele apenas cedeu a casa que serviu de cativeiro. Da-Rin disse que pretendeu estimular as pessoas a tirar suas próprias conclusões sobre um dos fatos mais marcantes da ditadura. O cineasta disse estar feliz com o documentário. — Foi trabalhoso, mas gostei muito do resultado. Primeiro, porque todas as pessoas envolvidas que ainda estão vivas participaram do filme. Depois, porque a crítica foi favorável — concluiu Da-Rin. O longa-metragem de Da-Rin é focado no seqüestro ocorrido na Semana da Independência de 1969. Em troca do diplomata, foi exigida a divulgação de um manifesto revolucionário e a libertação de 15 presos políticos. Banidos do território brasileiro e com a nacionalidade cassada, eles foram conduzidos ao México no avião da FAB Hércules 56. Os personagens principais do filme são os remanescentes daquele grupo: Agonalto Pacheco, Flávio Tavares, José Dirceu, José Ibrahim, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Mário Zanconato, Ricardo Vilas, Ricardo Zarattini e Vladimir Palmeira. Os já falecidos Luís Travassos, Onofre Pinto, Rolando Frati, João Leonardo Rocha, Ivens Marchetti e Gregório Bezerra estão presentes no documentário por meio de material de arquivo. Em entrevistas individuais, os personagens relatam as condições da atuação política no fim dos anos 60, a prisão, a libertação, a curta permanência no México e o período vivido em Cuba. Eles terminam por avaliar a experiência da luta armada no Brasil. Hércules 56 participou de festivais em 2006 e este ano entrou em cartaz em várias salas do País. Silvio Da-Rin acredita que o mercado para a realização de documentários está em alta. Ainda falando do mercado cinematográfico, ele diz que um fator que preocupa é a pirataria: — Mas esta é uma questão complexa. A pirataria é um problema para o qual não há solução simplista. Quem é, o que fez O carioca Silvio Da-Rin formou-se em Comunicação Visual pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro-Uerj e participou de um workshop de som para cinema na Ucla, na Califórnia, em 1981. Um dos primeiros presidentes da Federação dos Cineclubes do Estado do Rio de Janeiro, é hoje um requisitado técnico de som. Seu nome está presente nos créditos de diversos filmes realizados na década de 90, entre eles Pequeno dicionário amoroso, de Sandra Werneck, Amores e Separações, de Domingos Oliveira, Cruz e Souza, o poeta do desterro, de Sylvio Back, Mauá — O Imperador e o Rei, de Sérgio Rezende, Amores possíveis, de Sandra Werneck, Villa-Lobos, uma vida de paixão, de Zelito Viana, e Bellini e a esfinge, de Roberto Santucci.

Fleury, o criador de “presuntos” Matador impiedoso, ele assinava a sentença de morte de presos dizendo-lhes: “Você pode dar um ‘presunto’ legal”, título do filme de Sérgio Muniz. FOTOS: DIVULGAÇÃO

Na segunda-feira, 17, uma semana antes da sessão de Hércules 56, o Cine ABI apresentou cenas da vida real, contadas no filme Você pode dar um presunto legal, do cineasta Sérgio Muniz. A apresentação do documentário foi feita pelo Diretor Cultural Jesus Chediak, que ressaltou a importância das exibições, afirmando que o projeto pode transformar-se num sucesso como o antigo Cineclube Macunaíma, também da Associação Brasileira de Imprensa. O curador do Cine ABI, Sérgio Santeiro, definiu o filme de Sérgio Muniz como um documentário que retrata a passagem da repressão civil para a política. Ele também acredita que o filme se enquadra perfeitamente nos dias atuais: — Ver a atuação do Esquadrão da Morte em São Paulo me faz lembrar as milícias que hoje assolam o Rio de Janeiro. Do mesmo modo que existia uma organização paramilitar no fim da década de 60, hoje novamente uma organização semelhante se instala no Rio. O filme de Sérgio Muniz conta a história do Esquadrão da Morte, um grupo paramilitar chefiado pelo Delegado Sérgio Fleury, que torturou e matou em São Paulo, durante a ditadura. Os policiais resolveram montar a organização a partir do assassinato de um agente militar. Durante os anos de atuação do grupo, Muniz recolheu reportagens de tv e jornais para compor o filme. Alguns depoimentos sobre tortura e cenas de peças teatrais e da condecoração de Fleury pela Marinha também fazem parte do documentário. Depois de concluído, o filme foi guardado por motivos de segurança e somente reeditado em 2005, após um pedido da mulher de Muniz, que queria exibi-lo para alunos da universidade onde dava aulas, em Araraquara, no interior paulista. Muitos trechos dos originais do filme foram perdidos com o passar do tempo. O que conseguiu salvar Muniz juntou em 40 minutos de cenas em preto-ebranco. Para o curador Sérgio Santeiro, o trabalho de recomposição do documentário foi muito cuidadoso e é precioso. O título do filme foi retirado da própria expressão usada por Sérgio Fleury

Uma simulação fotográfica feita na época por uma revista (à direita, no alto) mostra a brutalidade da turma de Fleury, que não discriminava suas vítimas: agia igual contra presos comuns e presos políticos. A aparência dele (ao lado) não denunciava o matador frio e cruel que era.

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durante a escolha dos presos que seriam assassinados. Era com a frase “você pode dar um presunto legal” que o Delegado assinava a sentença de morte de um detido. Você pode dar um presunto legal foi realizado por Sérgio Muniz em 1973, durante a ditadura militar, e permaneceu inédito até 2006. O documentário aborda a atuação do Esquadrão da Morte, organização paramilitar que, no fim dos anos 60 e início dos 70, praticou assassinatos regularmente. Em preto-ebranco e com 40 minutos de duração, o filme tem participação dos atores Gianfrancesco Guarnieri e Othon Bastos. Realizado clandestinamente entre 1970 e 1971, Você pode dar um presunto legal defende a tese de que o Esquadrão da Morte, chefiado em São Paulo pelo Delegado Sérgio Paranhos Fleury, foi um ensaio geral para a violenta repressão política que veio a seguir. Fazem parte do documentário notícias de jornal, fotos de execuções e transcrição de depoimentos sobre tortura, além de cenas de peças teatrais e da condecoração de Fleury pela Marinha.

Todo o material produzido foi levado para Cuba, onde foi feita a edição. Depois de o filme ficar pronto, amigos de Muniz o aconselharam a não exibilo naquele momento. Somente em 2005 o documentário foi apresentado pela primeira vez, na faculdade onde a mulher de Muniz dava aulas, como parte de um debate sobre o cinema e a tv durante a ditadura militar: — Eu só tinha uma cópia em VHS, que estava muito ruim. Levei algum tempo para localizar os originais em Cuba, mas um terço do que gravei tinha sido perdido. Mesmo assim, reeditei o documentário e em 2006 comecei a mandar algumas cópias para amigos — conta o cineasta. Mesmo levando tanto tempo para exibir seu trabalho, Muniz acredita que o documentário continua tendo grande valor, principalmente para os mais jovens, que não viveram os anos de chumbo da ditadura militar: — É importante que esta geração saiba que houve tortura no País, para que isso nunca mais volte a acontecer. Sérgio Muniz realizou em 1965 seu primeiro filme, Roda e outras estórias, que ganhou vários prêmios. Depois, atuou como produtor executivo da Caravana Farkas, em incursão pelo Nordeste, em 1969. Com parte do material dessa viagem, fez o filme De raízes a rezas. Muniz também montou diversas obras de diretores amigos e desempenhou tarefas acadêmicas e de pesquisa. O envolvimento com o argentino Fernando Birri levou-o a ser o primeiro diretor docente da Escola de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, em Cuba. Desenvolveu projetos de memória cinematográfica para o Museu da Imagem e do Som, de São Paulo e foi assessor de cinema do Memorial da América Latina e um dos curadores do I Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo. (Márcia Martins) Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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Aconteceu na ABI

O Menino Maluquinho em dvd Documentário de hora e meia revela Ziraldo desde a infância em Caratinga. A ABI não faltou com sua homenagem ao cartunista e escritor Ziraldo, membro de seu Conselho Consultivo, que completa 75 anos em outubro. Na noite de 11 de setembro, foi exibido no Cine ABI o documentário Ziraldo — O Eterno Menino Maluquinho, com direção de Sônia Garcia e supervisão de Fernando Barbosa Lima. A apresentação ficou a cargo do Diretor Cultural Jesus Chediak, que ressaltou que o Projeto Cine ABI foi criado para que se faça uma reflexão sobre o cinema brasileiro. Fernando Barbosa Lima, por sua vez, contou que ao ver pela primeira vez o documentário o cartunista ficou muito feliz. — Ziraldo disse que este talvez seja o melhor depoimento da vida dele — declarou. Sônia Garcia, que já dirigiu mais de cem documentários pela TV Educativa, disse que a intenção do filme era exaltar o lado educador do cartunista. — Lembro que o Ziraldo disse uma vez que “ler é mais importante que estudar”. Com base nesta afirmação, tentamos mostrar esta face dele. Na platéia, amigos, como o cartunista Chico Caruso, e fãs de Ziraldo — que não pôde comparecer devido a problemas de saúde — conheceram um pouco mais da vida do mineiro de Caratinga que conquistou o mundo com seus personagens.

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Com uma hora e meia de duração, o filme fala sobre a vida do mineiro de Caratinga que conquistou o País com as histórias do menino que anda com uma panela na cabeça e foi apresentado pela primeira vez, no Rio de Janeiro, em maio deste ano, durante uma mostra em homenagem aos 75 anos de Ziraldo e os 25 de criação do Menino Maluquinho. Fernando Barbosa Lima vibra com o trabalho que produziu: — O Ziraldo é o desenhista brasileiro mais divulgado no exterior. O documentário é muito interessante e imperdível. Muita gente deve ir assistir. Narrado pelo ator José Mayer, o filme foi dividido em três partes: Memórias, trecho em que o Ziraldo fala de si; Cronobiografias, em que amigos como Zuenir Ventura, Miguel Paiva, Chico Caruso e Ana Maria Machado dão depoimentos; e Releituras, que aborda as obras do artista no teatro, no cinema e na tv. Para Sônia Garcia, trabalhar com Ziraldo não foi tarefa difícil. Além de ser amiga do cartunista há mais de 40 anos, ela produziu para a televisão a adaptação de duas obras do escritor, para veiculação na TVE: em 91, o filme A professora maluquinha; e em 2001, 20 episódios da Turma do Pererê. A diretora também já havia feito outro documentário sobre Ziraldo, quando ele completou 60 anos: — Minha relação com ele é afetiva. Acompanhei a vida de Ziraldo como au-

tor infantil. Ele é tão plural, beira a genialidade. Tudo o que faz dá certo. Sônia trabalhou mais de 40 anos na TV. Nesse período, fez mais de cem documentários — “nunca trabalhei com ficção”, diz. Um dos documentários de maior expressão foi Aquarela do Brasil, sobre o movimento cultural brasileiro, que acabou sendo solicitado pela Presidência da República para ser exibido durante comemorações do 7 de Setembro. Para a telona, Sônia finalizou o longa As tranças de Maria, filme de Pedro Rónai que conta a vida de Cora Coralina, e foi consultora do roteiro de Tainá 2 —A aventura continua.

Franceses conhecem a sede da ABI

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Antoine Pierre e Brice Poirier: interesse em conhecer a história do jornalismo brasileiro, sem se deixar impressionar pelas notícias de violências divulgadas na imprensa francesa.

veiculadas na imprensa francesa sobre o Brasil: — Não queremos saber dos estereótipos relacionados a futebol, favela, biquíni, samba e violência. O Brasil é uma nação de dimensões continentais, por isso estamos mais interessados nas

Como cobrir conflito armado Cruz Vermelha, Abraji e Oboré mostram como atuar em situações de guerra e guerrilhas.

VISITA

A convite do associado Carlos Augusto Lima França, os turistas franceses Brice Poirier e Antoine Pierre visitaram na tarde de 19 de setembro o Edifício Herbert Moses, sede da ABI, no Centro do Rio. Arriscando algumas palavras em português, Brice, que estuda Direito na Universidade de Rennes, a 300 quilômetros de Paris, contou que essa era primeira vez que os dois vêm ao Brasil, onde primeiro conheceram Belo Horizonte: — Fomos a Minas Gerais visitar um amigo que conhecemos na França. No Rio, onde chegamos há uma semana, estivemos nas praias de Ipanema e Copacabana, assistimos a um jogo de futebol no Maracanã (Fla x Flu), visitamos o Museu de Arte Moderna e o Pão de Açúcar. Nosso interesse em visitar a ABI foi para saber um pouco da história do jornalismo brasileiro. Brice e Pierre foram categóricos ao afirmar que não se deixaram influenciar pelas notícias negativas que têm sido

CURSO

diferenças culturais regionais do que na imagem negativa que se faz do País — disse Brice. — Não damos muita atenção à “cultura do medo”. É claro que andamos com precaução, mas seguramente voltaremos aqui outras vezes.

Um encontro de confraternização marcou a seleção para o VI Curso de Informação sobre Jornalismo em Situações de Conflito Armado, módulo do Projeto Repórter do Futuro, promovido em São Paulo pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Associação Brasileira de Jornalismo InvestigativoAbraji e a ong Oboré-Projetos Especiais de Comunicação e Artes, com o apoio da Representação da ABI em São Paulo. Os 20 escolhidos na seleção serão chamados a participar do curso, que será realizado nos dias 6, 13, 20 e 27 de outubro. Um dos palestrantes será o jornalista português Carlos Fino, que ficou mundialmente conhecido por seu trabalho como correspondente da Rede de Televisão Portuguesa–RTP no Oriente Médio, quando deu o furo de reportagem sobre a invasão norte-americana ao Iraque, em março de 2003. Fino ministrou em julho na ABI um curso organizado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal Fluminense.. Na seqüência, haverá palestra dos jornalistas Vinícius Souza e Maria Eugênia Sá, que lançam no Brasil seu mais recente ensaio fotográfico, o livro América minada, que é acompanhado por um documentário em vídeo. Ambos contêm imagens e depoimentos sobre a questão das minas terrestres e suas vítimas em todo o continente latino-americano. Com 51 fotos em 64 páginas, o livro é uma edição trilíngüe da Editora Photos, prefaciado pelo famoso fotógrafo de guerra Tim Page, ele próprio vítima de uma mina no Vietnã, e textos de Andy Wheatley, delegado do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para a Ação Contra as Minas. O vídeo, co-produzido pela TV Brasil Canal Integración (canal internacional do Estado brasileiro), faz uma análise mais profunda da questão das minas na Colômbia e no Peru, por meio de entrevistas com especialistas e depoimentos comoventes das vítimas desses explosivos proibidos há dez anos, mas ainda amplamente utilizados. Mais informações sobre o tema estão disponíveis no site www.obore.com.br.


HOMENAGEM

Piauí cria a Medalha Carlos Castelo Branco A Assembléia Legislativa do Piauí está criando uma comenda em homenagem ao jornalista Carlos Castelo Branco, reconhecido como o mais respeitado colunista político do País no percurso de 31 anos de atividades no Jornal do Brasil. Entre as figuras que deverão receber a Medalha Carlos Castello Branco, o Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Themístocles de Sampaio Pereira Filho, confirma o nome do Ministro das Comunicações, Hélio Costa, que conheceu Castelo ainda em Minas Gerais e manteve com ele uma amizade de mais de 20 anos, em Belo Horizonte e Brasília. Filho de um dos mais destacados intelectuais do Piauí, o Desembargador Cristino Castelo Branco, Castelo nasceu em Teresina no dia 25 de junho de 1920. Estudou o primário no Grupo Escolar Teodoro Pacheco e ingressou no Liceu Piauiense, onde fez o ginásio. Com o objetivo de cursar o pré-jurídico, transferiu-se para Belo Horizonte, em 1939, e ingressou na Faculdade de Direito de Minas Gerais. Começou a trabalhar como repórter de polícia no jornal Estado de Minas e se ligou à geração de escritores e intelectuais mineiros, entre os quais Fernando Sabino, Autran Dourado, Paulo Mendes Campos, Oto Lara Resende, Hélio Pelegrino e um conterrâneo de Angical, Francelino Pereira. Bacharelou-se em 1943, abriu escritório de advocacia, mas não continuou, dedicando-se ao jornalismo. Convidado por Carlos Lacerda, em 1945 transferiu-se para o Rio de Janeiro para trabalhar no Diário Carioca. Lacerda deixou a direção do jornal dias depois, inviabilizando o emprego. A convite de Neiva Moreira Castelo foi contratado como subsecretário de O Jornal, órgão dos Diários Associados. Convocado por Assis Chateaubriand, transferiu-se para Belém para chefiar a equipe de jornalistas de A Província do Pará. De retorno ao Rio de Janeiro, deixou o cargo de secretário de O Jornal para cuidar apenas de textos e análises do momento político. Nascia aí o mais notável intérprete da vida política brasileira dos últimos 40 anos. Em 1960, foi nomeado, por influência de Autran Dourado, então secretário de Imprensa de Juscelino Kubitscheck, procurador do DNER. No mês seguinte acompanhou Jânio Quadros, candidato a presidente da República, numa viagem a Cuba. Com a eleição de Jânio, tornouse Secretário de Imprensa do Governo. Em novembro de 1961 recebeu convite de Manoel Francisco do Nascimento Brito para assinar coluna no jornal Tri-

AGÊNCIA O GLOBO

A comenda reverencia o mais respeitado cronista político do País, falecido em 1993. buna da Imprensa. A primeira coluna política começou a ser publicada em 2 de janeiro de 1962, mas a Tribuna foi vendida para Hélio Fernandes e a coluna desapareceu. Chamado por Nascimento Brito para chefiar a sucursal do JB em Brasília, a coluna retornou então diariamente e permaneceu como referência do jornalismo político brasileiro por mais de 30 anos. Em novembro de 1982 Castelo Branco foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a vaga de outro notável jornalista, R. Magalhães Júnior. Foi também eleito para a Academia Piauiense de Letras, onde ocupou a cadeira que pertenceu ao pai. Era casado com Élvia Lordello Castello Branco, antiga colega de redação de O Jornal e que veio a ser ministra do Tribunal de Contas da União. Do consórcio nasceram três filhos. Aos 72 anos de idade, Carlos Castelo Branco morreu no dia 1° de junho de 1993, comovendo a imprensa de todo o País.

Castelo encontrou no jornalismo político uma forma de escrever a História contemporânea.

Castelinho, o faro pelo essencial POR HERCULANO MORAES

Quando o Presidente Ernesto Geisel decidiu envolver a sociedade brasileira no seu projeto de abertura política, o regime demonstrava cansaço e o próprio general não dispunha de credibilidade, pois havia fechado o Congresso quando este se recusou a aprovar a Lei Orgânica da Magistratura. Conversando com o Petrônio Portella sobre a possibilidade de abrir as cortinas do País para que entrasse o sol da redemocratização, ouviu do senador piauiense a seguinte opinião: “Se o senhor quer mesmo fazer a abertura política e espera que os políticos e a sociedade brasileira acreditem no seu propósito, só um homem poderá abrir esse canal entre o Governo e a opinião pública. Esse homem é Carlos Castelo Branco”. Autorizado por Geisel, Petrônio foi conversar com Castelo e este repassou seu otimismo em relação à vontade do Presidente, e a abertura saiu: “lenta, segura e gradual.” A Coluna do Castelo antecipava fatos e fornecia pistas. Na época o Piauí possuía um elenco de bons piauienses em posições estratégicas no País. Francelino Pereira em Minas, Flávio Marcílio, no Ceará; Moreira Franco, no Rio de Janeiro; Petrônio Portella e Carlos Castelo Branco em Brasília; Valdir Arcoverde, no Rio Grande do

Sul; Stanley Fortes Batista, João Paulo dos Reis Velloso, entre outros, davam notoriedade ao Estado, tornando-o respeitado perante a nação. No jornalismo político, além de Castelo, pontificavam três grandes expoentes: Lucídio Castello Branco (irmão de Carlos, em Porto Alegre); Abdias Silva e José Carlos Bardawil, em Brasília. Na cultura, na música popular, no artesanato, na literatura, na diplomação, no futebol o Piauí era referência. Castelo apaixonou-se pelo comentário político porque este lhe dava chance de escrever a História contemporânea com as cores de sua arguta observação. Quando o jornalista “alcança ou ultrapassa a dimensão dos seus personagens é que ele, também protagonista, por mais discreto que seja, percebe que o seu testemunho é essencial ao conhecimento isento dos fatos”, como demonstra Francelino Pereira no belo trabalho que escreveu sobre Castelo. Dois fatores devem orientar o jornalista político: a intimidade com os fatos, saber quem é realmente importante no tabuleiro político; e eleger, pela ótica da seleção de prioridades, fatos e acontecimentos que se tornarão elementos fundamentais da História que está sendo escrita. Castelo tinha “o faro” pelo essencial. E esta qualidade cresceu durante o regime militar, exigindo dele o necessário

equilíbrio para expor fatos que deveriam ser emitidos, numa linguagem que, sem prejuízo da liberdade de expressão, pudesse chegar ao leitor sem qualquer sintoma de capitulação. Mais respeitado do que ministro de Estado, Castelo tornou-se uma espécie de oráculo de todos os que gravitavam em torno do regime e dos Poderes da República oprimida, não que fosse ouvido para opinar sobre os rumos do Governo e as crises que se sucederam no plano ideológico, mas porque sua coluna se tornou leitura obrigatória para quem desejasse medir a temperatura dos quartéis e o humor dos generais que governavam o País. Construtor de uma nova era na história da Assembléia Legislativa do Piauí, a que vem dando uma fisionomia cultural sem precedentes na memória parlamentar, o Presidente Themístocles de Sampaio Pereira Filho, se soube construir o teatro, instalar a TV, abrir biblioteca e autorizar a publicação de um livro, com a criação da medalha em homenagem a Carlos Castelo Branco pode perfeitamente encerrar o ciclo, reconfortado por haver tatuado na memória do tempo uma obra monumental e imperecível, como nunca se fez naquele Poder. Herculano Moraes é jornalista e escritor. Membro titular da Academia Piauiense de Letras, é Presidente da Academia de Ciências do Piauí.

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DEPOIMENTO LÉO BATISTA

ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES

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os 75 anos de idade e 60 de profissão recém-festejados, Léo Batista é um dos mais antigos locutores esportivos em atividade. Começou a trabalhar na adolescência, no serviço de alto-falantes de Cordeirópolis, interior de São Paulo, onde nasceu em 22 de julho de 1932, e estreou como redator na Rádio Globo, no Rio, para onde se mudou no início da década de 50. Mais tarde transferiu-se para a extinta TV Rio, onde durante 13 anos comandou o Telejornal Pirelli, à época um dos mais prestigiados do País. Em 1970, ingressou na TV Globo, onde está há 37 anos e só não é mais antigo que o colega Cid Moreira. Na emissora, inaugurou o Hoje, participou do Jornal Nacional, narrou os gols da rodada no Fantástico, e tem microfone cativo no Globo Esporte e no Esporte espetacular.

O PIONEIRO LÉO BATISTA, HÁ 60 ANOS NO AR 26 Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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Na TV Globo ele só não é mais antigo do que o Cid Moreira. Entre as suas primazias estão a narração do jogo de estréia de Garrincha, em 1953, e a notícia, na Rádio Globo, da morte do Presidente Getúlio Vargas, em 1954, furo atribuído a Heron Domingues, no Repórter Esso. “Eles só deram a notícia 15 minutos depois da Globo, mas o Brasil só tomou conhecimento da morte do Getúlio através da Nacional”, conta esse paulista de Cordeirópolis, há 60 anos no ar.


Jornal da ABI — Você começou a trabalhar muito cedo. Léo Batista — Sim, para ajudar a família, mas primeiramente de garçom, numa pequena pensão que meu pai havia montado. Jornal da ABI — Quando surgiu o interesse pelo rádio? Léo — Sempre gostei do veículo. Em 1947, estreei ao microfone a convite de um primo, Antônio Beraldo, que inaugurou em Cordeirópolis um serviço de altofalante, muito comum nas cidades pequenas. O estúdio ficava numa praça perto do prédio da pensão e eu fui o último a fazer o teste. Li um anúncio, anunciei uma música e, quando vi, estava dando as notícias. Meu primo gostou e disse que eu seria o seu locutor. Achei que ele estava maluco só de pensar em apresentar essa idéia ao meu pai, um italiano queixo-duro que já estava contrariado por eu haver deixado a escola para ser garçom. Jornal da ABI — Qual foi a reação dele? Léo — A que se esperava, principalmente porque naquela época gente de rádio, artista, músico, compositor e cantor eram todos malvistos, por causa da vida boêmia. A sociedade tinha deles o pior conceito possível. Mas o Beraldo disse ao meu pai as palavras mágicas: “Seu Antônio, ele vai trabalhar, mas não é de graça. Vou dar 200 mil réis só para começar. E se ele conseguir algum anúncio, ainda ganha uma comissão.” Sem dinheiro, meu pai na hora mudou o discurso: “Ah, ele vai ganhar um dinheirinho? Aí está bem, mas tem que ser depois do horário do trabalho na pensão.”

lhar no Maracanã na final da Copa? Léo — Naquele tempo não havia as facilidades de comunicação de hoje. As rádios eram obrigadas a pedir as linhas telefônicas com muita antecedência. Na Copa, cerca de 300 emissoras disputavam essas linhas e a prioridade era das grandes emissoras do País e do exterior. Ou seja, a minha radiozinha lá do interior ficou pra escanteio, e eu não pude transmitir a partida. Jornal da ABI — Deve ter sido como ficar no banco de reservas. Léo — É, mas depois participei de todas as Copas. Ao vivo ou na retaguarda, atuei também em Olimpíadas, Jogos Pan-Americanos... Não perdi mais nada. Jornal da ABI — E como aconteceu a mudança para o Rio? Léo — Vim em 1951 com Walter Goulart, o Santo Cristo, que jogou no XV de Piracicaba e, mais tarde, em quase todos os times cariocas. Ele era um grande artilheiro e garantiu que me arranjava um emprego aqui. Jornal da ABI — A promessa se concretizou? Léo — Quando chegamos, ele me levou à antiga Mayrink Veiga. Só que eu não gostei, a coisa não deu certo. Com

pouco dinheiro no bolso, entrei no lendário Café Nice pensando em ir à Rádio Clube do Brasil, falar com o Raul Longras, que me havia sido recomendado. Encontrei o Airton Vieira de Morais, o Sansão, ex-juiz de futebol, que era amigo do Santo Cristo e me incentivou a ir à Rádio Globo, que estava começando a incrementar o noticiário esportivo, com Luís Mendes, Benjamim Wright, Doalcei Camargo e Geraldo Borges. Fui à emissora e me lembrei que lá trabalhava o Raul Brunini, que eu conhecia de nome. Quando me dirigia à recepção, ele apareceu. Eu me apresentei, disse que era locutor e pedi uma chance. Ele perguntou como eu me chamava e respondi “Belinaso Neto” — meu sobrenome verdadeiro, que eu usava na época. Ele então comentou: “Vem cá, domingo passado eu estava em Rio Claro. Foi você que transmitiu XV de Piracicaba e Palmeiras, pelo Campeonato Paulista? Cara, você torce demais pro XV, mas é muito bom.” Jornal da ABI — Seu ingresso na Globo foi imediato? Léo — Não. O Brunini me levou à editoria de Esportes, onde o Luiz Mendes estava fazendo um concurso que já havia selecionado dois locutores, Otávio Nami e o Braga Júnior. Sobrara ape-

nas uma vaga de redator no noticiário O Globo no ar. Mendes então me apresentou ao Oto Schneider, Diretor de Broadcasting, que me mandou escrever uma edição do jornal e chamou o redator encarregado do programa, Rubens Santos. Ele viu o meu trabalho e aprovou minha contratação. Jornal da ABI — Com um bom salário? Léo — O Oto Schneider disse que só podia me pagar 1.500 cruzeiros, o que só dava para uma refeição por dia, almoço ou jantar. Condução, nem pensar. O Rubens Santos ouviu, se levantou e disse a ele: “Você não tem vergonha de oferecer uma miséria ao rapaz? Ele tem talento, é bom. Me disseram que também é locutor, de repente pode até apresentar o noticiário. Dá um aumento pra ele.” Jornal da ABI — Isso é inédito: ser contratado e receber aumento imediato de salário. Léo — Eu nem tinha sido contratado! O Schneider olhou de um lado a outro, pensou, e me ofereceu 2 mil cruzeiros. Acho que é um caso único na história: ser aumentado antes de começar a trabalhar. Jornal da ABI — Como você ingres-

Jornal da ABI — Quanto tempo durou essa experiência? Léo — Uns seis meses, até que apareceu em Cordeirópolis um senhor, Domingos Lote Neto. Ele gostou da minha voz e insistiu em me levar para fazer um teste na recém-inaugurada Rádio Clube de Birigui, A Pérola do Noroeste. Fiz e fui contratado. Lá, transmiti futebol, parada de 7 de Setembro e programas de auditório como o Clube da Alegria, em que tive o privilégio de apresentar a Hebe Camargo na festa do primeiro aniversário da emissora. Jornal da ABI — De lá você veio direto pro Rio? Léo — Andei por mil lugares, até que um tio me mandou procurar um amigo dele, Aristides Figueiredo, que tinha acabado de comprar a Rádio Difusora de Piracicaba. Na época, o XV de Novembro, time local, tinha subido para a Primeira Divisão do Paulistão e ele buscava um locutor esportivo. Passei a acompanhar e narrar os jogos do antigo campo da Rua Regente — ainda não existia o Estádio Barão da Serra Negra. Depois, comecei a ir para o Pacaembu, a Vila Belmiro... Eu era atrevido. Vim até para o Rio transmitir a Copa de 50. Jornal da ABI — Como foi traba-

Admirado e querido pelos companheiros de trabalho, Léo ganhou bolo e uma placa ao completar 60 anos de atividade jornalística.

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DEPOIMENTO LÉO BATISTA

sou na equipe de Esportes da rádio? Léo — Consegui convencer o José Brasil Campio, que era o braço-direito do Luís Mendes, a ouvir uma gravação que eu tinha feito em acetato — naquele tempo não havia fitas como as de hoje — de uma narração minha de um jogo de futebol. Enquanto ele ouvia, o Doalcei se aproximou e elogiou a narração. O José Campio, então, me escalou para um jogo de domingo, no Maracanã. Jornal da ABI — Algum fato marcou esta sua estréia? Léo — Transmiti o jogo preliminar e, ao final, anunciei: “Daqui a pouco, sensacional Fla x Flu, sob o comando de Luís Mendes.” Entreguei o microfone a ele, que entrou no ar dizendo: “Vocês ouviram a narração brilhante do mais jovem locutor contratado da Rádio Globo, Bee, Beni, Beli...” Foram algumas tentativas sem conseguir pronunciar meu nome. O Mendes engasgou várias vezes, olhava para mim com cara feia, e eu soprando no ouvido dele: “Belinaso Neto, Belinaso Neto...” (risos) Jornal da ABI — O que aconteceu depois? Léo — À noite, na rádio, um pouco antes de ir para o estúdio e começar a resenha esportiva, o Mendes virou-se para e mim e disse: “Paulistinha, com esse nome aí você está fora. Tem que trocar.” Reclamei, mas não teve jeito. Lembrei da minha irmã, que tem horror ao nome dela, Leonilda, e que a gente só chama de Nilda. Peguei o “Léo” dela, deixei de lado o João Belinaso Neto, e virei Léo Batista. Jornal da ABI — Você teve o privilégio de transmitir o primeiro jogo do Garrincha. Lembra da partida? Léo — Foi em 1953, no antigo campo do Botafogo, entre o time da casa e o Bonsucesso. Quase na hora da transmissão, havia uma dúvida em relação ao nome do jogador: Gualicho — que era como se chamava um cavalo que tinha corrido o Grande Prêmio Brasil ou Garrincha? Para tirar a dúvida, atravessei o campo, fui ao vestiário, onde ele estava se vestindo, e perguntei: “Rapaz, como é o seu nome, é Gualicho ou Garrincha?” E ele respondeu: “Pergunta pro Seu Santos.” O Nilton Santos, que vinha se aproximando, confirmou: “É Garrincha.” Naquele dia, apenas um locutor da Rádio Nacional, que era bom mas muito teimoso, fez a transmissão usando Gualicho. Eu dizia para ele o nome certo, mas não adiantou. Jornal da ABI — Você foi também o primeiro locutor a anunciar a morte do Getúlio? Léo — Fui e provo isso com reportagens da época. Na manhã em que o Getúlio se matou, o Lacerda, como era de costume, usava o microfone da Rádio Globo para desancar o Presidente. De repente, nosso plantonista no Palácio ligou para a Redação e começou a gritar: “Manda o Lacerda parar, o Getúlio Vargas deu um tiro no peito, se suici28 Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

dou!” Foi aquele rebuliço. Cortaram o Lacerda e eu entrei com uma edição extraordinária de O Globo no ar, anunciando a morte do Presidente.

extensão do ramal dele. Assim, sozinho, comecei a fazer o Informativo 13, que era patrocinado pela Panair do Brasil. Jornal da ABI — Quanto tempo durou o programa? Léo — A Panair acabou, mas acharam que eu devia continuar, porque estávamos ganhando audiência. Então apareceu o Vinho Castelo e o jornal passou para sete minutos. Depois, esse patrocinador saiu, entrou o Rum Montilla e o programa passou para dez minutos. No Globo, a Coluna do Swan deu uma nota elogiando, mas chamou o Informativo de “o noticiário etílico da TV Rio”. A coisa cresceu e eu lancei o Telejornal Pirelli, que fez frente ao Repórter Esso. No final, ainda levamos o Heron Domingues para fazer dupla comigo.

Jornal da ABI — Por que dizem que o Repórter Esso, com Heron Domingues, deu a notícia primeiro? Léo — O Repórter Esso, da Nacional, era o grande noticiário do rádio na época, mas eles só deram a notícia 15 minutos depois da Globo. O furo foi nosso, mas o Brasil realmente só tomou conhecimento da morte do Getúlio através da Nacional, que naquele tempo já era uma potência, enquanto a nossa freqüência ainda era pequena, só ia até Nova Iguaçu (risos). A Globo era uma rádio atrevida, mas não era a emissora poderosa de hoje. Jornal da ABI — Em 1955, você trocou o rádio pela televisão. Léo — A TV Rio ia ser inaugurada. O Luís Mendes foi convidado para formar uma equipe esportiva e me chamou para ir com ele. Quando anunciei na Rádio Globo que ia sair, o Luiz Brunini disse que me liberava desde que eu arranjasse para a minha vaga um locutor que fosse bom e inteligente e não tivesse vícios. Treinei bastante um colega de colégio; quando senti que ele estava pronto, deixei-o fazer uma edição de O Globo no ar. Esse locutor era o Áureo Ameno, que depois ficou uns 40 anos na emissora. Jornal da ABI — Que recordações você guarda da TV Rio, onde comandou o Telejornal Pirelli? Léo — Entrei para o canal para cobrir esportes e fui apresentador do programa

Ao microfone, diante das câmeras ou em uma Olivetti de carro comprido, Léo deu notícias importantes, como o furo da notícia do suicídio do Presidente Vargas, atribuído a Heron Domingues.

Léo transmitiu a estréia de Garrincha no Botafogo e pediu a Nilton Santos que esclarecesse: o nome dele era esse ou Gualicho, como anunciado?

de boxe, do qual o Mendes era locutor. Mas a minha paixão era fazer um noticiário. O primeiro horário que me deram foram cinco minutos. Nem máquina de escrever eu tinha. Consegui uma Olivetti com um japonês que tinha um negócio perto da minha casa, no Catete, e até hoje guardo essa máquina como um troféu. Para usar um telefone e apurar as matérias, pedi ao Mendes para puxar uma

Jornal da ABI — Depois você ingressou na TV Globo. Léo — Antes, após sair da TV Rio, passei pela Excelsior. Mas já estava de olho na Globo e resolvi procurar o Walter Clark, com quem eu tinha trabalhado na TV Rio e então era Diretor-Geral da nova emissora. Quando cheguei lá, ainda não havia uma equipe esportiva formada. O primeiro programa que o Walter me chamou pra fazer, Escalada cultural, nunca foi ao ar. A Copa de 70 tinha começado e, no segundo dia dos jogos, ele entrou correndo na sala e me pediu para quebrar o galho numa transmissão, pois havia um problema técnico e a locução teria que ser feita do estúdio. Na partida, saiu o primeiro gol daquela Copa e a narração foi minha. No mesmo dia aconteceram o seqüestro do Presidente da Argentina e um terremoto e o Jor-


nal Nacional ia dar uma edição extraordinária. O Walter me mandou novamente para o estúdio e eu li o noticiário. Quando saí, ele estava conversando com o Boni, que resolveu me contratar. Jornal da ABI — De lá para cá, são 37 anos de TV Globo, com destaque na programação esportiva. Léo — Pois é. Depois da transmissão do torneio Copa Brasil, atual Copa do Brasil, resolvemos manter o horário e ampliar o leque. Decidimos que, em vez de fazer somente futebol, passaríamos a falar de todas as modalidades esportivas. Aí o Boni sugeriu o Globo Esporte, que até hoje é o nome do programa. Depois veio o Esporte Espetacular, que foi sofrendo modificações e continua brilhando até hoje. Jornal da ABI — Você tem participação em quase todos os telejornais da emissora. Léo — No Jornal Nacional, comecei

a aparecer para falar de esportes, mas curiosamente, nos últimos tempos, apresentava também o noticiário internacional, enquanto o Cid Moreira e o Sérgio Chapelin liam o futebol. Acho que a emissora lembrou que eu era locutor de notícias gerais desde a TV Rio, jogando nas onze. Jornal da ABI — Muita gente já deve ter lhe perguntado quando o seu repertório de histórias será reunido em um livro. Léo — É difícil o dia em que pelo menos uma dez pessoas não falam sobre isso. Eu sempre respondo do mesmo jeito: “Dá dinheiro? Se não dá, eu não escrevo.” (risos) Quem sabe, uma hora dessas eu escrevo algumas dessas histórias. Mas são muitas. Jornal da ABI — Conte uma. Léo — Aconteceu no lançamento do Jornal Hoje, em 21 de abril de 1973. Contrataram o Luiz Jatobá para ser o

apresentador. Ele entrou no estúdio, e, com aquele vozeirão, anunciou: “Muito boa tarde. A TV Globo inicia hoje um novo capítulo na sua história e lança um telejornal vespertino. Hoje, 21 de abril, dia de lembrar Joaquim José da Silva Tiradentes.” Na hora ele mesmo se assustou e emendou: “Joaquim José da Silva Tiradentes, o Xavier.” (risos) Aí o Borjalo entrou correndo no estúdio, gritando: “Segue você, Léo, segue você!” Romperam o contrato do Jatobá e eu fiquei um tempo como apresentador do programa. Jornal da ABI — O que provocou sua saída do Fantástico? Léo — Fiz o programa muitos anos e me tiraram para dar lugar ao Tadeu Schmidt, que é irmão do ex-jogador de basquete Oscar Schmidt. As mudanças acontecem e a TV Globo quis inovar e mudar de estilo, com um apresentador mais jovem. Sinto falta das narrações nas noites de domingo, porque eu gos-

tava muito do que fazia. Mas não vou chorar por isso. A Direção do Fantástico inaugurou uma fórmula nova. Se vai dar certo ou não, foge da minha competência. Jornal da ABI — Você pensa em pendurar as chuteiras? Léo — Olha, se arranjarem uma metralhadora, com bala de verdade mesmo, que não falhe, para me dar uma rajada, de repente eu paro de trabalhar. Mas, se não for assim, não paro, não. Estou com 75 anos de idade, completei 60 de profissão — e não encontro nem o termo apropriado para descrever o que sinto por ela. Outro dia fiquei imaginando a hora em que eu não puder mais entrar na emissora e falar com os amigos. Evito pensar nisso. Desejo continuar fazendo o meu trabalho. A não ser que achem que fiquei velho demais, que já estou gagá. (risos) Enquanto Deus me der voz e saúde e a TV Globo quiser, eu continuo.

DOCUMENTAÇÃO

GARABOSKY, O COLECIONADOR “A História do Brasil está em livros e revistas”, diz Moysés Garabosky, sócio da ABI desde 1954, que está fazendo preciosas doações à nossa Biblioteca Bastos Tigre. ARQUIVO PESSOAL

“Não é propriamente uma coleção de jornais, é um aglomerado de edições comemorativas e fatos relevantes de jornais que marcaram história em nosso País.” Assim Moysés Garabosky define sua coleção de jornais e revistas, que registra parte da trajetória de alguns dos mais importantes veículos da imprensa nacional. Também filatelista, Garabosky diz que o que o levou a se tornar um colecionador foi o fato de a História do Brasil estar documentada nas notícias publicadas em jornais e revistas: — Comecei a guardá-los quando ainda era ginasiano no Colégio Estadual de Sergipe, em 1947. Como estudava História do Brasil e Geral, comecei a juntar os principais acontecimentos publicados. Logo surgiu também o interesse pelos selos. O primeiro exemplar de jornal considerado histórico que chegou às mãos de Garabosky foi a edição comemorativa do centenário de Castro Alves de A Tarde, de Salvador, que circulou em 14 de março de 1947: — O poeta baiano sempre foi o meu predileto e os cem anos de seu nascimento foram comemorados com grande pompa em seu Estado. Algumas das peças da coleção de Garabosky agora fazem parte do acervo da Biblioteca Bastos Tigre, para a qual foram doados o exemplar nº 1 do extinto

Garabosky vem doando preciosos periódicos à Biblioteca da ABI, como a raridade Repórter Filatélico, de 1958.

jornal fluminense Luta Democrática, a já citada edição de A Tarde e o livro que reúne os atos de cooperação mútua firmados entre Brasil e Bolívia, em 29 de março de 1958 — “a Biblioteca da ABI é o local adequado para guardar a memória do Brasil”, afirma Garabosky. Recentemente, Garabosky já havia doado à ABI a edição nº 1.054 do São Lourenço-Jornal, de 21 de fevereiro de

1954; as quatro primeiras edições da revista Repórter Filatélico, cujos dois primeiros números circularam em janeiro e fevereiro de 1958; e um exemplar do jornal História do Correio, lançado pela Comissão Estadual de Filatelia da Secretaria de Estado para os Negócios do Governo, em 26 de setembro de 1967. Formado em Administração de Empresas pela antiga Escola de Administra-

ção da Fundação Getúlio Vargas, Moysés Garabosky nasceu em Aracaju, em 18 de fevereiro de 1929, e ingressou no jornalismo em 1953, no antigo Diário de Notícias, do Rio. Antes, porém, já escrevia na imprensa sobre filatelia. — Entre 46 e 47, o Diário de Sergipe e o Sergipe Jornal me deram essa oportunidade. Quando fui para o Rio, também estreei com a coluna Nos domínios da filatelia. Ao me mudar para São Paulo, segui escrevendo sobre o assunto na Folha de S. Paulo e, depois, na Folha da Tarde e A Gazeta. Fundador e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Jornalistas Filatelistas, membro da Associação Sergipana de Imprensa e sócio da ABI desde 1954, Garabosky continua vivendo em São Paulo e tem hoje uma valiosa coleção de cerca de 100 mil selos. — Comecei a colecionar por causa de uma professora do ginásio. Um ano depois, em 48, já estava participando da primeira exposição filatélica de Aracaju. Garabosky diz que o espaço em sua casa se tornou pequeno para os jornais e revistas: — Eles foram dando espaço para as coleções de selos, principalmente as temáticas, como “Forças Armadas do Brasil”, “Maçonaria na História do Brasil” e “Postais do Brasil”. Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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LIVROS

Pasquim, o jornalismo sem aspas e sem paletó e gravata POR BENÍCIO MEDEIROS

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Já em seu número 1 O Pasquim causou surpresa, pela coragem de dar como matéria principal longa entrevista com o cronista social Ibrahim Sued, amigo e admirador dos militares. Jaguar, chargista, criou para o jornal o irreverente ratinho Sig.

Tenório Cavalcânti, com o cantor brega Waldick Soriano e muitas e muitas outras. O Pasquim era antes um jornal anárquico do que uma publicação “de esquerda”: entre os dois Marx, afinava-se mais com Groucho. Mesmo assim, o Governo preferia vê-lo como um “antro de comunistas, bêbados, pervertidos e drogados”, nas palavras de Sérgio Augusto. Em novembro de 1970, quase toda a equipe passou um mês incomunicável, na Vila Militar, sem processo ou qualquer explicação. Já outros episódios, nessa relação com a ditadura, pareciam puras criações de Ivan Lessa. Uma bomba, colocada no quintal da casa onde funcionava o Pasquim, não explodiu por incompetência dos terroristas. A primeira censora, Dona Marina, gostava de uísque e ficou amiga da turma. Por isso, relaxou no trabalho e acabou afastada. Mandaram, para substituí-la, um general da reserva que não era outro senão o pai de Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema. Não parece piada do Pasquim? Às vezes a censura cortava tanto que não sobrava material para encher o jornal. Mas também podia servir de pretexto para encobrir as falhas dos próprios editores. Uma vez Tarso de Castro não entregou sua ma-

DIVULGAÇÃO

Chamar as duas antologias do Pasquim publicadas pela Editora Desiderata de “edições históricas” seria trair um pouco o espírito irreverente, e em geral autodepreciativo, do famoso “hebdomadário”. Melhor dizer mesmo como o jornalista Sérgio Augusto, que, parafraseando Marx na apresentação do primeiro volume, referese ao Pasquim como uma farsa que se repete agora como história. Farsa, segundo o dicionário, pode ser uma “comédia de baixo nível” ou uma “narração que provoca o riso”. O “jornaleco”, como os editores carinhosamente o chamavam, era de fato um pouco isso. Só que muito mais. Segundo Ivan Lessa, um de seus mais geniais colaboradores, o Pasquim “tirou as aspas” do jornalismo. Para Sérgio Augusto, tirou-lhe também “o paletó e a gravata”. Depois dele, a imprensa jamais seria a mesma. Lançado em junho de 1969 — seis meses, portanto, depois do AI-5 — o Pasquim revolucionou os meios de comunicação brasileiros. Por causa da censura imposta pela ditadura militar, devia durar pouco, segundo a previsão pessimista de Millôr Fernandes. Modestos, os editores fizeram uma tiragem inicial de 15 mil exemplares. Em alguns meses, estava vendendo 200 mil exemplares por semana, o que configuraria um fenômeno editorial até nos dias de hoje. Não existe receita, é claro, para se fazer um jornal assim. O Pasquim deu certo porque foi publicado no lugar certo, o Rio de Janeiro, e no momento certo — que o bom senso, no entanto, dizia ser o errado. Empresários morriam de medo de anunciar, temendo represálias do Governo. Em compensação o semanário contava com uma equipe de colaboradores especialmente talentosa, que em condições normais seria muito difícil reunir numa única redação. A diferença entre o Pasquim e outros órgãos da imprensa da época é que encarnava um certo sentimento libertário, de resistência ao “sistema”, como se dizia, e por isso todos os insatisfeitos queriam colaborar. Foi um mutirão de talentos. É im-

pressionante a lista de jornalistas, escritores e artistas de várias gerações que escreveram ou desenharam para o Pasquim — de Vinicius de Moraes a Chico Buarque, de Nássara a Gláuber Rocha. O humorista Jaguar contribuiu com personagens inesquecíveis, como o ratinho filósofo Sig; Gastão, o vomitador; e Bóris, o homem-tronco. Henfil inventou o Cabôco Mamadô, que chupava o cérebro dos infiéis, e o fradinho sádico com seus procedimentos escatológicos. Ivan Lessa criou a Sra. Edelmar Barbosa e o Leitão Dondinho (3 anos, 48 kg). Paulo Francis, para debochar dos clichês acadêmicos, consagrou expressões como “inserido no contexto” e “raciocinando em bloco”. Eufemismos feitos para driblar a censura — “duca”, “sifu”, “paca”, “putzgrila” — entraram de vez no repertório das nossas gírias. Um dos segredos do Pasquim foi sem dúvida a falta total de preconceitos, na verdade nem tão total assim, pois gostava de espezinhar os “reacionários” Gustavo Corção, David Nasser, Roberto Campos e Nélson Rodrigues. Num tempo em que as “patrulhas ideológicas” denunciadas por Cacá Diegues agiam a toda força, por sugestão de Tarso de Castro o entrevistado do primeiro número foi o colunista social Ibrahim Sued, que gostava de bajular os militares. Seguiram-se muitas outras entrevistas antológicas, feitas num estilo coloquial muito peculiar de “jornalismo-verdade”: com a atriz Leila Diniz e seus famosos palavrões, com o lendário malandro da Lapa Madame Satã — uma redescoberta do Pasquim, pois nem se sabia que ele ainda existia —, com o folclórico político

téria a tempo. Jaguar teve a idéia de ocupar todo o espaço que estava reservado para o artigo, duas páginas, só com as palavras “blá-blá-blá-blá”. Saiu assim, devidamente assinada por Tarso, e os leitores acharam “genial”. O Pasquim foi, enfim, uma experiência rara, ou melhor, raríssima, na história da imprensa brasileira. O último número é de novembro de 1991, mas, paradoxalmente, sua fase áurea coincide com a vigência da censura prévia, que acabou em 1975. Quem sabe a luta diuturna contra os censores fizesse parte da química do sucesso? O fato é que algo do seu estilo impregnou, de uma forma ou outra, todo o jornalismo, com uma linguagem menos formal, menos pomposa, e decerto mais acessível ao leitor. A Editora Desiderata anuncia, para breve, mais duas antologias do Pasquim. É uma ótima notícia. Passado tanto tempo, continua sendo um prazer ler ou reler o bravo “jornaleco”. Benício Medeiros é Diretor de Jornalismo da ABI. Divulgado originalmente no Site da ABI sob o título de A volta do “jornaleco”.


LIVROS

As mudanças

Ana Goulart diz que só não concorda plenamente com Garcia no tocante à credibilidade da maioria dos veículos que circulavam no período: — Poucos foram aqueles de que a gente pode se orgulhar de terem dado uma grande contribuição à imprensa. Antes dos anos 1950, a credibilidade da imprensa não estava associada diretamente à idéia de imparcialidade, ninguém esperava, realmente, que jornais fossem neutros e objetivos. Sua função era comentar os acontecimentos e, nesse sentido, era considerado normal que expressassem pontos de vista e interesses particulares. As reformas naquela década é que consolidaram a idéia de objetividade jornalística. O conjunto de mudanças implementado pelos jornais nos anos 50 foi amplo e contemplou todos os aspectos da produção jornalística: — Começou a se estabelecer um padrão empresarial de gestão, caracterizado por formas de gerência mais impessoais. Do ponto de vista da produção do texto, o jornalis-

Professora da UFRJ, Ana Paula Goulart Ribeiro mostra como o Diário Carioca,a Tribuna da Imprensa,a Última Hora e o Jornal do Brasil mudaram a forma de se fazer jornal no Rio e no País. DIVULGAÇÃO

As grandes reformas gráficas, editoriais e empresariais que mudaram o perfil do jornalismo do Rio de Janeiro na década de 1950 — com reflexos na imprensa em todo o Brasil — são o tema central do recém-lançado Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 50 (Editora e-Papers), de Ana Paula Goulart Ribeiro, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro–Eco-UFRJ. Com base nas inovações do Diário Carioca, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil e Última Hora, a autora apresenta no livro, didaticamente, uma análise bem construída de modelo editorial, conjuntura política e empresarial, infraestrutura gráfica, produção de textos e mercado profissional dos veículos cariocas que viraram um marco na História da mídia impressa do País. Até à década de 50, o padrão da imprensa no Brasil seguia o estilo europeu, principalmente no texto, diz Ana Goulart: — Em termos gerais, a maioria dos nossos periódicos seguia o modelo francês de jornalismo, cuja técnica de escrita era mais próxima da literária. Os gêneros mais valorizados eram os mais livres e opinativos, como a crônica, o artigo polêmico e o artigo de fundo. Naquela época, a oferta de jornais era muito grande. Como lembrou Luiz Garcia em entrevista ao ABI Online Online, somente no Rio de Janeiro circulavam cerca de 20 periódicos — muitos com a credibilidade e a qualidade comprometidas por seus interesses políticos e econômicos. “Os jornais eram muito mais veículos de projetos políticos do que de outra coisa e funcionavam com poucas pessoas”, diz Garcia, apontando outro problema: a falta de organização empresarial nos meios de comunicação. Apesar da improvisação, “naquele período já começava a se desenvolver a técnica de lead, que foi trazida ao Brasil por dois jornalistas brasileiros: o Lacerda na Tribuna da Imprensa, e o Pompeu de Souza, no Diário Carioca”.

AS MUTAÇÕES DA IMPRENSA, ANOS 50 — A nova orientação do jornalismo brasileiro não impediu que os jornais continuassem a exercer uma função nitidamente política, marcada aqui por renitente tensão entre modernidade e arcaísmo. Como todo período de transição, os anos 50 foram marcados por ambigüidades. Também nas empresas jornalísticas conviviam, ao lado de um modelo de gestão e administração mais racional, outro mais personalista. Além disso, devido às características do mercado interno, o apoio a determinados grupos ou ao Estado ainda era essencial para garantir a sobrevivência de algumas empresas, através de créditos, empréstimos, incentivos fiscais ou mesmo publicidade. Os renovadores

Ana Paula Goulart: uma radiografia da imprensa do Rio nos anos 50, desde o modelo editorial à conjuntura política e empresarial.

mo passou a adotar técnicas norte-americanas, como o lead e a pirâmide invertida. Surgiram os copidesques e os primeiros manuais de redação. O aspecto gráfico dos diários se transformou, com o desenvolvimento de modelos de diagramação mais funcionais. O contexto visual também foi alterado, com uniformidade na tipologia das letras e lógica na hierarquia dos elementos nas páginas — antes, a paginação das matérias era feita na base da improvisação. Estabeleceu-se ainda um novo conceito de fotojornalismo: — A fotografia deixou de ser meramente ilustrativa e passou a ser também informativa. Outra novidade foi o processo de profissionalização: o aumento dos salários permitiu que o jornalismo deixasse de ser um bico, uma ocupação provisória. Aos poucos foi desaparecendo a figura do aventureiro, que fazia do jornalismo apenas um lugar de reconhecimento ou que buscava no jornal a possibilidade de ascensão social através de negociatas, suborno e chantagem. Ao longo desse período, os jornalistas foram adquirindo um sentido de categoria profissional diferenciada da dos literatos e da dos políticos. Não houve, porém, um rompimento radical com o antigo modelo de jornalismo, diz Ana:

Considera Ana Goulart que a vanguarda nos projetos jornalísticos foi a Última Hora de Samuel Wainer: — A apresentação gráfica de UH, desenvolvida pelo argentino Andrés Guevara, estabeleceu um novo padrão visual para a imprensa brasileira, sobretudo para aquela mais popular. UH também teve um papel importante na valorização da fotografia. Não só o jornal lhe deu um destaque especial, utilizando muitas fotos e em grandes proporções, como também modificou suas características. Até então, as fotos usadas pela imprensa diária eram geralmente estáticas, lembrando álbuns. O jornal também se destacou no uso da cor e privilegiou o desenho de humor de artistas como Lan, Augusto Rodrigues e Nássara: — Editorialmente, o jornal também foi extremamente inovador ao ressuscitar a fórmula do folhetim e dar novo impulso ao colunismo, através de nomes como Nelson Rodrigues, Sérgio Porto e Antônio Maria. Pagando altos salários, cerca de dez vezes mais que a média da época, Wainer conseguiu atrair para a sua redação o que havia de melhor no jornalismo nacional. Outras reformas editoriais e gráficas impactantes foram as do Diário Carioca e do Jornal do Brasil — o primeiro pela inovação do texto jornalístico, criação da função de copidesque e de um manual de redação, produzido por Pompeu de Souza. — O DC foi pioneiro na adoção das técnicas norte-americanas e era considerado uma verdadeira de escola de jornalismo. Por lá passaram quase todos os

bons profissionais da época, alguns jovens que se tornariam célebres jornalistas, como Armando Nogueira, Jânio de Freitas, Zuenir Ventura, Hélio Fernandes, Evandro Carlos de Andrade, José Ramos Tinhorão, Maurício Azêdo, Nilson Lage, Paulo Francis, Sérgio Cabral e Sérgio Porto. Já o JB se destacou com o projeto gráfico de Amílcar de Castro, que seguia princípios estéticos opostos aos de UH: — O Guevara apostou na utilização maciça de ornamentos. A paginação era movimentada por setas, fios, grisés e muitos outros recursos gráficos. Amílcar eliminou todos os elementos ornamentais da página, investindo na leveza visual, através do uso do branco e do jogo de espaços e volumes. Um novo papel

Ana Goulart defende no livro a idéia de que, com as mudanças, a imprensa se transformou num dos principais campos discursivos da atualidade: — A modernização da década de 50 representou para a imprensa a construção de um lugar institucional que lhe permitiu, a partir de então, se constituir como o registro factual por excelência. Os enunciados jornalísticos são aceitos pelo consenso da sociedade como relevantes e verdadeiros. O que passa ao largo da mídia é considerado, pelo conjunto da sociedade, como sem importância. O discurso jornalístico passou a se revestir de uma aura de fidelidade aos fatos, que lhe conferiu considerável poder social. Nesse contexto a autora chama a atenção para o fato de que, mesmo que a objetividade da imprensa venha a ser questionada “como um efeito ilusório”, há fatos concretos como nomes, datas etc. que não são deformados ou inventados: — Os leitores, num certo sentido, ainda que critiquem a imprensa, confiam nas suas narrativas, até porque raramente podem verificar in loco a veracidade dos acontecimentos relatados. A objetividade passa a ser elemento de credibilidade. Da década de 50 para cá, a imprensa já sofreu diversas reformas, tanto do ponto de vista editorial quanto do aperfeiçoamento profissional e técnico-industrial. Na opinião de Ana Goulart, o paradigma implantado naquele período tem dado evidentes mostras de esgotamento: — O fazer profissional guia-se atualmente por regras diferenciadas daquelas. Muitos dos métodos e formas de se fazer notícia foram abandonados. Mas acredito que a idéia de objetividade ainda é uma das grandes responsáveis pela acolhida que o jornalismo tem e acredito que a imprensa ainda resguarda a legitimidade da representação objetiva, por mais que essa idéia já tenha sido exaustivamente criticada pelos estudiosos da comunicação e pelos próprios jornalistas. (José Reinaldo Marques) Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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HISTÓRIA

Itararé: o Barão de uma batalha inexistente A acidentada e irreverente trajetória de Aparício Torelly, precursor dos atuais humoristas da imprensa. POR LUÍS PIMENTEL

Revolução de 1930. As forças políticas reunidas em torno da chamada Aliança Liberal se sublevaram, sob a liderança de um baixinho gaúcho invocado chamado Getúlio Vargas. Uma grande batalha estava prometida e deveria ocorrer em Itararé. Mas não houve batalha nenhuma, pois o Presidente Washington Luís fora deposto por seus próprios auxiliares, bem à moda brasileira. Foi o bastante para outro baixinho gaúcho invocado, diretor de um combativo e debochado jornaleco de humor, autoproclamar-se Duque da batalha que não aconteceu, “pelos relevantes serviços prestados no front”. Modesto, o aloprado jornalista rebaixou depois o título para Barão de Itararé. O jornal era A Manha e seu diretor o humorista, frasista, poeta, político e sacana inveterado Aparício Torelly, que também assinava Aporelly. Nosso herói nasceu no dia 29 de janeiro de 1895 e foi batizado com o pomposo nome de Fernando Aparício Brinkerhoff Torelly, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Era filho de uma índia charrua que sentiu as contrações durante uma viagem de carroça pelo interior do Estado. “De repente, a carroça quebrou e eu resolvi botar a cabeça para fora pra ver o que estava acontecendo.” Foi sua primeira gracinha. Antes de deixar os pampas para tentar a vida no Rio de Janeiro, onde descobriu sua verdadeira vocação, Aparício cursou períodos na Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Desta época já despontam alguns exemplos do seu humor rápido e mordaz. Durante uma prova oral, o seriíssimo professor de anatomia fez a pergunta: – Quantos rins nós temos? – Quatro – respondeu o aluno. – Quatro? O senhor está maluco? – Dois meus e dois seus. Isto se o senhor for um indivíduo normal. 32 Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

Durante outra argüição, ouviu o mestre irritado com suas respostas cretinas berrar para o bedel: – Traz aí um pouco de alfafa! A reação brilhante do Barão: – E para mim, um cafezinho. Depois de publicar alguns poemas cínicos e satíricos nos jornais e revistas de Porto Alegre, reunindo-os em seguida no livro Pontas de Cigarro, Aparício arrumou as malas e se mandou para o Rio de Janeiro, onde desembarcou aos 21 anos de idade e com o endereço do jornal O Globo no bolso. Procurou o di-

retor do jornal, Irineu Marinho, e avisou que era o profissional de que O Globo estava precisando. – O que o senhor sabe fazer? – perguntou Irineu. – Tudo. Desde varrer a redação até dirigir o jornal. Diante do espanto causado, provocou: – Mesmo porque, não há muita diferença entre uma atividade e outra. Mostrou algumas crônicas humorísticas e foi contratado imediatamente. A primeira dessas crônicas foi publicada já no dia seguinte, assinada, na primeira página. Estava bom, mas era pouco. O Barão queria e merecia muito mais. Em1926, lançou seu próprio jornal semanal, A Manha,, pequena sacanagem em cima do matutino A Manhã,, um dos jornais mais influentes da época. Bem abaixo do logotipo, a frase explicativa: “Quem não chora não mama”. A redação ficava na Rua 13 de Maio, onde tempos depois, prisões depois e pescoções depois o Barão de Itararé afixou uma placa destinada aos policiais que freqüentemente visitavam a Redação e seu responsável: ENTRE SEM BATER! O lançamento do jornal A Manha – onde dirigiu, colaborou sob diversos pseudônimos, escrevendo o material editorial inteiramente sozinho – veio a comprovar a imensa capacidade de trabalho e a imaginação fértil de Aparício Torelly. Era “um self-made-man, feito por si próprio, pois se fosse esperar por essa canalha que aí está jamais o seria”, explicava ele, quase sempre sorridente. “Desse senhor Barão de Itararé, de seu riso claro e irresistível, nasceram os atuais humoristas brasileiros, os que desenham, os que escrevem, os que desenham e escrevem”, afirmou Jorge Amado, em 1985, em texto para o livro Máximas e Mínimas do Barão de Itararé, edição da Agência MPM e Editora Record. “O Estado Novo é o estado a que chegamos”, foi como Aporelly definiu a situação de desmandos, pressões e prisões do período mais sombrio do Governo Vargas. “Sua palavra, revestida de coragem exemplar e de doce humildade,

estava sempre a serviço das mudanças, vale dizer, da esperança, o que fazia dessa palavra um surto permanente de sorriso, e de riso, pois que (malgrado tudo!) de esperança. Pois até o fim Aporelly não descreu que o mal residia necessariamente no social de nossa vida de classes antagônicas”, escreveu o acadêmico e filósofo Antonio Houaiss, em 1986, nas páginas de As Duas Vidas de Aparício Torelly – o Barão de Itararé, livro do jornalista Cláudio Figueiredo. A Manha,, autocaracterizada como “hebdomadário’, fazia basicamente um humor político, concentrando suas baterias sobre os figurões da República. “O então Presidente Washington Luís foi transformado em redator-chefe de A Manha e aparecia em todos os números, assinando longos bestialógicos (era o Vaz Antão Luís, nosso companheiro que acumula as funções de Presidente da República)”, segundo informações do filósofo Leandro Konder, em pequena biografia do Barão produzida em 1983 para a Editora Brasiliense. E mais: “impressionado com a cuidada elegância das botinas lustrosas do tristonho ministro Félix Pacheco, Aporelly apelidou-o de Infélix Pé Chic”. A Manha resistiu até o começo da década de 1930. O Barão assinou colaborações em alguns jornais e em 1934 tentou dirigir um veículo “sério”, o Jornal do Povo.. Carregou nas tintas políticas e recebeu logo o troco: foi seqüestrado e espancado por oficiais da Marinha, influenciados pelos integralistas. No ano seguinte relançou A Manha,, quando colocou na porta o famoso letreiro “Entre sem bater”. Não adiantou. Entraram, bateram muito e ainda carregaram o Barão para o presídio da Ilha Grande, onde puxou um ano e meio de cadeia. Lá conheceu quase todos os membros do Partido Comunista e também o escritor Graciliano Ramos, vindo a tornar-se depois personagem do antológico Memórias do Cárcere. Durante o interrogatório, travou o seguinte diálogo com o oficial de plantão na Vila Militar: – Nome? – Aparício Torelly. – Sabe ler e escrever? – Sim. – Profissão? – Jornalista – Participa do movimento? – Sim. – Pode dar mais detalhes?


Liberdade de imprensa

Luís Pimentel, jornalista e escritor, é autor do livro Entre sem bater – o humor na imprensa, do Barão de Itararé ao Pasquim 21, edição Ediouro.

PROCESSOS

Nuzman contra Kfouri Presidente do Comitê Olímpico considerou-se ofendido por uma carta-aberta reproduzida pelo colunista da Folha. O Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro-Cob, Carlos Arthur Nuzman, entrou com uma ação na Justiça contra Juca Kfouri. O motivo foi a publicação, no blog e na coluna do jornalista na Folha de S.Paulo, de uma carta-aberta, em que o professor de Educação Física Homero Blota faz pesadas críticas ao dirigente do Comitê, apontando supostas irregularidades em sua administração, principalmente na organização dos Jogos Pan-Americanos 2007. A ação está tramitando na 34ª Vara Criminal do Rio, que já intimou Kfouri para prestar depoimento. A carta de Homero Blota foi enviada por e-mail a diversos jornalistas e publicada, sem o nome do autor, no endereço averdadedopan2007.blogspot.com. Ao recebê-la, Kfouri diz que contatou o professor: — O documento já tinha sido encaminhado a um bando de jornalistas, mas, por e-mail, eu disse ao professor que, se ele não me autorizasse publicálo com a sua assinatura, eu entenderia. Ele me respondeu que não haveria problema e que tudo o que dizia na carta era a expressão da verdade. Kfouri acha que a repercussão da nota

ANTÔNIO CRUZ/ABR

– Participo do movimento como o senhor também participa. Afinal, como prova a física, tudo no mundo é movimento. Saindo da cadeia, em 1937, o incansável Barão tentou mais uma vez colocar A Manha nas bancas. Foi “aconselhado” pela ditadura do Estado Novo a desistir do projeto suicida. Só em 1945, com a abertura política, conseguiu relançar o jornal. Mais uma vez foi um sucesso, tanto que dois anos depois seu diretor foi eleito vereador da então capital da República pelo momentaneamente “legal” Partido Comunista Brasileiro, o Partidão. Na ocasião, denunciava-se na imprensa a ação criminosa de alguns comerciantes que estavam “batizando” o leite (misturando com água para aumentar a quantidade). Aporelly pegou o mote e fez sua campanha vitoriosa com o seguinte slogan: “Mais água e mais leite. Mas menos água no leite.” Não conseguindo mais manter o seu jornal, por falta de dinheiro e saúde (já tinha sido vítima de dois derrames), Aparício Torelly publicou três Almanaques dA Manha, entre 1949 e 1955. O terceiro volume destas obras foi relançado em 1995 pela editora paulista Studioma, como parte das comemorações do centenário do humorista. Doente e desanimado, Aparício praticamente se trancou em seu pequeno apartamento na Praça São Salvador, no Rio de Janeiro, para estudar matemática e dedicar-se a uma ciência nova que ele chamava de Biônica – relacionando a biologia à eletrônica. Aporelly viveu sozinho os seus últimos anos de vida: o pai do filósofo Leandro, o escritor Valério Konder, fora amigo pessoal do Barão. E contou que certa vez, ao atravessarem juntos a Avenida Rio Branco, o humorista enxergou um ônibus que se aproximava e advertiu: “Cuidado, Valério. Aquele ali já nos viu”. A doença deixara o Barão medroso e assustado. Noutra ocasião, tendo que escapar de um carro que quase o atropelou, comentou com amigos: “Era um belo carro. No mínimo, cento e vinte cavalos, sem contar o que estava no volante”. Afastou-se do humorismo profissional, mas não deixou de praticá-lo no dia-a-dia até o fim da vida. Autor da máxima “o que se leva dessa vida é a vida que a gente leva”, Aparício Torelly conseguia fazer piada com qualquer assunto. Já nas últimas, respondeu à pergunta do médico se estava se alimentando com os cuidados que sua saúde exigia: – Minha alimentação é frugal, doutor, consta só de dois pratos. Um fundo e outro raso. Morreu no dia 27 de novembro de 1971, em seu apartamento na Praça São Salvador, no Rio de Janeiro. Um dia, naturalmente, nublado e sem graça nenhuma.

Carlos Arthur Nuzman, o comandante do Pan: repercussão da coluna de Juca Kfouri gerou processo criminal.

sobre a carta em sua coluna na Folha é que está motivando o processo. Ele conta que, quando recebeu a notícia da ação de Nuzman, escreveu novamente a Homero Blota, propondo entrevistá-lo. O professor, no entanto, respondeu que não podia aparecer, por ser avesso a publicidade e temer represálias, já que é docente da rede municipal. Kfouri admite a hipótese de Homero Blota ser um pseudônimo, mas estranha o fato de o a verdade do pan2007. blogspot. com ter deixado de funcionar

temporariamente: — Tiraram do ar o endereço, que depois voltou com outra matéria, de uma ong que incentiva o esporte. Uma pessoa ligada a essa organização foi chamada a prestar depoimento sobre a carta-aberta. No meu caso, fiz apenas uma clipagem jornalística do que já tinha sido veiculado com um comentário crítico de uma pessoa anônima, com quem tentei me comunicar. Minha sensação é de que estão querendo me intimidar na tentativa de que eu diga quem é esse Homero Blota.

Desembargador aciona revista e jornalista Alegando dano moral, magistrado aposentado pleiteia de ambos uma indenização de R$ 1 milhão. A revista IstoÉ e o jornalista Ricardo Miranda, do Correio Braziliense, estão sendo processados pelo Desembargador Etério Ramos Galvão, ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, o qual pleiteia uma indenização por dano moral que chega nos dois casos a cerca de R$ 1 milhão. Em e-mail à ABI, revelou Ricardo Miranda que o litígio foi originado pelas denúncias feitas a órgãos de imprensa por uma amiga de Etério, a médica Maria Soraia Elias Pereira, que o acusou de práticas que levaram o SubprocuradorGeral da República em Pernambuco Eitel Santiago de Brito Pereira a oferecer uma notícia-crime contra ele. Além da IstoÉ, também a TV Globo acolheu as denúncias de Maria Soraia, tanto que fez um Linha Direta sobre o caso. Diz Ricardo Miranda: “O caso subiu para o Superior Tribunal de Justiça, onde o Ministro César Asfor Rocha transformou-o em inquérito, acusando o desembargador por suspeita de crimes como aborto sem

consentimento da gestante, lesão corporal, ameaça de morte, cárcere privado, roubo qualificado e subtração de incapaz (rapto de criança). As acusações de Maria Soraia foram apuradas pelo Delegado federal Victor da Silva Arantes Júnior, que remeteu os autos ao Ministério Público Federal, dando origem à notícia-crime. Além dele o Juiz Eleitoral Mário Gil Rodrigues, que hoje, curiosamente, é o advogado dele no caso, foi indiciado por envolvimento no caso.” Informa Ricardo Miranda que a partir daí “o caso sofreu vários desdobramentos”, “dentro da lógica da nossa boa e velha Justiça”. “O desembargador tem tentado ser reintegrado, mas continua afastado. O fato, como se percebe, era público e notório. E meu papel foi estritamente um trabalho jornalístico, como o que se observa hoje na cobertura de tantos casos rumorosos. Só que o desembargador, depois de muitas manobras, está prestes a ganhar os processos, com valores

astronômicos, e está usando de todos os métodos possíveis para me liquidar, incluindo agora a tentativa – em curso – de penhorar o apartamento onde vivo com minha mulher e meu filho de dois anos e meio (diga-se, um evidente bem de família, meu único patrimônio, comprado depois de quase 20 anos de trabalho, inclusive com recursos do FGTS, e que também está em nome de minha mulher, que também usou recursos do FGTS).” Conta Ricardo Miranda que a IstoÉ continua a defendê-lo, dentro do possível, mas ele considera que tem “razões para acreditar que a luta está desigual”: “Do lado de lá, advogados caríssimos, do lado de cá um corpo jurídico pequeno, mal pago e recentemente enxugado. Não posso simplesmente destituir a IstoÉ da função porque aí aumenta o risco de não poder exigir que, em caso de perda do processo, eles paguem a minha parte. Tenho tentado que amigos advogados monitorem o processo, mas tudo muito eventual e precário. É isso.”s Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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Liberdade de imprensa ATENTADO

A nova vítima, no entorno da capital: Amaury Ribeiro Jr., do Correio Braziliense Após o assassinato do repórter Barbon Filho, no interior de São Paulo, a violência atinge um jornalista a 48 quilômetros da sede dos Poderes da República. Amaury sobreviveu ao ataque de um pistoleiro encapuzado, ainda à solta. O crime organizado fez mais uma vítima na imprensa. Desta vez o alvo foi o repórter Amaury Ribeiro Jr., do Correio Braziliense, baleado na noite de 19 de setembro, em Brasília, quando assistia a um noticiário no televisor de um bar da Cidade Ocidental, a 48 quilômetros da Praça dos Três Poderes, DF. O jornalista, de 44 anos, estava fazendo uma reportagem sobre a escalada da violência no entorno do Distrito Federal e, segundo o Correio Braziliense, foi ferido por um jovem encapuzado, que apontou um revólver calibre 38 e dispa-

rou três vezes. Um dos tiros atingiu-o abaixo da cintura, perto da virilha. Amaury foi operado e sobreviveu. Há mais de um mês Amaury Ribeiro Jr. visitava Cidade Ocidental em busca de informações para a série de reportagens Tráfico, extermínio e medo, publicada desde o dia 4 de setembro no Correio. Ele teria recebido telefonemas ameaçadores por causa das matérias. Na edição de 20 de setembro, em editorial de primeira página, o Correio Braziliense disse que “já passou da hora de o Palácio do Planalto ajudar os Governos

de Goiás, Minas Gerais e do Distrito Federal a enfrentar o banditismo no entorno da capital”. “Só uma ação institucional integrada será capaz de pôr fim à ousadia do narcotráfico. O Correio, que assumiu a vanguarda do jornalismo investigativo na região, não se deixará intimidar”, disse o jornal. Após a divulgação do atentado, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, determinou que a Polícia Federal participe das investigações da tentativa de assassinato do jornalista. A intervenção da PF foi pedida pelo Governador do Distrito Fe-

deral, José Roberto Arruda. O Secretário de Segurança Pública de Goiás, Ernesto Rolle, também se manifestou, classificando de absurdo o ocorrido. O Secretário Nacional de Segurança Pública, Antônio Carlos Biscaia, garantiu que o crime terá tratamento prioritário. Em declarações à imprensa, a ABI expressou sua solidariedade a Amaury Ribeiro Jr. e ao Correio Braziliense e reclamou o empenho do Governo do Distrito Federal para identificação, prisão e punição do autor do atentado e seus mandantes.

Latuff, um caso de intimidação no Pan Cartunista foi intimado a comparecer a uma delegacia de polícia para explicar por que desenhou Cauê, o símbolo e mascote dos Jogos, empunhando um fuzil.

ARQUIVO PESSOAL

No ano passado, o artista gráfico Carhumanos nas favelas está a serviço do los Latuff, do jornal Movimento — publitráfico — conta o chargista. cação oficial do Sindicato dos TrabalhaLatuff vê discriminação no episódio dores no Serviço Público Federal no Rio da prisão dos membros da ong e na mo(Sintrasef) — fez um desenho do mastivação da intimação que sofreu e diz cote dos Jogos Pan-Americanos 2007, que o princípio usado para censurar sua Cauê, empunhando um fuzil, ao lado do charge não foi o mesmo quando o carcarro blindado da Polícia Militar conhetunista Aroeira, de O Dia, publicou decido como Caveirão. senhos de Cauê com as Por iniciativa da ong caras do Governador e Rede contra a Violência do Prefeito: nas Comunidades de — Na minha opiFavelas, a charge foi panião, o fato se desenrorar em roupas, cartazes lou baseado em dois e grafites espalhados na motivos: o primeiro, cidade. E virou matéria porque eu não trabalho do repórter André Zahar, para jornalões; o segunde O Dia, publicada em do porque se trata de 12 de julho com o títurepressão a uma ong lo Pandemônio: sem-teto que denuncia violênespalham imagens de cia contra moradores Cauê de fuzil e vendem de favelas. Fica então camisetas. O fato irrievidenciado que a libertou o Governador Sérdade de expressão está gio Cabral e o Prefeito ligada à conta bancária Cesar Maia e no dia 23, de quem se expressa. Latuff com o manto que identifica uma semana depois da Esta foi a terceira vez sua lealdade aos palestinos. que Latuff teve probleabertura do Pan, Latuff foi intimado a prestar mas devido a desenhos depoimento na Delegacia de Repressão que criticavam a violência policial. A aos Crimes contra a Propriedade Imateprimeira foi em 1999, com a exposição rial, cuja titular é a Delegada Valéria de A polícia mata. Em 2000, com autorizaAragão Sadio: ção do proprietário, o desenhista fez um — Não cheguei a ser maltratado pela grafite no muro de um imóvel no CenPolícia. Fui intimado e resolvi compatro do Rio, sobre a atuação da chamada recer à Delegacia no mesmo dia em que banda podre da Polícia fluminense: os policiais foram à minha casa. Mas — Em nenhuma das vezes ficou produas pessoas da ong foram presas e invado que eu cometi crime real. O que diciadas por uso indevido de marca. Para aconteceu na verdade é porque se trata o Poder Público, quem luta por direitos de críticas às políticas de segurança.

A charge polêmica: um ato de discriminação, segundo o autor.

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A ABI SOLIDÁRIA Por sugestão do Conselheiro Mário Augusto Jakibskind, a Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI aprovou em sua reunião de agosto moção de solidariedade com Latuff. Esta é a íntegra do texto: “A Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos solidariza-se com o cartunista Carlos Latuff, que foi intimado pela Delegada Valeria de Aragão Sádio, da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial. A policial intimou Latuff não propriamente por ter feito uma charge do mascote do Pan, como consta de uma investigação, mas, na verdade, por usar sua habilidade para denunciar as violências cometidas pelo Estado em nome dos Jogos Pan-Americanos. A charge da mascote do Pan foi utilizada em manifestações e atos públicos, o que foi duramente criticado pelo Governador Sergio Cabral e pelo Prefeito Cesar Maia. Vendedores de camisas reproduzin-

do a charge do mascote foram detidos e enquadrados por uso indevido de marca, o que também é condenável. A intimação a Latuff se dá sob o falso argumento de que ele usou o mascote do Pan em seus desenhos, o que não resiste à menor análise, pois outros cartunistas, inclusive em O Dia, também fizeram gozação com o mesmo mascote e nada aconteceu. Mas Latuff, cujos desenhos foram utilizados pelo movimento social para denunciar a violência policial em áreas carentes, recebeu a intimação em sua casa por policiais que lá chegaram em um camburão, num visível intento de intimidar o cartunista. A Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos não poderia silenciar diante deste fato e recomenda a Diretoria da ABI a não apenas se solidarizar, como também a dar toda a assistência de que venha a necessitar o cartunista Latuff, para enfrentar o que entendemos ser uma arbitrariedade do Estado.”


O rebelde que criou seu espaço A contundência ideológica ultra-esquerdista é um dos principais traços do chargista Carlos Latuff, nascido no Rio de Janeiro, no bairro de São Cristóvão, em 30 de novembro de 1968, em plena ditadura militar. Apontado pelos colegas como um chargista militante, ele se autodefine como radical e diz que não faz concessões políticas. Só não gosta quando o classificam como incendiário — ficou furioso com o comentário de Chico Caruso, de O Globo, que o chamou de “um ativista que quer botar fogo no mundo”, durante um debate na UFRJ sobre a charge no Brasil. Suas maiores críticas são dirigidas aos jornais de grande circulação, que, “por causa dos interesses corporativos”, “limitam a criatividade do desenhista em relação à crítica social”. Como quase toda criança, Latuff se apaixonou pelos cartuns a partir dos gibis e desenhos animados: — Sempre gostei muito de ver os desenhos da TV Tupi. Apesar de o meu estilo hoje não ser nada infantil, lembro que os meus prediletos eram os da Hanna-Barbera. Gostava também do Capitão Asa, de Jambo e Ruivão e de Matraca-Trica e Fofoquinha (risos). Mas o que me ajudou mesmo foi o curso que fiz com o Molica, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Diz Latuff que o maior desafio enfrentado por um desenhista é a falta de oportunidade de conquistar espaço na grande imprensa, especialmente para quem está começando: — Tive grande dificuldade para ingressar no mercado de trabalho, porque existe uma ilusão de classe. O profissional acha que vai poder começar trabalhando num jornalão ou na tv, ou fazer quadrinhos para grandes editoras. Mas não é assim que a banda toca. Quem não é apadrinhado não decola — garante. Latuff começou a desenhar profissionalmente em 1989, numa pequena agência de propaganda no Centro do Rio. Conseguiu a vaga por indicação de um amigo — e por isso acredita que “se o chargista não tiver um bom QI (quem indica), principalmente no início de carreira, não tem chance no mercado”. Justifica sua posição lembrando que até se tornar desenhista de verdade foi obrigado a fazer coisas que nada tinham a ver com o desenho: foi bancário, vendedor de lojas de aparelhos ortopédicos e mensageiro da Editora Globo: — Tinha a ilusão de que poderia me tornar um dos desenhistas da equipe da editora. Cheguei a fazer alguns trabalhos, mas, por falta de perspectiva, depois de um ano pedi demissão. Finalmente, o tal amigo, que trabalhava no jornal Balcão, o indicou para a agência: — Como venho de família humilde e não conhecia pessoas influentes, ia batendo nas portas, mas elas acabavam se fechando. Ninguém sabia quem eu era. A

Palestino com o rosto de Che Guevara: Latuff aderiu de corpo e alma à causa palestina.

experiência que tive na Editora Globo corrobora a minha posição. Não tive oportunidade porque originalmente lá eu trabalhava como mensageiro. Um ano depois de deixar a agência, Latuff publicou sua primeira charge no boletim do Sindicato dos Estivadores do Rio de Janeiro. A partir de então, engrenou como frila de outros veículos sindicais, segmento com que mais se identifica: — Minha saída foi a imprensa sindical. Eu não tinha telefone em casa, mas vasculhava o catálogo telefônico à procura de entidades que tivessem publicação. Comprava várias fichas, ia para o orelhão e ligava perguntando se podia marcar uma reunião para apresentar o meu portfólio. Foi assim meu contato com o Sindicato dos Estivadores. Logo depois, conheci o Paulo Lopes, que era Presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio, para o qual também trabalhei. Aí começou minha carreira como cartunista sindical. As charges de Latuff, que abordam a política nacional e questões ligadas às categorias profissionais, ilustram as páginas dos jornais dos Sindicatos dos Servidores da Justiça Federal e dos Servidores da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, dos Trabalhadores do Serviço Federal e das Associações dos Servidores do Proderj, dos Docentes da UFF e dos DoPara Latuff, o centes da UFRJ. papel social do Hoje, diz ele, esse enchargista é “abrir trosamento deixou de ser as cortinas da unicamente comercial: ignorância”. — Comecei a trabalhar para essa mídia por falta de espaço na grande imprensa. Depois, minha relação com os sindicalistas passou a ser ideológica, em função de tudo o que me era apresentado. Foi um processo contagiante. Comecei a ter consciência de que ali era o meu lugar e parei de procurar espaço em jornalões. Hoje, nem que me fosse oferecido eu aceitaria. Antigamente eu pensava que era possível separar o ativista político do profissional. Não dá, e não vejo incoerência no meu procedimento atual. Incoerente é quem se diz comunista, combate a injustiça do capitalismo e aceita trabalhar numa empresa que defende esse sistema. Só trabalho para jornais de esquerda. Se não tivesse outra alternativa, abando-

naria a profissão e ia virar camelô. Em 99, Latuff fez uma viagem à Cisjordânia, tornou-se simpatizante da causa palestina e passou a dedicar grande parte de seus desenhos ao tema. Foi também o primeiro chargista brasileiro a participar do concurso de charges sobre o Holocausto, promovido pela Casa da Caricatura do Irã, com o desenho de um palestino chorando diante de um muro erguido por Israel, vestido com um uniforme de prisioneiro de campo de concentração com o Crescente Vermelho no peito: — Recentemente, recebi por e-mail uma foto de um campo de refugiados palestinos no Líbano, onde meu desenho aparece grafitado — conta. — O mais importante para um chargista é conseguir passar sua mensagem. A charge é um desenho absolutamente ideológico que deve estar disponível para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. Por acreditar nisso, ele usa a internet para difundir seus trabalhos sem cobrança de direitos autorais (copyleft) para quem quiser usar: — Quero ver meu trabalho sendo apropriado não pelas Organizações Globo, mas pelos palestinos, os sem-teto, os semterra, ou organizações do movimento social como aquela que se apropriou da charge do mascote do Pan com um fuzil. Latuff enfatiza que o papel social do chargista é “abrir as cortinas da ignorância” e não reproduzir os discursos da grande imprensa: — É isso que motiva todas as minhas charges. Quando eu desenhei o Cauê armado, quis mostrar a falácia do Governo em torno do Pan, durante o qual o comportamento da imprensa foi absolutamente cretino. Antes dos Jogos, a notícia era a violência no Complexo do Alemão. Começou o torneio e a violência cedeu lugar ao esporte no noticiário. Só não encobriram a queda do avião da TAM porque não foi possível.

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

PERFIL

Eurico Miranda, Presidente do Vasco: uma relação com os repórteres esportivos marcada pela hostilidade.

SOLIDARIEDADE

Ameaças a Lance! no Vasco chegam à Câmara A Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados encaminhou ofício à ABI apresentando sua solidariedade com os profissionais do Lance!, que vêm sofrendo ameaças das torcidas organizadas do Clube de Regatas Vasco da Gama. O primeiro episódio aconteceu quando repórteres e fotógrafos do jornal foram ameaçados pela torcida Força Jovem vascaína, durante a cobertura do jogo Vasco X Náutico, em 30 de agosto, no estádio do clube, em São Januário, no Rio. No dia 1º de setembro, outro profissional do Lance! quase foi agredido por torcedores do Vasco enquanto fotografava o treino do time. Noticiário da imprensa informou que as ameaças aos jornalistas do Lance! ocorreram após a publicação de uma reportagem, em 28 de agosto, sobre um possível leilão do estádio de São Januário para pagamento de dívidas do Vasco com o Cofins, um tributo federal. Na época, o Presidente do clube, Eurico Miranda, acusou o jornal de mentir e anunciou que estavam proibidas entrevistas ao veículo. Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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Direitos humanos

UMA CARTA DO PROFESSOR TORTURADO À SECRETÁRIA BENÉ, QUE NÃO RESPONDE Festejado mestre de História, Emir Amed pede o restabelecimento do pagamento das indenizações de reparação moral às vítimas de prisões e torturas, mas fica sem resposta.

”Momentos de muito sofrimento” Na carta encaminhada à sua antiga aluna Benedita, o Professor Emir Amed, que foi Vereador no Rio e seu companheiro na Câmara Municipal, historia as prisões e torturas de que foi vítima e os danos que sofreu em conseqüência de perseguições políticas. Diz sua mensagem: “Escrevo a Vossa Excelência, não apenas como ex-professor e ex-colega da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, mas como ex-preso político em duas ocasiões: a primeira em 1964, quando era dirigente sindical dos professores e realizamos o 4° Congresso de Educadores Americanos com o apoio do Professor Darci Ribeiro, então Ministro da Educação do Governo trabalhista de João Goulart, derrubado pela horda 36 Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

FABIO POZZEBOM/ABR

Em extensa carta dirigida à Secretária de Estado de Ação Social e Direitos Humanos, o Professor Emir Amed solicitou o restabelecimento dos pagamentos da indenização de reparação moral instituída pela Lei n° 3.744/2001, interrompidos pelo Governo do Estado desde junho de 2005. Datada de 21 de agosto, a carta de Amed renova apelos que ele dirigira em telegramas em 3 de fevereiro à Secretária Benedita e em 15 de junho ao Governador Sérgio Cabral, que determinou o envio da mensagem à Secretária, como ele informou a Amed em cata datada de 28 de junho. Passados mais de dois meses, a Secretária não se manifestou sobre o assunto. A reparação moral às vítimas de prisão e torturas em dependências do Governo do Estado do Rio teve seu valor fixado em R$ 20 mil pela regulamentação da Lei n° 3.744, de 21 de dezembro de 2001, de autoria dos Deputados estaduais Carlos Minc, Chico Alencar e Edmilson Valentim, os dois últimos atualmente Deputados federais. Mais de 1.100 requerimentos foram apresentados à Comissão Especial de Reparação, que deferiu cerca de 900. Até junho de 2005 o Estado pagou apenas 140 indenizações. Da Comissão Especial da Reparação, cujas atividades foram encerradas em 14 de dezembro de 2006, participaram instituições da sociedade civil ¬— ABI, Ordem dos Advogados do Brasil-RJ, Grupo Tortura Nunca Mais, Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremerj) — e órgãos do Governo estadual — Secretaria de Ação Social e Procuradoria-Geral do Estado.

neo-fascista militarempresarial pelo pecado de ter nacionalizado todo o ramo do petróleo e de preconizar as verdadeiras Reformas de Base não ditadas pelo FMI, Banco Mundial, Bid, Consenso de Washington, etc.; a segunda prisão em 1970 pelas aulas que dávamos, por certo apoio indireto ao MR-8 e por termos ajudado a organizar a Grande Marcha dos 100 mil em 1968 (a Revista do Século por acaso, mostra este professor, entre muitos outros, estudantes, jornalistas, etc. na Cinelândia). Foi a grande luta pela (re) democratização do Brasil. Foram momentos de muito sofrimento pelas várias famílias dos presos políticos, muitos mortos e lançados de avião na Amazônia e na Restinga de Marambaia em nosso Rio de Janeiro. Foi a época das torturas com mortes de Mário Alves (jornalista, escritor e dirigente comunista) — (na mesma cela com colchão ensan- Ex-aluna do Professor Emir Amed, de quem depois foi colega como güentado onde depois vereadora à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a Secretária eu ficaria encarcerado) Benedita da Silva parece não saber o que dizer ao seu antigo mestre. —, Stuart Angel (cuja heróica mãe, na busca incessante do corEsta ingente luta pela (re) democratipo do filho, acabou assassinada no início zação do Brasil transformou-nos em ‘exi— entrada da Barra da Tijuca, próximo lados internos’ e resultou então em duas ao Túnel que hoje leva seu nome), de Ruopções: a luta armada urbana e rural (Arabens Paiva, Deputado progressista, tortuguaia e Serra da Canastra) efetuada por rado e morto pelos agentes criminosos grupos como MR-8, VAR-Palmares, Codo Doi-Codi e assessores da CIA nortelina, PCBR, etc., que tiveram dirigentes americana no Quartel da Polícia do heróicos como Marighela, Carlos LamarExército (PE) na Rua Barão de Mesquica, Bayard Boiteux e dezenas de outros; ta, Tijuca, Rio de Janeiro. Além de Jaou a luta nas classes (aulas), logo, tamcob Gorender (filósofo marxista) e de bém luta de classes (casos de Manoel dezenas de operários, estudantes, inteMaurício, Júlio Rosas, Aquino, Robespilectuais, professores, etc. erre, Maria Cerqueira, Iber Reis, Luís SérAlém das torturas físicas, morais e gio, Alberto Braga, Afonso Saldanha, psicológicas, muitos como eu perdemos Hélio Marques, Maria Yedda Linhares, nossos empregos e ficamos estigmatizaProfessor Werneck, grupo no qual me dos na rede de ensino privado do Rio de incluo modestamente, e centenas de ouJaneiro. Nossas famílias ficaram à míntros colegas professores em todo o terrigua dependendo de familiares e amigos tório nacional). O Professor José de Alpara seu abrigo e sustento. meida Barreto, comunista, líder sindical

e grande patriota, fora preso comigo nas dependências do Quartel da Polícia Militar no Méier. Devo dizer com orgulho que além de Vossa Excelência, Secretária de Estado, Silvio Tendler e Luiz Rosenberg (cineastas), Nélson Mota (jornalista), o filho de Jacó do Bandolim também autor-compositor como o pai, Sérgio Bittencourt, e vários economistas hoje de renome foram meus alunos. O deputado federal professor de História Chico Alencar foi praticamente meu aluno e, depois, colega de magistério. Tudo isto fruto de intensa atividade e militância no magistério público e privado. Muita perseguição, muito sofrimento para a família, muito desemprego, muitas perdas materiais e morais. Também muita satisfação pelo dever cumprido, posto que, como poderíamos ter tido a nossa Bené como Vereadora, Deputada, Senadora, Ministra, Governadora, e agora Secretária de Estado, sem todo o conjunto dessa luta política anterior? Por todas essas razões expostas acredito que a caríssima Secretária de Ação Social e Direitos Humanos determinará o cumprimento da Lei n° 3.744, de 21 de dezembro de 2001, de autoria conjunta dos Deputados Chico Alencar, Edmilson Valentim (hoje Deputados federais) e Carlos Minc, Deputado estadual e Secretário de Estado do Meio Ambiente. “Nada poderá pagar tanta perda de vidas” Vários processos já foram julgados e liberados pela Comissão de Reparação dos Presos Políticos desde o ano de 2005. Esta Comissão era constituída por ilustres membros da OAB, ABI, Procuradoria-Geral do Estado, Grupo Tortura Nunca Mais e por um representante da própria Secretaria do Estado de Ação Social e Direitos Humanos. Vários advogados foram relatores dos processos individuais. Fizeram inúmeras ‘oitivas’ e concluíram para a votação dos membros da referida Comissão, entre eles o ex-Presidente da Câmara dos Vereadores, ex-Conselheiro Municipal de Contas e atual Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Professor Maurício Azêdo, também preso e hostilizado física e moralmente pelos sargentos e oficiais (loucos) de nossas Forças Armadas à época dos ‘anos de chumbo’. Em assim sendo, os patriotas defen-


Direitos humanos sores do retorno à democracia, já idosos, aguardam o cumprimento da citada Lei, com o pagamento da indenização simbólica preconizada pelas autoridades do próprio Estado. Se até os Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva (atual) e várias personalidades já fizeram jus a suas indenizações muito mais vultosas, por que a nossa Bené, sempre eleita com um refrão meritório e digno, se furtará de cumprir uma lei humanitária e justa? Esta indenização é realmente simbólica, pois nada poderá pagar — materialmente — tanta perda de vidas, de oportunidades e inclusive de famílias destroçadas pelas prisões, desaparecimentos, exílios, torturas e mortes. Acredito que nesta oportunidade a Senhora Secretária possa dar uma resposta positiva de forma urgente, até porque os ex-presos políticos assinaram um documento na Comissão dos Presos Políticos de vossa Secretaria renunciando a qualquer ação judicial paralela. Foi este o acordo aceito e assinado pelas partes. Falta o cumprimento da parte de vossa Secretaria, da parte das autoridades estaduais. Senhora Secretária, um mundo melhor é possível e cabe a nós tornar o impossível possível. Socialismo sempre! Fraternalmente, (a)Professor Emir Amed.”

Apelo aos autores e ao Governador Além de escrever ao Governador e à Secretária de Ação Social, Emir Amed dirigiu mensagens aos autores da Lei n° 3.744/2001, Deputados Carlos Minc, Chico Alencar e Edmilson Valentim, aos quais enviou o texto da carta encaminhada à Bené e do artigo Uma demora perversa, do jornalista e sócio da ABI Cristino Costa, divulgado no ABI Online e publicado na edição número 319 / maio-junho de 2007 do Jornal da ABI ABI. Amed divulgou também o teor da carta que lhe foi dirigida pelo Governador Sérgio Cabral: “Prezado Sr. Emir, Agradeço a confiança depositada em meu trabalho. Temos cerca de seis meses à frente do Governo do Estado do Rio de Janeiro, já realizamos diversas ações nas áreas de Educação, Saúde e Segurança. Sabemos que temos um árduo trabalho pela frente, mas estamos confiantes de que com o apoio da população, do Governo Federal e das instâncias municipais alcançaremos bons resultados. Em resposta à sua carta determinei encaminhamento do Ofício SEGOV/ AAD OF. n° 0851/2007 à Secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, cuja cópia segue em anexo para o seu conhecimento. Aproveito a oportunidade para expressar os meus votos de estima e consideração, permanecendo à sua disposição para o que estiver ao meu alcance. Um grande abraço. (a) Sérgio Cabral, Governador do Estado do Rio de Janeiro.”

A lavanderia do sistema penal fazem por aí, correndo risco de ser preso e cumprir pena de dez anos, e sem condições de EU, SE FOSSE PINTOR DE CARROS, ESTARIA financiar minha defesa, se a lei me permite PRESO. MAS, SE FOSSE UM ASSASSINO, TALVEZ cumprir cinco por matar um ser humano ESTIVESSE SOLTO. Como nem sou um nem outro covardemente, depois de espancá-lo e queimá-lo — nada contra o ofício, porém um tanto contra a vivo, isso noticiado por meses, tornando-se essa condição de homicida — escrevo aqui sobre a uma das maiores coberturas jornalísticas do revolta que, às vezes velada, toma conta de mim, País? Ora, para o criminoso é jogo! Se um do cidadão, do jornalista, do homem e do filho. jornalista, em exercício de seu trabalho, é Questionar a lei, condenar o assassinado nas barbas do fato de profissionais Governo e seus algozes estão advogarem para monstrosprestes a sair porque assassinos (aliás, uma minoria, cumpriram parte da pena, pois percebo que são sempre os qualquer ladrão de galinhas vai mesmos advogados, o que se encorajar a se especializar prova que a maioria desses no mundo do crime, porque a profissionais do País é gente lei não é temida. A mão que séria. E por que não a bate é a mão que afaga. A pergunta: como são pagos seus lavanderia do sistema penal é honorários? Como um pintor biodegradável: tira manchas e de carros pode arcar com uma já vem com amaciante. defesa teoricamente tão Elias Maluco, pintor de dispendiosa?) ou ainda debater carros e assassino, e seus sobre os benefícios que a comparsas foram presos por Justiça concede a assassinos, um crime e podem ser soltos traz à tona mais um assunto por esse mesmo crime. Os polêmico: pra que punir? Para jornais denunciam, a Polícia que serve a punição para Tim Lopes: Mesmo morto, diz seu filho Bruno, prende, a Justiça condena, a assassinos condenados por um ele ainda faz matérias, sem mostrar o rosto. Justiça solta, os jornais júri popular? Aliás, para que noticiam e cobram, a Polícia um julgamento se, no fim das contas, a lei recaptura... Isso porque se trata da morte de um protege o criminoso? Aliás, este deve se grande jornalista, de uma grande emissora de perguntar a mesma coisa, mas prefere não televisão. Quantos anônimos morreram dessa opinar, porque em time que ganha não se mexe. forma e agora suas famílias convivem com os E se eu fosse um mero ladrão de carros, ou algozes de seus entes queridos? Mesmo morto, de bancos, sem o status de ser chefe de tráfico Tim Lopes ainda faz matéria, no anonimato e de drogas ou dono de morro, eu veria no sem mostrar o rosto. sistema penal a minha redenção, a minha Há seis anos, o Alemão era notícia: feirão de chance de me lavar e sair limpo, novo, drogas. Há cinco, muito mais: morte de um amparado pelos braços da Justiça. Eu preferiria jornalista, de um homem, de um pai e de um deixar o anonimato do crime para ser “famoso”, filho. De um brasileiro. Mas e hoje em dia? seria mais ousado e poderia pagar os melhores Alguma coisa mudou? Como em 2002, as (?) advogados para minha defesa. Seria como notícias são as mesmas: caça ao assassino de Tim em uma banca de apostas: se é pra apostar, Lopes e Complexo do Alemão, a dor-de-cabeça vamos para o tudo ou nada. Porque perder é das autoridades policiais. ganhar, segundo as regras desse jogo. Bruno Quintela, jornalista, é filho de Tim Lopes, o repórter da TV Globo Ou seja: por que eu iria me expor para assassinado na favela Vila Cruzeiro, no chamado Complexo do Alemão, na assaltar uma agência bancária, como tantos Penha, em junho de 2002. POR BRUNO QUINTELA

Em São Paulo, 12 mil famílias dependem de 700 sob ameaça O Vereador Otávio Falcão, de Guaratinguetá-SP, pediu o apoio da ABI para a divulgação de reivindicação da Associação dos Funcionários da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo– Itesp. Por meio de abaixo-assinado, a entidade da categoria pede a aplicação do princípio constitucional de ampla defesa no caso da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público estadual, ques-

tionando a validade do concurso público realizado pela Fundação, em 2001, que se encontra em fase de recurso. De acordo com a associação, o motivo do abaixo-assinado é “evitar um grande desastre social”. Segundo o ofício enviado à ABI pelo Vereador Otávio Falcão, caso a ação se concretize, atingirá diretamente as 700 pessoas que foram contratadas após a realização do

concurso e as cerca de 12 mil famílias que dependem da ação do órgão estadual de reforma agrária. Vinculado à Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania, o Itesp é o órgão responsável pelo planejamento e a execução das políticas agrária e fundiária de São Paulo e pelo reconhecimento das Comunidades de Remanescentes de Quilombos no Estado. Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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Vidas

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embro da Comissão Executiva do Centenário da ABI, que será comemorado em 7 de abril de 2008, o associado Mário Barata tinha o pressentimento ou a premonição de que talvez não pudesse testemunhar esse momento para o qual estava a trabalhar. Neste 2007, ele estivera internado duas vezes, a primeira delas por um período prolongado, de cerca de dois meses, em virtude de uma doença que os médicos custaram a diagnosticar – uma infecção afinal identificada e que pôde ser debelada com poderosos antibióticos de última geração. A segunda durou apenas 72 horas.mas suficiente, em seus últimos dias, para fazê-lo questionar, com uma interrogação a que os companheiros da Comissão tratavam de responder negativamente:— Será que eu chego lá no Centenário? Dias antes de seu passamento, na primeira reunião da Comissão Executiva do Centenário, Mário Barata havia feito fundamentada e objetiva intervenção em defesa do restabelecimento da Rua Gustavo de Lacerda, fundador da ABI, a qual foi riscada do mapa da cidade pela construção da Avenida República do Paraguai, que liga os Arcos da Lapa à Praça Tiradentes. Situada há muito nas proximidades da Praça Tiradentes, a Gustavo de Lacerda sumiu, desapareceu. Quase o mesmo destino teve a Rua Silva Jardim, outro jornalista, campeão das lutas republicanas, da qual sobrou pelo menos um pedaço. Com apoio do associado Milton Coelho, que aduziu ao exemplo do fim da Gustavo de Lacerda o da Rua Silva Jardim, Mário Barata propôs que se oficiasse ao Prefeito César Maia pedindo o restabelecimento dos dois logradouros. Crítico de artes plásticas com longa militância numa coluna especializada do Diário de Notícias de Orlando Dantas, Mário Barata tinha a preocupação de propor nomes de artistas importantes para compor a Comissão de Honra do Centenário, com a qual a ABI pretende homenagear tanto as personalidades convidadas como os setores em que atuam, os quais contribuíram para que a imprensa do País, com suas virtudes e seus defeitos, alcançasse ao longo do século decorrido o padrão que agora ostenta. Ele sugeriu nomes, como os de Adir Botelho e Carlos Zíllio, e levantou seus endereços, para envio dos convites. No dia 10 de setembro, poucos dias antes do seu falecimento,esteve na Presidência da ABI para informar, num bilhete do próprio punho, o endereço da artista plástica Maria Bonomi, radicada em São Paulo.

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Mário Barata, múltiplo e incansável Jornalista, crítico de arte, professor de História da Arte, museólogo, formado em Ciências Sociais e História, ele encarnava como poucos o verso de Mário de Andrade “sou 300, sou 350”. Era um dos mais atuantes membros da Comissão Executiva do Centenário da ABI. POR M AURÍCIO A ZÊDO

Artes plásticas constituíram o tema de alguns dos seus muitos livros, entre os quais A escultura de origem negra no Brasil, de 1957, e Razões de ser e a importância da arte moderna, de 1958, que se somaram a centenas de textos dedicados a artistas brasileiros. Além da coluna no Diário de Notícias, Mário criou e apresentou na antiga Rádio Ministério da Educação e Cultura, atual Rádio Mec, o pioneiro programa Crítica de Arte. Ele era colaborador efetivo do Hand-book of Latin American Studies e da Biblioteca do Congresso dos Estados

Unidos, de Washington. Natural da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu em 20 de setembro de 1920, Mário Barata teve uma iniciação precoce no magistério e na administração pública. Ele se formou em Museologia em 1940, na sétima turma do curso criado no Museu Nacional pelo escritor e historiador Gustavo Barroso, e em 1939, antes mesmo da diplomação, se tornou professor do Museu, onde passou a lecionar Artes Menores, disciplina voltada para o estudo e a compreensão de técnicas em que a forma estética se alia ao sen-

tido prático, como a cerâmica, a encadernação, o bordado, como esclarece o Dicionário Aurélio. Findo o curso de Museologia, bacharelou-se e se licenciou em 1942 em Ciências Sociais na antiga Faculdade Nacional de Filosofia, na qual em 1944 fez o curso de Didática Geral e Especial de Geografia e História. Como disciplina avulsa, cursou na FNFi, no mesmo ano, História Antiga e Medieval. No Museu Nacional, como relatou em recente depoimento ao Jornal da ABI,fez uma troça que Gustavo Barroso levou a sério: dizendo-se especialista nos sortilégios dos ciganos, leu a mão do mestre e vaticinou que este enfrentaria problemas no serviço público se mantivesse ostensiva militância integralista, como até então. Vivia-se o Estado Novo, a ditadura implantada pelo Presidente Getúlio Vargas entre 1937 e 1945, e Barroso tratou de se afastar do movimento, que fora proscrito após a tentativa de assassinato de Vargas no assalto dos integralistas ao Palácio Guanabara em maio de 1938 Foi também muito jovem, com 24 anos, que Mário Barata participou em 1945, como assessor para as artes, da I Conferência Geral da Unesco (Organização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura). Na Europa, mais especialmente na França, ampliou e consolidou sua formação, licenciando-se em Letras e História da Arte na Sorbonne e diplomando-se em Ciências Políticas no Instituto de Estudos Políticos da mesma Sorbonne em 1948. Em seguida, cursou a Escola do Louvre, em 1947-48, e estudou Etnologia no Museu do Homem, em Paris, em 1948. No Louvre, em 1946, foi um dos fundadores, em 1946, do International Council of Museus, conhecido mundialmente pela sigla Icom.Em 1949, organizou no Rio e em São Paulo a Seção Brasileira da Association Internationale des Critiques d’Art.

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olígrafo e poliglota, fazia palestras com fluência em espanhol, francês e inglês. Catedrático por concurso, em 1955, de História da Arte da Escola Nacional de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lecionou em diversas universidades no Brasil e no exterior. Por sua alta qualificação, foi chamado a integrar o júri internacional da II Bienal de Paris e dos júris nacionais da Bienal de São Paulo e do Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Sua fecunda trajetória universitária inclui, entre muitos títulos, o de conservador, por primeiro lugar em concurso público, do Museu Nacional


de Belas-Artes e do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1943 a 1954; professor adjunto de Artes Menores no Museu Histórico Nacional e na UniRio, de 1943 a 1989, e do mestrado em História da UFRJ de 1981 a 1990. Perseguido por suas idéias e demitido do magistério público com base no Ato Institucional nº 5-AI-5, de 13 de dezembro de 1968, Mário Barata foi proibido de lecionar mesmo em faculdades privadas, mas deu a volta por cima: além de reintegrado pela Lei da Anistia de 1979, em 1992 foi agraciado com o título de Professor Emérito da UFRJ por indicação daEscola de Filosofia e Ciências Sociais-Ifcs e pela Escola de Belas-Artes. Em suas andanças universitárias e culturais pela Europa Mário Barata conheceu o amor de sua vida, a hoje pintora Tiziana Bonazzola, com quem se casou em 1948, teve três filhos – Paulo, Branca Maria e Flávio – e que foi sua companheira a vida inteira. Eles se conheceram em 1947 num cenário de idílios, Veneza, onde Mário foi atraído tanto pela beleza de Tiziana como por seu perfil de heroína. Irmã do comandante partiggiani Quinto Bonazzola, chefe do Front de la Gioventù da resistência ao nazifascismo, pouco mais que adolescente Tiziana executava missões de informação na Milão e na Varese de 1940, sob o auge do fascismo e da repressão de Mussolini. Ela lembra com emoção esse tempo (“Tínhamos então a esperança de construção de um mundo mais justo, que não aconteceu”) e com saudade a figura do irmão Quinto, cuja mulher, Varese Bonazzola, mais tarde foi senadora pelo Partido Comunista Italiano de Palmiro Togliatti.

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ário viveu seus últimos momentos junto à sua Tiziana. Ele cumprira nos dias anteriores a sua rotina de presença nas entidades a que estava vinculado. Seus hábitos não sofriam alterações no dia-a-da. Almoçava em casa, no meio da tarde pegava um táxi para o trajeto entre a Rua Uruguai, onde morava, e a Praça Saens Peña, onde tomava o metrô no rumo da cidade, da Cinelândia. No Centro, duas vezes por semana, visitava a Redação Rio de O Estado de S.Paulo e do Jornal da Tarde, de que fora colaborador, e saía sobraçando os exemplares do dia ou dos dias. Dependendo do dia da semana, seu périplo compreendia o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de que era vice-presidente há muitos mandatos, o Instituto Cultural BrasilAlemanha, uma loja da Tap-Transportes Aéreos Portugueses, onde consultava recentes publicações estrangeiras, e a ABI, para a qual trazia sempre uma revista ou um jornal e anotações sobre questões relevantes,como o endereço da pintora e escultora Maria Bonomi. No dia 12 de setembro, Mário mais uma vez se comportou como o eterno enamorado, acompanhando Tiziana até um jardim próximo de casa, onde ela queria recolher um pedaço de paisagem para um desenho. O passeio a

dois não se completou: pouco após chegarem, Mário teve uma queda súbita, que lhe foi fatal, embora não demorasse o socorro, prestado pela ambulância do Grupo de Socorro de Emergência-GSE do Corpo de Bombeiros e por outra do Hospital Silvestre, do plano de saúde que ele mantinha e no qual fora internado este ano. Mais rápidos, os bombeiros o levaram para o Hospital do Andaraí, um dos muitos hospitais públicos do Rio sucateado pelo continuado desdém pela saúde na cidade que já teve a melhor rede hospitalar pública do Brasil.

– Se ele tivesse sido levado para o Hospital Silvestre, que tem mais recursos – lamentou um dos seus amigos –, talvez tivesse sobrevivido. Mário sofrera um choque neurogênico e um acidente vascular-cerebral. Morreu 48 horas depois, no dia 14. Seu corpo foi velado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e cremado no dia seguinte. Além de integrar a Comissão Executiva do Centenário, era membro do Conselho Deliberativo da ABI, para o qual fora reeleito em abril passado. Ele era sócio da ABI desde 31 de agosto de 1950.

ADEUS, MÁRIO BARATA POR VICTORINO C HERMONT DE M IRANDA

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro cobre-se de luto, nesta tarde, ao despedir-se de um de seus mais diletos membros. Mário Barata não era apenas um de nossos grandes nomes. Era o companheiro dedicado, solícito e fraterno, que, há sete mandatos, honrava a Diretoria como Vice-presidente. Aqui chegara em 1961, pelas mãos de uma plêiade em que se alinhavam, entre outros, Macedo Soares, Araújo Pinho, Pedro Calmon, Arthur César Ferreira Reis e Rodrigo Octávio, trazendo-nos a experiência do museólogo, os conhecimentos do historiador da Arte, a sensibilidade do crítico, a vocação do pesquisador e as luzes da cátedra. Era também o cultor da história e da memória paraenses — epígono de um outro benemérito desta Casa, o historiador, seu tio, Manuel de Mello Cardoso Barata. Atingido pelo arbítrio, nos anos da repressão, não se deixou consumir pelo ódio ou pelo desânimo. Sofreu, sim, mas

soube ser maior que a própria dor e prosseguiu, sereno, seu caminho ao lado da companheira admirável, com que partilhava a emoção pelo Belo, e cercado pelo apreço de alunos, colegas e confrades. Esta Casa, que hoje o recebe para o derradeiro adeus, era a sua casa. Identificava-se com ela, orgulhava-se dela e com ela soube sempre repartir os títulos recebidos em sua trajetória. Era membro do Instituto, fazia questão de dizê-lo e prezava ser reconhecido como tal. O Instituto Histórico deplora a sua partida, mas consola-nos a todos a Fé tão bem expressada pelo poeta Augusto Frederico Schmidt; ‘Quando o tempo desfaz as formas perecíveis, [...] Deus recolhe a música das fisionomias que o tempo escurece e silencia’.” Mário Barata — Mestre e Amigo — vá em paz! Discurso proferido pelo Vice-Presidente do IHGB, em 15 de setembro de 2007, no saimento do corpo de Mário Barata da sede do Instituto para o crematório do Caju

OBRAS

Jornalista, crítico de arte, historiador Filho de um jornalista paraense, Hamilton Barata, que editou jornais de combate como O Homem Livre, Mário Barata foi colaborador de inúmeros jornais e revistas, como o Diário de Notícias do Rio, de que foi crítico de arte, Última Hora, Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, e da revista Colóquio Artes, além de O Homem Livre, tanto por dever filial como por adesão às idéias libertárias do pai. Presidente em 1989, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Congresso de História da República, comemorativo do centenário da proclamação da república, Mário Barata produziu uma obra densa em pesquisa, revelações e conceitos inovadores. Entre outros títulos sua bibliografia inclui: 1946 1952 1955 1971 1973 1975 1975 1983 1983 1986

ENSAIOS DE NUMISMÁTICA E OURIVESARIA. CONCEITO ATUAL DA NATUREZA DA ESCULTURA. AZULEJOS NO BRASIL – SÉCULOS XVII, XVIII E XIX. PRESENÇA DE ASSIS CHATEAUBRIAND NA VIDA BRASILEIRA. ESCOLA POLITÉCNICA DO LARGO DE SÃO FRANCISCO, BERÇO DA ENGENHARIA BRASILEIRA. IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DA PENITÊNCIA DO RIO DE JANEIRO. PODER E INDEPENDÊNCIA NO GRÃO-PARÁ. ARTE MODERNA NO SALÃO NACIONAL. DJANIRA: ACERVO DO MNBA. R. BURLE MARX.

Diretor, co-diretor, fotógrafo, câmera, Mário Carneiro fez de tudo no Cinema Novo

Uma perda: Mário Carneiro, um pioneiro O documentário de Mário Carneiro sobre a vida de Joaquim Pedro Andrade, que abriria a programação de setembro do projeto Cine ABI e seria seguido de uma homenagem a ele, foi adiado devido à morte do cineasta. Mário, que estava com 77 anos, faleceu em casa, no dia 2, véspera da sessão, vítima de câncer. A presença de Mário Carneiro na exibição do documentário Joaquim.doc já não estava prevista, devido ao estágio avançado da doença. Para que o cineasta não perdesse sequer um detalhe da homenagem a ele, seria gravado um vídeo com o depoimento de muitos amigos, que já tinham confirmado presença. O Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak, apontou a morte de Mário como uma grande perda para a cultura brasileira: — É uma morte muito triste e dolorosa. O Mário tinha um papel muito importante no cinema nacional. E era um ser humano alegre e que gostava muito da vida. O cineasta Noilton Nunes disse que Mário era uma pessoa especial: — Além de ser excelente profissional, era uma pessoa afável, reservada, e não havia quem não gostasse dele. Diretor de fotografia, realizador de um longa — Gordos e magros — e diversos curtas, montador e roteirista, esse francês de nascimento e brasileiro por opção era figura importante no cenário cultural brasileiro. Começou a carreira na década de 50 e se firmou como cineasta ao trabalhar como codiretor, fotógrafo, câmera e montador de Arraial do Cabo, de Paulo César Saraceni, em 1958, um dos filmes inaugurais do fecundo ciclo do Cinema Novo, de que ele foi um dos pioneiros. Jornal da AB ABII 321 Setembro de 2007

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