Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Jornal da ABI
323
NOVEMBRO 2007
Editorial
Com orgulho, sim ASSIM COMO FEZ em seu número precedente, o 322-Edição Extra, o Jornal da ABI dedica todas as páginas da presente edição a um tema determinado, o trabalho dos repórteres-fotográficos, exposto em textos em que eles descrevem em traços rápidos sua trajetória profissional, sua origem e formação e as idéias que os movem tanto no momento do clique eventual como no exercício permanente da profissão; seu entendimento quanto ao que consideram necessário e relevante reproduzir das coisas, dos seres, da vida. Mais do que essas informações, o que fala mais alto sobre a produção desses profissionais são as fotografias que selecionaram como as que mais falam ao seu coração, à sua emoção, à sua história de vida, ao seu desempenho como testemunhas incumbidas de transmitir a outros as imagens do que viram. A edição tem limitações de fácil compreensão, a começar pelo seu número total de páginas e, em conseqüência, o espaço destinado à reprodução de trabalhos e, também, o número de profissionais presentes. Isto não impede, porém, que se tenha uma visão abrangente da diversidade de assuntos enfocados e da qualificação de seus autores. A gama de assuntos se estende dos temas locais, da riqueza da vida nos grandes centros urbanos, à amplitude e complexidade do espaço universal. Qualquer que seja o objeto enfocado, o tema perseguido com olhos vigilantes e mãos e dedos
Associação Brasileira de Imprensa
ágeis, o resultado prima pela qualidade em técnica e pelo refinamento em sensibilidade. Ao longo de quase três anos, a partir da aula ministrada pelo repórter-fotográfico Antônio Nery na programação dos nossos Cursos Livres de Jornalismo, o Site da ABI (www.abi.org.br) produziu e publicou várias dezenas de reportagens com profissionais da fotografia, escolhendo-os com critério destituído de qualquer forma de preferência, favorecimento ou privilégio de qualquer natureza ou inspiração. Um critério presidido pela busca de respostas a indagações simples: quem está ou esteve na cobertura jornalística, qual testemunho significativo pode prestar, qual o resultado, em imagens, do seu desempenho profissional. O resultado aqui está, e referenda um conceito exposto por mais de um entrevistado, com o saber de quem se especializou em ver e avaliar imagens próprias e alheias: a fotografia jornalística dos brasileiros que se dedicam a esse mister nada fica a dever àquilo que de melhor se faz em qualquer parte do mundo, como, aliás, é ratificado pela copiosa premiação que os repórteres-fotográficos do Brasil obtêm em mostras e competições de dimensão internacional A leitura e contemplação do material aqui reunido levarão os leitores a concluir se temos razão, ou não, a proclamar essa verdade que enche de orgulho o jornalismo brasileiro.
Nesta Edição Marc Ferrez
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Zeca Linhares
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DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO (2007-2008) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata (in memorian), Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho. Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2007-2010) Artur da Távola, Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Salles, Paulo Jerônimo de Sousa, Sérgio Cabral e Terezinha Santos. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos (in memoriam), Edgard Catoira, Francisco Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães. Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2007-2010) Adalberto Diniz, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurício Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.
Nossa foto mais preciosa
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Luiz Morier
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COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira.
OLGA VALHOU
COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.
Antônio Nery
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Orlando Brito
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Marcelo Carnaval
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Walter Firmo
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Evandro Teixeira
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Mônica Zarattini
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COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes.
Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 20.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Maurício Azêdo e Benício Medeiros Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1808 Osasco, SP (11) 3693-8027 As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.
Esta edição foi finalizada e impressa na segunda quinzena de outubro de 2007, quando começou a circular nacionalmente.
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MARC FERREZ
O nascimento do fotojornalismo Em comemoração ao Dia do Repórter-Fotográfico, 2 de setembro, a seção Em foco fez sua primeira homenagem póstuma, mostrando a obra de Marc Ferrez, importante fotógrafo brasileiro do século XIX, cujo trabalho pode ser considerado precursor do fotojornalismo no País. POR RODRIGO CAIXETA A obra completa de Ferrez — incluindo um conjunto de mais de 4 mil negativos originais de vidro — foi adquirida em 1998 pelo Instituto Moreira Sales, que organizou uma exposição com cerca de 300 imagens do fotógrafo, entre retratos, paisagens do Rio de Janeiro e registros de suas peregrinações Brasil afora. Sérgio Burgi, Coordenador do Setor de Fotografia do Instituto Moreira Salles diz que Ferrez é sem dúvida o principal fotógrafo brasileiro do século XIX. Para ele, a fotografia daquela época deve ser entendida diferentemente da produção contemporânea: — O Ferrez tem uma forte característica de elaborar muito bem visual e formalmente suas imagens. Não sabemos ao certo, mas tudo indica que sua produção fotográfica foi feita apenas no Brasil. Em 1875 ele já fazia um trabalho muito marcante do ponto de vista autoral. Nascido no Brasil, Marc Ferrez mudou-se para a França — onde viveu dos oito aos 20 anos — após a morte dos pais. De volta ao País, começou a fotografar paisagens, quando o principal sustento dos fotógrafos da época era ainda o retrato. Mais tarde, especializou-se ainda mais em registros da natureza e de paisagens urbanas como fotógrafo da Marinha Imperial e integrante da Comissão Geográfica e Geológica do Império. Salienta Sérgio Burgi que Ferrez detinha habilidades peculiares: — A fotografia do século XIX exigia do fotógrafo certa capacidade de abstração, de pré-visualização e de tomada de decisões que eram menos empíricas. Quando se olhava a imagem através de vidro despolido, a visualização era de um tipo diferente do que aquele que a câmera contemporânea oferece. Sérgio lembra que Ferrez levou a elaboração formal da fotografia a um patamar muito elevado: — Ele solucionava muito bem a associação entre as paisagens e as pessoas. Para a época, é um trabalho muito significativo, com uma nova linguagem e
VISTA
CENTRO DO RIO I
VISTA Esta foto mostra a paisagem sinuosa do Rio de Janeiro, vista do alto do Pão de Açúcar, em 1890. CENTRO DO RIO I Outro tema da exposição é O Rio de Janeiro e seu entorno. Esta foto foi tirada na cidade e mostra o Largo do Paço e a Rua Primeiro de Março em 1890.
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MARC FERREZ
um novo tipo de informação visual. Além disso, ele acompanhava as inovações tecnológicas e fazia pesquisas que posteriormente o levaram a se interessar pelo cinema. Investiu muito no desenvolvimento técnico e no formato panorâmico da foto de varredura, em que a chapa do negativo girava sincronizadamente, fazendo um escaneamento do horizonte. Esses aspectos são os mais marcantes do trabalho dele. Em seus mais de 50 anos de trabalho, Marc Ferrez dedicou praticamente metade de sua obra ao Rio de Janeiro. Embora ele tenha corrido o Brasil registrando obras de desenvolvimento, entre outras coisas, Sérgio diz que seu trabalho de documentação não tinha ainda o sentido do jornalismo contemporâneo: — Não se podia pensar nisso, na medida em que também não existia uma forma de circulação da imagem através da impressão fotomecânica. No século XIX ainda não se integrava a imagem ao jornal, a não ser através de uma xilogravura ou uma litografia. O trabalho de Marc Ferrez — que naquele momento era documental e cumpria uma finalidade extremamente importante — é considerado jornalístico quando olhado em retrospectiva. Ferrez registrou a construção das principais estradas de ferro brasileiras e retratou as atividades em fazendas de café e de cana-de-açúcar, em minas de ouro de Minas Gerais e nos serviços de captação de água no Rio de Janeiro. Sua última grande obra foi a documentação da construção da Avenida Central, quando fotografou as fachadas dos prédios para fazer uma comparação entre os projetos e a obra realizada. A exposição permanente de seu trabalho fica no Instituto Moreira Salles (Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea — Rio de Janeiro-RJ).
NEGRA DA BAHIA
MACHADO DE ASSIS
NEGRA DA BAHIA Um dos exemplos dos negativos originais em vidro. Foto tirada em 1885, está entre as que compõem o tema O retrato na obra de Marc Ferrez. MACHADO DE ASSIS Além de personagens anônimos, Ferrez registrou personalidades da vida pública, como o escritor Machado de Assis, aqui em foto de 1890. CENTRO DO RIO II Outro ângulo da Rua Primeiro de Março, que inicialmente se chamava Rua Direita. Uma das primeiras ruas do Rio, ligava o Morro do Castelo ao Morro de São Bento e foi rebatizada por Dom Pedro II quando descia por ela para juntar-se às manifestações populares pelo término da Guerra do Paraguai, no dia 1º de março de 1870. ÍNDIGENA Enquanto fazia seus projetos documentais comissionados pelo Governo, Ferrez eternizou uma imensa variedade de personagens anônimos, como esta índia da tribo Botocudo, na Bahia, em 1875 CIDADE MARAVILHOSA Este panorama do Rio de Janeiro foi fotografado por Ferrez com a técnica em que o negativo registrava a imagem girando em sincronia com a câmera, permitindo ângulos de 120º a 180º da linha do horizonte. MALHA FERROVIÁRIA Foto tirada em 1882, para registrar a construção da estrada de ferro Príncipe do Grão-Pará, que sobe a Serra da Estrela, passa por Petrópolis e se prolonga até São José do Rio Preto.
CENTRO DO RIO II
IPANEMA Da praia de Ipanema — antes conhecida como praia de Fora e rebatizada em homenagem ao proprietário do terreno, o Barão de Ipanema José Antônio Moreira Filho, que o herdou em 1886 — Ferrez fez um dos primeiros registros do Morro Dois Irmãos, em 1905. ESTAÇÃO DA LUZ Marco histórico da cidade de São Paulo, a Estação da Luz era a principal via de escoamento da produção de café. Ferrez fez esta foto durante a sua construção, em 1896. A obra só foi concluída em 1901. BAÍA A Baía de Guanabara vista de Niterói, em 1890. Esta é uma das paisagens procuradas por pintores e fotógrafos para flagrar a cidade e seus arredores. INDÍGENA
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CIDADE MARAVILHOSA
ESTAÇÃO DA L UZ
MALHA FERROVIÁRIA
IPANEMA
BAÍA
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MARC FERREZ
D. PEDRO II
D. PEDRO II O imperador, aqui em pose no Paço de São Cristóvão, em 1885.
JORNALEIROS
CENTRO DO RIO III Largo de São Francisco de Paula, tradicional ponto de manifestação de movimentos populares da época, aqui em foto de 1895. JORNALEIROS “No Rio de Janeiro, Ferrez fez o registro destes dois meninos que vendiam jornais. Na foto, de 1899, eles carregam exemplares de O Paiz e de A Notícia. ESTRADA DO SILVESTRE Tirada em 1915, em autocromo, esta é uma das mais antigas fotografias em cores da cidade do Rio de Janeiro de que se tem registro. CANAL DO MANGUE O programa de saneamento básico de Pereira Passos, então Prefeito do Rio, promoveu a canalização e a retificação de alguns dos principais rios da cidade e do canal do Mangue, aqui em registro de Ferrez feito em 1905.
CENTRO DO RIO III
CANAL DO MANGUE
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ESTRADA DO SILVESTRE
MEMÓRIA
NOSSA FOTO MAIS PRECIOSA Nosso registro documental com quase a mesma idade da ABI está a carecer de um esforço de investigação: quando foi feito, quem o fez e quem são os seus protagonistas. POR M AURÍCIO AZÊDO
A peça mais preciosa do acervo iconográfico da ABI é um primor em matéria de registro documental da vida da entidade, do jornalismo no princípio do século XX e da vida na antiga capital da jovem República. A seu respeito, porém, há uma carência de informações que permitissem a identificação de seus protagonistas – um grupo numeroso de jornalistas e sócios da Casa –, das circunstâncias em que foi produzida e com que finalidade e principalmente sobre o seu autor, que era sem dúvida, pela qualidade da tomada feita, seus tons, um mestre da arte e da técnica da fotografia. A foto retrata, de corpo inteiro, 36 jornalistas que se dispuseram a posar para um registro certamente especial, os quais disciplinadamente tomaram posição ao pé e nos primeiros degraus da escadaria do Teatro Municipal do Rio, uma casa dedicada a encenações teatrais e espetáculos musicais que tilintava de nova. A se considerar a presumível data de realização de tal registro, possivelmente a segunda metade dos anos 10 ou a primeira metade dos anos 20 –, o Teatro fora inaugurado há menos de uma ou duas décadas antes. Era, como até hoje, o espaço cultural mais nobre da Cidade, fruto do idealismo e do sonho de eminentes personalidades do meio teatral, como Artur Azevedo, o mais festejado e popular dos autores da época, que morreria em outubro de 1908, antes da conclusão da obra e da inauguração do porten-
toso espaço cênico com que ansiava. Como sabem quantos, nos dias atuais, trabalham para a produção de cenários destinados a tal ou qual fim, a realização da fotografia foi fruto de paciente, meticuloso e competente esforço de organização para que o registro se fizesse com êxito, objetivo evidentemente alcançado. Todos os convidados foram com o melhor de seus trajes para eventos sociais, recomendação plenamente atendida. Eles compareceram com o chamado figurino social completo, composto por calça, em alguns casos listrada, o sumo da elegância; paletó, gravata, colete, em boa parte dos casos, ou casaca comprida, exibida por um ou outro na primeira fila; cravo na lapela ou lenço no bolsinho superior do paletó; chapéus com a variedade de feitio e de matéria-prima assegurada pela florescente indústria de chapelaria da época, na qual predominavam os chapéus de palhinha e em que sobressaíam uma ou outra cartola, um ou outro chapéu coco. Ao traje acrescentava-se um adorno de complemento da elegância: a bengala, talvez dispensável no caso do jovem situado na primeira fila (segundo à direita). A relevância social que o jornalismo atingira é visível no aprumo das duas fileiras e no ar solene dos retratados: à exceção do personagem no terceiro lugar da primeira fila, que desvia o rosto e o olhar para a direita, atraído por outro foco de interesse, os demais estão compenetrados, os olhares voltados para o fotógrafo e atentos aos seus gestos e à sua voz de comando. O artista e seus retratados te-
rão vivido momentos que exigiram concentração, firmeza, imobilidade, repetição de poses e de esforços. Mais para cá, mais para lá, evitem mexer-se, vamos tentar mais uma vez, de novo, agora ótimo, obrigado, obrigado, obrigado. A foto diz mais sobre o momento e sobre aquilo que a câmara não capta, mas deixa entrever. A atividade jornalística parece conferir aos que a exercem nobre aparência de respeitabilidade. Os senhores do retrato não são gente sem eira nem beira, vinda das camadas subordinadas da sociedade. São pessoas que, pela origem, pela educação ou pelo trabalho, ascenderam socialmente e se tornaram merecedoras de apreço e de respeito; jamais serão tratadas como pés-rapados, que não são ou nunca foram. Também não se assemelham a iniciantes de seu ofício, como indicam o aprumo já referido e, também, a faixa de idade a que chegaram; são homens que há muito deixaram a mocidade; exceções serão o jovem da bengala de uso prematuro e o seu companheiro à direita, que fecha a primeira fila. No elenco outro pormenor demanda atenção: entre esses praticantes do jornalismo, ainda não reconhecido legalmente como profissão, não há uma mulher sequer, umazinha. Só duas ou três décadas mais tarde, com uma Eugênia Álvaro Moreira por exemplo, elas arrombarão as portas desse Clube do Bolinha, instituição onde mulher não entra – não entrava. O retrato é prova da discriminação com que elas são tratadas. A primeira fila da fotografia tem 15
retratados. O oitavo, contando-se da esquerda para a direita ou vice-versa, é Raul Pederneiras, esguio, longilíneo, elegante em seu terno de corte impecável, consciente, sem afetação, de que era o primus inter pares. A presença de Raul, prenome com que assinava suas caricaturas, como vimos na Edição Especial nº 322-A do Jornal da ABI, que aliás publicou esta mesma fotografia na página precedente do Ano Inaugural do Centenário, oferece uma pista para se tentar saber a data em que o retrato foi feito. Raul presidiu a ABI em 1916 e 1917, pela primeira vez, e de 1920 a 1926, em novo e prolongado mandato. O papel de liderança que ostenta, como demonstra sua posição central na fotografia, indica que esta foi feita num desses momentos – ou no final dos anos 10 ou na primeira metade dos anos 20 do século passado. Sabendo-se a data em que terá sido feita, será possível identificar-se seu autor? Além de Raul Pederneiras, quem são os demais personagens da foto? Quem puder oferecer informações, subsídios ou comentários a respeito, que o faça. Esse retrato é importante demais na trajetória de cem anos da ABI para ser simplesmente contemplado, sem um esforço de investigação. O Site e o Jornal da ABI estão abertos à colaboração de quantos considerarem relevante retirar essa foto da esfera de desinformação a que foi condenada por falta na Casa de uma consistente e continuada política de documentação voltada para a sua própria História.
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ANTÔNIO NERY
Caminhar, pesquisar, clicar POR R ODRIGO C AIXETA
“A expressão dos rostos e o movimento perdido das mãos que desfilaram, outra vez, no laboratório, diante dos seus olhos, enquanto a água corria sobre as fotos, deram a Antônio Nery, naquele momento, a exata dimensão do papel da fotografia: a força daquelas imagens dificilmente conseguiria ser reproduzida por um texto com a mesma intensidade de emoções.” Este texto, publicado no Jornal da ABI nos anos 80, foi escrito pelo jornalista Domingos Meirelles e refere-se a fotos de Antônio Nery que registraram, para o jornal Última Hora, os estragos causados pelas enchentes de 1956 no Rio de Janeiro. Naquela época, Meirelles já enaltecia a sensibilidade de Nery para documentar as emoções humanas com riqueza de detalhes. Ministrando um módulo dos Cursos Livres da ABI, intitulado Fatos e fotos, Nery teve como ouvinte na primeira aula o seu ilustre foca Domingos Meirelles. Quem participou dessa aula teve a oportunidade de encontrar também outros ases da fotografia: Erno Schneider, Luís Pinto e Iarli Goulart. Para Meirelles, uma rara oportunidade de reunir tantos talentos: — Uma aula magistral. Os quatro acabaram compartilhando seus conhecimentos, suas experiências e histórias. Já havia trabalhado com todos eles no início da carreira e fui ao encontro do passado. Eles são grandes estudiosos do fotojornalismo e discutiram sobre técnicas de produção da fotografia, como velocidade, abertura do diafragma, sensibilidade do filme. Hoje, com o advento da digital, já não há preocupação com esses detalhes.
CINE ODEON
Nasce o Em Foco
O entusiasmo com a apresentação de Antônio Nery acabou pautando a matéria de estréia de uma nova seção no ABI Online, onde a cada semana um repórter fotográfico foi convidado a editar aquelas que considera suas melhores fotos, contando um pouco da história de cada uma — o contexto em que foi feita, sua técnica, sua história. Antônio Nery, que em 2004 completou 50 anos de profissão, é o repórter fotográfico que abre a seção Em Foco do Site da ABI. Muitas das fotos de Nery falam por si, quase que dispensando a legenda. Em flagrantes do cotidiano, o leitor poderá viajar em imagens dos anos 60, 70 e 90, passando por temas que vão dos contrastes sociais ao movimento para o impeachment de Fernando Collor, sempre tendo a palavra como integrante da imagem. 8
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PAI E FILHO – 1967
AS FOTOS CAPITÓLIO – 1967 “Com essa foto eu ganhei um prêmio do Detran-Rio. Ela foi considerada uma fotografia educativa e publicada num folheto para conscientização no trânsito.” PAI E FILHO – 1967 “Nesta foto, se se observar de perto, o pai faz um pedido às autoridades no cartaz ao lado dele. Foi tirada na Avenida Rio Branco.” CINE ODEON – 1965 “Essa foto saiu na Última Hora e foi um flagrante feito de dentro do jipe do jornal. Era um dia chuvoso.” CANSAÇO – 1969 “Eu estava na concentração do time do Flamengo, na Estrada da Gávea, e achei interessante o movimento das mulheres que transitavam por ali.” BEBÊ – 1975 “Aqui eu quis mostrar o contraste entre o bebê sadio do outdoor e os garotos pobres. Serve também para mostrar o problema da falta de saneamento, da educação etc..” CARRO ABANDONADO – 1998 “Eu quis fazer um contraste com este carro e frase escrita no muro. Nessa época, eu fazia frila para a Tribuna.”
BEBÊ
IMPEACHMENT COLLOR – 1992 “Esta foto eu tirei na Cinelândia. Havia muita gente e minha maior preocupação foi registrar um momento como aquele em toda sua intensidade.” BOSSA NOVA – 1962 “Tirei essa foto em frente à boate Au Bon Gourmet, que funcionava em Copacabana e abrigou uma temporada de três meses de shows de Tom Jobim, João Gilberto, Vinicius de Moraes e Os Cariocas.” MENDIGO – 1998 “Acho essa foto muito interessante. Não foi publicada, mas é um flagrante do dia-a-dia, mostrando os contrastes sociais.” VIOLONISTA – 1967 “Eu chamo esta de Recital do poeta, porque há mensagens na parede e é curioso o fato de o músico guardar a colaboração na caixa onde guarda o violino.” SENHORA – 1970 “A intenção foi reforçar a idéia de calor com a mensagem no banco. Fazia 40 graus naquele dia e até o negativo desta foto foi prejudicado pela alta temperatura.”
CARRO ABANDONADO
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ANTÔNIO NERY
IMPEACHMENT C OLLOR
BOSSA NOVA
MENDIGO
Nery já passou por veículos importantes. Trabalhou em revistas como Manchete, Fatos e Fotos e Jóia e nos jornais Última Hora, O Dia, Folha da Tarde e Folha de S. Paulo, até se aposentar em O Globo. Suas fotos também já foram publicadas em livros como Antonio Carlos Jobim, de Sérgio Cabral, e Chega de saudade, de Rui Castro. Em uma antiga entrevista, Nery contou que costumava fazer longas caminhadas como parte do seu trabalho: — Os grandes fotógrafos (...) são verdadeiros andarilhos. Só é possível fazer um bom trabalho caminhando, lentamente, pesquisando o ambiente que vai ser reportado, explorando os contrastes que o assunto oferece. Algumas fotos de Nery foram expostas em exposição na França no dia 16 de março. Imagens de seu extenso arquivo sobre a bossa nova foram selecionadas por uma curadora francesa para integrar o acervo da Cité de la Musique, em Paris, até 23 de junho. Será a primeira vez que suas fotos participarão de uma exposição internacional. Para ele, o importante é a divulgação de seu trabalho num evento tão grandioso: as homenagens prestadas este 10 Jornal da ABI 323 Novembro de 2007
ano ao Brasil pelos franceses. — Não importa o quanto vou ganhar pelas fotos, mas a visibilidade que elas terão. Antônio Nery é mineiro de Muzambinho, radicado no Rio de Janeiro desde 1950. Começou a trabalhar como laboratorista do jornal Última Hora, em 1957, nele permaneceu por um ano; depois voltou como fotógrafo em 1966. Durante dois anos (1960-62), foi fotógrafo do Copacabana Palace, retornando em 1963 ao fotojornalismo, nas revistas Manchete, Fatos & Fotos e Jóia. Em 1964 e 1965, trabalhou nos jornais O Dia e A Notícia. De 1967 a 1969, fotografou para a Folha da Tarde e Folha de S. Paulo. Já em 1970, foi convidado pelo editor de fotografia Erno Schneider para compor a equipe de O Globo, onde se aposentou em 1994. Nery participou de diversas exposições e tem trabalhos publicados em livros como Bienal de fotojornalismo de São Paulo. Entre as várias fotos premiadas, uma figura na seleção de No foco: Devagar, não corra, tirada em frente ao antigo Cine Capitólio. Publicada no Site da ABI em 22 de março de 2005.
VIOLONISTA
SENHORA
ORLANDO BRITO
ORÁCULO
Na mira da lente, a alma POR J OSÉ REINALDO MARQUES MOMENTO SOMBRIO
Um dos mais destacados repórteresfotográficos do País, cujo currículo inclui passagem como fotógrafo e editor pelos jornais O Globo, Última Hora — onde começou como laboratorista — e JB, Orlando Brito nasceu em Minas Gerais, em 1950, e chegou a Brasília antes mesmo de sua inauguração, iniciando lá sua carreira, aos 15 anos de idade. Dono de invejável portfolio, em que se encontram registrados alguns dos mais importantes episódios da política brasileira, Brito acha que há uma certa ansiedade dos colegas que fazem atualmente cobertura do Congresso e do Palácio do Planalto: — Fotógrafos que cobrem o Poder têm a preocupação de fazer retratos que se pareçam com cada momento da política. Eu, particularmente, sempre digo que uma foto jornalística deve ser a alma do fato que a gerou. Ele diz ainda que a verdadeira função do fotojornalismo é narrar o fato com imagens, descrever para os leitores o desenrolar de um acontecimento, “cada qual com sua característica de narrativa: repórteres escolhem palavras, adjetivos, verbos; fotógrafos escolhem ângulos, objetivas, distâncias etc.”. Mesmo com todos os “poréns”, Brito acha que o fotojornalismo no Brasil Jornal da ABI 323 Novembro de 2007 11
ORLANDO BRITO
ENCONTRO DE GENERAIS
evoluiu muito, a ponto de ajudar a mudar o formato das publicações: — Houve um tempo em que as fotografias, muitas vezes, eram usadas apenas para embelezar o trabalho de diagramadores e dar fama de leveza a alguns editores. Fotografias serviam para ilustrar textos; agora, textos ilustram fotos. O leitor também descobriu a objetividade de informar-se com imagens, gostou da precisão e da liberdade de aproximar-se dos acontecimentos através das fotos, que adquiriram linguagem própria. Hoje um jornal inteligente não pode prescindir da informação fotográfica. Questionado sobre a foto mais marcante, Orlando Brito destaca o trabalho de um antigo colega e professor: — Ainda me lembro do dia em que vi pela primeira vez a foto de Jânio Quadros com os pés trocados, feita em 1961 pelo Erno Schneider. Aliás, devo ao mestre Erno minha gratidão de aluno. Um colecionador de troféus Autor das imagens que se tornaram ícones da imprensa na revista Veja — onde trabalhou de 1982 a 1998 e produziu 113 capas —, dirigiu por três anos a sucursal de Caras em Brasília, onde agora mantém a agência de fotonotícias Obrito News. Colecionador de troféus, Orlando Brito ganhou o World Press Photo do Museu Van Gogh, de Amsterdã, em 1979; dez vezes o Prêmio Abril de Fotografia; e os Prêmios de Aquisição da Primeira Bienal de Fotografia do Masp (Museu de Arte Moderna de São Paulo) e da Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba, além da Bolsa de Fotografia da Fundação Vitae, em 1991. Autor de três livros — Perfil do poder, Senhoras e senhores e Poder, glória e solidão —, tem fotos publicadas também na Coleção Pirelli, do Masp, no acervo próprio do Museu e em várias galerias de arte brasileiras. No exterior, teve trabalhos exibidos numa mostra no Museu Georges Pompidou, em Paris, no projeto Brèsil des Bresiliens. Publicada no Site da ABI em 29 de abril de 2005.
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PRÊMIO TRISTE
T RÉGUA
AS FOTOS ORÁCULO “Com o projeto Diretas Já derrotado no Congresso, tudo levava a crer que Tancredo Neves fosse o próximo Presidente. Antes de um almoço com parlamentares cristãos, lá estava ele, caprichosamente colocado à minha frente e tendo ao fundo a mesa daquele banquete. Era um cenário que preconizava o curso da História.” MOMENTO SOMBRIO “Em 25 de abril de 1984, após a derrota das Diretas Já, eu voltava à Redação quando vi a cena que rendeu uma foto mais significativa que todas as que havia feito em 15 horas de trabalho: os militares rondando o Congresso Nacional. Entendi na hora que o vulto dos soldados representava o quanto era sombrio aquele momento.” ENCONTRO DE GENERAIS “Com praticamente toda a América do Sul dominada por ditaduras militares, fui a Santiago cobrir para O Globo a visita de João Figueiredo a Augusto Pinochet. Entre tantas fotos que a viagem rendeu, não me esqueci da dos presidentes desfilando em uma carruagem da cavalaria.”
DECISÃO OBSCURA
PRÊMIO TRISTE “Numa festa militar em Osório, Rio Grande do Sul, dois soldados morreram num acidente nas manobras de rapel. Foi muito triste fazer esse registro. A seqüência de fotos foi premiada. Pela primeira vez um fotógrafo brasileiro recebia o troféu World Press Photo, da Fundação Van Gogh, na Holanda.” TRÉGUA “Em 1970, durante o Festival de Cinema de Brasília, o Hotel Nacional tornou-se um dos QGs da intelectualidade brasileira. O cineasta Rui Guerra e as atrizes Leila Diniz e Ana Maria Magalhães estavam entre os perseguidos pela repressão militar.” DECISÃO OBSCURA “Num almoço, Ernesto Geisel explicou aos colegas generais por que escolhera João Figueiredo para sucedê-lo, e não um civil. Os jornalistas foram colocados num lugar aparentemente inadequado, contra a luz. Adorei, pois foi o único ponto de vista que tive para mostrar a decisão obscura do Presidente.” SOLIDÃO DO PODER “Em meados do segundo mandato de Fernando Henrique, fui fotografá-lo para a Veja e conversamos sobre a solidão no poder. Quando ele foi ao salão de entrada do Alvorada e eu permaneci na parte superior do palácio, percebi a imagem que confirma a idéia de que presidentes vivem engaiolados em prédios de vidro.” PURO MARKETING “Fernando Collor era candidato à Presidência em 1989. Trabalhando para a Veja, deparei com esta cena, confirmando sua imagem de marqueteiro: sobre sua mesa, uma estátua de Nossa Senhora, representando a religiosidade do candidato: no retrato da esposa, sua preocupação com a família; no frasco de guaraná em pó, a alusão à energia e à forma física; no punhado de canetas, a agilidade para enfrentar a burocracia; nos biscoitos de maizena, a alusão à alimentação popular; no charuto cubano, a presença da aristocracia. Para completar, um exemplar de Como se faz um Presidente da República, de um autor norte-americano. Era a presença viva do marketing.”
SOLIDÃO DO PODER
PURO MARKETING
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MARCELO CARNAVAL
FOGUEIRA
Nas guerras da cidade POR R ODRIGO C AIXETA
O interesse de Marcelo Carnaval pela fotografia começou com uma alternativa para ocupar o tempo ocioso depois de passar para a faculdade de Comunicação da Uiniversidade Federal Fluminense.. Visando a acabar com seu objetivo de ficar apenas indo à praia nas horas vagas, o pai lhe sugeriu fazer dois cursos: de fotografia e de datilografia. — No primeiro, surgiu a paixão e o foco do meu estudo em Jornalismo. O segundo eu não completei, porque tinha ódio de errar e máquina de escrever não apaga. No último dia 12, completaram-se 20 anos da publicação de sua primeira foto, tirada na Praça Nossa Senhora da Paz para uma matéria de domingo do Jornal do Brasil. Professor de Educação Física — faculdade que cursou paralelamente à de Jornalismo — antes de se firmar como repórter-fotográfico, Marcelo descreve as características que considera fundamentais para o fotojornalista:
— O que faz o clique certeiro são técnica, atenção e informação. Além disso, tem que ter sorte. “Pelas lembranças e as dificuldades locais”, Marcelo considera toda cobertura internacional interessante — aqui, os destaques são as Olimpíadas de Atlanta, em 1996, os Jogos PanAmericanos do Canadá, em 1999, e o trabalho da Força de Paz Brasileira em Moçambique, em 1998. Mas ele também gosta de cobrir conflitos urbanos: — É bom receber pautas como o quebra-quebra de ônibus na Rio Branco, a pancadaria no leilão da Vale e a cobertura do ônibus 174. São situações-limite, nas quais você tem que pensar e agir rápido. Ao longo da carreira, Marcelo conquistou alguns prêmios. No entanto, diz que se lembra mais dos que perdeu: — Fui finalista do Esso, do Embratel e do Líbero Badaró e jamais ganhei um desses importantes troféus. Mas é claro que não me esqueço do primeiro prêmio recebido, que foi o Ibéria, em 1996;
do Prêmio Abril de cobertura fotográfica, em 1998; e de um de design jornalístico, em Nova York, em 2003. Marcelo trabalha atualmente com câmeras digitais para fazer tudo e não concorda com alguns veteranos que dizem que elas tiraram o charme da fotografia: — Só fala isso quem nunca teve que viajar carregando um laboratório fotográfico. Você se trancava em um banheiro de hotel, revelava filmes, fazia cópias e transmitia com uma máquina da UPI que mais parecia um mimeógrafo. Não havia nenhum glamour nisso. O banheiro virava um chiqueiro de químicas, com as quais você tinha que ficar convivendo durante os dias de cobertura. Em serviço, já esteve em algumas situações de risco: — Já atiraram em mim em morros do Rio e na selva da Guiana, tomei pedradas e parei no hospital algumas vezes. O risco faz parte da profissão, não dá para ficar contabilizando ou lamentando. Hoje acho que não dá mais para abusar da sorte em favelas.
Marcelo considera que qualquer fotógrafo que esteja trabalhando em algum jornal do Rio de Janeiro é um bom profissional e dá dicas para quem quer ingressar nessa área: — Em um mercado em que não existem cem pessoas contratadas, não dá para ter alguém “mais ou menos” na equipe. O interessado deve insistir. O mercado é mínimo, mas a profissão vale a pena. A trajetória de Marcelo Carnaval como repórter-fotográfico inclui passagens por grandes veículos. Seu primeiro emprego foi no Jornal do Brasil, para onde foi em 1985 para cobrir os fins de semana — a pedido próprio, porém, trabalhava todos os dias, embora recebesse apenas pelos sábados e domingos. Depois de um ano e meio, foi contratado, até que, em junho de 1988, foi para a sucursal carioca de Veja. Após um ano e meio, aceitou o convite feito pelo então Editor de Fotografia do Globo, Aníbal Philot, e está lá desde então. Publicada no Site da ABI em 17 de junho de 2005.
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AS FOTOS FOGUEIRA “Esta foto eu tirei na Rua da Assembléia, quando estava acontecendo o leilão da Vale do Rio Doce. É um registro hiperfactual do tumulto.” TIRO “Esta rajada foi tirada na mesma ocasião do leilão da Vale, a 20 metros de distância da primeira. Foi uma verdadeira guerra urbana.” GUERRILHA “Aqui eu já estava na Rua São José, a um quarteirão de onde tirei as outras fotos. Os manifestantes jogavam pedras contra os policiais, parecia uma guerrilha.”
T IRO
GUERRILHA
COLLOR E O ‘TIGRE’ “Esta cena aconteceu no primeiro ano de governo do Collor, quando ele disse que ia matar o ‘tigre da inflação’. Para fazer a foto, tive que passar uma barreira que limitava a área onde estava o presidente. O Chico Caruso usou esta imagem como capa de dois livros que publicou. FLAGRANTE “Fizemos uma tocaia durante dois dias na Praça XV para flagrar um grupo de moleques que assaltavam os pedestres. Conforme a vítima ia passando, uns a distraíam, batendo, enquanto os outros enfiavam as mãos nos bolsos para roubar. RESGATE “Incêndio no prédio da Sloper, loja de departamentos que funcionava na Rua Uruguaiana. Esta foto foi muito difícil, tive que fazê-la do prédio vizinho.”
FLAGRANTE
COLLOR E O ‘TIGRE’
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ASSALTO “Era um cerco na Tijuca, num sábado de manhã. Fiz uma série de fotos sobre um assalto com refém, que acabou resultando na morte de um dos bandidos e de um sargento, depois que este se ofereceu para trocar de lugar com o refém, que se salvou.” PRESIDENTE ITAMAR “No Carnaval de 94, fui designado para acompanhar o Presidente no Sambódromo. Eu preferiria ter acompanhado uma escola de samba, mas não tinha jeito. Eram cinco fotógrafos, de veículos diferentes, seguindo o Itamar, mas ninguém conseguiu fazer esse ângulo. Talvez esta seja minha foto mais conhecida, pois ela rodou o mundo.” BASTIDORES “Isto aí são os bastidores da Parada Gay de Copacabana, em 2003. Veja o que faz a falta de banheiros públicos em um evento de grande porte. Havia uma enorme fila no calçadão para esperar um coqueiro desocupar. A foto saiu na coluna do Ancelmo, no Glob.o” ENCHENTE “Eu estava com água no peito quando fiz esta foto, lá na Rua Jardim Botânico. Houve um inconveniente, porque justamente naquele momento alguém gritou: ‘Olha a cobra!’ Depois disseram que era uma cobra d’água, mas eu, desesperado, já tinha me agarrado na grade também para me proteger.”
RESGATE
PRESIDENTE ITAMAR
BASTIDORES
ENCHENTE
ASSALTO
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ZECA LINHARES POR R ODRIGO C AIXETA
Influenciado pela tia Sarita, que pintava aquarelas e decorava objetos, Zeca Linhares começou cedo a estudar desenho e fazia colagens com fotografias que até hoje decoram a casa de sua mãe. Os cliques ficavam por conta do avô materno, fotógrafo amador encarregado do registro familiar: — Foi ele quem me deu uma Flexaret 6 x 6, imitação tcheca da Rolleyflex com que talvez eu tenha feito a minha primeira reportagem, com uns nove ou dez anos: documentei o Parque Nacional de Itatiaia — as Agulhas Negras, a flora, as cachoeiras, os amigos... Tudo em cor e tudo certinho, com paralelismos, equilíbrios tonais etc. Depois ganhei da minha mãe uma Kodak Retinet 35mm. Os acontecimentos dos anos 60 viraram a vida de Zeca Linhares de cabeça para baixo, levando-o a viver na França, no início de 1968. Em Paris, pensando em algo que lhe desse um emprego, já que não tinha a menor idéia de quando retornaria ao Brasil, fez Economia: — Mas continuei desenhando e pintando. Com bloco e variados lápis, ia para os museus, me sentava num banco e reproduzia o que via. Comecei pelo Louvre e pelos renascentistas e fui seguindo. Também carregava a minha inseparável Flexaret e mais tarde comprei uma Pentax Spotimatic 35 mm, ainda de rosca e com várias lentes. A idéia de reproduzir o que via o fascinava — e quando Guto Arraes, filho de Miguel Arraes, lhe deu uma Leica M2, não parou mais: pegava um ônibus ou metrô, saltava na periferia de Paris, encostava num botequim e deixava a vida seguir, documentando tudo o que podia, apenas trocando os lápis pelas lentes e os blocos de desenho pelos de 36 fotogramas. Sua inspiração vinha de Robert Doisneau, Guy Le Querrec, dos filmes de Jacques Tati e do jogo de pernas de Fred Astaire: — Fotografar é um grande balé, uma dança na procura do objeto perfeito, equilibrado e proporcional, no qual o instante se transforma no momento de silêncio da dança, entre uma pirueta e a seguinte. Eu me apaixonei por CartierBresson e mantenho dele, até hoje, o negativo inteiro, a borda preta envolvendo a imagem, pois não recorto ou reenquadro no ampliador as minhas imagens. Zeca retornou ao País em 1979, mas só conseguiu o registro de repórter-fotográfico no fim dos anos 80, apesar de ter começado a carreira no fotojornalismo em 1972, numa revista grega: — Na verdade, eu me considero mais um documentarista do que um fotojornalista. Gosto de ver, viver e sentir o conjunto, não de relatar o fato. Quando o Paulo Sérgio Duarte me chamou para trabalhar no Patrimônio da cidade, adorei. Foi muito bom ser pago para sair por aí registrando o dia-a-dia do Rio, seus bairros, sua arquitetura. Tenho um 20 Jornal da ABI 323 Novembro de 2007
Um balé, à procura da perfeição
ARCOS DA LAPA
arquivo monumental, talvez uns 60 mil negativos e cromos, que aos poucos estou digitalizando. Para ele, a primeira habilidade que o fotógrafo precisa ter é a emoção, mas sem se deixar levar por ela: — Toda fotografia com que nos emocionamos durante a sua captura possui uma carga de erros e esquece a razão. A ação que pensamos em preservar não é importante. O entorno e os outros planos, estes são extremamente importantes, pois evidenciam essa ação. Não se prenda a ela e pense nas outras coisas,
na geometria total. Zeca aponta um grande problema da fotografia brasileira: — Fotógrafo não vai a exposições de fotógrafos e não freqüenta museu. Quando trabalhei um tempo com cinema, tinha um cara que dizia: “Não vejo cinema brasileiro, eu o faço.” Ora, ver e gostar de ver é o princípio de tudo. É preciso praticar, escrever e rabiscar todo o dia. Grande parte dos fotógrafos no Brasil quando está desempregada não fotografa, não sai na rua com máquina. Sobre o advento da digital, Zeca não
acredita que prejudique o desenvolvimento da arte da fotografia: — Há uma questão que ultrapassa a terminologia. No Brasil, somos muito obedientes aos termos comerciais e, como querem os fabricantes de equipamentos, chamamos de “fotografia digital” toda e qualquer imagem que não use um processo convencional. Porém, se uso um filme e passo por um scanner, que fotografia é essa? A atual máquina dita “digital” simplesmente trocou os pigmentos sensíveis à luz por pequenas “células” que atribuem valo-
ARRASTテグ
MIRANTE
PEDICURE
DAMA DA MADRUGADA
A TROPA
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ZECA LINHARES
DO MAR
res numéricos. Isto, para mim, é fotografia, por utilizar todos os elementos contidos na “grafia da luz”, só que feita por uma escala numérica. Quando fez Economia, Zeca Linhares já trabalhava com fotografia. Durante anos foi correspondente da revista grega A Mulher e fotografava, mas esporadicamente, para O Cruzeiro, Jornal do Brasil e O Globo, além de vender fotografias para algumas agências e revistas francesas. No início dos anos 70, com um trabalho coletivo sobre soluções para a construção de casas populares, ganhou um prêmio de fotografia de arquitetura do Centro Georges Pompidou, em Paris. Em 1987, começou a lecionar no curso de Comunicação e seguiu a carreira acadêmica na UFRJ com um mestrado em História Comparada, que concluiu em 2004, sobre Cartier-Bresson. GALERIAS Diz Zeca que as imagens desta primeira parte da galeria, intitulada Rio, são da década de 80 e integraram uma exposição no Paço Imperial, com uma proposta de um Rio de Janeiro atemporal — “não há fios, acrílicos ou elementos gráficos que afirmem a sua data de feitura; são quatro exemplos típicos de documentação, em que a escolha do ângulo e da hora é fundamental”. A segunda parte, chamada Carnavais, nasceu em 1976, quando Zeca teve que vir ao Brasil para renovar o seu passaporte, pois não conseguia fazê-lo no Consulado em Paris — “foi uma operação complexa”, lembra. Iniciou, então, uma vasta documentação em preto e branco sobre o Carnaval que ainda não se encerrou: — São quase 30 anos de chão e asfalto nos mais variados bairros. Já expus esse trabalho em alguns lugares, sendo Bogotá, na Colômbia, o mais recente, em 2003. A última parte, Avulsas, representa o seu estilo e a sua formação como fotógrafo: o passeio constante e a caça ininterrupta. Publicada no Site da ABI em 1 de julho de 2005.
MASCARADOS
AS FOTOS ARCOS DA LAPA “É uma outra história. Somente em setembro a lua cheia sobe por entre os Arcos. Escolhi um ângulo e fiquei no tripé esperando pelo bondinho. Acho que consegui a foto na última passada do bondinho, por volta das dez, onze horas da noite.” ARRASTÃO “Era o nome que se dava para a corda que cercava o bloco carnavalesco. Dedico esta imagem a Cartier-Bresson, pois há nela a fração geométrica e decisiva.” PEDICURE “Tal qual a da tropa, esta foto foi uma questão de busca: só saindo e andando, com uma máquina sempre à mão, conseguimos nos expressar.” DAMA DA MADRUGADA “É quase a mesma coisa, mas aqui houve um consentimento posterior. Tive que jogar conversa fora, dizer que a foto não era para jornal, essas coisas.” MIRANTE “É a última fotografia do meu livro Da janela vê-se o Redentor, já esgotado. A proposta desse livro era que o Cristo é o único ícone democrático do Rio de Janeiro, diferentemente do Pão de Açúcar ou dos mais variados calçadões. Todo mundo é abençoado por ele e podemos observá-lo das janelas das mais variadas classes sociais.”
ALBAMAR
A TROPA “Este exercício matinal foi realizado na Rua da Lapa. Eu estava lá e simplesmente esperei acontecer.” MASCARADOS “Início da década de 80, bairro do Encantado. O comércio local fechava a rua durante quatro dias e promovia várias festas e brincadeiras. É uma tradição que está se perdendo — havia até na rua onde nasci, em Copacabana —, pois a dureza da vida e o medo estão corroendo a alegria carioca.” DO MAR Vista da cidade do Rio de Janeiro a partir da barca que faz a travessia Rio-Niterói. SANTA TERESA “Assim que vi o Aero Willys, pensei em fazer uma fotografia que nos remetesse diretamente à década de 60. Esperei o bonde com um olho na nuca, pois Santa Teresa não é fácil: já tentaram me assaltar lá três vezes.” ALBAMAR “Foi feita sobre o viaduto da Praça XV. Subi a pé por volta das cinco e pouco da manhã e gastei quase um TriX preto e branco, variando ângulos e inclinação.” O BEIJO “Tirei esta em um baile. Percebi o casal e fiquei esperando. Como um peru, rodei em volta deles até conseguir o ‘carinho explícito’ típico do Carnaval.”
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SANTA TERESA
O BEIJO
LUIZ MORIER
Marcas para a História
VIOLÊNCIA POLICIAL I
POR J OSÉ REINALDO MARQUES
Aos 53 anos de idade e 28 de carreira como repórter-fotográfico, Luiz Morier conta que descobriu a fotografia na infância, estimulado pelo prazer de registrar a paisagem urbana e a natureza paradisíaca de sua cidade natal, o Rio de Janeiro. — Tenho prazer de fotografar quase todos os temas. Só não gosto mesmo de cobrir violência. No entanto, foi exatamente fazendo matérias sobre os conflitos urbanos do Rio que ele tirou suas fotos mais marcantes, ainda que, para isso, tenha vivido suas piores experiências pessoais: — Durante uma manifestação de moradores na Rocinha, acertaram uma pedrada na minha cabeça. Noutra ocasião, cobrindo o confronto de amigos e parentes das vítimas da Chacina de Vigário Geral com PMs, tive que correr para não ser agredido pela Polícia. Morier também integrava uma equipe de reportagem do JB que foi assaltada no Alto da Boa Vista em 1993 e perdeu tudo: documentos, dinheiro e equipamento fotográfico. Quando os bandidos foram presos e os jornalistas tiveram seus pertences devolvidos, o fotógrafo recuperou o registro que havia do assalto anterior, a um casal de turistas. Sorte dele: a foto, intitulada Inferno no paraíso, venceu o Prêmio Esso de Fotojornalismo. — Foi horrível, fomos ameaçados de morte pelos assaltantes. E há outras passagens que eu nem gosto de lembrar. Outro momento de violência flagrado pelas lentes de Morier já havia sido premiado com o Esso dez anos antes: cenas de violação dos direitos civis e humilhação impostas a um grupo de homens negros capturados durante uma blitz da PM num morro do Rio — mais tarde ficou provado que todos eram trabalhadores e sem nenhum registro criminal. Na seqüência de fotos, publicada com destaque na primeira página do JB, eles aparecem primeiramente sentados e amarrados uns aos outros por uma corda no pescoço; depois, sendo levados até uma viatura policial.
SANTO PAPA
Philot, uma saudade Luiz Morier acompanha a qualidade do que vem sendo produzido no resto do mundo e acha que o fotojornalismo brasileiro está num nível muito bom — “é grande o número de repórteres-fotoJornal da ABI 323 Novembro de 2007 23
LUIZ MORIER
gráficos competentes atuando no Brasil”. Vários, não nega, influenciaram seu trabalho: — Sou fã de muitos fotógrafos e seria difícil citar todos. Um que posso dizer com certeza que me inspirou e ensinou muita coisa foi o Aníbal Philot, que conheci em O Globo. Dele eu tenho saudade. Há 25 anos no JB, Morier começou a carreira de repórter-fotográfico no extinto jornal Última Hora, em 1977. Também teve passagens pelo Globo e trabalhou como freelancer no Estadão. No momento, conta que está envolvido na seleção de fotos de seu acervo para concorrer a mais um prêmio. Se vencer, terá mais um troféu ao lado dos dois Esso, de um Vladimir Herzog, do Prêmio da Confederação Carioca de Futebol, do Prêmio Pepsi de Jornalismo e do Prêmio de Fotojornalismo da Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip. — O mais importante e que me deixa mais feliz é saber que depois que eu morrer meus trabalhos ficarão marcados para sempre na história do jornalismo brasileiro. A fotografia é tudo na minha vida. Publicada no Site da ABI em 8 de julho de 2005.
INFERNO NO PARAÍSO
RESCALDO
QUEIMA DE ARQUIVO
CASA DA ÁRVORE
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OS MISERÁVEIS
AS FOTOS VIOLÊNCIA POLICIAL I Um grupo de jovens negros, sem antecedentes criminais, é arrastado com uma corda no pescoço após prisão pela PM do Rio. A foto foi premiada com o Esso em 1983. SANTO PAPA “Em 1980, João Paulo II veio ao Brasil e visitou o Morro do Vidigal. Ele segurou a mão do menino e posou para a foto que, para minha felicidade, me tirou do plantão da madrugada. Depois dela, passei a trabalhar durante o dia.” INFERNO NO PARAÍSO “Em um passeio turístico no Alto da Boa Vista, nossa equipe foi surpreendida por assaltantes, que levaram tudo o que tínhamos. Mas tarde os bandidos foram presos e recuperamos o que havia sido roubado.” QUEIMA DE ARQUIVO “Este rapaz na foto era um dos últimos sobreviventes da Chacina da Candelária, mas também acabou sendo morto pela Polícia.”
VIOLÊNCIA POLICIAL II
OCHILOU, DANÇOU
CASA DA ÁRVORE “Esta fotografia nos remete a um triste período da História do Brasil. O lugar, na Ilha de Guaratiba, foi transformado de quilombo em prisão de escravos, quando estes foram descobertos. O menino é descendente dessas famílias que viveram ali.” RESCALDO “Depois de um incêndio no Ceasa — entreposto de hortifrutigranjeiros, em Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro — famílias de moradores dos bairros vizinhos correram para o local, atrás das sobras de alimentos para matar a fome.” OS MISERÁVEIS “Esta é uma das cenas mais chocantes que eu já fotografei. Em 1997, estava a uns cem quilômetros de Recife, fazendo uma matéria sobre a miséria, quando avistei essas pessoas famintas comendo ratos, sem medo de se contaminar.”
VIOLÊNCIA POLICIAL III ANIMAIS CONGELADOS
VIOLÊNCIA POLICIAL II “Dezembro de 1997. No intervalo de uma matéria, ao parar para beber água, avistei esta cena da prisão de dois assaltantes, após terem roubado um carro.” ANIMAIS CONGELADOS “Este retrato da nossa fauna ameaçada foi feito no Bwana Parque, em Campo Grande, para uma matéria que denunciava os maus-tratos sofridos pelos animais, que eram mortos, congelados e recolhidos a um freezer.” COCHILOU, DANÇOU! “Durante os trabalhos da CPI da Cehab, em 1999, a Deputada Núbia Cozzolino, em flagrante desrespeito público e alheia a suas obrigações parlamentares, aproveita para tirar um cochilo.” VIOLÊNCIA POLICIAL III “Tive vários problemas com a Polícia durante a cobertura da Chacina de Vigário Geral. Na manhã seguinte à matança de 21 pessoas, um PM descontrolado atirou a esmo no meio do povo. Em seguida, correu atrás de mim, para me agredir e tentar tomar o filme — mas dessa vez a Polícia perdeu.”
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WALTER FIRMO
O engenheiro da imagem POR JOSÉ REINALDO MARQUES TANCREDO
“A fotografia me encanta, é a minha sedução de vida e a forma de comunicar que me faz feliz.” A frase é de Walter Firmo, um dos pilares do fotojornalismo brasileiro, que costuma se autodefinir como um engenheiro da imagem: — Digo isso por causa da maneira de eu criar na fotografia reinventando uma realidade, trabalhando instintivamente com ensaios, que, no meu início de carreira, faziam com que os meus colegas dissessem que eu não era um repórterfotográfico e sim um cronista. Sempre fui muito criativo, impetuoso, queria fazer o novo, e isso mudou alguns conceitos do fotojornalismo na época. Carioca de Irajá, Walter Firmo, 69 anos, pegou pela primeira vez numa máquina fotográfica aos oito, a pedido do pai, que queria que ele o fotografasse com a mãe, durante um passeio em Recife, e avisou: “Não se esqueça de registrar as jangadas ao fundo e não corte as cabeças e os pés.” Foi também o pai que lhe disse, numa madrugada, que a fotografia valia mais que mil palavras: — Acordei com meu pai me dizendo a frase que nunca mais me saiu da cabeça. Quando eu completei 16 anos, vi José Medeiros na revista O Cruzeiro e queria ser ele na aventura jornalística, no ir-e-vir em que tudo é novidade, fantasia e dinamismo. Foi especialmente o trabalho dele e do Jean Manzon que fez minha cabeça para mergulhar no cenário da fotografia em que me encontro até hoje. Após a estréia como aprendiz em 1956, na Última Hora — “em seu período mais importante” — , usando uma Rolleyflex dada pelo pai, Firmo foi para o Jornal do Brasil, que em 1960 passava pela reformulação gráfica implementada por Odilo Costa, filho e Alberto Dines: — A ida para o JB foi fundamental para a minha vida profissional, pelas mudanças por que ele estava passando e porque lá eu pude executar minhas idéias e testar novos equipamentos, como as câmeras Leica e Nikon. Outro grande privilégio da minha carreira foi ser o primeiro repórter-fotográfico convidado para trabalhar na revista Realidade, em São Paulo. 26 Jornal da ABI 323 Novembro de 2007
SARAU
Ele gosta de destacar também sua passagem pela Manchete e a Fatos & Fotos, da Bloch, onde se transformou no que chama de “fotógrafo-mascate”, viajando por todo o Brasil. Estética Hoje trabalhando como autônomo, Firmo ainda se entusiasma com o fotojor-
nalismo, que “permite trabalhar com o saboroso conceito da estética, do qual Cartier-Bresson era um verdadeiro mestre”. — Todo trabalho fotográfico é uma comunicação jornalística, pois a fotografia é um saber científico que transmite conhecimento; tudo o que você vê numa foto e desconhecia tem um sabor jornalístico, pois está informando alguma coisa.
Autodenominando-se um sonhador, ele segue usando equipamentos Nikon e Leica com lente normal (50mm) e uma Hasselblad, além de só trabalhar com luz ambiente, sem flash: — A fotografia tem que ter a marca digital do seu olhar. O fotógrafo deve ter a preocupação de fazer a sua forma de pensar visualmente virar uma marca, deve criar sua própria linguagem. Com uma vida inteira dedicada à fotografia, Walter Firmo dirigiu o Instituto Nacional de Fotografia da Funarte e desde 1992, quando abandonou a reportagem fotográfica, realiza cursos no Brasil e no exterior. Suas fotos também têm sido expostas nos principais centros culturais do mundo, rendendo-lhe homenagens e premiações — do Esso pela reportagem Cem dias na Amazônia de ninguém, em 1963, aos nove Nikon internacionais. Seu nome aparece no verbete “Fotografia” da Enciclopédia Britânica e seu trabalho — que ele mesmo traduz como poesia — pode ser apreciado nos livros Walter Firmo, antologia fotográfica, Paris parada sobre imagens e Rio de Janeiro, cores e sentimentos, além de publicações conjuntas e mostras individuais e coletivas. Publicada no Site da ABI em 26 de agosto de 2005.
AS FOTOS TANCREDO “Esta foto é um registro da manifestação de estudantes que ocuparam a cúpula do Senado logo após o anúncio da morte de Tancredo Neves.” SARAU “Foto registrada na casa do flautista Copinha, com Paulinho da Viola, Élton Medeiros, o compositor e arranjador Cristóvão Bastos e o jornalista Sergio Cabral durante um sarau íntimo, com direito a churrasco, uísque, cerveja e outras coisas mais.” FOLCLÓRICO “Em 1958, fiz esse registro do folclórico Tenório Cavalcanti na sua fortaleza, no Município de Duque de Caxias, RJ.” CENA DE UM CASAMENTO “Em 2002, usei o cenário dos alagados da Bahia para fotografar a moça que trabalhava na casa que eu alugara. Quis fazer uma alegoria e a levei à favela para criar essa composição.” BICHO-HOMEM “Esta foto foi registrada em Monte Alegre, no baixo Amazonas, cidade onde nasceu meu pai. É o lado cômico da vida: o caçador posa sorrindo ao lado da sua presa morta.” DIÁLOGO “A idéia nessa alegoria fotográfica era criar com o desenho e as garrafas a possibilidade de um diálogo entre o animal e os objetos.”
F OLCLÓRICO
ANDAR COM FÉ “Homens e mulheres a caminho de uma festa religiosa em homenagem ao Padre Cícero, em Juazeiro do Norte. É a expressão da brasilidade daqueles que acreditam na presença de Deus e de que a vida vai dar certo.”
CENA DE UM CASAMENTO
RAÍZES “Esta é a imagem do meu velho pai, José, nas raízes das suas lembranças.” ALEGORIA “Esta é uma encenação da Pietà. O modelo era um aluno meu, que disse adorar as avós mais do que a mãe. Pensei na estética do Cristo amparado pelas duas senhoras. Foi feita no Parque Lage, em 1972.” ENGENHARIA “Esta imagem revela o conceito de fotografar que eu chamo de engenharia, por causa da estética: do alto, a ialorixá observa as filhas-de-santo que compõem o mosaico ao longo da escada. Foi tirada em Salvador, em 1973.” NOVA IORQUE “Esta foto foi tirada na cidade de Nova Iorque, no Maranhão. Uma ilusão de ótica onde o assim é se lhe parece vira realidade, uma das ironias da fotografia e. O cavalo parece estar pregado no tronco, mas está apenas descansando.”
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WALTER FIRMO
RAÍZES
B ICHO - HOMEM
D IÁLOGO
A LEGORIA
ANDAR COM FÉ
NOVA IORQUE
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EVANDRO TEIXEIRA
POR J OSÉ REINALDO MARQUES
MISSA E MASSACRE
O documentarista do Brasil “O trabalho de Evandro Teixeira materializa a modernidade, a urbanização do Brasil. Não há nada mais brasileiro que sua fotografia.” As palavras são do também fotógrafo Sebastião Salgado, que sempre se entusiasma ao falar do colega, único outro brasileiro a figurar com ele na Enciclopédia Suíça de Fotografia. Em quase 50 anos de atividade profissional, e com preferência pelo fotojornalismo, Evandro já expôs em vários países e documentou de tudo, de Copas do Mundo e desfiles de moda a golpes militares — no Brasil, em 64, e no Chile, 73. Nascido em Jequié, no interior da Bahia, quando criança ele sonhava ser escultor, mas também gostava de brincar de cinema e, inspirado num primo que foi convocado para a Segunda Guerra, pensou na carreira de aviador militar. Passou a apreciar o fotojornalismo em 1954, através da revista O Cruzeiro, que considera a grande escola da reportagem fotográfica brasileira: — Ainda morava no interior da Bahia e ficava impressionado com o trabalho dos grandes fotógrafos da revista, principalmente o Jean Manzon e o José Medeiros. Foi inclusive um ensaio sobre
TOMADA DO FORTE
Jornal da ABI 323 Novembro de 2007 29
EVANDRO TEIXEIRA
PASSEATA DOS 100 MIL
mães feito pelo Medeiros, que depois veio a ser meu professor, que me transformou definitivamente num apaixonado pela fotografia. Com o fotógrafo Nestor Rocha, tio do cineasta Gláuber Rocha, Evandro aprendeu os primeiros segredos da profissão, fazendo fotos que chama de “acadêmicas”. Em seguida, foi estudar em Salvador, onde logo arranjou uma vaga como estagiário no Diário de Notícias. Em 1957, desembarcou no Rio com a indicação de um amigo para procurar estágio no Diário da Noite, onde foi designado para registrar casamentos: — O chefe de redação me chamou e disse: “Você vai ser nosso santo casamenteiro. Vai ter um carro, uma lista das igrejas, e sair para cobrir casamentos. Só não me traga fotos de pretos.” No primeiro dia, consultando a listagem, percorri várias igrejas da cidade. Cheguei a uma onde um negro ia se casar com uma loura. Peguei a Rolleiflex e fiz a foto. Evandro conta que voltou para a redação preocupado e revelou seu dilema para o laboratorista, que o consolou, dizendo: “Não tem problema, pode deixar que ele vai ficar branco.” Mais tarde, o chefe da redação descobriu a falseta e, esbravejando, chamou-o à sua sala juntamente com o editor de Fotografia, Ângelo Regatto: — O que houve? Eu não te disse que não queria preto? Demite! A sorte, para Evandro e para o fotojornalismo, é que Regatto apostou no talento do estagiário e o mandou para casa até que ele “amansasse a fera”. Valorização da fotografia Do Diário da Noite, Evandro foi para O Jornal, a revista Mundo Ilustrado e o Jornal do Brasil, onde está até hoje. Chegou ao JB em 72 — num momento em que o diário carioca se destacava dos demais, especialmente pela valorização da fotografia no seu noticiário — e transformou-se num dos grandes documentaristas da imprensa brasileira. Sua foto da Passeata dos 100 mil, por exemplo, virou símbolo dos movimentos populares contra a ditadura militar. Era junho de 68 e Evandro devia acompanhar o líder estudantil Vladimir Palmeira, então ameaçado de prisão, do início ao fim do ato que se realizaria na Cinelândia, no Centro do Rio. Para fazer o registro histórico, ele subiu no palanque e, apesar da repressão policial, posicionou-se atrás de Vladimir e conseguiu o clique. Publicada em livro em 1982, a foto virou novo projeto, 68: destinos, que pretende servir de resgate da história política do País nos últimos 40 anos e contar, a partir de um minucioso trabalho de pesquisa e identificação, como vivem atualmente 68 pessoas que participaram da passeata — 55 já foram contatadas. O produto final desse trabalho será exibido em exposição e também publicado ao lado de textos dos jornalistas Fernando Gabeira, Marcos Sá Corrêa, Augusto Nunes e Fritz Utzeri. Apesar de ter sido muitas vezes pre30 Jornal da ABI 323 Novembro de 2007
QUEDA E MORTE
miado, Evandro prefere evitar o assunto. Em contrapartida, seus olhos brilham quando ele fala de seus livros: além do atual projeto, Canudos: 100 anos depois, Fotojornalismo, editado em 1982 e 1988, e Feira de São Cristóvão: o Nordeste é aqui, que deverá ser lançado pelo Senac. Ele também não se furta de comentar que seus trabalhos estão sendo exibidos em três mostras simultâneas — na França, na Suíça e em Brasília — e não esconde que considera a fotografia brasileira uma das melhores do mundo: — Ela não perde o encanto, apesar das nossas dificuldades para realizar um bom intercâmbio cultural e de todos os outros tipos de sacrifício impostos aos nossos profissionais Publicada no Site da ABI em 23 de setembro de 2005.
GUERRA
68 destinos, a partir desta foto, buscando pessoas que estão nela. Meu projeto é mostrar o que elas pensavam naquela época e o que pensam hoje. Há muitos personagens importantes aí, como jornalistas, cineastas e políticos dos quais 55 já deram seu depoimento e o lançamento será em 2006. Quem quiser acessar, pode visitar www.evandroteixeira.net/68destinos.” QUEDA E MORTE “Sexta-feira negra na Cinelândia. A cidade foi fechada a tiros e gás lacrimogêneo, virando uma grande praça de guerra. Este estudante de Medicina foi morto.” GUERRA “Aqui a gente vê o contraste entre o sorriso do menino e a tragédia na comunidade, durante uma guerra do tráfico na Vila do João, no Rio, em 1988.” CARNAVAL “Esta baiana estava na Passarela do Samba no carnaval do Rio de 1999.” CARNAVAL
AS FOTOS MISSA E MASSACRE “Missa na igreja da Candelária pela morte do estudante Edson Luís, promovida pelo movimento estudantil em 1978. Nessa ocasião, a polícia massacrou todo mundo. Houve gente caída no chão e alguns jornalistas foram feridos, como o Alberto Jacob, também fotógrafo do JB, que teve sete costelas quebradas.” TOMADA DO FORTE “Fui o único fotógrafo a chegar ao Forte Copacabana quando ele foi tomado pelo Coronel César Montagna, num dos episódios mais marcantes do Rio do golpe militar de 64.”
O ENTERRO DO ANJINHO
PASSEATA DOS 100 MIL “O grande líder era o Vladimir Palmeira.No momento mostrado aí, ele estava falando para a massa. Estou produzindo um livro,
O ENTERRO DO ANJINHO “Esta fotografia foi feita em Aprazível, no interior do Ceará: pai e mãe levam seu filho para ser enterrado (a criança tinha quatro meses). Isso foi em 1992 e nesse dia eu fotografei quatro enterros. Fiz a foto deitado no chão.” LIBÉLULAS E BAIONETAS “Foto tirada em 1968, durante a exposição de armas usadas na Guerra do Paraguai inaugurada por Costa e Silva. A foto foi publicada na primeira página do JB, mas ele não gostou e questionou por que os ‘besourinhos’, como chamou as libélulas que estavam no alto, tinham saído na foto. Respondi que foi trabalho da edição.” AYRTON SENNA “Foto tirada no Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1, em 1989, no Rio de Janeiro. Esse piscar de olhos era uma maneira de o Ayrton se comunicar com o Ron Dennis, chefe de equipe da McLaren. Na hora da largada, eles usavam esse gesto para dizer que estava tudo OK.”
LIBÉLULAS E BAIONETAS
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EVANDRO TEIXEIRA
O PAPA E O DEDO DE DEUS “Esta aqui foi tirada durante a primeira visita do Papa ao Brasil, em 1980, em Belém do Pará. A mão de um cardeal foi chamada de ‘a mão de Deus’. Foi feita à noite, por isso tem o fundo negro.”
CHICO, TOM E VINICIUS
O PAPA E A BAIANA “Esta cena aconteceu durante a segunda visita do Papa João Paulo II à Bahia, em 1991. Nas três vezes em que o Papa esteve no País, eu o acompanhei em suas peregrinações.” CHICO, TOM E VINICIUS “Comemorava-se o aniversário do Vinicius na Churrascaria Carreta, freqüentada por boêmios e intelectuais. Para fazer esta foto, subi num tamborete, que logo após o clique se quebrou — eu caí e o disparador da câmera quebrou. A sorte é que a máquina não abriu e eu consegui salvar o filme. Foi publicada em página inteira no Caderno B.” QUEDA “Mostro aqui a queda do motociclista da FAB que acompanhava a Rainha Elizabeth em sua visita ao Brasil. Foi primeira página no JB.” RAINHA ELIZABETH “Outra foto feita durante a sua visita, em 1968. Foi a primeira vez que a Rainha da Inglaterra foi fotografada dessa maneira e me custou uma fratura no cotovelo, porque o chefe de segurança descobriu que eu estava com o braço e a câmera dentro do carro e me agrediu violentamente.” O PAPA E O DEDO DE DEUS
QUEDA
O PAPA E A BAIANA
RAINHA ELIZABETH
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MÔNICA ZARATTINI
REBELIÃO
Uma paixão da mocidade POR J OSÉ REINALDO MARQUES
Há 18 anos trabalhando na Agência Estado — após passagem pelo Diário Popular —, Mônica Zarattini é formada em História pela Universidade de São Paulo e começou a carreira de fotojornalista como freelancer na imprensa sindical, em 1981, cobrindo a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva para Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Na mesma época, a reportagem que fez sobre um ato público pela anistia lhe rendeu a primeira foto de capa, publicada na Tribuna Metalúrgica: — Desde que estudei Fotografia no segundo ano colegial, me apaixonei. Adorava não só fotografar, mas também revelar e fazer ampliação. Vivíamos um momento político muito especial, e eu queria registrar tudo, mostrar toda a luta por liberdades democráticas. Só me afastei um pouco no período em que, depois de me formar, em 1986, dei aula de História para o ensino médio e fundamental. Depois que decidiu dedicar-se integralmente à fotografia, Mônica Zarattini — ou simplesmente Zara, como é cha-
mada na Redação — mereceu prêmios, como o Embratel, o Kodak e o Vladimir Herzog, e participou de diversas mostras individuais e coletivas, com destaque para O Brasil na virada do século: perspectiva para o próximo milênio, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1999. Sobre a qualidade do fotojornalismo nacional, Zara diz que é uma das melhores do mundo.Entre os muitos excelentes profissionais do País, destaca Evandro Teixeira, que considera “emblemático, uma verdadeira lenda”. — Ele tem uma carreira maravilhosa, que se mantém até hoje. O que mais admiro nele é o seu jeito jovem de ser, sua garra. A cada matéria, é como se aquela pauta fosse a primeira de sua vida. Evandro passa uma energia positiva muito forte, que se reflete em todo o seu trabalho. Desvairada como a Paulicéia Paulistana do Bexiga, bairro boêmio da capital paulista, Mônica Zarattini acha um desafio fotografar a cidade “quando se quer mostrar as belezas que quase ninguém vê”. Por sua vez, a editora do Caderno Cidades do Estadão,
Márcia Glogowski, diz que Zara “é o retrato de São Paulo, desvairada como sua Paulicéia” e apresenta a cidade “no seu âmago, com suas formas, cores, beleza e poesia” — o comentário foi feito na apresentação da mostra Paulicéia 2000, na qual Mônica mostrou sua visão particular da terra em que nasceu. Embora fotografe de tudo no dia-adia, Zara não esconde que a cobertura política a atrai: — Como leio bastante, estou sempre por dentro dos conchavos. Gosto muito também de fazer fotos de esportes; congelar o momento único de um movimento esportivo é fantástico. Mostrar para o leitor aquilo que os olhos humanos não podem ver, ainda mais para os que estão nas arquibancadas, é muito gratificante. Quando tem chance, ela também gosta de desenvolver temas específicos e pautas próprias, como a que a levou a Cuba para fazer uma reportagem sobre a produção de charutos: — Acabei escrevendo três matérias para o Estadão e outra, de seis páginas, para a revista Gowhere, que ainda rendeu uma exposição fotográfica em parceria com o Cristiano Mascaro, que
tem um trabalho maravilhoso. Sobre as coberturas que mais marcaram sua carreira, cita as Paraolimpíadas em Atlanta, 1996, e os 80 anos da morte de Euclides da Cunha, 1989: — Refizemos todo o caminho da Quarta Expedição, que acabou com o exército de Antoônio Conselheiro no sertão de Canudos. Entre as mais difíceis, destaca a cobertura da chegada da regata Whitbread em 1998, quando os organizadores do torneio colocaram a imprensa nacional e internacional num barco com um timoneiro completamente bêbado: — Por pouco não afundamos, embaixo de chuva. A cobertura foi bem complicada, mas eu fui feliz. Já na largada enfrentamos problemas: dividimos o pagamento de um helicóptero com a Agência Reuters, eu tinha o fechamento do Estadão, muito cedo, e o outro fotógrafo não queria que o piloto pousasse para eu descer, como havíamos combinado. Quase tive um troço, ameacei pular do helicóptero, até pararmos no meio da praça, em São Sebastião. Publicada no Site da ABI em 23 de junho de 2006.
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MÔNICA ZARATTINI
AS FOTOS REBELIÃO “Em fevereiro de 2001, após a superrebelião que tomou conta de São Paulo, a tropa de choque da PM conseguiu, enfim, controlar o Carandiru. Tive apenas duas chances de sobrevoar o local. Numa delas, com uma lente 500mm, consegui mostrar a humilhação durante a revista. Esta foto foi vencedora do Prêmio Embratel daquele ano.” CLÁUDIO LEMBO “A cúpula do PFL resolveu dar apoio a Cláudio Lembo, após os ataques do PCC. Através de seus olhares, procurei mostrar os personagens: ao lado do Governador, os caciques e Senadores Jorge Borhaunsen e Marco Maciel e o atual candidato a Vice na chapa de Alckmin, José Jorge.” BOLSA “Usei o recurso da dupla exposição nesta foto. Foi manchete e capa do Estadão, num dia (17 de setembro de 1998) de pânico, em que a Bolsa caía vertiginosamente. Primeiro, fotografei o painel com o gráfico; depois, o operador desesperado.”
CLÁUDIO LEMBO
SERRA “Em 1996, José Serra não queria ser candidato a Prefeito de São Paulo. Até na hora de vestir a camisa encontrou dificuldades.” ABELHAS “Tive que usar uma roupa igual à dos fotografados para esta matéria especial de domingo. Na época (agosto de 2003), o foco das lentes ainda era manual, então imaginem a dificuldade para fazer o trabalho. Mas o resultado foi bom.” MENINOS “Esta foto integrou um ensaio de dez fotos em preto e branco que fiz para o Prêmio J. P. Morgan 1999, cujo tema era a virada do século.” RAÍ “Este lance do jogador Raí aconteceu na Vila Belmiro, num clássico São Paulo X Santos, em maio de 2000. CUBANOS “Esta imagem faz parte de uma série sobre a produção de charutos em Cuba. Batalhei autorização para passar um dia dentro da Fábrica Patargas, que produz várias marcas. Daí saíram as fotos e uma matéria que escrevi sobre todas as etapas do processo que faz a fama dos puros cubanos.” ATENTADOS “Essa foi a segunda-feira negra, quando o terror invadiu as ruas de São Paulo depois daquele fim de semana de ataques de uma facção criminosa. Fui enviada ao Aeroporto de Congonhas, que havia sido evacuado devido a uma ameaça de bomba. As pessoas ficavam desnorteadas ao desembarcar, sem entender o que estava acontecendo.” EXUBERÂNCIA “Num desfile no Morumbi Fashion, em junho de 2000, Gisele Bündchen ainda começava a despontar e já mostrava toda a sua exuberância.”
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BOLSA
SERRA
CUBANOS
ABELHAS ATENTADOS MENINOS
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