Sandroni Nosso sócio preside a Casa de Machado de Assis Ele foi eleito com o voto dos 40 membros da Academia Brasileira de Letras, fato raro na mais importante instituição cultural do País. Página 11
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Jornal da ABI
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Um pilar da liberdade de expressão
Página 36
O Presidente da Câmara Federal, Deputado Arlindo Chinaglia, saúda a ABI durante Sessão Solene em homenagem ao centenário da Casa do Jornalista. Página 15
ANISTIA DEMORADA
Aos 92 anos, e ainda à espera de justiça A ABI reclama a reparação devida a jornalistas, como Moacir Werneck e Fernando Segismundo, nascidos em 1915. Páginas 40 e 41
O SÉCULO DE NIEMEYER, O EDITOR Páginas 12, 13 e 14
JUÍZES AGRIDEM A CONSTITUIÇÃO Página 38 e Editorial Totalitarismo em marcha, na página 2
TERTÚLIA NO SUPREMO LEVA O ESSO 2007 CÂMERA INDISCRETA DÁ PRÊMIO A STUCKERT FILHO. CÉSAR TRALLI E EQUIPE GANHAM O E MBRATEL . PÁGINAS 22 E 23
ALDIR BLANC, CRONISTA HÁ 40 ANOS NA ESTRADA O POETA DO HINO DA ANISTIA ESCREVEU PARA TODOS OS JORNAIS DO R IO E O E STADÃO . PÁGINAS 26, 27 E 28
IMPRENSA DO INTERIOR, A GRANDE DESCONHECIDA VOLTADA PARA O INTERESSE LOCAL DO LEITOR, ELA É FORTE NO S UL, MAS SEU PAPEL É SUBESTIMADO. PÁGINAS 3, 4, 5 E 6
I SALÃO NACIONAL DO JORNALISTA ESCRITOR A ABI faz uma festa da inteligência em São Paulo. Páginas 35, 36 e 37
Editorial
Totalitarismo em marcha A ABI TEM ANOTADO COM JUSTIFICADA apreensão e verberado com o vigor necessário a frequência com que o Poder Judiciário vem instituíndo no País, através de despachos ou sentenças de magistrados de primeira instância e despachos de juízes de segundo grau, a ressurreição da censura e especialmente da sua modalidade mais nefasta, a censura prévia, ambas riscadas da vida nacional pela Constituição de 5 de outubro de 1988. Dentre as disposições da Carta Magna enunciadas com lapidar clareza e firmeza de determinação poucas se igualarão à da norma contida no parágrafo 2º do artigo 220 do texto constitucional, que declara objetiva e incisivamente que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". O menos letrado dos cidadãos comuns ou o mais desatento calouro de Direito não terá dúvida em assimilar o conceito e a determinação que esse dispositivo consagra e impõe: a censura é estranha e ofensiva à ordem constitucional vigente no País. Desgraçadamente, não têm entendido assim magistrados com insuficiente conhecimento do texto constitucional, o que é extremamente grave, pois agentes públicos assim tão despreparados não podem ser alçados a encargos socialmente tão
Associação Brasileira de Imprensa
relevantes como os da função judicante, ou com vocação totalitária, o que é gravíssimo. Os responsáveis (responsáveis?) por essas decisões promovem o retorno do País a um passado ominoso, em que foram banidas liberdades essenciais do sistema democrático: a liberdade de imprensa, com os direitos que a integram - o direito de informar, o direito de acesso às fontes de informação, o direito de opinar, o direito de divergir –, a liberdade de expressão, a liberdade de criação artística. Nos casos de imposição de censura prévia, anomalia inconstitucional que a Justiça torna rotineira, os autores de tal aberração não percebem a metamorfose que sofrem, tal como o personagem de Kafka que amanheceu transmudado num inseto: eles deixam de ser operadores do Direito para assumir as feições de pitonisa, que proíbe a cidadania de se manifestar antes mesmo da articulação do pensamento e sua externação sob a forma de textos, imagens e sons. O Poder Judiciário é nestes dias o maior inimigo da liberdade de expressão no Brasil e tem a obrigação, que a vida democrática lhe impõe, de encontrar os mecanismos internos de contenção do perigoso totalitarismo atualmente em marcha sob a sua égide.
Nesta Edição MERCADO • Imprensa do interior, essa desconhecida LEMBRANÇA • Meu encontro com Herzog, por Rubens Nogueira HISTÓRIA • Jaime de Carvalho, o primeiro comunicador do futebol, por Loris Baena MEMÓRIA • Barbosa Lima: É preciso acordar a geração nova para a defesa do Brasil POSSE • Sandroni, nosso sócio, preside a Academia CONDECORAÇÃO • Colar do Mérito para Cabral, o pai REVELAÇÃO • Módulo: A face de jornalista do gênio Niemeyer CENTENÁRIO • “A ABI é um dos pilares da liberdade de expressão” HOMENAGENS • Medalha de Stepan no Rio, Sessão de Arruda no Senado COMEMORAÇÃO • Um centenário a ser festejado: Mário Filho COMENDA • Mérito Trabalhista para a ABI TESTEMUNHO • O desafio de Natal, RN, por Villas-Bôas Corrêa DEPOIMENTO • Adriana Carranca: Nossas instituições estão muito desacreditadas PIONEIRISMO • Bob Nelson - Uma lenda viva do rádio COMPETIÇÃO • Prêmio Esso para a tertúlia no Supremo COMPETIÇÃO • Série liderada por Tralli vence o Embratel DEPOIMENTO • Aldir Blanc: Durante 40 anos escrevi em todos os jornais do Rio ENCONTRO • A ética na pauta fluminense COMEÇO • No ar, a tevê digital COMPARAÇÕES • Jornais de ontem e de hoje, por Carlos Heitor Cony PERSONALIDADES • Líderes no turismo são premiados EVENTO • Uma festa do jornalismo e da literatura LIVROS • João, uma vida em jogo e no papel/Como a imprensa esportiva produz ídolos de massa PREMIAÇÃO • Audálio e Tiago, destaque da APCA DOAÇÃO • Um clássico do cinema no acervo da Biblioteca da ABI HOMENAGEM • Benedicto de Barros agora é rua na terra que amou SEÇÕES Aconteceu na ABI
Cine ABI - O AfroReggae mostrado por Cacá Cine ABI - Cazuza, um arraso de Sandra Werneck Cine ABI - O sonho de Darci, por Vladimir Relembrando os Da Guia, uma dinastia de craques Bola de Ouro para os bambas do esporte Liberdade de imprensa “Alguém tem que segurar os juízes que ignoram a Constituição” A Anatel fecha rádio comunitária em Volta Redonda Direitos humanos 92 anos, e ainda à espera da anistia Vidas Heloneida, a guerreira/Ancelmo evoca seu amigo Julinho Dom Aloísio, um gigante da resistência/Jáder Neves, o fotógrafo de Brasília Baffinha, um ás da irreverência 2
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DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO (2007-2008) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata (in memorian), Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho. Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memorian), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2007-2010) Artur da Távola, Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Salles, Paulo Jerônimo de Sousa, Sérgio Cabral e Terezinha Santos. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos (in memoriam), Edgard Catoira, Francisco Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães. Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2007-2010) Adalberto Diniz, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes.
Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 20.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Maurício Azêdo e Benício Medeiros Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1808, Osasco, SP (11) 3693-8027 As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.
MERCADO
Imprensa do interior, essa desconhecida Vista com desconfiança no Norte e Nordeste, ela é forte no Sul, sobrevive com idealismo em algumas áreas, como o Jornal Pessoal de Lúcio Flávio Pinto, de Belém, e tem experiências bem sucedidas fora das capitais, em cidades de Minas e do Estado do Rio. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
A
pesar dos significativos avanços alcançados no plano editorial, na adoção de novas tecnologias e na distribuição, a imprensa do interior ainda é olhada com desconfiança, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde muitas vezes é acusada de ser pouco profissional, porta-voz de políticos e de Governos regionais. Preconceitos à parte, os jornais do interior são veículos que se encontram muito próximos de suas comunidades de origem e atuam como verdadeiros
fiscais das administrações municipais, o que os leva a lutar, também, contra as barreiras das restrições e ameaças sofridas por seus profissionais. Para o jornalista José Marques de Melo, são veículos que constituem “um território pouco explorado na bibliografia brasileira de jornalismo e uma alternativa para a assimilação dos novos profissionais formados pelas universidades no campo noticioso”. Há poucos mas bons estudos sobre a realidade do exercício do jornalismo no interior do Brasil. E a maioria mostra
que, apesar de todas as dificuldades, os jornais interioranos vêm se destacando pelo seu pioneirismo no segmento da mídia comunitária, principalmente a partir dos anos 90, pautando-se cada vez mais pelo foco nos interesses dos Municípios onde estão. — São jornais em que podemos verificar o movimento popular que ocorre em determinada cidade. Podemos ler o que pensa este ou aquele trabalhador, e não só o que pensam as autoridades. E também verificar pequenas vaidades que dizem muito para o ser humano,
como ver publicada a data de aniversário, o nascimento ou a formatura de um filho, o casamento, a primeira comunhão... — diz Beatriz Dornelles, jornalista, doutora em Comunicação, pesquisadora e professora do Departamento de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Beatriz é autora do livro Jornalismo comunitário em cidades do interior (Ed. Luzzato, 2004) e afirma que do ponto de vista ético os jornais do interior, especialmente os de cidades pequenas, são mais responsáveis que os veículos de Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
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MERCADO IMPRENSA DO INTERIOR, ESSA DESCONHECIDA
massa: — Eles são mais conseqüentes e cuidadosos que os jornais maiores, pois sua credibilidade não pode ser abalada em hipótese alguma, ou o veículo está morto. No interior, não há perdão para uma ofensa pública. O estudo de Beatriz Dornelles se baseia em jornais do Rio Grande do Sul, mas serve como referência do jornalismo interiorano em geral e coincide com o pensamento de outros pesquisadores do tema.
ridades, diz ela: — Prefeito, juiz, delegado, padre, vereador, presidente da associação comercial ou do clube da cidade... Para enfrentar essa gente, só se houver provas irrefutáveis de qualquer tipo de crime ou deslize moral. A filosofia editorial de prestigiar acontecimentos que têm interesse para uma pequena comunidade e são desprezados pela grande imprensa fez surgir no Rio Grande do Sul 32 jornais de bairro, mais de cem jornais especializados e cerca de 400 jornais de Municípios do interior, nos quais a baixa remuneração ainda é um problema para a contratação de jornalistas profissionais. Diz Beatriz que todos os veículos gaúchos interioranos têm a receita fundamentada na venda de anúncios, classificados e assinaturas e, em alguns casos, patrocínio: — A venda em banca é insignificante e a dependência de anúncios governamentais não ultrapassa 20% da receita. A maioria, inclusive, não fatura mais do que 5% com a venda de anúncios para o Poder Público. A quase totalidade da verba publicitária dos Governos federal e estadual pertence mesmo à imprensa metropolitana. Diretor de Redação do NH, citado como exemplo pela especialista, Miguel Schmitz diz que o Autora de uma pesquisa sobre a imprensa interiorana, sucesso alcançado pelo veículo do Beatriz Dornelles concluiu que os pequenos jornais Grupo Editorial Sinos deve-se à insão mais éticos do que os das grandes cidades. teração com os moradores de Novo Hamburgo: — No Sul — explica a professora — a — Desde sua fundação, em março de maioria dos proprietários vê o jornal 1960, o veículo busca interagir com as como um grande negócio. Então, se o comunidades de sua área de abrangênnoticiário local é a maior aspiração dos cia, apoiando ou tomando iniciativas leitores, eles dão ênfase a essa linha edicom o propósito de contribuir para o detorial. Poucos têm coragem de fazer gransenvolvimento e o bem-estar da região. des reformulações, de apostar em algo novo. Preferem garantir o que está dando certo, mas também entenderam que a credibilidade é a principal arma no mercado competitivo, que a qualquer momento pode apresentar uma novidade e abalar as estruturas de sua empresa. Independência e autonomia Ao contrário do que acontece em outras regiões, especialmente Norte e Nordeste, no Rio Grande do Sul, segundo Beatriz, a imprensa interiorana pertence, majoritariamente, a empresários dispostos a apostar no setor de comunicação: — A maior diferença está na independência e autonomia dos jornais. Um grupo muito pequeno ainda pertence a políticos de carreira, o que inviabiliza a prática da liberdade de expressão. Não é possível servir, ao mesmo tempo, aos políticos e à comunidade. Esta, ao contrário daqueles, sempre terá interesse em notícias sobre qualquer desvio na administração pública. Mesmo atuando “perto da comunidade”, interagindo como intérpretes de suas reivindicações, os jornais do interior não entram em atrito com as auto4
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NH, de Novo Hamburgo, conta com 52 jornalistas profissionais, prova de sua vitalidade. Miguel Schmitz, seu Diretor de Redação, aponta a razão do sucesso: desde sua criação, em 1960, o jornal mantém forte vinculação com a população local.
Cléber Silveira (à esquerda), de São Gabriel, RS, sente falta de pessoal diplomado. Antão Sampaio, de Osório, também no RS, diz que lá vereadores e prefeito corruptos não se criam..
Inúmeras ações foram desenvolvidas com esse objetivo, como as campanhas Ler é saber, Cidade em evidência, Cruzada antidrogas, Preservação do Rio dos Sinos e o ABC alfabetizando. O NH tem 52 jornalistas profissionais e circula com o título original de segunda a sexta-feira. Aos domingos, vira ABC Domingo, que engloba também as edições de fim de semana do VS e do Diário de Canoas. Os fatos regionais são o foco destas publicações do Grupo Sinos, mas Miguel lembra que o jornalismo interiorano não deve desprezar as notícias do País e do mundo: — A partir dessa idéia, as empresas criam estruturas capazes de se desenvolver no mercado em que atuam, respeitando os limites de abrangência e desenvolvendo ações criativas que promovam cada vez mais o hábito da leitura do jornal. Sem graduação No meio de tantos avanços, o interior gaúcho enfrenta um problema: a maio-
ria das cidades não tem faculdades de Jornalismo. É o caso de São Gabriel, onde desde 6 de dezembro de 2000 circula o tablóide Cenário de Notícias, com tiragem semanal de 5.500 exemplares. O editor do jornal, Cléber Giovane Silveira da Silva, diz que lá não há exigência de diploma para os profissionais da imprensa: — A cada dia encontro pessoas novas exercendo a função como se fossem jornalistas. Nossa realidade nos limita para contratar gente de fora, então os veículos aproveitam a mão-de-obra local, mesmo não sendo graduada. Trabalham no Cenário Marcelo Ribeiro, formado em Letras, e Ana Rita Foccacia, advogada. Cléber é o único com registro de jornalista na carteira de trabalho: — Não sou graduado, mas trabalho como repórter há mais de dez anos. No jornal, jogo em todas as pontas e ainda corro pra área pra fazer o gol. Isso é comum nos veículos do interior: temos que escrever matérias, tirar fotos, vender
publicidade e assinaturas e até fazer cobrança. É desgastante, mas vale a pena. Se não valesse, em São Gabriel não existiriam oito jornais. É uma pena que poucos tenham profissionais registrados. Em Osório, no litoral Norte gaúcho, circula o Revisão, considerado peculiar em pesquisa sobre jornais do interior, por ter seções dedicadas aos públicos feminino e infantil, hoje modificadas, segundo o editor-chefe Antão Sampaio: — Tínhamos a Página dos Baixinhos, com fotos de aniversariantes da semana, e a Femme, contando a vida das mulheres da cidade. Agora, as fotos saem na página social e temos a coluna Perfil, dedicada às osorienses. A receptividade continua sendo excelente. Há 15 anos o Revisão é líder nas pesquisas de opinião pública, dirigindo-se a esses segmentos da sociedade. Antão diz ainda que o Revisão é um jornal totalmente comunitário, muito atento ao que ocorre na cidade: — Aqui não temos vereadores ladrões, prefeito corrupto, ou voto secreto, porque o jornal está presente a tudo e mostra à comunidade a sua verdadeira cara, elogiando e criticando sempre com objetivo de colaborar para uma sociedade mais justa.
A pobreza cultural, uma limitação do Estado do Rio Contribuir para que os jornais do interior fluminense alcancem o sucesso dos gaúchos é uma das metas da Associação dos Jornais do Interior do Rio de Janeiro–Adjori-RJ, informa o Diretor da entidade João Carlos Rabello: — Este é meu sonho, mas lá há um mercado bem estruturado cultural e economicamente. O Rio Grande do Sul é a experiência de maior sucesso no segmento. Tanto que o Zero Hora, líder no Estado, perde leitores em muitos Municípios, como Novo Hamburgo, onde o NH tem 41 mil assinantes. Supondo que cada família da cidade — de cerca de 240 mil habitantes — tenha quatro pessoas, o veículo está atingindo cerca de 70% da população. No Rio de Janeiro, diz João Carlos, os maiores problemas são culturais e econômicos: — Com base nos dados de escolaridade e renda do IBGE, o interior fluminense é mais pobre cultural e economicamente que o do Rio Grande do Sul. Outro fator relevante: o gaúcho é mais identificado com suas raízes e o jornal
Se a imprensa fluminense tivesse financiamento para se reequipar, poderia criar mais empregos, diz João Carlos Rabelo.
da cidade é patrimônio da população. No nosso Estado isso só acontece nos pólos onde a economia avançou. É o caso de Campos, onde circula o excelente Folha da Manhã. Já Duque de Caxias, na Baixada, apesar dos royalties da Petrobras, não tem diários próprios e virou mercado dos periódicos popu-
lares do Rio, sem identidade específica com a região. Uma das primeiras iniciativas da Adjori-RJ, fundada em 1983, foi trabalhar pela profissionalização dos jornais, organizando seminários e congressos sobre a dinâmica operacional dos veículos. O segundo passo foi propor ao Governo do Estado uma cota de publicidade de 30%, a título de incentivo, para a imprensa interiorana: — Esta foi uma defesa institucional, para que todos os veículos tivessem acesso aos recursos de mídia dos órgãos públicos, com base em critérios técnicos. Como os jornais sem circulação regular não podem fazer parte da Adjori, também não teriam o direito de se beneficiar do repasse da verba publicitária proveniente do possível acordo com o Governo estadual — diz João Carlos. — O interior fluminense tem mais de 200 veículos, dos quais cem são jornais que empregam 10 mil pessoas. Se a imprensa tivesse financiamento para comprar máquinas e equipamentos, cresceria mais e ampliaria a oferta de empregos.
“Sou pobre, mas sou feliz”, diz Lúcio Flávio No Pará, o experiente repórter Lúcio Flávio Pinto diz que o principal problema do jornalismo interiorano é a dependência excessiva da propaganda oficial e que as empresas mais independentes estão sempre sujeitas a tratamento discriminatório: — Poucas conseguem encontrar na iniciativa privada um substituto para a publicidade governamental. A conseqüência é uma constante dificuldade de caixa e salários baixos, obrigando o profissional a buscar outras fontes de renda. O jornalismo pode acabar se tornando um bico, o que afeta a qualidade da informação. Apesar das restrições, ele considera que a imprensa do interior exerce um importante papel, por estar próxima de grandes projetos desenvolvidos longe das capitais: — Como a imprensa da metrópole não se desloca tanto para o interior, como seria sua obrigação, recorre-se a essa pequena alternativa jornalística, que é fonte indispensável de informação. Lúcio Flávio é o fundador, editor, diagramador, repórter e redator do Jornal Pessoal, que circula no Pará desde o final dos anos 80. Sempre com um pé na imprensa convencional e outro na alternativa, trabalhou no Estadão e em Opinião, em Movimento e no Jornal da República, entre outros:
Lúcio Flávio Pinto edita seu Jornal Pessoal há quase 30 anos e não pensa em crescer, para não perder a independência.
— Também idealizei experiências como o Informe Amazônico e o Bandeira 3, em Belém. O Jornal Pessoal, lançado em setembro de 87, foi o resultado do que fiz em 21 anos. Decantei tudo o que aprendi na
definição do projeto: produto de uma só pessoa, que não aceita anúncio, adota métodos industriais de baixo custo (sem fotos ou cores) e é comercializado, sem depender de ninguém, apenas em livrarias e bancas, pontos cada vez menos procurados pelo leitor das faixas A e B, que espera sua publicação chegar em casa. Meu jornal é independente não apenas na retórica, mas de fato. Por isso mesmo, ele assume que a existência do Jornal Pessoal é precária: — Ele só existe porque o leitor quer que ele exista. Quando o leitor não quiser, desaparecerá. Nesse caso, também não ficará preso a nada, porque não tem estrutura administrativa nem qualquer compromisso futuro, como aconteceria se adotasse o sistema de assinaturas. Mas não imaginei que ele ia durar tanto tempo e que sua existência teria uma justificativa básica: publicar o que não circula na grande imprensa. Diz ainda Lúcio Flávio que, em seu Jornal Pessoal, fez uma deliberada opção pela pobreza para poder assumir um compromisso radical com a liberdade, sabendo que o veículo nunca irá crescer: — Não porque não pode, mas porque não quero. Se ele crescer, terei que contratar gente, montar estrutura
— e ele já não poderá mais viver exclusivamente da venda avulsa, precisará de anúncio, e deixará de ser o que é: diferente, único. Hoje, com 42 anos de profissão, sei que só assim posso ser completamente independente, escrevendo e publicando sem qualquer restrição, exceto a minha capacidade. Meu limite é minha competência e nada mais. Sou pobre, mas sou feliz.
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MERCADO IMPRENSA DO INTERIOR, ESSA DESCONHECIDA
“Botija Parda”, inspirada em Glenn Miller A idéia de simbolizar a notícia fresca e o velho pote de barro, que guarda no seu interior a água fresquinha para beber, acompanhou muitos anos João Domingos. Com essa inspiração, em 19 de outubro de 1969 ele criou o Botija Parda, em Araguari, Minas Gerais. O título do jornal é também uma homenagem à música Little Brow Jug, lançada pela Glenn Miller Orchestra, da qual o jornalista mineiro é fã. Com tiragem de 2 mil exemplares, o veículo circula entre assinantes araguarinos residentes no Brasil e no exterior, além de ser vendido em bancas e distribuído nas duas universidades do Município mineiro: — A sinergia do Botija Parda com o leitor é grande. A necessidade de participar da informação ou emitir opinião sobre a notícia cria uma relação muito próxima entre o órgão de comunicação e a comunidade — afirma o editor Cláudio Henrique Levi Domingos. Conta Cláudio Henrique que os editores do Botija Parda geralmente discutem as pautas por telefone ou em encontros informais: — Sempre privilegiamos o noticiário local. Afinal, o leitor conta com inter-
Botija Parda privilegia a vida local, diz o editor Cláudio Henrique, porque para saber do mundo o leitor tem outros veículos
net, televisão e rádio para atender à sua curiosidade em nível nacional. Cabe ao jornal comunitário levar-lhe o pensamento de seus líderes, as ações de seus representantes, os atos dos demais munícipes que mereçam destaque noticiosos e os eventos sociais da cidade. A capa
contempla as notícias significativas do Município ocorridas na semana até o fechamento da edição, sempre com ênfase nas informações políticas. É também nossa preocupação sempre registrar, mas nunca não potencializar ou tratar desprezivelmente atos de violência e ocorrências policiais. O fechamento acontece sempre às quintas-feiras na Redação, onde a diagramação e a impressão são terceirizadas: — Não se encontra mão-de-obra com facilidade — explica Cláudio. — A oferta de estagiários é pequena, pois não há faculdade no Município, o que dificulta o investimento em qualificação e, conseqüentemente, a oferta justa ao mercado de trabalho. Em relação ao mercado publicitário, Cláudio diz que, “a um custo altíssimo, é mais apropriado afirmar que, para sobreviver, toda mídia do interior do País depende de duas realidades: o Poder Público e a religião”. E faz uma queixa: — O Governo de Minas Gerais trata com indiferença os veículos do interior. Não é que deixe de anunciar, mas não paga. O mercado publicitário fora das fronteiras de Araguari simplesmente não existe para o Botija Parda.
Em Friburgo, um diário com 62 anos Ser porta-voz da comunidade é o lema do jornal A Voz da Serra, de Nova Friburgo, diz o Diretor de Redação Laércio Ventura: — A Voz da Serra está sempre engajado em campanhas sociais e assistenciais e na divulgação maciça dos eventos que marcam o cotidiano da cidade. Buscamos sempre fazer que o leitor tenha em cada edição um resumo completo de Friburgo sob a ótica de profissionais e colunistas. Laércio assumiu a Direção em 1973, após a morte do pai, Américo Ventura Filho, que fundou o jornal em 7 de abril de 1945 e o dirigiu durante 28 anos. Para ele, apesar de todas as dificuldades — como ser muitas vezes preterida pelos grandes anunciantes —, a imprensa Laércio Ventura, de A Voz da Serra: o temor hoje não é do interior presta um serviço de da violência, mas da “indústria dos danos morais”. grande valor e qualidade: — Ela cumpre seu papel de pois há poucos veículos em atividade — informar com precisão um grande unientre os impressos, A Voz da Serra é o verso de leitores e clientes, oferecendo único diário. Existem quatro emissoras sempre um registro e uma análise dos de rádio, duas de tv aberta e três de tv fatos de interesse de sua comunidade. por assinatura — mas apenas duas têm Em Nova Friburgo, o mercado é conprodução jornalística: siderado pequeno para os jornalistas, 6
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— O nível salarial é compatível com a realidade da região e segue o piso proposto pelo sindicato da categoria. Como há duas faculdades de Comunicação Social no Município, a oferta de profissionais recém-formados é farta — diz Laércio. Ele afirma ainda que ao longo de 62 anos de circulação ininterrupta A Voz da Serra sempre se pautou pela ética e a imparcialidade: — O jornal também nunca se calou na hora de apurar e denunciar o que está errado. Acreditamos que a crítica, quando é responsável e bem-feita, tem a intenção de alertar os governantes, não de prejudicá-los. Laércio diz que nenhum dos profissionais da Voz da Serra foi alvo de qualquer tipo de violência, mas conta que ultimamente, com a proliferação da chamada “indústria dos danos morais”, o veículo tem sido alvo de alguns processos judiciais: — São pessoas levianas que recorrem ao Judiciário a fim de conseguir indenizações financeiras, alegando ter tido a imagem abalada, por suas identidades terem sido citadas em matérias policiais. Mas o jornal só publica nomes de pessoas comprovadamente envolvidas em ocorrências registradas na delegacia local.
Suzy Monteiro, editora da Folha da Manhã, de Campos: o jornal emprega 50 jornalistas, investe na qualificação do pessoal e paga salários de mercado.
De Campos para 25 cidades Um dos periódicos fluminenses mais tradicionais, a Folha da Manhã, de Campos dos Goytacazes, também é encontrada em outros 25 Municípios, inclusive da Região dos Lagos. Fundado em 8 de janeiro de 1978, tem cerca de 50 jornalistas, fotógrafos e estagiários na Redação e tiragem de 10 mil exemplares nos dias úteis — aos domingos, são 12 mil. No conteúdo, os assuntos locais têm espaço privilegiado, mas o jornal não abre mão dos temas mais gerais, de acordo com a editora-executiva Suzy Monteiro: — A posse do Governador Sérgio Cabral, a Copa do Mundo, a morte do Papa João Paulo II são alguns exemplos de notícias que foram manchetes da Folha, com direito a arte especial na capa. Suzy diz que a Folha da Manhã não encontra dificuldades para contratar mão-de-obra local, pois investe na qualificação dos jornalistas e paga salários de mercado. Sobre a relação do jornal com seus leitores, afirma: — Atendemos aos interesses comunitários; muitas vezes somos a ponte entre a população e as autoridades. Uma grata conseqüência desse modelo são os jornalistas interioranos virarem fontes riquíssimas de pesquisa histórica sobre seus Municípios. Bairrismo, solidariedade e amizade também se destacam nas relações entre jornalistas e leitores no interior, mas Suzy garante que isso não interfere no trabalho: — Qualquer prática jornalística tem que primar pela investigação. Não pode haver diferença.
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LEMBRANÇA
Meu encontro com Herzog Ao ler em outubro passado que O Globo ganhou pela quinta vez o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, o associado Rubens Nogueira lembrou-se do texto que fez em 2003, em Curitiba, acerca do jornalista assassinado nas masmorras do Doi-Codi do II Exército, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975. O título original era simples: Vladimir Herzog. Na data de elaboração do texto, fazia 28 anos, e não 29, da morte de Herzog. POR RUBENS NOGUEIRA
Algumas coisas que eu sei dele. Era uma experiência nova para mim: coordenador de comunicação da Assembléia Mundial Presbiteriana, em São Paulo. Coisa do reverendo e professor de Direito Benjamin de Morais, pastor da Igreja Presbiteriana de Copacabana. Foi ele quem me indicou. O evento atraiu gente de todas as partes do mundo e do Brasil inteiro. Era o mês de julho de 1952. O local, o parque do Ibirapuera. Quem predominava em número de delegados era a Igreja dos Estados Unidos, a qual também financiava o Congresso. Entre os conferencistas estavam teólogos de renome, como John Mackay. Porém, a grande estrela, o que mais atraía a curiosidade dos congressistas e da imprensa, era um tcheco-eslovaco chamado Hromadka. Ele representava a comu-
nidade cristã que vivia sob o domínio soviético, atrás da Cortina de Ferro. A presença de Hromadka chamou a atenção até da Time Magazine pelo seu correspondente no Rio, Mr. Johnson, o qual muitos anos depois reencontrei, interessado no projeto Itaipu. Mas quero falar do jovem repórter Vladimir Herzog. Hoje, dia 25 de outubro, faz 29 anos que ele apareceu morto, enforcado, em uma cela da polícia em São Paulo. Deu o que falar. Apressou a demissão do General Ednardo, decidida pelo Presidente Geisel. Nos últimos dias o assunto tem ocupado muito o noticiário. E fez-me recordar os quatro ou cinco dias de convivência com o jornalista Vladimir Herzog. Era ainda bem jovem, simpático, dedicado, atencioso e muito culto. Nós conversávamos diariamente, por volta das 11 da manhã, enquanto esperávamos os ilustres conferencistas da Assembléia
“Vladimir Herzog era dedicado, atencioso e muito culto”, lembra Rubens Nogueira.
Mundial Presbiteriana, os quais eram orientados por mim, porta-voz do evento organizador das coletivas. Eu me lembro de que consegui um encontro exclusivo de Herzog com o teólogo Hromadka. E apreciei muito as perguntas dele em bom inglês. Aprendi, na ocasião, a palavra “starving” referente às populações famintas. Os textos de Vladimir Herzog saiam
com destaque na primeira página do jornal O Estado de S. Paulo. Com ele trabalhava uma moça de sobrenome Pacheco Chaves – nome de importância na elite paulista. Ela fazia o noticiário geral. Era gordinha e simpática. Herzog assinava as entrevistas. Gostei demais da convivência com ele. Guardo boas recordações do seu profissionalismo e calor humano. O seu fim, cruel, injusto, desumano.
HISTÓRIA
Jaime de Carvalho, o primeiro comunicador do futebol Criador da Charanga do Flamengo, ele foi o pioneiro na comunicação entre os times e suas torcidas. POR LORIS BAENA CUNHA
Jaime de Carvalho foi o primeiro dos chefes de torcidas dos clubes brasileiros. Nascido em Salvador, na Bahia, em 9 de setembro de 1909, veio para o Rio em 1927, aos 18 anos e já torcedor do Flamengo devido à semelhança das cores rubro-negras do Vitória, clube pelo qual torcia em Salvador. Sócio contribuinte desde 1936 e proprietário a partir de 1947, Jaime foi também um notável remador flamenguista. Foi o criador da frase Avante Flamengo que nunca mais desde a sua criação deixou de ser exibida pelos torcedores rubro-negros nos estádios onde o Flamengo se exibe.
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Nos dias dos grandes clássicos chegava ao estádio às 11 horas da manhã sem pelo menos ter almoçado, levando bandeiras, faixas, cartazes e sirenes aguardando os componentes do seu conjunto musical, a que deu a denominação de Charanga Rubro-Negra, a qual fazia enorme sucesso. Dizia Jaime de Carvalho que Ari Barroso não gostava da Charanga somente quando ela tocava o hino do clube, porque saía muito desafinado. Cerca de vinte e cinco pessoas tocavam trombones, pistons, clarinetes, taróis e tamborins, fazendo uma grandiosa festa nos estádios. A estréia da Charanga aconteceu dia 11 de outubro de 1942, no estádio das Laranjeiras, num FlaxFlu que terminou em 1x1. Momentos antes de o jogo começar, Jaime de Carvalho, juntamente com a sua esposa, dona Laura, entrou no gramado exibindo um enor-
me faixa rubro-negra com os dizeres: Avante Flamengo. As vaias tricolores foram ensurdecedoras, mas imediatamente abafadas pela Charanga que Jaime acabara de criar. Em 1943 num jogo entre Flamengo e São Cristóvão, no estádio do Fluminense, quando o Rubro-Negro vencia por 4x1, o goleiro do São Cristóvão, não suportando mais o barulho da Charanga, dirigiu-se ao Juiz. Este parou a partida e chamou a Polícia, que nada pôde fazer contra a Charanga, porém o jogo foi suspenso. Julgado o recurso do São Cristóvão, a então Federação Metropolitana de Futebol, presidida por Vargas Neto, reconheceu a vitória do Flamengo e argumentou que era impossível e ilegal evitar o toque da Charanga. Em 1945, na Gávea, o Vasco da Gama vencia o Flamengo por 2x0, a Charanga aumentou o barulho e o Rubro-Negro reagiu empatando a partida. Aí co-
meçou uma enorme briga, com tijoladas e cadeiradas, e o juiz foi forçado a suspender a partida, a qual foi concluída dias após no estádio do Fluminense. Era assim a Charanga, sempre vibrante a enervar os adversários. Porém Jaime de Carvalho era amigo de todos os chefes de torcidas que iam aparecendo e dos próprios presidentes dos clubes co-irmãos. Por isso recebeu do Vasco da Gama o título de Chefe dos Chefes-de-Torcidas conferido pelo respeito ao seu trabalho. Em 1965, quando o Flamengo levantou o título de campeão carioca, o Presidente Fadel deu a Jaime de Carvalho a sua faixa de campeão, em reconhecimento ao trabalho que sempre teve de incentivo à equipe, através da sua imortal e tradicional Charanga. Loris Baena Cunha, jornalista, escritor e historiador do esporte, é sócio da ABI.
MEMÓRIA
Barbosa Lima: É preciso acordar a geração nova para a defesa do Brasil Uma exortação feita pelo Presidente da ABI à gente jovem numa entrevista a um jornal universitário.
Ao encaminhar a sua proposta de filiação à ABI, em outubro de 2006, o jor nalista mineiro Rogério F aria T avares teve jornalista Faria Tavares a lembrança de enviar à Casa o texto e a reprodução de uma entrevista que fez ainda jovem com Barbosa Lima Sobrinho, que o recebeu com carinho em sua casa na Rua Assunção, em Botafogo. A reportagem foi publicada na edição de setembro nal-laboratório da F aculdade de 1995 do periódico Marco Marco,, jor jornal-laboratório Faculdade de Comunicação da P ontifícia Universidade Católica de MiPontifícia nas Gerais, na qual Rogério F aria se for mou naquele ano, Faria formou quando tinha 24 anos. Rogério, que se bacharelara em Direito dois anos antes na Universidade F ederal de Minas Gerais, Federal atualmente faz doutorado nessa especialização na Espanha.
1919. Redator do JB a partir de 1921. Presidente da Associação Brasileira de Imprensa em 1926, aos 30 anos de idade. Deputado federal em 1935 e em 1946, governador de Pernambuco entre 1946 e 1951. Membro da Academia Brasileira de Letras. Nome-chave na luta pela democracia no País. O mais antigo jornalista em atividade no Brasil. “Vamos sentar. Fiquem à vontade”. Barbosa Lima Sobrinho recebe o Marco para uma entrevista histórica, onde fala da política, da história, da vida.
A Rua Assunção, em Botafogo, na Cidade do Rio de Janeiro, é arborizada e pacata. Há oficinas mecânicas, um bar na esquina, casas antigas. No número 217 existe uma construção de 1953, de dois andares, muro alto. Lá reside, há exatos 42 anos, o jornalista Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho. Quem atendeu primeiro à reportagem do Marco, em uma bonita manhã de sábado, foi o pastor alemão Dick, de 12 anos, com latidos. O empregado Raimundo levou os repórteres até à sala, para a mais emocionada espera da curta carreira do repórter e da repórter-fotográfica. O Marco levou mais de três meses para chegar até ali. Toda segunda-feira, Dona Eurídice, secretária de Barbosa Lima Sobrinho na ABI,
Marco – O Senhor chegou ao Rio em 21? Barbosa Lima – Cheguei em 21 e fui incluído na redação do Jornal do Brasil. Eu tinha amizade lá em Pernambuco com os homens do jornal. E aqui comecei, porque a minha idéia era fazer um concurso para professor na Faculdade de Direito em Recife. Mas eles tinham dado a cadeira sem concurso a um outro pretendente. Eu escrevi um artigo mostrando que esse pretendente não tinha as qualidades exigidas pela lei, mas isso não valeu e eu tive que vir para o jornalismo como recur-
POR ROGÉRIO F ARIA
recebia um telefonema do jornal. Marcada a data, viagem ao Rio já preparada, a reportagem recebe uma ligação de Dona Eurídice, um dia antes de embarcar para a capital fluminense: “O Doutor Barbosa não vai poder recebê-los neste fim de semana. Ele teve que ir a Petrópolis”, Novas negociações. A secretária pede um tempo e promete convencer o jornalista a voltar da casa de campo mais cedo. O telefone toca novamente. É Dona Eurídice: “Podem vir. Ele vai recebê-los na casa dele.” A sala de visitas de Barbosa Lima Sobrinho abriga vasta biblioteca. Uma das estantes contém somente obras do autor. Sobre a mesinha do centro, o livro Chatô – O Rei do Brasil, de Fernando Moraes. Sobre o volume, uma lupa para leitura.
Raimundo traz o café. A reportagem passeia pela sala e vê fotos da família. É fácil reconhecer a figura de Fernando Barbosa Lima, homem de televisão, filho do entrevistado. Passos vêm da escada. Nascido em Recife, em 1897. Formado em Direito, em 1917. Jornalista militante em Pernambuco a partir de
A COMISSÃO EXECUTIVA Formada por associados e diretores, a Comissão Executiva do Centenário tem a seguinte composição: Alberto Dines, Ancelmo Góis, Artur da Távola, Audálio Dantas, Aziz Ahmed, Benício Medeiros, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Estanislau Oliveira, Fernando Barbosa Lima, Francisco Paula Freitas, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, Marcelo Tognozzi, Maria Inês Duque Estrada Bastos, Mário Barata (in memoriam), Marlene da Silva, Milton Coelho, Miro Teixeira, Paulo Jerônimo de Souza, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Sérgio Cabral, Silvestre Gorgulho, Tarcísio Holanda e Terezinha Santos, sob a presidência de Maurício Azêdo. Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
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so para um homem que tinha se destinado a ser professor de uma faculdade superior. Marco – Em 1924, o Senhor já era redator-chefe do JB? Barbosa – Sim. No tempo em que a direção do jornal cabia a Aníbal Freire, que foi ministro de Artur Bernardes, depois foi ministro do Supremo Tribunal Federal. Era uma grande figura. Marco – Uma questão que é sempre muito importante: como é que o jornalista deve se relacionar com o poder? Como é que tem sido esse relacionamento do jor nalista com o po jornalista po-der no Brasil? Barbosa – Nós, no Jornal do Brasil, observávamos uma absoluta independência do jornalista. O jornalista acompanhava o poder para trazer as notícias para o jornal, mas não devia ter nenhuma dependência do Governo nem das pessoas que estavam nas posições de Governo. ara os jor Marco – P Para jornalistas nalistas é po-difícil resistir ao poder? O po der atrai os jornalistas? Barbosa – Daí é que surge a necessidade de o jornalista resistir mais ao poder. Eu me recordo de que, no JB, fui redator da Câmara dos Deputados. Tinha relacionamento com todos os deputados, mas nunca admiti nenhuma subordinação do jornalista a nenhum deputado e a nenhum partido político. Aliás, os partidos políticos nem existiam naquela hora. Marco – E hoje, como é que o Senhor vê a imprensa? Ela está cumprindo o seu papel? Barbosa – O jornalismo depende também de outras forças, de outros elementos. À margem dos jornalismo, vão-se formando os grupos de influência, que acabam dominando. Eu posso falar com certa independência, porque escrevo no JB dos domingos desde 1927, e nunca sen-
ti nenhuma restrição aos meus artigos. Embora muitas vezes o jornal estivesse em campo oposto, porque seus interesses exigiam que ele se colocasse com as forças dominantes que lhe asseguravam a sobrevivência. É preciso também compreender que não era uma questão de vontade, de desejo, era uma contingência. Os jornais dependem de recursos econômicos que o sustentem. Marco – Hoje muitos falam na necessidade de democratizar os meios de comunicação, de estabelecer regras que impeçam os monopólios. O que o senhor pensa disso? Barbosa – Eu acho que é uma campanha útil. Mas é uma campanha que não tem possibilidade de êxito, por força dessas contingências que acabo de enumerar. Agora, há países em que o jornalismo se desenvolve de uma tal maneira que,
Marco – O senhor foi o signatá rio número 1 do pedido de imtário peachment de F er nando Collor Fer ernando Collor.. Como foi aquele momento para o Senhor? Barbosa – O Ulisses Guimarães esteve aqui, acompanhado de alguns amigos. Quando ele me convidou para ser o autor do requerimento, já oito partidos políticos em São Paulo tinham concordado em que eu fosse convidado. Mas eu pertencia à Associação Brasileira de Imprensa e, de certa maneira, eu não poderia agir sem o conhecimento e sem a adesão
aluguel do quarto. Depois meu pai tinha adoecido em Pernambuco e eu já estava em melhores condições no jornalismo. Tive que alugar uma casa para a instalação do meu pai e da família. Nessa ocasião, eu me tornei chefe de família. Somente quando ela estava em melhores condições é que eu pensei em me casar. E aí eu fui para Cambuquira e me apaixonei pela minha esposa. Foi em Cambuquira que nós nos relacionamos. Dois anos depois chegamos ao noivado e ao casamento. Somos casados desde 1931. Já temos 63 anos de casamento. Marco – É verdade que o senhor fez a sua primeira comunhão aos 95 anos de idade? Barbosa – Nunca fiz questão de dizer que sou ateu ou contra a religião. Acho que a religião sempre foi um movimento de grande utilidade e coesão da sociedade. De modo que eu não poderia ser contra a religião católica. Fui amigo de diversos bispos de Pernambuco e, de certa maneira, só não fiz a primeira comunhão porque no Colégio tinha tido uma fratura no braço, o que evitou que eu pudesse comparecer à solenidade da primeira comunhão. Isso foi se passando. Minha senhora é profundamente religiosa e eu acho que a unidade dentro da religião consolida a família. E por amor à minha senhora e por não ter nada contra a religião é que eu vim a fazer a primeira comunhão já aos 95.
“A liberdade de imprensa passa a existir pela multiplicidade de pronunciamentos e de forças políticas que atuam num determinado meio social.” quando há grandes partidos influentes, ele reflete a opinião desses partidos. A imprensa inglesa, por exemplo, está dividida, porque tanto se manifesta o Partido Conservador quanto o Trabalhista. A liberdade de imprensa passa a existir pela multiplicidade de pronunciamentos e de forças políticas que atuam num determinado meio social.
e a concordância dessa organização. De modo que eu respondi a Ulisses que eu ia falar com o Conselho Administrativo da ABI. Eu tive praticamente a unanimidade do Conselho, e, por isso, pude ir a Brasília, com o Presidente da Ordem dos Advogados, meu amigo Marcelo Lavénère, para requerer o impeachment do Presidente.
Marco – O quadro brasileiro hoje inclui a fome e a miséria. Como enfrentar essa realidade? Barbosa – Eu pertenço a uma corrente nacionalista. Faço questão de acentuar essa atitude. Os países que não cultivam o nacionalismo não têm grande futuro porque passam a ser grandes colônias. Como é o Brasil ainda hoje. Luta para ver se deixa de ser colônia. Em 1822, ficamos independentes em relação a Portugal, mas passamos a ser, daí por diante, colônia da Inglaterra e hoje colônia dos Estados Unidos, enquanto não chega a vez do Japão.
Marco – A agenda política do momento destaca a reforma constitucional. O que o Senhor pensa sobre ela? Barbosa – Eu acho que há alguns artigos da Constituição que podem merecer reparos, sobretudo na questão tributária. Agora, na questão das liberdades públicas, aí eu sou inteiramente contrário. Eu acho que onde a Constituinte avançou em assegurar o direito da sociedade em geral não se deve fazer revisão nenhuma. Afinal de contas, esta é uma Constituição de alto espírito democrático.
Marco – O Senhor teve papel de destaque em vários momentos da História do Brasil. Em 1974, o Senhor foi o anticandidato a V ice-P residente da ReVice-P ice-Presidente pública, ao lado de Ulisses Guimarães. Barbosa – Eu, daí por diante, 10 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
percorri o País com Ulisses, Nélson Carneiro e outros. Naturalmente com uma mensagem sobretudo de contestação. Naquele momento em que tudo estava fechado, ninguém falava contra o Governo, era preciso estabelecer a contestação. Democracia sem contestação não é democracia. É ditadura.
Marco – Como era o Rio quando o Senhor chegou e como é hoje? Barbosa – Eu comecei aqui no Rio morando na Rua Senador Dantas, dividindo um quarto com um companheiro, Josias Carneiro Dantas. Nós tínhamos um orçamento que só permitia gastar metade do
Marco – Como é que o senhor vê os jovens de hoje? Barbosa – Eu tenho a impressão de que não estão tão interessados pelos problemas reais do Brasil. E precisam se interessar. É preciso acordar a geração nova para que eles verifiquem que depende deles a conquista do território brasileiro. Não depende de nós outros que já estamos no fim da vida. Depende deles, que estão no início da vida, defender os ideais brasileiros, firmar aqui uma grande nação. Porque o Brasil tem este destino: ser uma grande nação. E é preciso cada vez mais confiar nos brasileiros. Só os brasileiros poderão fazer daqui uma grande nação. * A repórter-fotográfica era Ana Cristina França, que fotografou Barbosa Lima Sobrinho em sua poltrona individual, junto a uma das muitas estantes de sua casa. Barbosa estava com amplo blusão de listras verticais, calça branca e tênis tipo Kédi.
POSSE
Sandroni, nosso sócio, preside a Academia Ex-diretor e conselheiro da ABI, ele foi consagrado com uma votação histórica: todos os 40 imortais sufragaram seu nome, fato raro na Casa de Machado de Assis. POR I GOR WALTZ
Desde 13 de dezembro a Casa de Machado de Assis tem um novo Presidente: o escritor e jornalista Cícero Sandroni, eleito por unanimidade em histórica votação, tomou posse como o 42º Presidente da Academia Brasileira de Letras. Sandroni é sócio da ABI, da qual foi diretor e membro do Conselho Deliberativo, e teve destacada atuação como colaborador de Barbosa Lima Sobrinho como Presidente da Casa. O salão nobre do Petit Trianon ficou lotado para a cerimônia, que contou com a presença de artistas; do cônsul italiano, Massimo Bellelli; e do Presidente da ABI, Mauricio Azêdo. Na cerimonia foi também empossada a nova Diretoria, composta por Ivan Junqueira, Secretário-Geral, Alberto da Costa e Silva, Primeiro-Secretário, Nélson Pereira dos Santos, Segundo-Secretário, e Evanildo Bechara, Tesoureiro. A solenidade teve início com a leitura, feita pelo Segundo-Secretário Domício Proença Filho, do relatório do período em que Marcos Vinicius Vilaça esteve à frente da Casa. Domício ressaltou a empenho de Vilaça em modernizar a Academia e aproximá-la da sociedade: — Durante a Presidência de Marcos Vilaça, tivemos a consolidação de prioridades estratégicas, como a organização da base de dados da nossa biblioteca; e tornamo-nos o principal colaborador da Revista de História, da Biblioteca Nacional. O serviço online ABL Responde, sobre questões relacionadas à língua portuguesa como gramática, or-
CONDECORAÇÃO
Colar do Mérito para Cabral, o pai Agraciado com o Colar do Mérito Victor Nunes Leal, o jornalista Sérgio Cabral, membro do Conselho Deliberativo da ABI, foi o protagonista do momento de maior emoção da cerimônia de entrega da comenda, no dia 5 de novembro, no Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro. Cabral foi um dos sete homenageados e deveria receber o Colar das mãos do seu filho, Governador Sérgio Cabral, que se atrasou para a sessão e teve tempo apenas de
tografia e sintaxe, recebeu mais de 15 mil consultas. Mais de 70 mil livros foram doados a escolas e comunidades carentes de Belo Horizonte, Rio, São Paulo e Teresina, além de 2 mil ao metrô do Rio e de São Paulo. Foi criado o Centro de Tecnologia e Informação, que mantém atualizado o site da ABL e o hotsite comemorativo dos cem anos da morte de Machado de Assis. A Academia se abriu à modernização sem prejudicar a sua tradição e buscando assim maior visibilidade junto à sociedade brasileira. Domício Proença relembrou também os eventos e acontecimentos realizados pela ABL, tais Sandroni pronuncia seu discurso de posse diante de uma assistência que superlotou a Academia. como a publicação e o lançamento de livros próprios e em conjunto com editoras e associações literárias de modernizar a Academia. ção de livros de bibliotecas instaladas outros países, a reforma do Teatro e da — A ABL vem passando por um proem metrôs de todo o mundo. Sala José de Alencar, que passou a ser cesso de modernização, do qual a interEm seu discurso de posse, Cícero Santambém uma moderna sala de projeção, net é o símbolo. Devemos rejeitar o droni relembrou os feitos de antigos pree a realização de concertos de música clásmodelo de confidencialidade, e abraçar sidentes da Academia, desde a sua fundasica, de exposições e do seminário Brasil, a sociedade, aproximar dela a instituição por Machado de Assis. Em um discurbrasis, que discutiu a cultura e a sociedação. Como uma vez disse Machado de so bem-humorado, elogiou a administrade brasileiras. Lembrou também da hoAssis, a utilidade é um valor que se conção de Vilaça, relembrando o período em menagem prestada pela Mangueira aos fere à Academia. Não se pode ficar conque ocupou o cargo de Secretário-Geral: acadêmicos, que participaram do desfile templando ações paralisantes. — Imaginação e empenho são marca das escolas de samba em um carro proVilaça elogiou Cícero Sandroni, afirregistrada dos dois anos de Vilaça à frenduzido especialmente para eles. mando que se trata de um amigo leal de te da Casa, em defesa da língua e da liteEm seu discurso de despedida, Marcos todas as horas e que a ABL está em boas ratura nacional, através da internet, de Vilaça destacou a alegria do período em mãos. Também houve espaço para agraviagens e de colóquios internacionais. E que esteve na Presidência e disse, alegandecimentos ao povo do Rio de Janeiro: também por fornecer acesso gratuito às do esquecer qualquer problema que tenha — A biblioteca do metrô da cidade fontes de nosso idioma. Foi um período ocorrido. Emocionado, homenageou sua tem sido um enorme sucesso e também de grande trabalho e, graças ao Vilaça, o esposa e os netos, que compareceram à ceum grande orgulho, pois o Rio de Janeicelular quase se transformou num colerimônia, e declarou seu compromisso de ro tem o menor índice de não-devoluga de trabalho — brincou Sandroni.
abraçar e beijar o pai, segundos depois de ele ter recebido o colar das mãos da mulher, a museóloga Magali de Oliveira Cabral. A homenagem a Sérgio Cabral emocionou a platéia, especialmente no momento em que foi lembrada a trajetória do ex-Conselheiro do TCM, que encarna “a mais perfeita tradução do espírito carioca”, segundo perfil lido pela mestre-de-cerimônias Ana Paula Araújo, presente nas obras que ele escreveu sobre personagens históricos da MPB. Além de Sérgio Cabral, receberam o Colar do Mérito Victor Nunes Leal a Desembargadora Letícia Sardas; o Governador de Sergipe, Marcelo Déda — representado pela mulher, Eliane Aquino, por estar em viagem oficial à Alemanha; o Senador Marco Maciel; Marcos Vinícios Rodrigues Vilaça, Presidente da Academia Brasileira de Letras; Luiz Fux, Ministro do Superior Tribunal de Justiça; e Marco Aurélio de Mello, Ministro do Supremo Tribunal Fe-
deral e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que falou em nome dos homenageados e fez veemente reprovação à falta de ética na vida pública e aos escândalos que têm dominado o noticiário. A mesa, presidida pelo Conselheiro Thiers Montebello, Presidente do TCM-RJ, foi composta pelo Prefeito em exercício do Rio, Vereador Aloísio de Freitas; o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Desembargador José Murta Ribeiro; a Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Desembargadora Doris de Castro Neves; o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, Desembargador Roberto Wider; e o ProcuradorGeral de Justiça do Estado, Marfan Martins Vieira. Compareceram ao ato todos os Conselheiros do TCM — Jair Luiz Neto, Fernando Bueno Guimarães, Antônio Carlos Flores de Moraes, Nestor Rocha, José de Moraes e Ivan Moreira —, bem
como o Procurador-Chefe do órgão, Carlos Henrique Amorim Costa. Entre os convidados estavam o ex-Governador Marcello Alencar; o Presidente da ABI, Maurício Azêdo; o Presidente de Honra da Fifa, João Havelange; os exPresidentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Miguel Pachá e Sérgio Cavalieri Filho; o representante do Tribunal de Contas da União, Ministro Ubiratan Aguiar; os ex-Ministros Célio Borja, do STF, e Luciano Alves de Souza, do TCU, além de desembargadores, juízes, deputados estaduais e federais e vereadores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Ao chamá-los, em ordem alfabética, para receber a comenda, a mestre-decerimônia, jornalista Ana Paula Araújo, procedeu à leitura de um perfil dos agraciados — Letícia Sardas, Luiz Fux, Marcelo Déda, Marco Aurélio de Mello, Marco Maciel, Marcos Vilaça e Sérgio Cabral —, redigido pela colega Lígia Caputo.
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REVELAÇÃO
MÓDULO
A face de jornalista do gênio Niemeyer Menos de dois anos após ingressar na ABI, ele criou uma revista de arquitetura voltada também para as questões culturais e a manteve por mais de 30 anos. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
P
residente de Honra da Comissão do Centenário da ABI, Oscar Niemeyer comemorou 100 anos de vida no dia 15 de dezembro, mais de metade deles vinculados à Casa, na qual ingressou em 30 de julho de 1953. Quase dois anos depois, em março de 1955, ele lançou a revista Módulo, especializada em arquitetura, urbanismo e cultura de modo geral. Nas palavras do próprio Oscar Niemeyer, “Módulo era uma revista de arte, cultura e luta política”. Em 1965, por determinação de agentes da ditadura militar instalada no País com o golpe de 1° de abril do ano anterior, a publicação foi interrompida. A Redação foi invadida e quebrada e vários exemplares da revista foram apreendidos — só voltou a ser editada em 1975e ficou em circulação até 89. Módulo foi uma das mais importantes revistas de arquitetura do País na década de 50, com espaço para os principais eventos do setor — como, no nº 9, o concurso do plano piloto de Brasília, com cópia do edital e da ata de julgamento. No fim dos anos 70, apresentou novo projeto gráfico — que vigorou a partir do nº 54, de julho de 1979. Os responsáveis pela reformulação foram o Conselheiro da ABI Chico de Paula Freitas — responsável pela Coordenação de Publicidade e Marketing da Casa — e o publicitário Celso Japiassu. O jornalista e publicitário Chico de Paula Freitas conta que, na época, a publicação passava por um processo dramático e que deu algum trabalho convencer Niemeyer a trocar o antigo formato quadrado da revista pelo padrão americano (21cm x 28cm):
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— A revista era o seu xodó, tinha sido concebida por ele. Mas não demorou muito para ele aceitar, mostrando que é um homem de diálogo, que queria abrir a revista para a cultura em geral. Niemeyer é uma pessoa talentosa e de trato agradável, que demonstrou ter profundo interesse por sua criação, como, aliás, em tudo na vida dele. Quando recebeu o convite para colaborar com a reformulação da Módulo, Paula Freitas era Diretor da Editora Três: — Aceitei de imediato o chamado da Maria Luiza Lontra, que colaborava com Niemeyer na revista. Módulo carecia de publicidade e precisava se atualizar. Mas tínhamos um problema: ninguém em publicidade ia querer fazer um fotolito especial naquele modelo quadrado, porque era muito caro. Por isso começamos pela recomendação de mudança do formato. Aceita a sugestão, ele e Celso Japiassu passaram à materialização do projeto. O primeiro número da nova edição foi precedido de uma grande promoção, conta Paula Freitas: — O Niemeyer fez uma festa na
Casa das Canoas para a nata da publicidade do Rio e de São Paulo. A reunião serviu para mostrar o resultado das reformas. Lembro que a capa mostrava Brasília. Ficamos satisfeitos porque houve uma resposta muito favorável dos anunciantes, sem contar o apoio editorial de gente de peso como o Ziraldo. A revista ganhou também a colaboração de Nelson Werneck Sodré, João Saldanha, Ferreira Gullar, José Guilherme Mendes, Roberto Pontual, Roland Corbisier, Ubirajara Giglioli e Ruy Ohtake. Diz Celso Japiassu que Módulo foi considerada uma publicação avançada para a época em que foi lançada e expressava bem o espírito empreendedor de Oscar Niemeyer: — Ele editorava, editava, fazia de tudo na revista, que ainda bancava. É um ar-
tista participante, engajado, um criador integrado à sua época que nunca se fechou e não é de ficar vendo o tempo passar. Tanto que está aí, vivíssimo e atuante. Num dado momento, sentiu a necessidade de fazer uma publicação mais aberta, atrativa para os anunciantes. Com seus colaboradores, pediu nossa ajuda e, depois disso, a revista sobreviveu por algum tempo, sem que Niemeyer precisasse botar dinheiro do próprio bolso. Módulo era uma publicação segmentada, dirigida a um público especialmente interessado em arte e arquitetura. Com Paula Freitas, Japiassu buscou apoio para que ela se auto-sustentasse, sem deixar de lado a proposta de ser um grande empreendimento artístico e cultural. Mesmo de cara nova, a revista manteve sua tradição de veículo antenado com as principais questões nacionais, além de promover a arquitetura, em especial a brasileira. Dez anos depois de ter se recuperado das arbitrariedades sofridas com a ditadura, Módulo voltou a circular e se manteve fiel na defesa da democracia e da liberdade de expressão. A crítica ao regime chegou a ser feita num editorial, dizendo que o golpe militar caracterizou-se no âmbito da História do Brasil como uma feroz campanha contra as conquistas políticas, sociais e econômicas do País: “No quadro econômico, assistiu-se ao assalto do capital estrangeiro à indústria nacional e à exploração indiscriminada de nossas riquezas minerais; no quadro político, preponderou a violenta ofensiva contra o patrimônio das nossas instituições”, diz o texto.
Foto de Fernanda Mayrink para o filme Oscar Niemeyer, a vida é um sopro
“Você tornou a vida mais digna de ser vivida” Palavras da ABI a Niemeyer, ao saudá-lo por seus 100 anos. A ABI dirigiu mensagem a Niemeyer expressando contentamento pela passagem de seu centésimo aniversário. A ABI manifestou a Niemeyer “sua admiração pela retidão de seu comportamento, por sua fidelidade às idéias que o animam desde moço, pelo exemplo de amor ao trabalho, pela criatividade inesgotável e pela incomparável produção arquitetônica e artística com que se impôs ao respeito dos seus contemporâneos”. “Obrigado – diz a mensagem – por tudo o que Você fez para tornar a vida mais digna de ser vivida.”
A saudação da Casa foi esta: “Caríssimo Oscar, É com grande contentamento que a ABI lhe dirige esta mensagem de cumprimentos pela passagem do seu centésimo aniversário, motivo de júbilo para quantos, como nós, acompanham a sua fecunda trajetória de arquiteto, escritor, intelectual e cidadão devotado à causa da dignidade da pessoa humana no Brasil e no mundo. A ABI orgulha-se de poder proclamar que por mais de metade destes seus profícuos 100 anos Você está vinculado a esta Casa do Jornalista, na
qual ingressou em julho de 1953 a convite do nosso inesquecível patriarca Herbert Moses. Você dirigia então a revista Módulo, dedicada à arquitetura e temas culturais, na qual colaboraram, atraídos por sua liderança, destacados arquitetos, jornalistas, escritores, poetas e personalidades de diferentes segmentos da vida nacional, empenhados, como Você, na busca do progresso material e espiritual do País. Ao saudá-lo neste momento especial, em nome de todo o nosso quadro social, a ABI expressa-lhe, além de votos de saúde e felicidade pessoal, sua
admiração pela retidão de seu comportamento, por sua fidelidade às idéias que o animam desde moço, pelo exemplo de amor ao trabalho, pela inesgotável criatividade e pela incomparável produção arquitetônica e artística com que Você se impôs ao respeito dos seus contemporâneos. Obrigado por tudo o que Você fez para tornar a vida mais digna de ser vivida. Estes seus 100 anos são para nós da ABI uma fonte de inexcedível alegria. Peço-lhe que aceite o nosso abraço afetuoso. Carinhosamente (a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”
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FERNANDA MAYRINK
ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL
Niemeyer maduro diante de uma de suas prodigiosas criações, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói; jovem (à direita), a caminho da apresentação de um projeto. Abaixo, à esquerda, com JK, Israel Pinheiro e Lúcio Costa, expondo seus projetos para Brasília, entre os quais o da belíssima Catedral.
CHARLOTTE BALAVOINE
ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL
VALTER CAMPANATO/ABR
A imponente sede do Partido Comunista Francês, outra criação fantástica de Niemeyer: sob a abóbada, um auditório de dar inveja à burguesia.
Na crítica à política econômica, o editorial se refere à “farsa do milagre econômico do Governo Médici” e à Lei Antigreve, que classifica como “o cerceamento das justas reivindicações das classes assalariadas”. O texto destaca que a camisa-de-força começou a ser rompida em 1978, por pressão dos trabalhadores. Cita também a repressão que se abateu sobre os sindicatos, com a prisão, a tortura e até o banimento de muitos de seus líderes, e o papel que o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo exerceu na oposição ao peleguismo nessas entidades e na luta por direitos trabalhistas legítimos. 14 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
O movimento teve início em maio de 1979. No mês seguinte, a resposta dos patrões foi dada com a costumeira brutalidade, que mereceu o seguinte comentário da revista: “A partir desse momento desencadeou-se uma das mais ferozes repressões da história do jornalismo brasileiro: foram ultimadas cerca de 154 demissões de repórteres, redatores, fotógrafos, diagramadores e pessoal de rádio e televisão. Foi um massacre, em número, gênero e grau.” O editorial termina expressando solidariedade ao movimento grevista e exaltando sua capacidade de promover
uma leitura crítica, que viria a transformar “o terrível epílogo desta campanha salarial no conseqüente prelúdio de grandes vitórias”. Outro papel significativo que a revista cumpriu foi o de defender a emancipação da cultura nacional. No fim dos anos 80, Módulo promoveu um encontro com Celso Amorim, então DiretorGeral da Embrafilme, para debater o papel do Estado no incentivo à produção artística. A reunião teve o apoio do Museu da Imagem e do Som e a participação de cineastas, técnicos, atores e críticos. A pauta abordava a preocupação com o processo de industrialização do setor, baseado no modelo industrial norte-americano, o que apresentava problemas e desvantagens e interferia nas propostas de “manter uma autenticidade de idéias como criadores”. Amorim defendeu a idéia de que, sem a máquina estatal, talvez não existisse o cinema brasileiro: “A presença do Estado é importante, na medida em que
viabiliza projetos mais inovadores”. Alguns cineastas, como Zelito Viana, concordaram com sua tese de que a burocracia do Governo não inviabilizava a criação cinematográfica: “A relação entre o artista e o Estado é muito normal”, disse ele, enquanto o jornalista e crítico José Carlos Avelar afirmava que essa relação não podia ser paternalista: “O Estado não está fazendo nenhum favor em sustentar a arte, porque o Estado somos nós”. Essa era proposta editorial da Módulo, uma das grandes criações de Oscar Niemeyer, que deu muita satisfação ao público e ao arquiteto, principalmente depois que voltou a circular “após dez anos de forçoso silêncio, imposto pelas forças mais reacionárias do País”. Felizmente, diz Celso Japiassu, Niemeyer “resistiu e resiste até hoje, consagrado como um grande artista e cidadão engajado e consciente de todas as dificuldades e virtudes da sociedade brasileira, que ele acompanha ao longo da sua centenária e prodigiosa existência”.
CENTENÁRIO
“A ABI é um dos pilares da liberdade de expressão” Uma definição do Presidente da Câmara Federal, Deputado Arlindo Chinaglia, na saudação à Casa na Sessão Solene em homenagem ao centenário da ABI. JOSÉ CRUZ/ABR
A ABI é um dos pilares da liberdade de expressão na sociedade brasileira, disse o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), ao saudar a ABI na Sessão Solene em homenagem ao centenário da Casa, realizada por iniciativa do Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), no dia 6 de dezembro. Chinaglia assinalou que, por sua própria história, a ABI “está acima de interesses empresariais particulares e mesmo dos interesses individuais dos jornalistas”. “Tendo surgido para defender seus filiados, apoiando-os em suas lutas, foi além e definiu como seu horizonte de atuação a defesa dos interesses nacionais e dos direitos humanos”, acrescentou.
“Devemos reconhecer que muito do que temos deve-se à coragem e à determinação dos que construíram e fortaleceram a Associação Brasileira de Imprensa”, disse Chinaglia.
É ESTA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE CHINAGLIA:
“Senhoras e Senhores Deputados, demais presentes nesta Sessão Solene, Quero cumprimentar o Deputado Miro Teixeira pela iniciativa que, creio, mostra a sensibilidade e a percepção que a Câmara tem frente a essa importante entidade, mas coube ao Deputado Miro Teixeira traduzir essa sensibilidade na proposta, dado que a Associação Brasileira de Imprensa, que completa o seu centenário no próximo ano, é sem dúvida uma das mais conceituadas associações de classe do País. Seu nome está intimamente vinculado às lutas pela liberdade e pela democracia em nosso País. Criada em 1908, como mostrou o vídeo de Gustavo de Lacerda, seu primeiro estatuto a definia como uma entidade destinada a acolher todos os trabalhadores da imprensa. É bom ressaltar que após a criação das leis sindicais por Vargas é que acabou se estabelecendo no Brasil esse modelo de representação setorial. Faço esse registro então para dizer que a ABI nasceu com aquilo que, na minha opinião, é uma concepção superior. A Associação cresceu, amadureceu, mas enfrentou dificuldades materiais, tendo construído sua sede própria apenas na década de 30, quando presidida pelo jornalista carioca Herbert Moses. Muitos nomes de destaque colaboraram para o fortalecimento da ABI, atuando como sócios, conselheiros, presidentes. Entre eles, vários tiveram participação ativa em movimentos tanto intelectuais quanto políticos no País, defendendo a liberdade e os direitos humanos. Falar sobre a ABI é falar também sobre Barbosa Lima Sobrinho, que ocupou
a Presidência da irmandade por três mandatos, 1926, 1930 e 1978, encarnando os idéias do jornalismo profissional e da liberdade de imprensa. Advogado, historiador, político e professor, membro da Academia Brasileira de Letras, foi Governador de Pernambuco e Deputado Federal durante a Constituinte de 1946. No seu primeiro mandato à frente da ABI, reformou os estatutos e regulamentou a concessão da carteira de jornalista. Em 1930, além de atuar para a aquisição do terreno da nova sede, trabalhou pela unificação das categorias representativas dos jornalistas. Dos inúmeros acontecimentos que marcaram a história da ABI, destacamse, obviamente, a inauguração, em 1938, e o tombamento, em 1984, do edifíciosede; a inauguração do Espaço Cívico Tiradentes, em 1976; a criação do Centro Cultural ABI, em 1990; a instituição do Dia Nacional da Imprensa, em 1999. Desde o primeiro momento, há quase cem anos, a ABI lutou contra atos praticados em desfavor da liberdade no País. Manifestou-se contra a censura, no Governo Arthur Bernardes, e no Governo Vargas defendeu jornalistas presos e ofereceu resistência à ditadura militar. Em 1976, o edifício-sede da entidade foi vítima de explosão de bombas terroristas, o que não intimidou a atuação da ABI em favor da anistia, das eleições
diretas e da instituição de uma Assembléia Nacional Constituinte. Os muitos personagens que participaram da ABI revelaram a importância da entidade para a vida política e cultural do País. Posso citar, entre muitíssimos outros — e seguramente a citação acabará por ser injusta —, Prudente de Moraes, neto, Heitor Vila-Lobos, autor do Hino da ABI, Oscar Niemeyer, Chico Caruso, Hélio Fernandes, o saudoso José Aparecido de Oliveira, Dom Paulo Evaristo Arns, Roberto Marinho, Fernando Segismundo, Villas-Bôas Corrêa e Carlos Castelo Branco. Estes são apenas, se eu pudesse assim caracterizar, alguns nomes, entre muitos, que ofereceram uma idéia de pluralidade de pontos de vista que transformaram a ABI em um dos pilares da liberdade de expressão na sociedade brasileira. A Associação Brasileira de Imprensa, atualmente presidida por Maurício Azêdo, a quem cumprimentamos efusivamente, pela função e também pela sua própria história, está acima de interesses empresariais particulares e mesmo dos interesses individuais dos jornalistas. Tendo surgido para defender seus filiados, apoiando-os em suas lutas, foi além e definiu como seu horizonte de atuação a defesa dos interesses nacionais e dos direitos humanos. Se a imprensa brasileira alcançou o
patamar de desenvolvimento e de complexidade que a coloca em pé de igualdade com os veículos de comunicação mais modernos do mundo, se desfrutamos a pluralidade de opinião e a completa liberdade de expressão que prevalece nessa imprensa, devemos reconhecer que muito do que temos deve-se à coragem e à determinação daqueles que construíram e fortaleceram a Associação Brasileira de Imprensa. Quero registrar que, evidentemente, esse trabalho de aperfeiçoamento de conquista de liberdade é naturalmente permanente. É uma feliz coincidência que a Constituição Cidadã complete duas décadas no mesmo ano em que a ABI comemora seu centenário. Com efeito, a História do Brasil mostra a conjunção de objetivos entre aquela entidade e os parlamentares que escreveram a Carta Magna do País, na luta pela consolidação de nosso regime democrático. Nesta oportunidade, saúdo, em nome da Câmara dos Deputados, todos aqueles que contribuíram para a construção dessa grande entidade, como representante do que há de mais lúcido, mais responsável e combativo na imprensa brasileira. Cumprimento mais uma vez a ABI e cumprimento mais uma vez o Deputado Miro Teixeira pela iniciativa.” Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 15
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HOMENAGENS
Medalha de Stepan no Rio, Sessão de Arruda no Senado Mais duas homenagens à ABI em Casas Legislativas. A exemplo da Câmara dos Deputados, mais duas Casas Legislativas programaram homenagens à ABI em razão da comemoração do seu centenário. No Rio de Janeiro, por iniciativa do Vereador Stepan Nercessian (PPS), a Câmara Municipal aprovou requerimento que concede a Medalha de Mérito Pedro Ernesto à ABI, “pela passagem de seu centenário e pelos relevantes serviços prestados em prol da liberdade de imprensa e da democracia no País”. A entrega da honraria será no decorrer de 2008, em data a ser fixada com a Casa. Ao justificar a concessão da comenda à instituição, Stepan lembrou seu fundador, jornalista Gustavo de Lacerda, e disse que a história da ABI se confunde com a de seu criador: — O seu principal objetivo era assegurar à classe jornalística os direitos assistenciais e tornar-se um centro poderoso de ação. Na visão de Gustavo de Lacerda, a Associação deveria ser um campo neutro em que se pudessem abrigar todos os trabalhadores da imprensa.
Criada em 1980, em homenagem ao médico pernambucano Pedro Ernesto Batista (1884-1942), a Medalha de Mérito Pedro Ernesto é a mais importante comenda da cidade do Rio de Janeiro, entregue pela Câmara Municipal àqueles que se destacam na comunidade brasileira ou no mundo. Em Brasília, o Senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) apresentou requerimento para que o Senado realize uma sessão especial comemorativa do centenário da ABI. Em sua proposta, ele se refere aos ideais de Gustavo de Lacerda, que considera um dos símbolos da instituição forte que é a ABI, cuja principal missão é garantir os direitos da classe jornalística. E lembra o ex-Presidente da Casa Barbosa Lima Sobrinho: — Outro símbolo da história da ABI foi o jornalista e parlamentar Barbosa Lima Sobrinho, que lutava por ideais nacionalistas e via sua profissão como um meio de levar a população brasileira à conscientização política e social. Durante seu quarto mandato, em 1992,
Nercessian: A ABI deve ser exaltada pelo que fez pela liberdade e pela democracia.
foi o responsável pelo pedido de abertura do impeachment de Fernando Collor de Melo e o primeiro orador inscrito para defender o processo. Inácio Arruda ressaltou a importância de se registrar que a ABI, mesmo tendo que se adaptar ao longo do tempo, nunca deixou de cumprir os objetivos que a originaram. E justifica sua proposta: — A realização de uma sessão especial é uma forma de homenagear essa entidade cuja contribuição para a democracia brasileira foi vital até o presente momento e que continua deixando sua marca para as gerações seguintes.
COMEMORAÇÃO
Um centenário a ser festejado: Mário Filho O cronista que dá nome ao Maracanã será relembrado em seus 100 anos, em julho. Em reunião na ABI em 14 de dezembro, o editor Leo Christiano e o jornalista Mário Rodrigues Neto propuseram à ABI participar das comemorações do centenário do jornalista Mário Filho, em julho de 2008, três meses após a celebração do centenário da Casa. Diretor e articulista do Jornal dos Sports, Mário Filho teve importante atuação, em 1948 e 1949, no incentivo à construção do estádio que sediaria os principais jogos da Copa do Mundo de 1950, organizada pela antiga Confederação Brasileira de Desportos. Após a morte do jornalista, em setembro de 1966, o então Estado da Guanabara resolveu batizar com seu nome o estádio que é um dos principais pontos turísticos do Rio. Mário Filho era de uma família que deu quatro gerações de jornalistas. Seu pai, Mário Rodrigues, fundou A Crítica, entre outros jornais, e ficou famoso por seu estilo cáustico e irreverente. Os filhos Mário, Nelson, Milton e Paulo seguiram seu caminho. Depois vieram Mário Júlio Rodrigues, cronista esportivo e diretor do JS, e seu filho Mário Rodrigues Neto, hoje empenhado nas co16 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
memorações do centenário do avô. Mário Filho dirigiu por mais de 20 anos o JS, que adquiriu de Argemiro Bulcão, fundador do jornal. Foi grande incentivador de todos os esportes e se destacou escrevendo, diariamente, a crônica da seção Da primeira fila. Escreveu O negro no futebol brasileiro, livro considerado um clássico da sociologia esportiva, Copa Rio Branco, Histórias do Flamengo, Viagem em torno de Pelé e, saindo do campo esportivo, A infância de Portinari. Antes do Jornal dos Sports, Mário foi repórter e redator do Globo. Nos anos 50, organizou competições esportivas importantes, como os Jogos da Primavera, que revelaram as irmãs Schmidt, e os Jogos Infantis, evento que lançou Gérson, mais tarde apelidado Canhotinha de Ouro. Leo Christiano considera que, embo-
Mário Filho: um rosto a ser difundido.
ra o nome de Mário Filho esteja associado ao Maracanã, o grande público não conheceu seu rosto. Por isso, propõe que sejam fixados no entorno do estádio grandes painéis com a imagem do jornalista e que seja montada uma exposição sobre a sua trajetória. As comemorações deverão incluir ainda a edição de um livro e de um documentário.
COMENDA
Mérito Trabalhista para a ABI A ABI foi agraciada pelo Governo federal com a Ordem do Mérito do Trabalho Getúlio Vargas, instituída pelo Decreto nº 6.247, de 24 de outubro de 2007, da Presidência da República, para ser concedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego a personalidades e instituições “que se destacaram por seu aporte de contribuição às relações do trabalho e ao engrandecimento de nosso País”, como justificou o Ministro do Trabalho Carlos Lupi. A cerimônia de entrega da comenda foi realizada juntamente com a comemoração dos 77 anos de criação do Ministério do Trabalho, no dia 26 de novembro, no Auditório da Confederação Nacional do Comércio. Coube ao jornalista Tarcísio Holanda, membro do Conselho Deliberativo da ABI, receber a distinção em nome da Casa. Em breve alocução, Tarcísio ressaltou a influência qua a ABI exerceu junto ao Presidente Getúlio Vargas em seu primeiro Governo, no qual foram instituídas a jornada de trabalho de cinco horas e o piso salarial para os jornalistas e estabelecida a primeira regulamentação da atividade profissional. O nome da ABI foi indicado e aprovado pela Comissão da Ordem do Mérito do Trabalho Getúlio Vargas, constituída de cinco membros escolhidos pelo Ministro do Trabalho e Emprego. O Presidente da República é o Grão-Mestre da Ordem, competindo-lhe, nessa qualidade, proceder às nomeações, promoções e exclusões de seus membros. De acordo com o art. 5º do Decreto 6.247, a Ordem é composta pelos graus Cavaleiro, Oficial, Comendador, Grande Oficial e Grã-Cruz. Criada em 1965, a comenda tinha originalmente a denominação Ordem do Mérito do Trabalho, mas pelo Decreto nº 6.247 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva alterou-a para Ordem do Mérito Trabalhista Getúlio Vargas, em homenagem ao criador do Ministério do Trabalho e da Consolidação das Leis do Trabalho. A lista de agraciados foi encimada por Oscar Niemeyer e inclui 22 personalidades e oito instituições: a ABI, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho– Anamatra, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e as cinco centrais sindicais.
TESTEMUNHO DIVULGAÇÃO
O DESAFIO DE NATAL, RN POR V ILLAS -B ÔAS C ORRÊA
Voltei a Natal para participar do II Encontro Natalense de Escritores, apesar de não ser escritor, mas um simples repórter veterano. É acontecimento único na mofina agenda nacional sobre a elástica pauta que inclui desde a rica música popular à sofisticação das duas horas de conversa descontraída, de alto nível, de Zuenir Ventura e de Luiz Fernando Veríssimo, quando desabou o mito da imagem de retraído, casmurro, de poucas palavras do filho do autor da obra-prima O Tempo e o Vento. Nos três dias do encontro, de 22 a 24 deste mês, Veríssimo falou pelos cotovelos e esbanjou simpatia. Coube-me o privilégio de participar do debate sobre Jornalismo e Crônica Política com três mestres do ofício e de sabedoria, que resistiram à tentação da mudança para Brasília ao preço da renúncia à qualidade de vida da mais bela capital do Nordeste, no momento de apogeu, ameaçado pelo grave risco de passar da conta da prudência e cair no conto da cidade grande: Woden Madruga, Cassiano Arruda Câmara e Agnelo Alves. Mas é comovedor participar de uma festa cultural que se afirma como uma
exceção na pasmaceira geral, mobiliza a cidade, junta centenas, milhares de assistentes que se renovam nas mesas de debate que começam às 16h e se estendem até a virada da meia-noite, com um show de música que atrai milhares de pessoas de todas as cidades. No amplo, mas superado pavilhão na Ribeira, o bairro em que nasceu a cidade, nos shows dos popularíssimos ídolos da juventude Zeca Baleiro – Valéria de Oliveira e Tom Zé – Virgínia Rodrigues, as 800 cadeiras do auditório não deram conta do recado. E assistimos a esta cena incomum: a pressão de milhares de fãs derrubou a grade de madeira e a turma invadiu o recinto. Não destruiu, não danificou nada. Ninguém queria fazer baderna,, apenas assistir ao show. Não pude assitir a todas as rodas de debate. Vi o máximo possível, com as ausências justificadas por outros compromissos. Mas vi o bastante para avaliar o total. Para começo de conversa, os dois Encontros Natalenses de Escritores encontraram na cidade a mais completa apresentadora e moderadora de debates culturais que eu conheço. A jovem e elegante senhora Margot Ferreira é a garantia do comando das duas horas de debate de cada mesa. Com domínio dos
temas e a serenidade para equilibrar a participação dos astros e estrelas que desfilaram em três noites como Paulo César de Araújo, Rui Guerra, João Evangelista; o excelente desempenho de José Neumane Pinto e do consagrado escritor Moacyr Scliar e Oscar Vasconcelos nas duas primeiras noites. E no encerramento, o debate sobre a vida, decadência, morte e ressurreição do Pasquim, com a presença de Jaguar, Luiz Carlos Maciel, Sérgio Cabral e Neil de Castro. A capital nordestina que conheci em meados da década de 50 agora explodiu, cresceu demais e paira sobre ela a praga do progresso e a maldição da cidade grande. Duas administrações bem sucedidas da Governadora Wilma Maia e do Prefeito Carlos Eduardo Alves abriram espaços para desafogar o Centro, como o viaduto que liga o Centro ao bairro da Redinha.
E o jovem Prefeito Carlos Eduardo Alves toca a toda pressão as obras do monumental Parque das Dunas Arcebispo Dom Nivaldo Monte, numa área de 73 hectares cobiçada pelos construtores de monstrengos que poluem vários trechos da cidade, com deslumbrante projeto de Oscar Niemeyer, que não cobrou por mais uma dádiva do seu gênio. É pouco. A legislação que protege Natal da ganância dos empreiteiros de espigões de 40 andares precisa ser embutida na Constituição estadual. Tal como o Governador João Agripino impôs, na marra, na Paraíba. Um governador e um prefeito que adorem propina arruínam Natal em um mandato. Transcrito de A Voz da Serra, de Nova Friburgo, RJ, edição de 29 de novembro de 2007, página 6. Título original: O desafio de Natal.
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DEPOIMENTO
ADRIANA CARRANCA Nossas instituições estão muito desacreditadas Repórter do caderno Metrópole do Estadão e com mestrado em ciências políticas e econômicas em Londres, ela considera que essa descrença dificulta demais o diálogo entre cidadãos comuns e os veículos de comunicação. ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República ajudou a pôr em pauta os temas sociais, constata a jornalista Adriana Carranca, há cinco anos repórter de O Estado de S. Paulo. Formada pela Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Santos, com pós-graduação em Jornalismo para Editores da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra e membro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo–Abraji, ela é também repórter especializada em políticas sociais e direitos humanos, temas sobre os quais defendeu tese de mestrado na London School of Economics and Political Science, de Londres. Antes de ser contratada pelo Estadão, onde começou como repórter do caderno Metrópole, Adriana passou pelo Jornal da Orla, a TV Tribuna, afiliada da Rede Globo de Televisão em Santos, como produtora e pauteira, as revistas Exame, Claudia, Capricho, Nova, Viagem & Turismo e Caminhos da Terra, como freelancer, e a Veja SP, como repórter. Nesta entrevista Adriana fala, entre outros temas, de jornalismo e cidadania, dos mecanismos de proteção aos jornalistas que atuam em áreas de conflito e do livro que lançou sobre turismo em Nova York. 18 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
Jornal da ABI — Há quanto tempo você trabalha no Estadão? Adriana Carranca — Cinco anos. Após um ano na TV Tribuna, fui estudar Inglês nos Estados Unidos, onde morei por seis meses. Na volta, trabalhei em produtoras de tv como roteirista e como freelancer para revistas da Editora Abril e a Já, que era publicada pelo Diário Popular. Passei também por assessoria de imprensa, mas decidi voltar às publicações e fui para a Veja SP. Dois anos depois, cheguei ao Estadão, onde estou desde abril de 2002 e hoje sou repórter do caderno Metrópole, depois de passar pelas editorias de Economia e Internacional. Jornal da ABI — Os temas sociais sempre estiveram na sua pauta? Adriana — Sempre foram uma preocupação pessoal, mas eu nunca soube exatamente como poderia transformar essa preocupação em ação efetiva. Foi no Estadão que comecei a ver que poderia fazer algo com o meu trabalho, em matérias, dependendo, é claro, da relevância da notícia e do espaço no jornal. Jornal da ABI — Isso também a levou à London School of Economics and Political Science? Adriana — Quando comecei a cobrir temas sociais, senti que precisava aprender mais e me preparar melhor para escrever sobre o assunto. Jornal da ABI — O curso contribuiu efetivamente para sua qualificação profissional? Adriana — Sim, mas o principal foi aprender a olhar para os problemas no Brasil como parte de um contexto global, valorizando o processo histórico ao analisar as políticas adotadas atualmente. No mundo acadêmico, quase tudo já foi discutido, estudado, analisado. E raramente eu olhava para esse material, disponível no mundo, ao fazer uma matéria. Jornal da ABI — Mudou a forma de conduzir as reportagens? Adriana — Hoje, se tenho de escrever sobre crianças de rua, por exemplo, procuro estudar políticas bem-sucedidas, casos de destaque, enfim, o que já foi feito aqui e em países com situação semelhante. Mesmo que não use todo esse material, ele me ajuda a contextualizar a matéria. E nem sempre essa pesquisa é possível, por conta das limitações de tempo que se tem num jornal diário. Jornal da ABI — Que problemas são mais difíceis de tratar na mídia? Adriana — Acho que o maior obstáculo é o fato de as mazelas serem recorrentes no Brasil há muitos anos. Então, a exigência da novidade no jornalismo muitas vezes engessa os repórteres. Jornal da ABI — Qual é sua avaliação do tratamento dado pela imprensa brasileira ao tema direitos humanos?
Adriana — Evoluímos muito, como mostram as pesquisas da Agência Nacional de Direitos da Infância– Andi, por exemplo. Também acredito que durante o Governo Lula houve um movimento maior no sentido de trazer os temas sociais para o centro da pauta, por conta do histórico do Presidente e do discurso que ele sempre adotou como oposição. Jornal da ABI — E no exterior? Adriana — Está muito relacionada com o amadurecimento das instituições de defesa dos direitos humanos, o que é natural. Por exemplo, na Inglaterra — que tem histórico nisso e é berço de organizações como a Oxfam e a Anistia Internacional — a cobertura é muito boa. Uma curiosidade: a Anistia Internacional surgiu de um artigo escrito pelo advogado Peter Benenson no The Observer, que é talvez o melhor jornal britânico na cobertura de direitos humanos. Jornal da ABI — De que falava o artigo? Adriana — De dois portugueses que foram presos após brindar à liberdade. O artigo foi reproduzido por muitos outros jornais no mundo e motivou pessoas de vários países a formar um grupo internacional de defesa dos direitos civis. Jornal da ABI — Otávio Frias Filho, Diretor de Redação da Folha de S.Paulo, diz que o jornalismo vive um momento difícil, devido a uma “superoferta de informação”. Você concorda? Adriana — Com os avanços tecnológicos, realmente somos hoje inundados por informações. Mas acho que isso apenas reforça um papel importante do jornalismo, que é o de contextualizar a informação e ajudar o leitor a entender os acontecimentos. Jornal da ABI — Estão contemplados aí os temas sociais? Adriana — Sim. Veja algo sensacional que aconteceu recentemente: o Governo de Hugo Chávez tirou do ar a única tv independente da Venezuela, a RCTV. E a emissora simplesmente continuou transmitindo o noticiário via internet (www.rctv.net). Isso é maravilhoso. Cada vez menos se pode ter controle sobre a informação e as sociedades só têm a ganhar com isso. Jornal da ABI — Alguns especialistas afirmam que os direitos humanos são abordados de forma genérica pela imprensa, com foco apenas na violência. Você concorda? Adriana — Não tenho certeza. Quando escrevemos sobre financiamento da casa própria, abordamos também o direito à moradia. Quando falamos de incentivos fiscais para projetos culturais, discutimos uma política de Governo para a área e, portanto, o acesso dos cidadãos à cultura. O que falta, talvez,
é trabalhar o olhar do jornalista de todas as áreas para estar atento ao tema ao fazer qualquer matéria. E isso é papel dos cursos de Jornalismo e dos editores. Jornal da ABI — Por que, na maioria das vezes, lideranças comunitárias e organizações pelos direitos humanos não são ouvidas como fontes pelos jornalistas? Adriana — Não é culpa das organizações. O orçamento delas costuma ser tão curto que qualquer dinheiro é usado para o atendimento aos que precisam. Portanto, falta verba para poder manter, por exemplo, informações organizadas, banco de dados, pesquisas. As entidades menores, comunitárias, presenciam constantemente violações de direitos humanos, mas raramente têm como provar. As vítimas têm medo de falar com a imprensa, porque não acreditam em instituições como mídia, polícia, Justiça ou mesmo Governo. Então, devem imaginar: para que denunciar e correr o risco de morrer? Com tantos escândalos de corrupção, as instituições brasileiras estão muito desacreditadas e
consigam isso em seus países. Esses mecanismos têm de ser fortalecidos e o ideal é que sejam interdependentes de governos e sistemas judiciários, que, algumas vezes, são os violadores dos direitos dos jornalistas e fontes. Jornal da ABI — Como analisa o desempenho da Organização das Nações Unidas–Onu no sentido de fazer cumprir suas resoluções pelos países signatários? Adriana — As resoluções da Onu servem mais como uma espécie de guia para que seus membros saibam qual é a lição de casa a fazer, ou como termômetro para medir a intenção dos países em aplicar as resoluções e também como mecanismo de cobrança da sociedade civil. Jornal da ABI — Nesse caso, a aplicação de sanções aos que descumprem as resoluções são um mecanismo esvaziado? Adriana — Na Onu, só tem poder de aplicar sanções o Conselho de Segurança, criticado por manter como membros
A proteção à liberdade de expressão deve estar na pauta das empresas de mídia, do Governo, da Justiça, das entidades de defesa dos direitos humanos e civis. isso prejudica muito o diálogo entre o cidadão, as organizações da sociedade civil e os veículos de comunicação. Jornal da ABI — Que efeitos as notícias sobre corrupção e atos desumanos causam no cidadão comum? Adriana — O primeiro é sempre a revolta. Daí a importância de contextualizar as informações e emancipar o debate para além das reações emotivas, como no caso da discussão sobre a redução da maioridade. Jornal da ABI — A ABI tem cobrado providências das autoridades nos casos de crimes contra rádios, jornais e jornalistas, principalmente no interior do País. Como você avalia essa situação? Adriana — Um caos. A proteção à liberdade de expressão deve estar na pauta das empresas de mídia, do Governo, da Justiça, das entidades de defesa dos direitos humanos e civis. No último congresso internacional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, em maio, a advogada Helena da Souza Rocha falou sobre o funcionamento da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão — vinculada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)—, em que jornalistas e fontes ameaçados podem entrar com medida cautelar para pedir proteção, caso não
permanentes apenas cinco nações desenvolvidas e não exemplares no cumprimento dos direitos humanos, como Estados Unidos e Reino Unido, que ocuparam o Iraque à revelia da entidade. Os outros integrantes são Rússia, França e China. Para melhorar esse quadro, a Onu precisa cumprir a adiada reforma que inclui a entrada de outros países no Conselho de Segurança. Jornal da ABI — É possível as iniciativas das Nações Unidas influenciarem positivamente a cobertura dos debates sociais? Adriana — A Onu é uma fonte de informações e um centro de debates extremamente importante que não pode ser ignorado. Jornal da ABI — Há como prever o que vai acontecer com o Iraque, território hoje perigosíssimo para jornalistas? Adriana — O Iraque foi um grande erro de estratégia, uma vergonha. Agravou a hostilidade contra norte-americanos em todo o mundo; alimentou o terrorismo; cimentou a credibilidade do Governo Bush; e causou muita revolta no povo iraquiano e em quem se preocupa com as questões humanitárias. Desde o início do ano passado, cerca de 87 jornalistas foram mortos no país e mais de 1 milhão de pessoas o deixaram, no maior êxodo da História recente. Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 19
DEPOIMENTO ADRIANA CARRANCA
metrô, construída com a ajuda de franceses e chineses, que transporta 1 milhão de pessoas por dia. A olho nu, parece que o Irã segue muito bem, longe dos norte-americanos. Por esse distanciamento, as mais recentes sanções unilaterais devem ter pouco impacto no país.
Estimativas não-oficiais falam em 650 mil civis iraquianos mortos desde o início da guerra. Adicione a isso outros mais de 3 mil soldados norte-americanos e iraquianos assassinados. Jornal da ABI — E as promessas de Bush não se cumpriram. Adriana — Pois é, e esse teria sido o caminho mais fácil dos Estados Unidos para ganhar a guerra ou, pelo menos parcialmente, o apoio dos iraquianos: com investimentos em infra-estrutura e educação e melhoria da qualidade de vida da população. O mesmo ocorreu no Afeganistão, que não viu melhoras estruturais efetivas, exceto pelos benefícios a curto prazo que resultaram da queda do regime tirano dos talibãs, nada mais. Os ataques suicidas têm-se intensificado lá também. A pobreza e o descrédito das instituições são terreno fértil para o terror, da mesma forma que no Brasil induzem à violência urbana. Jornal da ABI — Que propostas discutidas pelos organismos internacionais mais se aproximam da solução ideal para esse tipo de conflito? Adriana — As reuniões diplomáticas para discutir o Iraque, como a que colocou frente a frente, recentemente, diplomatas do Irã e dos Estados Unidos — que não conversavam há quase três; em maio, houve o encontro de líderes dos países árabes no Egito. Mas minha sensação é de que, a essa altura, ninguém mais sabe como resolver a questão do Iraque. Jornal da ABI — O Brasil tem condições de exercer um papel importante no movimento contra as violações dos direitos humanos? Adriana — Tenho uma visão um tanto radical com relação a isso. Acredito que toda a assistência dada por organismos multilaterais — como Banco Mundial, FMI, Banco Interamericano de Desenvolvimento e agências da Onu — deve ser, obrigatoriamente, condicionada ao compromisso do país de acabar com as violações dos direitos humanos, inclusive a corrupção, que considero uma das mais graves, se não a principal. Jornal da ABI — Tais órgãos têm poder de pressão sobre os países credores? 20 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
Jornal da ABI — Por quê? Adriana — Pela proximidade geográfica, eles têm boas relações, mais afinidade cultural e grandes negócios com as maiores potências emergentes, como Rússia, China e Índia, entre outros países da Ásia e da Europa, e até com a América do Sul. É claro que, sendo a segunda maior reserva de petróleo do mundo, o Irã poderia estar muito melhor, e a população tem consciência disso. Há muita crítica à administração do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, considerada pela oposição um fracasso na área econômica, por não conseguir controlar a inflação e ter aumentado os gastos públicos.
Enviada especial ao Irã, Adriana fez reportagens de fôlego que o Estadão abriu com destaque
Adriana — Há algum tempo, essas entidades decidiram providenciar ajuda aos países através de seus governos, por entenderem que assim teriam mais controle sobre eles e o uso do dinheiro. Acho que isso deve ser revisto. Os países violadores de direitos humanos, com governos corruptos ou em guerra não deveriam receber qualquer verba direta, bem como sediar eventos internacionais de grande repercussão e com poder de atrair investimentos. A ajuda poderia ser dada diretamente às comunidades, via organismos de ajuda humanitária da sociedade civil. Jornal da ABI — Como isso seria implementado? Adriana — Entendo as dificuldades das agências para atuar dessa maneira: o Governo do Sudão, por exemplo, até pouco tempo impedia a entrada de qualquer agência da Onu para dar assistência à população. Ainda assim, acho que é algo para ser avaliado. Jornal da ABI — O Brasil, que, depois dos Jogos Pan-Americanos, sediará a Copa de 2014, estaria dentro ou fora? Adriana — O Brasil não devia ter recebido o Pan, por causa dos escândalos de corrupção, e a Inglaterra não merecia as Olimpíadas 2012, porque ainda está no Iraque, e isso representa uma ameaça à segurança de atletas e visitantes. Acho que medidas assim seriam muito mais eficientes do que quaisquer sanções da Onu, porque mexem com a economia e a posição dos países no cenário internacional.
medo’, o que resulta em um clima de confronto social”. Adriana — Sobre a política do medo, não sei se concordo. Na minha modesta opinião, o que alimenta o clima de confronto social é a desigualdade sem precedentes, que não acontece em nenhum outro país com o tamanho da economia do Brasil e uma cultura voltada para o consumismo. Nesse sentido, sim, acho que a mídia tem a sua parcela de culpa ao “celebrizar” milionários, expor pessoas não por suas qualidades intelectuais ou humanas, mas por suas “posses”, e supervalorizar talentos efêmeros, se é que podemos atribuir algum talento a certos famosos.
Jornal da ABI — Assim como o aumento da gasolina que gerou protestos da população? Adriana — Mais de 40% da gasolina consumida pelos iranianos têm de ser importados, porque o país não tem infra-estrutura para o refino. O Governo anunciou o racionamento; os iranianos foram às ruas e puseram fogo nos postos. Isso também me impressionou muitíssimo. Apesar da anunciada repressão e das ameaças de prisão a opositores do Governo, os iranianos não deixam de protestar. É incrível. Jornal da ABI — Fale do seu livro Os endereços curiosos de Nova York. Adriana — Eu viajava muito para lá a trabalho e o Marcelo Duarte, da Editora Panda, me convidou para escrever o guia. Topei. Nova York é a uma cidade dinâmica, viva, fascinante, a esquina do mundo, onde pessoas de todas as partes se encontram. E, em geral, estão ali para realizar algo, nos negócios ou nas artes, o que torna a cidade um centro de idéias, de troca de informações e experiências, um pólo criativo.
A mídia tem a sua parcela de culpa ao “celebrizar” milionários, expor pessoas não por suas qualidades intelectuais ou humanas, mas por suas “posses”, e supervalorizar talentos efêmeros.
Jornal da ABI — Relatório da Anistia Internacional diz que “setores radicais da mídia e conservadores nas classes privilegiadas do Brasil alimentam a chamada ’política do
Jornal da ABI — Recentemente você esteve no Irã, fazendo uma matéria especial para o Estadão. O que mais chamou sua atenção no país? Adriana — O que me impressionou foi como é distante da realidade a imagem que nos passam de lá. Pensei que encontraria uma nação isolada, destruída e empobrecida por sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos há mais de três décadas. Mas Teerã tem avenidas largas, lindos e bem conservados parques urbanos, prédios modernos, amplo comércio, um bom sistema de transporte — incluindo uma rede de
Jornal da ABI — Em que sentido as muitas viagens foram importantes para a sua formação como repórter? Adriana — Não existe melhor forma de conhecimento do que experimentar a cultura e os costumes de outra cidade ou país, desde que você esteja aberto para isso. Viajar te faz questionar crenças e valores preestabelecidos, derruba tabus, nos torna mais tolerantes.
PIONEIRISMO
BOB NELSON
Uma lenda viva do rádio Criador de um estilo personalíssimo no auge da Rádio Nacional, ele foi um dos astros da primeira campanha publicitária da Coca-Cola após a introdução desta no País, nos anos 40. POR FERNANDO MOURA PEIXOTO
pelo Fluminense, desfila sempre no Carnaval na escola de samba do coração, a verde e branco Império Serrano. Bem humorado, eterno brincalhão, mantém o vozeirão e a simpatia de outrora. Mas nem tudo são flores na existência do cantor e compositor. Ele nunca se apresentou em nenhum especial de Roberto Carlos (embora o Rei o admire e admita forte influência dele em sua profissão), ou em espetáculos de rodeios. Nem em shows com duplas de “pop-sertanejo-brega”, ou em festivais de “amigos”, de enorme êxito na atualidade. Legítimo precursor de um movimento musical, não o convidaram a contracenar com os inúmeros seguidores. É como disse, certa vez, o jornalista Augusto Nunes, no JB: “O Brasil sempre foi descuidado com a memória. Talvez ajude a sentir menos vergonha”. Fernando Moura Peixoto é sócio da ABI.
M AR CO AN TÔ NI O CA VA LC AN TI -A GÊ NC IA O GL OB O
Bob Nelson, o cantor caubói, completou 89 anos de idade no dia 12 de outubro. Nascido em 1918 na cidade de Campinas, em São Paulo, Nelson Perez (seu verdadeiro nome) mora há mais de seis décadas em Copacabana, integrando o seleto grupo de remanescentes da época de outro do nosso rádio, naquele tempo o mais poderoso meio de divulgação de informações e entretenimento. Antes de abraçar a carreira artística foi caixeiro-viajante e percorreu o Brasil afora. Terminando o curso de contador, trabalhou com o irmão, dono de uma farmácia. Em 1943 iniciou a vida radiofônica na Tupi de São Paulo, logo se transformando em Bob Nelson, num lampejo interior, por estímulo dos moldes de Hollywood. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, atuando ao microfone da PRG-3, a Rádio Tupi, e cantando em uma boate carioca. Assinou então contrato de exclusividade com a Rádio Nacional, líder de audiência, a maior emissora da América Latina, chamada de “Universidade Federal do Rádio” e localizada na Praça Mauá, portal de entrada e ponto de encontro da Cidade Maravilhosa. Figura das mais prestigiosas do broadoasting verde-amarelo, permaneceu em atividade na PRE-8 até os anos 1970. Nos decênios de 1950 e 60, alegrou o público infantil em programas vespertinos de televisão, como O Mundo é da Criança ao lado de Aérton Perlingeiro (1921-1986), na saudosa TV Tupi, no bairro da Urca. “Orio-lô-lei-hiii!”, vocalização anasalada, marca registrada de Bob Nelson, era um grito tradicional suíço, incorporado pelos boiadeiros texanos do “velho Oeste”. Considerado o introdutor do gênero country & western no Brasil, dedicou-se às melodias do faroeste. Com um metro e setenta e cinco de altura, trajando vistosas e coloridas roupas de caubói (lenço amarrado ao pescoço, chapéu e botas de vaqueiro), interpretava canções baseadas em temas do Oeste americano, adaptadas e vertidas para o português. Seu carro-chefe foi a música Oh, Suzana!, originalmente uma sinfonia melancólica de Stephen Forster, inspirada na Guerra Civil estadunidense, executada agora em rápido e vibrante andamento, com
letra diferente, cujo disco, em 78 rpm, vendeu bem até nos States. Bob Nelson fez também cinema, participando, entre outros filmes de sucesso, em Segura Esta Mulher, de 1946, e em Este Mundo é um Pandeiro, de 1947, ambos dirigidos por Watson Macedo (1919-1981) para a Atlântida. E empreendeu grandiosas turnês pelos Estados do Norte e Nordeste. Popularíssimo, tornou-se ídolo da garotada. E de cantores que ainda engatinhavam, como o capixaba Roberto Carlos. E de um futuro engenhoso cineasta, cerebral e profético, o baiano Gláuber Rocha (1939-1981). Mas a importância do campinense Bob Nelson não cessou aí. Depois do lançamento da CocaCola no Brasil (nos anos 1940), ele participou da primeira campanha publicitária do refrigerante, encenada ao vivo, no auditório de 600 lugares da Rádio Nacional, juntamente com Emilinha Borba (1923-2005) e Francisco Alves (1898-1952), o Chico Viola, o Rei da Voz. Em 1945, exibindo-se no Tijuca Tênis Clube perante uma platéia estimada em cinco mil pessoas, teve a parceria do então desconhecido sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga (1912-1989), a quem posteriormente conduziria à Rádio Nacional, revelando assim O Rei do Baião, ou, simplesmente Lua, um dos talentos exponenciais de nossa música. Bob Nelson presenciou uma pioneira transmissão televisiva no Rio de Janeiro, realizada experimentalmente por uma empresa francesa, que gerou imagens diretamente do auditório da Rádio Nacional, no 21° andar da sede arranhacéu do jornal A Noite, na Praça Mauá, para aparelhos receptores de tevê instalados na Ótica Lux, na Avenida Rio Branco, defronte ao antigo Hotel Avenida. E foi o garoto-propaganda da rancheira em índigo blue Far West, a primeira calça jeans brasileira. Residindo na Rua Paula Freitas, em Copacabana, Bob Nelson também está celebrando 59 anos de feliz casamento com Dona Nieta. Torcedor apaixonado
Criador de seu visual, com roupa e chapéu de vaqueiro, Bob Nelson participou do lançamento publicitário da Coca-Cola, com Emilinha e Francisco Alves, nos anos 1940.
Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 21
COMPETIÇÃO
Indiscrição da câmera do fotógrafo Stuckert Filho flagrou o diálogo entre os ministros do Supremo e deu à equipe de O Globo a principal láurea do jornalismo brasileiro. O fotógrafo Roberto Stuckert Filho e os repórteres Alan Gripp e Francisco Leali, com o trabalho Voto combinado na Corte Suprema, publicado em O Globo, conquistaram o Prêmio Esso de Jornalismo 2007, a principal láurea do mais famoso prêmio jornalístico do País. No trabalho, os jornalistas revelam os bastidores do Supremo Tribunal Federal, no primeiro dia do julgamento da denúncia do mensalão, mostrando troca de mensagens eletrônicas entre ministros. Após a publicação da reportagem, os ministros citados alteraram o combinado nos e-mails e aceitaram denúncias de peculato e formação de quadrilha, que cogitavam rejeitar, como mostraram os diálogos revelados pelos repórteres, contra os 40 acusados de integrar o esquema de corrupção. O Prêmio Esso de Telejornalismo foi conquistado por Giovani Grizotti, Cristiane Pastorini e Guto Teixeira, da Rede Brasil Sul de Comunicação, com Fantas-
mas de Sapucaia. A reportagem, exibida nos telejornais da RBS, começou a ser pautada após a denúncia feita por um morador da cidade gaúcha de Sapucaia do Sul, que identificou vários assessores da Câmara Municipal que recebiam salário sem trabalhar. Cinco vereadores foram afastados pela Justiça, a pedido do Ministério Público, e tiveram seus bens bloqueados. Os vencedores foram conhecidos, na noite de 4 de dezembro em cerimônia realizada no Hotel Copacabana Palace. Ao todo, foram conferidas 14 premiações, 12 das quais destinadas à mídia impressa, após seleção dentre 1.173 trabalhos inscritos, sendo 552 reportagens, séries de reportagens ou artigos; 90 primeiras páginas de jornal; 141 trabalhos fotográficos; 215 de criação gráfica em jornal; 104 de criação gráfica em revista; 68 trabalhos de telejornalismo; três para o Prêmio de Melhor Contribuição à Imprensa.
FOTOS DE PAULO RODRIGUES
Prêmio Esso para a tertúlia no Supremo
Carlos Piotrowski, cumprimenta a equipe do jornal O Globo, vencedora do Prêmio Esso de Jornalismo: Francisco Leali e Roberto Stuckert Filho, à esquerda, e Alan Gripp, à direita.
Quem ganhou o quê PRÊMIO ESSO DE JORNALISMO Diploma e R$ 30 mil
Roberto Stuckert Filho, Alan Gripp e Francisco Leali, com o trabalho “Voto combinado na Corte Suprema”, publicado no jornal O Globo. PRÊMIO ESSO DE TELEJORNALISMO Diploma e R$ 20 mil
policial e morte do pedreiro Vilson”, publicado no jornal Correio de Gravataí (Gravataí–RS). PRÊMIO ESSO REGIONAL 1 Diploma e R$ 3 mil
Fabiana Moraes, com “A vida mambembe”, publicado no Jornal do Commercio (Recife-PE).
Giovani Grizotti, Cristiane Pastorini e Guto Teixeira, da Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), com “Fantasmas de Sapucaia”.
PRÊMIO ESSO REGIONAL 2
PRÊMIO ESSO DE REPORTAGEM Diploma e R$ 10 mil
Cláudio Dantas Sequeira, com “O serviço secreto do Itamaraty”, publicado no jornal Correio Braziliense.
Lucas Figueiredo, com “O livro secreto do Exército”, publicado no jornal Estado de Minas.
PRÊMIO ESSO REGIONAL 3
Diploma e R$ 3 mil
Diploma e R$ 3 mil
PRÊMIO ESSO DE FOTOGRAFIA Diploma e R$ 10 mil
Tiago Brandão, com “Mãe salva filho em piscinão”, publicado no jornal Comércio da Franca. PRÊMIO ESSO DE INFORMAÇÃO ECONÔMICA Diploma e R$ 5 mil
Paulo Totti, com “China, o império globalizado”, publicado no jornal Valor Econômico. PRÊMIO ESSO DE INFORMAÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E ECOLÓGICA
Christiane Samarco, com “Golpe nas vítimas da Gol”, publicado no jornal O Estado de S.Paulo. MELHOR CONTRIBUIÇÃO À IMPRENSA EM 2007 A Comissão de Seleção decidiu outorgar o diploma de Melhor Contribuição à Imprensa em 2007 à entidade Contas Abertas (www.contasabertas.com), instituição particular, sem fins lucrativos, que acompanha e divulga a execução orçamentária, financeira e contábil da União desde 9 de dezembro de 2005, Dia Internacional de Combate à Corrupção.
Diploma e R$ 5 mil
Cláudio Ribeiro, Demitri Túlio, Luiz Henrique Campos, Rafael Luis e Fátima Sudário, com “Mares do sertão”, publicado no jornal O Povo (Fortaleza-CE). Cristiane Pastorini e Giovani Grizotti, da RBS, após receberem o Prêmio de Telejornalismo, ao lado de Carlos Piotrowski, Presidente da Esso. Acima, Tiago Brandão agradece o Prêmio Esso de Fotografia recebido. Ao lado, Lucas Figueiredo (direita), do jornal Estado de Minas, é cumprimentado por Leonardo Gadotti, diretor de Suprimentos e Distribuição da Esso, após receber o prêmio pela reportagem O Livro Secreto do Exército.
PRÊMIO ESSO DE PRIMEIRA PÁGINA Diploma e R$ 5 mil
Luiz Vieira Junior, Marlon Brum e Octávio Guedes, com “Autoridades já fizeram até piada com a crise aérea, e quem chora somos nós”, publicado no jornal Extra. PRÊMIO ESSO DE CRIAÇÃO GRÁFICA CATEGORIA JORNAL Diploma e R$ 5 mil
Cristhian Lira e Maurenilson Freire, com “Anjos do ódio”, publicado no jornal Correio Braziliense. PRÊMIO ESSO DE CRIAÇÃO GRÁFICA CATEGORIA REVISTA Diploma e R$ 5 mil
Luiz Iria, Bernardo Borges, Cláudia de Castro Lima, Débora Bianchi, Fabio Otubo, Maria Carolina Cristianini, Maria Dolores Duarte e Sattu, com “Sete maravilhas do mundo”, publicado na revista Aventuras na História. PRÊMIO ESSO INTERIOR Diploma e R$ 5 mil
Herculano Barreto Filho, com “Agressão
22 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
Quem julgou Este ano, 83 profissionais de imprensa estiveram envolvidos nas tarefas de julgamento da premiação, que destinou aos vencedores um total de R$ 109 mil, já deduzidos os impostos. A Comissão de Premiação do Esso de Jornalismo 2007 que escolheu os vencedores entre os finalistas da mídia impressa foi composta pelos jornalistas Cláudio Henrique, João Máximo, José Márcio Mendonça, Matias Molina e Nélson Lemos. A Comissão de Pré-Seleção do Prêmio de Telejornalismo foi constituída pelos jornalistas Ana Maria Costábile, Mary-Andy Seixas e Ricardo Alvarez; e a de Julgamento, por Adhemar Altieri, José Márcio Mendonça (Rádio Eldorado), Leila Rezende dos Reis (colunista de O Estado de S.Paulo), Nelson Hoineff (IETV) e Ricardo Alvarez. A escolha dos 35 trabalhos finalistas da mídia impressa (cinco de fotografia e três para cada uma das dez outras categorias) foi realizada em outubro e novembro por uma Comissão de Seleção composta por 25 profissionais oriundos das redações de alguns dos principais veículos brasileiros.
FOTOS DE OCTALES GONZALES
Série liderada por Tralli vence o Embratel Equipe do Jornal nacional denunciou a máfia dos combustíveis de São Paulo. A série de reportagens Adulteração de aliás, prosseguiu após o anúncio de todos combustível, produzida pelos repórteres os vencedores da noite, ao som do grupo César Tralli, Willian Santos e Robinson Casuarina, que pôs os jornalistas para Cerântula, veiculada em janeiro de sambar até uma e meia da madrugada. 2007 no Jornal nacional, recebeu a preO 9º Prêmio Imprensa Embratel receCarlos Henrique Moreira (E) e Suzana Blass entregam o Prêmio Imprensa Embratel a miação máxima do Prêmio Imprensa beu 1.069 inscrições de trabalhos jornaWillian Santos e César Tralli, pela série de reportagens sobre combustíveis adulterados. Embratel, o Troféu Barbosa Lima Sobrilísticos, de 1.082 repórteres de todo o País, nho, entregue por Carlos Henrique Mopublicados entre julho de 2006 e agosto Os demais premiados reira, Presidente da Embratel, e Suzana de 2007. Logo no início da cerimônia de Blass, Presidente do Sindicato dos Jorentrega dos prêmios, a Comissão OrgaAlém de César Tralli, Willian Santos e Globo/Globo rural. nalistas Profissionais do Município do nizadora prestou uma homenagem ao Robinson Cerântula, foram vencedores: CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO Rio de Janeiro, na noite de 28 de novemrepórter Carlos Eduardo Zanatta, finalisREPORTAGEM DE JORNAL/REVISTA Uma voz em ascensão — Americanos bro, no Canecão. ta na categoria Tecnologia da Informa(TEMA LIVRE) afrolatinos, de Jack Chang — jornal A série abordou o comércio clandesção, Comunicações e Multimídia — O serviço secreto do Itamaraty, de Cláudio Miami Herald. tino de combustíveis e mostrou os risVeículo Especializado, falecido em julho. Dantas Sequeira — jornal Correio Braziliense-DF. cos que os motoristas correm quando Considerado a mais importante hoREPORTAGEM DE RÁDIO JORNALISMO INVESTIGATIVO Agressão a professores, de Cátia abastecem seus veículos em São Paulo, menagem à atividade de repórter no BraMáfia das funerárias, de Eduardo Faustini Toffoletto e Júlio Lubianco — Rádio CBN. onde há dezenas de postos que vendem sil, o Prêmio Imprensa Embratel contou e equipe — TV Globo/”Fantástico”. gasolina adulterada. O Presidente da ABI, com o patrocínio da Embratel e do InstiJORNALISMO CULTURAL Maurício Azêdo, entregou o prêmio a tuto Embratel 21, por meio das leis de REPORTAGEM FOTOGRÁFICA Uma aventura pelo grande sertão de Arnaldo Duran, da TV Record, vencedor incentivo do Estado do Rio de Janeiro. O começo do fim — efeitos do Guimarães Rosa, de Juliana Simonetti — aquecimento global, de Marcos Michael — jornal Bom Dia, de Sorocaba-SP na categoria Reportagem de Televisão. A premiação tem o apoio da AssociJornal do Commercio-PE. Ao subir ao palco do Canecão para reação dos Repórteres Fotográficos e CiRESPONSABILIDADE SOCIAL ceber o Troféu Barbosa Lima Sobrinho, nematográficos do Rio de Janeiro-Arfoc TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO, Expedição Saúde, de Luiz Crescenzo — juntamente com o colega César Tralli, e do Sindicato dos Jornalistas ProfissioCOMUNICAÇÃO E MULTIMÍDIA — EPTV, de Campinas-SP. Willian Santos foi responsável por um nais do Município do Rio de Janeiro, VEÍCULO NÃO-ESPECIALIZADO O barato que dá linha, de Mirelle de França REGIÃO NORTE dos momentos mais emocionantes da além do reconhecimento da ABI, da e Luciana Rodrigues — jornal O Globo-RJ. Amazônia em perigo — Arco da festa, por dedicar sua conquista ao pai, Federação Nacional dos Jornalistas-Fedestruição, de Antônio Ximenes, com a que falecera havia poucos dias.Também naj e dos demais sindicatos de jornalisTECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO, participação de Antônio Paulo e José não faltou humor à nona edição do Prêtas de todo o Brasil. COMUNICAÇÃO E MULTIMÍDIA — Augusto Júnior — jornal A Crítica-AM. mio Imprensa Embratel, VEÍCULO ESPECIALIZADO REGIÃO CENTRO-OESTE especialmente quando Banco no celular, de Instituto Candango de Solidariedade e Maurício Menezes — faRoberta Gonçalves — dos Rombos dos Cofres Públicos do DF, moso por seu show PlanRevista Decision Report. de Amaury Ribeiro Jr., Eduardo Militão e tão de notícias, em que Fernanda Odilla, com a participação de apresenta com humor os REPORTAGEM Mário Coelho, Ulisses Campbell, Diego ESPORTIVA Abreu, Lilian Tahan, Ugo Braga, Ana Maria erros dos colegas — foi Encontros do Pan, de Campos, Riomar Trindade e Denise anunciar os vencedores da Renato Ribeiro e Cléber Rothenburg — jornal Correio Braziliense-DF. categoria Reportagem de Schettini — TV Globo/ Rádio. Menezes apresenEsporte espetacular REGIÃO SUL tou esquetes que levaram Os Rios Grandes do Sul, de Letícia Duarte, REPORTAGEM DE TV com a participação de Jaisson Valim — a platéia às gargalhadas. A corrida do ouro, de jornal Zero Hora-RS. A festa teve ainda muiArnaldo Duran e equipe tas torcidas organizadas — TV Record/Jornal da REGIÃO SUDESTE para os finalistas das váriRecord. Os caminhos da cidadania, de Mônica as categorias — a da Rádio Teixeira e equipe — TV Globo-RJ. REPORTAGEM CBN e a do Jornal do ComCINEMATOGRÁFICA REGIÃO NORDESTE mercio de Pernambuco desOs tropeiros, de Francisco Um Nordeste mais quente — o começo Maurício Azêdo, Presidente da ABI, entrega o prêmio de Reportagem de TV a tacaram-se entre as mais Maffezoli Jr., Ivo Coelho e do fim, de Verônica Falcão e João Arnaldo Duran e sua equipe da Record, pela matéria A corrida do ouro. animadas. A animação, Jorge dos Santos, TV Valadares — Jornal do Commercio-PE.
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DEPOIMENTO
ALDIR BLANC
Retrato de Aldir quando jovem, no começo dos anos 1970, em desenho do pintor Mello Menezes.
O poeta do hino da anistia, O bêbado e a equilibrista, fala de sua fecunda trajetória como compositor e de sua intensa atuação na imprensa como cronista. ENTEVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES
Aos 61 anos, festejados em 2 de setembro, Aldir Blanc se orgulha da parceria com João Bosco, com quem forma a dupla de compositores vivos mais gravados por Elis Regina. Em seu apartamento na Muda, Zona Norte do Rio, onde vive quase recluso com a mulher Mari, os netos gêmeos Pedro e Joana e cerca de 15 mil livros, o poeta e cronista carioca conta por que trocou a medicina pela música e crônicas na imprensa na imprensa. Em dezembro de 2006, nova troca: foi do jornal para a tv e, ao lado de Ferreira Gullar, Jorge Mautner, José Celso Martinez e Augusto Boal, faz o programa Retalhão, que vai ao ar aos domingos, às 20h30min, no Canal Brasil. Acompanhado do fiel companheiro Batuque, labrador que adotou há cinco anos, ele fala ainda de direito autoral, da paixão pela literatura e o Vasco da Gama, da traição que diz ter sofrido de Renato Russo, dos truques e artimanhas que usou para se livrar da censura e da amizade com Henfil e Chico Mário, irmãos de Betinho, e diz que não esperava que O bêbado e a equilibrista acabasse se tornando no hino da Anistia. 26 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
Durante 40 anos escrevi em todos os jornais do Rio
Jornal da ABI — Antes de ingressar na música, você chegou a exercer a psiquiatria. O que o levou a estudar Medicina? Aldir Blanc — Foi um comentário do meu pai. Ele me acompanhou a uma cerimônia no Colégio São José, onde eu estudava e havia tirado nota dez em todas as provas de Biologia, conquistando uma medalha de ouro. Ele jamais tinha dado um palpite sobre os meus estudos e me surpreendeu com o seguinte comentário: “Pelas suas notas em Biologia, acho que você deve estudar Medicina.” Jornal da ABI — Como foram os primeiros anos na faculdade? Aldir — Logo no início, não sentia firmeza. Passava em todas as matérias, menos Anatomia. No segundo ano, a mesma coisa. No terceiro, melhorei, porque fui fazer Clínica no Hospital Gaffrée e Guinle, na Reumatologia, e me tornei um acadêmico bom e dedicado ao que fazia. Jornal da ABI — Você estava convicto de ter feito a opção profissional certa? Aldir — Nem então eu tive essa certeza. Quanto à paixão pela Reumatologia, acabou depois do 4º ano. Cheguei ao 5º e precisava ir a algum lugar, mas não tinha a menor idéia do que queria ser. Jornal da ABI — Como conseguiu terminar o curso? Aldir — Incentivado por um amigo da faculdade. Quando falei que ia largar tudo, ele me disse: “Vai deixar o curso quase no fim? Não faça isso. Como seu temperamento é meio doido, vou leválo para um lugar onde acho que você vai fazer um bom trabalho”. E me indicou o Hospital Gustavo Riedel, no Engenho de Dentro, para trabalhar na Enfermaria Pedro Pernambuco Filho, onde ficavam 120 pacientes indigentes e seminus, para 40 leitos e sem remédio. Jornal da ABI — Até quando durou o interesse pela psiquiatria? Aldir — Até eu começar a tocar percussão com o João Bosco e a fazer letras de músicas que me tomavam um tempo do estudo que eu achava essencial. Precisava sair à noite para tocar, às vezes até viajar... Foi um movimento que eu sabia que era definitivo, sem volta, embora me mantenha rigorosamente atualizado com os livros de psicoterapia e psicanálise. São leituras que fazem parte do meu círculo normal de leitura, com muito prazer. Jornal da ABI — Quais são suas outras leituras prediletas? Aldir — Sempre li muito e tenho em casa cerca de 15 mil volumes. Comecei pelas leituras óbvias da juventude, como Monteiro Lobato e tudo que era aventura e capa e espada, além das coleções de Charlie Chan, Sherlock Holmes e Arsène Lupin. Mas dois títulos marcaram a minha adolescência: A casa demolida, do Sérgio Porto, e Tijolo de seguran-
ça, do Carlos Heitor Cony; atuaram em mim como se fosse um abalo sísmico, porque não eram os meus piratas ou detetives. Depois, comecei a comprar loucamente os autores brasileiros e outros estrangeiros consagrados. Jornal da ABI — Que autores brasileiros? Aldir — Primeiro, Esdras do Nascimento, Adonias Filho e José Condé. Mais tarde, Jorge Amado, Guimarães Rosa e alguns poetas que lia menos. Eu me lembro de que quando li pela primeira vez Dentaduras duplas, do Carlos Drummond de Andrade, tomei um choque e levei uns dois anos para compreender que era um poema magnífico. Jornal da ABI — Você é cria do Estácio e de Vila Isabel, bairros com tradição de samba e boemia. Isso influenciou sua formação artística? Aldir — Meus livros Rua dos Artistas e arredores e Porta de tinturaria falam rigorosamente sobre a experiência dos anos vividos em Vila Isabel, dos almoços de domingo, com comida farta, muitas caixas de cerveja... Foi nessa época que acabei criando um temperamento sardônico.
val. A canção tirou segundo lugar, ovacionada pela platéia.
nho, com versos que me marcaram profundamente.
Jornal da ABI — Você fez outro sucesso com o Sílvio, Amigo é praessas coisas. Aldir — Essa música tem uma história inusitada. É um diálogo, que o Rui e o Magro do MPB-4 transformaram em uma conversa entre quatro pessoas. Acredite quem quiser: não deu certo nem no ensaio geral. No entanto, quando eles entraram no palco, certos de que seria um tremendo fracasso, pela primeira vez funcionou, cativou o público. E está viva até hoje.
Jornal da ABI — Como nasceu a parceria com João Bosco? Aldir — Ele estava na platéia de um desses festivais de que participei, sentado ao lado de uma pessoa que ele não sabia que era minha amiga, e disse: “Eu tenho dezenas de músicas que gostaria que fossem letradas por esse cara.” Nós nos encontramos e a coisa teve o efeito de uma cachoeira. Dessa primeira fase, gravamos Bala com bala e Agnus sei.
Jornal da ABI — Qual foi o seu envolvimento como Movimento Artístico Universitário–Mau? Aldir — O Mau se apropriou do campo artístico universitário e o traiu, porque ali nem dez universitários havia. Nenhum plano para expandir o movimento para o circuito das universidades foi levado a sério. Então apareceu a proposta da Globo para fazer o programa Som livre exportação, que só tinha interesse nas figuras de proa e em compositores que interpretassem as próprias canções, como Ivan Lins, Gonzaguinha
Jornal da ABI — Os personagens dos livros foram tirados dessas reuniões dominicais? Aldir — Principalmente o Russo, que aparece nos dois. Ele é um cara suburbano do tipo madeira pra toda obra, tocava tão bem um martelo e um prego quanto consertava um telhado. Esse mesmo Russo, no segundo livro, encarna o personagem Esmeraldo Simpatia É Quase Amor, o homem de bigodinho fino que dá em cima de todas as mulheres. Jornal da ABI — O jornalista Maurício Azêdo, Presidente da ABI, acha que a sua crônica tem um estilo que lembra Sérgio Porto. Aldir — É uma comparação que me honra, porque eu me lembro do prazer de ler a coluna que ele assinava como Stanislaw Ponte Preta, na Última Hora, e de ver As certinhas do Lalau, que nos levavam a grandes sonhos eróticos (risos). O Sérgio Porto usava a linguagem do cronista tarimbado em jornalismo; eu me aproximo dos personagens dos quadrinhos, que têm hora para entrar e sair da história, sempre com um fecho do mesmo alter-ego. Jornal da ABI — Sua estréia no Festival Internacional da Canção, em 1968, foi o casamento definitivo com a música? Aldir — Acho que foi no ano seguinte, quando letrei Nada sei de eterno, uma música muito romântica do Sílvio da Silva Júnior que todo mundo achava que ia ficar de fora. De repente, o Taiguara, que havia estourado com Helena, Helena, apareceu chorando e disse a mim e ao Silvinho que aquela era a música que ele ia cantar no festi-
Jornal da ABI — São quantas composições no total? Aldir — Fizemos uma conta recentemente e contabilizamos, por alto, mais de 120 músicas. Se formos contar as inéditas e aquelas cujas letras ficaram pela metade, sobe para umas 150. Jornal da ABI — Depois de Tom Jobim, você e João Bosco são os autores mais gravados por Elis Regina. Aldir — Como diz um amigo meu, perder para o Tom Jobim não é perder. Ele tem 30 músicas gravadas por ela e eu e o João temos 28, ou seja, somos os compositores vivos mais gravados pela Elis.
“O Mau se apropriou do campo artístico universitário e o traiu. Nenhum plano para expandir o movimento para o circuito das universidades foi levado a sério.” e César Costa Filho. Os outros não tiveram a menor chance. Jornal da ABI — O crítico Roberto M. Moura dizia que você é uma mistura da tradição musical de Catulo, Orestes Barbosa e Caymmi com autores modernos como Renato Russo. Você concorda? Aldir — O Roberto erra ao me trazer até o Renato Russo, com quem eu não tive identificação alguma e que me traiu um pouco antes de morrer. Pediu para usar um trecho de O bêbado e a equilibrista, dizendo que seria uma honra se eu permitisse o uso da letra. Aceitei e ele se referiu à composição numa gravação do Fantástico, dizendo que não gostaria de fazer músicas idiotas como essa. Jornal da ABI — Que gêneros musicais são marcantes na sua formação de compositor? Aldir — Quem me formou foi a seresta. Eu ouvia Sílvio Caldas, Onésimo Gomes, Orlando Silva, e ficava profundamente encantado com a riqueza das letras, com a capacidade de se criar imagens fascinantes com elas, como fizeram Lamartine Babo e Ari Barroso. Depois vieram Cartola e Nelson Cavaqui-
Jornal da ABI — Quais são seus outros parceiros mais freqüentes? Aldir — O Guinga, com quem já fiz entre 80 e cem composições, e o Moacir Luz, um parceiro e tanto também. Depois vêm Jaime Vignoli, Sueli Costa, Edu Lobo, Lourenço Baeta (Boca Livre), Djavan e Ivan Lins. Sou autor de 500 composições, 450 das quais estão registradas em discos. Jornal da ABI — Você esperava ver O bêbado e a equilibrista virar o hino da Anistia? Aldir — O que é bacana nessa música é que ela não nasceu ligada ao tema. Quando o Chaplin morreu, o João me chamou na casa dele e disse que havia feito um samba, cuja harmonia tinha passagens melódicas parecidas com Smile (do filme Tempos modernos), propositalmente construídas para que homenageássemos o cineasta. Só que, casualmente, encontrei o Henfil e o Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio. Jornal da ABI — Surgiu aí a idéia de incluir o Betinho na letra? Aldir — O papo com o Chico e o Henfil me deu um estalo. Cheguei em casa, Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 27
DEPOIMENTO ALDIR BLANC
liguei para o João e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos exilados. Não era a idéia original, mas ele não criou caso e disse: “Manda bala, o problema é seu”. A música foi cantada pela primeira vez, pela Elis, num programa em São Paulo. No dia seguinte, estava estourando em todo o Brasil e ainda nem tinha sido gravada. Jornal da ABI — Como foi seu primeiro contato com o Betinho? Aldir — Ele retornou ao Brasil, depois da Lei da Anistia, e foi assistir a um show no Canecão (Rio). A gente se cruzou numa ida ao banheiro. Ele olhou para mim e falou, sorrindo: “É você, não é? Eu pretendia terminar os meus dias lá fora e voltei por causa dessa música, seu f.d.p”. E assim essa amizade se solidificou, a ponto de nos transformarmos, Betinho, Henfil, Chico Mário e eu, em quatro irmãos.
Com João Bosco, no começo de uma parceria que gerou mais de 120 criações; à direita, com Moacir Luz, parceiro mais recente de colaboração igualmente fecunda. Aldir, que mudou apenas na cor da barba, tem mais de 500 composições. Vítima de roubo, não vive de direito autoral.
Jornal da ABI — Você teve muitas canções censuradas? Aldir — O tempo todo. A que deu mais problemas foi O mestre-sala dos mares. No prédio onde funcionava a Censura, um sujeito chegou perto de mim e disse: “Vocês estão errando. Estão trocando os versos, mas a palavra ‘negro’ permanece. Vocês estão fazendo apologia do negro e a nossa orientação aqui é para não aceitar esse tipo de coisa. Já te dei o toque, agora vê o que você arruma”. Jornal da ABI — Qual foi a sua saída? Aldir — Com base numa estratégia que havia aprendido na RCA, introduzi na letra elementos surrealistas, como baleias e polacas, entre outros, e troquei o navegante negro, ou almirante negro, por mestre-sala dos mares. Aí a música passou, mesmo falando em sangue, chibata, glória a todas as lutas inglórias e tudo mais (risos). Jornal da ABI — A maioria dos compositores reclama de arrecadação de direito autoral. Você também tem queixas? Aldir — Houve um tempo em que fui intensamente roubado. Juntamente com outros compositores, pedi prestação de contas à Sicam (Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais), que imediatamente cancelou nossa filiação, nos expulsou da entidade e ficou com nosso dinheiro, conforme ficou comprovado pelo laudo de um juiz. Eu não vivo de direito autoral. Sobrevivo de bicos, letras, textos para jornal, livros, releases, o que pintar, ou não consigo completar o mais bobo dos orçamentos domésticos mensais. Jornal da ABI — Como se deu a sua integração com a turma do Pasquim? Aldir — Um dia o Ziraldo me telefonou, pedindo um artigo especial para a edição de Natal. Eles gostaram da crônica e me pediram mais duas. Passou um tempo e o Ivan Lessa, uma das pessoas mais rigorosas que conheci, me telefo28 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
nou e disse: “Parabéns, de hoje em diante você é membro da patota do Pasquim.” Jornal da ABI — Houve um momento em que você escreveu muito para jornais. Aldir — Em relação a esse dado, acontece uma coisa muito curiosa. Toda vez que eu encontro um jornalista ortodoxo, escuto que não tenho nada a ver com jornalismo. De fato, pode ser que eu não tenha nada a ver. Mas durante 40 anos escrevi em todos os jornais do Rio. E ainda fui colunista do Estadão, a convite do Aluizio Maranhão (atualmente editor de Opinião do Globo) . Jornal da ABI — Com quais publicações você colaborou mais assiduamente? Aldir — A Hora do Povo e a Última Hora, que tinha o Suplemento feminino, para o qual eu adorava escrever. Fui também articulista e cronista esportivo da Tribuna da Imprensa. Na primeira passagem pelo JB, escrevi rodapés sobre discos e fiz uma série dificílima com o Lan: ao invés de ele ilustrar meus textos, eu é que criava uma história em cima do desenho dele. Depois passei um tempo em O Dia, até o casal Garotinho pedir a minha cabeça. O então Diretor de Redação alegou que me cortaram porque eu escrevia muito palavrão, mas isso não é verdade. Em seguida, voltei ao JB, de onde fui dispensado, estupidamente, por uma moça educadíssima de quem
não direi o nome, para não mandarem ela embora também. Pra variar, o editor não me demitiu pessoalmente, o que sempre acontece. É uma espécie de preconceito, como se dissessem: “Ele merece menos consideração porque vem da música popular.” Jornal da ABI — Foi bom mudar para a tv, há quase um ano,e fazer o Retalhão? Aldir — Nunca pensei que fosse gostar tanto desse trabalho, porque tenho dificuldade com televisão, luz, câmera etc. Atribuo a alegria com que o faço à equipe do programa, que soube me deixar à vontade, e também ao fato, importantíssimo pra mim, de que os temas são absolutamente livres, à minha escolha. Com dezenas de programas feitos, jamais sofri qualquer tipo de pressão ou corte. Se eu, com minhas limitações diante de palco, mídia e tal, sonhasse com um lugar para fazer uma tv ideal, não seria tão bacana quanto o Canal Brasil. Jornal da ABI — Voltando à MPB, seus dois discos solo, Aldir 50 anos e Vida noturna, apesar de muito elogiados pela crítica, não tocam nas rádios. Aldir — Não são apenas os meus discos que não tocam no rádio, a não ser em programas idealistas como o do Osmar Frazão, na Rádio Nacional. O problema foi e continua sendo o jabá. Para dar uma idéia, no começo da carreira eu
e o João Bosco fizemos duas suítes de mais de 12 minutos cada, em parceria com o falecido cineasta Cláudio Tolomei, que ninguém conhece. Jornal da ABI — O Centro de Referência da Música Carioca, inaugurado pela Prefeitura na rua em que você mora, é uma iniciativa que vai dar samba? Aldir — Espero mais interação entre o que a casa representa e o bairro da Muda, porque eu fui até lá para um show do Guinga e só havia dois negros na platéia. Também não vejo as crianças das comunidades carentes da Grande Tijuca brincando ali. Enquanto isso não acontecer, o lugar não será a casa de cultura dos meus sonhos. Jornal da ABI — As crianças estão mais presentes na sua vida. A letra de Acalanto pros netos é a confissão de um avô coruja? Aldir — Em outubro de 91, sofri um acidente de carro. Fraturei o fêmur de maneira incomum, fui submetido a uma séria cirurgia e, não por culpa dos excelentes médicos, fiquei com a perna dura. Após oito meses de cama, isso me arrasou e eu comecei lentamente a desistir. Não só de melhorar, mas talvez de viver. No ano seguinte, fui surpreendido com a chegada de três dos quatro netos, e a minha vida mudou inteiramente. Sei que a metáfora é batida, mas foi como se flores brotassem no deserto. Jornal da ABI — E sua outra paixão, o Vasco da Gama? Aldir — Tenho uma relação afetiva com o clube, mas não me identifico com o Vasco do Eurico, com suas cavalices e a perseguição estúpida ao Flamengo, que só nos deu vexame. Perdemos três títulos depois que ele escolheu esse caminho como meta eleitoral. Por isso eu o chamo de Maquiavel ao Zé do Pipo. Vou contar tudo isso no livro Código da Gama que quero terminar até dezembro, fazendo algum tipo de previsão entre o que está aí agora e o clube que nós vascaínos queremos.
Aconteceu na ABI
O AfroReggae mostrado por Cacá Grupo da Favela de Vigário Geral queria fazer um filmete de cinco minutos. Cacá Diegues foi lá e descobriu e produziu material para um longa, cheio de histórias sofridas.
CinBeI A
O grupo conseguiu tirar a Favela de Vigário Geral das páginas da reportagem policial dos grandes jornais e levála para os cadernos de cultura em 1995, quando fez Caetano Veloso e Regina Casé irem à comunidade para o seu batismo como AfroReggae.
TEXTOS DE MÁRCIA MARTINS
O Cine ABI apresentou no dia 19 de novembro o documentário Nenhum motivo explica a guerra, de Cacá Diegues e Rafael Dragaud, que conta a história do AfroReggae, grupo musical criado na Favela de Vigário Geral, subúrbio do Rio, com a intenção de vencer a violência e resgatar crianças e jovens do poder dos traficantes de drogas. Em seu primeiro documentário, Cacá Diegues usa os integrantes do AfroReggae para contar a história do grupo. Todos falam da violência que fazia parte do cotidiano deles. Dinho, por exemplo, era menino quando presenciou um assassinato pela primeira vez. Estava num bar com a mãe quando um grupo de homens armados matou um rapaz a poucos metros dele. Já Altair Martins tinha sete anos quando viu dois homens matando um garoto com pedradas na cabeça. LG, aos 12, recebeu ordens da mãe para comprar um frango. No aviário, viu dois rapazes abraçados como se estivessem brincando. De repente, um deles tirou um revólver da calça e matou o companheiro. Hermano, aos 16, parou numa blitz da Polícia na entrada da favela. Os soldados não gostaram do estado do CPF dele — tirado três anos antes, quando começou a trabalhar — e o espancaram ali mesmo. Foi a primeira vez que apanhou da Polícia. Quem costura a história de Cacá Diegues é José Júnior, coordenador-geral do Grupo Cultural AfroReggae. Nascido e criado na favela, ele perdeu todos os amigos para o tráfico, mas mesmo assim disse não aos traficantes. O documentá-
O mestre Cacá
rio começa com o relato dos principais personagens do AfroReggae, que nasceu no início da década de 90, logo depois do assassinato de quatro policiais na favela, em 1993, que resultou na chacina de 21 moradores da comunidade. Depois de 14 anos, o AfroReggae ganhou respeito dentro e fora do Brasil. O grupo trabalha para resgatar crianças e jovens do poder do dinheiro fácil e da vida curta oferecida pelos traficantes. Ao todo, desenvolve mais de 60 projetos sociais que incluem não apenas os moradores de Vigário Geral, mas também policiais.
Cacá Diegues nasceu em Maceió e ainda pequeno mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Estudou no Colégio Santo Inácio, dirigido por jesuítas, até prestar vestibular para a Pontifícia Universidade Católica, on-de cursou Direito, numa época em que não havia escolas de cinema no Brasil. Na PucRio, como Presidente do Diretório Acadêmico, fundou um cineclube e começou suas atividades de cineasta amador, na companhia de David Neves, Arnaldo Jabor, Paulo Perdigão e outros. Ainda estudante, dirigiu o jornal O Metropolitano, órgão oficial da antiga União Metropolitana Estudantes – o Rio ainda era capital da República — e se juntou ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Esudantes-Une. Nesse período, em colaboração com David Neves e Affonso Beato, realizou três curta-metragens, entre os quais Domingo, um dos filmes pioneiros do movimento estudantil. Tanto o grupo da Puc quanto o do Metropolitano se tornaram um dos núcleos de fundação do Cinema Novo, do
qual Cacá foi um dos líderes, juntamente com Gláuber Rocha, Leon Hirszman, Paulo César Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. No Centro Popular de Cultura, dirigiu seu primeiro filme profissional, Escola de Samba Alegria de Viver, episódio do longa-metragem Cinco vezes favela. Cacá Diegues participou da resistência intelectual e política ao golpe militar e deixou temporariamente o Brasil durante a ditadura, vivendo primeiro na Itália e depois na França, na companhia da cantora Nara Leão, então sua mulher. De volta ao Brasil, ainda realizou dois filmes nos chamados anos de chumbo. Com seus 15 longas, entre eles Ganga Zumba (1964), A grande cidade (1966), Os herdeiros (1970), Quando o Carnaval chegar” (1972), Joana, A francesa (1973), Xica da Silva (1976), Chuvas de verão (1978), Bye-bye, Brasil (1979), Quilombo (1984) e Dias melhores virão (1990), participou de vários festivais internacionais, como os de Cannes, Veneza, Berlim, Nova York e Toronto, obtendo prêmios importantes. Muitas de suas produções foram exibidas comercialmente na Europa, nos Estados Unidos e em toda a América Latina. A obra de Cacá Diegues também tem sido objeto de estudos e teses publicados no Brasil e em outros países. Na França, onde é membro da Cinémathèque Française, recebeu o título da Ordre des Arts et des Lettres, da qual depois se tornou Officier. Ganhou ainda a Medalha Pedro Ernesto da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, o título oficial de Comendador da Ordem de Mérito Cultural e a Medalha da Ordem de Rio Branco, a mais alta do País.
O integralismo num longa de Sérgio Sanz O filme Soldado de Deus, de Sérgio Sanz, que aborda o movimento integralista brasileiro e sua ideologia, e a perseguição aos ideais de esquerda e comunistas na época pós-Revolução de 30 foram os temas debatidos no Cine ABI na sua sessão do dia 10 de dezembro. A década de 30 foi um período conturbado na política brasileira, com a ascensão de diversas correntes políticas, entre as quais o integralismo. O documentário traz o depoimento de intelectuais e religiosos, sobretudo da Igreja Católica, que narram suas impressões sobre esse momento da História do Brasil. Com uma simbologia marcante — representada, por exemplo, pelo cumprimento “anauê” —, o integralismo é tido como um movimento de tendências fascistas e, atualmente, deixou de ser tema explorado pela mídia e pelos intelectuais.
Ao falar sobre o assunto, Sérgio Sanz, que estreou em longa metragem com esse filme, enfatizou que é de extrema importância a exibição de filmes de cunho político na ABI, uma vez que “os jornalistas são formadores de opinião e não existe opinião sem informação”: — Trazer meu filme para a Casa do Jornalista é muito auspicioso para mim e muito gratificante, já que pela ABI já passaram pré-estréias de importantes obras e inúmeros filmes não-convencionais, como o cinema polonês, que pouco vemos por aqui. É de extrema importância a revitalização deste local e, mais ainda, a articulação entre as mídias —, disse Sérgio Sanz. Sérgio Sanz começou no cinema como assistente de direção de Rui Guerra, com quem trabalhou nos filmes O cavalo de Oxumaré (1960), Os cafajestes (1962), Os fuzis (1964) e Os deuses e
os mortos (1970). Na mesma função, atuou com diretores como Paulo César Saraceni, Fernando Campos e Flávio Tambelini. Foi montador na trilogia documental Cantos de trabalho, de Leon Hirszman, no curta-metragem Cruz e Sousa, de Marcos Faria, e Ladrões de cinema (1977), de Fernando Cony Campos. Recebeu medalha de prata no Festival Internacional de Filmes de Publicidade, em Nova York. Em 1977, ganhou o Prêmio Estácio de Sá, concedido pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro por sua contribuição ao cinema brasileiro. Dirigiu o documentário Caminho das onças, pelo qual recebeu, em 1998, o Kikito de Ouro de melhor filme 16mm, no Festival de Gramado, o Prêmio Especial do Júri no Festival de Vitória e o de Melhor Montagem no Festival de Recife. (Débora Giordano)
Sérgio Sanz: O espaço do Cine ABI é de extrema importância.
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Aconteceu na ABI
Cazuza, um arraso de Sandra Werneck No ano de lançamento, 2004, o filme teve 3,5 milhões de espectadores. Foi o campeão nacional de bilheteria. VANTOEN PEREIRA JR.
Cazuza — O tempo não pára foi o filme exibido em 27 de novembro pelo Cine ABI, em sessão que contou com a presença do co-diretor Walter Carvalho, que falou dos bastidores da produção da obra, inspirada no livro Só as mães são felizes, da mãe do cantor e compositor, Lucinha Araújo, interpretada por Marieta Severo.O longa traz pouco mais de dez anos da vida do poeta, do início da sua carreira no palco do Circo Voador, em 1981, passando pelo sucesso alcançado junto com o Barão Vermelho e, depois, na carreira solo, até a morte prematura, em 1990, vítima de aids. Quando recebeu o convite para dirigir o filme, Sandra Werneck pensou em fazer um misto de documentário e ficção sobre a vida de Cazuza. Durante os testes com 60 candidatos para escolher o protagonista, a diretora conheceu Daniel Oliveira e acabou se decidindo pela ficção. O ator incorporou o papel nos mínimos detalhes. O gestual e a maneira de falar ficaram muito parecidos com os de Cazuza. No filme, parte das músicas é dublada pela voz original do cantor e parte é interpretada por Daniel Oliveira. Cazuza - O tempo não pára foi campeão nacional de bilheteria no ano em que foi lançado, 2004, com mais de 3,5 milhões de espectadores, e ganhador de diversas categorias do Grande Prêmio TAM de Cinema, inclusive a de melhor filme. Wálter Carvalho, que também assina a fotografia do filme, disse que ele e Sandra não tiveram muito trabalho para reunir material para o longa. – Na casa de Dona Lucinha, mãe de Cazuza – con-
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Sucessos e prêmios
Daniel Oliveira ficou igualzinho a Cazuza nas roupas, no gestual e na voz.
tou —, tivemos acesso a cinco álbuns enormes de fotos dele. Nunca vi nada parecido. Além disso, havia muita coisa gravada em vhs e super 8. Imagens foram também conseguidas com os integrantes do grupo Barão Vermelho. Com os recursos disponíveis, conta Wálter, foram feitas tomadas em 16 mm e usados vários processos para que a película lembrasse as imagens caseiras, feitas pela família e os amigos. — Minha vontade — disse – foi a de dar a câmera nas mãos dos integrantes do Barão para que montassem o filme, para que ele tivesse a cara do Cazuza. Não fiz isso, mas também não utilizei tripé, só câmera na mão. Quem assiste ao filme fica com vontade de saber o que acontece no outro quadro não mostrado.
Gaúchos trazem cinco curtas A desconstrução do cique fosse deste tamanho. E nema do Flõ, Festival do sempre que puder estarei Livre Olhar, esteve preaqui. Hoje trago um pedasente no Cine ABI no dia cinho do Flõ. Quero em 3 de dezembro. O grupo janeiro fazer algo maior gaúcho do Cinema8ito aqui na ABI. trouxe cinco curtas que Biah disse ainda que foram apresentados duagora o grupo começa o rante os festivais iniciaque chama de “mochilados em 2001. gem”, ou seja, viajar pelo No Salão João Mesplé, País com os filmes que fono nono andar do edifíram exibidos no festival cio-sede da ABI, o grupo deste ano. Biah Werther: Grupo gaúcho vai montou uma exposição Ao apresentar o Cinecom fotos de Edu Iochpe, percorrer o País com seus curtas. ma8ito e o FLõ, Sérgio Sanque integra o Cinema8ito teiro, curador do Cine ABI, e que não pôde estar presente ao Flõ desafirmou que os filmes que seriam vistos te ano, no fim de novembro. As fotos foeram estranhos e que muitas pessoas jaram inspiradas no curta Uma, que partimais tinham visto algo parecido. Foram cipou da edição do festival do ano passaexibidos Wragda, de Frederico Cardoso, do e mostra duas mulheres em uma cama premiado na edição 2005 do Flõ; Lilith — que está numa árvore, onde conversam a última viagem do século, de Biah Were discutem temas femininos. ther, primeiro curta do Cinema8ito; A Uma das coordenadoras do grupo, Biah verdade às vezes mancha, de André ArieWerther disse ter ficado encantada com o ta; VideoTrip, de Luiz Rosemberg Filho; Auditório Oscar Guanabarino: — Aqui é e Lula à doré, de Rafael Schiliting, venum espaço muito bonito. Não imaginei cedor do Prêmio Inovação no Flõ 2007. 30 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
Farias, como João Araújo, pai do artista; Emílio de Melo, como o jornalista Ezequiel Neves, impulsionador da carreira de Cazuza, Leandra Leal e Andréa Beltrão, as amigas dele Bebel e Malu, André Gonçalves, como Maneco, e Débora Falabella, em participação especial.
O fato de fazer um longa sobre Cazuza, moderno, não livrou a dupla de cineastas das pressões dos críticos. Diz Wálter que na época em que o filme foi exibido em grande circuito muita gente questionou o motivo de o cantor Ney Matogrosso não ter sido citado: — Ao falar de alguém tão atual e tão popular, a gente descobre que há muitos biógrafos no País. Todo mundo sabe algo da vida dele. Quanto à popularidade do filme, Wálter Carvalho afirma não saber o que atraiu tanta gente. — Até hoje não sei a quem ou a que atribuir o sucesso do filme. Além de Daniel Oliveira no papel-título e de Marieta Severo como a mãe de Cazuza, integram o elenco Reginaldo
Cavalcânti exibe seu Presépios “É uma obra ligada à minha infância”, diz o ator e agora diretor, que lançou o filme na ABI. O documentário Presépios, de Emmanuel Cavalcânti, foi apresentado no dia 17 de dezembro no Cine ABI e encerrou a programação cinematigráfica da Casa de 2007. Foi a primeira vez que o médiametragem foi exibido ao público. A sessão foi aberta pelo Diretor de Cultura e Lazer, Jesus Chediak, que ressaltou que projeto Cine ABI foi criado para contribuir com a discussão e reflexão sobre o cinema brasileiro. Chediak lembrou ainda de vários cineastas que já tiveram seus filmes exibidos no Auditório Oscar Guanabarino, ao longo dos seis meses de realização do projeto. Ele agradeceu a presença da platéia e fez uma homenagem ao cineasta cujo
Sandra Werneck é autora e diretora de dois filmes românticos de sucesso: Pequeno dicionário amoroso, que ganhou o prêmio de melhor fotografia e melhor montagem no Festival de Brasília, e Amores possíveis, ganhador do prêmio de melhor filme latino-americano no Sundance Film Festival. Antes de seu primeiro longa-metragem, Sandra já era conhecida como realizadora de documentários de curta e média metragem com ênfase em temas de cunho social. Entre eles, destacam-se Pena prisão, que recebeu o prêmio de melhor filme do júri popular no Festival de Brasília, Damas da noite, melhor filme do júri popular no Rio Cine Festival, e A guerra dos meninos, melhor filme e melhor direção no Festival de Gramado, prêmio especial do júri no Festival de Documentário de Amsterdã e Prêmio OCIC no Festival de Havana. A cineasta dividiu com Murilo Sales a direção do polêmico curta Pornografia, exibido no Festival de Gramado. Em 2006, lançou Meninas, documentário de longa metragem que retrata a gravidez na adolescência e entrou na Mostra Panorama no Festival de Berlim. No mesmo ano, iniciou a preparação de Sexo, crochê e bicicletas, longa de ficção sobre a vida de três adolescentes, moradoras de um bairro pobre de uma cidade grande.
filme encerrou a temporada deste ano do projeto: — Vou contradizer Nelson Rodrigues, que dizia que toda unanimidade é burra. Cavalcânti é uma unanimidade. Emmanuel Cavalcânti se declarou feliz em exibir Presépios pela primeira vez na tela do Cine ABI. Ele destacou a presença do cineasta Nelson Pereira dos Santos, do Presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Rio de Janeiro, Jorge Coutinho, e do cantor e compositor Sérgio Ricardo. A exibição de Presépios, disse, não poderia ter acontecido em melhor hora: — É uma noite raríssima porque completo 70 anos de idade e 40 de profissão; é muito bom ter um espaço como o da ABI para a exibição de filmes. Presépios foi feito no início de 2007, tem 57 minutos de duração e a direção de fotografia de Noílton Nunes, que é um dos curadores do Cine ABI. O filme mostra dois presépios: o da Igreja Cristo Redentor, localizada em Laranjeiras, Zona Sul; e o do Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, no Centro
O sonho de Darci, por Vladimir Em imagens e sons, a luta pela criação da Universidade de Brasília e sua ocupação militar em 1968. Barra 68, sem perder a ternura, de Vladimir Carvalho, exibido no Cine ABI no dia 5 de novembro, é um documentário que conta a luta de Darci Ribeiro, no início dos anos 60, para criar e implantar a Universidade de Brasília e as agressões sofridas pela UnB, desde o golpe militar de 1964 até os acontecimentos de 1968, quando o campus foi ocupado por tropas militares e 500 estudantes foram detidos numa quadra de esportes da UnB. O evento precedeu a edição do Ato Institucional nº 5 e do Ato Suplementar nº 38, que colocou o Congresso Nacional em recesso. Antes da exibição do longa, Vladimir conversou com a platéia sobre o cinema nacional. Para o cineasta, a mídia, de uns tempos para cá, vem manipulando e até mesmo determinando em que salas serão exibidos os filmes: — E faltam locais para as produções brasileiras. Não temos como obrigar que exibam os nossos filmes. Estamos num mato sem cachorro. A discussão estendeu-se ao fenômeno de divulgação de Tropa de elite. Para Vladimir, deve-se questionar até que ponto foi ruim uma cópia pirata do longa ter parado nas mãos de camelôs do Rio de Janeiro: — Eles viraram grandes divulgadores e pode ser que o sucesso do filme tenha vindo daí. Vladimir relembrou o tempo em que freqüentava o Cineclube Macunaíma, na década de 80, e via o atual Presidente da Casa, Maurício Azêdo, caminhando pelas ruas do Centro carregado de latas do filme que seria exibido no prédio da ABI:
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Emmanuel Cavalcânti: sem meios para a produção de seu documentário, recorreu à “nova tecnologia” e filmou o sonhado Presépios em apenas dois dias.
— O Maurício tinha muita humildade para tocar o projeto. Esta sala ficava lotada. Para fazer que o Cine ABI tenha o mesmo sucesso, o cineasta acredita que é necessário mobilizar os alunos das universidades do Rio e catequizar os professores para despertar nos jovens o interesse pela cultura. — Hoje eles estão mais envolvidos com suas próprias histórias, não têm os mesmos projetos de vida de antigamente. Estão desmobilizados. O debate teve a participação de Jesus Chediak, Diretor Cultural da Casa, e de Noílton Nunes, um dos curadores do Cine ABI.
um rolo de material antigo. A primeira parte do filme mostra o clima idealista que animava a comunidade universitária antes da invasão. Nesta parte do documentário, observa-se a força que as manifestações estudantis ganharam após a morte do jovem Edson Luís, no Rio de Janeiro, até o momento em que os militares entram na UnB e mantêm como prisioneiros numa quadra de basquete cerca de 500 pessoas, entre alunos, pais, congressistas e professores.
O retorno
Mais de 30 anos depois desses acontecimentos Vladimir Carvalho levou ao campus alguns participantes daqueles episodios, revivendo com eles as experiências e a trajetória de luta dos estudantes daquele período. Com pequenas câmeras digitais, o cineasta deixou os militantes à vontade para falar dos tempos da ditadura. Imagens de hoje foram mescladas com trechos de Vladimir Carvalho na ABI: mais de 30 anos depois da razzia da ditadura na Universidade de Brasília, ele promoveu a reprodução da história pelos que viveram aqueles dias de terror.
da cidade. O filme, narrado por Cavalcânti, tem poemas e músicas do próprio diretor. Os Evangelhos de São Lucas, São Mateus e São João também são citados na película. Emmanuel Cavalcânti tem extensa carreira como ator, que inclui títulos como O amuleto de Ogum, Urubus e papagaios, Sagarana - o duelo, O dragão da maldade contra o santo guerreiro, Terra em transe e Bye, bye, Brasil. Ele dirigiu um dos episódios de Insônia, de 1980, e foi assistente de direção de Nélson Pereira em Tenda dos Milagres. A idéia de fazer esta obra ficou durante anos na cabeça de Emmanuel Cavalcânti, que conseguiu realizar o projeto no início de 2007. Com fotografia de Noílton Nunes, um dos curadores do Cine ABI, o filme mostra dois presépios: o do Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, Centro do Rio, e o da Igreja Cristo Redentor, em Laranjeiras, Zona Sul carioca: — É um projeto muito pessoal, muito ligado à minha infância, diz Cavalcânti. – Fui criado vendo presépios no Nordeste, no Rio... A imagem é extre-
mamente poética e a música associada a ela é de uma beleza sem igual. Só que eu não consegui levantar a produção, pois só pensava em película. Finalmente fui convencido a usar a tecnologia, a buscar essa “nova imagem”, que é incrível! Filmamos tudo em apenas dois dias. Depois, a relação perfeita entre as imagens e a música foi sendo encontrada na montagem. A música, é um capítulo à parte no média-metragem de Emmanuel. Ao longo de 57 minutos, não é só é contada a história do Menino Jesus, como narrada nos Evangelhos de São Mateus, São Lucas e São João. O cineasta lê alguns poemas que escreveu sobre Nossa Senhora e São Francisco de Assis e sua mãe, Maria Oliveira Cavalcânti, além de cantar a capella: — Os hinos tradicionais de Natal não podiam ficar de fora. Mas queria que tudo fizesse jus ao homenageado, um menino pobre, humilde. Daí eu cantar a palo seco, inspirado no cantochão. Emmanuel ressalta o modo de Noílton Nunes filmar Presépios: — Com a câmera livre, ele soube cap-
Na segunda parte, Barra 68, sem perder a ternura faz uma análise do que teria acontecido com o projeto original de Darci Ribeiro. A pesquisa termina numa entrevista com o oficial da Marinha José Carlos de Almeida Azevedo, que assumiu a Direção da Universidade depois de 1968. Uma obra densa
O documentarista Vladimir Carvalho nasceu em 1935 no Muncípio paraibano de Itabaiana. Começou a carreira escrevendo críticas para os jornais A União e Correio da Paraíba. Foi co-roteirista do filme de Linduarte Noronha Aruanda, um dos documentários que marcaram o início do Cinema Novo. Logo depois, dirigiu com João Ramiro Neto Romeiros da Guia, sobre a peregrinação anual de pescadores do litoral de João Pessoa à Igreja de Nossa Senhora da Guia. Em 1962, na Bahia, foi assistente de produção de Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho. Em 1967 dirigiu o curta A bolandeira, sobre os engenhos de cana de tração animal do sertão paraibano. De 1967 a 1971, dedicouse ao seu primeiro longa-metragem, O país de São Saruê, que durante um bom tempo ficou proibido pela censura. Em 1969, foi para Brasília, lecionar na Universidade, e lá realizou Vestibular 70. Em seguida, fez três média-metragens: Incelência para um trem de ferro, A pedra da riqueza e Brasília segundo Feldman. Seguiram-se os longas O homem de areia e O Evangelho segundo Teotônio. Em 1990, Conterrâneos velhos de guerra contou a história da construção da capital federal. Em 2005, trabalhou no processo de finalização de O engenho de Zé Lins.
tar bem o clima poético do presépio, tão admirado por crianças e adultos. E buscou uma luz absolutamente natural. O começo, com Francisco
O filme também conta como surgiu o presépio. Segundo a tradição católica, ele surgiu no século XIII, quando São Francisco de Assis lia um trecho de São Lucas que lembrava o nascimento de Cristo. O religioso quis celebrar o acontecimento da forma mais realista possível e, com a permissão do Papa, montou um presépio de palha, com uma imagem do Menino Jesus e, perto dela, vivos, um boi e um jumento. Nesse cenário foi celebrada em 1223 a Missa de Natal. O sucesso da representação foi tanto que rapidamente o costume se estendeu por toda a Itália, primeiramente nas casas dos nobres, depois entre as classes mais pobres. Na Espanha, a tradição chegou pelas mãos do monarca Carlos III, que a importou de Nápoles no século XVIII. Sua popularidade se espalhou nos lares espanhóis e latino-americanos ao longo do século XIX.
Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 31
Aconteceu na ABI MESA-REDONDA
Relembrando os Da Guia, uma dinastia de craques Palestra e filme mostraram a trajetória dessa linhagem do futebol, de Domingos, o Divino Mestre, a Ademir da Guia, ídolo da torcida do Palmeiras. Sob a coordenação do jornalista José Rezende, o Centro Histórico-Esportivo da ABI promoveu no dia 12 de novembro a mesa-redonda No tempo dos Da Guia, em homenagem a Domingos Antônio da Guia, um dos maiores jogadores brasileiros, que completaria 96 anos em 19 de novembro. Além de Rezende, fizeram parte da mesa José Carlos Moura, conhecedor da história do homenageado; o exgoleiro Ubirajara Motta; Celso Franco, filho do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-Presidente do Bangu Ari Franco; e o cineasta Penna Filho, diretor do documentário Um craque chamado Divino, sobre a trajetória de Ademir da Guia, filho de Domingo s e também um dos grandes nomes do futebol nacional, que se tornlou o maior ídolo da torcida do Palmeiras. José Rezende abriu o evento, no Auditório Oscar Guanabarino, expressando a sua satisfação com o sucesso do projeto Centro Histórico-Esportivo, criado em homenagem aos grandes nomes do esporte nacional: — Eventos como o de hoje representam muito para o nosso Centro Histórico-Esportivo, porque estamos encerrando o ciclo de 2007 com uma grande atividade que é esta homenagem à família Da Guia. O projeto do Centro já é uma realidade, atingimos nossos objetivos. Rezende, que fez carreira no rádio como locutor e comentarista esportivo, contou que é da geração das “peladas de onde vem nosso futebol”: — É essa memória que está sendo resgatada pelo Centro Histórico-Esportivo, com o objetivo de preservar os fatos e os personagens que escreveram a história do esporte brasileiro, como o nosso homenageado Domingos da Guia. Ele lembrou que sempre teve curiosidade em saber detalhes da vida dos craques que não pôde ver jogar: — E todos a quem indaguei apontaram Domingos da Guia como o maior zagueiro da história do futebol mundial. É por isso que estamos aqui hoje para falar dessa família, que começou com Luís Antônio e chegou a Ademir. Domingos, o consciente José Carlos Moura, por sua vez, fez referência à origem da família homenageada e à sua importância na geração de 32 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
Domingos da Guia em ação e (terceiro após ogoleiro) no time do Flamengo que conquistou o primeiro título do tri 42-43-44.
atletas que encantaram milhares de torcedores no Brasil e no exterior: — Um dos fatos mais importantes a destacar sobre os Da Guia é que eles eram filhos de trabalhadores rurais e netos de escravos. Sempre me pergunto: que genética essa família tem para ter gerado esportistas com condição tão maravilhosa? Moura, que aprendeu muito sobre os Da Guia com seu pai, Manoel Moura, conhecido em campo como Vivi, disse que uma das marcas deixadas por eles foi superar o preconceito: — Na época em que eles jogaram, havia uma forte separação entre brancos e negros nos clubes. Domingos da Guia e Leônidas foram jogadores que, por sua capacidade futebolística, começaram a romper essas barreiras. Ele recordou uma passagem da Revolução de 30: — Domingos disse que o processo revolucionário teria que servir de fato a todos, em condições iguais. Ele foi muito feliz ao dizer isso, porque mostrou que por trás do atleta havia um homem que sabia mandar seu recado. Os Da Guia nasceram com esse objetivo de primar pela igualdade. A dinastia teve início com o casal Antônio Targino da Guia e Maria Ramos da Guia, que teve 12 filhos, cinco mulheres e sete homens, dos quais quatro viraram jogadores de futebol: Luís Antônio, Ladislau Antônio, Mamédio Antônio, o Médio, e Domingos Antônio da Guia. O primogênito Luís Antônio foi também o primeiro a conquistar a fama, sendo sempre citado no Jornal dos Sports como “um zagueiro inimitável” por Ge-
raldo Romualdo da Silva, para quem Ladislau e Médio eram “laterais esplendorosos”. Mas quem se consagrou como gênio da bola foi Domingos da Guia, zagueiro de estilo clássico que passou para a história com o título de Divino Mestre, atribuído pelo cronista Mário Filho. Ademir, um simples No tempo dos Da Guia reservou para o final a apresentação do cantor e compositor Alberto Gino, autor da canção Estrela Guia, tema musical de Um craque chamado Divino, seguida da apresentação do filme sobre a trajetória de Ademir da Guia. Para o jornalista e cineasta Penna Filho, que acompanhou a carreira do jogador em São Paulo, uma de suas principais características era a simplicidade: — Vi surgir no futebol um personagem simples, que, ao mesmo tempo, tinha exuberância e se destacava pelo estilo humilde gritante. Em campo, foi diferente dos grandes meias, como Zizinho, Gérson e Didi, que jogavam das suas linhas intermediárias até às do outro lado, enquanto Ademir saía da sua pequena área para a do time adversário. Penna Filho disse que o documentário lhe deu a oportunidade de abordar assuntos importantes como o preconceito: — O Luís Antônio foi a primeira vítima. Jogava muita bola, era convocado para atuar nas seleções que jogavam dentro do Brasil, mas era barrado no exterior. Por meio da história do Ademir da Guia, mostro no filme que o Bangu foi o primeiro clube a abrir as portas
para o negro no futebol brasileiro. O ex-goleiro Ubirajara Motta, que jogou com Ademir no início de sua carreira no Bangu, também falou sobre o ex-companheiro: — Conheci o Ademir da Guia quando ele estava saindo da categoria de juniores para a equipe profissional. Era uma pessoa muito querida, que sempre parava para escutar as dicas dos jogadores mais experientes. Participei de uma excursão que o Bangu fez a Nova York para disputar um torneio com times de diversas partes do mundo, e ele foi eleito, merecidamente, o melhor jogador da competição. Planos para 2008 No encerramento, José Rezende anunciou algumas atrações da programação do Centro Histórico-Esportivo para 2008, juntamente com o Jornal do Sports: — Estamos fazendo essa parceria para incrementar o calendário do ano que vem, quando teremos grandes momentos, como os 60 anos do Vasco Campeão dos Campeões, os 75 do primeiro título do Bangu e os 50 da conquista da Copa de 58 pelo Brasil. O Diretor de Cultura e Lazer, Jesus Chediak, elogiou o trabalho que vem sendo desenvolvido pela equipe do Centro Histórico-Esportivo: — Quero saudar esse belíssimo trabalho que o Rezende tem feito na ABI, pois o futebol talvez seja uma das maiores riquezas do Brasil. Além de mostrar histórias de grandes personagens, o trabalho que vem sendo desenvolvido aqui tem nos levado à reflexão sobre o nosso esporte.
DESTAQUE
Bola de Ouro para os bambas do esporte Entre os agraciados, Amarildo, O Possesso, que compensou a perda de Pelé na Copa do Mundo de 1962. O Auditório Oscar Guanabarino foi o cenário, em 17 de dezembro, da solenidade de entrega da 34ª edição do Prêmio Bola de Ouro, concedido a personalidades e jornalistas esportivos que se destacaram no ano de 2007. Criado em 1973, para premiar cronistas e dirigentes do Rio de Janeiro, o Bola de Ouro contempla atualmente nomes de expressão do meio esportivo de todo o Brasil. O Prêmio é organizado pelo Conselho dos Jota’s, comitê presidido por José Jorge de Souza, formado por jornalistas e profissionais do esporte. De acordo com o regulamento do Prêmio, a lista dos premiados é fechada com base na análise do currículo dos profissionais selecionados, enviados pelas empresas de comunicação. Cento e dezesseis profissionais foram indicados para receber o Bola de Ouro 2007, entre eles os jornalistas Maurício Azêdo, Presidente da ABI, o jornalista, escritor e sócio da Casa, Lóris Baena, e o ex-locutor esportivo José Rezende, Conselheiro e Coordenador do Centro Histórico-Esportivo da entidade. O Presidente de Honra da Fifa, João Havelange, também figura entre os indicados ao Prêmio, mas não pôde comparecer à entrega devido a compromissos anteriormente assumidos. Também estiveram ausentes o técnico Joel Santana e o jornalista e dirigente do Flamengo Kleber Leite. O evento contou com a apresentação de dois grandes nomes do meio esportivo: o ex-locutor capixaba Cezar Rizzo, que também foi um dos premiados, e o locutor da Rádio Nacional Gerdal do Santos. Um dos primeiros a receber o Bola de Ouro foi o ex-jogador campeão do mundo Amarildo, O Possesso, que ficou famoso ao substituir Pelé, devido a uma contusão, numa partida da Copa de 1962, no Chile. Amarildo foi apelidado de Possesso pelo cronista Nélson Rodrigues, após a sua grande atuação no Mundial. De volta ao Brasil depois de passar alguns anos na Europa, Amarildo falou sobre o momento em que entrou no campo para jogar no lugar do Rei Pelé: – Havia uma grande ansiedade da torcida em saber se o substituto do Pelé estaria à altura. Mas na verdade, eu apenas joguei no lugar dele, porque o craque Pelé era insubstituível. De qualquer forma, para mim foi um prazer imenso jogar na vaga dele, pois minha missão era quase impossível. Mas graças a Deus, tive a ajuda de meus companheiros de Seleção, como Garrincha, Didi, Zagalo e Nilton Santos. Pude então demonstrar o meu valor, marcando os dois gols da vitória no jogo de estréia. Entre os agraciados com o Prêmio Bola de Ouro, figuram profissionais de jornalismo esportivo da Rádio Globo do Rio, como os locutores José Carlos Araújo e Edson Mauro; os comentaristas Gérson Nunes, Luiz Mendes e Gilson Ricardo; além dos repórteres Cláudio Perrot e Eraldo Leite. O Presidente do Clube dos Jota’s e organizador do evento, José Jorge de Souza, que também é colunista de O Diário, de Teresópolis, falou da importância do prêmio e dos profissionais: — Os jornalistas que trabalham com a cobertura esportiva se tornam cúmplices do sucesso do esporte no País, e são também responsáveis pela difusão da importância social desta atividade. O Bola de Ouro foi conmquistado também por personalidades e atletas, como o ex-administrador da CBF Gilberto Monteiro, a maratonista Edna Saiol, a professora de Educação Física Ana Cláudia de Lima, a nadadora Ramona Dias e o seu treinador Fabiano Rezende. Ganharam o Bola de Ouro e uma menção especial a repórter japonesa Kiyomi Fujiwara Nakamura e o câmera Jorge Ventura. Os dois foram premiados pela cobertura exclusiva que fizeram da Seleção Brasileira para a rede de TV Fuggie do Japão. (Rodolpho Terra)
ENCONTRO
A ética na pauta fluminense Reunidos em Quissamã, jornalistas de 12 Municípios do Estado definem uma agenda permanente de reivindicação, entre as quais o cumprimento do Código de Ética dos Jornalistas. Cerca de 200 jornalistas participaram do II Encontro Regional de Jornalistas do Norte e Noroeste Fluminense, que foi realizado nos dias 2 e 3 de dezembro em Quissamã no interior fluminense. No evento, a ABI foi representada pelo Conselheiro Mário Augusto Jakobskind, que fez um histórico da Casa e destacou a importância da figura do jornalista Gustavo de Lacerda, um dos fundadores da centenária entidade e “batalhador incansável da valorização profissional de sua categoria”. O encontro contou também com a presença dos jornalistas Ernesto Vianna, Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro; Sônia Regina Gomes, representante do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro; Paulo Tomás, Aloisio Di Donato e Soffia Vecce Lessa, da Associação de Imprensa de Campos; e Suzana Tatagiba, da Federação Nacional dos Jornalistas. Na reunião foi formada uma Comissão Intermunicipal de Jornalistas, composta pelos membros do Comitê Organizador do evento, integrada, entre outros, por Adelfran Lacerda de Matos, Fernanda Viseu, Rodrigo Florêncio, Vitor Menezes e representantes dos Municipio de Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Campos dos Goytacazes,
Carapebus, Macaé, Quissamã, Rio das Ostras, São João da Barra e São Pedro da Aldeia. Entre as funções da Comissão estão: mobilização permanente dos jornalistas da Região dos Lagos e do Norte e Noroeste fluminense em torno dos assuntos de interesse da categoria no âmbito regional; realização do Dia de Mobilização para Registro Profissional de Jornalista e de filiação ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro em Campos, Itaperuna e Macaé em março de 2008; participação efetiva dos jornalistas da região na próxima Diretoria Executiva, no Conselho do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro e junto à Fenaj. A Comissão se encarregará também de lutar pelo cumprimento do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros; promover atividades para melhoria da formação profissional dos jornalistas; elaborar um calendário de atividades culturais, educacionais e profissionais; organizar o III Encontro Regional de Jornalistas, em 2008; e acionar as entidades sindicais do Estado do Rio para a implementação de atividades que visem aos interesses classistas e à proteção e fiscalização dos direitos trabalhistas e conquistas sindicais da categoria.
COMEÇO
No ar, a tevê digital Desde 2 de dezembro está em operação em São Paulo importante avanço tecnológico. A televisão digital entrou no ar no dia 2 de dezembro, através de um pool de emissoras formado para sua primeira transmissão, com 12 minutos de duração e formato de telejornal. O programa inaugural informou aos telespectadores os benefícios da tv digital. Para essa função foram convidados os jornalistas Ricardo Boechat (Band), Rodolpho Gamberini (Rede TV!), Carlos Nascimento (SBT), Heródoto Barbeiro (Cultura), William Waack (Globo) e Marcos Hummel (Record). A tv digital, que passou a ser pauta diária nos veículos de comunicação, de acordo com os especialistas pode vir a se tornar um marco na história da televisão brasileira e promete revolucionar o sistema de radiodifusão do País. No entanto, ao mesmo tempo em que cria diversas expectativas positivas, a tv digital ainda é um tema polêmico que vem provocando muitos debates em várias instâncias da sociedade brasileira, inclusive na ABI, devido ao seu impacto tecnológico e potencial futuro de disponibilizar a um grande número de telespectadores uma programação educativa, cultural e interativa com imagens de alta definição.
As transmissões da tv digital para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (capital e mais 16 Municípios) estão previstas para os meses de abril e maio de 2008. No segundo semestre do mesmo ano, a previsão é de que entre em operação nas Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte e Brasília (junho), Fortaleza, Salvador e Curitiba (outubro). A tv digital deverá estar operando em todo o Brasil até 31 de dezembro de 2013, mas, de acordo com o Ministério das Comunicações, o prazo máximo estipulado para o fim das transmissões analógicas é 29 de junho de 2016. A responsabilidade pela gestão do sistema é do Fórum Brasileiro de TV Digital, previsto no Decreto nº 5.820, que dispõe sobre a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), criado, segundo o Ministério, “para estimular a melhoria no sistema de transmissão e recepção de sons e imagens”. O Fórum Brasileiro de TV Digital é composto por três instâncias: o Grupo Gestor, o Comitê de Desenvolvimento e o Comitê Consultivo. Os dois primeiros grupos são integrados por dez Ministérios, com a participação da Agência Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 33
COMPARAÇÃO
Jornais de ontem e de hoje O Correio da Manhã foi uma exceção naquele tempo: a mídia apoiou compactamente o golpe perpetrado em 1964. POR CARLOS H EITOR CONY
O Arquivo Nacional montou uma exposição sobre o extinto Correio da Manhã, aproveitando a doação que Fernando Gasparian fez àquela entidade do extenso material que havia adquirido da massa falida do jornal. Além da mostra, houve palestras e debates sobre o período histórico a que pertenceu o Correio, cuja atuação na vida nacional pode ser medida pela entrevista de Carlos Lacerda com José Américo de Almeida, furando a censura do Estado Novo e dando um chute inicial para a redemocratização do País, em 1945. Mais tarde, em 1964, após combater com violência o governo de João Goulart, no dia seguinte ao golpe de Estado, o jornal foi o primeiro – e, durante muito tempo, o único – a condenar o regime militar, denunciando torturas, violências e prisões. Em dezembro de 1968, com a edição do AI-5, não houve condições para manter a linha de independência e combate à situação instalada no Brasil. Teve a Redação invadida; prisão de sua proprietária, Niomar Moniz Sodré, que ficou semanas na mesma cela das prostitutas
apanhadas pela ronda policial; prisão de seus principais redatores; boicote total da publicidade pressionada pelo governo – o Correio tornou-se que nem a família do poeta: “Uma fotografia na parede”. Convidado a visitar a exposição, fui ver as fotos nas paredes do Arquivo Nacional, o grande Otto Maria Carpeaux com alguma coisa de gótico em seu rosto de judeu vienense; Carlos Drummond de Andrade, que era então o C. de A. de crônicas antológicas; Antônio Callado mocinho, elegante como o único inglês da vida real (a classificação é do Nélson Rodrigues); Luis Alberto Bahia, sem a cabeleira branca de seus últimos anos, mais do que nunca um clone visual de Leon Trótski; e Oswaldo Peralva, José Lino Grünewald, Márcio Moreira Alves, Hermano Alves, Antônio Moniz Vianna, o mais influente crítico de cinema de sua época. E dois de seus diretores de Redação em momentos importantes do jornal: Edmundo Moniz e Jânio de Freitas. Quanto à palestra, além das abobrinhas de praxe, recebi uma pergunta sobre a diferença da imprensa daquela época com a imprensa de agora. O jovem culpava os jornais que hoje se pu-
PERSONALIDADES
Líderes no turismo são premiados Grupo Folha Dirigida, ABI e Abav concedem distinção a operadores de ponta do chamado trade turístico.
FOLHA DIRIGIDA
cutivo do Rio Convention & Visitors Os profissionais que se destacaram Bureau, destacaram a importância da no setor turístico brasileiro este ano ABI na promoção do evento. foram agraciados com o Prêmio PersoEntre os cerca de 300 convidados que nalidade Turismo 2007, evento promocompareceram à cerivido pelos veículos Fomônia de entrega do lha do Turismo e MerPrêmio, no Copacabacado & Eventos, do Gruna Palace, estava Carlos po Folha Dirigida, que Alberto Torres, que foi conta com o co-patroelogiado pelo Vicecínio da ABI e da AssoPresidente do Grupo ciação Brasileira de Folha Dirigida, Roy Agentes de Viagem. Taylor, por sua atuação Os dirigentes do no exterior em favor Grupo Folha Dirigida, do turismo no Brasil. Adolfo Martins, PresiO ex-jogador, destadente; Roy Taylor, Viceque na Copa de 70, presidente; e Afonso está sendo cogitado Faria, Diretor de Relapor promotores do seções Externas, destacator turístico para fazer ram em seus discursos a campanha promocia repercussão e o presonal da Copa do Muntígio que o Prêmio PerCarlos Alberto, o capitão do tri: do de 2014, que será resonalidade Turismo promovendo a Copa de 2014. alizada no Brasil. vem conquistando a O Presidente da cada edição. Em seguiABI, Maurício Azêdo, exaltou as qualida, Jeanine Pires, Presidente da Embradades do capitão do tricampeonato tur; Sávio Neves, Presidente do Trem do mundial do Brasil, conquistado no MéCorcovado; e Paulo Senise, Diretor-exe34 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
blicam de todos os males de nossa vida pública, inclusive no episódio da absolvição do presidente do Senado. A leitura superficial que ele fizera da reprodução de algumas páginas do Correio dera-lhe a imprenssão de que a imprensa cumpria um papel que hoje não cumpre mais. Tive de explicar que o caso do Correio foi uma exceção naquele tempo. A mídia apoiou compactamente o golpe de 64, somente mais tarde, em 1968, vésperas do AI-5, começou a tomar uma posilção de velada crítica ao regime, uma vez que a censura em vigor impedia a manifestação de pensamento contrário ao regime militar. E quanto à mídia de hoje, considerei o jovem mal informado. Desde que estou na pedreira – faz 60 anos, nunca vi tamanha e tal unanimidade de opiniões e de cobertura factual dos escândalos de nosso tempo, notadamente no caso (e nos casos) criados pelo presidente do Senado. Pelo contrário: está havendo uma
corrida de Fórmula 1, uma emulação para ocupar o pódio, sagrando como vencedor o jornal, editorial, coluna ou noticiário que mais condene tudo o que está havendo na vida nacional. Num só dia, lendo revistas e jornais, anotei expressões que estão sendo usadas para designar os vilões da política que agora se pratica: bandidos, salafrários, nergúmenos, piratas, descarados, moluscos, assaltantes, cafetões, estelionatários, chantagistas. Houve até quem os chamasse de “sicofantas” - que eu suspeitei ser alguma coisa de abominável e que me obrigou a uma consulta ao dicionário. Não cheguei a medir, mas acho que, por centímetro quadrado das páginas da imprensa que condenam o presidente do Senado, nunca houve cobertura tão unânime e violenta. Se um décimo de cobertura semelhante tivesse acontecido em 1964, talvez o País não tivesse entrado nos chamados anos de chumbo. Tentei explicar tudo isso ao jovem que me interpelou. Parece que não adiantou. Ele continuou achando que a imprensa está decadente: “Ninguém dá importância ao que hoje se publica”.
Transcrito do caderno ilustrada da Folha de S. Paulo de 21 de setembro de 2007. Cony se refere à mostra realizada no âmbito do Festival Internacional de Cinema de Arquivo–Recine, organizado sob a direção de Clóvis Molinari Júnior, responsável pela Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional, de 10 a 14 de setembro passado. A mostra sobre o Correio da Manhã reuniu exemplares de edições do jornal pertencentes ao acervo da Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre). O título e o subtítulo do artigo são da publicação original. A publicação do Festival, Recine, ano 4, número 4, reproduziu integralmente o texto de Dejan Magno Pellegrin, jornalista e crítico de cinema, sócio da ABI, publicado sob o título A imprensa vista na tela na edição especial do , número 316, data de capa janeiro de 2007.
xico, e destacou que o Prêmio Personalidade Turismo tem importância muito significativa para estimular o setor, principalmente como fator de desenvolvimento econômico. Considerada uma das principais comendas do setor no Brasil, o Prêmio Personalidade Turismo, em sua 7ª edição, elegeu dez personalidades e três instituições, num total de 7.816 votos, em mais de 1.700 cédulas. De acordo com o regulamento, cada eleitor pode votar em três nomes livrementes ao contrário dos anos anteriores, não houve votação por setores específicos. As dez personalidades premiadas foram: • Airton Nogueira Pereira Júnior, Secretário Nacional de Políticas de Turismo do Ministério do Turismo; • Caio Luiz de Carvalho, Presidente da São Paulo Turismo; • Constantino de Oliveira Júnior, Presidente da Gol Linhas Aéreas; • Eduardo Vampré do Nascimento, Presidente da Associação Brasileira de Representantes de Empresas Marítimas–Abremar, do Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de São Paulo–Sindetur e da Sun&Sea, representante da Royal Caribean e da Island Cruises no Brasil; • Érica Campos Drumond, Secretária de Turismo de Minas Gerais; • Fernando Pinto, Presidente da Tap Portugal; • Jeanine Pires, Presidente da Empresa Brasileira de Turismo-Embratur; • Michel Tuma Ness, Presidente da Fe-
deração Nacional de Turismo–Fenactur; • Paulo Roberto de Oliveira Senise, Diretor-executivo do Rio Convention & Visitors Bureau; • Virgílio Loureiro, Secretário de Estado de Turismo de Alagoas e Presidente da Comissão de Turismo Integrado Nordeste. As entidades premiadas foram a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, representada por seu Presidente, José Eduardo Barbosa; a CVC Viagens e Turismo, cujo prêmio foi entregue ao Presidente Valter Patriani; e o Trem do Corcovado, do complexo turístico do Cristo Redentor, que foi representado pelo seu Presidente, Sávio Neves. Conforme o regulamento do Prêmio, as personalidades que forem eleitas três vezes, de forma alternada ou consecutiva, passam a fazer parte da Galeria das Personalidades do Turismo. Neste seleto grupo estão: Caio Luiz de Carvalho; Eduardo Vampré do Nascimento; Adenauer Góes, ex-Presidente da Paratur e do Fornatur; Álvaro Bezerra de Mello, Presidente do Conselho da rede Othon e da ABIH Nacional; Chieko Aoki, Presidente da rede Blue Tree Hotels; Guilherme Paulus, Presidente do Conselho da CVC Turismo; Janyck Daudet, Diretor do Club Med para a América Latina; Ruy Gaspar, Presidente do Ocean Palace Beach Resort & Bungalows; Tasso Gadzanis, Vice-presidente da SPTuris, Presidente da Fecomércio-SP e ex-Presidente da ABAV Nacional; e Walfrido dos Mares Guia, exMinistro do Turismo.
EVENTO FOTOS DE CACALO KFOURI
Uma festa do jornalismo e da literatura Com um total de 13.500 visitantes, de 14 a 18 de novembro, o I Salão Nacional do Jornalista Escritor abriu em São Paulo as comemorações do centenário da ABI. Trinta renomados autores participaram de 18 palestras e entrevistas. Um dos eventos que deram partida à comemoração do centenário da ABI, a transcorrer em 7 de abril de 2008, o I Salão Nacional do Jornalista Escritor foi o que se pode chamar de sucesso de público e crítica. De 14 a 18 de novembro, 13.500 visitantes, grande parte deles estudantes, prestigiaram as 18 palestras e entrevistas realizadas com mais de 30 renomados autores no Memorial da América Latina, em São Paulo, e as quase 40 atividades do Salãozinho, espaço infanto-juvenil do evento, além das exposições sobre os cem anos da ABI e de ilustrações de Elifas Andreato, das sessões de autógrafos e dos lançamentos. A cerimônia de abertura, no final da tarde do dia 14, foi breve e objetiva, mas acolheu algumas personalidades em cujas intervenções já se descortinava a importância do evento. Começou com a execução do Hino Nacional pelo Coral da Gente, infantil, patrocinado pela Fundação Volkswagen. A primeira intervenção foi de Audálio Dantas, VicePresidente da ABI e Presidente da Representação da ABI em São Paulo, idealizador e organizador do Salão. Ele destacou a contribuição dos integrantes da comissão de organização do evento e dos jornalistas escritores convidados para palestras e entrevistas, de diretores de veículos de comunicação, que abri-
Um clique, e 20 mil elogios P OR W ILSON B ARONCELLI
Digite no Google “salão nacional do jornalista escritor” (assim mesmo, sem til, nem maiúsculas, como manda a boa regra internética) e clique pesquisar na web. O resultado? 25.700 entradas, até à tarde de 22 de novembro. Não seja tão específico — afinal, o nome oficial nem sempre é respeitado; digite só “salao do jornalista escritor”. Aparecem 24.800. Muitas em duplicidade com a primeira lista, mas inúmeras outras que nela não haviam figurado. Vamos, então, dar um
ram espaço para divulgação da campanha publicitária, e de empresas e entidades que colaboraram ou deram apoio institucional. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, fez uma saudação aos jornalistas, escritores e aos companheiros que se empenharam na organização do evento, tendo à frente o Vice-Presidente Audálio Dantas. “Quero deixar aqui – disse – a minha saudação fraterna a todos pela comemoração do centenário da Associação Brasileira de Imprensa, criada em 7 de abril de 1908 por um grupo de idealistas liderados por Gustavo de Lacerda. A ABI orgulha-se de ter participado de movimentos históricos que marcaram o século passado no Brasil. Entre Depois de ficar retido durante duas horas no congestionamento da véspera de longo feriado, o outros, a campanha O petróleo é nosso, acadêmico José Mindlin manteve o bom humor e o fôlego para desatar a fita inaugural do Salão, que levou à criação da Petrobras, que cujo amplo auditório recebeu grande assistência durante três dias. Ao lado de Mindlin, os hoje é o orgulho do povo brasileiro; a Presidentes da ABI, Maurício Azêdo (esquerda) e do Memorial da América Latrina, Fernando Leça; campanha pela anistia e outros movio Vice-Presidente da ABI, Audálio Dantas, e Teiji Tomioka, Diretor Industrial da Imprensa Oficial. mentos em defesa da democracia e dos direitos humanos. Em nome da ABI, que reafirma o seu compromisso de luta em Brasileira de Letras, após duas horas predo Estado de São Paulo (principal patrodefesa da liberdade de imprensa e dos inso no trânsito congestionado da véspera cinador), Teiji Tomioka; e o Presidente do teresses nacionais, dirijo a mais fraterdo feriado prolongado. Cansado, passos Memorial da América Latina, Fernando na saudação e a expressão do nosso convagarosos por seus 93 anos, mas animaLeça, como anfitrião e representante do tentamento por um evento cultural desdo, Mindlin lembrou ter iniciado a carGovernador José Serra. Leça encurtou te porte e desta significação.” reira em 1930 como o mais jovem redaainda mais o seu já breve discurso no Falaram ainda o Presidente da União tor do Estado de S.Paulo e de sua satisfaencerramento da cerimônia ao perceber Brasileira de Escritores, Levi Ferrari; o ção por representar a ABL num evento a chegada do bibliófilo e acadêmico José Diretor Industrial da Imprensa Oficial comemorativo do centenário da ABI. Mindlin, representante da Academia desconto: uma pela outra, 40 mil diferentes resultados seria um bom número. Façamos outro exercício. Digamos que metade dessas referências seja de notícias, informando da realização do Salão, seus objetivos, programação. A outra metade, principalmente blogs de famosos e anônimos, faz juízos de valor sobre ele. E aí cabe um desafio: tente achar a agulha no palheiro — a crítica negativa. Não há. São 20 mil elogios. Mas, afinal, estamos falando do quê? Ah, sim. Falamos do I Salão Nacional do Jornalista Escritor, realizado no Memorial da América Latina, em São Paulo, iniciativa que deu partida às comemorações do centenário da ABI. Foram 18 palestras e entrevistas de mais de 30 renomados autores, 38 atividades no Salãozinho, o espaço infanto-juvenil do
evento (oficinas de desenho, teatro, bate-papo com autores, contação de histórias), duas exposições (sobre os cem anos da ABI e de uma coleção de capas e ilustrações de livros do artista gráfico Elifas Andreato), além de lançamentos de livros nos espaços da Livraria da Vila e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo — ver O Salão, em resumo. Como tudo era grátis e não havia catracas para controle de público, estimase que 13.500 pessoas freqüentaram as dependências do Memorial nos quatro dias do Salão, apesar do “feriadão emendado” (15 de novembro, Dia da República, e 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, com um fim de semana no meio), da chuva sempre presente e dos catastróficos congestionamentos paulistanos, que já não dependem de reló-
gio ou calendário. O mais forte indicador de presença foi o Auditório Simón Bolívar, que abrigou as palestras e entrevistas: com 870 lugares, esteve praticamente lotado em todos os dias. E o feriadão acabou sendo um ponto a favor do evento, pois permitiu que fossem a São Paulo grupos de estudantes e profissionais de várias partes do Brasil. Ainda no recinto do Salão, Scliar sintetizava: “Vocês estão participando de um evento histórico do jornalismo brasileiro, pois dificilmente se reúnem tantos personagens como aqui, que protagonizaram alguns dos episódios mais importantes da nossa história nas últimas décadas”. O idealizador e organizador do Salão, Audálio Dantas, Vice-Presidente da ABI e Presidente da Representação da ABI em São Paulo, ele próprio um dos auJornal da ABI 324 Dezembro de 2007 35
tores, reforça e amplia a opinião do escritor gaúcho sobre o sucesso do evento: “Hoje, grande número dos best-sellers no Brasil é de livros escritos por jornalistas, muitos deles bastante conhecidos. Até agora, esse debate sobre jornalismo e literatura estava praticamente restrito ao ambiente acadêmico. O Salão foi o maior evento em que se discutiu publicamente a questão. O grande afluxo de público, principalmente de jovens, mostra a atualidade e relevância do tema.” Audálio começou a preparar o Salão em agosto, junto com o cartunista José Alberto Lovetro, o Jal, após consultar a Direção nacional da ABI e de ter a garantia do apoio dos conselheiros da entidade em São Paulo, que com ele formaram a Comissão Organizadora: Ricardo Viveiros, Diretor da Ricardo Viveiros & Associados–Oficina de Comunicação, Carlos Chaparro, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Carlos Marchi, redator do Estado de S.Paulo, Eduardo Ribeiro, Diretor da Mega Brasil Comunicação, e Gioconda Bordon, coordenadora de Rádio da Fundação Padre Anchieta. Para ele, enfrentar o desafio de montar o Salão exigiu, primeiro, vontade, e, segundo, ousadia, porque eram vários os fantasmas
rondando, como o pouco tempo para organizar um evento daquele porte, o temor de que as verbas de patrocínio já estivessem exauridas àquela altura do ano e até se os 870 lugares do Auditório Simón Bolívar não seriam excessivos. Ele respirou fundo e foi em frente. Com uma ampla rede de relacionamentos cuidadosamente cultivada ao longo da carreira, conseguiu apoio de entidades como a Academia Brasileira de Letras, a União Brasileira de Escritores, a Câmara Brasileira do Livro, a Associação Nacional de Livrarias, do Governo do Estado de São Paulo, patrocínios de empresas e espaços na mídia. Trabalhou incontáveis vezes até a madrugada, nos finais de semana, com um pequeno grupo de colaboradores da Representação da ABI e algumas pessoas contratadas. O resultado excedeu as suas expectativas, embora soubesse que muita coisa pode ser melhor no próximo. Por exemplo, ter o material de divulgação em mãos com maior antecedência, para ir com tempo às universidades, conversar com os estudantes; divulgar melhor as sessões de autógrafos; aumentar o espaço do Salãozinho; e motivar colegas das redações a pautarem o evento: “Foi até uma coisa contraditória: os patrões nos
Luiz Fernando Verissimo e sua mulher, Lúcia, foram fiéis ouvintes de palestras e entrevistas, no Auditório Simón Bolívar. Verissimo, conhecido por ser tímido e pouco falar, foi o primeiro entrevistado, no dia 15. Terminou falando mais do que o tempo previsto, de uma hora. Enquanto a platéia lotada o aplaudia, Lúcia, maravilhada, comentava: “Essas ocasiões são de ouro. Eu sempre aproveito para saber o que ele pensa...” José Mindlin foi o primeiro entrevistado do dia 16, sexta-feira. Substituiu Cícero Sandroni, então Secretário-executivo da Academia Brasileira de Letras, que teve problemas de saúde. Chegou antes da hora, com uma disposição de menino. Durante uma hora respondeu a todas as perguntas com prodigiosa precisão de datas, nomes, lugares, títulos, do século XV aos dias de hoje. E ainda teve tempo de recitar, verso por verso, um poema de Juó Bananéri, em perfeito italiano do Brás. Quem também deixou de comparecer por motivos de saúde foi Fernando Morais, que estava com dengue. Morais não foi substituído, pois participaria de uma mesa onde também estavam Ricardo Kotscho e Heródoto Barbeiro (e ambos seguraram, com louvor, a platéia). Ainda em atividade como colaboradora de várias publicações, a jornalista e escritora Geraldina Marx, 96 anos, autografou dois de seus livros — um romance, Os humildes, e um de crônicas, Viagens do arco da velha — na tarde do dia 17. Já passava das sete da noite quando netos e bisnetos, preocupados, decidiram que ela deveria voltar para casa. Geraldina cedeu, relutante, mas ao sair deu com um bando de crianças que acompa36 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
cederam espaços para anúncios e os chefes de reportagem não mandaram cobrir. Acho que é uma questão cultural; jornalista não gosta de dar notícia de jornalista”, lembra Audálio. Audálio tem agora outra tarefa não menos importante: dar ao rico material que tem nas mãos — as gravações de todas as palestras e entrevistas — um destino compatível com essa relevância. É quase certo que se transforme em li-
vro. “Sem dúvida é coisa demais para aproveitar na íntegra, mas acho que cabe uma síntese. Já tenho até o nome: Conversas do Salão. Gostaria de fazer eu mesmo, mas não sei se será possível, pois tenho um contrato com a Editora Record para contar a história do caso Vladimir Herzog do ponto de vista do Sindicato dos Jornalistas e já deixei esse trabalho de lado para poder me dedicar ao Salão. Vou avaliar.”
caso, eu me candidato”, disse, arrancando gargalhadas da platéia. Em sua entrevista, Mauro Santayana, a quem uma nhavam Ziraldo a caminho do Sajovem estudante de Jornalãozinho. Não teve dúvidas: selismo comparou com “um guiu o cortejo. Enquanto seguia poço sem fundo de saber”, com a meninada, justificou-se interrompeu sua fala por com um neto mais aflito: “Você duas vezes, ao evocar vioacha que eu vou perder essa?” lências da ditadura militar. No dia 17, quando Ziraldo tinha A emoção maior foi quanentrevista marcada com o público, do ele se referiu à sua muno grande auditório do Simón Bolher, Vânia, que passou seis lívar, um garoto de seus 10 anos, meses da gravidez de sua fipretinho de olhos redondos e muilha numa prisão. Mas narto vivos, não arredava pé do Salãorou como se fosse um paszinho, onde se realizavam atividaseio os anos que viveu no des infantis. Volta e meia repetia: exílio, quando teve de usar “Hoje eu vejo o homem!” pseudônimos para assinar O homem era Ziraldo, que só as matérias que mandava chegou às seis da tarde e foi direto para o Jornal do Brasil, pois para o auditório. O menino foi a censura vetava seu nome. também. Arranjou um lugar na Quem também chegou segunda fila do “salãozão” e ali às lágrimas foi Juca Kfoupermaneceu, um dos mais atentos ri, ao contar passagens de ouvintes, até o fim da entrevista. sua época de militância Foi só o Ziraldo sair e ele o seguir, política nos tempos da dina maior alegria, até o Salãozinho. Ziraldo e Geraldina Marx estiveram presentes no Salão do Jornalista tadura, nos anos 70. Ele fiZiraldo autografou muitos livros Escritor e participaram de concorridas sessões de autógrafos. cou com a voz embargada e ele ali, firme, os grandes olhos ao lembrar um episódio redondos fixos no escritor. Até que envolvendo um de seus melhores amiEliane Brum e Florestan Fernandes Jr., e Ziraldo teve tempo de olhá-lo com mais gos, Norberto Nehring, que, do calabouo outro foi a entrevista com Mino Caratenção e exclamou: “Mas você é o ço, deixou uma carta para a mulher (e ta, no mesmo horário de Brasil x Peru, Menino Marrom!” amigos), que tinha a seguinte frase inique fechou o Salão. Quem pôde conferir no livro de Zicial: “A vida é uma senda estreita. QuanJosé Hamilton Ribeiro chegou ao Saraldo que tem esse título não teve dúvido se pisa fora, pisa-se para morrer.” lão apoiado em duas muletas. E na sua das: o menino do desenho estava ali, Um menino de 11 anos, emocionado exposição foi logo esclarecendo: “Isso vivo e bulindo de alegria. e feliz, contou no Salãozinho a viagem aqui é por causa de uma fratura que tive Sequer o jogo da Seleção Brasileira de trem que fizera naquela manhã de no fêmur, mas já estou quase bom e contra o Peru, no domingo, atrapalhou. sábado. Viera de longe, “muito longe”, de daqui a alguns dias largo delas”. Ao contrário, o pico de audiência do um subúrbio além de Santo Amaro. “Tão Alberto Dines, durante os debates com evento, com a participação de quase 800 longe”, dizia, “que parece outra cidade”. Carlos Chaparro e Moacir Japiassu, apropessoas (auditório repleto) se deu exaMas tinha valido a pena. Conversou com veitou para reclamar a falta que está fatamente nos dois últimos painéis do Ruth Rocha, que lhe autografou um lizendo a experiência na maior parte das domingo, entre 17h e 21h. Um deles foi vro, e ainda teve a história de sua viagem redações. E emendou ser necessário ter, o debate sobre o tema Livro-reportagem, de trem recriada no palco pelo grupo ao lado de jornalistas de 25 e 35 anos, fronteira literária do jornalismo, com Scripti, que faz teatro playback. outros de 45, 55, 65 e até 75... “E, nesse Caco Barcellos, Domingos Meirelles,
“Mas você é o Menino Marrom!” POR E DUARDO RIBEIRO
Moacyr Scliar (esquerda) e José Hamilton Ribeiro: dois personagens que protagonizaram alguns dos episódios mais importantes da nossa história nas últimas décadas.
A partir da esquerda, Domingos Meirelles, Caco Barcellos, Eliane Brum e Florestan Fernandes Jr. participam do debate sobre o tema Livro-reportagem, fronteira literária do jornalismo.
Ramonet, Veríssimo, Cony, etc. etc. Uma presença internacional no Salão foi a do jornalista e escritor espanhol Ignacio Ramonet, Diretor do Le Monde Diplomatique e um dos mais respeitados intelectuais do mundo. Ele fez, no dia 15, uma concorrida palestra sobre globalização e manipulação da informação. As palestras e debates do Salão foram estas: A reportagem como gênero literário, com Heródoto Barbeiro e Ricardo Kotscho. A globalização, o poder econômico e a mídia, com Ignacio Ramonet. Biografias, jornalismo e literatura, com Alberto Dines, Manuel Carlos Chaparro e Moacir Japiassu. Ficção e realidade — interdependência criativa: de Machado a Graciliano, com José Nêumanne Pinto, Fernando Portela e Audálio Dantas. Limites e ousadias do jornalismo literário, com Eric Nepomuceno, Antônio Torres e Flávio Tavares. Jornalismo como espaço literário: o caso Realidade, com Ignácio de Loyola Brandão, José Hamilton Ribeiro e Mylton Severiano. Livro-reportagem, fronteira literária do jornalismo, com Caco Barcellos, Domingos Meirelles e Eliane Brum. As entrevistas, feitas com mediação de Claudiney Ferreira, tiveram como protagonistas Luiz Fernando Verissimo, Rui Castro, José Mindlin, Jaguar, Carlos Heitor Cony, Mauro Santayana, Zuenir Ventura, Ziraldo, Juca Kfouri, Moacyr Scliar e Mino Carta.
O Salãozinho contou com oficinas de criatividade, que trabalharam o universo do livro com encadernação e colagens, a cargo das arte-educadoras Cláudia Meneguello e Cristiane Cociuffo; contação de histórias com o projeto Entre na Roda, da Fundação Volkswagen; oficinas de quadrinhos, mangás, cartum e desenho infantil, pela Escola Impacto de Quadrinhos; lendas brasileiras, contadas e cantadas em verso, pelo artista múltiplo Valdeck de Garanhuns; teatro playback, que utiliza relatos e narrativas da própria platéia como roteiro, com o grupo teatral Scripti; distribuição do livrinho do primeiro capítulo de Reinações de Narizinho,
de Monteiro Lobato, pela Editora Globo. Ao Salãozinho compareceram Juca Kfouri, Dilea Frate, Márcia Camargos, Audálio Dantas e Ruth Rocha. As obras lançadas foram estas: Cresch, de Caco Galhardo; Jornalistas escritores, organizado por Sérgio Vilas Boas; Afinal, o que viemos fazer em Paris?, de Alberto Villas; O chão de Graciliano/Repórteres, de Audálio Dantas; Cicatriz de reportagem, de Carlos Azevedo; Imprensa sindical, de João Franzim; Adormecendo girassóis, de Petrônio Souza Gonçalves; O jornalista, o escritor e o aviador, de Aluizio Falcão Filho; Suplemento literário — Que falta ele faz!, de Elizabeth Lorenzotti. A Comissão de Honra do I Salão do Jornalista Escritor foi constituída por José Mindlin, acadêmico e bibliófilo; Antônio
Ignácio de Loyola Brandão (esquerda) participou de um debate sobre a revista Realidade e Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, discorreu sobre a globalização, o poder econômico e a mídia.
Cândido, professor e crítico literário; Ariano Suassuna, escritor; Danilo Santos de Miranda, Diretor regional do Sesc São Paulo; João Sayad, Secretário da Cultura de São Paulo; Hubert Alquéres, Presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Thomaz Souto Corrêa, Vice-Presidente da Editora Abril; Sérgio de Souza, editor da revista Caros Amigos; Cícero Sandroni, Secretário-Geral da Academia Brasileira de Letras e agora Presidente; Levi Bucalem Ferrari, Presidente da União Brasileira de Escritores; Roseli Boschini, Presidente da Câmara Brasileira do Livro; Vitor Tavares, Presidente da Associação Nacional de Livrarias. Essas instituições também participaram como apoiadoras institucionais do evento. O Salão contou com os patrocínios de Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Petrobras, BNDES, Telefonica e Volkswagen e colaboração do Banco Santander, do Banco Cruzeiro do Sul e da Bolsa de Mercadorias & Futuros. Toda a campanha publicitária foi desenvolvida pela Rino, sem custo para a ABI. A produção de comerciais de televisão e de rádio foi feita pela GW e pela Oboré, respectivamente. Também os jornais Folha de S.Paulo, Diário de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, as TVs Bandeirantes, Cultura, Gazeta, Globo, Record, Canal Universitário, TV Assembléia e TV Aberta, as revistas Veja São Paulo, Imprensa e Negócios da Comunicação, além do site Jornalistas&Cia, do Jornal da Comunicação Corporativa e da Rádio Mega Brasil Online, associaram-se à iniciativa. A assessoria de imprensa foi da Ricardo Viveiros, também sem custo para a ABI.
Moacir Japiassu e Alberto Dines (à esquerda) debateram sobre aconvergência entre o jornalismo e a literatura nos livros biográficos, enquanto Eric Nepomuceno (ao centro) e Flávio Tavares trataram dos limites e ousadias do jornalismo literário. O jornalista Mauro Santayana (direita) foi um dos entrevistados do Salão do Jornalista Escritor.
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Liberdade de imprensa
“ALGUÉM TEM QUE SEGURAR OS JUÍZES QUE IGNORAM A CONSTITUIÇÃO” A ABI está perplexa com a frequência com que juízes de primeira instância e agora de tribunais impõem censura prévia a veículos de comunicação, com grave ofensa ao texto constitucional. A ABI reclama um paradeiro a esse delírio censório, que mergulha o País no autoritarismo.
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minando-lhes que não divulguem “mais nenhuma informação sobre o caso”. Assumiu assim esse magistrado a postura de senhor, de soberano da informação, o que colide com as instituições republicanas. A quase coincidência, agora, de decisões restritivas da liberdade de imprensa em diferentes Estados da Federação reforça o entendimento da ABI de que atualmente o grande inimigo da liberdade de informação no Brasil é o Poder Judiciário, que através de magistrados de primeira instância têm perpetrado abusos inadmissíveis, como a imposição de censura Ministra Ellen Gracie, Presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça: ela conterá os censores de toga? prévia aos veículos de comunicação, anomatalitária, estão a impor aos órgãos de lia que se tornou freqüente em diferentem ofensa ou lesão a esse segredo, tais comunicação a treva de obscurantismo tes pontos do País. É certo que decisões como a publicação das datas das audiênda época da ditadura militar”. A seguir, desse teor têm sido reformadas em inscias, julgamentos no Tribunal de Justià integra da declaração, com os intertítâncias superiores, especialmente no ça “e demais atos processuais”. Ignorou tulos da Redação do Jornal da ABI. Superior Tribunal de Justiça, mas sua esse magistrado, com tal entendimenadoção constitui já em si grave lesão ao to e sua aplicação, que o segredo de jusVolta ao arbítrio Estado Democrático de Direito e detiça está circunscrito às partes e aos “É com grande desconforto, pela senmanda tempo para sua reparação. agentes públicos envolvidos, como assação de volta a um passado de arbítrio sinalou com pertinência a declaração Hora do basta e de ditadura, que a Associação Brasileidivulgada pelo Presidente da Associação A cúpula do Poder Judiciário, reprera de Imprensa registra pela segunda Nacional de Jornais, Júlio César Messentada pelo Conselho Nacional de Jusvez em pouco mais de 48 horas a expequita. Além de improcedente, esse entiça, organismo presidido pela Minisdição de uma ordem judicial que atrotendimento peca pela exorbitância ao tra Ellen Gracie, Presidente do Suprepela as disposições da Constituição da estabelecer procedimentos acerca de mo Tribunal Federal, tem o dever imRepública, desta vez por iniciativa de julgamentos do Tribunal de Justiça, ao perioso e urgente de ministrar cursos um magistrado de Mato Grosso do Sul, qual um magistrado de primeira instâne organizar seminários de reeducação Adriano da Rosa Bastos, juiz substituto cia não pode ditar normas. desses magistrados, que, por desinforda 13a. Vara Criminal de Campo Gran“O senhor da informação” mação ou vocação totalitária, estão a de, capital do Estado, que proibiu 13 Assim como a Juíza Tônia Yuka Kôroimpor aos órgãos de comunicação a veículos de comunicação locais de noko ao submeter o jornalista Juca Kfouri treva de obscurantismo da época da diticiar a investigação de uma série de seis à censura prévia, o Juiz substituto Adritadura militar. estupros cometidos por um jovem de ano da Rosa Bastos promoveu agressão A ABI e a comunidade jornalística, classe média alta. ao texto da Constituição, que em seu que lutaram durante mais de duas déA discutível argumentação contida artigo 220, parágrafo 2º, veda “toda e cadas pelo Estado Democrático de Direino despacho do Juiz Rosa Bastos aprequalquer censura de natureza política, to, não aceitam essa rotina de violações senta impropriedades de ordem jurídiideológica e artística”. Tão intolerável da Constituição e esperam que o Poder ca e técnica, porque alega ele que os proquanto a decisão foi a iniciativa do SeJudiciário restaure a integridade do texcessos em curso na Justiça do Estado nhor Rosa Bastos de transmitir por fax to constitucional. tramitam em segredo de justiça, o que às redações dos veículos de comunicaRio de Janeiro, 24 de dezembro de impediria os meios de comunicação de ção sediadas em Campo Grande deter2007. (a) Maurício Azêdo, Presidente.” divulgarem informações que represenFABIO POZZEBOM/ABR
“É com grande desconforto, pela sensação de volta a um passado de arbítrio e de ditadura, que a Associação Brasileira de Imprensa registra pela segunda vez, em pouco mais de 48 horas, a expedição de uma ordem judicial que atropela as disposições da Constituição da República, desta vez por iniciativa de um magistrado de Mato Grosso do Sul, Adriano da Rosa Bastos, juiz substituto da 13ª Vara Criminal de Campo Grande, capital do Estado, que proibiu 13 veículos de comunicação locais de noticiar a investigação de uma série de seis estupros cometidos por um jovem de classe média alta”, afirmou a ABI em 24 de dezembro, em declaração em que condena mais esta agressão à liberdade de imprensa. Diz a ABI que essa decisão se segue à adotada por uma juíza de São Paulo, Tônia Yuka Kôroko, que proibiu o jornalista Juca Kfouri de noticiar em seu blog textos que, antes mesmo de elaborados e divulgados, ela considera que podem ofender o Deputado estadual Paulo Capez (PSDB), apontado pelo jornalista como culpado pelo mau desempenho no exame da OAB de São Paulo de candidatos preparados num curso de responsabilidade do parlamentar. Entende a ABI que se repete em Mato Grosso do Sul a mesma agressão cometida pela juíza Kôroko ao texto da Constituição, que em seu artigo 220, parágrafo 2º, veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. A ABI sustenta que “alguém no âmbito do Poder Judiciário tem que segurar os juízes que ignoram a existência da Constituição, porque é inadmissível que quase 20 anos após a instituição do Estado Democrático de Direito pelo texto constitucional, com disposições claríssimas e peremptórias que asseguram a plenitude da liberdade de imprensa, haja magistrados de primeira instância e mesmo no segundo grau que impõem censura prévia aos veículos de comunicação”. Considera a ABI que “a cúpula do Poder Judiciário, representada pelo Conselho Nacional de Justiça, organismo presidido pela Ministra Ellen Gracie, Presidente do Supremo Tribunal Federal, tem o dever imperioso e urgente de ministrar cursos e organizar seminários de reeducação desses magistrados, que, por desinformação ou vocação to-
DIVULGAÇÃO ESPN
Kfouri vedado antes mesmo de escrever A ABI divulgou protesto no dia 21 de dezembro contra a decisão da Justiça de São Paulo, que proibiu o jornalista Juca Kfouri de “ofender” o Deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP), sob pena de multa de R$ 50 mil. A ABI salientou que a Juíza Tonia Yuka Kôroko cometeu violação do artigo 220, parágrafo 2º, da Constituição, que declara que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Fernando Capez, que na década de 90 era Promotor de Justiça e ganhou visibilidade por tentar afastar as torcidas organizadas dos estádios de São Paulo, entrou na Justiça contra Juca Kfouri requerendo que o jornalista fosse proibido de ofendê-lo. O Deputado justificou o pedido utilizando alguns trechos do blog de Kfouri no Uol. No final de outubro, a Juíza Tônia Yuka Kôroko, da 13ª Vara Cível de São Paulo, concedeu uma liminar proibindo Kfouri de “ofender” o Deputado. O jornalista entrou com um pedido de liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo, mas teve o seu pedido negado pelo Desembargador Luiz Antônio de Godoy. No dia 20 de dezembro Kfouri entrou com um mandado de segurança numa nova tentativa de revogar a decisão: — Esta decisão abre um precedente muito ruim para a imprensa. É claro que não se pode ofender ninguém. Mas o que é uma ofensa para a Justiça? É muito subjetivo. Isso é uma forma de censura sim. E é absurdo admitir isso num
país democratizado — contesta Kfouri. O jornalista lembrou ainda que casos semelhantes envolvendo jornalistas ou veículos de comunicação como Correio Braziliense, Carta Capital e Rede Globo, por exemplo, foram revogados. A mensagem da ABI diz ainda que “a decisão da Juíza Kôroko prima pelo subjetivismo e se baseia num pressuposto que pretende conferir à sua autora poderes de adivinho, por classificar de ofensa aquilo que o jornalista José Carlos Kfouri ainda não escreveu. No caso, estamos diante não de uma decisão judicial, mas de manifestação de uma pitonisa”. Kfouri sorrindo antes de chorar por não poder publicar o que ainda não escreveu.
O PROTESTO É este o texto do protesto da ABI: “A ABI manifestou nesta sexta-feira, 21 de dezembro, seu protesto contra a decisão da Juíza Tônia Yuka Kôroko, da 13a. Vara Cível da Comarca da Capital de São Paulo, que proibiu o jornalista José Carlos Kfouri de publicar em seu blog no Uol textos que possam ser considerados ofensivos ao Deputado estadual Fernando Capez (PSDB), sob pena de multa de R$ 50 mil se não observar essa restrição. A ABI entende que a Juíza Kôroko cometeu violação do texto da Constituição, cujo artigo 220, parágrafo 2º, declara que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. A ABI considera lamentável que juízes como a Senhora Tônia Yuka Kôroço
não só desconheçam o texto constitucional, como indica a liminar por ela concedida a pedido do Deputado Capez, como promovam agressões ao Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição, o qual é produto das lutas travadas pelo povo brasileiro contra o arbítrio, como o contido nessa decisão que ela impôs ao jornalista José Carlos Kfouri. É lamentável também, entende a ABI, que essa decisão não tenha sido revogada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como postulou Kfouri em recurso não acolhido pelo Desembargador Luiz Antônio de Godoy. A ABI considera que, além de violar o texto da Constituição, a decisão da Juíza Kôroko prima pelo subjetivismo
FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR
O Presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, Ronaldo Mota Sardenberg, deve explicar por que a Rádio Cidadania, veículo comunitário que funcionava em Volta Redonda, foi fechada.
e se baseia num pressuposto que pretende conferir à sua autora poderes de adivinho, por classificar de ofensa aquilo que o jornalista José Carlos Kfouri ainda não escreveu. No caso, estamos diante não de uma decisão judicial, mas de manifestação de uma pitonisa. Além de se solidarizar com Kfouri e com o Uol, igualmente punido pela restrição à sua liberdade de informar, a ABI espera que ambos defendam o direito de informação e de opinião em todas as instâncias do Poder Judiciário, que precisa assumir neste episódio, como é seu dever, o papel de guardião das franquias democráticas e das liberdades civis que lhe cabe. (a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI”
PERSEGUIÇÃO
A Anatel fecha rádio comunitária em Volta Redonda A ABI encaminhou ofício ao Presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, Ronaldo Mota Sardenberg, pedindo esclarecimento sobre o fechamento da Rádio Cidadania, veículo comunitário que funcionava em Volta Redonda-RJ. No documento, a ABI solicita que a Anatel libere informações sobre o Processo nº 53770000485/2000, referente à autorização de funcionamento que é dada pelo órgão. A Rádio Cidadania foi alvo de ação repressiva em junho de 2004, sendo retirada do ar por agentes da Polícia Federal. Diretor da Rádio Cidadania e sócio da ABI, Aristóteles Pinheiro Libânio informou o caso em documento encaminhado ao Presidente do Conselho Deliberativo da Casa, Fernando Barbosa Lima. Segundo Aristóteles, a emissora entrou no ar em 15 de novembro de 1997, com
uma programação que privilegiava temas como cultura, educação, música, direitos do consumidor e humanos e serviços de interesse público. Ainda de acordo com Aristóteles, a Anatel diz que não consegue se comunicar com os responsáveis pela rádio: “Eles alegam que não nos encontram e que nós não respondemos aos anúncios do Diário Oficial da União. Para mandar ofícios, dizendo que o nosso pedido foi arquivado, sabem o nosso endereço. Mas para mandar um ofício comunicando a relação de documentos ou providências a serem tomadas, eles o desconhecem.” Em junho de 2004, fiscais da Anatel, acompanhados de agentes da Polícia Federal, compareceram à sede da Rádio Cidadania com um mandado para tirá-la do ar: “Essa foi a oitava vez que tentaram fechar a nossa emissora”, diz Aristóteles. Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 39
Direitos humanos JUSTIÇA
92 anos, e ainda à espera da anistia A ABI oficiou ao Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, pedindo a apreciação dos processos de anistia requerida por jornalistas, entre os quais dois com 92 anos: Moacyr Werneck de Castro e Fernando Segismundo. A maioria dos processos está sem decisão há mais de quatro, cinco ou seis anos. A ABI dirigiu fundamentado expediente ao Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, pleiteando a concessão de uma audiência para exposição de uma reivindicação que lhe foi apresentada quando, em 26 de outubro, ele participou de um ato promovido na Casa pela Associação Democrática e Nacionalista dos MilitaresAdman: a apreciação dos processos de anistia requerida por jornalistas, a maioria dos quais se arrasta sem decisão há quatro, cinco e até seis anos. Além de expor aspectos da tramitação desses processos que carecem de apreciação, a ABI anexou à petição um conjunto de quadros que mostram a necessidade de se promover a imediata análise desses requerimentos: a lista dos jornalistas que aguardam decisão de seus processos, os dados respectivos (número e data de entrada) e situação atual; data de nascimento dos requerentes e sua idade: seis têm mais de 80 anos e dois, mais de 90; tempo de tramitação dos processos; carga dos processos em novembro, data do ofício da ABI. Em resposta à solicitação, feita em 8 de novembro, o Presidente da Comissão de Anistia marcou para o dia 22 de janeiro a audiência pleiteada. É este o texto do ofício: 40 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
Fernando Segismundo (à esquerda) e Moacir Werneck de Castro: às vésperas dos 93 anos esperam uma justiça que anda a passo de cágado.
Ilustre Dr. Paulo Abrão, A Associação Brasileira de Imprensa expressa o seu reconhecimento pela honra que Vossa Senhoria lhe concedeu em 26 de outubro passado, de visitar a nossa sede e nela participar por mais de três horas da reunião promovida pela Associação Nacionalista e Democrática dos Militares – Adnam por iniciativa de seu digno Presidente, Brigadeiro Ruy Moreira Lima, para discussão de questões relacionadas com a anistia. 2 . Esse foi um encontro memorável pelo caráter democrático
que Vossa Senhoria emprestou à sua exposição, fazendo-a assumir tons de uma prestação de contas, o que é extremamente salutar no Estado Democrático de Direito, e também pela assunção de compromissos em torno da grande causa que motiva a sua presença e, ao longa da reunião, de mais de 800 concidadãos que assinaram as folhas de presença. 3 . Raras vezes terá ocorrido, ilustre Dr. Paulo Abrão, uma reunião como esta de que Vossa Senhoria foi o principal protagonista em que representantes do Poder
Público, no caso Vossa Senhoria e o eminente Dr. Sérgio Ribeiro Muylaert, Vice-Presidente da Comissão de Anistia, ouviram com atenção, interesse e respeito exposições em que cidadãos comuns puderam expor de viva voz, sem condicionamentos de tempo, o relato acerca de direitos que postulam. Essa singularidade teve teor ainda mais marcante pela circunstância de que algumas das exposições feitas tiveram tom candente, sem que este traço afastasse Vossa Senhoria e o Dr. Sergio Muylaert da serenidade com que as ouviram.
QUADRO I QUADRO II
PROCESSOS DE REQUERIMENTOS DE ANISTIA DE JORNALISTAS PENDENTES DE DECISÃO Item Número do Nº Processo
Data de entrada
Requerente/Interessado
Número de Carga atual andamentos
Data
1 2
2005.01.50925 2004.01.44540
23/05/2005 22/06/2004
Achylles Armando Jalul Peret Amaury Renaux Leite
13 41
Devolvido Recurso pendente
08/08/07 14/05/07
3 4 5
2001.02.01752 2002.01.06382 2003.02.24786
09/10/2001 28/01/2002 14/05/2003
Antônio Idaló Neto Carlos Arthur Pitombeira Carlos Jurandir Monteiro Lopes
58 32 87
Juntada por anexação Vista ao Conselheiro Assessoria Jurídica
28/08/07 30/08/07 25/10/07
6 7 8
2007.01.57813 2001.1403.174 2005.01.51825
12/06/2007 23/10/2001 19/08/2005
Fernando Segismundo Esteves Frederico Lourenço Gomes* Jorge Saldanha de Araújo
4 54 7
Assessoria Jurídica Juntada por anexação Setor de Protocolo
25/10/07 09/05/07 16/10/07
9 10 11
2002.01.13482 2003.01.34761 2002.01.08471
29/10/2002 12/11/2003 11/04/2002
José Alves Pinheiro Júnior José Jorge de Souza José Luiz da Costa Pereira
27 7 77
Setor de Análise Juntada por anexação Setor de Protocolo
18/09/07 24/10/07 16/10/07
12 13 14
2001.02.01886 2003.01.22416 2001.02.01881
15/10/2001 19/03/2003 15/10/2001
Julieta Rocha Moreira Cabral** 73 Maria Ignes Duque Estrada Bastos 30 Mário Augusto Jakobskind 52
Assessoria Jurídica Juntada por anexação Setor de Julgamento
25/10/07 14/09/07 06/11/07
15 16 17
2003.01.30883 2003.02.24063 2003.21.27832
24/09/2003 28/04/2003 30/06/2003
Milton Coelho da Graça Moacir Werneck de Castro Moacir Werneck de Castro
24 63 47
Assessoria Jurídica Sev. Atend. Anistiado Devolvido
03/07/07 02/10/07 28/03/07
18 19 20
2003.21.29136 2003.01.27793 2003.01.34395
23/07/2003 26/06/2003 10/11/2003
Nilson Nobre de Almeida Paulo Cavalcante Valente Pery de Araújo Cotta
27 59 5
Setor de Análise Setor de Protocolo Setor de Protocolo
16/10/07 16/10/07 17/10/07
21
2004.01.46268
08/09/2004
Tamar de Castro Oliveira
4
Setor de Protocolo
17/10/07
* Falecido ** Requerente como viúva de George de Barros Cabral
4 . É fundada na crença de que Vossa Senhoria imprime à Comissão de Anistia um ritmo de trabalho sem precedente na história da formação desse órgão, como evidenciado na farta massa de fatos e dados constantes de sua exposição, que a Associação Brasileira de Imprensa vem solicitar a concessão de uma audiência para postular mais rapidez no exame e julgamento em plenário de processos de interesse de jornalistas vítimas de atos persecutórios do regime militar e alcançados por sanções que os tornam destinatários da anistia instituída no art.8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 5 de outubro de 1988. No elenco desses beneficiários encontram-se não apenas associados da ABI, mas também profissionais e cidadãos sem o vínculo com nosso quadro social, mas cuja defesa assumimos com o nosso empenho de busca de justiça aos que dela carecem. 5 . Para que a audiência solicitada tenha o desejável sentido de objetividade consideramos necessário que Vossa Senhoria determine a requisição dos processos listados no Quadro I anexo a este expediente e a convocação, se pertinente, de conselheiros ou assessores jurídicos da Comissão, para que prestem esclarecimentos sobre cada pleito e indiquem o que deve ser feito para que este tenha sua instrução concluída e seu julgamento viabilizado. Com isso, senhor Presidente, será possível superar o excesso de andamentos
que afetam a tramitação e decisão acerca do requerido. 5.1 Como Vossa Senhoria e sua diligente assessoria notarão, há processos que tropeçam em vários andamentos como, no caso de Carlos Jurandir Monteiro Lopes (item 5) com nada menos de 87 andamentos; de José Luiz da Costa Pereira (item 11), com 77; de Julieta Rocha Moreira Cabral (item 12); de Moacir Werneck de Castro (itens 16 e 17), com 63 andamentos num de seus dois processos e 47 no ou-
QUADRO III
TEMPO DE TRAMITAÇÃO EM ANOS DOS PROCESSOS PENDENTES DE DECISÃO Ano de Entrada
Tempo de Tramitação
Quantidade
2001
6
4
2002
5
3
2003
4
9
2004
3
2
2005
2
2
2007
-
1
(em Anos)
QUADRO IV
CARGA DOS PROCESSOS DE JORNALISTAS PENDENTES DE DECISÃO NOVEMBRO DE 2007
Órgão, Evento ou Razão
Quantidade
Setor de Protocolo
4
Assessoria Jurídica
5
Juntada por anexação
4
Setor de Análise
2
Devolvido
2
Setor de Julgamento
1
Recurso pendente
1
Vista a Conselheiro
1
Serv. de Atend. ao Anistiado
1
DATA DE NASCIMENTO E IDADE DOS JORNALISTAS COM PROCESSOS PENDENTES DE DECISÃO Nome
Data de Nascimento
Moacir Werneck de Castro
28.2.1915
92
Fernando Segismundo Esteves Frederico Lourenço Gomes Paulo Cavalcante Valente
5.7.1915 22.8.1918 5.12.1923
92 89 84
Julieta Rocha Moreira Cabral José Jorge de Souza Milton Coelho da Graça
16.12.1924 24.7.1926 30.11.1929
83 81 78
Amaury Renaux Leite José Alves Pinheiro Júnior Nilson Nobre de Almeida
20.12.1933 16.11.1934 25.2.1935
74 73 72
José Luiz da Costa Pereira Carlos Arthur Pitombeira Pery de Araújo Cotta
7.11.1937 20.4.1939 1.9.1939
70 68 68
Maria Ignez Duque Estrada Bastos Carlos Jurandir Monteiro Lopes Jorge Saldanha de Araújo
10.6.1940 26.10.1941 25.8.1942
67 66 65
Tamar de Castro Oliveira Mário Augusto Jakobskind Antônio Idaló Neto
24.8.1942 16.10.1943 9.6.1944
65 64 63
Achylles Armando Jalul Peret
14.9.1948
59
tro; de Paulo Cavalcante Valente (item 19), com 59; de Antônio Idaló Neto (item 3), com 58; de Frederico Lourenço Gomes (item 7), com 54. Desafortunadamente, o nosso companheiro Frederico Lourenço Gomes faleceu nas proximidades dos 90 anos sem encontrar a justiça que pleiteou. Sua viúva conta que mereça, afinal, a reparação que ele não encontrou. 6 . Como o signatário teve oportunidade de reivindicar em respeitoso aparte que fez à sua exposição na reunião de 26 de outubro, é preciso também, Senhor Presidente, que o critério etário tenha relevância e prioridade para a decisão dos processos, pois os requerentes têm de encontrar justiça em vida após décadas e décadas da danação a que foram condenados pelo regime militar. 6.1 Como se verá pelo Quadro II, dois dos requerentes têm mais de 92 anos: Moacir Werneck de Castro completou-os em 28 de fevereiro passado; Fernando Segismundo Esteves, em 5 de Julho. Pelo menos 4 requerentes contam com mais de 80 anos: Frederico Lourenço Gomes estaria com 89, se vivo fosse; Paulo Cavalcante Valente está com 84; Julieta Rocha Moreira Cabral, com 83; José Jorge de Souza, com 81. Julieta é viúva do nosso inesquecível companheiro George de Barros Cabral, falecido há anos. Ela tem esperança de obter a reparação que seu marido não mereceu. 7 . Outro óbice a ser removido, Senhor Presidente, é o da lentidão com que se arrastam os processos.
Idade /anos
Dos 22 que listamos no Quadro III mais da metade patina há mais de 4 anos na irresolução: quatro tramitam há 6 anos; três há 5 anos; nove, há 4 anos. Só um processo é recente, deste ano de 2007: o de Fernando Segismundo Esteves, exPresidente da ABI, que a custo, com seu acendrado sentimento de dignidade acedeu à pressão da família e requereu a anistia em 12 de junho passado. Este é um que carece de rapidez na apreciação de seu processo: em 5 de julho último fez 92 anos. 8 . Impõe-se também, ilustre Dr. Paulo Abrão, que as informações sobre cada processo constante do site da Comissão de Anistia sejam despidas de laconismo, que para os requerentes têm aura de mistério. Veja-se o levantamento expresso no Quadro IV, em que cinco processos apresentam como carga o Setor de Protocolo; quatro, a Assessoria Jurídica; outros quatro, a Juntada por Anexação. Pergunta-se: no Protocolo, por quê? Na Assessoria Jurídica, para quê? A Juntada por Anexação, por quê? 9 . São estas, ilustre Presidente Dr. Paulo Abrão, as considerações que submetemos à apreciação de Vossa Senhoria e seus dignos pares na Comissão de Anistia, como antecipação das questões que lhe desejamos expor na audiência ora solicitada. Peço que aceite as expressões do nosso elevado e justificado apreço. Cordialmente Maurício Azêdo Presidente. Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 41
LIVROS
João, uma vida em jogo e no papel André Siqueira ouviu 70 personalidades para montar o perfil de Saldanha, o jornalista e técnico que criou as feras da Seleção de 1970. tre parentes, colegas da imprensa, políticos e até adversários de João Saldanha, como o falecido ex-Presidente da Federação de Futebol do Rio Eduardo Vianna, o Caixa D’Água. — Como o filme terá 90 minutos, cortei quase tudo, inclusive material do próprio acervo do João Saldanha. O livro me deu condições de reunir muitas histórias e detalhar melhor o perfil dele. Passei cinco meses escrevendo, madrugada adentro, podendo falar sobre a sua trajetória como comentarista esportivo, a passagem pela seleção como treinador na Copa de 70 e sua fase na política Militante do Partido Comunista Brasileiro–PCB, João Saldanha nasceu em Alegrete, Rio Grande do Sul, em 1917, ano em que eclodiu a Revolução Bolchevique na Rússia. Morreu em 27 de julho de 1990, na Itália, nove dias após completar 73 anos de idade, durante a Copa do Mundo que estava sendo disputada naquele país.
Como a imprensa esportiva produz ídolos de massa Novo livro de André Ribeiro mostra como o jornalismo cria os ases que dominam os espetáculos. Completando a série de eventos ligados ao esporte que ocorreram na sede da ABI no dia 17 de dezembro, o jornalista André Ribeiro lançou na Casa o seu mais recente livro: Os donos do espetáculo — histórias da imprensa esportiva no Brasil. O evento, que teve o apoio do site Livros de Futebol, aconteceu no salão do 11º andar, e contou com a participação de importantes nomes do jornalismo esportivo e amantes do futebol. Para José Rezende, Coordenador do Centro Histórico-Esportivo da ABI, o livro é um marco importante para se contar a história do jornalismo esportivo, na sua opinião rica demais para ser contada em apenas uma edição: — Para usar a linguagem futebolística, este é o pontapé inicial para se contar a história do jornalismo esporti42 Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007
vo brasileiro. O próprio André reconhece que vários personagens e fatos importantes foram omitidos em razão da magnitude da história. Essa obra é valiosíssima e espero que o André e até mesmo outros autores dêem seqüência a ela. O jornalista Teixeira Heizer, membro do Conselho Consultivo da ABI, que também esteve presente à festa de lançamento, disse que é ótimo relembrar nomes de todas as eras do jornalismo esportivo, pois o autor trouxe à tona informações seculares, desde a chegada do esporte ao Brasil em 1894: — Lembrar a nossa história é um ótimo objetivo. Mesmo não sendo possível relembrar tudo, há um grande mérito neste livro em recordar fatos e pessoas que tanto contribuíram para o desen-
DIVULGAÇÃO
O cineasta e escritor André Iki Siqueira, lançou no Rio João Saldanha — uma vida em jogo, edição da Companhia Editora Nacional que reconstitui a vida do jornalista e cronista esportivo, feita com a ajuda de depoimentos de parentes e amigos e documentos inéditos de arquivos dos órgãos de informação da ditadura militar. André Siqueira conta que teve a idéia de escrever o livro há quatro anos, a partir do levantamento de material de pesquisa para a realização do documentário de longametragem João (dirigido por ele e Beto Macedo, com produção da TV Zero), que será lançado em 2008. — Em 2003, quando comecei a fazer o filme, percebi que tinha muito material. O livro, cujo projeto gráfico do Victor Burton foi muito feliz, tem me dado muita satisfação; só tenho recolhido comentários positivos. Quando pensou em escrevê-lo, André tinha em mãos mais de 80 horas de entrevistas com 70 personalidades, en-
André Siqueira: ao produzir e dirigir um filme, descolou material também para um livro.
O livro fala da atividade política de Saldanha e lembra que durante a ditadura militar ele foi perseguido, preso, levou tiro, viveu na clandestinidade e muitas vezes se viu obrigado a mudar de nome: — Siqueira era um deles, mas quase ninguém sabe disso. O próprio João achava que tinha feito coisas mais importantes na política do que no futebol. Para encontrar esses fatos, eu fui fundo
na pesquisa dos arquivos dos órgãos de repressão a que tive acesso. Diz André que todas as facetas do jornalista estão retratadas em João Saldanha — uma vida em jogo: — Ele era um homem de vários perfis. Trata-se de um personagem dramaticamente perfeito: comédia, drama, sensatez, insensatez, tudo isso reunido em um cara só.
volvimento desse setor da imprensa. Apesar do foco principal ser a imprensa de São Paulo e do Rio, acredito que é hora de se resgatar também um pouco do passado da imprensa esportiva de outros lugares do Brasil. Autor de outros quatro livros sobre futebol, entre eles Diamante eterno — biografia de Leônidas da Silva e Fio de esperança — biografia de Telê Santana, André Ribeiro afirmou que ao escrever o livro quis explorar um universo diferente. Sua idéia foi fazer uma cronologia do tempo dos fenômenos que foram se desencadeando e que marcaram a história do futebol. Para isso, escolheu alguns nomes que tiveram representatividade na construção do jornalismo esportivo. Diz André Ribeiro que o livro mostra a evolução das comunicações esportivas, por meio do jornal, rádio, revistas, tv e internet, e como foram surgindo as grandes estrelas desse espetáculo de notícias, que ele chama de os donos da bola: — Um deles é o Mário Cardin, que foi o primeiro repórter a ganhar notoriedade na imprensa esportiva, quando trabalhava no Estadão. Ele participou das reuniões da primeira liga de futebol com os cartolas e veio a ser braço-direito do ex-Prefeito Antônio Prado Júnior, na década de 30. O livro fala do período de consolidação do jornal como mídia esportiva e destaca a atuação do jornalista Mário
Filho com a criação do Jornal dos Sports, o primeiro diário esportivo brasileiro, fundado em 13 de março de 1931. André Ribeiro lembra que foi também na década de 1930 que o rádio começou a crescer: — As primeiras transmissões esportivas aconteceram na voz do Nicolau Tuma, na Rádio Educadora, em São Paulo. No Rio, o primeiro locutor esportivo teria sido Amador Santos, da Rádio Clube do Brasil. Mas foi a Rádio Record que fortaleceu as transmissões de futebol. Em 1946, ocorreu o fenômeno da Rádio Panamericana, que criou uma programação esportiva 24 horas no ar, transmitindo de tudo no mundo esportivo. O que mais chamou a atenção de André Ribeiro foi o poder e o prestígio conquistado por muitos jornalistas da mídia esportiva. Esses profissionais, diz, foram responsáveis pela popularização do futebol, por fazer dele um grande espetáculo. Por isso, escolheu como título para seu projeto Os donos do espetáculo: — Hilário Franco Júnior, professor de História Medieval da Usp, fala de um esporte praticado em 900 a.C. chamado tlachtli, que significa espetáculo, em que os perdedores eram decapitados. Eu achei genial fazer uma referência a isso, pois só no futebol a imprensa tem o poder de influenciar na contratação ou na escalação, ou até mesmo “decapitar” técnicos e jogadores.
DOAÇÃO
Um clássico do cinema no acervo da Biblioteca da ABI Álbum reproduz imagens de filme feito em 1914 sobre o naufrágio do Titanic. A Biblioteca Bastos Tigre da ABI recebeu mais uma importante doação de Walter Maia, que apesar de não ser jornalista, é amigo e freqüentador da Casa. Trata-se de um livro de fotos do filme dinamarquês Atlantis, de 1914. A obra traz 48 imagens de cenas, bastidores e dos atores da película. Maia já havia contemplado a biblioteca com a doação de inúmeros exemplares do periódico Pasquim 21, praticamente dobrando o acervo da Bastos Tigre. Contou Walter Maia que a publicação foi herdada de seu pai, que tinha muita ligação com o cinema: — Meu pai chegou a trabalhar em uma casa de exibição. Essa publicação era distribuída como um brinde aos freqüentadores do cinema. Eu decidi doar a obra porque a biblioteca é o lugar certo para que as futuras gerações possam apreciá-la, e que sirva de material para quem realiza pesquisas a respeito da história do cinema. É um livro de grande valor histórico e deve ser conservado mais apropriadamente. Além de fotos, o livro traz informações sobre um clássico do cinema do início do século, produzido pela Nordisk Films Compagni. O filme é baseado no romance Atlantis, do alemão Gerhardt Hauptmann, e conta a
história do naufrágio do navio Titanic, do qual o autor é um dos sobreviventes. O longametragem foi considerado uma superprodução para os padrões da época, com um elenco de peso e aproximadamente mil figurantes. Para as filmagens foi construída também uma réplica do transatlântico, que foi a pique nas águas do Mar do Norte durante as gravações. Entre as diversas curiosidades presentes no livro, pode-se destacar o fato de que o ator que interpretava o comandante dispensou o boneco que lhe serviria de dublê e preferiu afundar junto com o navio, para conferir maior realismo à cena. Ele foi resgatado logo em seguida. O livro vai ficar disponibilizado ao público na Biblioteca da ABI, que é aberta a não-sócios e conta com diversas obras sobre jornalismo e literatura, além de arquivos de jornais, revistas e outros periódicos. O horário de funcionamento é das 9h às 17h, de segunda a sexta-feira. A Biblioteca Bastos Tigre também atende a consultas de outros Estados e de cidades do interior do Rio de Janeiro pelo telefone (21) 2282-1292, ramal 215; ou pelo e-mail biblioteca@abi.org.br. (Igor Waltz)
PREMIAÇÃO
Audálio e Tiago, destaque da APCA Críticos escolhem O Chão de Graciliano como o melhor na literatura em 2007. O jornalista e escritor Audálio Dantas, Vice-Presidente da ABI, juntamente com o fotógrafo Tiago Santana, ganhou o Prêmio APCA na categoria Literatura, pelo livro O chão de Graciliano. A premiação é concedida pela Associação Paulista de Críticos de Arte. A cerimônia de entrega será realizada dia 25 de março, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo. O livro, com texto de Audálio e fotos de Tiago Santana, foi editado pela Tempo d’Imagem e mostra a região onde Graciliano Ramos nasceu e se inspirou para criar suas obras. Para Audálio, o prêmio da APCA “é a aclamação de um trabalho riquíssimo”. A obra, que também recebeu o Prêmio Conrad Wessel de fotografia, recebeu votação unânime pelo júri como melhor livro-reportagem do ano: — É uma grande honra para mim, pois o Prêmio da APCA é concedido pelos críticos de arte mais importantes de São Paulo. Outro fato que também me orgulha muito é que o livro conta com a apresentação de Joel Silveira, que foi um dos últimos textos escritos pelo jornalista para um livro. Ele já estava debilitado, teve dificuldade de produzir o texto, em que relata uma viagem que ele fez na década de 1970 à mesma região, na época da comemoração dos 50 anos de Vidas secas. O chão de Graciliano é fruto de várias viagens realizadas pelo sertão nordestino a partir de 2002. Esse trabalho é na verdade fruto de três viagens que Audálio fez à região. A primeira, em 2003 como uma forma de inspiração; na segunda, ele viajou acompanhado do fo-
tógrafo; e a terceira foi feita às vésperas do lançamento do livro. Audálio Dantas é da cidade de Tanque d’Arca, interior de Alagoas, a poucos quilômetros de onde nasceu Graciliano Ramos. É por isso que diz ter uma relação muito antiga com a obra do escritor. A obra de Graciliano, diz, ajudou-o muito na sua formação como jornalista, principalmente pelo texto direto, sem enfeites. Assim como a obra de Graciliano, o trabalho fotográfico de Tiago Santana é um recorte sobre o homem nordestino, tendo como pano de fundo a árida paisagem da região. Nascido em Crato, no Ceará, o fotógrafo já tinha uma identificação com o universo de Graciliano: — Para mim o grande desafio foi fazer com imagens aquilo que Graciliano Ramos realizou com as palavras. Eu queria traduzi-lo em imagens. Eu busquei realizar uma interpretação visual, já que muitos lugares não mudaram desde a época do escritor. Eu não queria me focar em lugares específicos, onde ele nasceu, viveu, mas percorrer a região mostrando a paisagem humana. Durante o período em que esteve viajando pelo sertão, Tiago Santana diz ter mergulhado de cabeça na obra do escritor: — Eu tinha uma aproximação normal com a obra, mas durante o trabalho eu me encantei com os livros dele. Infância foi o que mais me impressionou e acabou até virando meu livro de cabeceira. A obra de Graciliano é muito centrada na figura humana. Como fotógrafo eu também busco retratar pessoas, não trabalho muito com paisagens. (Igor Waltz) Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 43
ERRATAS
O Oriente é prochain, e não proxain, diz Dejean
Cine ABI, agora às quintas-feiras Em férias desde o dia 17 de dezembro, quando exibiu o média-metragem Presépios, de Emmanuel Cavalcanti, o Cine ABI retornará suas atividades a partir de 21 de fevereiro de 2008 com o filme Rio 40 graus(foto), de Nélson Pereira dos Santos, considerado uma das maiores obrasprimas do Cinema Novo. A novidade para este ano é que as sessões, semanais e
gratuitas, do Cine ABI deixarão as segundas-feiras para abrilhantarem as noites de quinta-feira no Auditòrio Oscar Guanabarino. O Projeto Cine ABI foi a grande vedete cultural da Casa do Jornalista durante 2007 e desde sua estréia, no dia 11 de junho, exibe filmes nacionais para uma platéia de associados, cineastas, exibidores e amantes de cinema.
Em carta ao Jornal da ABI, o jornalista Dejean Magno Pellegrin diz que foi grafada com erro a expressão Oriente Proxain, que não é com xis, e sim ch: Orient Prochain. A matéria, sob o título As editorias internacionais não sabem onde fica o Oriente Médio, foi publicada na página 32 da edição número 322 (e não na página 12, como menciona Dejean), e reproduzia observações feitas em carta à ABI pelo professor de Geografia Mauro Walter Guedes. São estes os reparos de Dejean, que é sócio da ABI e autor do estudo A imprensa vista na tela, publicado na edição número 316, janeiro de 2007, do Jornal da ABI: “Ouso e tomo a liberdade de fazer uma correção ortográfica na matéria sobre a denominação errada cometida pelas editorias internacionais concernente ao Oriente Próximo, publicada à página 12 do n° 322, mês de outubro, do nosso: Oriente Próximo em francês escreve-se Proche Orient, jamais Oriente Proxain. Além do mais, a ortografia correta de próximo em francês é prochain — com ch e não com x – e, também, proche, dependendo da circunstância. Exemplos: proche de moi, tout homme est mon prochain ou l’an prochain (masculino), la semaine prochaine (feminino). Sempre com ch. Porém proximidade = proximité (com x, aí sim).”
• No número 322, edição extra em homenagem aos 170 anos da Caricatura no Brasil, ao contrário do que foi publicado na página 4, na matéria O pioneirismo de Araujo Porto-Alegre, o desenho A campainha e o cujo, considerada a primeira caricatura da imprensa brasileira, não foi publicada de maneira avulsa, como informa o texto, e sim no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, como deixa claro o texto de abertura da edição, publicado na página 3. • Ainda nessa edição, na página 31 (abaixo), não foi publicada a legenda que informaria aos leitores a autoria de cada desenho: no alto da página, da esquerda para a diteita, vemos Henfil desenhado por Laerte para uma HQ realizada pelos três amigos; a chage de Glauco para a Folha de S.Paulo e de Angeli, para o Pasquim. Embaixo, a catequese, por Glauco e Laerte e uma caricatura de Fernando Collor, por Angeli.
NOVIDADE HOMENAGEM
Benedicto de Barros agora é rua na terra que amou Editorialista do Correio da Manhã nos anos 40 e 50, articulista do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro até anos recentes e criador da Revista da Procuradoria-Geral no tempo em que o Rio ainda era o Distrito Federal e da Revista Tributária do Município do Rio de Janeiro, publicação editada pelo Conselho de Contribuintes do Município, órgão que presidiu durante a gestão de Marcelo Alencar como Prefeito do Rio, o jornalista e advogado Benedicto de Azevedo Barros é agora nome de logradouro na Zona Oeste do Rio, mais precisamente no bairro de Pedra de Guaratiba, com o qual manteve prolongada ligação afetiva. A Rua Benedicto de Azevedo Barros é uma transversal da Rua Belchior da Fonseca, a principal do centro de Pedra de Guaratiba; e conta com uma referência que facilita a sua localização: a poucos metros de seu início funciona o centro de educação infantil da Fundação Xuxa Meneghel, criado e mantido pela artista. A inauguração da Rua Benedicto de Azevedo Barros deu-se na manhã do dia 12 de novembro, um sábado, com a presença de parentes e amigos do homenageado, entre os quais o ex-Governador e ex-Prefeito Marcelo Alencar, que lembrou em discurso sua antiga ligação com o Dr. Benedicto, em cujo escritório foi acolhido após voltar do exílio, no começo dos anos 70. A convite da família, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, dirigiu a singela cerimônia, à qual compareceram o Deputado estadual João Pedro, o advogado Fábio Toso, companheiro do Dr. Benedicto no escritório Barros & Toso, as advogadas Alzira Pessoa Vieira e Marília de \Barros Castellões, filha do Dr. Benedicto, que descer-
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rou a placa do logradouro. Além, de Maurício e Marcelo, falaram no ato o Deputado João Perro e o médico Joaquim José Castellões, marido de Marília e genro do homenageado. O Deputado João Pedro empennhou-se na implantação da denominação do logradouro, determinada em lei de autoria do então Vereador Edson Santos, atualmente deputado federal. Mineiro de Ouro Fino, onde nasceu em 3 de outubro de 1913, Benedicto de Barros veio para o Rio de Janeiro ainda jovem e se formou em Direito pela antiga Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, a famosa Faculdade do Catete, atualmente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e sediada no campus do Maracanã. Aluno brilhante, foi convidado pelo catedrático de Direito Civil, Ministro Filadelfo de Azevedo, para trabalhar em seu escritório de advocacia, no qual atuavam luminares das ciências jurídicas, como Levi Carneiro e Carvalho Santpos. Quando foi presidir a Corte Internacional de Haia, na qual permaneceu por cerca de dez anos, Filadelfo transferiu para Benedicto sua carteira de clientes, tão grandes a admiração e a confiança no antigo aluno. Antes de se destacar como advogado, Benedicto foi professor de Português da Escola Normal, onde seus conhecimentos do idioma chamaram a atenção. Convidado a integrar a equipe do Correio da Manhã, no qual redigia diariamente um dos editoriais, conciliou enquanto pôde o jornalismo e a advocacia, no qual adquiriu uma notoriedade e uma clientela que o afastaram do cotidiano da redação. Enraizado na área do Direito, tornou-se por concurso Procurador do Estado do Rio de Janeiro.
Advogado do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro por mais de 30 anos, Benedicto era um dos colaboradores da Editoria de Direito e Justiça do JC, em cujas páginas publicava semanalmente artigos sobre questões jurídicas e temas econômicos Poeta e contista, que resistia à idéia de lançar livros fora da área do Direito, acabou convencendo-se e publicou nos anos 90 os poemas reunidos no volume Cantos de Amor e Saudade e o conto A Flor Azul. Foi autor também de Princípios de Direito Processual Civil e de dois volumes com relatos de sua vivência no dia-a-dia da advocacia: Uma leve visão pelos corredores do Foro e Lembranças de um velho advogado. A ligação de Benedicto de Azevedo Barros com Pedra de Guaratiba consolidou-se em setembro de 1958, quando ele adquiriu um sítio – pouco produtivo, por sinal, mas isso não o perturbava – e criou um campo de futebol para que os jovens das imediações pudessem dedicar-se ao esporte e ao lazer. O sítio mantinha as portas abertas nos fins de semana, pelas quais os jovens jogadores entravam sem necssidade de sequer cumprimentar os donos da casa. Periodicamente, para incentivar as competições, Benedicto inventava um torneio e instituía um troféu, disputado com grande empenho e, por exigência dele, lealdade. Ele era torcedor apaixonada do Botafogo de Futrebol e Regatas e se emocionava com os feitos do clube e seus atletas, como, nos anos 90, o atacante Túlio Maravilha, que o impressionava como artilheiro. Benedicto de Azevedo Barros faleceu em 28 de fevereiro de 2005. deixando para quantos o conheceram a máxima que recitava todos os dias para incentivar amigos e discípulos: O importante é ser feliz.
Lançada Norte, revista de cultura Com assuntos voltados para livros, cultura e artes, chegou às bancas do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo a revista Norte, que tem como epíteto “cultura no Sul do mundo”. A nova publicação levou quatro meses para ser elaborada e, mesmo tendo suas pautas produzidas integralmente no Sul do País, não pretende se restringir a assuntos locais. Lançamento da Arquipélago Editorial, a revista custa R$ 3,50 e é encontrada em 20 pontos de vendas dos três Estados. Com periodicidade bimestral, Norte tem tiragem inicial de 2 mil exemplares, com previsão de chegar a 3 mil em janeiro e expectativa de atingir 5 mil até o fim de 2008. A impressão ficou a cargo da gráfica Pallotti; o logotipo e a campanha de lançamento, da Olé Comunicação; e o projeto gráfico, de Camila Kieling e Marta Castilhos, da Editoras Associadas. O jornalista Tito Montenegro é o editor e Priscilla Giampaoli, a editora-assistente. Na primeira edição, o jornalista Humberto Werneck escreve sobre lugares-comuns, o psicanalista Mário Corso revela “o segredo” dos livros de auto-ajuda e a repórter Eliane Brum estréia na ficção com um conto. Há ainda no número 1 da revista um artigo de Alexandre Dias Ramos sobre a Bienal do Mercosul, uma entrevista com o escritor Leonardo Brasiliense e textos de Sérgio Rodrigues, do blog literário Todoprosa.
Vidas RAFAEL WALLACE-ALERJ
Ancelmo evoca seu amigo Julinho Em texto especial para o Site da ABI, o jornalista Ancelmo Góis evocou com emoção e carinho seu amigo Júlio César Régis Dantas, o Julinho, seu companheiro desde as lutas da mocidade em Sergipe. Julinho morreu em 26 de dezembro, aos 58 anos. O texto de Ancelmo, intitulado Julinho partiu, é o seguinte: O ano de 1968, aquele que não terminou na definição de mestre Zuenir Ventura, foi marcado por manifestações estudantis em todo o mundo. Na pequena Aracaju não foi diferente. Lá, os estudantes saíram às ruas, mais de uma vez, caminhando, cantando e lutando contra o regime militar. Em Sergipe, a luta dos estudantes era liderada pelo pessoal do Diretório da Faculdade de Direito da UFS, tendo à frente Wellington Mangueira Marques, o “Boquinha”. Em torno dele e do PCB se formou um grupo de jovens combatentes contra a ditadura, entre eles Júlio César Régis Dantas, aluno da Faculdade de Serviço Social. Julinho, depois do Ato Institucional n° 5, que sufocou os protestos que vinham das ruas, partiu clandestinamente para Moscou, em pleno regime soviético, onde, por um ano, fez um curso de formação política marxista na escola do Komsomol. Nos anos 70, já no Rio, participou da luta pela retomada do Sindicato dos Jornalistas — que estava em poder de pelegos — e atuou na ABI num momento particularmente histórico da entidade, na linha de frente pela redemocratização do País. Nos anos 80 Julinho se aliou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) e ajudou a lançar o jornal brizolista Tribuna Socialista. Trabalhou como repórter nos jornais O Globo, Tribuna da Imprensa, Jornal do Commercio e Diário do Comércio e Indústria. Trabalhou ainda na assessoria de imprensa da Bolsa de Valores e da Prefeitura do Rio. Julinho, 58 anos, morreu dia 26 de dezembro, vítima de choque séptico no Hospital da Ordem do Carmo, no Rio. Deixa a viúva, Esther, dois filhos e muitas saudades nos que o conheceram.
Oradora notável, Heloneida foi um aguerrida combatente da causa dos direitos da mulher e dignificou os seis mandatos que exerceu.
Heloneida, a guerreira Jornalista, teatróloga, romancista, parlamentar por seis mandatos, ela foi uma grande lutadora pelos direitos da mulher. Um clima de comoção dominouno começo da tarde do dia 4 de dezembro os momentos finais da vigília fúnebre em homenagem à jornalista, teatróloga e romancista e ex-Deputada Heloneida Studart, que morreu na véspera de parada cardíaca. Antes da saída de seu esquife para o Memorial do Carmo, no Caju, Zona Norte do Rio, sobre um veículo do Corpo de Bombeiros, amigos e admiradores da antiga parlamentar do PT cantaram o Hino Nacional, a canção O bêbado e a equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco, e Ô abre alas, de Chiquinha Gonzaga, com uma adaptação em homenagem à participação de Heloneida no movimento feminista: “Ô abre alas, que eu quero passar / Sou feminista, não posso negar / Sou feminista, não posso negar”. Heloneida, cearense de Fortaleza, onde nasceu em 9 de abril de 1932, exerceu seis mandatos de Deputada à Assembléia Legislativa do Estado do Rio. Ela sofreu uma parada cardíaca seis dias após ser submetida a uma cirurgia no
coração e foi velada no hall de entrada da Assembléia Legislativa do Estado. À vigília compareceram parlamentares, jornalistas — entre os quais o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, o Conselheiro Carlos Arthur Pitombeira, o associado Modesto da Silveira — e militantes do movimento feminista, que discursaram diante de seu esquife e entoaram a canção Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Jornalista, escritora e teatróloga, Heloneida destacou-se na militância social nos anos 60 como Presidente do Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais–Senalba, que se consolidou e cresceu sob a sua firme liderança. Perseguida e proibida pela repressão da ditadura militar de continuar à frente do Senalba, ela tomou o rumo do jornalismo. Redatora da revista Manchete, integrou uma equipe brilhante da publicação da Bloch Editores, sob o comando de Justino Martins e como companheira de ases do jornalismo como Raimundo Magalhães Júnior,
Murilo Melo Filho, Ivan Alves, José Carlos Oliveira e Roberto Mugiatti, entre outros. Ela se destacou também como defensora dos direitos da mulher. Participante, em 1989, da elaboração da Constituição do Estado do Rio após a promulgação da Constituição Federal, defendeu então direitos trabalhistas específicos para a mulher, como a licença-maternidade de 120 dias. Entre as leis de sua autoria figura a de n° 2.648, que garantiu o exame gratuito de DNA para mães de baixa renda. Conhecida por seu temperamento forte e sua coragem política, que levava seus admiradores e eleitores a classificála de guerreira, Heloneida era membro efetivo do Conselho Deliberativo da ABI, para o qual se elegeu em abril de 2007. Foi um retorno à militância na Casa, da qual se afastara por força dos seus encargos como parlamentar. O Conselho prestou-lhe a homenagem de um minuto de silêncio em sua sessão de dezembro. Jornal da ABI 324 Dezembro de 2007 45
Vidas
Dom Aloísio, um gigante da resistência A ABI presta homenagem ao Presidente da CNBB nos anos 70, que enfrentou com serenidade e firmeza a ditadura militar. A ABI manifestou à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil seu pesar pelo falecimento do Cardeal Dom Aloísio Lorscheider, que foi apontado pela Casa como um gigante na defesa dos direitos humanos entre 1968 e 1978 quando esteve à frente da CNBB, primeiro como Secretário-Geral e depois como Presidente, cargo que exerceu de 1971 a 1978. A CNBB firmou-se então como um dos baluartes da luta pelo Estado de Direito, ao lado da ABI e da Ordem dos Advogados do Brasil. Dom Alo-
ísio faleceu no dia 23 de dezembro em Porto Alegre, aos 83 anos. A mensagem “A Associação Brasileira de Imprensa – diz a mensagem – recebeu com profundo pesar a notícia do passamento do Cardeal Dom Aloísio Lorscheider, que marcou sua presença na vida do País pela fecunda atuação como destacado clérigo da Igreja Católica e como combatente da causa dos direitos humanos, a que ele se dedicou como um gigante, com SERGIO TOMISAKI - AGÊNCIA O GLOBO
Sem descurar das suas obrigações pastorais. Dom Aloísio Lorscheider liderou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil num dos mais ásperos momentos da vida do País.
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serena determinação e firme coragem, no período mais impiedoso da ditadura militar, instaurado no Governo Garrastazu Médici e tornado sufocante pelo Ato Institucional nº 5-AI-5, imposto à Nação em 13 de dezembro de 1968 pelo arbítrio desenfreado então dominante. Primeiro como Secretário-Geral, entre 1968 e 1971, e depois como Presidente da CNBB, de 1971 a 1978, Dom Aloísio Lorscheider em momento algum vacilou na defesa das vítimas da ditadura, que semeava o terror através de cassações, prisões, torturas e imposição de exílio aos que se empenhavam pelo restabelecimento das liberdades públicas e dos direitos civis. Seus crimes eram mantidos em silêncio sob o abrigo da férrea censura imposta à imprensa e aos meios de comunicação em geral. Foi esse um prolongado momento de vilania imposta à Nação pelo poder absolutista. Com destemor e resistindo com bravura a ameaças e tentativas de intimidação, Dom Aloísio colocou a CNBB na vanguarda das lutas pelo retorno do País ao Estado de Direito, ao lado da ABI, que tinha então à sua frente outros destemidos paladinos da liberdade, como Prudente de Morais neto, Danton Jobim e Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil, liderada nesse tormentoso transe da vida nacional por personalidades do porte de Raimundo Faoro, Eduardo Seabra Fagundes, Herman Baeta e Bernardo Cabral, entre outros. Dom Aloísio impôs-se ao respeito da comunidade nacional pelo generoso desempenho como sacerdote devotado a um trabalho pastoral que teve como centros a opção pelos pobres e oprimidos, a compreensão dos deveres da Igreja para com os excluídos de toda natureza e sobretudo o amor à criatura humana. Essas virtudes granjearam-lhe respeito também no plano internacional, junto a seus pares da Conferência Episcopal Latino-Americana-Celam, cuja presidência exerceu, e ao colegiado de cardeais do mundo inteiro, que chegaram a cogitar de sua eleição para sumo pontífice, em 1978. Comovida neste momento de dor e de luto, a ABI pede a Vossa Eminência que apresente as expressões de seu pesar à comunidade católica de todo o País e à família e aos amigos desse notável homem de Deus.” Cordialmente (a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”
Jáder Neves com Murilo Me.lo Filho, seu inseparável companheiro de reportagens na nascente Brasília que JK criou.
Jáder Neves, o fotógrafo de Brasília Sócio da ABI desde 1950, o fotógrafo Jáder Corrêa Neves morreu aos 87 anos, no dia 30 de outubro, no Hospital da Ordem Terceira, na Tijuca, Zona Norte do Rio, onde estava internado. Durante mais de quatro décadas Jáder trabalhou como fotógrafo para a Editora Bloch. Murilo Melo Filho, que era repórter e durante esse longo período fez várias coberturas com o fotógrafo, relembrou a série de reportagens sobre a construção de Brasília que os dois fizeram juntos para a Manchete: — A revista mandava a gente toda semana para Brasília, para acompanhar as obras de contrução da nova capital. Lembro que na inauguração de Brasília fizemos uma matéria especial que vendeu 1 milhão de exemplares. Murilo, que é membro da Academia Brasileira de Letras e sócio da ABI, conta que Jáder era afoito na busca de uma boa foto e era sempre o escolhido para cobrir as viagens dos Presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart ao exterior: — Ele tinha um senso jornalístico perfeito — ressalta. Jáder costumava caminhar na orla depois que se aposentou. Murilo Melo Filho diz que várias vezes os dois se encontraram no calçadão de Copacabana: — Toda vez a gente reconstruía aqueles tempos heróicos. Foi uma pena ele ter morrido. Estou muito triste.
Baffinha, um ás da irreverência Um perfeito carioca, ele encarnava com precisão a definição de Di Cavalcânti. Apaixonado pelo Rio, curtiu e bebeu todas e partiu cedo. POR M AURÍCIO AZÊDO
Muitas vezes era difícil saber quando Baffinha estava falando sério ou cometendo uma irreverência, fazendo uma troça, em que era um ás, um mestre. Ele pronunciava as palavras e as frases sem alterar o tom de voz, sem mudar o tônus dos músculos do rosto. Só quando o interlocutor contestava a observação ou manifestava incredulidade, ele tratava de alterar a atitude original e assumia com vigor, com relatos precisos em pormenores, com tom ácido nos comentários, o fato, a história ou a opinião que suscitara dúvida ou reprovação. Na intimidade, ele admitia ter um jeito moleque de falar das coisas, das pessoas, da vida, do mundo; ter o prazer da irreverência, do chiste, da crítica. Baffinha, como era conhecido no meio profissional, na área de esporte e em certos círculos do mundo do samba, era Altair Baffa, repórter e editor de jornais e revistas, pertencente a uma linhagem de jornalistas que incluía o irmão mais velho, Ayrton Baffa, por muitos anos secretário e depois diretor de redação da Sucursal Rio do Jornal da Tarde e de O Estado de S. Paulo, e de Alcyr Baffa, repórter-fotográfico que trabalhou em vários jornais do Rio, entre os quais a Tribuna da Imprensa, teve atuação destacada na criação e nas atividades da Associação dos Repórteres-Fotográficos do Rio de Janeiro-Arfoc e nas do Sindicato dos Jornalistas Profissionis do Município do Rio e que o precedeu na passagem para o outro lado, como na imagem do jornalista e escritor Rodolfo Konder. O apelido Baffinha advinha tanto da posição na trinca de irmãos – Ayrton era o Baffão; Alcyr, no meio, o Baffa ou Alcyr Baffa; ele, caçula, Baffinha – quanto da fineza do temperamento e do caráter dele. À parte a irreverência e a troça, Baffinha era solidário, leal e muito preocupado com a situação dos amigos e dos companheiros. Era também um homem alegre, capaz de conversar durante horas sem cansar os interlocutores e de contar causos e causos dos bastidores dos meios em que trabalhava, freqüentava ou vivia: o mundo do futebol, o mundo das escolas de samba. Ele sabia de coisas de arrepiar; com certeza algum dia as contaria. Diretor da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, do subúrbio de Ramos, e da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em ambas atuando como diretor convidado, não eleito, ele abandonou os cargos que ocupava e diminuiu sua participação em uma, a Imperatriz, onde teve exercício mais breve, e a militância na
da folia, arrastando por Laranjeiras moter criado ou consolidado o site radores de ruas do bairro, como a Pereido Flamengo, que pôs o clube ra da Silva, a Gago Coutinho, a Euricles em contato com sua legião de de Matos, entre outras, e o Largo do milhões de aficionados em Machado. Com sua visão humanista, todo o Brasil e milhares no Baffinha criou na bloco uma ala reserexterior, Baffinha deu à publivada a portadores de defiências, que descação períódica do clube, a Refilavam com suas cadeiras de rodas, curvista do Flamengo, uma pauta tindo a folia como qualquer folião. ágil e atraente, em que promoA ligação de Baffinha com o carnavia os ídolos atuais do clube e val de rua vinha de muito antes. Em divulgava informações essen1977, ao lado de outros jornalistas, ciais sobre a história centenácomo Fausto Neto e Ronaldo Barque de ria do Flamengo, Baffinha doHolanda, que também já partiram, o tou a revista de uma diagraautor destas linhas e outros freqüentamação moderna, vibrante, e a dores do Restaurante Lamas antes que tornou leitura obrigatória de este se mudasse para a Rua Marquês de sócios e torcedores. Antes de Abrantes, como o cineclubista Marco Baffinha ser dispensado pelo Aurélio Marcondes, então Presidente da clube, a revista deixou de ser Federação dos Cineclubes do Estado do editada. Rio de Janeiro, Baffinha foi um dos funAtento ao fato de que o site dadores da Banda do Mavhado, que saiu tinha por obrigação cultivar a num sábado anterior ao sábado de Carfidelidade do torcedor ao Flanaval, percorreu a Marquês de Abrantes mengo, Baffinha redigia as Baffinha: apaixonado pelo Rio, pelo Flamengo, notícias em dias de jogos com na ida, a Praia do Flamengo na volta, pelo samba e suas escolas e pelo prazer de viver. a preocupação de exaltar o cluenfrentou num sururu um bando de provocadores no caminho de retorno be e o time mesmo na derrota. outra, a Mangueira, porque via coisas pela Rua Dois de Dezembro e voltou ao Seu enteado Guilherme Povill Vianna, que não o agradavam e às quais não ponto de partida, para nunca mais volque com freqüência o auxiliava na diqueria ter acesso, nem mesmo como testar a desfilar. gitação de textos para o site, conta que temunha. Baffinha também adorava um choBaffinha tirava de letra as derrotas. – O Baffinha começou a vida profissiopinho gelado, um petisco, uma comida Flamengo podia ter pedido de 4 a 0, mas nal muito cedo, com pouco mais de 20 caseira feita com capricho, muitas veBaffinha fazia a reprodução do jogo anos, como repórter esportivo do Jornal zes produzida por ele próprio, que se procom tal parcialidade que dava ao leitor do Brasil na segunda metade dos anos clamava um mestre em feijoadas, maa impressão de que o time perdera por 60. O JB era então o fino dos jornais do carronadas e acepipes do gênero e do azar, muito azar – conta Guilherme. Rio e do País em matéria de reportagens porte, para uma degustação que se proUm perfeito carioca, segundo a defie coberturas. Ele começou, pois, numa longava horas a fio, após uma batidinha nição de Emiliano Di Cavalcânti, Baffigrande escola, que tinha como estrelas de limão e uma cervejinha gelada. Bafnha era não só apaixonado pela ManOldemário Touguinhó, Sandro Mofinha não observou, porém, a regra que gueira mas também vidrado em músireyra, Armando Nogueira; na crônica, o levou a batizar o bloco Quem Num ca popular brasileira e em seus criadoJoão Saldanha; na fotografia, Alberto Güenta Bebe Água: ele bebeu todas que res e intérpretes. Para cultivar as tradiFerreira, Ari Gomes, entre outros. Com pôde, contraiu duas ou três doeças incuções musicais e boêmias da cidade ele imagem profissional excelente, atuou ráveis e, após alguns dias de internação, criou um bloco carnavalesco, Quem em vários veículos e empresas, como O nos deixou para sempre na madrugada Num Güenta Bebe Água,que saía nas proEstado de S. Paulo e a TV Globo. Seu de 17 de novembro. Estava com 63 anos. ximidades do Carnaval e num dos dias conceito atravessou as fronteiras do Rio: foi correspondente no Rio da Rádio Globo de São Paulo (AM 1100) e da ERRATA Rádio Record (AM 1000-) na época em que Osmar Santos, no apogeu como locutor esportivo, antes do grave acidente que sofreu, era o principal narrador das duas emissoras. Era com prazer e Em comunicação ao Jornal da ABI, a associada Ilma Martins da Silva, membro da carinho que Osmar usava o diminutiComissão Diretora da Diretoria de Assistência Social da Casa, esclareceu que o Professor vo ao colocá-lo no ar: “Fala, Baffinha!” Mário Barata faleceu no Hospital Silvestre, leito 15, às 17h18min do dia 15 de setembro, Além de apaixonado pela Mangueie não no Hospital do Andaraí, como se poderia depreender da leitura da matéria publicada em nossa edição número 321, data de capa setembro de 2007, página 39. ra, Baffinha tinha uma paixão maior, a Na parte final do texto Mário Barata, múltiplo e incansável, o Jornal da ABI adoração pelo Flamengo, clube no qual publicou comentário de um amigo de Mário, segundo o qual “se ele tivesse sido trabalhou como assessor de imprensa levado para o Hospital Silvestre, que tem mais recursos, talvez tivesse sobrevivido”. O durante cerca de oito anos, até que em amigo de Mário ponderava que se ele tivesse sido socorrido logo no Hospital seu primeiro mandato da série exercida Silvestre, sem a intermediação do encaminhamento ao Hospital do Andaraí, talvez tivesse tido assistência mais eficaz. até hoje o Presidente Márcio Braga imIntegrante do Conselho Deliberativo da ABI, Ilma acompanhou os momentos finais plantou uma política de redução de cusdo Professor Mário Barata como membro da Comissão Diretora da Diretoria de tos na promoção do clube. Com isso Assitência Social. quem perdeu foi o Flamengo: além de
Os momentos finais de Mário Barata
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