Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Jornal da ABI
327 MARÇO 2008
Ari Gomes Campanela Neto Domingos Peixoto João Ripper Márcia Foletto Marcos Tristão Marizilda Cruppe Rogério Reis
Editorial
Desafio, não. Obrigação e tarefa COM MAIS ESTA EDIÇÃO ESPECIAL, o Jornal da ABI dá seqüência ao esforço que vem fazendo para a crescente valorização dos companheiros que se dedicam à atividade profissional, sejam ou não nossos sócios – é pena que nem todos o sejam, porque a força da Casa como instituição de defesa da comunidade jornalística, no plano dos direitos essenciais à atividade de comunicação, a qual não é irrelevante desde a sua fundação por Gustavo de Lacerda há cem anos, será tanto maior quanto mais ampla seja a sua representação como expressão desse ser coletivo. Tal como em número anterior, o Jornal da ABI apresenta a seguir um perfil sucinto de numeroso elenco de profissionais da fotografia e a reprodução de trabalhos significativos por eles mesmos selecionados, para assim oferecer uma visão de como é rico, variado e competente o desempenho dos nossos repórteres-fotográficos. Sem ufanismo de origem suspeita, já que tal conclusão parte de uma instituição de imprensa, a mais antiga do gênero criada no País, não será demasia destacar que, como os da edição anterior dedicada ao tema, os trabalhos aqui apresentados se situam no melhor nível da fotografia jornalística mundial e constituem motivo de orgulho para o conjunto do nosso universo profissional. Não será tampouco descabido observar que essa produção coletiva oferece forte documentação da realidade brasileira, com suas grandezas e iniqüidades, suas virtudes e suas carências, suas fontes de euforia e de dor; retratos que ensejaram reações
Associação Brasileira de Imprensa
de alegria e de abatimento no cotidiano de sua divulgação. Está aí ratificada, mais uma vez, a procedência da afirmação de Barbosa Lima Sobrinho, o grande patriarca desta Casa, de que a imprensa é uma fonte essencial e indispensável para o estudo e o conhecimento do que aconteceu entre nós, como ente nacional, desde o surgimento das primeiras publicações editadas no País, a partir da primeira década do século 19. A publicação destes trabalhos impõe-nos também uma reflexão, para a qual nos alertou recentemente eminente sócio da ABI, o médico Carlos Alberto Leite, que manteve seções especializadas em importantes diários do Rio, como o Jornal do Commercio e O Dia, e hoje dedicado à sua clínica. Filho do repórter-fotográfico Indayassu Leite, um dos ases da fotografia de O Cruzeiro no melhor momento jornalístico dessa memorável revista, ponderou com razão Carlos Alberto Leite sobre a necessidade de se lançar luz sobre repórteres-fotográficos que, com seu talento e brilho pessoal, contribuíram para que a fotografia jornalística no Brasil alcançasse o alto padrão que tem em nossos dias. Estamos diante, pois, não de uma sugestão ou de um desafio, mas de uma obrigação, de uma tarefa: a de produzir neste ano do centenário uma edição, ou mais de uma, que não deixe na obscuridade em que injustamente jazem as criações e a aventura pessoal de expoentes do fotojornalismo como Indayassu Leite, seus contemporâneos e quantos, antes e depois deles, edificaram o jornalismo fotográfico entre nós.
Nesta Edição
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Imagens que ficaram. Nelas, muitas histórias para contar e para fazer.
João Ripper
Márcia Foletto
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Ari Gomes
Marcos Tristão
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DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO (2007-2008) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Roulien, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata (in memorian), Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho. Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2007-2010) Artur da Távola, Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa, Sérgio Cabral e Terezinha Santos. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos (in memoriam), Edgard Catoira, Francisco Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães. Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2007-2010) Adalberto Diniz, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes.
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Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 20.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha e Maurício Azêdo Redação: Marcos Stefano Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1808, Osasco, SP (11) 3693-8027 As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.
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O SONHO REALIZADO Um momento histórico da existência centenária da ABI: em 30 de setembro de 1935, Herbert Moses lança a pedra fundamental da sede própria que, décadas depois, receberia seu nome. O terreno foi doado pelo então Prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, até hoje destinatário da gratidão da Casa.
O SONHO REALIZADO
Imagens que ficaram Nelas, muitas histórias para contar e para fazer. POR MARCOS STEFANO
Costuma-se dizer que a história é feita de acontecimentos que passam despercebidos. Foi o que se deu naquele 9 de abril de 1908 na cidade do Rio de Janeiro. Pouca gente deu maior importância à nota publicada na capa do jornal O Paíz, que noticiou a fundação – ocorrida dois dias antes – da Associação Brasileira de Imprensa. Dizia o singelo texto que a entidade fora fundada em uma assembléia realizada na sede da Caixa Beneficente dos Empregados daquele jornal, em uma apertada sala do terceiro andar do prédio, com nove corajosos homens. Uma grande decepção para o idealizador da empreitada, o repórter Gustavo de Lacerda. As interrogações em sua cabeça eram muitas e, pior do que elas, era o medo de não encontrar eco nem jun-
to àqueles que tanto desejava auxiliar. Se já é difícil imaginar a situação do jornalismo naqueles tempos, ainda mais complicado é tentar explicá-la. Como a profissão não era legalmente reconhecida, escrever para as publicações da época ou era um bico para complementar a renda ou idealismo político. Os proprietários faziam de seus jornais veículos de interesses econômicos e de bandeiras políticas. Nesse mundo, enquanto os redatores eram bem pagos, os repórteres recebiam salários baixíssimos. O próprio Gustavo de Lacerda morreria pouco tempo depois de sua eleição, sem nem mesmo completar seu mandato, de fome. O nascimento da ABI foi uma reação a tudo isso. Mesmo que não tenha sido como o da maioria de nós – com barulho estridente. Passados 100 anos daquela data, a certeza que se tem ao olhar
em retrospectiva é de que os gritos do silêncio foram mais altos. E vivas às imagens, que estão aí para não deixar dúvidas. Como assegura o provérbio: uma imagem vale mil palavras. Nossos repórteres aprenderam a validar o pensamento, dizendo-o com suas fotos e não somente por meio de textos. Com justiça, estão entre os mais talentosos fotojornalistas do mundo. Pelas fotos é possível voltar no tempo e conhecer melhor a história de lutas daqueles que escrevem a história. Falar disso é falar da ABI. Não porque se desenvolveu paralelamente à imprensa, mas porque foi fundamental para a estruturação do jornalismo como o conhecemos hoje. E não apenas isso. A Associação tornou-se sinônimo de busca pela liberdade de expressão e defesa dos direitos humanos ao se posicionar na linha de frente em
todas as batalhas em que eles estivessem ameaçados. Não foram poucas. Na República marcada por ditaduras, golpes, contragolpes, “revoluções” e quarteladas, sempre acompanhadas por truculência, censura, empastelamentos, arbitrariedades, prisões, apreensões, torturas, exílios e assassinatos de opositores – tudo tolerado como “duro, mas necessário”, a ponto de virar política oficial de governo – , a ABI sempre foi a primeira a levantar a voz de protesto. A linguagem não é meramente retórica. A verdade é que no Brasil os jornalistas estão sempre em guerra! E nessa guerra, a ABI tem sido chamada com justiça de uma segura “trincheira da liberdade”. Mesmo em seus primeiros momentos. Foi da entidade a proposta da criação do primeiro curso de Jornalismo, com o intuito de proJornal da AB ABII 327 Março de 2008
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IMPONÊNCIA E INOVAÇÃO
PEREGRINAÇÃO
fissionalizar a profissão e melhorar as condições de trabalho. Isso, quase quatro décadas antes do surgimento do primeiro curso de jornalismo no Brasil. Assim também foi nos anos 30 e 40, quando a entidade estremeceu seu relacionamento com o ditador Getúlio Vargas – e colocou sob ameaça o financiamento para a construção da Casa do Jornalista, seu edifício-sede que se tornou um marco na arquitetura modernista do Brasil –, para protestar contra a prisão de jornalistas, o fechamento de redações e a nomeação de censores para os veículos de comunicação. Claro, há divergências. Muita gente acha que o presidente da entidade naqueles anos, Herbert Moses, deveria ter tomado uma posição mais decidida e rompido com o governo ditatorial, defendendo abertamente seus colegas. Já outros pensam que Moses foi tanto um lutador quanto um diplomata: sem sustentação política, seria um prejuízo maior fazer diferente. Mas justamente nisso há mais uma característica que faz da ABI única: seja qual for o lado em que você ficar, você certamente será ouvido. Pluralidade é um dos valores mais prezados pela Associação, que já abriu suas portas para receber líderes das mais diversas ideologias e pensamentos. Por lá já 4
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falaram presidentes como Truman, Prado, Sukarno, Gronchi, Mateos e líderes da importância de Dean Acheson, Pinay e Che Guevara. O cubano Fidel Castro recebeu solidariedade à sua revolução na entidade em 1959. Menos de dois anos depois, foi a vez do norte-americano Robert Kennedy visitar a ABI e ser aclamado pelo povo, ao ser reconhecido na saída do Edifício Herbert Moses. Que estranheza não causou então o atentado contra a Casa do Jornalista em 1976. O ato terrorista destruiu todo o 7º andar do prédio da entidade, onde funcionavam o Conselho, a Presidência e os serviços administrativos. Mas, como disse em sua posse Dunshee de Abranches, jornalista que presidiu a instituição entre 1910 e 1913: “A ABI não pode morrer, nem mesmo se a quisessem matar”. Ah, se Gustavo de Lacerda pudesse ver isso... A defesa dos jornalistas presos depois do golpe de 64, o apoio às famílias dos desaparecidos no regime militar, a defesa das riquezas naturais do País em campanhas históricas como O petróleo é nosso, a pá de cal que liquidou o Conselho Federal de Censura e foi decisiva na criação do Conselho de Defesa da Liberdade de Criação e Expressão em 1988, a defesa na Câmara
dos Deputados do impeachment de Fernando Collor feita por Barbosa Lima Sobrinho em 1992... A ABI transformou sonhos e ideais em realidade! Nada mais justo do que esperar por um final à altura dessa história, certo? Pois bem, esse final não existe. A cada dia, novos capítulos dessa saga conti-
O CONTRADITÓRIO GEGÊ
nuam a ser escritos. Não nas transitórias páginas de revistas e jornais, nos breves programas de televisão e rádio e no instantâneo noticiário da web, mas na perenidade dos exemplos de vida. Se é tão bom recordar tantas histórias que nos inspiram e desafiam, muito melhor será vivenciá-las.
CONTINUIDADE E COERÊNCIA
SABENDO OUVIR
AS FOTOS PEREGRINAÇÃO Até se instalar no Edifício Herbert Moses, jóia da moderna arquitetura brasileira concebida pelos jovens recém-formados Mílton e Marcelo Roberto, a ABI vagou de sede em sede pagando aluguel. Depois de funcionar de 1916 a 1922 no Liceu de Artes e Ofícios, a Casa ocupou dois sobrados, um na Rua do Rosário, outro na Rua do Passeio, onde dividia o espaço com a Fiat, que é, portanto, de radicação muito antiga no Brasil, e o Clube dos Democráticos. Para os boêmios, forte segmento da profissão e da Casa, era a sopa no mel, pois podiam curtir sem grandes caminhadas as noitadas da associação carnavalesca.
COM O JOVEM FIDEL
IMPONÊNCIA E INOVAÇÃO Majestoso, imponente, inovador com sua fachada e sua lateral ocupadas pela solução pioneira do brise-soleil de Le Corbisier – o quebra-sol adequado aos países tropicais –, o edifício-sede da ABI é desde 10 de julho de 1938, quando foi inaugurado ainda pendente de finalização de pormenores –, uma das mais originais criações da arquitetura brasileira. O CONTRADITÓRIO GEGÊ O Presidente Getúlio Vargas, que a propaganda oficial popularizou como Gegê, manteve uma relação contraditória com a imprensa: de um lado, institucionalizou a censura; de outro, prodigalizou os jornalistas com radicais
medidas de regulamentação profissional e proteção trabalhista. Moses, sagaz, cultivou proveitosa relação com ele. CONTINUIDADE E COERÊNCIA A ABI promoveu em 1918 o I Congresso Nacional de Jornalistas e mais de meio século depois organizou o 1° Congresso Nacional de Comunicação, contemplando a abrangência que o jornalismo alcançara. À frente da realização, em seu primeiro mandato de Presidente da ABI, Danton Jobim, que faz a saudação de boas-vindas aos delegados ao conclave na solenidade no Auditório Oscar Guanabarino. SABENDO OUVIR Moses tinha a competência de um
diplomata no relacionamento com estadistas e personalidades estrangeiras, no exterior e no Brasil. Aqui seu interlocutor é o Presidente dos Estados Unidos, General Dwight D. Eisenhower, que o recebeu e o ouviu com atenção em visita a Washington, em 1957. COM O JOVEM FIDEL Vitorioso com a revolução que derrubou o sangrento ditador Fulgencio Batista em 1 de janeiro de 1959, o jovem Fidel Castro foi recebido como herói por onde andou em sua visita ao Brasil logo após o triunfo: na ABI, na União Metropolitana dos Estudantes-Ume, num comício na Esplanada do Castelo. Moses se amarrou nele, literalmente: fascinado, tomou-o pelo braço e o exibiu como troféu.
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ALTO RECONHECIMENTO
COM JK
A REPRESÁLIA
ALTO RECONHECIMENTO Mais de 40 membros do Clube de Alpinismo do Rio de Janeiro escalaram a Pedra da Gávea, ponto turístico da Zona Sul do Rio, para exibir no alto uma homenagem a Herbert Moses: uma faixa gigantesca que festejava a atribuição de seu nome ao edifíciosede da ABI. COM JK Moses impunha-se à admiração e ao respeito dos Presidentes, desde Vargas a Juscelino Kubitschek, com Eurico Dutra no meio, para variar. Aqui ele recepciona JK e seu Governo em solenidade na ABI.
COM VILA-LOBOS
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COM VILA-LOBOS Uma das admirações de Moses: Heitor Vila-Lobos, o grande compositor e
maestro, sócio da ABI por quase 40 anos e parceiro freqüente de disputas de bilhar-francês no Salão de Estar do 11° andar, onde há agora uma ampliação fotográfica que celebra sua presença na Casa, com o charuto entre os dentes, taco de bilhar nas mãos. A REPRESÁLIA Em represália à atuação da ABI na luta pelo retorno do País ao Estado de Direito, terroristas deixaram uma bomba de alto teor explosivo no sétimo andar do Edifício Herbert Moses, em frente às salas do Conselho Deliberativo e da Diretoria. Um funcionário da ABI, Hugo, acorreu logo ao ponto da explosão, corrida em 14 de agosto de 1976. A União nunca indenizou a ABI pelo vultoso prejuízo que sofreu.
ARI GOMES VÔO PERFEITO
Com a fotografia e o esporte no sangue POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Carioca, 60 anos, Ari Gomes é um dos mais conceituados fotógrafos de esportes do País. Ele participou da cobertura de cinco Copas do Mundo, quatro Olimpíadas e do maior torneio de vôlei de praia do mundo, o Circuito Banco do Brasil, desde sua criação em 1991. Tendo sempre o esporte como foco principal de sua câmera, presenciou também a primeira vitória de Ayrton Senna na Fórmula 1, em 1985, no circuito de Estoril, em Portugal; o dia em que João do Pulo bateu o recorde mundial do salto triplo no México, em 1975; e as conquistas do vôlei brasileiro, como a medalha de ouro da seleção masculina em Barcelona, em 1992, e o bronze conquistado pela seleção feminina em Sydney, em 2000. Na verdade, a fotografia e o esporte estão no sangue de Ari: como ele próprio, seu pai, Ângelo; o tio, Sérgio; e o irmão, Paulo, todos trabalharam no Jornal dos Sports e em editorias de
Esporte de outras publicações, onde agora faz carreira Ari Filho. — O fotógrafo Ari Gomes acompanhou de perto a trajetória de conquistas do esporte brasileiro. A objetiva da câmera sempre fechada no detalhe, no sentimento. O talento de Ari está no DNA. Nos anos 40 e 50, seu pai, Ângelo Gomes, foi a grande estrela da imagem esportiva. Era um mestre do flagrante com sua Speedcraft. Ari saiu ao pai — declarou o cronista esportivo Armando Nogueira. Aos 12 anos de idade, o menino que desde cedo acompanhava o pai às redações teve sua primeira foto publicada no Jornal dos Sports. O vínculo com o jornalismo e com o esporte jamais seria interrompido. Além do talento herdado em casa, ele considera que sua grande escola foi o privilégio de ter trabalhado com jornalistas como Sandro Moreyra, Oldemário Touguinhó e João Saldanha — “daí veio a base de tudo”, diz timidamente Ari, que é considerado por colegas de
profissão e atletas flagrados por suas lentes como um craque do fotojornalismo esportivo. Pelé é um deles: — O fotógrafo de futebol sempre me fascinou. Existe uma conexão instantânea entre a bola, os pés e os seus olhos por trás da câmera. Na minha época, o que mais me admirava nos fotógrafos era ver os jornais do dia seguinte aos jogos. O Ari Gomes, depois de registrar os momentos mágicos da arte do futebol, descobriu o espaço aéreo entre a bola e as mãos que desafiam a gravidade. Ari concorda em que os esportes oferecem grandes possibilidades aos profissionais de fotografia, pois exigem “que eles avaliem ao mesmo tempo todos os aspectos que envolvem velocidade, fundo, luz e lentes”. O resultado desse apuro técnico pode ser constantemente visto em exposições por todo o País. — As fotos de Ari Gomes traduzem o suor, a risada, o choro e os dramas das conquistas de cada um de nós — resume a jogadora de vôlei Isabel.
Eventos Ari começou a fotografar “para ganhar uns trocados” aos 12 anos de idade, incentivado pelo pai. Num domingo, escalado para cobrir um campeonato de pesca na praia do Flamengo, usando uma Roleiflex registrou o torneio dos pescadores e teve a sua foto publicada no Jornal dos Sports. — A fotografia é tudo para mim. Eu sou do tempo do romantismo da fotografia em preto e branco. Tudo o que eu vejo é através da imagem e do corte. O dia que eu parar de fotografar, sinceramente, não sei qual será a grande motivação da minha vida. Durante 25 anos, Ari Gomes foi repórter-fotográfico do Jornal do Brasil. Trabalhou também na revista Placar e atualmente dedica-se à cobertura de eventos esportivos e à administração do seu banco de imagens, Kaye Gomes Eventos Ltda. Ari Gomes conta a história de cada foto aqui reproduzida. Matéria publicada no Site da ABI em 6 de maio de 2005.
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ARI GOMES
AS FOTOS VÔO PERFEITO Leveza,sensibildade e humildade, um monstro da ginastica olimpica, Diego Hipolito foi marcante no Pan do Rio. Para fotografar um momento assim, você tem que ficar ligado, pois os movimentos são muito rápidos. É como fotografar um beija-flor. Durante três dias, acompanhei, através de minhas lentes esse pássaro voador e valeu a pena. AS LOTUS DE EMERSON E AYRTON Poucas pessoas tiveram o privilégio de fotografar campeões da velocidade como Emerson Fittipaldi e Ayrton Senna. A foto de Emerson foi tirada em 1973, na Argentina, quando o campeão passou Jackie Stewart e partiu para a vitória. Mas a foto mais marcante foi quando o ainda desconhecido Ayrton Senna conseguiu sua primeira vitoria, em
A LOTUS DE EMERSON
A LOTUS DE AYRTON
1985. Era o Grande Prêmio de Portugal, em Estoril, chovia muito e para nao molhar meu equipamento fiquei na linha de chegada com uma capa para me proteger aguardando o momento dos carros cruzarem a linha de chegada. Fiz somente uma foto que entrou para a história, pois quando se fala em Ayrton Senna sempre nos lembramos de sua primeira vitoria. COM A BOLA TODA Sandra Pires foi campeã olímpica em Atlanta junto com Jaqueline. Poucas pessoas viveram a emoção de estar junto a esses atletas fantásticos. Principalmente no volei de praia, onde temos os melhores jogadores do mundo. Seria impossivel falar de todos, mas Sandra Pires, Jaqueleine, Shelda e Adriana Behar estarão sempre na minha memória. Durante 15 anos captando essas imagens espetaculares posso dizer que sou um profissional realizado.
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COM A BOLA TODA
DA PRATA AO OURO Tive o privilégio de acompanhar de perto a evolução do volei graças ao meu trabalho. Da geração de prata, onde tudo comecou, com Renan, William, Xandó, Fernandão, Bernard e Amaury. Depois, nos anos 90, fui convidado pelo patrocinador oficial do vôlei brasileiro para ser o fotógrafo exclusivo desse esporte vitorioso. Foram anos de dedicação e convivência com esses atletas fantásticos. Em 92, na Olimpíada de Barcelona, o Brasil ganhou seu primeiro título e tive que ter sangue-frio para fotografar esses momentos marcantes, pois se fosse levado pela emoção não iria conseguir clicar. O resultado desse trabalho de 15 anos acompanhando o vôlei brasileiro se transformou no livro histórico Sacando para a Vitória, com quase 400 imagens e depoimentos de vários atletas de outros esportes, como Pelé, Zico, Júnior, Carlos Alberto Parreira, Zagalo, Robert Scheidt, Robson Caetano e jornalistas famosos como Renato Maurício Prado – que fez o prefácio –, Armando Nogueira e Galvao Bueno. Tive mais alegrias com o vôlei do que tristeza. Fotografar uma derrota brasileira é como se eu estivesse nocauteado.
GERAÇÃO DE PRATA
JOÃO DO PULO “O João salta várias vezes e, no último salto, bate o recorde mundial de salto triplo. Nesse momento, faltavam umas dez fotos para terminar o rolo de filme na minha máquina. Fim da prova, o João chora copiosamente e meu filme termina exatamente nessa hora. Sentado num banco, me apresso em colocar outro filme na câmera e peço para o João fazer cara de choro novamente. Levei as fotos no dia seguinte para a Vila Olímpica e morremos de rir vendo a sua cara de tristeza. A foto ilustrou a primeira página inteira do JB”
OURO NA OLIMPÍADA
JOÃO DO PULO
CAMPEÃO DO MUNDO
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ARI GOMES
UMA GRANDE SELEÇÃO
DESPEDIDA DE GARRINCHA
CERCO A PELÉ
DESPEDIDA DE GARRINCHA Depois de fotografar o Mané e seus dribles desconcertantes durante anos, foi dificil para mim registrar sua despedida no Maracanã. A convivência diária, seja em treinos ou jogos, me dava a sensação de que isso nunca iria acontecer. Para mim, Garrincha foi o maior jogador do mundo, junto com Pelé. Toda despedida deixa um vazio enorme. UMA GRANDE SELEÇÃO Carlos Aberto, Paulo Cesar Caju e Pelé com a taça no meio dos torcedores. Além desse timaço, uma outra grande seleção se destacou em 1970: a de jornalistas brasileiros, da qual fiz parte com apenas 23 anos. Entre os craques, estavam Armando Nogueira, Oldemário Touguinhó, Antônio Maria Filho, Araújo Neto, Alberto Ferreira, Carlos Lemos, Sandro Moreira. Fotografando para o Jornal do Brasil, como o mais novo integrante da equipe, pude contribuir com minhas imagens e marcar a história do nosso futebol. CERCO A PELÉ Tive que ter muita calma para fotografar Pelé depois da final da Copa de 70, quando o Brasil conquistou o tricampeonato mundial de futebol. Houve uma invasão de torcedores ao gramado que comemoravam o feito e queriam chegar perto do Rei.
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A TRISTE COPA DE 82
A TRISTE COPA DE 82 Na profissão de fotógrafo, você tem que estar preparado emocionalmente para registrar a tristeza e a alegria. Foi o que aconteceu no Mundial da Espanha, em 1982, depois da inesperada derrota para a Itália. Fui para o hotel revelar as fotos desanimado, junto com o editor e grande fotógrafo Alberto Ferreira. Apesar do momento, consegui fotografar a alegria de Sócrates, Júnior e Zico depois de um gol. PESO NAS COSTAS Aí está um dos meus melhores flagrantes do Campeonato Carioca, num jogo entre o Flamengo e o Campo Grande no Maracanã, em 1974. PESO NAS COSTAS
GÊNIO DO FUTEBOL QUEBRANDO RECORDES
GÊNIO DO FUTEBOL Pelé foi um gênio do futebol com quem convivi tanto no Santos como na Seleção Brasileira e tive a oportunidade de acompanhá-lo em muitas viagens pelo mundo. Fotografar Pelé era magia. Dos 22 jogadores, era sempre quem mais chamava a atenção. Eu tinha que ficar ligado no visor da máquina, com uma lente 400mm, sem piscar os olhos. Estive no Maracanã cobrindo o emocionante jogo de seu milésimo gol e fiz esta foto histórica. QUEBRANDO RECORDES Nunca havia fotografado uma Paraolimpíada e a de Sidney em 2000 foi marcante em minha vida. Eu me emocionava depois de cada vitória brasileira ao ver nossos super-atletas no pódio e saber de suas dificuldades. Esportistas como Ádria dos Santos, que fotografei cruzando a linha de chegada com seu guia Gerson. Nesse momento tive a sensação de que ela, apesar de cega, estava olhando para mim, através de minha lente 300mm. Ádria quebrou os recordes nos 100 e 200 m.
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CAMPANELA NETO
O pai do Prêmio Esso POR CLAUDIO CARNEIRO E RODRIGO CAIXETA REDATOR : M ARCOS STEFANO
Em 1959, um grupo de militares rebeldes da Aeronáutica seqüestrou em pleno vôo o avião em que estava o repórter-fotográfico Campanela Neto. A aeronave foi desviada de sua rota e levada para Aragarças, atualmente Município do Estado de Tocantins. Na ocasião, todos os rebeldes se deslocaram para lá, na tentativa de organizar um levante contra o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Com sua câmera sempre à mão, Campanela registrou cada momento da conspiração, até ser desmantelada pelo Exército. E, na rendição do grupo, fez uma foto que o tornaria conhecido em todo o País e se tornaria um documento histórico. Mas a aventura não lhe rendeu apenas reconhecimento. A foto que documenta a rendição dos insurgentes mereceu voto de louvor do Prêmio Esso em 1960, quando ainda não existia distinção específica para fotografia. Cientes da injustiça e da necessidade de valorizar a cobertura visual, tão importante para o jornalismo moderno, os responsáveis pela premiação criaram a nova categoria no ano seguinte. Assim, apesar de nunca ter recebido o troféu, Campanela passou a ser chamado de “pai do Prêmio Esso de Fotojornalismo”. Por essas e outras, Francisco Campanela Neto, falecido em 28 de fevereiro de 2006, aos 75 anos, deixa saudades naqueles que acreditam que a fotografia serve não apenas para ilustrar um texto e, sim, é parte decisiva do conteúdo transmitido pelo reportagem. Com essa visão, ele começou cedo no jornalismo fotográfico, em meados dos anos 40, em São Paulo. Mais tarde, mudou-se para o Rio, onde fez carreira no jornal A Noite, na revista Mundo Ilustrado e, especialmente, no Jornal do Brasil. — O Alberto Ferreira foi o editor de Fotografia e o Campanela, o subchefe por mais de 20 anos do JB. Ele era da velha guarda, um profissional que respeitava, auxiliava e valorizava o trabalho dos colegas – conta Evandro Teixeira, fotógrafo do Jornal do Brasil desde 1972 e colega de Campanela. Apesar de nunca terem trabalhado juntos, o veterano Antônio Nery, fotógrafo com passagem por revistas como Manchete, Fatos e Fotos e Jóia e pelos jornais Última Hora, O Dia, Folha da Tarde, Folha de S. Paulo e O Globo, confirma a fama do amigo: — O ano era 1956. Fiz uma foto da Dalva de Oliveira cantando no auditório da Rádio Tupi, durante o programa do Carlos Frias. Era meu primeiro filme como repórter profissional, mas não tinha onde revelar. O Campanela revelou o filme para mim e daí surgiu a amizade. Nunca trabalhamos juntos, pois logo em seguida ele foi para o JB, onde atuou por muitos anos. Campanela conquistou respeito e admiração 12 Jornal da AB ABII 327 Março de 2008
FAMA E ANONIMATO A câmera de Campanela registrou vários representantes da classe artística na Passeata dos Cem Mil, na Cinelândia, em 26 de junho de 1968
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CAMPANELA NETO
em sua carreira não apenas por causa da qualidade de seu trabalho, mas principalmente devido a seu caráter: — Trabalhei com vários profissionais da área, mas nunca vi um caráter tão fascinante. Ele era amigo dos amigos. Além disso, apesar da pouca instrução formal, tinha uma cultura vasta que não encontrei em mais ninguém e que fez com que olhasse para fatos comuns com um olhar refinado e imprevisível – diz a viúva do fotógrafo, Ruth Campanela, ressaltando que ostenta o sobrenome com muita honra. Ela ainda guarda diversas pastas com imagens registradas pelo marido, que conheceu na época em que ele era subeditor de Fotografia do JB e ela trabalhava na Assessoria de Comunicação do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro – Iaserj. Em 27 anos de casamento, ela deixa claro com sua emoção que aprendeu não apenas a admirar o profissional, mas também o homem. Em dezembro de 2005, Campanela foi homenageado com uma placa de prata na abertura da exposição fotográfica em comemoração ao 50º aniversário do Prêmio Esso, realizada no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio. Depois, na festa de premiação, ele foi escolhido para fazer a entrega do Prêmio Esso de Fotojornalismo do ano ao vencedor, Evandro Monteiro, autor do trabalho Guerra no Centro. Na ocasião, falou sobre o lendário episódio de Aragarças e deu uma aula sobre como sangue-frio e paciência podem fazer a diferença no fotojornalismo: — Esta aventura está entre as melhores recordações da minha vida e a criação do Prêmio Esso foi um grande reconhecimento ao meu trabalho. De vez em quando, acordo à noite pensando naqueles momentos e confesso que ainda sinto arrepios. Foi naquele vôo que testemunhei talvez o primeiro seqüestro de avião de passageiros do mundo. Estávamos em pleno vôo, quando os militares rebeldes tomaram de assalto o avião, desviando-o para Aragarças. Graças à minha habilidade e calma, consegui registrar diversos flagrantes da rebelião até à rendição dos rebeldes. Matéria publicada no Site da ABI em 20 de abril de 2006.
ESCALAÇÃO NA SUÉCIA
OURO PRETO
UMA FERIDA NA SELVA
AO LADO DO PODER
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ARAGARÇAS: ONTEM
AS FOTOS ESCALAÇÃO NA SUÉCIA Equipe da Copa de 58. Em cima, da esquerda para a direita: De Sordi, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando Peçanha e Gilmar. Agachados, Garrincha, Didi, Pelé, Vavá e Zagallo OURO PRETO A cidade histórica mineira — que abriga o maior conjunto homogêneo de arquitetura barroca do Brasil e em 1980 recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural da Humanidade — foi clicada com maestria por Campanela AO LADO DO PODER Fidel Castro visitou Brasília em 1959. No dia 30 de abril, sobrevoou a cidade de helicóptero com o Presidente Juscelino Kubitschek UMA FERIDA NA SELVA Campanela registrou a construção da Transamazônica, que ligaria o Brasil do Norte ao Nordeste, conforme anunciado em 27 de agosto de 1972 por Emílio Garrastazu Médici, então Presidente da República É SHOW Apresentação do cantor norte-americano Nat King Cole no Brasil, em 1958 ARAGARÇAS: ONTEM Acontecimentos em Aragarças recebeu voto de louvor em fotografia, em 1960, dos responsáveis pelo Prêmio Esso de Jornalismo
ARAGARÇAS: SANGUE-FRIO Na premiação de 2005, realizada pouco antes da morte do fotógrafo, Campanela Neto disse que foi graças à sua calma que conseguiu registrar diversos flagrantes da rebelião de Aragarças até a rendição dos rebeldes
ARAGARÇAS: SANGUE-FRIO
É SHOW
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20 anos
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DOMINGOS PEIXOTO
INFERNO NO 174
Com o cotidiano na mira POR RODRIGO CAIXETA TEXTO FINAL : MARCOS STEFANO
O dia 12 de junho de 2000 ficou marcado na crônica policial do Rio de Janeiro. Nessa data, Sandro Nascimento tentou assaltar um ônibus da antiga linha 174 (Central – Gávea), mas algo saiu errado e o bandido acabou seqüestrando o veículo. Durante horas, ele manteve em sua mira no Jardim Botânico reféns, policiais e até jornalistas que cobriam o crime. Antes que a tragédia fosse consumada com a morte do rapaz e de uma das reféns, cenas de terror aconteceram no ônibus. Além de simular atirar na cabeça de seus reféns, o bandido também começou a escolher entre os fotógrafos alvos para a mira de seu revólver. Quando chegou sua vez, o fotojornalista Domingos Peixoto conseguiu definir o foco e registrou a cena. Apesar de chocante, ela é mais
uma de suas fotos, que registram com intensidade e naturalidade as cenas do cotidiano. Repórter-fotográfico há 17 anos, Domingos Peixoto começou a carreira na revista Caxias Magazine. Depois, passou pelos jornais O Dia, O Estado de S. Paulo e A Notícia. Além de jornais, devido aos temas que costuma cobrir, suas fotos também são vistas com freqüência em grandes revistas, como Época e Veja. Há onze anos, Peixoto ingressou em O Globo e passou a publicar seu trabalho também no Extra, no Globo Online, e a integrar o acervo da Agência Globo. Sempre registrando temas sociais, como as lutas dos idosos, a situação dos meninos de rua e, mais comumente, a violência urbana: – Ameaças e situações de perigo real são tão corriqueiras que já não me assustam mais. Fazem parte da profissão – declarou ele certa vez. Apesar de não temer mais conviver com o peri-
go, coisa que considera importante para fazer bem seu trabalho, ele garante que não aceita essas situações como normais. E treina seu olhar para retratar e denunciar à sociedade tiroteios, assassinatos e outras tragédias, para que não se tornem acontecimentos desimportantes ou banais. Com isso, Peixoto construiu uma carreira respeitada e premiada. Em 2000, venceu o Prêmio CNT, sobre transportes, com uma foto publicada no Globo, que mostra o desespero de um pai ao reconhecer o corpo do filho, vítima de um acidente de trânsito — o mesmo trabalho foi também finalista do Líbero Badaró. No ano seguinte, Agonia da natureza, outro registro marcante, mostrando um biguá completamente sujo de óleo e agonizando às margens da praia de Mauá, venceu os prêmios Líbero Badaró e Firjan, dois dos principais do fotojornalismo brasileiro: — Além disso, essa foto recebeu
menções honrosas em mais quatro prêmios: Embratel, Esso, Talento Publicitário e Internacional das Nações Unidas em Meio Ambiente. Finalmente em 2003, Domingos Peixoto ganhou seu primeiro prêmio internacional de fotografia, o Rei de Espanha, um dos mais importantes do mundo. A foto eleita foi Retrato do desemprego, que revela as dificuldades dos brasileiros para conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Mas não é apenas tirando fotos que ele tenta fazer a diferença no mundo. Entre as atividades a que se dedica paralelamente ao trabalho no jornalismo diário, Peixoto viaja o mundo fazendo projeções fotográficas em universidades, igrejas e centros culturais. Também costuma fazer exposições em comunidades do Rio de Janeiro. É dele a história de cada foto. Matéria publicada no Site da ABI em 19 de agosto de 2005.
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DOMINGOS PEIXOTO
AS FOTOS INFERNO NO 174 “Sandro estava apontando a arma para o lado de fora do ônibus. Fiquei mais de quatro horas fazendo a cobertura dessa tragédia.” CONFRONTO “Esta foi primeira página do Globo. Há uma guerra entre as duas facções existentes na comunidade que se estende há anos. Fui escalado para cobrir este confronto e consegui tirar a foto.” TIROTEIO E REVOLTA “A Polícia fez uma incursão no Morro do Juramento, quando um policial confundiu o som de uma britadeira, usada por um trabalhador da FavelaBairro e acabou baleandoo. Isso gerou protestos da comunidade que, revoltada, começou a enfrentar os policiais.” CONFRONTO
TIROTEIO E ENFRENTAMENTO “Fiz uma série de fotos sobre esse confronto em Vicente de Carvalho. Quando eu tive um tempo, comecei a analisar as imagens e, numa delas, percebi que um dos moradores estava armado. O Globo publicou essa foto um tempo depois, mas com um enfoque diferente.” AGONIA DA NATUREZA “A foto de um biguá completamente sujo de óleo, agonizando na praia de Mauá, venceu os Prêmios Líbero Badaró e Firjan, dois dos principais do fotojornalismo brasileiro.”
TIROTEIO E REVOLTA
TIROTEIO E ENFRENTAMENTO
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AGONIA DA NATUREZA
CONCURSO E PREMIAÇÃO
CONCURSO E PREMIAÇÃO “Fiz a cobertura das inscrições de um concurso público para gari, no Rio. Eram 170 mil candidatos para disputar 70 vagas de preenchimento imediato. Esta foi a foto vencedora do Prêmio Rei de Espanha.” CONCURSO E DRAMA “Para conter a multidão, a Polícia arremessou bombas de gás. Imagine conter aquela quantidade de pessoas sem ter infra-estrutura para tal? Eram milhares para um número muito pequeno de policiais.”
CONCURSO E DRAMA
FLORES AO VENTO “Esta foto foi tirada durante a participação do Corpo de Bombeiros na comemoração da Semana Mundial do Meio Ambiente, atirando pétalas de flores do alto do Corcovado.” SEM A ARMADURA “Aí mostro os confrontos rotineiros entre a Guarda Municipal e os trabalhadores informais no Centro do Rio. Apesar de os policiais vestirem essa armadura, que se assemelha a um casco de tartaruga, os camelôs os encaram assim mesmo.”
FLORES AO VENTO
SEM A ARMADURA
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Existe algo em comum entre a ABI e a Petrobras: as duas ajudam a impulsionar o País.
A Petrobras se orgulha de fazer parte dos 100 anos da ABI, uma instituição fundamental na luta pela liberdade de imprensa, pelo progresso e por inúmeras conquistas.
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JOÃO RIPPER
As lentes da cidadania POR JOSÉ REINALDO M ARQUES E MARCOS STEFANO
A desigualdade social e a forma como grande parte da imprensa trata as populações carentes sempre incomodaram o fotógrafo carioca João Roberto Ripper. Porém, em vez de se conformar ou apenas reclamar, ele decidiu usar sua câmera para mostrar e transformar a realidade de grande parte da sociedade brasileira. O resultado pode ser visto em substancial material fotográfico, que mostra de forma única e com olhar clínico as dificuldades, os anseios, as lutas e as iniciativas que deram certo e transformaram a vida de comunidades inteiras, mas que normalmente acabam desprezadas pelas coberturas jornalísticas tradicionais. A vida do homem do campo, as tribos indígenas, as secas no Nordeste, o ambiente urbano, o trabalho escravo de carvoeiros e crianças no Mato Grosso do Sul. A temática é ampla e variada. Mas os temas sociais nunca saem de foco em seu trabalho. Com grande sensibilidade e forte formação humanista, para ele há muito a imprensa não consegue mais expressar a realidade do que acontece nas periferias e favelas. – Jornais e jornalistas são mantenedores dessa situação, partilhada entre ricos e pobres, na qual impera a discriminação, que exclui o mais humilde e o trata como subalterno, atendendo aos interesses das classes média e alta e do regime opressor, autoritário e ra-
CARVOEIROS
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cista que criminaliza a pobreza. O discurso pode parecer duro, mas na opinião de Ripper expressa apenas a realidade. A mesma que o fez deixar o jornal O Globo para tentar fazer com sua câmera um retrato da desigualdade e levar as pessoas à reflexão sobre os problemas sociais. Até por isso, sua predileção no trabalho é pelo preto e branco, por causa da força que representa no imaginário do público. – Chama mais as pessoas a participarem da discussão dos temas fotografados. A imagem em preto e branco tem um pouco da magia do rádio: nos faz ver um pouco além. Mas o fundamental é se fazer aquilo que gosta e fotografar da forma com a qual mais se identifica. Influenciado por mestres como W. Eugene Smith – que descreve como “um humanista e um fotógrafo fantástico”, Ripper é simples na definição de seu trabalho: – Fotografo pessoas maravilhosas que lutam por um mundo melhor e teimam em ser bonitas, sensuais e sonhar. É a fotografia a serviço do homem e da sociedade. Paixão antiga O interesse de João Ripper pela fotografia começou cedo. Ele cursava a 3ª série do antigo curso Científico quando teve as primeiras lições com o amigo e companheiro de escola Júlio Cezar Pereira, um profissional já conhecido na época. Em 1972, aos 19 anos, Ripper ingressou na carreira de
repórter-fotográfico na Luta Democrática, de Tenório Cavalcanti. Vieram em seguida o Diário de Notícias, a Última Hora, a sucursal carioca do Estadão e O Globo, sem contar os muitos trabalhos como freelancer para vários outros jornais e revistas. Isto até ele perceber que queria seguir por outro caminho. Assim, deixou O Globo para participar da criação da Agência F4. – A F4, do Rio, a Ágil, de Brasília, e a Angular, de São Paulo, foram muito importantes, porque permitiram aos fotógrafos iniciar um movimento. Passamos a pensar as pautas, documentar de forma livre e optar pelo comprometimento com causas populares. Além de criar novos mercados de trabalho, este movimento começou a romper com a hipocrisia de que o jornalista é imparcial. Terra, homens, povo Quando deixou a F4, Ripper criou o Projeto Imagens da Terra, focando a vida dos trabalhadores rurais e contemplando seu grande sonho: colocar a fotografia a serviço dos direitos humanos. A experiência durou oito anos e foi o ponto de partida para seu trabalho atual: – O Imagens Humanas é a continuação da minha trajetória na busca de dar à fotografia uma missão social, mas é um projeto individual. O coletivo chama-se Imagens do Povo, uma agência e um banco de imagens do Observatório de Favelas. Muito do seu material é produzido por profissionais formados pela Escola de Fotógrafos Populares, onde sou professor. Na escola, as fotografias são produzidas pelos próprios moradores das
LIÇÃO DE AMOR
comunidades carentes. Eles fazem um trabalho documental sobre o lugar onde vivem, mostrando um panorama normalmente não revelado pelas matérias jornalísticas, sempre valorizando as boas iniciativas de trabalho, educação e cultura. Um mundo especial, diferente daquele apresentado pela mídia e pela pauta de obrigações e compromissos do Estado. Bem ao gosto de Ripper. – São situações com que a maioria dos colegas da imprensa – que não veio da pobreza, nem trabalha em prol dos pobres – não tem intimidade. Não à toa, o olhar deles não consegue captar essas nuances. Desculpando-se pelo tom “meio ácido e crítico”, o fotógrafo enfatiza o papel que os veículos de comunicação deixam de cumprir: – Apesar de ser uma arma muito poderosa, a comunicação é trabalhada como instrumento
são profissional que tira o repórter da rua e o aprisiona nos aquários da Redação. E há ainda um problema maior, que surgiu com a internet: o jornalista que sai pouco atrás dos fatos, porque pode navegar na rede para apurar as notícias.
CARVOEIROS
de manutenção das diferenças. Mesmo os movimentos sociais ainda não conseguiram usá-la como instrumento de transformação real. Esperar isso da mídia é uma utopia. Estou cheio de escutar que o jornalista tem um perfil
de esquerda, um perfil humanista, e muitas vezes ver o resultado do seu trabalho ser racista e anti-humanista. Ser humanista é lutar de forma radical contra a exploração, a discriminação, a opressão e a alienação com a qual tan-
to contribuem a nossa imprensa. Em sua opinião, há exceções entre os jornais e revistas, como Caros Amigos, Carta Capital e Brasil de Fato, mas os públicos que eles atingem ainda são muito pequenos. – Às vezes é a ascen-
Fotojornalismo brasileiro Sobre a contribuição que a fotografia pode dar à população marginalizada, João Ripper não tem dúvidas: – Ela só vai acontecer de fato quando a população marginalizada estiver representada no meio profissional e existirem muitos fotógrafos populares oriundos dessas comunidades. Ainda assim, não faltam grandes profissionais no fotojornalismo brasileiro. Pelo menos, do ponto de vista técnico: – No entanto, os fotógrafos precisam aprender mais sobre a realidade para ajudar a transformá-la, ter consciência de que estão sempre optando por um lado e quem não está com os pobres está contra eles. Imparcialidade jornalística é uma grande hipocrisia, não existe. Matéria publicada no Site da ABI em 5 de agosto de 2005.
JUSTIÇA
CASTANHEIRA
MAIS ESCRAVIDÃO
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JOÃO RIPPER
CEGUEIRA
NAS COSTAS
AS FOTOS LIÇÃO DE AMOR “Apesar da extrema pobreza, o senhor que aparece aqui deu uma lição de solidariedade ao adotar uma criança e cuidar de sua educação.”
do Rio Pardo e ajudou uma CPI MIsta no Mato Grosso do Sul a punir a carvoaria e a empresa rural que exploravam o trabalho infantil.”
CARVOEIROS “Fiz estas duas fotos num centro de beneficiamento de carvão em Águas Claras (MS) no ano de 1988. Ela também faz parte do trabalho que resultou na CPI.”
CEGUEIRA “A mulher que aparece na fotografia ficou cega numa carvoaria, em Ribas do Rio Pardo (MS). Há seis anos, o casal não recebia qualquer dinheiro por seu trabalho.”
CASTANHEIRA “Um trabalhador rural com uma catraca, instrumento usado para semear, está parado junto à raiz de uma castanheira. A foto foi usada em processo movido por algumas ongs contra empresas siderúrgicas no Pará.”
NAS COSTAS “Esta foto também foi tirada no Norte de Minas, mas durante uma reportagem para a revista Aconteceu.”
MAIS ESCRAVIDÃO “Tirada na região Norte de Minas Gerais, esta foto integra um trabalho de documentação e pesquisa que realizei durante nove meses para a Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre o trabalho escravo no Brasil.” JUSTIÇA “Esta foto foi tirada em Ribas
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INFÂNCIA PERDIDA
INFÂNCIA PERDIDA “No interior de Minas Gerais, crianças são obrigadas a trocar as brincadeiras pelo trabalho. As mãos sujas e machucadas revelam a real dimensão do drama de quem precisa dar duro para adquirir material escolar e conseguir estudar.” ESCRAVIDÃO MODERNA “Fiz este registro em Brasilândia, como parte de um projeto pessoal de denúncia do trabalho escravo que existe nessa região do Mato Grosso do Sul.”
ESCRAVIDÃO MODERNA
MÁRCIA FOLETTO
A busca da imagem provocante POR RODRIGO CAIXETA
Márcia Foletto começou a fotografar no primeiro ano da faculdade de Jornalismo, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde Fotojornalismo foi a única matéria em que tirou nota 10 durante todo o curso. Na mesma época, estreou em um jornal semanal, escrevendo: — Trabalhei com texto por pouco tempo, como repórter do Expresso, publicação de Santa Maria hoje extinta. Porém, logo percebi que tinha mais habilidade com a imagem do que com as palavras. Comecei então como fotógrafa em A Razão, na mesma cidade. Antes de se formar, Márcia mudouse para Caxias do Sul e foi trabalhar
no Pioneiro, hoje da Rede Brasil Sul, do Grupo Sirotsky.. Depois de um ano, e já formada, entrou no Diário Catarinense, em Florianópolis, onde teve a primeira experiência em um grande jornal, com páginas coloridas e coberturas nacionais. No entanto, quis ir ainda mais além. Montou um portfólio, pegou alguns contatos com amigos e veio para o Rio de Janeiro: — Fui às redações de O Dia, do Globo e do Jornal do Brasil pedir uma oportunidade aos editores de Fotografia. No Globo, quem estava à frente do setor era o Aníbal Philot, que me contratou como freelancer na editoria Jornal de Bairros, em 1991. E lá estou desde então, agora na editoria Rio. O fundamental para fotografar, diz
Márcia, é saber observar e tentar ser invisível na cena, pois é isso que pode “deixar a imagem sem interferência e, assim, mais forte, interessante e provocante”. Ela recomenda aos interessados em ingressar na profissão muita leitura, estar bem informado e ter consciência de seu papel como jornalista. Outra advertência é sobre a tendência de os brasileiros acharem que apenas o que faz sucesso lá fora é bom e de qualidade: — Isto é um grande equívoco. No Brasil temos ótimos profissionais, alguns trabalhando há anos em jornais, outros seguindo o caminho da fotografia documental fora dos veículos tradicionais... Destaco o trabalho daqueles que conseguiram, mesmo com as adversidades da profissão,
imprimir um estilo e uma qualidade estética nas fotografias e, acima de tudo, desenvolver um trabalho ético, com preocupação social. No Globo, Márcia cobre assuntos de cidade e polícia, que, segundo ela, é uma das coberturas mais difíceis. É comum estar numa favela e começar um tiroteio entre policiais e traficantes; a equipe fica na linha de tiro, “sem saber ao certo como se comportar”: — É um risco que dificilmente dá uma boa foto. Geralmente a melhor imagem é feita um pouco mais distante, onde os moradores tentam se proteger das balas, por exemplo. Márcia diz que o assunto tem sido freqüente nas discussões entre fotógrafos:
CHORO Publicada no Site da ABI em 7 de julho de 2006.
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MÁRCIA FOLETTO
— Não é exatamente uma cobertura de guerra, não temos treinamento, não usamos coletes, não temos seguro e, principalmente, não optamos por estar ali. Mas nos vemos no meio do conflito. Na última ocupação do Exército no Morro da Providência, no Rio, em março deste ano, eu e alguns colegas estávamos no meio de um descampado quando começou o tiroteio e ficamos no meio do fogo cruzado. Tivemos que ficar deitados no chão até os tiros acalmarem e podermos correr por um abrigo em pouco melhor. Adaptada à tecnologia, Márcia diz que o único problema da imagem digital é a falta de qualidade, mas afirma ter certeza de que isso não é definitivo: — Ninguém sabe ao certo aonde a tecnologia vai nos levar. E há grandes vantagens no trabalho com a câmera digital: você pode ver a imagem na hora, não tem o limite dos fotogramas do filme e é mais fácil armazenar a produção. Mesmo assim, não pretendo me desfazer da minha analógica; ela vai ficar guardada para trabalhos pessoais, feitos com tempo e carinho. Na carreira, Márcia acumula o Prêmio Finep de Fotojornalismo — por Revista no Morro Dona Marta, em que são mostradas crianças com as mãos encostadas na parede, sendo revistadas por soldados do Exército na entrada da favela, na volta da escola —, o Prêmio CNT — Vôo duplo —, o Prêmio IBCCRIM de Fotojornalismo, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais por Infância na favela —, e o terceiro lugar no Concurso Veracidade — um olhar sobre o meio ambiente urbano — pela foto Rua Santa Clara”. Ela participou de várias exposições e se orgulha especialmente da última, a primeira individual, intitulada Quando o ofício encontra a arte, em que fez uma retrospectiva de sua vida profissional, a convite do Centro Cultural Telemar.
DONA MARTA
CAOLHO
Matéria publicada no Site da ABI em 7 de julho de 2005.
TREM-BALA
MENINA NA FAVELA
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NATURALIDADE
AS FOTOS CHORO “Um PM chora a morte de colegas executados por traficantes na Linha Amarela. O policial que está chorando chegou atrasado ao trabalho e um colega havia ido em seu lugar para a área do confronto”
para se proteger dos tiros. Um dos disparos atingiu o vagão muito perto de onde eu estava, a cerca de 60 cm. A foto foi vencedora dos Prêmios ANTF e CNT de Fotojornalismo e foi eleita a melhor foto de ano de 2007 do jornal O Globo.”
DONA MARTA “Soldados revistam crianças na entrada da favela no Morro Dona Marta, em Botafogo. A Polícia tinha a informação de que elas estavam sendo usadas para transportar drogas. A foto foi vencedora do Prêmio Finep.”
NATURALIDADE “Um menino de 11 anos foi morto por uma bala de fuzil durante operação da PM na favela Vila Pinheiro. O que me impressionou foi a quantidade de pais que levaram os filhos para ver o corpo durante a perícia. Não sei se alguém pode ver uma cena dessas com naturalidade, mas parece que as crianças das favelas já estão acostumadas.”
CAOLHO “Enterro do menor Caolho, uma das vítimas da Chacina da Candelária, em que oito moradores de rua — sete meninos e um adolescente — foram mortos a tiros, em frente à igreja, em 1993.” MENINA NA FAVELA “Em 2004, a Polícia Civil fez uma megaoperação no Morro do Jorge Turco, em Coelho Neto, no Rio. Esta foi a vencedora do Prêmio IBCCRIM de Fotojornalismo.” TREM-BALA “Quando o trem repleto de autoridades federais cruzava a favela do Jacarezinho, traficantes atiraram nos vagões e a minha primeira reação foi buscar um lugar seguro. A segunda, fotografar. Levantei e tentei registrar o desespero de jornalistas e autoridades que deitaram
GESTO "Comboio do Desipe chega ao Complexo de Bangu, após o enterro de um agente morto durante uma rebelião. Mulheres de presos provocam os policiais. Eles respondem com gestos e um chega a apontar uma pistola para elas."
GESTO
NOS BRAÇOS DO CRISTO “Procurava imagens diferentes no Cristo durante um ensaio sobre a luz de inverno na cidade quando percebi que a nuvem se encaixada direitinho abaixo dos braços do Redentor.” TIROTEIO Outro flagrante de violência e medo numa favela do Rio: na hora do fogo todos correm.
NOS BRAÇOS DO CRISTO CRISTO
TIROTEIO
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MÁRCIA FOLETTO
FILA
TIRIÓS
AS FOTOS FILA “Esta é uma fila para atendimento de pacientes com conjuntivite, no Hospital Sousa Aguiar, no Rio. Fez parte de um projeto pessoal, chamado Filas, uma sina do brasileiro pobre.” TIRIÓS “Em 1997 fui cobrir uma matéria sobre a aids entre os índios Tiriós, na Amazônia. De difícil acesso, lá só é possível chegar de avião ou de barco; mesmo assim foram diagnosticados dez casos na aldeia.” PASSARELA “Todo ano cobrimos os preparativos do Carnaval no Sambódromo. Nesta foto a passarela ficou parecendo de neve e ganhou o primeiro lugar P&B no Concurso
Leica-Fotografe Melhor 2007.” BRONCA DE MÃE "Mãe dá bronca no filho, perseguido e preso pela PM em uma moto roubada enquanto tentava assaltar um motoqueiro." VÔO DUPLO "A cidade estava encoberta pela neblina e, do Mirante Dona Marta, em Botafogo, notei que urubus voavam perto de onde eu estava. Quando a névoa estava se dissipando e os aviões começaram a pousar no Aeroporto Santos Dumont fiz esta foto, mas só percebi o movimento do pássaro semelhante ao do avião quando a vi no computador. Ela ganhou o Prêmio CNT de Fotojornalismo."
PASSARELA
BRONCA DE MÃE
VÔO DUPLO
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MARCOS TRISTÃO
TIROS
Um olhar inusitado sobre a violência social POR JOSÉ REINALDO MARQUES TEXTO FINAL: MARCOS STEFANO
Em 28 anos de fotojornalismo, ele já acompanhou presidentes, esteve em Copas do Mundo, Jogos Pan-Americanos e conhece muito bem os bastidores das corridas de Fórmula 1. Mas também já cobriu greves, como a da Companhia Siderúrgica Nacional em 1993, registrou as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, investigou os assassinatos da atriz Daniela Perez e do empresário Paulo César Farias, e fez fotos marcantes, como a do relógio da Central do Brasil, clicada do elevado que liga a Linha Vermelha ao Túnel Rebouças, no Rio, que dá a impressão de que a histórica estação está no meio de uma favela. O olhar inusitado é uma marca de Marcos Tristão. Assim como seu interesse por estar no meio do povo, registrar e – por que não – denunciar a desigualda-
de social, um de seus temas preferidos e que o transformaram em um dos principais repórteres-fotográficos da atualidade. Formado em Comunicação Social, esse carioca de 49 anos tornou-se conhecido por seu trabalho na revista Manchete e no jornal O Dia. Desde então, já fotografou para importantes veículos como Jornal do Brasil, Extra, Correio Braziliense, Folha de S. Paulo, Estadão, Zero Hora, Veja e IstoÉ. Suas fotos também ilustraram os livros O futuro começou e Ouro, Prata e Bronze! — este sobre os Jogos Olímpicos de Atlanta —, lançados pelo Comitê Olímpico Brasileiro em 1995 e 1996, respectivamente; Janelas abertas, comemorativo dos 60 anos da Companhia Siderúrgica Nacional, e Maracanã, templo dos deuses brasileiros?, com texto do jornalista Cláudio Vieira. Desde 2003, Tristão trabalha na Fotografia do Globo, no qual, embora eventualmente faça matérias de Es-
porte, não esconde a predileção pelas reportagens de Cidade: — A desigualdade social chama a minha atenção. A cobertura de Cidade obriga o fotógrafo a lidar diariamente com a violência social. É como se a gente procurasse o problema, que, pela sua dinâmica, acaba direcionando o nosso olhar. Algo que adquiriu desde seus primeiros passos na fotografia pelas mãos do veterano Alaor Barreto. E que aperfeiçoou com a orientação de muitos mestres, principalmente do saudoso Aníbal Philot: — Eu me inspirei em muitos mestres, mas foi com o Philot, que era editor do Globo, que aprendi a não me deixar vencer pelo desânimo em uma cobertura prolongada. Ele me ensinou que o repórter-fotográfico deve ser persistente e sempre encarar a pauta do dia como se fosse a primeira cobertura de sua vida. E faz questão de deixar claro que
não é o único a fazer um bom trabalho: — O fotojornalismo brasileiro tem um time de excelentes profissionais. Entre gente que já se foi e gente que está aí, temos grandes nomes, como Rodolfo Machado, Ignácio Ferreira, Aníbal Philot, Carlos Mesquita, Custódio Coimbra, Evandro Teixeira, Fernando Quevedo, Ricardo Leoni, Jorge Araújo e muitos outros. O melhor exemplo disso é o Prêmio de Fotografia Rei de Espanha, que, nos últimos anos, tem sido conquistado por brasileiros. Tristão mesmo é um dos fotógrafos brasileiros mais premiados dentro e fora do País. Porém, quando relembra algumas de suas conquistas, é uma situação um tanto diferente que lhe vem mais depressa à mente. Tudo aconteceu em 1993. Na época, ele recebeu um prêmio importante da Onu por uma reportagem fotográfica que fez sobre um lixão. A ironia é que, apesar da importância da matéria, ela nunca foi publicada. Jornal da AB ABII 327 Março de 2008
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MARCOS TRISTÃO
Sucesso à parte, ele costuma se preocupar com o futuro. E seu sonho, diz, é poder viver de um banco de imagens. Claro, tendo-se aqui um órgão fiscalizador de direitos autorais em fotografia. Enquanto esse dia não chega, continua fazendo o que mais ama: registros das transformações do Rio, a cidade onde vive. — Através do meu trabalho, vejo diariamente o crescimento das áreas carentes. E foi isso que me inspirou na matéria Cidade partida, que fiz para O Globo, quando resolvi registrar favelas engolindo símbolos da cidade. Os lugares eu já havia definido, mas as fotografias levaram um bom tempo para serem tiradas. A poluição do ar era um problema, e por isso eu fiquei aguardando uma boa chuva para limpar a atmosfera e, então, conseguir as imagens. O resultado são os tradicionais cartões postais, como o Pão de Açúcar ou a Central do Brasil, retratados em ângulos que revelam detalhes surpreendentes, normalmente ignorados pelos fotógrafos. E um acervo que grita e faz pensar.
CIDADE PARTIDA: DESFILE EM CASA
Matéria publicada no Site da ABI em 4 de novembro de 2005.
ENTRE O CÉU E O INFERNO
30 Jornal da AB ABII 327 Março de 2008
CIDADE PARTIDA: ABENÇOADO POR DEUS
CIDADE PARTIDA: HORA DA PROVIDÊNCIA
CIDADE PARTIDA: A ROCINHA E A GÁVEA
CIDADE PARTIDA: À SOMBRA DA REALIDADE
AS FOTOS TIROS “Policiais trocam tiros com traficantes do Morro do Borel, na Tijuca.” ENTRE O CÉU E O INFERNO “Na terça-feira de Carnaval, moradores do complexo da Penha atearam fogo em um ônibus, após a morte de um membro da comunidade.” SÉRIE CIDADE PARTIDA: DESFILE EM CASA “Na série ‘Cidade partida’, que fiz para O Globo, mostro o Rio recortado entre os seus símbolos históricos e a desigualdade social das favelas. Gosto muito desta foto do Sambódromo, cuja pista de desfiles parece que está toda tomada pelas ‘alegorias’ do Morro da Coroa.” ABENÇOADO POR DEUS “Visto deste ângulo, o Cristo Redentor, outro símbolo turístico do Rio, parece que foi construído no alto do Morro do Fogueteiro, no Rio Comprido.” HORA DA PROVIDÊNCIA “Da Ponte Rio—Niterói é possível avistar três símbolos distintos do Rio de Janeiro: o Morro da Providência, o relógio da Central do Brasil e o Pão de Açúcar, cartão postal da cidade.” À SOMBRA DA REALIDADE “O morro que aparece na parte inferior da foto é o Santo Amaro e ao fundo vêse o Pão de Açúcar. Tirei esta foto da Ladeira do Durão, em Santa Teresa.” CAMPO DA DESIGUALDADE “O Morro do Turano parece fazer desaparecer o Estádio do Maracanã. Fiz esta foto da Estrada do Sumaré, no alto do bairro da Tijuca.”
CIDADE PARTIDA: CAMPO DA DESIGUALDADE
A ROCINHA E A GÁVEA “Nesta foto, vemos a Rocinha e, como pano de fundo, a Pedra da Gávea.”
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MARCOS TRISTÃO SUFOCO
SEM SOCORRO
SE BEBER, NÃO DIRIJA
ABENÇOADA POR DEUS
PESCADOR. HOJE E SEMPRE
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ARMADO
SURFISTA ELETROCUTADO
SUFOCO “Mortandade de peixe na lagoa de Maricá, no Rio de Janeiro. Entrei na agua com peixe em decomposição para fazer esta foto. Imagina como fiquei depois.”
SAI DE BAIXO
SE BEBER, NÃO DIRIJA “Esta fotografia, de um acidente no bairro de Botafogo, no Rio, é um triste exemplo de um problema que já virou crônico: a bebida, e de como ela pode provocar desastres no trânsito.” ABENÇOADA POR DEUS “Fazia a cobertura das manifestações pela morte do Papa João Paulo II, quando passei por este local. Estava dentro do carro quando percebi que a luz do poste dava este efeito. Pedi ao motorista para dar uma paradinha e fiz a foto.” SEM SOCORRO “Paciente espera atendimento no pronto-socorro do Hospital Getúlio Vargas, no subúrbio do Rio.” PESCADOR. HOJE E SEMPRE “A poluição da Baía de Guanabara vive rendendo matérias e o pescador, sem muita opção, continua cumprindo seu ofício.” ARMADO “Traficante armado na Vila Operária, comunidade em Duque de Caxias, Baixada Fluminense.” SURFISTA ELETROCUTADO “Arriscando a vida viajando em cima de um trem, este surfista não teve sorte: morreu eletrocutado.” SAI DE BAIXO “A fachada do prédio de uma loja de tinta em Niterói desaba durante um incêndio e os bombeiros fogem procurando proteção.”
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MARIZILDA CRUPPE
Muito além do clique POR RODRIGO CAIXETA E M ARCOS S TEFANO
Nos últimos anos, o jornal O Globo tem alcançado destaque entre os grandes diários brasileiros por investir em séries e cadernos especiais que resgatam a reportagem em profundidade. Grandes nomes do jornalismo brasileiro já participaram dessas matérias, mas poucos se identificaram tanto com a grande reportagem quanto a repórter-fotográfica Marizilda Cruppe. Dona de impressionante habilidade e sensibilidade para cobrir temas sociais, ela tem revelado dramas Brasil afora. Por meio de suas lentes, já foram registrados flagrantes de situações, histórias e personagens anônimos. Retratos de momentos, mas que ficarão marcados na memória. — É por isso que gosto de ir fundo no assunto e desenvolver amplamente o tema. Pouca gente conhece a realidade de seu próprio país e, se conhece, prefere ignorá-la. Com a fotografia, faço com que aquele momento vá muito além do clique, gere discussão e transformação. Por causa das grandes reportagens, ela já esteve na África, cobrindo o drama da Aids no continente, e viajou de ônibus do Ceará ao Rio, o que rendeu a série Vida severina. Outro trabalho marcante é A dinastia das ruas, em que durante quase cinco meses acompanhou a gravidez de uma adolescente que deu à luz a terceira geração de uma família que vive nas ruas. Apesar do gosto pela fotografia ter sido despertado cedo, quando ganhou como herança uma câmera Konica de seu pai, ainda demoraria um bom tempo para se transformar em profissão. Antes, Marizilda foi estagiária de eletromecânica numa fábrica de canetas e técnica em mecânica numa empresa da área de petróleo. Começou até faculdade de Engenharia, mas trancou a matrícula para entrar num curso de piloto privado de avião: — Voava só nos fins de semana, no Aeroclube de Nova Iguaçu, município onde morava. Era o período do “gatilho” do Dílson Funaro: quando a inflação atingia determinado nível, o preço da gasolina disparava. Rapidamente, o dinheiro que eu tinha economizado para os vôos acabou. Em dois anos depois, me dei conta de que, além de dura, eu era míope demais para ser piloto. Vôos mais altos Apesar de estar naquela época com a cabeça ou cheia de números ou nos ares, o interesse pela fotografia se mantinha. Tanto que comprou um li34 Jornal da AB ABII 327 Março de 2008
PAU-DE-ARARA
RETRATO NATURAL
vro de técnica fotográfica e depois uma câmera Pentax MX usada, que sempre levava a tiracolo quando voava. Foi assim que percebeu que poderia alçar vôos mais altos com a fotografia. Por isso, fez um curso no Senac e, em 1991, estreou profissionalmente como freelancer da área de publicidade. Mas aquilo que ela buscava só encontraria mesmo poucos anos depois, no fotojornalismo: — Comecei a freqüentar as passeatas dos caras-pintadas para praticar, na época do impeachment do Collor. No dia seguinte, via todos os jornais e ia aos arquivos dos jornais para olhar os contatos dos colegas que tinham feito a cobertura e comparar o que tinha sido publicado com as minhas fotos. Analisando meus erros em relação aos acertos dos mais experientes, fui desenvolvendo meu olhar de fotojornalista. Em 94, fui convidada por Aníbal Philot para ir para o jornalismo e ingressei em O Globo. Desde então, Marizilda construiu uma sólida carreira como repórter-fotográfica no diário e já produziu fotos para todas as suas editorias. Mas não esconde a preferência pelas reportagens longas, que exigem planejamento e pesquisa, como os fotodocumentários. A reportagem sobre a África, por exemplo, consumiu meses de preparação e
rendeu material para outros três. Ela também considera essas reportagens como os momentos mais marcantes de sua vida. Em um deles, conseguiu revelar aquele que considera o grande mal do Brasil: a desigualdade social. — Estávamos fazendo uma matéria sobre mortalidade infantil, no interior de Alagoas, e deparamos com um cortejo na beira da estrada. Era um caixão de bebê e perguntei se poderia fotografar o enterro. Informada de que o pai estava no cemitério, fui até lá e o encontrei cavando a sepultura do filho, porque não havia coveiros. A foto foi primeira página. O espírito aventureiro da fotojornalista também já lhe rendeu alguns bons sustos: — O saudoso Coronel Braga, piloto que sempre admirei e que mais tempo comandou a Esquadrilha da Fumaça, tornou-se meu amigo depois de eu fotografá-lo para o jornal. Certa vez, ele ia recepcionar uns pilotos franceses que estavam refazendo com um Catalina a antiga rota do Correio Aéreo Francês, que ligava a Europa à América do Sul, e eu queria fotografá-los em vôo. Lá fui eu no T-6 do Coronel, interceptar o Catalina. Para que eu pudesse me virar para tirar sua foto sobre o Cristo, precisei soltar o cinto de segurança. Só que depois não consegui mais
atá-lo nem falar com o coronel, já que o barulho do motor era ensurdecedor, principalmente com a cabine aberta. O Catalina e o T-6 seguiram lado a lado para o Campo dos Afonsos e, enquanto os franceses aterrissavam, o T-6 sobrevoava o gramado. Achei que o Coronel ia pousar na grama quando, depois de um rasante, arremeteu e começou a fazer um show de boas-vindas para os pilotos franceses. Felizmente, a gravidade me prendeu ao assento durante as acrobacias. Já no chão, contei a história do cinto para o Coronel e ele caiu na gargalhada. A tecnologia da boa foto Para Marizilda, fotografia, “como tudo na vida”, é uma questão de prática: — Com o tempo e a repetição, o fotógrafo percebe se tem ou não a foto e continua tentando até achar que conseguiu. Certeza mesmo, só quando o filme é revelado ou a foto é aberta no computador. Outra coisa: paciência, calma e perseverança, se não forem características naturais, devem ser desenvolvidas. No jornal, Marizilda usa uma câmera digital, mas seu equipamento pessoal é analógico: — Ainda há mercado para as duas. No segmento amador é que a fotografia digital tomou de vez o lugar do fil-
DESPEDIDA
LÁGRIMAS E MEDO
LONGA VIAGEM
VIDA NA RUA
VOLTA ÀS ORIGENS
me. Há dois anos, assisti a uma ótima palestra sobre a primeira década de fotografia digital, em que a francesa Alexandra Boulat, da Agência VII, e o norte-americano Michael “Nick” Nichols, da National Geographic, falaram sobre as perspectivas que se abriram após a introdução da tecnologia digital, principalmente no que diz respeito à velocidade do processo e à possibilidade de fo-
tografar em condições adversas de iluminação sem o uso do flash. Apesar da vantagem dos modernos recursos, continuar treinando e corrigindo defeitos é a melhor forma de se chegar à grande foto, independente da tecnologia. O reconhecimento de seu trabalho pode ser visto pelas exposições às quais é convidada a participar. Uma das mais importantes ocorreu em
2005. Mulher brasileira, que contou com várias fotos de Marizilda, passou por Brasília, São Paulo, Paris e Pequim. Ela garante que não é apenas seu trabalho que tem feito sucesso no Brasil e no exterior. Marizilda acredita que os fotojornalistas brasileiros estão alcançando um elevado padrão de qualidade em seus trabalhos e ainda vão surpreender. Um desses profissionais, cujo trabalho ela destaca, é Maurício Lima, da AFP. — Ele fez uma exposição individual no maior evento de fotojornalismo do mundo, o Visa Pour L’Image, que acontece todos os anos em Perpignan, no Sul da França. Os melhores repórteres-fotográficos em atividade participam do festival e ele era o único brasileiro expondo ao lado de nomes já consagrados. Como o momento parece ser bom para a fotografia nacional, ela incentiva aqueles que gostam do assunto a investir na área e ingressar no fotojornalismo. Mas faz um alerta aos novos colegas: — Para ser um bom fotojornalista, mais importante do que a técnica é a ética. Ter uma conduta correta com as pessoas e as situações com que o profissional depara é o que conta. Além disso, é preciso ler muito e estar sempre muito bem informado. Matéria publicada no Site da ABI em 7 de outubro de 2005.
AS FOTOS PAU-DE-ARARA “O pau-de-arara ainda resiste no sertão. A falta de transporte público é um dos sérios problemas no interior do Nordeste e os moradores são obrigados a viajar horas na carroceria de velhos caminhões para ir ao mercado. Por causa do sol escaldante, são obrigados a se cobrirem com toalhas e se vestir com mangas compridas.” RETRATO NATURAL “Procurei mostrar a vida nas cidades nordestinas da maneira mais natural possível e tive a sorte de encontrar este casamento. A jovem noiva morou no Rio quando criança e uma de suas irmãs ainda mora na Rocinha.” DESPEDIDA “A jovem Queila despede-se de sua avó. Esta foto foi capa de O Globo na estréia de ‘Vida severina’, que mostrou o dilema dos nordestinos que trocam a vida árida do sertão pela miséria das favelas cariocas. A série foi publicada durante oito dias e todas as fotos eram em preto e branco.” LONGA VIAGEM “Queila deixou o vilarejo onde morava para tentar a vida no Rio, ao lado do marido. A longa viagem de 55 horas incluiu a travessia a barco do açude que separava seu antigo vilarejo da cidade de Varjota, no Ceará, e o cansativo percurso de ônibus até a comunidade de Rio das Pedras.”
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MARIZILDA CRUPPE
CASA NOVA, VELHOS PROBLEMAS
PRÉ-NATAL
VOLTA ÀS ORIGENS “Valdir deixou o filho pequeno no Ceará para tentar a vida no Rio. Treze anos depois do início da jornada, deixou a casa alugada na Rocinha com a mulher e o poodle de estimação para fazer a viagem de volta. Sua esposa não agüentava mais viver longe do filho que, criado pela avó e agora já adolescente, passou a rejeitar os pais.” LÁGRIMAS E MEDO “Ao deixar a Rocinha, Valdir chorou muito. A vida no interior do Ceará pode até ser mais calma, mas é acompanhada pelo temor da seca e da falta de emprego. A foto foi capa do jornal no último dia de publicação da série ‘Vida severina’ e foi muito marcante para quem acompanhou o desenrolar da história.” VIDA NA RUA “Mãe e filho dormem sob uma marquise no bairro da Tijuca. Maiara estava sempre rodeada de outros moradores de rua e a aproximação para fotografar não era nada fácil.” PRÉ-NATAL “A jovem passou os últimos dias de gravidez na rua. Sempre muito cansada, dormia ou simplesmente ficava sentada, enquanto o filho mais velho brincava por perto. Dois dias depois desta foto, o bebê nasceu.” CASA NOVA, VELHOS PROBLEMAS “Após deixar a maternidade já com a criança nos braços, Maiara se mudou para um barraco emprestado por uma amiga na favela de Arará, à beira da linha de trem de carga.” QUINTAL IMPROVISADO “O barraco emprestado pela amiga ficava no pior trecho da linha, em cima de um viaduto. Quando não há trem passando, os trilhos funcionam como o quintal da casa.” QUENTINHA DE ANIVERSÁRIO “Bolo? Que nada! Uma ‘quentinha’ foi a comemoração dos 18 anos de Maiara, ao lado do filho, de três, e da amiga Paula. Acompanhei os quatro últimos meses de gravidez da moça para uma reportagem sobre jovens que vivem nas ruas. No aniversário, ela estava no sétimo mês. Ao completar a maioridade, Maiara foi morar
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num barraco emprestado na comunidade Mandela de Pedra. O empréstimo, no entanto, não durou mais que um mês e a garota voltou para as ruas.” AIDS, UMA FERIDA ABERTA “Basubi Kisumbi, soropositiva, perdeu um filho com aids e foi abandonada pela família. Estava internada num hospital precário e sem medicamentos na cidade de Goma, no Congo, quando tirei esta foto para uma reportagem sobre a Aids na África. O olhar voltado ao vazio denunciava a preocupação de uma mãe que não tinha ninguém para cuidar dos outros filhos. As mulheres já são 60% dos adultos portadores do vírus nos países do Sul da África.” QUENTINHA DE ANIVERSÁRIO
QUINTAL IMPROVISADO
AIDS, UMA FERIDA ABERTA
ROGÉRIO REIS
Um cronista visual
PALHAÇO
POR RODRIGO CAIXETA EDIÇÃO FINAL M ARCOS STEFANO
“Quer apurar o olhar e fotografar bem? Então, leia Machado de Assis.” À primeira vista, a dica pode parecer estranha. Mas quando se descobre que partiu de um dos mais destacados fotojornalistas em atividade no Brasil, com 30 anos de carreira e passagens por veículos como O Globo, Veja e Jornal do Brasil, no qual foi Editor de Fotografia e responsável pela modernização da publicação, integrando a Fotografia à Redação, essa impressão logo desaparece. E Rogério Reis fala por experiência própria. Foi observando a maneira como os grandes escritores fazem a narrativa e descrevem as cenas que ele ganhou sensibilidade e destaque na profissão, tornandose um verdadeiro “cronista visual”, a forma como ele define os grandes mestres da reportagem fotográfica. — A fotografia em si depende do olho e o olho está ligado à alma, à razão. Tudo depende da cultura do indivíduo, do que ele lê, do seu senso crítico. Contamos histórias, mas com imagens. E como autores, podemos controlar a realidade. Por exemplo, posso tirar uma foto em plena luz do dia e fazê-la parecer noite, apenas fechando o diafragma da câmera. Mas fazer fotojornalismo é muito mais. É uma arte de filosofar com imagens, delirar. Um campo inesgotável, mas depende da sua capacidade de dizer alguma coisa. O interesse de Reis pela fotografia surgiu ainda na adolescência. No momento em que percebeu que o jornalismo era “uma maneira de discutir a condição humana de forma prática”. — Fui ficando fascinado por essa mecânica. Quando estava na faculdade, já estagiava no Jornal do Brasil, mas não foi fácil conseguir aquela vaga. Depois disso, vieram O Globo e a Veja. Quando se está no mercado é que começa seu processo produtivo. Desde o período em que começou a carreira como estagiário, muita coisa já mudou no jornalismo. Mas uma das que mais chama a atenção é que naquele tempo não era comum um fotógrafo fazer faculdade na área. Por isso, como era estudante de Jornalismo, Reis teve que brigar para fotografar: — Lembro-me de que o administrador da Redação queria me pôr na condição de repórter, mas recusei, afirmando que meu negócio era contar histórias com imagens. Isso causou um certo mal-estar, porque não era comum alguém cursando faculdade querer ser fotógrafo. Não sei se fui pioneiro, mas naquela época não era muito usual. Tempos mais tarde, Rogério Reis voltou ao JB. Nessa segunda vez, para ser Editor de Fotografia e inovar. Foi dele a iniciativa de integrar a Redação e a Fotografia, praticamente derrubando uma parede que parecia isolar os dois setores. Como resultado, os fotógrafos do jornal começaram a participar de forma mais atuante das reuniões de pauta e a agilidade e qualidade das reportagens e das imagens melhoram sensivelmente. Tanto que hoje todos os grandes veículos da imprensa nacional seguiram o exemplo. Atualmente, Reis ocupa seu tempo com a Agência Tyba, sucessora da famosa F4, que fundou com um grupo de 15 fotógrafos, quando saiu do JB, e que chegou a ter escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. — A Tyba funciona como um banco de imagens, cada vez mais online. Disponibilizamos as fotos em nosso site e o interessado acessa o acervo e aluga aquelas que atendem à sua necessidade, independentemente do mercado — seja editorial ou publicitário ou até para fins decorativos. No Brasil,
HOMEM-ÁRVORE
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ROGÉRIO REIS
SANTA
vivemos tempos em que as agências devem diversificar para conseguir se auto-sustentar. Cerca de 30 fotógrafos depositam suas imagens aqui e nós as alugamos, arrecadando os direitos autorais do material distribuído. Somos uma das poucas agências a funcionar dessa forma. Além de fotógrafo, empreendedor e de se arriscar um pouco a filosofar, Reis também gosta de analisar tendências. Para ele, a imagem será cada
BICICLETA
vez mais importante, mas para ter relevância o fotojornalista do futuro terá de ser polivalente: — As empresas de jornalismo não investem em formação profissional, embora produzam cadernos sobre o tema por uma questão de cidadania. Elas discutem, mas não praticam. Na era digital, deveria haver um processo de reabilitação do profissional. O fotógrafo que vai sobreviver é aquele gestor dele mesmo, empreendedor,
que vai gerar e gerir os próprios produtos, sejam eles jornalísticos ou de qualquer outra natureza. Outra previsão é de que o dia-a-dia será monitorado pela sociedade, uma tendência das “sociedades que se autoregulam à medida que surgem os repórteres-cidadãos, pessoas comuns que fazem o registro do cotidiano através de seus celulares”. Segundo ele, nos EUA já existe uma agência especializada na venda desse tipo de imagem: SUCATA
PERNAS
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— Vejo isso como uma forma de o cidadão participar e mesmo mobilizar a opinião pública. São fotos de registro, mas não feitas com o olhar apurado de um profissional. Porém, como jornalismo é documental, não adianta resistir a esse avanço espontâneo; precisamos procurar saber qual é o caminho e trilhá-lo. Matéria publicada no Site da ABI em 28 de outubro de 2005.
BARBANTE
ANÕES
AS FOTOS PALHAÇO “Esta foto pertence a uma série chamada ‘Retratos do Carnaval’. Aqui temos uma bailarina com o irmão mais novo, fantasiado de palhaço. Fiz o registro na Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio.” HOMEM-ÁRVORE “Esta série sobre o Carnaval foi realizada durante 15 anos e registrou os momentos mais inusitados desta festa tão tradicional. Flagrei este fantasiado de árvore na Avenida Rio Branco.”
SANTA “Na Avenida Rio Branco, um clóvis expôs a imagem do Sagrado Coração de Maria.”
do ‘Retratos do Carnaval’, quis mostrar a festa das multidões, mas destacando o folião original, no chamado Bloco do Eu Sozinho.”
PERNAS “Este é um registro das minhas andanças pelo carnaval de Campo Grande.”
ANÕES “Mais um clique feito na Avenida Rio Branco. Estas fotos já foram expostas no Brasil, em São Paulo, na França e na Dinamarca.”
BICICLETA “A foto deste clóvis na bicicleta também foi tirada em Santa Cruz.” SUCATA “Fiz o registro do ex-policial Ilson Lorca, chamado de ‘Rainha da Sucata’. Nessa série
DE JOELHOS “A posição é um tanto quanto inusitada. Ainda mais sabendo que é um dos personagens da famosa Banda de Ipanema. Mas essa surpresa é que faz a foto valer a pena.”
BARBANTE “Com tantos personagens anônimos — como este homem cheio de barbantes pendurados no corpo —, flagrados em vários pontos da cidade, quis fazer um contraponto da folia que acontece na rua com o carnaval do Sambódromo.” LONA “Aqui eu mostro como foi produzida toda essa série. Eu armava uma lona, escolhia alguns foliões e fazia a foto. Ao fundo, é possível perceber a curiosidade das pessoas que ficavam olhando interessadas.”
DE JOELHOS
LONA
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