SÉRGIO CABRAL Carioca de nascimento, vocação e profissão Esse brasileiro dedicou a vida à luta pelo progresso social e vem escrevendo a história da mpb através de grandes biografias. Páginas 28, 29, 30, 31, 32 e 33 Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Jornal da ABI
330 J UNHO 2008
CENSURA PRÉVIA. INTIMIDAÇÃO. TORTURA.
Num dos flancos, policiais e ex-policiais bandidos de touca ninja e três-oitão ou 45 na mão. Noutro, agentes públicos de paletó e gravata e caneta em punho. Os pesados ataques desses flancos tiveram como alvo a liberdade de informação, sacrificada por seqüestro, tortura, censura prévia, multas. Páginas 3 a 12, 14 e Editorial Violências à solta na página 2 ENGENHARIA PEDE AÇÃO PARA “O PRÉ-SAL É NOSSO”
RUTH CARDOSO, MULHER
ENTIDADES QUEREM O ENGAJAMENTO DA ABI EM NOVAS CAMPANHAS CÍVICAS. PÁGINAS 16 E 17
UM PERFIL DA ANTROPÓLOGA QUE CRIOU O COMUNIDADE SOLIDÁRIA. PÁGINAS 46 E 47
BELA CONFRATERNIZAÇÃO NO LANÇAMENTO DO VOLUME 1 DO CENTENÁRIO. PÁGINA 19
TV PÚBLICA CASSA PROGRAMA SOBRE DIREITO
DOCUMENTÁRIO DEVASSA TODA A OPERAÇÃO CONDOR
MACHADO DE ASSIS DE CORPO INTEIRO NA ABL
A EMISSORA OFICIAL MUDA A GRADE DE PROGRAMAÇÃO E INSTITUI CENSURA. PÁGINA 14
OS CRIMES DA REPRESSÃO NO CONE SUL SÃO DESNUDADOS PELO CINEMA . PÁGINA 15
NEM NO CENTENÁRIO DELE HOUVE UMA MOSTRA DO PORTE DA ATUAL . P ÁGINAS 36 E 37
À FRENTE DE SEU TEMPO
NOSSA EDIÇÃO ESPECIAL LOTOU A TRAVESSA LEBLON
Editorial
VIOLÊNCIAS À SOLTA COMO ASSINALADO NO TEXTO de abertura da série de matérias dedicadas ao tema liberdade de imprensa desta edição, o direito de informação no Brasil sofreu pesados golpes nos meses de maio e junho. Em pelo menos um caso, golpe com contornos agudamente dramáticos, contidos no doloroso episódio do seqüestro e tortura de uma equipe de reportagem do jornal O Dia do Rio de Janeiro. AO CONTRÁRIO DO QUE costuma ocorrer em casos de violência contra jornalistas, em que a reprovável ação hostil não ultrapassa os limites de uma represália imediata à ação de repórteres e fotógrafos em delicadas coberturas, a investida criminosa contra a equipe de O Dia teve o claro e confessado propósito de impedir o exercício da liberdade de informação; de advertir o jornal e seus jornalistas, e por extensão todos os veículos de informação e seus profissionais, de que o levantamento e divulgação das práticas das milícias enraizadas em comunidades populares são assunto proibido, um aspecto da vida urbana em que a reportagem jornalística não se deve aventurar. Investiram-se esses grupos criminosos de poderes censórios, tentando estabelecer e delimitar os campos de cobertura jornalística. Buscam instituir uma nova ditadura, impondo à coletividade uma amarga experiência, como aquela que, no período
1964-1985, cavou sulcos profundos em nossa memória nacional. SEM A GROSSEIRA BRUTALIDADE dos mafiosos do bairro Batã, onde foram seviciados e ameaçados os profissionais de O Dia, inimigos do direito de informação encastelados no Ministério Público Eleitoral e na Justiça Eleitoral também protagonizaram agressões intoleráveis às prescrições da Constituição relacionadas com a liberdade de imprensa, através da punição de publicações que entrevistaram líderes políticos com qualificação para postular candidatura a prefeito de suas cidades, em São Paulo e outros Estados. As lesões causadas por esses agentes públicos ao Estado Democrático de Direito não são menores e menos graves do que as cometidas por seus criminosos irmãos siameses do Batã. Todos são perniciosos à sociedade, ao direito das pessoas comuns de serem informadas pelos meios de comunicação para fazer suas escolhas com consciência e liberdade. CONFORTA REGISTRAR QUE esses comportamentos delituosos em matéria de liberdades públicas e direitos civis encontraram repúdio vigoroso da sociedade, através de instituições representativas e respeitáveis, como a ABI, a Associação Nacional de Jornais-ANJ, a Ordem dos Advogados do Brasil por seu Conselho Federal e Seções Regionais, como
Jornal da ABI Número 330 - Junho de 2008
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: José Ubiratan Solino e Marcos Stefano Fotos e ilustrações: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Arquivo Jornal do Commercio, Arquivo Tribuna da Imprensa, Folhapress, Agência O Globo, O Dia, O Estado de S.Paulo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, André Lima de Alvarenga, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 jornal@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP
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DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO (MESA 2008-2009) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos (2008-2011) Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos (2007-2010) Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pagê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.
a OAB-RJ. No caso do Batã, esse repúdio precisa gerar a responsabilização penal de tão audaciosos e desabusados bandos criminosos, sob pena de a impunidade gerar sua reprodução.
Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros suplentes (2008-2011) Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pererinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes (2007-2010) Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Alcelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.
VIOLÊNCIA ALCYR CAVALCANTI
A LIBERDADE DE INFORMAR ATROPELADA No Rio, milícia formada por policiais, ex-policiais, bombeiros e criminosos comuns instalou o domínio do terror em comunidades populares e seqüestrou e torturou equipe de jornalistas que buscavam devassar suas práticas, seus ganhos ilícitos e suas ações para a conquista de poder político. Em São Paulo, a Justiça Eleitoral e o Ministério Público deramse as mãos para tentar impor silêncio ao jornalismo e fazer da disputa política um jogo sem idéias nem líderes. A sombra do totalitarismo estende-se pelo interior do País, onde os veículos de comunicação, mais pobres do que os dos grandes centros e sem acesso a advogados especializados, assistem sem possibilidade de defesa ao abalroamento dos direitos constitucionais e ao atropelamento da liberdade de informar.
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s meses de maio e junho foram especialmente tormentosos para a liberdade de imprensa no Brasil e para o exercício do direito de informar, em razão de ameaças, restrições, punições judiciais e imposição de severas provações, inclusive de caráter físico e psíquico, como se deu com uma equipe de reportagem do jornal O Dia do Rio de Janeiro, seqüestrada e torturada por uma milícia constituída por policiais e ex-policiais, bombeiros e ex-bombeiros e criminosos comuns para explorar a população de comunidades populares, submetidas ao seu terror, que se espraia por vasta extensão do território carioca. À ação desses grupos criminosos somou-se a investida que, de paletó e gravata, agentes da Justiça Eleitoral e do Ministério Público desfecharam contra veículos de comunicação – a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, a revista Veja São Paulo – a pretexto de coibir e punir suposta propaganda eleitoral antecipada, confundida esta com o jornalismo ágil e moderno praticado por esses órgãos ao programar e cumprir pauta com entrevistas com presumíveis postulantes de candidaturas à Prefeitura da capítal paulista, como a ex-Ministra Marta Suplicy e o atual Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. A onda de obscurantismo desencadeou fortes manifestações de repúdio de instituições não ape-
nas da área de comunicação, como a ABI e a Associação Nacional de Jornais, entre outras, mas também de entidades representativas da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil, que através do Presidente de seu Conselho Federal, Cézar Britto, mais de uma vez se pronunciou contra a violação das disposições constitucionais. Além de se manifestar em candentes declarações de protesto, a ABI condenou em entrevistas a jornais e emissoras de rádio e televisão as agressões sofridas por jornais e jornalistas tanto no caso do seqüestro da equipe de O Dia como nas punições à Folha e à Veja São Paulo por juízes do Tribunal Eleitoral de São Paulo, que julgaram com mão pesada as supostas violações da legislação de propaganda eleitoral e impuseram pesadas penas pecuniárias às publicações e à candidata Marta Suplicy. Ouvido pelo Estadão assim que o Promotor Eduardo Rheingantz propôs a punição da Folha por publicar entrevista com a Marta Suplicy, que ainda não era candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, declarou que a iniciativa atentava contra as liberdades e garantias asseguradas pelo artigo 220 da Coinstituição. “Esse promotor se atribui poderes mediúnicos. Pois Marta Suplicy nem candidata é ainda, a convenção só se realiza no dia 5. Até lá pode acontecer muita coisa”, disse Maurício ao repórter Gabriel Manzano Filho, que
ouviu também o porta-voz da Associação Nacional de Jornais, Ricardo Pedreira. “O que a Folha fez foi jornalismo e não cabe punição”, disse Pedreira. (Estadão, 13 de junho, página A7). Em declaração publicada pela Folha no mesmo dia (página A9), disse o Presidente da ABI que “o fato de uma pessoa ser provável candidata não impede que os meios de comunicação continuem a entrevistá-la, porque isso não constitui propaganda eleitoral, e sim umn exercício da liberdade de expressão”. Ele acrescentou que a ação contra a Folha “é um abuso, uma manifestação totalitária que viola as disposições sobre liberdade de imprensa, nos termos assegurados na Constituição, com o pretexto de impedir propaganda eleitoral antecipada”. A razzia contra imprensa ensejou repúdio igualmente vigoroso de editoriais de jornais, como o publicado em 26 de junho pelo Estadão sob o título A volta da censura à imprensa, o qual é reproduzido nesta edição do Jornal da ABI, e provocou a revisão do texto de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral que os inimigos da liberdade de imprensa na Justiça Eleitoral e no Ministério Público utilizavam para justificar a punição dos veículos de comunicação. A iniciativa da revisão partiu do próprio Presidente do TSE, Ministro Carlos Ayres Britto, que demonstrou ser um democrata de pensamento e ação. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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VIOLÊNCIA
“O Judiciário é atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa” Essa é a conclusão da ABI diante da freqüência com que a Justiça impõe censura prévia aos veículos de comunicação.
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ANTONIO CRUZ/ABR
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eiterando pronunciamentos feitos em entrevistas a jornais e emissoras de rádio e televisão, a ABI expressou no dia 19 de junho seu protesto contra a decisão da Justiça Eleitoral que puniu a Folha de S.Paulo, a revista Veja São Paulo e a ex-Ministra Marta Suplicy pela entrevista que esta concedeu às duas publicações. Em declaração sobre o caso, a ABI lamentou ter de reafirmar que “o Poder Judiciário é atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão no País”. “A Associação Brasileira de Imprensa” — diz a nota — “lamenta ter de reafirmar que o Poder Judiciário é atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão no País, como tem ficado evidente na farta massa de decisões e despachos colidentes com essas franquias constitucionais emanados de juízes de primeira instância e, em alguns casos, até mesmo da magistratura de segundo grau. Esses agentes do Judiciário não assimilaram, apesar das duas décadas decorridas, o caráter democrático do Estado de Direito instituído pela Constituição de 5 de outubro de 1988 e agem e decidem como se estivéssemos ainda sob o guante da ditadura miilitar. Esse entendimento da ABI é revigorado agora pela decisão do Juiz da 1ª Zona Eleitoral do Município de São Paulo, Francisco Carlos Shintate, de acolher infeliz representação do Procurador Eleitoral Eduardo Rheingantz e impor penas pecuniárias ao jornal Folha de S.Paulo, à revista Veja São Paulo e à ex-Ministra Marta Suplicy, por entrevistas por esta concedidas às duas publicações, sob o fundamento de que esses trabalhos jornalísticos constituíram propaganda eleitoral an-
Pelo entendimento do Ministério Público Eleitoral e da Justiça Eleitoral de São Paulo, as eleições não devem ser feitas à base da exposição de idéias e de perfis. Com essa crença totalitária multaram a revista Veja São Paulo e a ex-Ministra Marta Suplicy.
tecipada. À Folha e à Editora Abril, que publica Veja, o Juiz Shintate impôs a multa de R$ 21.282, enquanto a exPrefeita foi punida com a multa de R$ 42.564. Longe de ser mero e simples episódio da disputa eleitoral que se travará
proximamente em São Paulo e nos demais Municípios do País, a representação do Procurador Rheingantz e a sentença do Juiz Shintate constituem grave e intolerável ofensa à liberdade de imprensa assegurada de forma plena pela Constituição, que não admite qualquer óbice ou condicionamento ao exercício dessa franquia. Em seu artigo 220, parágrafo 1º, o texto constitucional estabelece com clareza meridiana que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.
Se a Constituição não defere nem mesmo à lei a possibilidade da imposição de tal limitação à liberdade de informação, esse impedimento não pode ser contornado nem ignorado por uma sentença judicial, que é menos do que a lei. Se tal competência é negada ao próprio Congresso Nacional, colegiado composto por quase 600 membros, com muito mais razão não é atribuida a juiz que decida monocraticamente, na solidão absoluta de seu gabinete, ou a qualquer colegiado de magistrados. Nem despacho, nem sentença, nem acórdão podem impor restrição à liberdade de informação jornalística, como preceituado de forma irretocável no texto da Lei Maior. Isso era possível sob a ditadura militar; agora, não. Não estamos mais sob ditadura, nem de farda, nem de toga. No caso em exame, tanto o procurador como o juiz demonstram desconhecer não apenas o texto constitucional, mas também algo mais trivial e elementar, que é a distinção entre noticiário jornalístico e propaganda, seja eleitoral ou não. Uma coisa é o alarde em torno de virtudes de um produto, de uma personalidade de qualquer área ou de uma instituição, seja política ou partidária; outra, muito diferente, é a exposição de idéias, formulação de propostas acerca da vida social e de narrativa de trajetórias individuais, como as de agentes políticos. A proximidade de uma disputa eleitoral não pode excluir uma pessoa do mundo dos vivos e privá-la do direito de expressão, como pretenderam fazer e fizeram com a ex-Ministra o procurador e o juiz, com a agravante de que ambos entenderam que essa morte civil deveria ser reconhecida pelos veículos de comunicação. A ABI espera que essa sentença seja anulada pelo Tribunal Regional Eleitoral , que não pode dar guarida a uma decisão inadmissível sob o Estado Democrático de Direito que a Constituição de 1988 instituiu. O povo brasileiro travou ásperas batalhas contra a ditadura. O Poder Judiciário não pode ressuscitá-la, como faz essa malsinada sentença. Rio de Janeiro, 19 de junho de 2008. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”
A censura no JT: todos saem perdendo
Três promotoras contra o Estadão e o Prefeito Kassab
O veto judicial foi imposto antes mesmo de a matéria ser feita.
Seguindo o exemplo do Promotor Rheingantz, o Ministério Público Eleitoral de São Paulo ajuizou ação contra o jornal O Estado de S. Paulo e o Prefeito Gilberto Kassab (Dem) por considerar propaganda eleitoral antecipada uma entrevista com este, publicada no dia 14 de junho. A acusação foi feita por três promotoras de Justiça, que pediram que tanto o prefeito como o jornal fossem condenados ao pagamento de multa. O Estado de S. Paulo foi citado às 11h10 do dia 19, para apresentar defesa. As Promotoras Maria Amélia Nardy Pereira, Patrícia Moraes Aude e Yolanda Alves Pinto Serrano de Matos sustentaram que Kassab, candidato à reeleição, fez “clara apologia de sua candidatura”, em violação ao artigo 36 da Lei 9.504/97 (Lei Eleitoral) e da Resolução 22.718, artigo 3º, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tais normas, diz a denúncia, “proíbem toda e qualquer propaganda eleitoral até o dia 5 de julho do ano da eleição”. Na peça de acusação as Promotoras destacam trechos da reportagem, nos quais Kassab expõe seus planos se for reeleito e afirma ter feito mais realizações de cunho social que Marta Suplicy (PT), antecessora e rival dele na corrida eleitoral. O Prefeito é acusado de fazer “alusão direta à sua plataforma de governo, sempre com a idéia de continuidade de projetos já iniciados”. No que diz respeito ao Estadão, o Ministério Público Eleitoral afirma: “A responsabilidade do jornal se assenta precisamente no fato de ter convidado o candidato para a entrevista e viabilizado sua veiculação e publicação”. (Fonte: Portal Imprensa, edição de 20 de junho de 2008).
No entender das três promotoras, o Prefeito Kassab não poderia dizer que, se reeleito, prosseguirá os projetos iniciados.
MONICA ZARATTINI/AGÊNCIA ESTADO
POR MARCOS STEFANO
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esmo depois de 40 anos da promulgação do AI-5 e do período mais duro do regime militar, a imprensa brasileira ainda sofre com desmandos e rompantes daqueles que se incomodam e não aceitam a plena liberdade de expressão. Um dos casos de maior repercussão aconteceu com o Jornal da Tarde, de São Paulo. No final de junho uma decisão da Justiça proibiu o jornal de publicar reportagem que denunciava irregularidades cometidas no Conselho Regional de Medicina de São Paulo–Cremesp. Além de uma tremenda violência, o incidente foi condenado imediatamente por juristas e representantes de entidades de classe. Uma das primeiras vozes a serem ouvidas e apontar a irregularidade da decisão foi a do Presidente da ABI, Maurício Azêdo. “A Constituição Federal, em seu artigo 220, proíbe a censura e especialmente a censura prévia”, afirmou. “Foi uma decisão arbitrária, que nos pegou de surpresa, pois a reportagem ainda estava em fase de apuração”, conta Cláudia Belfort, Editora-Chefe do JT, ao Jornal da ABI. Naquele momento, um dos repórteres do jornal, Felipe Grandin, havia recebido denúncias de irregularidades no Cremesp e começou a investigá-las. Na segunda-feira, 23 de junho, enviou por email ao presidente da entidade, Henrique Carlos Gonçalves, um pedido de entrevista. O pedido foi aceito, mas Gonçalves pediu que a entrevista fosse feita pessoalmente, o que aconteceu no dia seguinte, à tarde. No entanto, por volta das 19 horas daquela terça-feira, todos na Redação do jornal ficaram espantados com a presença de Cláudia Costa, advogada do Cremesp, que trazia em suas mãos uma liminar. A decisão judicial concedida pelo Juiz Substituto Ricardo Geraldo Resende Silveira, da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo, não apenas proibia a publicação da reportagem por todos os veículos do Grupo Estado, mas também intimava os representantes dos jornais da empresa a prestarem esclarecimentos no prazo de 72 horas. “A liminar foi pedida às 11h22min da manhã daquele dia, antes mesmo de o presidente do Cremesp nos conceder a entrevista. Entre os motivos que justificavam a decisão do Juiz
Editora do Jornal da Tarde, Cláudia Belfort foi surpreendida pela ordem de censura: a matéria sobre o Cremerj ainda estava em apuração mas não poderia ser escrita.
estavam justamente o de que a matéria ‘não ouvia o outro lado’, que ‘perguntas abusivas foram feitas’ e que a ‘reportagem poderia ser usada com intuito político, já que a autarquia estava em processo eleitoral’. Tudo um grande absurdo, já que nada naquilo era sigiloso e estava sendo investigado pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público”, diz Cláudia Belfort.
Durante os dias seguintes, a polêmica se espalhou pela sociedade e o JT passou a estampar em sua capa, ao lado do logotipo da publicação, a palavra CENSURADO. Finalmente, na quinta-feira, depois de dar entrevistas nas quais ameaçou processar o JT e dizer que nenhuma das acusações se sustentava, o Presidente do Cremesp foi à sede do Grupo Estado para conversar. Segundo a Editora-Chefe do JT, ele se retratou e comprometeuse a extinguir a ação, o que aconteceu de fato, mas só na semana seguinte. Passado pouco mais de um mês desde o incidente, o TCU e o MP continuam investigando a autarquia. Há poucos dias, o Cremesp foi multado e condenado a pagar 52 milhões de reais por contratar irregularmente e sem concurso 33 funcionários. Apesar disso, quando perguntada se a reviravolta era uma vitória do jornalismo, Cláudia Belfort foi direta: “Nessa batalha não houve vencedores. Todos perderam. A imprensa foi impedida de fazer seu trabalho e mostrou-se que a liberdade de expressão ainda se sustenta sobre uma linha tênue e frágil. A Justiça foi arbitrária e mostrou que a Constituição está longe de ser obedecida. Já a diretoria do Cremesp deu um tiro no pé, pois ao atentar contra o Estado de direito está sendo acusada na campanha eleitoral de censura. Mas o pior fica para a sociedade, privada da informação e da democracia.” Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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O juiz proibiu o que não existia Foi a pedido do Conselho Regional de Medicina de São Paulo–Cremesp, que o Juiz Substituto Ricardo Geraldo Resende Silveira, da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo, proibiu no dia 24 de junho a publicação de reportagem do Jornal da Tarde sobre supostas irregularidades cometidas pelo Conselho, que estão sendo investigadas pelo Tribunal de Contas da União. O Diretor de Redação do JT, Ricardo Gandour, revelou que a reportagem não estava pronta quando ele foi informado da determinação do Juiz, da qual o Grupo Estado recorrerá. A edição do dia 25 do JT trouxe na capa reportagem sobre o caso e o pronunciamento do Presidente da ABI, que definiu a decisão da Justiça como inconstitucional: — O artigo 220 da Constituição proíbe a censura e, especialmente, a censura prévia. O grande inimigo da imprensa hoje é o Poder Judiciário, que, em decisões de juízes despreparados e com vocação totalitária, cerceia a liberdade de expressão e os direitos estabelecidos. O Presidente da OAB federal, Cezar Britto, também condenou o comportamento do Cremesp e do Juiz, lembrando que a prática da censura prévia tem sido noticiada constantemente, o que deve acender o sinal de alerta da democracia. Uma mostra da resistência A história da resistência à censura do Estado de S.Paulo e do Jornal da Tarde foi mostrada na exposição 1968 — 40 anos utópicos e rebeldes — A geração que disse não, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. A convite do Ministério da Cultura e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, os dois jornais reuniram documentos, fotos, vídeos e coleções sobre a história de luta pela liberdade de imprensa no País, incluindo a estratégia para indicar ao leitor a ação dos censores, como a publicação de receitas culinárias e de versos e estrofes do poema épico Os Lusíadas, de Luís de Camões, nos espaços vagos pelas matérias censuradas. A mostra, que se estenderia até 6 de julho, exibe ainda um conjunto das páginas censuradas e a histórica edição do Estadão do dia 14 de dezembro de 1968 — um dia após a assinatura da Ato Institucional nº 5 —, proibida de circular por conter fortes críticas à ditadura. A edição apresentou um editorial igualmente histórico: Instituições em frangalhos, do jornalista Júlio de Mesquita Filho, que dirigiu o Estadão de 1927 a 1969, quando faleceu.
A volta da censura à imprensa Censura prévia evoca os anos de chumbo da ditadura militar, denuncia editorial do Estadão. “Nos primeiros anos da era Lula, não faltaram motivos para a imprensa temer por sua liberdade. Desde a malfadada tentativa de criar um conselho federal e conselhos regionais para “fiscalizar ” a atividade jornalística à tentativa, igualmente abandonada, de expulsar o correspondente estrangeiro que escreve sobre o presidente e a bebida – para citar os exemplos mais escabrosos -, o governo emitiu sucessivos sinais de estar interessado em intimidar e, no limite, manietar os meios de comunicação. Em cada caso, a pronta reação da sociedade e do conjunto dos órgãos de mídia fez ver o Planalto que o Brasil havia amadurecido o suficiente para não se intimidar diante de quaisquer ameaças dos poderosos de turno ao fundamento constitucional que, acima de todos os outros, distingue o sistema democrático dos regimes de força. Hoje em dia, escolado, o máximo que Lula se permite são eventuais diatribes contra tópicos do noticiário. Ficando nisso, o essencial está preservado. Ou assim parecia, antes que as baldadas ameaças do Executivo cedessem lugar a um perigo ainda maior, por vir de onde tem vindo – o Judiciário. Pelo País afora, juízes que parecem ter perdido a noção do valor concreto das liberdades públicas vêm tomando decisões francamente incompatíveis com o exercício do direito de informar e ser informado, como se este não precedesse todos os demais na hierarquia jurídico-legal das democracias. Tais decisões nem sempre repercutem com a devida intensidade por afetar pequenas empresas jornalísticas a distância dos principais centros metropolitanos. Nem por isso se deve desconsiderar o seu potencial de gerar perniciosos efeitos cumulativos, fomentando, no limite, uma cultura liberticida. O fato de se JOSÉ CRUZ/ABR
Em repetidos pronunciamentos, Cézar Britto, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, condenou as iniciativas e decisões inconstitucionais do MP e do Poder Judiciário.
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tratar de sentenças de primeira instância, passíveis de revogação em escalões superiores, não retira a gravidade da ameaça. Seja porque produzem conseqüências objetivas desde o primeiro momento, seja porque obrigam os atingidos a onerosas e demoradas contestações. Agora, enfim, a opinião pública nacional tem diante de si atos do Ministério Público e da magistratura que talvez só se expliquem por uma visão distorcida do trabalho da imprensa e das garantias constitucionais que o protegem. Estão aí as multas impostas por juízes eleitorais a um jornal e a uma revista – a Folha de S. Paulo e a Veja São Paulo – por terem publicado entrevistas com a pré-candidata Marta Suplicy, que configurariam propaganda antecipada. Significativamente, uma ação similar contra o Estado, por uma entrevista com o prefeito Gilberto Kassab, foi arquivada pelo Juiz Eleitoral Antonio Martin Vargas. Mas o que literalmente passou do limite foi a liminar do Juiz Substituto Ricardo Geraldo Silveira, da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo, proibindo o Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo de publicar uma reportagem sobre presumíveis irregularidades no Conselho Regional de Medicina de São Paulo-Cremesp, sob investigação do Tribunal de Contas da União. A censura prévia – não há outro termo para a decisão – evoca os anos de chumbo da ditadura militar, quando a imprensa era proibida de publicar o que não interessasse ao regime. Pior, afronta a Constituição que não só veda expressamente a censura à imprensa, como estipula que nenhuma lei poderá “constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística”. Ao conceder a liminar pedida pelo Cremesp, o Juiz intimou o Grupo Estado a “prestar esclarecimentos” em 72 horas. “Esclarecimentos sobre o quê?”, indagou-se o jurista Dalmo Dallari, da USP. “Sobre o que vai publicar? Sobre a intenção? Isso é censura. ” Antes da decisão, o Presidente do Cremesp, Henrique Carlos Gonçalves, advertiu que processaria quem divulgasse o que entende ser uma “difamação”. Está no seu direito. “O abuso (jornalístico) é punido a posteriori, jamais previamente”, atesta o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto. Espanta que a esta altura da história brasileira ainda seja necessário chamar a atenção para essa verdade elementar, consagrada nas leis e na jurisprudência. Ou para a amarga observação do Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, segundo o qual ‘o grande inimigo da imprensa hoje é o Poder Judiciário’.” Editorial principal da seção Notas & Informações de O Estado de S. Paulo, edição de 26 de junho de 2008, página 3. O título é da publicação original.
AYRES BRITTO REPÕE O TSE NO CAMINHO DA CONSTITUIÇÃO Sob a liderança de seu Presidente, o Tribunal alterou a resolução em que o Ministério Público e a Justiça Eleitoral se baseavam para impor a rolha a jornais e revistas. Restabeleceu-se assim, nesse campo, o império da Constituição.
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rovocado por seu Presidente, Ministro Carlos Ayres Britto, que é também ministro do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral revogou em sessão realizada em 26 de junho o artigo 24 da Resolução nº 22.718 do TSE, no qual procuradores eleitorais e a Justiça Eleitoral se baseavam para impor a rolha aos jornais e revistas que publicaram entrevistas com possiveis candidatos ao cargo de prefeito de São Paulo, punindo-os com pesadas multas — R$ 21.282, valor das sanções impostas à Folha de S. Paulo, à Editora Abril, por matéria da revista Veja São Paulo, e ao Estado de S. Paulo. Também os pretendentes a candidatos a prefeito Marta Suplicy, do PT, e Gilberto Kassab, do Dem, atual prefeito, foram punidos com multa por terem concedido a esses órgãos entrevistas que o Ministério Púublico e a Justiça Eleitoral consideraram propaganda eleitoral antecipada. Marta foi condenada a pagar R$ 42.564; Kassab, R$ 21.282. A decisão do TSE seguiu-se à onda de protestos gerada pelos pronunciamentos do Ministério Público e pelas decisões de juízes eleitorais, condenadas pelas empresas punidas, pelas associações de imprensa, entre as quais a ABI, a Associação Nacional de Jornais-ANJ e a Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e até por uma instituição de membros do Ministério Público, o Movimento do Ministério Público Democrático, cujo Presidente, Roberto Livianu, Promotor de Justiça em São Paulo, afirmou em declaração formal da entidade que tais decisões configuram “clara violação a direitos fundamentsais assegurados pela Constituição do Brasil”. Antes mesmo da sessão do TSE, o Ministro Ayres Britto definiu a linha do pronunciamento que o Tribunal adotaria. Partiu dele a proposta de alteração da Resolução nº 22.718, a qual foi aprovada pelo plenário por seis votos a um. Nos dias que antecederam a reunião, Ayres Britto manifestou em repetidas entrevistas a veículos de comunicação sua opinião quanto à inconstitucionalidade das decisões da Justiça Eleitoral de São Paulo. Uma delas foi concedida ao jornalista Felipe Redondo, da Agên-
cia Estado, e reproduzida com destaque pelo Jornal do Commercio do Rio em sua edição de 20 a 22 de junho e balizou o pronunciamento do TSE. Foi esta a entrevista: Como o Senhor analisa essa situação, esses processos? Ayres Britto – A Constituição distingue duas mídias: a mídia impressa e a mídia representada por rádio e televisão. Para a radiodifusão, o regime jurídico é uniforme. Para a outra mídia, não, a Constituição é mais generosa. Por quê? Porque jornal não é concessão, permissão ou autorização. É diferente de rádio e de tv. Nesse sentido, esses processos não seriam abusivos? Ayres Britto – Como há uma resolução possibilitando a entrevista com pré-candidato, porém com uma ressalva, que é de que não se faça propaganda ou divulgue propostas, eu tenho sérias dúvidas quanto à sua constitucionalidade. Por isso, na primeira oportunidade que tiver, levarei à Corte esse meu questionamento. Eu entendo que ela se contrapõe à Constituição. Quando o Senhor deve fazer isso? Ayres Britto – Na próxima terçafeira, se houver um processo tramitando, posso antecipar essa discussão, antes que esses processos (contra o Estado de S. Paulo, a Folha e a Veja) venham de São Paulo. Então a resolução pode ser alterada? Ayres Britto – Pode. Ou pode ser revogada. Nós podemos considerá-la contrária à Constituição. O que os jornais podem fazer afinal? Ayres Britto – Nada proíbe a entrevista, contanto que o conteúdo não resvale para uma clara propaganda eleitoral. Ao fazer isso, estou homenageando a resolução. Porém, na primeira oportunidade vou questionar perante a Corte a constitucionalidade dessa resolução.
A proibição de entrevistas se contrapõe à Constituição, disse Ayres Britto, Presidente do TSE.
Movimento do MP reage ao “obscurantismo jurídico” Declaração da entidade defende o direito de entrevista, a qualquer tempo. Na declaração que emitiu quando fervia a discussão sobre a liberdade de informação no período pré-eleitoral, o Movimento do Ministério Público Democrático sustentou que “os jornais e revistas não precisam pedir a ninguém e podem, e devem, a qualquer tempo, antes, durante depois de eleições, entrevistar pessoas, candidatas ou não”. A declaração tem o seguinte teor: “O Movimento do MInistério Público Democrático, organização não-governamental de fins não econômicos, que reúne promotores e procuradores de todo o País, por sua diretoria vem tornar público seu entendimento de que a recente condenação pela Justiça Eleitoral de veículos de mídia escrita ao pagamento de multas por publicar entrevistas de pré-candidata à prefeitura de São Paulo configura clara violação a direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República do Brasil. Nós, que já em nosso estatuto defendemos e lutamos pelo “respeito absoluto e incondicional aos valores políticojurídicos próprios de um Estado Democrático de Direito”, entendemos que o
direito a informação, consagrado expressamente no art. 5°, XIV da Constituição Federal, é um dos pilares deste Estado Democrático de Direito no Brasil e sua negação implica em obscurantismo jurídico e contribui para o agravamento do quadro de falta de consciência de cada brasileiro e brasileira a respeito daqueles que postulam cargos eletivos, dificultando-se o exercício de seu direito ao voto de forma consciente. As restrições previstas na Lei Federal n° 9.504/97 são precisamente dirigidas a ações de propaganda eleitoral e ao uso indevido de televisão e rádio, sabidamente concessões públicas. Os jornais e revistas não precisam pedir a ninguém e podem, e devem, a qualquer tempo, antes, durante e depois de eleições, entrevistar pessoas, candidatas ou não. Quando assim procedem, contribuem para o fortalecimento da cidadania brasileira e dão vida ao direito fundamental à informação. (a) Roberto Levianu, Promotor de Justiça em São Paulo e Presidente do Movimento do Ministério Público Democrático.” Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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O TERROR DA MILÍCIA QUE SEQÜESTRA E TORTURA A audácia impiedosa de grupo criminoso aprisiona e submete a sevícias equipe de reportagem de O Dia para manter intocado seu domínio sobre uma comunidade popular.
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caso mais grave de violação da liberdade de informação teve como vítimas uma repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal O Dia, aprisionados no chamado Bairro Batã, comunidade popular do subúrbio de Realengo, na Zona Oeste do Rio, mantidos em cárcere privado e submetidos a sevícias depois que um grupo criminoso lá instalado descobriu que a jornalista passara a morar no local, sem revelar sua identidade, com o objetivo de conhecer a extensão do domínio dos bandidos sobre a população e denunciar suas práticas. O seqüestro dos três aconteceu na noite de 14 de maio e foi seguido de sete horas de ameaças, violências e torturas e só não culminou em assassinato dos prisioneiros porque o grupo criminoso, constituído por policiais e ex-policiais, bombeiros e ex-bombeiros e outros bandidos, avaliou as conseqüências que uma violência maior poderia gerar, em razão da importância de um jornal como O Dia e, também, do precedente da condenação dos assassinos do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, em outra comunidade popular, a Vila Cruzeiro, há seis anos. Depois de garantir a segurança e a assistência física e psicológica de seus funcionários, cujos nomes não foram revelados para evitar outras violências contra eles e suas famílias, e de denunciar o episódio às autoridades de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, O Dia fez no dia 1 de junho – por sinal o Dia da Imprensa – uma edição histórica, em que relatou as agressões sofridas pela equipe e expôs com coragem, em página inteira do caderno especial Política do terror, um mapa sob o título O domínio do poder para-
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O Dia denunciou o seqüestro num caderno feito com competência jornalística e coragem política.
lelo, no qual listou e assinalou as comunidades populares dominadas por esses bandos criminosos. Em destacada manchete interna da página 5 desse caderno, O Dia fez revelações estarrecedoras: Milícias já comandam 78 comunidades do Rio. Em reportagem sob o título Ditadura da banda podre, O Dia reproduziu as informações levantadas por sua repórter durante os 14 dias em que viveu na comunidade, até ser descoberta, seqüestrada e submetida a sevícias. Ela contou: “A regra ditada pela milícia do Batan (grafia usada pelo jornal) diz que toda locação de imóvel deve ser precedida de análise rigorosa do morador interessado pela associação, dominada pelo grupo criminoso. O principal terror da milícia é a invasão da comunidade pela ADA, facção que dominava a favela antes dos policiais da banda podre. Aspectos da vida íntima ou da comunidade são da competência dos milicianos. O prefeito local é um sujeito franzino que só anda de touca ninja na comunidade. Conhecido como ‘01’, ele reveza carros em seus ‘policiamentos’ na favela. Está jurado de morte pela ADA. Costuma amedrontar os moradores posando com sua máscara e arma na cintura na padaria que funciona como ponto de observação dos milicianos, no Largo do Chuveirão. Os criminosos se organizam em turnos para distribuir a função de acordo com o trabalho do policial. Os milicianos fardados formam o primeiro escalão do grupo criminoso mas recrutam moradores com talento bélico para atuar como sentinelas na proteção de áreas que consideram vulneráveis. A mais frágil no Batan é o morro. Os milicianos já avisaram que pretendem instalar cancelas e portões nas vias de entrada da área.”
O calvário dos seqüestrados, passo a passo O Dia relatou passo a passo, no caderno Política do terror, o calvário a que foram submetidos a repórter, o fotógrafo e o motorista depois que foram descobertos, aprisionados e seviciados pelos bandidos. É este o texto desse documento impressionante acerca do poder paralelo dos criminosos na cidade do Rio, mantido o destaque gráfico de O Dia no começo de cada parágrafo. “A NOITE DO DIA 14 de maio não terminou para a equipe de O Dia que fazia reportagem especial na Favela do Batan, Zona Oeste. Repórter e fotógrafo completavam 14 dias vivendo no local e a ansiedade natural do grupo – que sabia estar em território inimigo e tomava todos os cuidados para não chamar atenção – deu lugar a um desconfiado otimismo, depois que moradores da favela convidaram parte da equipe para uma cerveja no Largo do Chuveirão. Fotógrafo e motorista, que havia se unido ao grupo, aceitaram o convite. A repórter ficou em casa, para não desobedecer a velada ordem da favela, que lança olhares de reprovação a mulheres desfrutadoras da noite. A LEI LOCAL, paralela como toda estrutura de comércio e serviços na região, também definiu fim violento para o trabalho da equipe do jornal na comunidade. No Largo do Chuveirão, local de maior concentação da favela, uma emboscada à vista. Fotógrafo e motorista, que imaginavam estar apenas indo para uma festa, acabaram conhecendo o inferno: foram rendidos por 10 homens armados, usando touca ninja para cobrir o rosto. Mas outras coisas os bandidos não faziam questão de esconder: um dos carros usados no seqüestro foi o Polo vermelho placa KPB 4592, veículo de “policiamento” da milícia local. Sim, eram policiais e faziam questão de ressaltar isso.
OS BANDIDOS que usam farda nas horas vagas algemaram os dois integrantes da equipe e os mostraram a cerca de 30 moradores, que, assustados, saíram de suas casas para ver quem seriam as próximas vítimas dos neoditadores. Os criminosos tentaram obrigar a população a linchar a equipe, não queriam sujar as mãos de sangue, mas não foram atendidos e acabaram seguindo com a dupla e um morador que os acompanhava até a casa que havia sido alugada pela equipe, na Rua Alfredo Henrique, uma das principais da favela. O RELÓGIO havia acabado de passar das 21h quando a campainha das casas semigeminadas do endereço tocou. Do lado de dentro, a repórter imaginou que eram seus companheiros. Do lado de fora, sete homens armados e com toucas ninjas esperavam, prontos para um novo ato de covardia. Ao abrir a porta, a jornalista foi rendida com arma na cabeça. Os bandidos, mais uma vez, não esconderam sua função original e deram voz de prisão, como se fossem policiais exercendo a lei. “Você é do jornal O Dia e está presa por falsidade ideológica”, disse o mascarado conhecido como Zero Um, sujeito franzino que lidera a milícia local. RENDIDA, a repórter sentou com a cara na parede, enquanto dois homens começavam a sessão de tortura que só acabaria dali a mais de sete horas. Chutes, socos, gritos e ameaças abriram caminho para o terror que iria enfrentar: submetida e subjugada à violência do bando, a jornalista viu uma arma ser encostada à sua cabeça para, em seguida, um marginal rodar a caixa de bala e acionar o gatilho duas vezes em uma roleta-russa impiedosa. Enquanto isso, outros cinco bandidos reviravam a casa atrás de câmaras escondidas ou escu-
rem cocaína e vamos jogar vocês cheios de droga no Fumacê para que os traficantes cuidem de vocês”. O CARRO percorreu longo caminho e deu volta em um largo próximo a um motel. Foram buscar “a chave” do local usado para a tortura. Durante o caminho, esfregavam as armas nos rostos das vítimas e descreviam uma futura morte trágica para a equipe. OS CRIMINOSOS conversavam pelo rádio todo o tempo. Um carro seguia na frente, fazendo o que chamavam de “varredura” do terreno. Só depois do OK o automóvel de trás seguia. Após meia hora, o cativeiro. O chão úmido de cimento grosso foi o destino dos quatro depois de uma sucessão de soA condenação dos matadores de Tim Lopes (foto) cos, chutes e tapas. Apesar de salvou da morte a equipe de O Dia. a equipe de O Dia tentar informar que o moradsor da favela tas. Nada encontraram, mas saqueamada sabia sobre a identidade do gruram pertences e dinheiro da equipe. po, ele também foi espancado. SOZINHA e apavorada, a repórter ainda seria vítima de novas barbáries: teve a cabeça enfiada numa sacola plástica e foi obrigada a descer as escadarias da casa alugada até chegar ao carro, onde já estavam algemados o fotógrafo, o motorista e um morador da favela que os acompanhara à festa. OS MILICIANOS tentaram enfiar um integrante da equipe na mala do carro, mas desistiram, pois o veículo tinha kit-gás. Algemados e feridos, os quatro seguiram amontoados no banco de trás do carro da reportagem até o cativeiro. No caminho, mais ameaças: “Nós vamos fazer vocês cheira-
OS AGRESSORES controlavam a voz temendo chamar a atenção da vizinhança. Durante a tortura era possível ouvir alguém tocando clarinete nas redondezas. Uma rádio evangélica foi sintonizada para abafar o barulho do espancamento. A EXECUÇÃO do grupo seria decidida por um “coronel” que estava a caminho. Os espancamentos eram entremeados por longos discursos. Na ideologia torta dos bandidos, a presença na comunidade colocava em risco um relevante projeto. “Existem muitos policiais corruptos, mas nós não somos corruptos. A gente se mata de trabalhar
ZEROS À DIREITA O chefe da milícia Odinei Fernando da Silva (à esquerda) age sob o código 01. Seu assecla Davi é o 02.
CARLO WREDE/O DIA
ALEXANDRE BRUM/O DIA
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aqui, leva tiro de vagabundo para vocês chegarem e estragar o projeto social que estamos fazendo. Nós não somos bandidos”, discursava um dos milicianos com voz distorcida e inspiração nazista. A repórter perguntava: “Se vocês não são bandidos, por que estão fazendo isso?”. A resposta dos sequestradores não vinha em palavras, mas sim em socos e tapas.
Uma ação marcada pela impiedade, desrespeito à lei e sensação de impunidade
O ‘CORONEL’ chegou. Coturnos e uma calça azul da PM estavam no ambiente. Também se falava na presença de um “comandante”. Mais torturadores os acompanhavam. Um deles soltou sem querer uma frase mostrando que conhecia a equipe do jornal de outro ponto da favela. Nesse momento, a casa tinha pelo menos 20 homens. Seriam os algozes da longa sessão de horror imposta. A covardia atingiu níveis sobre-humanos. Como nos porões das ditaduras mais sombrias, choques elétricos e sufocamentos com sacos plásticos passsaram a ser aplicados até o limite do desfalecimento. Para acordar as vítimas, socos e pontapés. Para deixar o grupo ainda mais apavorado, eles foram levados para quartos separados.”
A ABI reagiu com indignação à violência da milícia.
A TORTURA também era psicológica, com os milicianos revelando detalhes sobre a vida pessoal dos reféns. Extenuados, repórter e fotógrafo foram obrigados a fornecer senhas de e-mails para que fosse feita uma varredura no que havia sido passado para a redação. A DESCOBERTA dos relatórios enviados para o jornal fez com que os agressores redobrassem o castigo. Ali, eles souberam que tinham sido realmente identificados: textos e fotos mostravam viaturas oficiais do BPVE (Batalhão de Policiamento de Vias Especiais) circulando livremente na favela com policiais à paisana... As agressões físicas e psicológicas chegaram a níveis extremos, inclusive com ameaças de morte cada vez mais constantes. O DESTINO da equipe só foi decidido aproximadamente às 4h, quando os seqüestradores, tal como juízes, anunciaram o veredicto: iriam libertar as vítimas. Não sem antes roubar celulares e dinheiro do grupo, agindo como reles vagabundos de rua. Às 4h30, finalmente, a equipe foi solta na Avenida Brasil. MACHUCADAS, humilhadas e apavoradas, as vítimas não arriscaram procurar uma delegacia para registrar queixa ou fazer corpo de delito. Havia o medo latente de que outros policiais estivessem envolvidos com o bando do Batan. Não era possível, naquele momento, saber quem estava ao lado de quem. Era o início de uma nova vida para os envolvidos. Por um lado, o alívio por estarem vivos. Por outro, com a dor e o terror marcados na memória. 10
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Assim que tomou conhecimento, no sábado 31 de maio, logo após a circulação da edição dominical de O Dia que noticiou o episódio do seqüestro e tortura da equipe do jornal, a ABI reclamou das autoridades do Governo do Estado do Rio a realização de investigações para apurar as violências e ameaças de que foram vítimas um repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal que realizavam uma reportagem sobre a ação de milícias paramilitares no chamado Bairro Batã, comunidade popular da Zona Oeste da capital fluminense. Por medida de segurança e a conselho das autoridades policiais, o jornal não divulgou o nome das três vítimas do seqüestro. Em vigorosa declaração, disse a ABI: “A Associação Brasileira de Imprensa recebeu com forte sentimento de indignação a notícia do seqüestro e das torturas e ameaças infligidas a uma equipe de reportagem do jornal O Dia, do Rio de Janeiro, e ao motorista que a transportava por integrantes de milícias enraizadas em uma comunidade da Zona Oeste da capital fluminense, os quais tiveram um comportamento marcado pela impiedade, pelo desrespeito à lei a que são obrigados e pela sensação de impunidade que os estimula a se manter na senda do crime. Considera a ABI que o fato se reveste de extraordinária gravidade, LÉO CORRÊA/O DIA
sobretudo porque sua divulgação se faz na edição de O Dia com data de 1º de junho, que é celebrado por força de lei federal como o Dia da Imprensa. É contristador verificar, mais uma vez, que o exercício de sua relevante atividade profissional e missão social pelos jornalistas se faça ainda com pesados riscos e padecimentos, como os enfrentados e vividos por esses dois jornalistas e pelo motorista que os acompanhava. É igualmente triste que esse episódio se torne público na véspera do dia do sexto ano da morte do jornalista Tim Lopes, repórter da Rede Globo torturado e morto por traficantes no dia 2 de junho de 2002, num sinal de que não se modificaram as condições que conduziram à imolação desse inesquecível companheiro. Entende a ABI que essa inominável violência deve ensejar resposta imediata e vigorosa do Governo do Estado do Rio de Janeiro, cuja Secretaria de Segurança Pública precisa realizar com abrangência e profundidade investigações que conduzam à identificação dos autores dessa intolerável agressão à liberdade de imprensa e de informação, para destituí-los do poder que acintosa e desdenhosamente exibem e submetê-los a processo penal, para expiação dos vários crimes que praticaram. A ABI postula nesse particular uma manifestação expressa do Se-
nhor Governador Sérgio Cabral de condenação do episódio e de garantia de que as investigações não se perderão no desinteresse das autoridades policiais incumbidas de realizá-las e principalmente da cúpula da Secretaria de Estado de Segurança Pública, que precisa desde logo informar à sociedade as providências que já venha adotando com esse fim. A ABI dirige uma exortação aos sindicatos de jornalistas e às demais entidades representativas da comunidade jornalística e das empresas de comunicação, assim como a outras instituições da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro, para que manifestem ao Senhor Governador do Estado sua preocupação em relação ao risco de que as investigações ora reclamadas sejam marcadas pela ineficácia, deficiência comum quando os agentes do crime são integrantes do aparelho policial. Por fim, mas não menos importante, a ABI expressa sua palavra de conforto e solidariedade aos dois jornalistas e ao motorista da equipe seqüestrados e à corporação de O Dia, que não tem esmorecido no esforço para exercer bem o direito de informar e, assim, honrar a confiança de seus leitores. Rio de Janeiro, 31 de maio de 2008. (a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI.” UM MOVIMENTO DE DEFESA DO VOTO LIVRE Diante das denúncias de que milícias criminosas pretendem eleger candidatos por elas escolhidos e vedam o acesso de outros concorrentes às comunidades populares, o TRE do Estado do Rio decidiu desfechar uma ofensiva contra esse poder paralelo e estimular o voto livre, sem medo, das pessoas comuns.
Governador repudia atentado De Atenas, Sérgio Cabral Filho manda “rechaço absoluto”. JOSÉ CRUZ/ABR
Correspondentes solidários A ABI recebeu também mensagem de solidariedade à equipe de O Dia firmada pela Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil-Acie, que, por sua Vice-Presidente, Alicia Martinez Pardies, classificou o seqüestro e tortura dos jornalistas de “crime intolerável”. Diz a mensagem da Acie: “A Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil manifesta a sua solidariedade com os colegas do jornal O Dia que sofreram um crime intolerável no exercício da nossa profissão. Diante dos fatos de tortura sofridos pelos colegas do jornal O Dia e a confirmação oficial de participação de policiais militares nas torturas aos jornalistas, a Acie quer defender mais uma vez a liberdade de expressão e divulgação das informações da realidade brasileira à sociedade local e internacional. (a) Alicia Martinez Pardies, 2º VicePresidente.”
Cabral Filho estava em Atenas quando recebeu a notícia do seqüestro. Na volta, assegurou que a investigação será eficiente.
A OAB-RJ promove protesto Indignada com o seqüestro da equipe de O Dia, a Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro promoveu no dia 6 de junho um ato de protesto e repúdio à ação de milícias que atuam em mais de 70 comunidades carentes do Rio de Janeiro. Presente no ato, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, classificou como “um seqüestro dos direitos humanos” o rapto e tortura da equipe do jornal O Dia que estava infiltrada na Favela do Batã, em Realengo, fazendo uma reportagem sobre a milícia que comandava a região: — Se nós não combatermos de maneira correta, profunda, com toda a força que o Estado tem, vamos desconstituir o projeto democrático brasileiro, que foi arduamente conquistado. Por isso, eu estou neste ato, que não é apenas em defesa da liberdade de imprensa: é em defesa da democracia — disse o Ministro. O evento contou também com a presença do Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, do Desembargador Siro Darlan e do Deputado estadual Marcelo Freixo (P-Sol), que deverá presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias, constituída pela Assembléia Legislativa do Estado para apurar a extensão da ação desses grupos criminosos.
MARCELLOCASAL JR/ABR
Em mensagem enviada no dia 3 de junho de Atenas, onde se encontrava para acompanhar a escolha dos finalistas da disputa para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, que seria decidida no dia seguinte, o Governador Sérgio Cabral declarou à ABI que recebe com “rechaço absoluto” violências como as infligidas à equipe de reportagem de O Dia por milícias paramilitares, contra as quais seu Governo “vem empreendendo um trabalho duro de combate”. O Governador respondeu ao e-mail que a ABI lhe enviara na noite de domingo, dia 1, reclamando investigações imediatas e rigorosas para a identificação dos sequestradores e sua prisão. “Assim que fui comunicado do fato pela alta direção do jornal O Dia” — disse o Governador em e-mail dirigido ao Presidente da ABI —, “pus o Secretário de Segurança e sua equipe com prioridade no caso. Caso gravíssimo, que, caro Presidente, tem em mim rechaço absoluto pelo que significa de atentado à democracia e à liberdade de expressão. Nosso Governo vem empreendendo um trabalho duro de combate às forças milicianas que, como o tráfico de drogas, se fortaleceram nos últimos anos pelo desmantelamento do Estado e de sua eficácia. De qualquer modo, o Governador em exercício Luiz Fernando Pezão e o Secretário Mariano estão à disposição da ABI, entidade a que me orgulho de pertencer, e de Vossa Senhoria, meu Presidente. Atenciosamente (a) Sérgio Cabral.”
Milícias e tráfico estão integrados, disse o Ministro Tarso Genro.
Tarso Genro falou da necessidade de um plano nacional para desarticular os bandidos que atuam em comunidades carentes. Ele informou que já existem milícias em outros Estados do País: — O indicativo desse plano nacional está dado pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania-Pronasci, com recursos que já estão à disposição dos Estados. É tão importante combater as milícias quanto o tráfico. Na raiz, esses dois movimentos estão integrados. Tanto o Ministro Tarso Genro quanto Wadih Damous consideraram insu-
ficientes os resultados da investigação policial até então realizada, para apurar o seqüestro e tortura sofridos pela equipe de O Dia na Favela do Batã. O Presidente da OAB/RJ cobrou uma ação mais efetiva do Estado no combate às milícias: — Exigimos das autoridades da segurança pública saber quem são e quais foram os agentes públicos que participaram desse episódio bárbaro. Não podemos aceitar que o trabalho da imprensa seja vítima da selvageria. O Presidente da ABI disse que a entidade já havia se manifestado publicamente a favor dos profissionais de O Dia, cobrando providências imediatas do Governo do Rio para a elucidação do caso: — A ABI manifestou em nota pública a sua solidariedade aos repórteres e ao jornal e expôs sua exigência de que o Governo do Estado promova as investigações necessárias para a identificação e prisão desses criminosos, que constituem um grave perigo para o Estado Democrático de Direito. O envolvimento de parlamentares com as milícias também foi abordado durante o ato. O Presidente do Sindicato dos Advogados do Rio, Sérgio Batalha, disse que o crime organizado não existe apenas no morro: — O problema está dentro da Polícia, do Legislativo, como estamos vendo, e até no Executivo. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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Milícia também em SP, a soldo de camelôs A cinegrafista Verônica Aparecida Calisto Bernasconi, o motorista Rogério da Silva Corte Real e a estagiária Amanda Souza Lima da TV Câmara São Paulo foram vítimas no dia 7 de junho, um sábado, da milícia contratada pelos camelôs que atuam no Brás, na capital paulista. A equipe estava colhendo imagens para uma reportagem sobre o aniversário de 190 anos do bairro, na esquina das Ruas Maria Marcolina e Oriente. Por volta das 15h, um homem aparentando 40 anos aproximou-se da equipe e, aos berros, tentou impedir o trabalho. Alterado, ele quis impedir a gravação de imagens. Depois de várias ameaças, um grupo de ambulantes cercou a equipe e, após muita intimidação, derrubou o equipamento e espancou a cinegrafista, que sofreu pequenas escoriações. O caso foi registrado no 12º Distrito Policial, no bairro do Pari, mas não gerou qualquer investigação. A TV Câmara denunciou a violência em contundente declaração: “A TV Câmara São Paulo repudia qualquer tentativa de impedir o trabalho da imprensa. Em todo o mundo, representantes da imprensa vêm sendo assassinados, mutilados, detidos ou mesmo tomados como reféns, como aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, pelo fato de exercerem o direito de informar. É trágico e inaceitável que o número de Jornalistas mortos ou agredidos no cumprimento do dever tenha se tornado barômetro da liberdade de imprensa. É trágico que um grupo que desconhece os limites da Lei crie milícia para proteger um trabalho ilegal. É inaceitável saber que democracia e a liberdade de expressão ainda sejam vítimas de grupos organizados que, refugiados por atos senis, tentem calar o trabalho da imprensa. A equipe de profissionais da TV Câmara São Paulo estava exercendo seu livre direito de trabalhar, num local público, numa cidade livre, de um país que a duras penas conquistou a democracia. É lamentável admitir que exista uma cidade paralela, um poder paralelo, bandidos travestidos de seguranças, que querem através da força e da coerção fazer valer um direito que não é deles, e sim de todo cidadão honesto e trabalhador, que não pode e nem deve se calar diante de tanta ignorância e truculência.” 12
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UM ARTIGO DE VILLAS-BÔAS CORRÊA
Não há ditadura com imprensa livre Para apurar se o governo de um país é democrático, basta passar os olhos nos jornais e no noticiário do rádio e da tv. Com o lançamento do primeiro volume do Jornal da ABI – talvez o ponto alto da muitas solenidades do caprichado programa de comemoração do centenário da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI da sigla perfeita – com as 82 páginas com artigos, reportagens, matérias e depoimentos assinados por escritores e jornalistas do primeiro time, o tema central, obsessivo e celebrado, é o da intransigente defesa da liberdade de imprensa ao longo de uma história que passa pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, e os 21 anos da ditadura militar do rodízio dos cinco generais presidentes. Isto para ficar na dupla de apagões mais recente. No irretocável artigo de abertura, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, afinado na justa euforia pelo reconhecimento unânime da sua exemplar administração que conseguiu o milagre de atrair os jornalistas para a freqüência regular à Casa que é da classe e do Brasil, destaca a sua convicção de que a instituição defendeu a liberdade de imprensa, “bem essencial à vida democrática”. O reconhecimento universal de que a imprensa livre da humilhação da censura é dos inalienáveis princípios da democracia e um truísmo que reclama análise que destaque a excepcionalidade que se pode resumir no enunciado da sentença definitiva: é impossível a coexistência da ditadura com a liberdade de imprensa. Parece obviedade que dispensa o registro. Não é bem assim. Com o Congresso, para ficar no exemplo mais chocante, as
ditaduras pintam e bordam, impondo os vexames que foram uma das rotinas da ditadura militar: o recesso punitivo, as levas de cassações de mandatos para remendar a maioria para manipular a eleição indireta de governadores pelas assembléias legislativas com a faca no gogó – tanto que nenhuma rejeitou os candidatos impostos na marra; a mais recente criação dos senadores de garupa, eleitos sem um único voto, na anca dos candidatos para valer, em geral parentes ou financiadores da campanha, serão 20 em 81, 25%, um quarto do pobre Senado da decadência; a extinção dos partidos pelo AI-2, de 27 de outubro de 1965, editado pelo General Presidente Castelo Branco para a imposição do bipartidarismo de opereta e, como gorjeta, os muitos pitos e
constrangimentos impostos aos parlamentares que apoiavam a ditadura, nas horas de espera nos gabinetes para a choradeira de liberação de verbas para Estados e Municípios. O Poder Judiciário pagou a sua cota de desfeitas com a aposentadoria punitiva de ministros do Supremo Tribunal Federal. A imprensa censurada, tanto a submissa como os raros e honrosos casos de resistência, de que são exemplos o Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Diário de Notícias e poucos mais, sobreviveu, aceitando os cortes dos censores e as ordens por telefone. Não era a imprensa. Mas a sua caricatura, a sua negação, a fantasia do mascarado saracoteando nas ruas. Para o teste definitivo para apurar se o governo de um país é democrático ou um dos muitos disfarces da ditadura basta passar os olhos nos jornais, revistas, acompanhar o noticiário nas redes de tv ou emissoras de rádio. Nem é preciso constranger o eventual informante. Porque a ditadura gosta muito de falar em povo, mas é sempre apoiada pelos ricos e generosos financiadores do sistema de repressão. E exala uma catinga que se percebe a distância. O olhar atento no comportamento da população decifra a alma do país. A face contraída pelo medo, a dissimulação diante de qualquer pergunta com duplo sentido, denuncia a ditadura. Pois a ditadura cheira a sangue. E fede. Publicado originalmente no Jornal do Brasil e em A Voz da Serra, de Nova Friburgo, RJ.
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Liberdade de imprensa
TV PÚBLICA TIRA DIREITO DO AR Programa transmitido há dez anos era produzido pela OAB-RJ, que recebeu a medida como uma manifestação de censura. No ar desde agosto de 1998, o programa Direito em debate foi retirado da grade de programação da TV Brasil no dia 5 de junho, sem que a produção tivesse sido informada previamente da decisão. O programa era transmitido há dez anos pela antiga TV Educativa do Rio de Janeiro, atual TV Brasil, ao vivo, toda quinta-feira, às 22h40min, com apresentação de José Fernandes Jr e Christiane Vianna e discussão de temas como aborto, erros médicos, investigação de paternidade, pedofilia, testamentos e inventários, planos de saúde, crimes raciais, Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente. Direito em debate era patrocinado pela Ordem dos Advogados do BrasilSeção do Estado do Rio de Janeiro e, segundo o Coordenador de Comunicação da OAB, Cid Benjamim, há possibilidade de seu retorno ao ar em breve, o que também não foi descartado pelo Gerente de Comunicação da TV Brasil, Paulo Carneiro. Este informou que a emissora está promovendo uma reformulação na sua grade de programação e poderia adotar uma decisão em relação ao programa. O diretor e apresentador do programa, José Fernandes Júnior, disse que a equipe foi surpreendida pela forma
como a atração foi retirada do ar sem qualquer aviso prévio: — Nós todos ficamos muito chateados com a forma como tudo aconteceu. Direito em debate está completando dez anos ao vivo, sempre trazendo à luz temas importantes para a sociedade brasileira. Não compreendemos como uma tv pública pode considerar de algum modo que nosso programa não seja adequado ao perfil da emissora. Fernandes Júnior disse que, se a justificativa fosse de ordem técnica ou operacional, isso poderia ser contornado. Acrescentou que o programa vinha sendo recomendado por todas as instituições que promovem a cidadania. Sobre as reformulações que a nova TV Brasil vem fazendo, Fernandes Júnior diz: — Sabemos que todos os contratos que existiam com a antiga TV-E estavam sendo rescindidos, mas nos foi dito pelas pessoas com quem tínhamos contato oficial na emissora que o programa não corria riscos. Direito em debate foi agraciado em agosto de 2006 com a Medalha Tiradentes, a maior honraria do Estado do Rio de Janeiro. A proposta, de iniciativa da então Deputada Jurema Batista (PT), foi aprovada por unanimidade pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio, que instituiu a distinção.
Decisão foi política, diz Wadih Damous
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mantido pela OAB-RJ, há quase dez anos, na antiga TVE, hoje TV Brasil, foi retirado do ar pela emissora desde o último dia 5 deste mês por razões políticas. O Direito em debate completaria dez anos de existência em agosto e era transmitido em rede nacional. Nele, temas de interesse da sociedade e relacionados com o Direito eram discutidos por especialistas de forma acessível ao grande público. Apesar de a TV Brasil ter marcado e desmarcado três reuniões agendadas com a OAB-RJ, para apresentar explicações sobre o fim do programa, sabemos por fontes seguras — ainda que extra-oficiais — que ele foi extinto por ser transmitido ao vivo e a TV Brasil não escolher, ela própria, os debatedores. Lamentamos profundamente o fim de um programa que era um dos poucos espaços de discussão dos problemas do País numa tv aberta. E registramos o temor de que uma boa idéia — o projeto de TV pública — esteja sendo comprometida por uma visão mesquinha e antidemocrática. (a) Wadih Damous, Presidente da OAB-RJ.”
Tribunal de Justiça de São Paulo manda o Grupo Folha da Manhã pagar R$ 200 mil de indenização a vítima do noticiário falso. O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Grupo Folha da Manhã no caso da Escola Base. Para o TJ, a Folha da Tarde usou uma manchete escandalosa e sensacionalista, que extrapolou a liberdade de informar e não resguardou a honra moral de uma criança de quatro anos. A empresa terá de pagar indenização de R$ 200 mil para o jovem, hoje com 18 anos, apontado pelo jornal como vítima de abuso sexual cometido pelos próprios pais. Com base em informações repassadas pelo delegado que conduzia o inquérito policial na época, e a partir dos depoimentos de duas mães de alunos, em março de 1994, o jornal Folha da Tarde, assim como outros veículos de comunicação, noticiou que seis pessoas estavam envolvidas no abuso sexual de crianças numa escola de educação infantil, localizada no bairro da Aclimação. O jornal estampou a seguinte manchete na primeira página: Perua escolar carregava as crianças para a orgia. A empresa Folha da Manhã sustentou que a manchete se limitou a reproduzir as informações oficiais, tomando todo o cuidado para evitar prejulgamentos ou especulações de ordem subjetiva, e que não existiria prova de dano moral. Mas
a Justiça entendeu de forma contrária. Outras empresas de comunicação já foram condenadas pelas notícias divulgadas na época, que resultaram no fechamento da escola e na prisão e no julgamento público de inocentes. A Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo foram condenados a pagar R$ 750 mil; a Rede Globo, R$ 1,35 milhão; e a Editora Três, responsável pela publicação da revista IstoÉ, R$ 360 mil. Na área cível, várias ações foram propostas. A primeira delas, contra o Estado, para pedir indenização por danos morais e materiais. Em 1996, o Juiz Luís Paulo Aliende mandou o Governo paulista pagar cem salários mínimos — R$ 30 mil em valores atuais — ao casal proprietário da escola e ao motorista Maurício Alvarenga. O advogado Kalil Rocha Abdalla considerou o valor baixo e recorreu, reclamando 25 mil salários mínimos. O TJ paulista julgou o recurso e fixou o valor de R$ 100 mil para cada um, por danos morais, e uma quantia a ser calculada para ressarcir os danos materiais. Pela decisão, a professora Maria Aparecida Shimada iria receber, ainda, uma pensão vitalícia por ter sido obrigada a abandonar a profissão.
Juíza do Paraná derruba a censura prévia a Requião A Justiça Federal do Paraná decidiu extinguir a ação judicial que impunha censura prévia ao Governador Roberto Requião (foto) na programação da Rádio e TV Paraná Educativa. A sentença foi proferida em 30 de maio pela Juíza Tani Maria Wurster e publicada no dia 4 de junho. A Juíza deferiu petição da Procuradoria-Geral do Estado e considerou a Justiça Federal incompetente para analisar a ação, julgando “extinto, sem resolução do mérito”, o pedido de censura prévia a Requião feito pelo Ministério Público Federal. O Governador foi informado da decisão, também em 4 de junho, pelo Procurador-Geral do Paraná, Carlos Frederico Marés. A censura ao Governador merecera manifestações de repúdio da ABI; do Senador Pedro Simon (PMDB-RS); do jornalista e escritor Frei Betto; do Coordenador Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-TerraMST, João Pedro Stédile; do Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade; do Arcebispo de São José dos Pinhais, Dom Ladislau Biernaski; do Bispo
Dom Tomás Balduino, Conselheiro Permanente da Comissão Pastoral da Terra; dos jornalistas Fernando Morais, Gilberto Maringoni e Mauro Santayana; de entidades como a Repórteres Sem Fronteiras. Em sua decisão, a Juíza Tani Maria Wurster determinou a remessa dos autos do processo à Justiça estadual. Na prática, explicou o Procurador-Geral Carlos Frederico Marés, a decisão derruba a censura prévia imposta pelo Desembargador Edgard Lippmann Júnior, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, pois extingue o processo e torna sem efeito todas as decisões nele proferidas: — Apresentamos petição à Justiça Federal alertando que não lhe cabia competência para julgar a ação. A Juíza ouviu a Anatel e a União, intimadas como rés pelo Ministério Público Federal, para decidir se elas deveriam ser excluídas do processo. Como então só restam o Governador e a Paraná Educativa e seu Presidente, Marcos Antonio Batista, como réus, trata-se de um processo que cabe à Justiça estadual. Foi o que decidiu a Juíza — disse Marés. EVERSON BRESSAN-SECS
Em nota firmada por seu Presidente, Wadih Damous, em 19 de junho, a OABRJ afirma que o motivo de o programa ter sido tirado da grade de programação da TV Brasil foi mesmo político. Na semana anterior, o Coordenador de Comunicação Social da OAB-RJ, Cid Benjamim, disse que a entidade esperava por uma posição oficial da TV Brasil sobre os motivos que levaram à saída do ar do programa e seu possível retorno à grade de programação. Paulo Ricardo, Gerente de Comunicação da emissora do Governo, confirmou então que essa possibilidade existia. No entanto, segundo informa Wadih Damous em declaração distribuída à imprensa, a Direção da TV Brasil marcou e desmarcou três reuniões que estavam agendadas com a OAB para tratar do assunto. No documento, o Presidente da OAB-RJ diz lamentar o encerramento do programa, “um dos poucos espaços de discussão dos problemas do País na TV aberta”, e expressou o temor de que “uma boa idéia esteja comprometida por uma visão antidemocrática”. Foi esta a declaração da OAB-RJ: “O programa Direito em debate,
Escola Base: mais uma condenação
Direitos humanos
Na tela, os crimes da Operação Condor Um filme de Roberto Mader faz revelações sobre um momento trágico das ditaduras do Cone Sul.
O filme Condor, de Roberto Mader, é uma obra que toma partido: traz à luz (e esta exposição é por si só uma denúncia) um caso de terrorismo de Estado ocorrido há pouco tempo, aqui mesmo no Brasil e nos países vizinhos do Cone Sul, materializado na aliança das ditaduras militares que dominaram a região entre os anos 60 e 80. Essa ação conjunta deixou um enorme saldo de assassinatos, prisão e tortura de adversários, além de “desaparecidos”, entre os quais muitas crianças roubadas de seus pais. Condor é um documentário. E como tal tem sido aplaudido e premiado, seja pela escolha do tema, seja pela qualidade jornalística da investigação, da pesquisa e das entrevistas. Estas trazem revelações e sentimentos extraídos de protagonistas históricos dos dois lados — se assim podemos nos referir a uma luta tão assimétrica — e de personagens trágicos, alguns dos raros jovens-adultos que puderam ser identificados e confrontados com suas famílias naturais, entre aqueles inúmeros bebês criados em outros lares, com outra identidade. Há uma virtual unanimidade quanto a estas virtudes do filme. Mas há restrições e condenações, que recaem sobre o seu partidarismo e, também, sobre a exploração sentimental do drama das crianças seqüestradas e de suas famílias, as que ficaram sem os seus e as que passaram a viver a ameaça de perdê-los e a realidade de ter de compartilhá-los com aqueles estranhos e sofridos pais, avós e irmãos de “desaparecidos” encontrados. Entendo que partidarismo e sentimentalismo são, neste caso, virtudes e não defeitos. Qual é o jornalismo que não toma partido? Que jornalismo funciona sem emoção? Comecemos pelo partidarismo. Quando saí do cinema depois de ver o filme e fui tomar um café, uma senhora me abordou no balcão do bar da Casa Laura Alvim e perguntou se eu gostara do filme. Foi como se ela me despertasse de supetão. Eu ainda estava emocionado, na atmosfera daqueles acontecimentos. Respondi que sim, que tinha gostado. Ela retrucou. Disse que o filme condenava as ditaduras militares, mas era indulgente com os movimentos e as pessoas que pretendiam impor ditaduras de esquerda como a de Fidel. Respondi que, a meu ver, um mal não deve justificar outro mal, que a existência ou a ameaça de ditaduras comunistas não são razões suficientes para a instauração de ditaduras de direita ou quaisquer que sejam. Bem, não conseguimos concordar. Acrescento
DIVULGAÇÃO
POR ALTAMIR TOJAL
da vida sob uma ditadura. Este sentimento talvez seja uma chave para a compreensão dos movimentos de resistência às ditaduras daquela época. Alguns de nós (ou todos) talvez quiséssemos mesmo uma revolução — comunista ou lá o que fosse —, mas também não suportaríamos a condição de viver sem liberdade. Muitos de nós, não tenho dúvida, seríamos os primeiros a insurgir se a tal ditadura comunista acontecesse. Enfim, Condor é mesmo um filme partidário, que lembra, ensina e provoca reflexões que podem nos ajudar a compreender o passaO documentário Condor mostra as manifestações em que os setores democráticos da Argentina do e, talvez, o presente. É reclamam informações sobre o paradeiro de milhares de desaparecidos durante a ditadura militar. também um alerta contra tentações políticas, aventucomícios e frágeis barricadas para resisras e supostas soluções que ameaçam e agora: quem acreditar que não tem tir ao golpe. Sofri, então, a minha prisacrificam a liberdade e a democracia. O escolha entre o mal e o mal que assumeira e maior derrota política. Depois que significam hoje a guerra do Iraque, ma as conseqüências. Quem jamais dos primeiros momentos de choro, raiva Guantânamo e a exacerbação do controesteve nessa encruzilhada? e de medo, voltei a me reunir com um le em escala global (sobre indivíduos e soO filme de Mader trata de uma hispunhado de colegas da minha e de ouciedades) em nome do combate ao tertória obscura e esquecida. É possível que tras escolas, todos meninos de 16 e 17 rorismo fundamentalista árabe? a grande maioria dos jovens e mesmo anos. Lembro que nos encontramos Condor também nos emociona com dos não tão jovens não saiba ou não lemnum fim de tarde na escadaria da Biblisofridas histórias de vida, histórias de bre o que foi a Operação Condor. Temos oteca Nacional. Havia, na Cinelândia, superação, esperança e, ainda, de peraqui um dos bons serviços prestados uma mobilização de gente a favor do plexidade, que reforçam o conteúdo pelo filme: ele lembra e ensina que este governo militar, com faixas e alto-falanhistórico e político do filme com alta foi o nome dado à cooperação entre as tes. Ficamos ali refletindo sobre aquilo, dose de humanidade. ditaduras militares sul-americanas para sobre o que iríamos fazer, e não saía do seqüestro, prisão e assassinato de seus meu coração o pavor de passar o resto oponentes. Também lembra a uns e Altamir Tojal, jornalista e escritor, é sócio da ABI. ensina a outros que havia na época um conflito globalizado opondo as potências ocidentais e o comunismo soviético, e que este conflito influenciava e atuava sobre as disputas políticas regionais e locais, como as que ocorriam em nos. Quando instituído, o Prêmio VlaSerá esta a 30ª. edição do mais nosso continente. dimir Herzog tinha um objetivo claro: importante certame jornalístico Estamos falando de um filme, de um estimular os jornalistas a denunciar as documentário, não de uma aula de sosobre direitos humanos. arbitrariedades do regime militar, que ciologia, mas vale registrar que ele ainaviltava os direitos humanos e usava Até 3 de setembro estarão abertas as da ensina e lembra que havia movida força bruta para tentar calar os que inscrições para a trigésima edição do mentos revolucionários comunistas, lutavam pelo sonho da liberdade. Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog alguns propondo o uso da força, e haPassados 30 anos, os direitos humade Anistia e Direitos Humanos, orgavia governos democráticos eleitos e nos continuam como motivação da prenizado pelo Sindicato dos Jornalistas com forte apoio popular a seus projemiação e dos jornalistas que, com a consProfissionais do Estado de São Paulo, tos de mudanças sociais. Em nome de ciência de seu papel na sociedade, sabem em parceria com a Federação Nacional combater aqueles movimentos, os que ainda há muito o que se fazer para dos Jornalistas-Fenaj, a ABI, a Comismilitares e seus aliados derrubaram que os brasileiros possam, de fato, viver são Justiça e Paz da Arquidiocese de São esses governos pela força e impuseram a cidadania em sua plenitude. Paulo, a Ordem dos Advogados do a repressão e o terror político não só aos Serão premiados os melhores trabaBrasil-Seção do Estado de São Paulo, a comunistas e àqueles que ousavam lhos sobre direitos humanos em dez caOuvidoria da Polícia Militar de São enfrentá-los, mas a toda a sociedade. tegorias. O prazo de inscrições, que Paulo e o Fórum do Ex-Presos e PerseVivi intensamente aquela era e não termina no dia 3 de setembro, tem uma guidos Políticos do Estado de São Paulo. poderia deixar de ser tocado e levado a exceção: a categoria Livro-Reportagem, A premiação deste ano reveste-se de lembranças e reflexões. Eu era um gaque aceita trabalhos até 21 de julho. Ouum caráter especial. Além de chegar à roto politizado em 1964, como outros tras informações no site do Sindicato sua 30ª edição, ela acontece no ano em poucos. Militava no movimento estudos Jornalistas Profissionais do Estado que serão completados 60 anos da Dedantil. Naquele final de março e início de São Paulo (www.jornalistasp.org.br). claração Universal dos Direitos Humade abril me entreguei febrilmente a
Prêmio Herzog recebe inscrições até setembro
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ANO DO CENTENÁRIO
Pernambuco festeja Barbosa Lima Entre 17 e 20 de junho a Fundação Joaquim Nabuco promoveu no Recife o Seminário Nacional 200 Anos da Imprensa no Brasil, organizado em parceria com o Governo do Estado de Pernambuco, no qual o jornalista Barbosa Lima Sobrinho foi homenageado na sessão de abertura com um pronunciamento do Presidente da Fundaj, Fernando Lyra. Houve também o lançamento, pelos Correios, dos selos comemorativos dos cem anos da ABI e dos 200 Anos da Imprensa Nacional. Em seguida, Mauro Santayana, do Jornal do Brasil, falou sobre “200 anos da Imprensa no Brasil: memória e comunicação” e foi exibido o documentário Barbosa Lima Sobrinho, cidadão do Brasil, com a presença do autor, Fernando Barbosa Lima, filho do homenageado e Presidente do Conselho Deliberativo da ABI. O seminário prosseguiu com seis mesas-redondas, com a participação de destacados jornalistas e professores e especialistas em Comunicação de Pernambuco, Brasília, São Paulo e Rio.
“Ele foi todo o século” “Desde o começo da sua história, Pernambuco fez da luta pela liberdade o caminho mais natural de afirmação política. Também a imprensa, instrumento fundamental dessa luta, foi um sonho precoce dos pernambucanos. Já no tempo do domínio holandês. Mas só no começo do século XIX o jornalismo se efetivaria como ponta-de-lança das nossas tão características “revoluções libertárias”, disse Fernando Lyra ao saudar Barbosa Lima. “Imprensa e política de tal maneira andaram de mãos dadas a partir de então que ficou difícil ver uma separada da outra. Isso ainda mais se acentuou no século XX, tendo como um dos personagens centrais Barbosa Lima Sobrinho. Ele, na verdade, foi todo o século, pois nele se fez centenário. Governador de Pernambuco, numa das mais duras disputas (subiu à tribuna dezenas de vezes para defender a sua vitória, questionada judicialmente), foi também Presidente da Associação Brasileira de Imprensa por longos e intensos anos de combates pelo civismo, pela cidadania, ou numa só velha e ainda necessária expressão: pelas grandes causas. Por isso é tão fácil e justo homenageá-lo. Há uma identificação por assim dizer natural entre a sua trajetória e a das lutas democráticas no Brasil. Foi ele, por exemplo, a primeira opção de anticandidatura (no protesto contra a ditadura militar) que o Grupo Autêntico do MDB engendrou em 1974 e dele também foi a primeira assinatura a favor do impeachment do ex-Presidente Fernando Collor. Nacionalista, exerceu esse pensamento não somente no campo político, mas nos excelentes livros de História que escreveu, tendo em tantos Pernambucos um lugar privilegiado. Mas não é difícil perceber que o político e o historiador foram sempre comandados pelo jornalista que ele foi por toda a vida, daí ter sido tão natural que até os últimos dias lêssemos as suas colaborações nos jornais. Nos 200 anos da imprensa, o jornalismo ético e responsável encontra um espelho nítido e indiscutível: no pernambucano Barbosa Lima Sobrinho.” Barbosa Lima Sobrinho: para os pernambucanos, a maior expressão da imprensa no século XX.
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A ABI É CHAMADA PARA NOVAS LUTAS A exploração da riqueza petrolífera do pré-sal sem submissão ao capital estrangeiro e a defesa da Amazônia são apontadas como causas a que ela deve se dedicar, como fez no passado com a campanha O petróleo é nosso. ALÉM DE RECEBER homenagens pela trajetória com que marcou sua presença na vida nacional ao longo dos 100 anos que agora festeja, a ABI está sendo exortada por outras instituições representativas de diferentes segmentos da sociedade a se lançar a novas campanhas e iniciativas em defesa do interesse nacional, como fez nos anos 40 ao deflagrar, a partir de um ato realizado em 4 de abril de 1948 em seu Auditório Oscar Guanabarino, a campanha O petróleo é nosso. Marcada por momentos de heroísmo e destemor, diante da repressão desencadeada pelo Governo do General Eurico Dutra (1946-1951), a campanha chegou à vitória na primeira metade dos anos 50 com a instituição do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petróleo Brasileiro S. A.-Petrobrás pela Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, sancionada pelo então Presidente Getúlio Vargas. A primeira exortação a novas lutas foi feita na homenagem que a Associação dos Diplomados da Escola Superior de GuerraAdesg prestou à Casa, num almoço realizado na sede do Clube de Aeronáutica e que reuniu dezenas de oficiais da ativa e da reserva das Forças Armadas. Ao fazer a saudação à ABI pelo seu centenário, o Presidente da Adesg, Pedro Ernesto Mariano, propôs uma colaboração permanente entre as duas entidades e, desde logo, uma ação conjunta em defesa de um bem nacional há muito objeto da cobiça estrangeira que agora recrudesce: a Amazônia. Outra convocação partiu do Clube de Engenharia – uma das mais importantes instituições técnicas e culturais do Pais, cuja fundação remonta a 1880 – que pela voz de destacados líderes, o Presidente Helói Moreira e o ex-Presidente Raimundo de Oliveira, defenderam ações do Clube e da ABI para mobilização de outras entidades representativas da sociedade civil visando a assegurar que a exploração da riqueza do pré-sal, o mar de petróleo descoberto a 5 mil metros da superfície da plataforma submarina, se faça sem submissão ao capital estrangeiro. Seria a reedição da
campanha do petróleo, desta vez tendo como divisa uma recriação do lema de 1948: O pré-sal é nosso. Ao lado dessas manifestações, a ABI recolheu outras demonstrações do apreço que lhe devotam instituições, empresas e personalidades de expressão na vida nacional, como o Senador Marco Maciel (Dem-PE), que enviou à Casa a separata do Diário do Congresso Nacional que publicou seu pronunciamento na tribuna do Senado em homenagem ao centenário; a empresa Mongeral Seguros, criada em 1838, a qual esculpiu numa placa a famosa definição de Rui Barbosa acerca da importância da imprensa; Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, que votaram moções de aplausos à ABI por iniciativa de parlamentares de diferentes partidos; uma instituição cultural da importância da Biblioteca Pública do Estado do Rio, que associou a homenagem à ABI a figura de um precursor do jornalismo como este é feito hoje, João do Rio, cujo perfil foi exposto com proficiência e brilho numa conferência do escritor e jornalista João Carlos Rodrigues. Pôde a ABI registrar que destacada instituição cultural do Nordeste, a Fundação Joaquim Nabuco, sediada no Recife, por inspiração de seu Presidente, Fernando Lyra, e com o apoio do Governo do Estado de Pernambuco, promoveu fecundo seminário em homenagem ao bicentenário da imprensa no País e ao centenário da ABI, que se fez representar no evento pelo Presidente do nosso Conselho Deliberativo, Fernando Barbosa Lima. Para Fernando, assim como para a ABI, o seminário teve conteúdo especial de emoção, já que Pernambuco prestou reverência a um dos seus maiores filhos: Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, o Dr. Barbosa, como o chamávamos na ABI com respeito e admiração. De tudo isto dá conta agora a ABI, que se engalanou para uma festa comovente na Livraria da Travessa do Shopping Leblon: a de lançamento da Edição Especial do Centenário, Volume 1, do Jornal da ABI, uma publicação feita com capricho, competência e amor à Casa de Gustavo de Lacerda, Herbert Moses, Danton Jobim, Prudente de Morais, neto e Barbosa Lima Sobrinho.
Uma proposta da Adesg à ABI: Vamos defender a Amazônia Associação dos Diplomados da Esg está preocupada com as ameaças da cobiça estrangeira. A Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra propôs à ABI a efetivação de uma parceria para a realização de um seminário sobre a Amazônia, que ambas consideram que deve ser defendida da cobiça de poderosas nações e empresas estrangeiras. Este seria um dos temas da colaboração a ser estabelecida entre as duas entidades, que contemplaria outras questões de interesse estratégico do País. A proposição foi apresentada pelo Presidente da Adesg, Pedro Ernesto Mariano, no almoço mensal da entidade, dedicado no dia 29 de maio à realização de homenagem ao centenário da ABI, cuja trajetória de serviços ao País foi por ele exaltada. O encontro, realizado no Clube de Aeronáutica, contou com a participação de cerca de uma centena de membros da Adesg, entre eles o editor dos Cadernos de estudos estratégicos de logística e mobilização nacionais, Coronel Antônio Celente Videira, que representou o Comandante da Escola Superior de Guerra, General-deExército José Benedito de Barros Moreira. Por indicação do Presidente Pedro Ernesto Mariano, a saudação à ABI, representada pelos diretores Maurício Azêdo, Presidente; Estanislau Alves de Oliveira, Diretor Administrativo; e Paulo Jerônimo de Sousa, Diretor de Assistência Social; e pelo Conselheiro Pery Cotta, foi feita pelo jornalista, escritor e acadêmico Arnaldo Niskier, que integrou a turma de 1976 da Esg. Niskier lembrou que essa turma recebeu o nome do Almirante Álvaro Alberto, após intenso proselitismo que ele fez junto aos formandos, para que se homenageasse um dos mais destacados incentivadores da ciência no Brasil. Entre os títulos de Álvaro Alberto, citou Niskier o de Presidente da
Comissão Nacional de Energia Nuclear - Cnen e de criador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, instituição que promoveu o fomento das pesquisas científicas no País: — Eu concorria à eleição para orador da turma — contou Niskier. — Diante do meu empenho para a escolha do Almirante Álvaro Alberto para paraninfo, os colegas me advertiram que, como havia outro candidato, eu deveria me preparar para perder essa eleição. Eu não perdi a eleição: retirei minha candidatura. Além de ressaltar a contribuição da ABI à defesa da liberdade de imprensa e à construção da democracia no Brasil e elogiar o processo de revitalização da Casa ora em curso, Niskier defendeu a melhoria da educação no País, sem a qual serão limitados os avanços no desenvolvimento econômico e no progresso social. Nesse ponto, mencionou o pronunciamento feito na véspera em um fórum no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES pelo ex-Ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso, que acentuou a necessidade de os progressos tecnológicos não se afastarem de uma perspectiva humanista. Ao agradecer a homenagem, o Presidente da ABI declarou que a Casa se sente desvanecida com a manifestação da Adesg, pois as duas entidades têm pontos em comum, como a preocupação com a defesa da soberania nacional e especialmente da Amazônia, exposta a riscos referidos em seus pronunciamentos pelo Presidente Pedro Ernesto Mariano e pelo acadêmico Arnaldo Niskier. Lembrou Maurício Azêdo que há cerca de 15 anos um eminente membro da Casa, o Professor Henrique Batista Aranha Miranda, que foi oficial da Ma-
rinha, teve a iniciativa de propor a criação em dependência da ABI da Campanha Nacional de Desenvolvimento e Valorização da Amazônia-CNDDA, que se dedicou ao estudo dessa região e à defesa da soberania nacional sobre essa importante parcela de seu território. Mais recentemente, há cerca de quatro anos, a ABI promoveu em seu auditório concorrida conferência do General-de-Exército Cláudio Barbosa de Figueiredo, ex-Comandante Militar da Amazônia, o qual fez relato minucioso sobre a região e seus problemas e sobre a ação desenvolvida pelas unidades do Exército lá sediadas para defendê-la e para assistir as populações locais. Disse ainda Maurício Azêdo que nas questões relacionadas com o interesse nacional a ABI segue a orientação fixada por seu grande patriarca, o jornalista, professor, economista, escritor, historiador e acadêmico Barbosa Lima Sobrinho, que aprofundou seu engajamento na defesa do Brasil sobretudo nas duas últimas décadas de sua longa vida. O Doutor Barbosa Lima, disse o Presidente da ABI, a partir dos 90 anos e até o seu passamento, em 16 de julho de 2000, aos 103 anos, orgulhava-se de dizer que só servia a um senhor: — Meu patrão é o Brasil, ao qual todos devem servir sem nada postular ou exigir — dizia o Doutor Barbosa Lima, sustentando que o Brasil tem dois partidos, o Partido de Silvério dos Reis, partido dos entreguistas, dos que abdicam do interesse e da soberania nacional, e o Partido de Tiradentes, constituído por pessoas de variada origem política, filosófica e social, que têm como elementos de unificação o amor ao País e à defesa do interesse nacional. Barbosa Lima Sobrinho era a maior expressão do Partido de Tiradentes. Antes do encerramento do ato, o Coronel Antônio Celente Videira entregou ao Presidente da ABI um conjunto de publições doadas pelo Comandante da Escola Superior de Guerra: o número 01 de 2007 dos citados Cadernos de estudos estratégicos, o número 48, volume 23, julho-dezembro de 2007, da Revista da Escola Superior de Guerra e o número 26, janeiro-abril de 2008, da publicação Idéias em Destaque, do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
“O pré-sal é nosso”, tema para nova campanha Clube de Engenharia quer reeditar com a ABI e entidades da sociedade civil movimento como o do petróleo. O Presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Heloi Moreira, propôs à ABI, no dia 26 de junho, o lançamento da campanha O pré-sal é nosso, para defender que as reservas de petróleo descobertas em águas submarinas, a uma profundidade de dois a sete quilômetros, sejam objeto de exploração pelo Brasil, por meio da Petrobras, sem concessão a empresas e interesses estrangeiros. A sugestão foi feita na sede do Clube de Engenharia, no Centro do Rio, durante almoço realizado em homenagem ao centenário da ABI e à Associação dos Antigos Alunos da Politécnica, a mais antiga agremiação de ex-alunos da UFRJ, conhecida como A3P. À mesa tiveram assento o Presidente Heloi Moreira, o Vice-Presidente Carlos Heitor Faria, o ex-Presidente do Clube de Engenharia e ex-Deputado Raimundo de Oliveira, o Presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura-Crea-RJ, Agostinho Guerreiro, os Diretores da ABI Maurício Azêdo, Presidente, Estanislau Alves de Oliveira, Paulo Jerônimo de Souza e Pery Cotta, e o Primeiro Vice-Presidente da A3P, Leo Fabiano. O mestre de cerimônias da sessão foi o engenheiro Bernardo Griner, um dos mais antigos e influentes membros do Conselho Diretor do Clube de Engenharia.
Ao agradecer a homenagem, o Presidente da ABI declarou que a Casa fica desvanecida com essa manifestação, porque o Clube de Engenharia é reconhecidamente um dos mais importantes institutos técnicos e culturais do País, que honra o legado de eminentes engenheiros, como Paulo de Frontin, que foi um dos restauradores do Rio de Janeiro, no princípio do século passado, ao lado de Pereira Passos. Maurício Azêdo lembrou também que entre os dirigentes da ABI figurou Líbero Osvaldo de Miranda, que era Vice-Presidente e se tornou Presidente com o inesperado falecimento de Danton Jobim, em 1978. Desafortunadamente, Líbero faleceu menos de dez dias depois de assumir a Presidência. Foram mencionadas ainda figuras excepcionais do Clube de Engenharia que contribuíram para a definição de uma política de defesa permanente da engenharia nacional, como Maurício Joppert da Silva, que presidiu a instituição no fim dos anos 50. A igualmente permanente defesa que a ABI faz das liberdades públicas, em especial a liberdade de imprensa, e sua participação ativa na luta pela anistia ampla e irrestrita e pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte nos anos de 1987 e 1988 foram também lembradas por Maurício Azêdo, bem
como o movimento pela restauração da ética na Presidência da República, com a decretação do impeachment de Fernando Collor de Mello, aprovado pela Câmara dos Deputados, com base na petição que teve como primeiro signatário Barbosa Lima Sobrinho, Presidente da ABI e patriarca da entidade. A menção a Barbosa Lima Sobrinho foi saudada com aplausos pelas dezenas de engenheiros e arquitetos que participaram do ato. Em seguida, houve nova manifestação de aplausos ao jornalista, quando Heloi Moreira se referiu a ele em seu discurso em homenagem à ABI. A ABI recebeu do Clube de Engenharia uma placa comemorativa pelo seu centésimo aniversário, com os seguintes dizeres: “O Clube de Engenharia, entidade centenária, vem saudar a ABI — Associação Brasileira de Imprensa, casa de Barbosa Lima Sobrinho, por seus cem anos de luta em defesa da liberdade de imprensa e da democracia. Nossas entidades estão sempre presentes, lado a lado, em defesa das grandes causas nacionais. Rio de Janeiro, 26 de junho de 2008 Heloi Moreira, Presidente do Clube de Engenharia.”
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JOSÉ CRUZ - AGÊNCIA SENADO
Isenção e coragem, marcas dos 100 anos, afirma Marco Maciel Senador presta homenagem à Casa e seus grandes líderes, como Moses e Barbosa Lima. Em discurso proferido no Senado, o Senador Marco Maciel destacou a importância da realização da III Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa na mesma data da comemoração do centenário da ABI, fundada no dia 7 de abril de 1908 e que tem como marca registrada de sua história a defesa dos direitos públicos. Marco Maciel reportou-se ao período da implantação da Primeira República, em que vários jornalistas — entre eles Dunshee de Abranches, que presidiria a ABI— se destacaram “como grandes defensores da liberdade de expressão”. Fez questão de ressaltar também a importância da fundação da ABI, que teve como protagonista o catarinense Gustavo de Lacerda, e lembrou os objetivos da entidade, além dos cuidados com a classe jornalística: — Àquela época ainda não existiam os sindicatos. A ABI, de início, preenchia essa lacuna.
Mesmo depois de criados os sindicatos, ela manteve as atividades de assistência médica e previdenciária, ao lado das atividades culturais e políticas, sem nunca esquecer a sua finalidade precípua, qual seja a de lutar pela liberdade de imprensa. Sobre os cem anos da instituição, declarou: — A ABI chega ao seu primeiro centenário com grandes serviços prestados à Nação e por isto não poderíamos deixar de juntar a nossa voz de reconhecimento, de regozijo pelo trabalho que ela vem prestando ao País ao longo do nosso evoluir histórico. Nomes que são referência da história da ABI foram lembrados pelo Senador, como Herbert Moses e o ex-Governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, a quem o conterrâneo se referiu como “escritor e intelectual que muito contribuiu para a liberdade de imprensa em nosso País”. Dirigindo-se
A marca registrada da ABI é a defesa dos direitos públicos, disse Marco Maciel.
ao Presidente da Sessão, Flexa Ribeiro, prosseguiu: — Em cem anos, a ABI testemunhou, com isenção e coragem, o desencadeamento dos grandes acontecimentos nacionais e internacionais. O Senado Federal só pode regozijar-se com essas comemorações e desejar que prossiga, em outros tantos anos, a ABI a comemorar o meritório trabalho que realiza em favor da liberdade de imprensa no País. Marco Maciel reservou a parte final de seu discurso para destacar a partici-
pação do Presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, na Conferência de Liberdade de Imprensa (patrocinada pela ANJ, SIP, Unesco e ABI) E encerrou sua intervenção falando da parceria entre a mídia e o Poder Legislativo: — Estes dois organismos são como irmãos siameses, estão xifopagamente ligados: um não vive sem o outro. Daí por que ao homenagear a imprensa estamos também defendendo uma instituição que tem lutado pela liberdade ao longo da nossa História.
Assembléias e Câmaras mandam moções de cumprimentos Diversas Casas Legislativas de todo o Brasil têm enviado mensagens de felicitações à ABI pelo 100º aniversário de sua fundação, celebrado no dia 7 de abril. Entre as manifestações recebidas estão as das Assembléias Legislativas de Goiás, Minas Gerais e Pernambuco e das Câmaras Municipais de Araguari, Campinas, Fortaleza, Santos e São Caetano do Sul. No início de junho, a Assembléia Legislativa de Goiás aprovou em plenário a proposição nº 1.125, de autoria do Deputado Júlio da Retífica, na qual o parlamentar destaca a figura de Barbosa Lima Sobrinho e declara que a medida “visa a lembrar a importância da imprensa e da ABI nas conquistas pelas garantias democráticas ocorridas no último século”. Em Minas Gerais, o Deputado Doutor Viana, na justificativa apresentada aos colegas parlamentares, disse ser justa e merecida a homenagem do povo mineiro a uma instituição centenária, cuja história se confunde com a de seu
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fundador, Gustavo de Lacerda. “Entidade esta que jamais deixou de cumprir os objetivos que a originaram (...) e que sob a liderança de Herbert Moses construiu a sua sede, que representa um marco na arquitetura moderna brasileira”, conclui o texto. No Nordeste, por iniciativa do Deputado Alberto Feitosa, a Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco também registrou em seus anais as congratulações que os parlamentares da Casa dedicaram à ABI e à classe jornalística, em razão de o 7 de abril ter sido também escolhido como o Dia Nacional do Jornalista. Para o Deputado Alberto Feitosa, os jornalistas têm o grande papel de trabalhar em favor da sociedade, levando-lhe informações. Diz ele que a atividade profissional do jornalista ajuda a interpretação da realidade: “Em cada sociedade, os jornalistas ajudam a produzir cultura, a constituir ou desconstituir movimentos coletivos, a legitimar ou questionar as relações de po-
der estabelecidas. São, portanto, profissionais que cumprem uma função social”, afirma. Ao se referir à ABI, Alberto Feitosa fez uma longa exposição sobre a história da entidade, de seu fundador e do conterrâneo e ex-Presidente Barbosa Lima Sobrinho. E lembrou a atuação da ABI em favor dos jornalistas durante os períodos de ditadura vividos no País, no Estado Novo e pós-golpe militar, e em eventos nacionalistas, como a campanha O petróleo é nosso. É de autoria do Vereador Aladino Antônio Costa a moção de cumprimentos à ABI aprovada em plenário da Câmara Municipal de Araguari-MG. Em ofício endereçado ao Presidente da ABI, o Vereador aproveita para “transmitir os cumprimentos pelos cem anos de atividades, divulgando os fatos que acontecem no cenário nacional”. Sob o mesmo fundamento, a Vereadora Teresinha de Carvalho aprovou moção na Câmara Municipal de Campinas, que felicita a ABI pelo centená-
rio. A Vereadora justificou sua iniciativa dizendo que, “com a criação da ABI, os jornalistas tomaram um forte impulso na luta pela conquista da dignidade da profissão”. Duas outras Casas Legislativas de Municípios de São Paulo aprovaram moções de congratulações à ABI: a de São Caetano do Sul, por meio do Vereador Edgard da Nobre Gomes; e a de Santos, por iniciativa dos Vereadores Braz Antunes Mattos, Paulo Gomes Barbosa e Marcelo Del Bosco. A Câmara Municipal de Fortaleza, CE, por proposta do Vereador Mário Hélio, também aprovou em plenário votos de congratulações à ABI pelos cem anos de atividades. A ABI também tem recebido saudações da área universitária, como a da Professora Doutora Maria Fernanda S. Quintela da C. Nunes, que dirigiu ofício à Casa, parabenizando a entidade pelo seu centenário em nome do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do qual é Diretora.
FOTOS: FRANCISCO UCHA
Destacados membros da ABI no lançamento da Edição do Centenário: José Gomes Talarico, Villas-Bôas Corrêa e Hélio Fernandes.
Lançamento da Edição Especial superlota a Livraria da Travessa
Aziz Ahmed, colunista do Jornal do Commercio, e Arthur José Poerner, o autor da História da Une, participaram da confraternização ensejada pela festa de lançamento do Jornal da ABI.
Ato de apresentação do Volume 1 do Jornal da ABI dedicado ao centenário atrai sócios, amigos e pessoas comuns. Com grande afluência de sócios, muitos dos quais festejados pelos próprios companheiros, como José Gomes Talarico, decano do Conselho Deliberativo, Hélio Fernandes, Diretor da Tribuna da Imprensa, e Villas-Bôas Corrêa, decano da crônica política no Brasil, a ABI realizou na Livraria da Travessa do Shopping Leblon em 27 de junho o lançamento da Edição Especial do Centenário, Volume 1, do Jornal da ABI, cuja qualidade mereceu aplausos de todos. Na abertura da Edição Especial, o editorial Nossa vocação: a liberdade, assinado pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, destaca que a História da Casa é marcada por “uma trajetória que exalta a importância da informação livre”. Para essa edição, o Jornal da ABI foi dividido em quatro blocos. No primeiro, um estudo do arquiteto Nireu Cavalcanti, professor do Curso de Pósgraduação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense– Uff, fala da cidade, do País e do quadro social na época da fundação da entidade. Nireu Cavalcanti ressalta que quando a ABI foi fundada a Cidade do Rio de Janeiro “tinha passado por decisivas intervenções urbanas que lhe deram imagem cosmopolita, moderno-eclética e, sobretudo, republicana”. Contribuiu também para essa parte da história a socióloga e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas Lucia Lippi Oliveira, autora do livro Cultura e patrimônio, um guia, do qual o jornal reproduz um artigo sobre a primeira década do século XX. Outra destacada colaboração nesse primeiro bloco da Edição Especial do Centenário é a do acadêmico Evaristo de Moraes Filho, com um texto sobre os direitos sociais na Primeira República, elaborado especialmente para essa publicação da ABI. Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Evaristo de
Moraes Filho é sócio da ABI desde 1945. O segundo bloco da publicação foi reservado para exaltar a figura do idealizador da ABI, Gustavo de Lacerda, além de lembrar a reunião de criação da entidade e os demais fundadores. Quem fala das aspirações do humilde repórter, nascido na antiga cidade de Desterro, atual Florianópolis, é o jornalista Moacir Pereira, biógrafo de Gustavo de Lacerda. A jornalista Cecília Costa, colunista do ABI Online e membro do Conselho Deliberativo da Casa, fala da aura festiva que pairava então sobre o Rio de Janeiro, recém-reformado por Pereira Passos quando a entidade foi criada. O terceiro bloco é dedicado àqueles, dentre muitos, que definiram o nosso modo de fazer jornalismo, como Paulo Barreto, conhecido como João do Rio, Samuel Wainer, Octavio Malta, Eugênia Álvaro Moreyra, Luiz Paulistano, Oto Maria Carpeaux, Carlos Lacerda, Zuenir Ventura, Carlos Castelo Branco, Hélio Fernandes, Murilo Mello Filho, Newton Carlos, Ledo Ivo e Eli Azeredo. No quarto e último bloco, o jornalista e Conselheiro da ABI Pery Cotta assina matéria especial sobre a histórica passeata dos 100 mil, que tomou conta das ruas do Centro do Rio, em junho de 1968. A manifestação mereceu uma edição especial do Correio da Manhã, que Cotta conseguiu resgatar especialmente para essa edição. Além de Nireu Cavalcanti, Lúcia Lippi Oliveira, Cecília Costa, Pery Cotta, Evaristo de Moraes Filho e Moacir Pereira, a Edição Especial conta com textos de João Carlos Rodrigues, Pinheiro Júnior, Dácio Malta, Octavio Malta, Sandra Moreyra, Pedro do Coutto, Maurício Azêdo, Danton Jobim, Pompeu de Souza e Carlos Lemos. Impresso em papel couchê, o jornal tem 82 páginas, com fotos e ilustrações dos acervos da Biblioteca da ABI (Bibli-
Com a esposa, Paiva Netto, Presidente da LBV, parceira da ABI na Edição.
oteca Bastos Tigre), Jornal do Commercio, Tribuna da Imprensa, Agência Folha, Agência Globo, Nireu Cavalcanti, Lúcia Lippi Oliveira, Instituto Moreira Sales, João Carlos Rodrigues, Família Octavio Malta, Família Eugênia Álvaro Moreira, Família Luiz Paulistano e Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Anunciam na Edição Especial o Governo do Estado do Rio de Janeiro, TV Globo, Volkswagen do Brasil, Odebrecht, Companhia Siderúrgica Nacional, Caixa Econômica Federal (CEF), Febraban e BNDES. Com mensagens alusivas ao centenário da ABI, também apoiaram a edição a Academia Brasileira de Letras (ABL), Grupo Abril, Souza Cruz, Portal Imprensa, LBV, Folha de
S.Paulo, Estadão, Jornal do Commercio, TV Brasil, Petrobras, Grupo Gerdau, Banco Santander e Coca-Cola. O Jornal da ABI faz menção também às peças publicitárias criadas especialmente para a comemoração dos cem anos da entidade: o anúncio “Uma vírgula muda tudo”, nos formatos impresso e audiovisual, criado pela agência África, do publicitário de Nizan Guanaes, com texto de Fábio Seidl e Bruno Brasil e produção da Visorama. Os interessados em conseguir um exemplar da Edição Especial poderão solicitá-lo por carta à ABI (Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar, Centro, Rio de Janeiro,RJ, Cep 20030-012), ou pelo e-mail centenario.rsvp@abi.org.br. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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ANO DO CENTENÁRIO
Na Biblioteca, lembrança de João do Rio A Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro associou-se às homenagens ao centenário da ABI com a realização, em 30 de junho, da palestra Um olhar sobre João do Rio, feita pelo jornalista João Carlos Rodrigues, seu biógrafo. O evento contou também com o lançamento da terceira edição da Revista Almanaque das Letras, uma publicação do Projeto Rede do Conhecimento, cuja matéria de capa é dedicada a João do Rio. Esse era o pseudônimo do escritor e jornalista carioca João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, que nasceu em 1881 e se tornou conhecido como o grande cronista da vida carioca. Em 1910, aos 29 anos de idade, entrou para a Academia Brasileira de Letras. Foi redator de jornais importantes, como O Paiz e Gazeta de Notícias, e morreu em 1921, vítima de infarto, ao deixar a Redação do recémfundado A Pátria. Uma de suas obras mais conhecidas, A alma encantadora das ruas, de 1908, é fruto do seu trabalho jornalístico em sua busca da gente mais pobre da cidade. “Oh! Sim, as ruas têm alma. Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira (...)”, diz um trecho da crônica A rua. O conferencista João Carlos Rodrigues é carioca, jornalista e pesquisador. Autor dos livros O negro brasileiro e o cinema (Ed. Globo, 1988; Ed. Pallas, 2000), Bibliografia completa de João do Rio (Secretaria Municipal das Culturas do Rio de Janeiro, 1993) e João do Rio: uma biografia (Ed. Topbooks, 1996), também produziu cds e escreveu roteiros para o cinema e a TV. A Superintendente de Bibliotecas do Estado do Rio, Ana Lígia Medeiros, disse que é muito oportuno o centenário da ABI coincidir com a homenagem a João do Rio, pois o jornalista, “infelizmente pouco lembrado”, foi um dos mais populares autores de sua época. A palestra contou com a assistência de numeroso grupo de alunos do Colégio Estadual Martin Luther King, como atividade curricular das disciplinas Português e Literatura Brasileira.
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Uma noite de Destaques no Turismo A ABI é agraciada e presta homenagem a pioneiros, entre os quais Adolfo Cruz, criador do bordão “Falem mal, mas falem do cinema nacional”. A ABI recebeu Menção Especial na solenidade de entrega do Prêmio Destaques de Turismo, da Revista do Turismo, que em 2008 chegou à 17ª edição. A cerimônia foi realizada na noite de 12 de junho no Centro de Convenções da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro–Firjan, na Avenida Graça Aranha, no Centro do Rio, com a presença de numerosa assistência, na qual se encontrava o jornalista Adolfo Cruz, crítico cinematográfico que celebrizou um bordão ma Rádio Nacional nos anos 50 e 60: “Falem mal, mas falem do cinema nacional”. Adolfo Cruz foi saudado com elogio especial da ABI, pelo seu pioneirismo na defesa do cinema brasileiro. Ao agradecer a homenagem, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, ressaltou a contribuição que a entidade ofereceu ao fomento do turismo desde a década de 30, por meio do apoio que emprestou ao Presidente do Touring Clube do Brasil, Berilo Neves, que teve atuação destacada nesse campo, com iniciativas pioneiras de sinalização turística da cidade, com setas especialmente criadas para indicar os pontos mais relevantes do Rio. Berilo Neves, que era sócio da ABI, foi tam-
cuja forte atuação dotou a Abrajet do prestígio que ela merecia. O Presidente da ABI prestou ainda homenagem ao Professor Hélio Alonso, criador da Facha, pela contribuição dada à formação de jornalistas profissionais, entre os quais muitos que hoje desfrutam de grande prestígio, como o colunista Ancelmo Góis. Também foi lembrada a contribuição de Hélio Alonso na preparação de candidatos ao A ABI recebeu um troféu por sua contribuição ao fomento vestibular de Direito, do turismo desde a década de 30 do século XX. nos anos 50 e 60, quando o curso por ele criado alcançou grande renome, pois aprobém o responsável pela implementação vava candidatos para 80% das vagas do sistema de assistência aos motorispostas em disputa. tas com socorro mecânico e reboque, Outra homenagem foi ao Embaixauma novidade naquele tempo. dor de Portugal em Brasília, Francisco O Presidente da ABI salientou tamSeixas da Costa, e os jornalistas Arnalbém o apoio dado pela Casa à criação do Martins, Diretor da Revista do Tue consolidação da Associação Brasileira rismo, Gilson Campos, Luiz Carlos de Jornalistas de Turismo–Abrajet, que Pugialli e Ronaldo Rosas, que foi o ânteve entre seus idealizadores um emicora da solenidade de premiação. nente sócio, Booz Belfort de Oliveira,
Hélio Alonso destaca as primazias da Facha Foi lá que se deu o nome de Herzog, pela primeira vez, a um diretório acadêmico. Um dia após a cerimônia do Destaques de Turismo, o Professor Hélio Alonso, Diretor da Facha, mandou esta carta ao Presidente da ABI: “Primeiramente, parabéns pela justa homenagem prestada a você e à nossa centenária ABI pela Revista do Turismo em sua 17ª Edição da Entrega do Troféu Destaque de Turismos 2008. Aproveito, também, o ensejo para agradecer-lhe as palavras elogiosas, em seu pronunciamento, sobre a minha atividade de professor à frente do Curso Hélio Alonso, quando, nas décadas de 50, 60 e 70, aprovava mais de 80% dos alunos classificados nas Faculdades Públicas de Direito do nosso Estado, sem falar nas Faculdades Particulares. Gostaria de trazer ao seu conhecimento alguns fatos referentes à Facha que você, certamente, irá apreciar, uma vez que os mesmos envolvem jornalistas ilustres que fizeram e ainda fazem parte da nossa história: 1º - No período mais repressivo da ditadura militar, após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, os alunos
da Facha criaram o primeiro Diretório Acadêmico em uma faculdade farticular. Como forma de homenagear o valoroso jornalista assassinado, deram a este diretório o nome de Centro Acadêmico Vladimir Herzog, nome este aprovado por unanimidade pela Direção e todo o Corpo Docente da Faculdade. 2º - Com o fortalecimento da Facha no mercado educacional do nosso Estado e com o reconhecimento da sua qualidade a nível nacional foi necessário realizar uma expansão no seu campus visando a oferecer mais conforto e qualidade de ensino para a comunidade. Durante esta obra, foi construído um auditório com capacidade para 150 pessoas. Sob o nome de Auditório Barbosa Lima Sobrinho, o mesmo foi inaugurado em dezembro de 1983 pelo próprio jornalista, sendo além do homenageado da noite o nosso primeiro palestrante no auditório. 3º - Além de ter dado o seu nome ao nosso Auditório, o jornalista Barbosa Lima Sobrinho é detentor do nosso único título de Doctor Honoris Causa. 4º - Finalmente, em 2002, foi inau-
gurado o novo e moderno Laboratório de Jornalismo da Facha, Laboratório Tim Lopes. Para nós foi uma honra poder homenagear um ex-aluno que entrou para a história do Jornalismo mundial de maneira tão triste. Tenho certeza de que em breve estarei lhe encaminhando mais algumas dessas nossas curiosidades, pois tenho como prioridade manter a Facha como uma das melhores faculdades de Comunicação do País, formando sempre os melhores profissionais. Sinto-me honrado em poder sempre estar homenageando e associando o nome da Facha a jornalistas que fizeram e fazem a História do nosso País. Para finalizar, gostaria de me colocar, e também a Facha, à sua inteira disposição para o que se fizer necessário SEMPRE. A nossa parceria com a ABI já vem de longos anos e só tende sempre a se fortalecer. Deixo aqui um abraço fraterno e reitero os votos de parabéns pela homenagem recebida ontem da Revista de Turismo. Abraços (a) Hélio Alonso.”
Numa placa, a célebre definição de Rui Ao homenagear o centenário da ABI, a Mongeral Seguros reproduz o texto em que Rui aponta a imprensa como a vista da Nação. A ABI recebeu no dia 10 de junho uma placa comemorativa dos seus cem anos, festejados na abertura da cerimônia de entrega do II Prêmio Mongeral Imprensa, evento que reuniu cerca de 300 estudantes de Jornalismo e profissionais de Comunicação no auditório do RDC (Rio Datacentro), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro–Puc-Rio. A placa foi entregue pelo Presidente do Conselho de Administração da empresa, Nilton Molina, e traz a definição de Rui Barbosa sobre a imprensa, que ele chama de “a vista da nação”: “Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe mal fazem, devassa o que lhe ocultam e trama, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que ameaça.” Ao agradecer a homenagem, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, destacou a luta da Casa pela liberdade de imprensa desde a sua fundação: — Não é uma tarefa fácil. Em cem anos, a ABI já participou de momentos históricos, como a luta contra a ditadura militar e a censura, por exemplo. O Presidente da Mongeral Seguros e Previdência, Helder Molina, ressaltou a importância da ABI na estruturação da sociedade brasileira: — Ao longo dos 173 anos de atuação, nossa empresa acompanhou o processo de construção
O repórter Rodrigo Gallo, do Jornal da Tarde de São Paulo, foi premiado pela matéria O futuro começa agora.
da democracia no País, possível graças à liberdade de imprensa. Nesse sentido, a Associação Brasileira de Imprensa teve um papel fundamental, e não poderíamos deixar de prestar homenagem pelo seu centenário. Molina ressaltou ainda que este tipo de evento é importante para estimular o trabalho da imprensa na cobertura do mercado de seguros e previdência privada e chamar a atenção para a cultura previdenciária como forma de garantir um futuro financeiramente tranqüilo: — Da mesma forma que na previdência privada é importante começar a poupar cedo, os jornalistas precisam despertar mais para a necessidade de discutir o setor. Em seguida, foram anunciados os vencedores da segunda edição do prêmio, que concorreram a R$ 10 mil por categoria — jornal nacional, jornal regional, revista, imprensa especializada e internet —, com matérias sobre seguros de vida e/ou previdência privada, veiculadas entre 1º de janeiro de 2007 e 15 de março deste ano. Premiados Rodrigo Gallo, do Jornal da Tarde, venceu na categoria jornal nacional, com a matéria O futuro começa agora. Na categoria revista, os repórteres Olívia Horta Bulla e Vinicius Bezerra, da Investimentos, publicada pelo Grupo Estado, foram premiados por Seu tostão vai virar milhão?. O prêmio de melhor reportagem para internet foi conquistado por Nice de Paula, do Globo Online, com a matéria Dos IAPIs ao PGBL — De onde vem e para onde vai a previdência no Brasil. Cristine de Andrade Pires, do Jornal do Commercio do Rio Grande do Sul, foi premiada na categoria jornal regional, com a matéria Empresas e negócios — investindo no futuro. Em mídia especializada, Karin Fuchs, da Revista Cobertura, foi a grande vencedora, pela reportagem Projeto Genoma Humano e o seguro de vida. Helder Molina anunciou que na terceira edição do prêmio — cujo lançamento será em setembro — será incluída a categoria estudante, para promover a participação de alunos de Jornalismo de todo o País.
Nilton Molina e Helder Molina, diretores da Mongeral, sustentaram que os jornalistas precisam discutir mais as questões relacionadas com a previdência privada.
Ancelmo contesta os profetas À entrega dos prêmios seguiu-se o debate sobre o tema A influência da tecnologia no futuro da mídia, que reuniu o colunista de O Globo Ancelmo Gois e os jurados do prêmio Heloísa Magalhães, do Valor Econômico; George Vidor, da GloboNews; e Denise Bueno, da Gazeta Mercantil. Ancelmo Gois salientou a necessidade de os jornalistas se filiarem à ABI, que, na sua definição, “é a Casa da Liberdade”. Ele chamou a atenção para o grande número de mulheres presentes, numa prova, brincou ele, de que “a imprensa de papel não está ameaçada, o que está ameaçado é o macho nas redações”. Citando o estudo de um jornalista norte-americano, que há anos prevê que o último jornal vai circular na primavera de 2043, e Marcos Sá Corrêa, o qual acha que o jornal impresso vai durar no máximo mais 20 anos, Ancelmo disse discordar dessas profecias, porque dados recentes demonstram que as tiragens dos jornais estão em crescimento. Em 2007, a circulação de jornais no mundo inteiro cresceu 2,7%; no Brasil o crescimento foi de 11,8%; no primeiro trimestre de 2008, as receitas de publicidade tiveram aumento de 24%: — O jornal não vai acabar. A internet vai ter de comer muito cuscuz para superar os jornais — declarou o jornalista, que calcula a circulação atual dos diários no Brasil em 8 milhões de exemplares. Para o colunista de O Globo, o jornalismo eletrônico tem amplo campo de expansão, em função de haver hoje no Brasil 34 milhões de residências com computadores, o que representa um grande salto em relação aos 25 milhões de 2007. Ancelmo disse também que não há por que se impressionar com o jornalismo na internet, que é uma plataforma, “um trilho que transporta muita coisa e não apenas notícia”: — Além disso, até agora os blogs não produziram um jornalismo de grande ressonância na opinião pública. Não vejo um grande jornalista na internet, nem uma grande matéria de repercussão que ela tenha produzido.
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PRECIOSIDADE
Acervo fala da História do Rádio Criado a partir de doações de antigos radialistas, como Roberto Faissal, da Rádio Nacional, o Museu do Rádio tem relíquias como um rádio galena, do começo do século XX. POR B ERNARDO COSTA
Criado no dia 4 de março de 2004, por iniciativa de Augusto Ariston, então Presidente da Associação das Emissoras de Rádio e TV do Estado do Rio de Janeiro, o Museu do Rádio reúne objetos importantes que contam a História do mais popular meio de comunicação. O acervo foi iniciado com doações da família do radioator Roberto Faissal, do Dr. Álvaro Alberto Gomes Estima, do próprio Ariston e, pouco depois, começou a receber também contribuições de visitantes do Museu. Entre as curiosidades expostas, destaca-se um rádio galena da primeira década do século XX, de origem francesa. Feito em madeira, o modelo foi dos primeiros a serem fabricados e que tiveram grande uso entre soldados durante as duas Grandes Guerras, por terem tamanho reduzido e não precisarem de corrente elétrica para transmissão — era necessário apenas esticar um fio de 20 ou 30 metros para captar estações situadas a quilômetros de distância. Outra peça que merece destaque é um rádio em forma de pirâmide, que se abre e apresenta uma TV em seu interior. De origem japonesa, o aparelho, de 1978, é mostra da tentativa de fazer o rádio “conviver em harmonia” com advento da televisão, a partir da década de 50: — O rádio teve que ir se adaptando. Quando surgiu a televisão, era comum as pessoas afirmarem que o rádio ia acabar, mas não foi isso que aconteceu. O veículo foi passando por transformações — diz Ângela Peixoto, curadora do Museu. Alguns equipamentos que pertenceram à Rádio Roquette-Pinto, como um alto-falante dos anos 50, uma mesa de áudio de 1960 — ambos utilizados em transmissões externas, como as das partidas de futebol — e um microfone da década de 20 também estão expostos no Museu do Rádio: — Esse microfone é interessante — comenta Ângela. — Ele aparece muito em filmes de época, geralmente aqueles de gângsteres dos anos 20 e 30. Fotografias também ajudam a contar a história do rádio. Entre o material iconográfico encontram-se imagens de cantores que tiveram importante trajetória no veículo, como Cauby Peixoto e Orlando Silva, que integraram os quadros da Rádio Nacional; Nora Ney, famosa por sua interpretação de sambas-canção; Aracy de Almeida, considerada a maior intérprete de Noel Rosa; e Dircinha Batista, a primei22
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Acolhedor em seu grande salão de entrada, o Museu do Rádio conta com peças de grande valor histórico, com um radiotelevisor fechado JVC, de 1978, e um álbum com um resumo da radionovela Em busca da felicidade, sucesso arrasador no começo dos anos 40.
ra Rainha do Rádio eleita pela Associação Brasileira de Rádio. As radionovelas também estão materialmente representadas no Museu por diversas fotos antigas — como a do ator, autor e compositor Mário Lago e as dos integrantes da família Faissal,
grandes representantes do radioteatro, como a escritora Denise — e por uma capa de disco que continha canções de trilhas sonoras das tramas na voz de Albertinho Fortuna, “o garoto que vale ouro”, alcunha que o cantor recebeu em 1936, de César Ladeira, então Di-
retor Artístico da Mayrink Veiga. A curadora destaca: — É interessante percebermos que a televisão sempre imitou o rádio. Todas as telenovelas hoje em dia têm seu cd com a trilha sonora nacional e internacional, mas isso começou com as radionovelas.
COMEMORAÇÕES Ao lado do disco de Albertinho Fortuna encontra-se ainda um álbum com o resumo dos capítulos da primeira radionovela do Brasil, Em busca da felicidade, que estreou em 12 de julho de 1941 e permaneceu na programação da Rádio Nacional durante três anos, com os protagonistas Alfredo e Alice Medina interpretados por Rodolfo Mayer e Ísis de Oliveira. Nos itens do mobiliário em exposição, o rádio do tipo console traz um pouco o clima da época, quando as famílias se reuniam ao redor do rádio para escutar seus programas prediletos e discutir assuntos suscitados pelas transmissões. Alguns fatos importantes marcaram o ano de 1922, como a realização da Semana de Arte Moderna, a criação do Partido Comunista do Brasil, o levante dos 18 do Forte e o centenário da Independência do Brasil. Para a comemoração deste acontecimento, no dia 7 de setembro, foi organizada a Exposição Internacional, em cuja abertura o então Presidente Epitácio Pessoa teve seu discurso reproduzido por um sistema de radiotelefones em forma de cornetas. Era a primeira transmissão radiofônica no País. A demonstração foi organizada pela Western Electric, a Westinghouse e a Rio de Janeiro e São Paulo Telephone Company, por meio de uma pequena estação de 500W, instalada no alto do Corcovado. Além do discurso de Epitácio Pessoa, houve a execução da canção O aventureiro, da ópera O guarani,
de Carlos Gomes. Os sons ouvidos na Exposição também foram captados no Palácio Monroe, no Palácio do Catete, nos Ministérios, em Niterói e na Prefeitura de Petrópolis, graças a 80 receptores que vieram dos Estados Unidos e foram distribuídos para políticos e personalidades da época. No acervo do Museu do Rádio o visitante pode acompanhar também a repercussão do veículo na imprensa. A primeira seção jornalística especializada no novo meio de comunicação foi publicada nas páginas da Gazeta de Notícias, em 19 de abril de 1923, com o título Radiophonia. Em 13 de outubro do mesmo ano, editada pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, surgiu a primeira publicação dedicada inteiramente ao veículo, a Revista Rádio. Publicada bimestralmente, podia ser adquirida também em Buenos Aires e Montevidéu e tinha como anunciantes empresas produtoras ou revendedoras de equipamentos de rádio. Mais tarde, outras publicações especializadas se destacaram, como a Revista do Rádio — que circulou de 1949 a 1970, com tiragem média de 50 mil exemplares — e a Radiolândia, lançada em 52 e editada durante dez anos. Em São Paulo, merecem destaque o Guia Azul, que circulou de 1939 a 1948, e a Radar, que teve mais curta duração, de 51 a 53. O Museu do Rádio fica na Rua da Constituição, 78, no Centro do Rio, e está aberto a visitação gratuita de segunda a sexta-feira, das 12h às 17h.
No alto, um microfone RCA que pertenceu à Rádio Nacional nos anos 50, apogeu da emissora. E uma das grandes personalidades presentes no acervo iconográfico do Museu: o ator e compositor Mário Lago, um dos novelistas da Nacional até o golpe de 1964.
Um (re)descobrimento do Brasil Tanto quanto os bicentenários de 2008, um merece relevo especial: o da imprensa. POR VILSON A NTONIO ROMERO
Com as comemorações dos 200 anos da vinda – fugindo de Napoleão - da família real portuguesa ao nosso território – na época, deles! – parece que, de fato, neste ano da graça de 2008 celebramos o verdadeiro (re)descobrimento do Brasil. Tantas são as efemérides bicentenárias – das Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, do comércio exterior, da abertura dos portos, do Banco do Brasil, do Ministério da Fazenda, do Jardim Botânico, do Corpo dos Fuzileiros Navais, da Justiça Militar da União,... Por aí vai. Mas também deve ser saudado o bicentenário de uma instituição fulcral para a sociedade nacional - importante para a consolidação do que se pode chamar de cidadania e transparência: a imprensa brasileira. O marco inicial de nossos meios de comunicação social data deste mesmo 1808, quando passou a circular, em 1º de junho, o Correio Braziliense, editado em Londres por Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, aliás Hipólito da Costa, gaúcho da então gaúcha Colônia de Sacramento, hoje território uruguaio. Até 1999, o Dia da Imprensa era comemorado em 10 de setembro, em referência à Gazeta do Rio de Janeiro. Dom João VI aportou em 22 de janeiro de 1808 na Bahia, assinou a Carta Régia abrindo os portos brasileiros às nações amigas, e entre outras providências, depois de instalado no Rio de Janeiro, criou também – mais tarde – este (a Gazeta), que era o jornal oficial da Corte. Pois o primeiro jornal brasileiro não-oficial – o Correio - era impresso em Londres, onde Hipólito estava refugiado, escapando da prisão, com o auxílio da maçonaria – que diziam estar difundindo em Portugal. Dizem também os historiadores que se constituiu na mais completa tribuna de análise e crítica dos cenários político e econômico português e brasileiro, até 1822, ano em que foi encerrada a sua publicação. A marca voltaria em 1960, em Brasília, intitulando um dos jornais do grupo Diários e Emissoras Associados, ainda do então poderoso paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, o Chatô. Mas desde 1808 muito pode ser contado da evolução da imprensa tupiniquim, que engatinhou nos moldes das prensas de Johan Gutenberg, porém registrou um crescimento vertiginoso no período, em especial nas últimas décadas deste bicentenário, ora saudado em loas. Passou o Império, veio a República com ditaduras, guerras de secessão e revoluções, períodos de democracia e ditadura. E nossos jornais seguiram trilhando o caminho de registro impresso da História. Para quem já ouviu o vaticínio do fim dos tempos ao jornalismo impresso, em decorrência do surgimento e aperfeiçoamento de outras mídias eletrônicas – rádio, tv e internet, com sua instantaneidade, o que se comprova é que, no Brasil, a imprensa escrita e, como tal, toda a mídia segue cada vez mais pujante. Apesar de apenas 45 em cada mil brasileiros comprarem jornais diariamente, em contraposição aos japoneses, onde há 633 leitores em cada mil habitantes, segundo dados da Associação Mundial de Jornais (Wan, da sigla em inglês), o jornalismo impresso não pode se queixar. A circulação dos 92 jornais filiados ao Instituto de Verificação de Circulação–IVC aumentou mais de 10% em 2007, chegando à média diária de 4,14 milhões de exemplares distribuídos. Acompanha, pois, o fenômeno mundial também atestado pela Wan que indica crescimento de 9,95% na circulação mundial dos jornais entre 2000 e 2005. A par disto, as garantias e liberdade individuais em evolução, o desenvolvimento das tecnologias de informação e o aculturamento do povo têm exigido e contribuído para a melhora do nível, a agilidade e a qualidade da informação que chega aos consumidores e cidadãos. A despeito de ainda padecer com uma legislação retrógrada para o setor e alguns episódios isolados de atentados à liberdade de expressão, permanentemente vigiados, combatidos e denunciados, o bicentenário da imprensa nacional deve, com certeza, ser bem comemorado. Mesmo que, com isto, mostremos que estamos, de novo, redescobrindo o Brasil. O impresso bicentenário Brasil. Pela imprensa...Escrita, falada e televisada, como diziam antanho... Vilson Antonio Romero (vilsonromero@yahoo.com.br) é jornalista e funcionário público. Diretor da Associação Riograndense de Imprensa–Ari, é também Conselheiro da Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais.
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Aconteceu na ABI
A derrubada de Allende, em 1973 A Casa da América Latina mostra o filme produzido dois anos depois do golpe de Pinochet. POR B ERNARDO COSTA
O Cineclube da Casa da América Latina exibiu no Auditório Oscar Guanabarino da ABI no dia 16 de junho o filme Chove sobre Santiago, como forma de homenagear o centenário de Salvador Allende, Presidente do Chile deposto em 1973. O filme, dirigido por Helvio Soto em 1975, relata a preparação e execução do golpe de Estado, consumado em 11 de setembro de 1973 pela extrema direita chilena, que destituiu o Governo da Unidade Popular e instaurou a ditadura militar, comandada pelo General Augusto Pinochet, então Comandante do Exército, nomeado por Allende. O filme mostra que as forças reacionárias chilenas contaram com apoio direto do Governo dos Estados Unidos e dos regimes ditatoriais que já estavam em curso na América Latina, como o brasileiro, lembrou Mário Augusto Jakobskind, membro da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão da ABI, na abertura da sessão. — Allende foi derrubado por um golpe sangrento, que teve apoio dos EUA e do Brasil. Não podemos esquecer do Embaixador brasileiro Cândido da Câmara Canto, que era tido como o quarto homem na hierarquia de poder do Chile e teve participação efetiva na implantação do golpe — disse Mário Augusto. Após a exibição, houve debate da platéia com os ex-líderes estudantis Jean Marc Van Der Welde e Carlos Alberto Muniz, que, perseguidos pela ditadura no Brasil, se exilaram no Chile e presenciaram o golpe que matou Allende. — A violência do golpe, extremamente brutal e sem precedentes, não foi somente contra as lideranças da Unidade Popular, mas também contra amplos setores da população, representando uma fratura na sociedade chilena — afirmou Muniz. — É importante rememorar a história de patriotismo do povo chileno, sob a liderança de Allende, principalmente no Brasil, que vive culturalmente de costas para a América Latina. Mais homenagens
Outros eventos em homenagem ao centenário de Salvador Allende foram programados em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília: em 25 de junho, ato solene no Congresso Nacional; no dia 26, sessão na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo; no dia 27, entrega da Medalha Tiradentes in memoriam a Allende, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio. 26
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Obra-prima de Gláuber abre o ciclo A Imprensa no Cinema Em comemoração ao seu centenário e aos 200 anos da Imprensa Régia, a ABI iniciou no dia 5 de junho a mostra A Imprensa no Cinema, inaugurada com a exibição de Terra em Transe, de Gláuber Rocha, selecionado porque, além de ser um filme que discute a imprensa, foi dirigido por um jornalista — explicou Jesus Chediak, Diretor Cultural da ABI e coordenador do evento, que aplaudiu a parceria da Casa com a Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira-Acie e o Colégio Pedro II, co-patrocinadores do ciclo. — Estaremos formando platéia e difundindo o cinema e o jornalismo para as futuras gerações – disse Chediak. Até o fim do ano, sempre às quintas-feiras, serão exibidos clássicos da Sétima Arte como Cidadão Kane, Todos os Homens do Presidente – apresentado em junho –, Carlitos Repórter e A Montanha dos Sete Abutres. Os filmes incluídos na programação fazem parte da coleção particular do cineasta, jornalista e pesquisador Dejean Pellegrin, sócio da ABI, um dos fundadores da Ci-
Jardel Filho e Paulo Gracindo numa cena de tensão de Terra em Transe.
nemateca do Museu de Arte Moderna e curador da mostra. — A expectativa é que A Imprensa no Cinema cumpra a sua função de valorizar a arte cinematográfica e o jornalismo, oferecendo ao público uma
Bogart em seu último filme A mostra A Imprensa no Cinema teve prosseguimento no dia 12 de junho com a exibição do filme A Trágica Farsa, de Mark Robson, uma produção de 1956 que apresenta os protagonistas — vividos por Humphrey Bogart, Rod Steiger e Jan Sterling — num enredo em que um jornalista é incitado por um empresário a promover um lutador de boxe, Toro Moreno, que ambos sabem não ser dos melhores. Com muito dinheiro em jogo, lutas são arranjadas e matérias favoráveis ao lutador são publicadas na imprensa, culminando numa grande farsa envolvendo o bo-
xeador, que não desconfia de nada. O diretor já abordava a influência da mídia e os perigos de se moldar a realidade para produzir os efeitos desejados por uma minoria, caso que se agrava hoje em dia, com o alcance cada vez mais amplo dos meios de comunicação. A Trágica Farsa apresenta a última participação de Bogart no cinema — o ator morreu no ano seguinte, de câncer, aos 58 anos. Também integram o elenco Mike Lane, Max Baer, Edward Andrews, Nehemiah Persoff, Carlos Montalbán, Jersey Joe Walcott e Harold Stone.
Todos os homens de Nixon A mostra A Imprensa no Cinema exibiu no dia 26 de junho Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula, que conta a história verídica dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, os repórteres que investigaram o escândalo político Watergate, na década de 70. Dustin Hoffman e Robert Redford estrelam a produção norteamericana de 1976, na pele dos jornalistas do Washington Post, que des-
vendam a ligação entre o Governo de Richard Nixon — derrubado pelo caso — e a invasão da sede do Partido Democrata, adversário do Presidente. O roteiro é baseado no livro escrito por Bob Woodward (Redford). O filme foi premiado em 1977 com quatro Oscars — melhor ator coadjuvante, direção de arte, som e roteiro — e indicado aos prêmios Bafta e Globo de Ouro.
programação de qualidade — destaca Dejean, que lembra um comentário de Gláuber como a melhor definição de Terra em Transe: “É um filme sobre o que existe de grotesco, horroroso e podre na América Latina. Não é um filme de personagens positivos, não é um filme de heróis perfeitos”. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, esteve na abertura do evento, que reuniu na platéia jornalistas e cineastas, como José Rezende, Mário Augusto Jakobskind, Zilmar Basílio, Leila Richers. — Nunca consegui assistir a Terra em Transe por inteiro e esta é uma oportunidade para conhecer a obra cuja cópia foi recuperada — disse Leila Richers, que atualmente finaliza a edição de um documentário. Filmado em 1967 e apresentado em cópia restaurada, o drama se passa num país fictício chamado Eldorado, onde o jornalista e poeta Paulo Martins oscila entre diversas forças políticas em luta pelo poder: um líder de direita, um político populista e o dono de um império de comunicação. Clássico do Cinema Novo, — que chegou a ser censurado em razão das referências e duras críticas à ditadura — recebeu prêmios no Brasil e no exterior de melhor filme, direção e argumento (Gláuber Rocha), atriz (Glauce Rocha), ator coadjuvante (José Lewgoy), fotografia (Dib Lútfi) e montagem (Eduardo Escorel), entre outros. O longa conta com grandes nomes na produção — como os cineastas Cacá Diegues, Zelito Vianna e Luiz Carlos Barreto, que também assina a direção de fotografia — e no elenco, que reuniu Paulo Autran, Jardel Filho, Paulo Gracindo, Hugo Carvana, Mário Lago, Jofre Soares, Emanuel Cavalcânti, José Marinho e Flávio Migliaccio.
HOMENAGEM
Prudente, uma saudade na parede Nova sede da Sucursal Rio do Estadão inaugura retrato de seu ex-Diretor e Presidente da ABI nos anos 1975-1977. O jornal O Estado de S. Paulo deu um toque afetivo à inauguração da nova sede de sua Sucursal no Rio de Janeiro: além das novas instalações, foi inaugurado na sala de reuniões da Redação um retrato do jornalista Prudente de Morais, neto, que durante muitos anos foi articulista do jornal, no qual escrevia sob o pseudônimo de Pedro Dantas. Prudente, Presidente da ABI de 1975 a 1977, quando faleceu, foi também diretor da mesma Sucursal nos anos 60 e começo dos anos 70, quando foi substituído no cargo por Villas-Bôas Corrêa, sem perder o vínculo com o jornal, no qual continuou a atuar como articulista. Para o ato de inauguração, no começo da tarde do dia 17 de junho, o Diretor da Sucursal, Flávio Pinheiro, convidou antigos companheiros de Prudente no Estadão, como Villas-Bôas, Teixeira Heizer e Antônio Carlos de Carvalho, e na ABI, como Maurício Azêdo e Ancelmo Góis, que conviveram com ele quando Presidente da Casa. O Diretor de Redação do Estadão em São Paulo, jornalista Ricardo Gandour, veio especialmente para o ato. Também esteve presente o jornalista Marcos Sá Corrêa, filho de Villas-Bôas e companheiro de Flávio Pinheiro em diferentes redações, como as do Jornal do Brasil e da Veja no Rio de Janeiro. Evocações Num ato sem formalismo, diante da equipe da Sucursal, Teixeira Heizer, Maurício e Villas fizeram breves relatos sobre aspectos da trajetória de Prudente, com o qual Heizer trabalhou inicialmente no Diário de Notícias, em que Prudente era editorialista e cronista político. Heizer contou que, após o fechamento diário da edição, ele, Ivan Alves e um ou outro companheiro acompanhavam Prudente até o ponto de lotações no fim da Avenida Rio Branco, em frente ao antigo Senado Federal, onde ele embarcava para o Lins, subúrbio onde morava. De paletó e gravata, por vezes de colete, carregando a bengala e uma pasta de couro de que nunca se separava, Prudente ia contando casos, especialidade em que era mestre, pelo encanto da narrativa e pelas aventuras que vivera. Quando deixou o Diário de Notícias para assumir a Direção da Sucursal do Estadão, ele fez questão de que Teixeira Heizer e Ivan Alves fossem trabalhar com ele. Maurício lembrou que, sobrinho de um ex-Presidente da República, Prudente integrava a elite política e cultural, mas tinha grande paixão pela música popular e seus criadores, como Sinhô e
Prudente de Morais, neto na fotografia que a Sucursal do Estadão emoldurou para ilustrar sua sala de reuniões: no flagrante, seus hábitos de escrever à mão e de não se separar do cigarro, que ele acendia no outro que acabava.
Ismael Silva, que estavam produzindo no começo dos anos 20 a base do principal gênero musical do País, o samba. Na juventude, ele percorria as lojas da Rua da Carioca que vendiam partituras musicais e discos de 78 rotações para indagar se havia alguma música nova de Sinhô ou de Ismael Silva: — O jornalista Sérgio Cabral contava que quando Prudente dirigiu a antiga Superintendência da Moeda e do Crédito, a famosa Sumoc, que tinha nos anos 50 e 60 a importância que tem hoje o Banco Central, muitas vezes o gabinete dele exibia externamente, no alto da porta, uma luz vermelha, indicando que o titular do cargo estava mantendo um encontro importante. Lá dentro, contava Sérgio Cabral, o Dr. Prudente recebia um visitante para ele especialmente ilustre: Ismael Silva, que de violão em punho cantava composições que Prudente admirava — disse Maurício. Contou ainda Maurício que Prudente concordou em assumir a Presidência da ABI após um trabalho de persuasão feito pelo jornalista Mário Cunha, que era Secretário de Redação da Sucursal Rio do Estadão e na qual trabalhava na época em que Prudente a dirigira. Prudente, que apoiara o golpe militar de 1º de abril de 1964, do qual fora um dos teóricos, estava em oposição à ditadura desde a edição, em 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5, que ele definira como a “antilei”, uma aberração jurídica. Mário convenceu-o de que era importante que a ABI, desfalcada pela morte inesperada de Danton Jobim logo após sua eleição para novo mandato como
Presidente da Casa, tivesse à frente uma personalidade da dimensão política e intelectual dele, Prudente: — Prudente aceitou o desafio — contou Maurício. — Em 25 de otubro de 1975, meses após o começo de seu mandato, foi assassinado no Doi-Codi de São Paulo o jornalista Vladimir Herzog, crime que desencadeou a mobilização dos jornalistas e dos setores intelectuais de todo o País. Prudente teve uma atuação corajosa nesse episódio e em outros casos de violação dos direitos humanos, que a partir de sua gestão passaram a ocupar o primeiro plano das preocupações e das ações da ABI. O mestre Villas-Bôas Corrêa recordou que trabalhou com Prudente na Sucursal do Estadão e foi honrado com o convite para substituí-lo: — Prudente era um mestre da cobertura e da crônica política e aprendi muito com ele — afirmou. Lembrou ainda Villas que, como cronista político do Estadão, nos anos 70, redigia diariamente uma coluna, a Destaque, publicada na página de editoriais. A partir do AI-5 e da instituição da censura prévia nas redações dos jornais, tinha dificuldade de acesso a fontes de informação: — Por sorte — contou —, tínhamos algumas fontes que conseguimos preservar, as quais não podiam ser reveladas. Uma das minhas melhores fontes era o então Ministro Delfim Neto, o todo-poderoso Ministro da Fazenda, com o qual eu me encontrava toda terça-feira às 7h, em seu gabinete, no Ministério. Delfim tinha
uma vitalidade impressionante. Um dia um de seus assessores me relatou que havia saído de um prolongado jantar com o Ministro, numa boate, às três da manhã. Delfim foi para casa, passou uma hora numa banheira de água quente, dormiu umas poucas horas e às sete da manhã lá estava para o nosso encontro. Villas revelou desencanto e pessimismo em relação à situação política do País, porque considera que a classe política se encontra por demais desgastada, o Congresso está com péssima imagem, faz gastos perdulários, como os da verba de gabinete dos deputados, superior a R$ 60 mil por mês, e perde o respeito da opinião pública: — Isso não vai terminar bem, não pode terminar bem — concluiu. A nova casa A nova sede da Sucursal Rio do Estadão fica no 9º andar do edifício da Avenida Rio Branco, 128, um prédio modernizado que tem entre seus ocupantes a Generali, empresa italiana de seguros; serviços da Companhia Vale do Rio Doce; e poderosos escritórios de advocacia. É este o terceiro endereço da Sucursal, que durante muitos anos ocupou o 8º e o 9º andar da Rua da Quitanda, 3, e estava até recentemente na Avenida Almirante Barroso. O telefone da sucursal é (21) 2508-3100. O Diretor da Sucursal, Flávio Pinheiro, que já dirigiu a Redação do Estadão em São Paulo e a Redação da Editora Abril no Rio de Janeiro, prepara-se para assumir a Direção do Instituto Moreira Sales, sediado no Rio. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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DEPOIMENTO
POR CLÁUDIA DE SOUZA*
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FRANCISCO UCHA
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efinir o jornalista Sérgio Cabral é difícil. Mas uma coisa é inegável: ele é um homem tanto de paixões, como de grandes histórias. Representante do mais autêntico espírito carioca, esse vascaíno notório cultiva o amor pela música popular brasileira e seus personagens desde que começou sua aventura jornalística no vespertino Diário da Noite, ainda nos finais dos anos 1950. Nesse período em que foi repórter, redator e cronista em diversos jornais do Rio, colocou o jornalismo de qualidade a serviço do resgate da cultura e da música brasileiras. – Adoro ler biografias e livros de memórias. Quero saber da vida das pessoas – confessa. De fato, é algo tão forte que, no passado, o levou a fazer diversas peripécias. Como colocar um gravador escondido debaixo da mesa, quando ia jantar com Tom Jobim no tradicional restaurante Antonio’s, no Leblon – façanha depois confessada ao amigo. Quando lembra desses episódios, Sérgio ri. Da coleção de fitas “clandestinas”, reconhece que pouca coisa pôde ser aproveitada. A maior parte das gravações eram brincadeiras, piadas, risos e falas incompreensíveis. Ainda assim, sua biografia do músico e compositor é apontada como uma das melhores já escritas sobre o autor de Garota de Ipanema. Mas não ficou apenas nele. Grande Otelo, Pinxiguinha, Ari Barroso e Elisete Cardoso foram outros nomes biografados por Sérgio. Junto com suas diversas obras sobre música, ele provou que também há lugar para a arte na página impressa. Além de escrever, Sérgio também colocou a mão na massa. É autor de composições de sucesso como Os meninos da Mangueira, feita em parceria com Rildo Hora; criador do Teatro Casa Grande e também fundador de publicações como O Pasquim. Pai do atual Governador do Rio – Sérgio Cabral Filho – também foi militante e político, exercendo três mandatos como vereador a partir de 1983 e no Tribunal de Contas do Município, em 1993. Aos 71 anos, esse carioca natural de Cascadura não pensa em parar tão cedo. Nesta entrevista, que concedeu com exclusividade ao Jornal da ABI, Sérgio Cabral contou um pouco dessas histórias e de sua trajetória. E ainda analisou o que a imprensa tem feito quando o assunto é cobertura de música e cultura. – Não conheço qualquer publicação que faça a contento a cobertura sobre nossa música. Já os suplementos e cadernos de cultura estão mais preocupados com o que vem de fora. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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FOTOS: ACERVO SÉRGI CABRAL
SÉRGIO CABRAL CARIOCA DE NASCIMENTO, VOCAÇÃO E PROFISSÃO
Jornal da ABI – Por que você optou pela profissão de jornalista? Sérgio Cabral – Eu queria ser escritor, mas percebia que a profissão era desvalorizada no Brasil. Achava também que não tinha talento para escrever, muito menos para viver de livros. Ainda jovem, escrevi um conto e enviei para o concurso literário do suplemento dominical do Jornal do Brasil. A pessoa que analisava o material fez o seguinte comentário sobre o meu texto: “Sem nexo”. Encerrei ali minha carreira de ficcionista, mas descobri que poderia ganhar dinheiro escrevendo, desde que fosse jornalista. Jornal da ABI – Como foi o início de sua carreira? Sérgio Cabral – Comecei em 1957, no Diário da Noite, como estagiário. Minha família era muito pobre e, como eu não tinha de onde tirar dinheiro, precisava do registro profissional para ter um salário. Assim que comecei a trabalhar em jornal, fiquei completamente apaixonado pela profissão. Passava as noites trabalhando na redação, dormia em cima da mesa. Quando fazia frio, abria uma bobina de papel e me cobria. Certa vez, por volta das três da manhã, os redatores estavam fechando o jornal, todos muito cansados, pois tinham três ou quatro empregos. Percebi que o João Rocha, redator-chefe, estava com dificuldade para escrever um título pequeno, para uma notinha de dois parágrafos. Ele batia na máquina, arrancava o papel, iniciava outro texto, tornava a arrancar. Passei por trás dele, li a nota, fui para um canto, fiz um título e botei discretamente na sua frente. Ele olhou aquilo espantado e perguntou quem tinha feito o título. Quando respondi que tinha sido eu, ele virou-se imediatamente para o Geraldo de Barros, secretário de Redação, e indagou: “O Sérgio Cabral já foi registrado?” Com a resposta negativa, sentenciou: “Então, registra amanhã!” Jornal da ABI – Quais eram o título e a notícia? Sérgio Cabral – A notícia era sobre fortes chuvas que atingiram uma cidade mineira, causando sérios prejuízos. Procurado por um deputado, pedindo ajuda financeira para a cidade, Juscelino Kubitschek, então Presidente da República, garantiu que liberaria a verba. Então, escrevi o seguinte: JK promete dar o que temporal tirou. Sou jornalista graças a este título. Jornal da ABI – Que tipo de matéria você passou a cobrir depois de registrado? Sérgio Cabral – Cobria vários assuntos, mas uma das primeiras matérias foi sobre concurso de miss. Outro dia escrevi uma crônica no Lance!, lamentando a ausência da bandeirinha Ana Paula, dizendo que o futebol estava mais feio sem ela, que seria maravilhoso olhar para o campo e ver aquelas pernas, porém lembrando que sou um 30
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senhor de 70 anos e minha intenção não é “cantar” ninguém. Eu uso o jornal para fazer essas coisas e já na primeira vez em que fiz isto o resultado foram três filhos e dez netos. (risos) Jornal da ABI – Conte esta história... Sérgio Cabral – A candidata a Miss Rio de Janeiro seria lançada em um concurso num clube carioca. Organizaram uma feijoada para o grupo que trabalhava no concurso e eu fui convidado. Chegando lá, um dos diretores veio falar comigo, pedindo para eu “cantar” uma moça que estava próxima a nós, convencendo-a a se candidatar. Ao invés de “cantar” para o concurso, decidi “cantá-la” pra mim. Comecei a alimentar a candidatura da moça nas minhas matérias, escrevendo que Vereador à Câmara Municipal do Rio, Cabral homenageou o Deputado Ulisses Guimarães durante a campanha Diretas Já e concedeu o título de Cidadã Benemérita do Rio à Divina Elisete Cardoso.
mas continuei atuando como repórter e copidesque. Não ganhava nada para escrever para o Caderno B, mas gostava muito de fazê-lo.
ela namorava um jornalista que não concordava com a sua participação no concurso. Certo dia, quando retornei ao clube, ela estava com uma amiga que se aproximou de mim, perguntando se o que eu tinha escrito era verdade. Eu disse que para mim ela era mesmo minha namorada. Pois a possível candidata a miss afirmou que para ela também. Foi a primeira coisa que o jornalismo me deu: três filhos, dez netos e 46 anos de casamento. Jornal da ABI – Como foi seu início no Jornal do Brasil? Sérgio Cabral – Comecei em dezembro de 1959, pouco antes do Carnaval de 1960. O JB destacava dois repórteres para cobrir o evento, que ganhava duas páginas. Senti que conquistava prestígio com as minhas matérias e entrevistas sobre o tema. Logo após o Carnaval de 61, Reynaldo Jardim, editor do recém-criado Caderno B, pergun-
tou se eu gostaria de ter uma página para escrever sobre música popular às quintas-feiras, com pauta livre. O título da coluna, dado pelo próprio Reynaldo, era Música naquela base. Aceitei,
Jornal da ABI – Qual era a sua rotina de trabalho nessa época? Sérgio Cabral – Cheguei a trabalhar no Diário da Noite e no Jornal do Brasil ao mesmo tempo. Mas não agüentei, principalmente porque morava em Cavalcante. Eu entrava no Diário às cinco da manhã, almoçava no Saps – o Serviço de Alimentação e Previdência Social criado por Getúlio Vargas em 1940, para garantir comida de graça aos trabalhadores – e seguia às 14h para o JB, onde trabalhava até meia-noite. Como não tinha tempo para dormir, chegava lá, lia a minha pauta e se a primeira matéria foss, por exemplo, às 16h, sentava no banheiro e caía no sono. Todos os dias os colegas me despertavam, gritando “sai pra lá, Sérgio!”, “acorda aí, Sérgio!” Então, saí do Diário da Noite e fiquei só no JB até novembro de 1962,
Cabral tem uma relação carnal com o Rio, mas não esconde que está ligado afetivamente também ao Município de Paraíba do Sul, RJ, que deu seu nome a uma escola pública.
quando houve uma greve dos jornalistas e eu fui demitido. Aliás, acho que sou o único jornalista da história do Brasil demitido duas vezes de jornal por causa de greve. A segunda foi em 1986, na greve do Globo. Eu era contra, pois acreditava que o movimento não tinha respaldo. Contudo, fui à assembléia e, como todo mundo apoiou, não seria eu o furador de greve. Então, não entreguei a matéria para a minha coluna, e fui demitido. Além de mim, foram mandados embora do JB Maurício Azêdo, Ana Arruda, Nilson Lage, um grupo bom. Para piorar nossa situação, os donos de jornais decidiram não contratar nenhum grevista demitido. Jornal da ABI – Como você enfrentou essa fase? Sérgio Cabral – Minha mulher estava grávida do meu filho mais velho, o atual Governador do Estado do Rio, e eu não tive jeito de dizer para ela que estava desempregado, porque o JB era o emprego que eu julgava ser para a vida inteira. A Condessa Pereira Carneiro, dona do jornal, gostava de mim. Então, um amigo me aconselhou a levar minha esposa para assistir ao filme Uma vida difícil, do Dino Risi, que conta a história do repórter de um jornal comunista que denuncia grandes empresários italianos envolvidos num esquema de envio de dinheiro para a Suíça. A reportagem fazia sucesso, mas o profissional vivia numa dureza danada, porque o jornal não pagava, não tinha receita. Cansada da miséria, a mulher dele decide abandoná-lo, indo viver com a família no interior. Certo dia, um grande empresário convida o jornalista para ser seu secretário, ganhando um salário absurdo. Pensando na mulher, ele aceita, compra um carrão e vai atrás dela. Ao chegar na cidadezinha com o carro moderníssimo, consegue reconquistar a esposa. O tempo passa e o empresário começa a humilhá-lo, maltratá-lo, e ele lá, puxando o saco do cara. No fim do filme, acontece uma festa na casa do empresário, à beira da piscina. O jornalista-secretário deixa o sifão cair na hora de servir um convidado. O patrão passa nesta hora, arranca o sifão da mão dele e lhe atira a bebida no rosto. O jornalista revida com um soco no empresário, que cai dentro da piscina. Na cena final, o repórter vai embora com a mulher, orgulhosa da atitude do marido. Na saída, perguntei para a minha mulher: “Você achou que ele agiu certo?” E ela respondeu: “Claro. Ele tinha toda a razão!” Foi a deixa para eu confessar: “Sabe o que é... comigo aconteceu algo parecido.” Jornal da ABI – Daí em diante sua vida também se tornou muito difícil? Sérgio Cabral – Sim. Durante dois meses, sobrevivi graças ao dinheiro arrecadado a partir de uma lista feita por colegas de redação, principalmente do Jornal do Brasil. Quando meu pai morreu, eu tinha apenas 3 anos de idade. Passei a vida inteira em busca da figu-
Jaguar nos reunimos e decidimos fazer outro jornal no lugar de A Carapuça, que o Jaguar batizou de O Pasquim. A primeira edição saiu em junho de 1969. A tiragem de 14 mil exemplares se esgotou às dez da manhã, o que nos obrigou a rodar outra. No segundo número, foram vendidos 40 mil exemplares e assim por diante, até novembro, quando fizemos uma festa comemorando 100 mil exemplares. No ano seguinte, já vendíamos 200 mil, uma loucura! A redação era alegre, o clima era bom, engraçado, e enfrentávamos a censura. Em 1º de novembro de 1970, fomos presos.
Repórter e crítico de música popular, Cabral contribuiu para a consolidação da carreira e a projeção de intérpretes talentosos como Alcione, a Marrom, e Emílio Santiago.
ra paterna e consegui dois pais: Jacob do Bandolim e o jornalista Prudente de Morais, neto, que eu amava. Quando soube da minha demissão, Prudente me telefonou, revoltado. Na época, ele era Diretor da Light e me ofereceu trabalho. Você não pode imaginar o que significava para um homem de esquerda como eu trabalhar na Light naquela época. Eu me sentia reproduzindo a história do tal jornalista do filme. Antes de dar a resposta, consultei o Partido por intermédio do Roberto Morena, que me incentivou a aceitar, lembrando que havia uma base boa do Partido lá dentro. Em seguida, o Diário Carioca, que era um jornal maravilhoso e, felizmente, irresponsável, foi logo desrespeitando o acordo dos patrões e me contratou. O Diário foi a melhor redação em que eu trabalhei em toda a minha vida – e olha que eu atuei em praticamente todos os jor-
nais do Rio. Ele só tinha um grande inconveniente: não pagava. Então, fui para a sucursal da Folha de S.Paulo. E em 1966 recebi convite para ser o Diretor Artístico do Teatro Casa Grande, na época conhecido como Café-concerto Casa Grande. Tinha restaurante, venda de discos, livros... Uma coisa fantástica! Decidi sair da Light, mas continuei na Folha, redação onde atuei por mais tempo, de 1963 a 69. Jornal da ABI – Como foi a ida para O Pasquim? Sérgio Cabral – Eu trabalhava na Folha e na Última Hora, onde o Tarso de Castro era um sucesso como cronista e foi procurado por um cara que tinha feito com Sérgio Porto um jornal chamado A Carapuça. O Sérgio Porto tinha morrido, em setembro de 68, e ele queria ressuscitar a publicação. Tarso, eu e
Jornal da ABI – Como ocorreu a prisão? Sérgio Cabral – Eu estava em Campos, num encontro de estudantes, para falar sobre O Pasquim. Um sucesso! Após o evento, me levaram para um clube. Para você ter uma idéia, às oito da manhã eu estava dentro da piscina do clube, só de cueca, quando recebi o recado da minha mulher, pedindo que eu telefonasse com urgência para casa. Só podia ser alguma coisa grave, pensei. Nessa época eu morava no Leblon, perto da praia, e meus três filhos eram muito pequenos. O mais velho tinha 7 anos. “Será que meus filhos morreram afogados? Preciso voltar rapidamente! Tenho que voltar!”, concluí, angustiado. Segui até a redação do jornal Monitor Campista, liguei pra casa e perguntei: “O que houve, Magali?” “O Exército invadiu O Pasquim e estão atrás de você!”, disse ela. “Ai, que alívio!”, devolvi. Garanto que esta foi a melhor notícia que recebi em toda a minha vida. Voltei para o Rio e me escondi. Um dia na casa da Leila Diniz, outro no estúdio do Millôr Fernandes... Até que o Paulo Francis, que já estava preso, te-
Dotado de permanente bom humor, Cabral trabalhou em quase todos os jornais diários do Rio, sempre exibindo o sorriso largo, espontâneo, da alegria de fazer ou falar daquilo de que gosta: jornalismo, gente, música popular, sobretudo a brasileira, sua grande paixão.
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SÉRGIO CABRAL CARIOCA DE NASCIMENTO, VOCAÇÃO E PROFISSÃO
nunca abandonei o trabalho em jornal. Em 93, fui para o Tribunal de Contas e, por força do cargo, não poderia ser remunerado para escrever. Fiquei fora da imprensa, mas me realizava escrevendo livros.
lefonou para O Pasquim, dizendo que o pessoal do Exército só queria fazer umas perguntas rápidas para mim, que editava o jornal, e ao Jaguar, e depois nos liberaria. Tomei conhecimento do recado dele porque, apesar de escondido, sempre mantinha contato com a redação. “Se é só isso que eles querem, vou até lá”, decidi, ingênuo. Fiquei preso dois meses. Jornal da ABI – O que aconteceu depois? Sérgio Cabral – A censura apertou demais. Tínhamos que mandar o jornal para Brasília, uma coisa terrível. O pior ano da minha vida foi 1971. O Pasquim perdeu toda a receita, porque os anunciantes ficaram com medo. Havia ainda sabotagem nas bancas, com ameaças de explosões aos jornaleiros que ousassem vender a publicação. Fui despejado, pegava dinheiro emprestado em banco, não conseguia pagar, recorria a um segundo banco para conseguir pagar o terceiro... Continuei nO Pasquim apenas como colaborador e, no início de1972, fui para São Paulo trabalhar na Editora Abril, ganhando muito bem como editor da revista Realidade. Foi um período ótimo. Permaneci lá durante o ano inteiro, mas eu tenho um problema: sou carioca de nascimento, vocação e profissão. Só sei escrever sobre o Rio de Janeiro, sobre as coisas do Rio. Trabalhando em São Paulo, vim ao Rio e encontrei Ciro Monteiro na Cinelândia. “Vamos tomar um chope?”, perguntei, animado. Fomos para o Amarelinho, apareceram outros amigos e nós ficamos ali conversando, naquela tarde linda, um papo ótimo. Saindo dali, imediatamente telefonei para casa: “Magali, faça as malas pois estamos voltando para o Rio”, disse. “É mesmo?”, perguntou ela. “É. Consegui um emprego”, menti. Voltei no início de 1973. Como não tinha emprego, não tinha casa, não tinha nada, fomos morar com uma amiga. Tentei entrar em jornal, mas naquela época estava muito complicado. Certo dia, encontrei o Martinho da Vila, que, sem saber das minhas dificuldades financeiras, perguntou: “Você não quer ser produtor de disco, não?” “Mas o que faz um produtor de disco?”, indaguei. “A mesma coisa que você faz aí, esses shows, essas coisas que você faz aí, ora!” Jornal da ABI – A partir de então, o trabalho com a música se intensificou?
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Jornal da ABI –Quando começou a escrever livros? Sérgio Cabral – Na década de 70. Em 1974, lancei As escolas de samba – o que, quem, onde, como, quando e por quê; em 78, venci o concurso de monografia da Funarte com Pixinguinha, vida e obra. Na época do Pasquim – que tinha uma editora –, alguns artigos meus foram reunidos em ABC de Sérgio Cabral (1979). Depois, escrevi Tom Jobim (1987); No tempo de Ari Barroso (1993); Elisete Cardoso, vida e obra (1994); As escolas de samba do Rio de Janeiro (1996); A música popular brasileira na era do rádio (1996); Antonio Carlos Jobim - Uma biografia (1997); Livro do Centenário do Clube de Regatas do Vasco da Gama (1998); Mangueira - Nação verde e rosa (1998); Nara Leão - Uma biografia (2001) e Grande Otelo - Uma biografia (2007). Retratado por diversos artistas, Sérgio Cabral guarda com carinho estas duas caricaturas: o desenho de Chico Caruso, de 1991, e a pequena escultura por Zé Andrade, artista baiano radicado no Rio. Abaixo, carteira de sócio do Centro Sportivo de Amadores, de 1955.
Sérgio Cabral – Iniciei ali uma carreira de dez anos, conciliando com o trabalho em jornal, pois logo depois comecei no Diário de Notícias, onde, durante dois ou três anos, assinei a coluna Esquema carioca, cujo tema era o Rio de Janeiro. Fiz ainda textos sobre música popular no Globo e escrevi para alguns programas da TV Globo. Finalmente eu retomava a minha vida. O Pasquim ainda é uma das publicações mais festejadas da imprensa brasileira. Ainda existe espaço para publicações deste tipo no País? Sérgio Cabral – Eis uma pergunta que gostaria de saber a resposta. Acostumado a enfrentar a censura, tudo indica que O Pasquim não soube o que fazer depois da abertura democrática. Pelo menos, foi o que apontaram as vendas do jornal. Na verdade, O Pasquim sobreviveu tantos anos, graças à decisão quase heróica do Jaguar, de mantê-lo vivo, apesar dos prejuízos financeiros, que não foram poucos. Jornal da ABI – Em que época você deu aulas de Jornalismo? Sérgio Cabral – Foi entre as décadas de 80 e 90, em uma faculdade de Comunicação. A dica que eu dava era a seguinte: trabalhe em jornal, mas descubra uma área e dedique-se a ela. Pode ser cinema, economia, ou lá o que for. Se você se der bem naquilo que escolheu, raramente ficará desempregado. A minha escolha, sem dúvida, é a música popular brasileira. Confesso, humildemente, que raramen-
te fiquei desempregado, devido a duas coisas: a esta especialização e ao Partido Comunista. Jornal da ABI – De que maneira se dava esta relação? Sérgio Cabral – O Partido não deixava nenhum comunista desempregado. Se existia uma vaga, colocava-se um companheiro. Gosto das lições que o Partido me ensinou sobre ética, vida política, realidade brasileira, cultura e espírito de solidariedade, o qual lamento não existir mais. Jornal da ABI – Como você uniu o interesse pelo esporte ao jornalismo? Sérgio Cabral – Por ocasião da Copa de 62, fui destacado como copidesque para a editoria de esporte do Jornal do Brasil. Como vascaíno notório, assistia às partidas e me envolvia com tudo aquilo. Surgiu um convite para eu participar da famosa mesa-redonda esportiva Resenha Facit, ao lado de João Saldanha, Armando Nogueira e Nélson Rodrigues. Depois, assinei colunas no Jornal dos Sports e na Última Hora e, em 1980, o Milton Temer, que era editor de Esporte no Globo, me convidou para substituir o Cláudio Melo Souza, que ia sair de férias. Acabei ficando seis anos como colunista do jornal. Em seguida, fui para O Dia, onde escrevi até 93. Jornal da ABI – Nessa época você já tinha iniciado a carreira política. Sérgio Cabral – Sim. Fui eleito Vereador em 1982 e reeleito em 88 e 92, mas
Jornal da ABI – Quais são seus próximos projetos? Sérgio Cabral – Minha pretensão – a palavra é adequada, porque estou sendo muito pretensioso – é escrever a história da música popular brasileira através dos seus personagens importantes. Atualmente, escrevo sobre Ataulfo Alves. Gosto de escrever sobre quem admiro, porque, ao fazer a biografia de uma pessoa, você passa a conviver com ela. Portanto, precisa ser alguém agradável, que te faça bem, te faça sonhar. Participei de uma palestra com Rui Castro – que também é biógrafo –, falando sobre esta paixão, esta coisa de sonhar com o biografado, de ver a cara dessas pessoas. O Rui disse que o biógrafo pensa que se apodera da alma do biografado, mas na verdade acontece o contrário. Jornal da ABI – O jornalismo estaria na origem de sua atividade como biógrafo? Sérgio Cabral – Esta foi a maneira que encontrei de ser jornalista, porque meus livros, na verdade, são reportagens, longas reportagens. A grande crítica que recebo dos meus livros é o excesso de dados. Mas isso vem da velha mania de repórter, de apurador, que trago comigo. Jornal da ABI – Mesmo em tempos de internet, em que as informações estão mais facilmente localizáveis, você concorda em que as pessoas precisam continuar se preocupando com a apuração, a pesquisa? Sérgio Cabral – Os dados que constam na internet foram removidos de ou-
tras publicações e nem sempre podem ser confiáveis. Muitos pesquisadores me procuram para que eu fale de um personagem ou outro sobre o qual tenha escrito. Começo perguntando se já leram o que escrevi. A maioria diz que não. Então, antes de conversar, mando ler. Eu já agia assim quando dava aulas na faculdade, incentivando a leitura, a escrita. Convidava para a sala de aula grandes personagens e amigos, como Nélson Sargento, e pedia aos alunos um entrevistão. Na hora de corrigir os textos, apontava as falhas, explicava com cuidado. Meu bilhete costumava ser maior que o texto do aluno. Por mais que apareçam novidades tecnológicas, ler e escrever será sempre o melhor caminho. Jornal da ABI – Em sua opinião, como está o nível das publicações especializadas em música no Brasil? Jornais e revistas cobrem a área musical com competência? Sérgio Cabral – Pode ser ignorância minha, mas não conheço, atualmente, qualquer publicação maravilhosa sobre a nossa música popular. Gostaria que houvesse alguma coisa do nível da Revista da Música Popular, criada por Lúcio Rangel na década de 1950. Jornal da ABI – E os cadernos e suplementos de cultura dos grandes jornais? Sérgio Cabral – Acho que os suplementos e cadernos de cultura estão mais preocupados com a música estrangeira do que com a brasileira. É só comparar o espaço reservado, com a devida ressalva das exceções, a um artista nosso com
o destinado a outro de fora, quando os dois completam uma data redonda, fazem um show ou morrem.
Lima Barreto. E adoro ler biografias e livros de memórias. Quero saber da vida das pessoas.
Jornal da ABI – A Bossa Nova completou 50 anos. O senhor acha que a imprensa cobriu adequadamente a data? Ela conseguiu analisar o movimento acertadamente depois de meio século? Sérgio Cabral – Confesso que gostei da cobertura aos 50 anos da Bossa Nova.
Jornal da ABI – Seus filhos têm formação em Jornalismo, política, Publicidade e produção cultural. Você acredita que os tenha inspirado? Sérgio Cabral – Acho que sim, mas meu sonho era ter um filho cientista. (risos)
Jornal da ABI – Do morro surgiram grandes autores da música popular brasileira e a inspiração para inúmeros sambas antológicos. Como o senhor analisa o atual momento da música popular brasileira? O morro perdeu a poesia? Sérgio Cabral – Sou um esquerdista da velha guarda, um dinossauro, como dizem os direitistas com pose de modernos, e ainda acredito na existência do imperialismo norte-americano, que, no Brasil, domina o mercado fonográfico e a divulgação da música. Até há pouco, as favelas permaneciam como redutos do samba, mas o tal imperialismo conseguiu entrar lá para espalhar o funk e outros ritmos norte-americanos, além de certas religiões ditas evangélicas, que condenaram o samba como música do diabo e divulgam o gospel, música religiosa dos americanos. Mas ainda assim há poesia no morro.
Jornal da ABI – Atualmente você escreve para o Lance! e apresenta um programa de rádio sobre mpb. Como surgiram estes projetos? Sérgio Cabral – Como me aposentei no Tribunal de Contas, no ano passado, finalmente pude aceitar um velho convite do jornal, para escrever uma coluna dominical sobre esporte. Na mesma ocasião, comecei a fazer o programa “Eles têm histórias pra contar ”, na Rádio Roquette-Pinto, mas de graça, porque quero dar uma contribuição ao trabalho de meu filho sem a acusação de nepotismo. Reproduzo no programa as palestras que faço sobre música popular. Seleciono um compositor, um instrumentista, ou um tema, e ilustro com informações e música. O programa vai ao ar às sextas-feiras, às 15h, com reprise aos domingos, às 14h. Não percam! (risos)
Jornal da ABI – Que livros não podem faltar em sua estante? Sérgio Cabral – Os livros que leio e releio são os de Machado de Assis e de
Jornal da ABI – A ABI está em fes-
ta, comemorando o centenário. Qual a sua relação com a Casa? Sérgio Cabral – Minha relação com a ABI é muito antiga. Grandes Presidentes da entidade, como Barbosa Lima Sobrinho e Prudente de Morais, neto, foram pessoas muito queridas para mim. Sem falar no atual Presidente, Maurício Azêdo, um dos maiores amigos que tenho na vida, velho companheiro na imprensa, na Câmara dos Vereadores, no Tribunal de Contas. Dei a um dos meus filhos o nome de Maurício. Sempre estive próximo à Casa, da qual sou Conselheiro. Tenho esperança e convicção de que este primeiro século da ABI será seguido de muitos na história da imprensa brasileira. Jornal da ABI – Como uma amizade entre dois apaixonados por futebol como você e o Maurício Azêdo – um vascaíno e outro flamenguista –, dura tanto tempo? Conte um pouco sobre o início desse relacionamento. Sérgio Cabral – É inacreditável, mas Maurício Azê-do e eu nunca tivemos qualquer problema por causa de Vasco e Flamengo. No nosso tempo de vereador, as divergências políticas causaram apenas pequenas chateações, nada de grave. Nossa amizade começou por trabalharmos juntos no JB e se solidificou com as muitas afinidades políticas e culturais existentes entre nós. Mas o que nos fez amigo de verdade foi o coração. Gostamos muito um do outro.
Os registros mais antigos da vida familiar de Cabral: montado num cavalinho, sempre disponível nos antigos estúdios fotográficos, e com a família – os avós, sentados, os pais, uma tia, toda a prole, ainda pequena. Ele é um dos meninos à direita, com uma farda branca, muito compenetrado junto ao avô.
Jornal da ABI – Quais são os seus planos agora? Sérgio Cabral – Parei de fumar e estou praticando exercícios físicos, pois também quero viver um século para continuar escrevendo sobre a minha paixão maior, que é a música popular brasileira e seus personagens. (*Com Francisco Ucha e Marcos Stefano) Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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RESGATE
O BANDEIRA DE JORNAL EM LIVRO Pesquisador levanta em biblioteca e outros acervos as crônicas jornalísticas do poeta, muitas delas soterradas há 70 anos. CONDOMÍNIO DOS PROPRIETÁRIOS DOS DIREITOS DE IMAGEM DE MANUEL_BANDEIRA
POR CLAUDIA SOUZA
“Aqui o que faço é conversa fiada”, costumava resumir Manuel Bandeira sobre sua atividade como cronista, função na qual se autodeclarava “Manoel-vai-com-os-outros”. Restrita há até pouco tempo a pesquisadores, “a conversa fiada”, ou melhor, a prosa do escritor e poeta desenvolvida para a imprensa encontra-se agora disponível para o público em Crônicas inéditas I, lançada pela editora Cosac Naify. Resultado de anos de trabalho de garimpo de Júlio Castañon Guimarães, o livro apresenta 113 textos ilustrados por fotos, capas de revistas, programas de espetáculos, desenhos, pinturas e outras imagens, que por 70 anos permaneceram encerrados em bibliotecas e outras instituições. Poeta, tradutor e pesquisador na área de Filologia da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, Júlio assina a organização, o posfácio e as notas de Crônicas inéditas I. O pernambucano Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho (1886-1968) lançou o primeiro livro As cinzas das horas em 1917. A seguir, publicou Carnaval (1919) e O ritmo dissoluto (1924). Com Libertinagem, de 1930, sagrou-se um dos mais importantes escritores do modernismo brasileiro. Nessa fase, colaborava com revistas literárias e também com a grande imprensa, escrevendo sobre diversos assuntos, especialmente na área cultural. Entre os veículos estavam as revistas Árvore Nova, Para Todos, Ilustrações Brasileiras e Brasil Musical e os jornais A Província, do Recife — onde ele dizia ter pegado “o jeito provinciano de conversar” —, e o Diário Nacional, de São Paulo. Em 1937, Bandeira reuniu os textos publicados na imprensa no livro Crônicas da Província do Brasil, reeditado em 2006 pela Cosac Naify (ao lado). Em 1957, foi lançada a segunda coletânea de crônicas, intitulada Flauta de papel. Na década de 60 — mais precisamente em 1966 — foi a vez de Andorinha, andorinha. Contudo, um grande volume de textos continuou inédito e disperso: — A partir de um outro trabalho que fiz sobre Manuel Bandeira para a mesma editora, iniciei a busca das crônicas iné34
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Manuel Bandeira, disciplinado cronista de jornal, escrevia seus textos jornalísticos e literários numa máquina de escrever portátil. Ele reuniu textos publicados em jornal no volume Crônicas da Província do Brasil, reeditado com grande esmero.
ditas em livro. Fui a várias bibliotecas para reunir o material que estava disperso, muitas vezes danificado, de difícil leitura e acessibilidade — conta Júlio. Música, teatro, cinema, arquitetura, literatura, moda, dança e artes plásticas são temas presentes nos textos de Bandeira, que revelam um panorama do Rio de Janeiro — na época em processo de urbanização — e traçam o
perfil da sociedade brasileira na primeira metade do século XX, desenhado pelo autor com espírito crítico e até mesmo poético. Entre os episódios, o primeiro arranha-céu e os personagens pitorescos da boemia da cidade, a febre do primeiro concurso de Miss Brasil e o sucesso do cinema falado: — De modo mais geral, várias das questões abordadas têm a ver com as
Um observador de gosto eclético Miss, telefones, Carnaval, Drummond, Segall, temas do cronista A PRIMEIRA MISS BRASIL “Mlle. Olga Bergamini não é uma beleza de tipo impressionante — sob esse aspecto Miss Espírito Santo lhe leva vantagem. Nenhum dos seus traços possui caráter de exceção. Todos, porém, são regulares e se combinam de maneira harmoniosíssima. É pequena, delicada, de porte e modos modestos e naturais. Foi assim que ela passou de pé no seu automóvel, vestida num tailleur cor de cinza, os cabelos escondidos pelo chapeuzinho colante, agradecendo com ar muito simples as palmas e os beijos e as flores que lhe jogavam.”
O CARNAVAL CARIOCA, MESMO COM CHUVA “O hall e bar do Palace, por exemplo, é um ponto que intermitentemente assume aspectos divertidos. Ali se juntam os exemplares mais disparatados da sociedade: a menina de olhos ingênuos, prostitutas, artistas, o chefe de polícia, cocainômanos e canalhas, políticos. A alegria é provocada por meia dúzia de rapazes que beberam demais e circulam de copo na mão, cantando, dançando e dizendo à direita e à esquerda bestidades engraçadas. Cheira-se o éter à vontade.” POBREZA DE IDÉIAS EM PERNAMBUCO “João Lopes de Siqueira Santos, usineiro riquíssimo, atual senhor de Megaípe, acaba de mandar botar abaixo a mais linda das nossas relíquias rurais do século XVII. Pensar-se que o senhor Siqueira Santos pertence a uma velha linhagem de senhores de engenho! (...) O senhor João Lopes de Siqueira Santos
CINEMA NACIONAL “Enquanto o teatro nacional está que morre-não-morre, o nosso cinema está que nasce-não-nasce. Há dez anos as tentativas se renovam com empresas que penosamente se organizam, dão um filme e morrem. (...) Até agora, porém, os filmes nacionais tinham fracassado miseravelmente no conjunto e em cada um dos seus detalhes. O trabalho fotográfico era péssimo, revelando a ignorância completa do tratamento da luz sempre igual, de um branco odiosamente cru, e picada de relâmpagos; a intriga inconsistente enxertava-se de cenas que embaraçavam o fio da ação; os artistas. não sabiam representar nem vestir-se; as legendas... meu Deus, as legendas! (...) Não tem dúvida, o público brasileiro, que tão dificilmente dá ambiente para outras formas de arte, como por exemplo a música sinfônica e de câmara, assiste cheio de interesse à formação do cinema nacional.”
UM DOS GRANDES POETAS DO BRASIL “O poeta é mineiro e deve andar pelos 30 anos. Antes da renovação modernista fizera versos medidos e rimados, creio que naquela cor desmaiada de Samain que aqui chamaram penumbrista. Agora o poeta comparece em livro. E esse livro nos revela, logo ao primeiro exame, um dos mais puros e belos da nossa poesia. Não pode haver dúvida: Carlos Drummond de Andrade é um dos grandes poetas do Brasil. Grande pelo fundo de sensibilidade e lirismo como grande pela técnica impecável de seus poemas.”
Lasar Segall, que pela primeira vez expõe no Rio. A sua exposição tem importância capital para nós, pois se trata de nome considerado na Europa como um dos grandes mestres do movimento moderno. Se não fosse a circunstância de haver o artista contraído matrimônio numa família estrangeira habitualmente residindo em São Paulo, é certo que não teríamos nunca a oportunidade de conhecer-lhe a obra, como nos acontece em relação aos outros mestres europeus. Os Picasso, os Lhote, os De Chirico, cujas criações só nos chegam em reproduções gráficas.”
ÓPERA NO ESTÁDIO DO FLUMINENSE “De todas as formas musicais a ópera é o que mais agrada à população carioca. As temporadas líricas despertam sempre muita animação e, apesar dos preços caríssimos, o Municipal se enche nas récitas de assinatura. Os que estão à frente da campanha em prol da Casa do Estudante contaram com esse gosto do público e organizaram um espetáculo belíssimo no estádio do Fluminense. Esperavam levantar uma fortuna.”
não é sensível a estas coisas. Com todas as suas usinas, ele é agora o homem mais pobre de Pernambuco.” O SONHO DE SER ARQUITETO “A doença me reduziu à condição de poeta: ora, era arquiteto que eu pretendia ser. (...) Até no Brasil já se pode pensar em morar, não atrás de uma fachada, mas dentro de uma casa de verdade, planejada de acordo com os elementos e os hábitos de conforto da atualidade.” (citando as casas de Tobias Warchavchik, em São Paulo)
— A longo prazo, sem dúvida ele contribuiu para a divulgação de importantes autores e obras e para que algumas questões fossem debatidas — afirma Júlio, que anuncia já o lançamento de um segundo volume de crônicas em 2009. — Na próxima edição, eu destaco a série de textos sobre artes plásticas. Bandeira acompanhou as exposições realizadas no Rio na década de 40.
EXPOSIÇÃO DE LASAR SEGALL “Pintura: eis a atualidade mais considerável da vida artística do Rio nestes últimos dias. As exposições se sucedem. Neste momento umas quatro ou cinco atraem aos respectivos salões uma multidão de visitantes. (...) É dessa categoria privilegiada o pintor russo
CASCADURA OU PARIS, TUDO SERVE “Vila-Lobos acaba de chegar de Paris. Quem chega de Paris espera-se que venha cheio de Paris. Entretanto VilaLobos chegou de lá cheio de Vila-Lobos. A ardente fé, a vontade tenaz, a fecunda capacidade de trabalho que o caracterizam renovam a cada momento em torno dele aquela atmosfera de egotismo tão propícia às criações verdadeiramente pessoais. A maioria dos artistas estrangeiros que vão a Paris estudar ou trabalhar quase nada logram fazer nos primeiros tempos, se é verdadeiro o depoimento de muitos deles. Fica-lhes a sensibilidade como que desnorteada pelo tumulto de todo um mundo novo de sensações. A sensibilidade de Vila-Lobos, porém, resistiu ao choque traumático Paris. Lá ele é o mesmo Vila-Lobos que seria se vivesse toda a sua vida em Cascadura. Cascadura ou Paris, tudo serve.”
IMS
SAUDADES DOS TELEFONES DO RECIFE “Nunca vi uma telefonista. Há quem diga que são mocinhas dignas de simpatia. Pode ser. A minha experiência pessoal me faz imaginar não uma criatura humana, gente como nós, mas um monstrozinho, em que entra muito de mulher, certamente, mas de mistura com outros elementos de essência implacável. (...) Tenho sofrido tanto pelas demoras, pelas ligações erradas, pelas comunicações interrompidas, pela abertura da linha, que não podendo mais, apliquei a receita de Goethe e fiz da minha dor um poema.”
concepções que orientam a criação poética de Bandeira. Independentemente de sua opinião de crítico, seus textos têm sempre grande interesse — diz o organizador da obra. Vanguardista e visionário, Bandeira também anunciava em seus textos jovens talentos que se revelavam no País, como Cícero Dias, Carlos Drummond de Andrade e Lúcio Costa:
Pernambucano afastado muito cedo do seu querido Recife, ao qual dedicou vários poemas, Bandeira era apaixonado pela paisagem carioca, também muito presente em sua produção como cronista (na foto, a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro).
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CENTENÁRIO
Longa viagem através de Machado Exposição em três andares do Palácio Austregésilo de Athayde reúne o máximo do escritor: fotos, objetos, cartas, etc., etc. POR CLAUDIA SOUZA
Como um dos eventos mais destacados do centenário de morte de Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras abriu para o público, no dia 27 de junho, na Avenida Presidente Wilson, 203, no Centro do Rio, a exposição Machado vive!, que reúne material inédito do escritor, entre fotografias, objetos, manuscritos, cartas e publicações. O Presidente da ABL, Cícero Sandroni, informou que essa é a maior exposição já organizada sobre o patrono da Academia, superando até a exposição nacional do centenário de seu nascimento, em 1939. — Embora seja a guardiã do mais importante espólio de Machado de Assis, a Academia recorreu a um semnúmero de instituições e coleções particulares para mostrar ao público — ao longo de três andares do Palácio Austre-
gésilo de Athayde — centenas de peças variadas conduzindo o visitante a uma inesquecível viagem pela vida, pela obra, pela época, pela ambiência do escritor. Com a curadoria do poeta Alexei Bueno, a mostra apresenta, além de vasta iconografia de Machado, sua bibliografia completamente digitalizada, objetos pessoais — como o pincenê, a caneta-tinteiro, a famosa escrivaninha, estantes, livros e cartas de trabalho e pessoais — e ainda fotos e pertences da esposa Carolina: — Polígrafo consumado, Machado de Assis foi dos maiores romancistas do País, grande poeta, contista quase insuperável, crítico sagaz, admirável cronista, para não falar de suas incursões teatrais — ressalta o curador, que incluiu na exibição imagens do Rio de Janeiro, grande paixão do homenageado. — Carioca até a medula, sua obra, pode-se dizer, é até mais da então Corte
A vida, a época, a obra 1805 — Casam-se, no Rio de Janeiro, Francisco José de Assis e Inácia Maria Rosa, avós paternos de Machado de Assis. 1806 — Nasce, no Rio de Janeiro, o pai de Machado de Assis, Francisco José de Assis. É batizado na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, então sé da cidade. 1809 — Casam-se, em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel dos Açores, José e Ana Rosa Machado da Câmara, avós maternos do escritor. 1812 — Nasce, em Ponta Delgada, Maria Machado da Câmara, mãe do escritor. 1815 — José e Ana Rosa embarcam para o Brasil, com a filha e um irmão, no movimento de imigração açoriana incentivado por Dom João VI. 1821 — Nasce Maria Inês da Silva, que viria a ser madrasta do escritor. 1838 — Casam-se, no Rio de Janeiro, os pais de Machado de Assis, ele pintor e dourador, ela agregada da chácara da rica portuguesa Dona Maria José de Mendonça Barroso. O matrimônio é celebrado na capela da chácara, no Morro do Livramento. 1839 — Em 21 de junho, nasce, no Rio de Janeiro, Joaquim Maria Machado de Assis, filho legítimo de Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis (ela adotou o nome Leopoldina no Brasil, provavelmente em homenagem à mãe de Dom Pedro II). No mesmo ano, nascem Casimiro de Abreu e Floriano Peixoto. 1840 — Dom Pedro II completa a maioridade. 1841 — Nasce a irmã de Machado, Maria. 1845 — Morrem, durante uma epidemia de
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varíola, a irmã, de quatro anos de idade, e a madrinha do escritor, Dona Maria José de Mendonça Barroso. Na Inglaterra, é aprovada a Lei Aberdeen, declarando piratas os navios negreiros brasileiros.
ou Capital Federal do que exatamente brasileira. Ela é quase toda passada na cidade onde ele nasceu e da qual praticamente nunca se afastou em seus 69 anos de existência. Bueno considera que Machado, que carregava personalidade tímida, interiorizada e pessimista, permanece vivo e contraditório cem anos após sua morte: — Paradoxalmente, a individualidade ímpar de Machado de Assis não se afinava com boa parte do que passa por ser o caráter típico do Brasil e dos brasileiros. Num país e numa cidade célebres pelas belezas naturais, a paisagem tem uma importância muito relativa em sua obra. Num povo geralmente conhecido pela extroversão e a alegria fácil, foi pessoalmente um tímido e literariamente
1860 — Machado entra como redator para o Diário do Rio de Janeiro, onde permanece até 1867. Deste ano até 1875, escreveu para A Semana Ilustrada, do alemão Henrique Fleuiss. Morre Casimiro de Abreu. 1861 — Publica a comédia Desencantos e a sátira Queda que as mulheres têm para os tolos. Morre Manuel Antônio de Almeida. Nasce Cruz e Sousa.
1847 — Nasce Castro Alves. 1849 — Morre, tuberculosa, Maria Leopoldina, mãe de Machado. Nasce Rui Barbosa. 1850 — É assinada a Lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico de escravos para o Brasil. 1854 — Francisco José, pai de Machado de Assis, casa-se com Maria Inês da Silva. Acredita-se que no mesmo ano o jovem Machado foi trabalhar na tipografia de Paula Brito, na atual Praça Tiradentes. Em 3 de outubro, publicou na Marmota Fluminense o que, até o momento, consta como seu primeiro poema, o soneto À Ilmª Srª D.P.J.A. Começa a Guerra da Criméia. 1855 — Machado continua a colaborar regularmente com poemas na Marmota Fluminense, de Paula Brito. Nasce Artur Azevedo. 1856 — É admitido como aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional, exercendo o ofício até 1858. Baudelaire publica Les fleurs du mal. 1858 — Segue como revisor de provas de Paula Brito. De 11 de abril até 26 de junho do ano seguinte, escreve em O Paraíba, de Petrópolis. Auxilia o escritor francês Charles de Ribeyrolles na tradução de O Brasil pitoresco. Também colabora com o Correio Mercantil, do qual fora revisor. Chega ao Rio o poeta português Faustino Xavier de Novais, irmão de Carolina, futura esposa de Machado. 1859 — Passa a escrever regularmente na revista O Espelho, fazendo crítica teatral, entre outros textos. Casimiro de Abreu publica As primaveras.
1862 — Colabora com a revista O Futuro, de Faustino Xavier de Novais, e o Jornal das Famílias. É admitido, a 31 de dezembro, como sócio do Conservatório Dramático Brasileiro, onde exerce a função de censor teatral. 1863 — Publica o Teatro de Machado de Assis, volume que se compõe de duas comédias, O protocolo e O caminho da porta. Nasce Raul Pompéia. 1864 — Morre Francisco José, pai do escritor, que viaja até Barra do Piraí e publica seu primeiro livro de versos, “Crisálidas”. Inicia-se a Guerra do Paraguai. Morre Gonçalves Dias. 1866 — Com a morte, no Porto, da mãe de Faustino Xavier de Novais, sua irmã Carolina embarca para o Brasil. Machado lança a comédia Os deuses de casaca. Também publica, no Diário do Rio de Janeiro, sua tradução do romance Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, que sai em três volumes no mesmo ano. Visitando Faustino Xavier de Novais, que enlouquecera, conhece Carolina. Nasce Euclides da Cunha. 1867 — Além de ser agraciado por D. Pedro II com a Ordem da Rosa, no grau de Cavaleiro, é nomeado, a 8 de abril, ajudante do Diretor do Diário Oficial, cargo que exercido até 1874. Morre Baudelaire. 1868 — Em fevereiro, em correspondência aberta com José de Alencar, apresenta o jovem poeta baiano Antônio de Castro Alves. 1869 — A 16 de agosto, morre Faustino Xavier
A Academia Brasileira de Letras promove a maior exposição já organizada sobre Machado de Assis.
de Novais. A 12 de novembro, Machado casase com Carolina Augusta Xavier de Novais, na capela da casa do Conde de São Mamede, no Cosme Velho. 1870 — A 23 de abril, começa a publicar no Jornal da Tarde uma tradução, logo interrompida, do romance Olivier Twist, de Dickens. Lança seu segundo volume de versos, Falenas, e Contos fluminenses. Castro Alves publica Espumas flutuantes. Termina a Guerra do Paraguai. 1871 — É assinada a Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro. Publica seu primeiro romance, Ressurreição, e integra a comissão do Dicionário Marítimo Brasileiro. Morre Castro Alves. 1873 — Publica o livro de contos Histórias da meia-noite e a tradução de Higiene para uso dos mestres-escolas, do Dr. Gallard. É nomeado, a 31 de dezembro, Primeiro-oficial da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas. 1874 — De 26 de setembro a 3 de novembro, publica, em O Globo, o romance A mão e a luva, editado no mesmo ano. 1875 — É fundada a Gazeta de Notícias, em que Machado de Assis muito colaborará. Publica seu terceiro volume de versos, Americanas. 1876 — A partir de julho, e até abril do ano seguinte, escreve em todos os números da revista Ilustração Brasileira. De 6 de agosto a 11 de setembro, publica no Globo o romance Helena, editado no mesmo ano. em 7 de dezembro, é promovido a Chefe de Seção da Secretaria de Agricultura. 1877 — Morre seu grande amigo José de Alencar. 1878 — De 1º de janeiro a 2 de março, publica, em O Cruzeiro, o romance Iaiá Garcia, editado no mesmo ano. Sua
um artista todo voltado para a interioridade, além de um grande pessimista de índole schopenhaueriana. Aparecendo numa época em que os ideais sociais dominavam boa parte de um romantismo de combate, Machado foi um indivíduo avesso à manifestação sonora de apoio ou repúdio a muitas das posições políticas do seu tempo. Dividida em 14 ambientes, a exposição detalha a trajetória do Bruxo do Cosme Velho, desde a infância pobre no Morro do Livramento até à morte. No módulo Um poeta canhestro, por exemplo, destaca-se sua estréia literária aos 15 anos — quando escreveu um soneto em 3 de outubro de 1854 — e ainda os pequenos textos que criou a seguir. Já em Memória do Largo do Rossio, o destaque é a juventude de Machado, a amizade com escritores como Casimiro de Abreu, Castro Alves e Manuel Antônio de Almeida e a efervescência em torno do maior teatro da Corte, o São Pedro de Alcântara — atualmente denominado João Caetano —, onde ele se lançou no caminho das artes e da cultura. Em outro módulo está a paixão do escritor por Carolina Xavier de Novais, com quem se casou em 1869 e viveu até a morte dela, em 1904. — Nascido num ambiente familiar muito humilde, filho de um pintor e
uma imigrante portuguesa, epiléptico, gago, mestiço, ele superou, com absoluta discrição, todos os obstáculos físicos e sociais até alcançar, na maturidade, a posição consensual de maior homem de Letras do Brasil, que lhe pertence até hoje. Ele criou sua arte finíssima, e por um esforço voluntário de aprimoramento de um gênio inato, num ambiente dos menos propícios. Sua presença na alma brasileira é ubíqua e indelével. Machado de Assis cumpriu e cumpre brilhantemente essa tarefa, característica dos espíritos inesgotáveis, das almas inapreensíveis, por sua multiplicidade, em alguma descrição sucinta, dos seres poliédricos que espalham luzes e sombras por todos os lados — frisa Alexei Bueno. Para a escritora e acadêmica Nélida Piñon, o Brasil tem-se equivocado ao não incluir Machado entre aqueles intérpretes consagrados: — Há anos repito, à guisa de mote, que, se Machado de Assis existiu, o Brasil é possível. A enfática declaração significa que o País não pode fracassar. Não há motivos nem fundamentos deterministas que impeçam a nação de cumprir os desígnios de sua grandeza, reconhecendo no autor uma transcendência analítica que instaura a modernidade no projeto nacional.
colaboração na publicação continua até 1º de setembro. A 27 de dezembro, entra em licença e segue, doente dos olhos e dos intestinos, para Friburgo, onde fica até março de 1879. Durante o período, começa a escrever Memórias póstumas de Brás Cubas.
1886 — Sai o volume Terras, compilação para estudo, redigido por Machado.
1879 — Em junho, começa a escrever na Revista Brasileira. No mês seguinte, e até pelo menos 31 de março de 1898 escreve na revista A Estação, em que publica, entre outros trabalhos, o romance Quincas Borba. 1880 — A 6 de fevereiro, entra novamente em licença, por estar sofrendo dos olhos. A 28 de março, é designado Oficial-de-Gabinete do Ministro da Agricultura, Manuel Buarque de Macedo. Quando Pedro Luís Pereira de Sousa assume o Ministério, permanece exercendo as mesmas funções. É representada, no Teatro de D. Pedro II, a comédia Tu só, tu, puro amor..., por ocasião das festas organizadas pelo Real Gabinete Português de Leitura para comemorar o tricentenário de Camões. Publica, na Revista Brasileira, o romance Memórias póstumas de Brás Cubas. 1881 — Publica em volume as Memórias póstumas de Brás Cubas e Tu só, tu, puro amor.. Até 28 de fevereiro de 1897, escreve com assiduidade na Gazeta de Notícias; depois, até 2 de junho de 1904, sua colaboração torna-se esporádica. Entre outras seções, redige as famosas crônicas intituladas A semana. Morre Dostoiévski. 1882 — Publica o livro de contos Papéis avulsos. A 5 de janeiro, entra em licença de três meses para tratar-se em Nova Friburgo. 1884 — Publica Histórias sem data e mudase, com Carolina, para a Rua Cosme Velho, 18, onde viverão até morrer. Antes, haviam morado na Rua da Lapa, na das Laranjeiras e na do Catete. O chalé em que viveram, um dos cinco de propriedade da Condessa de São Mamede, seria demolido na década de 1930. 1885 — Morre Victor Hugo.
1888 — Por decreto da Princesa Isabel, Regente do Império, é elevado a oficial da Ordem da Rosa. Lei do 13 de Maio. Desfila, no dia 20 do mesmo mês, no préstito organizado para celebrar a Abolição. Raul Pompéia publica O Ateneu. 1889 — Em 30 de março, é promovido a Diretor de Comércio, na Secretaria da Agricultura. A República é proclamada, o que provoca o exílio da família imperial. 1890 — Visita as fazendas da Companhia Pastoril Mineira, em companhia de Carolina e dos barões de Vasconcelos. Aluísio Azevedo publica O cortiço. 1891 — Quincas Borba é publicação em volume. Morrem Maria Inês, madrasta de Machado, Dom Pedro II e Rimbaud. 1892 — Em 3 de dezembro, assume a Direção-Geral do Ministério da Viação. 1895 — Volta a escrever na Revista Brasileira (fase Verissimo), até outubro de 1898. Raul Pompéia comete suicídio. Morre Pasteur. A primeira sessão de cinema é realizada em Paris. 1896 — Publica Várias histórias. Em 15 de dezembro, dirige a primeira sessão preparatória da fundação da Academia Brasileira de Letras e tem atuação preponderante na criação desse instituto, o qual preside até o fim da vida. Morre Floriano Peixoto. 1897 — Começa a Guerra de Canudos. 1898 — Em virtude da reforma no Ministério da Viação, é posto em disponibilidade em 1º de janeiro, retornando como Secretário do Ministro Severino Vieira. Posteriormente, exerce as mesmas funções com Epitácio Pessoa e Alfredo Maia. Sílvio Romero publica livro sobre Machado.
A História recontada História da Imprensa no Brasil analisa 200 anos de jornalismo através de um bom panorama crítico. Por que publicar um novo livro sobre a história da imprensa brasileira? Ainda mais, com clássicos como História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré, que tratam à exaustão o tema? É difícil não pensar logo de cara nisso, quando se tem às mãos o novíssimo História da Imprensa no Brasil, organizado por Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca (304 páginas, Editora Contexto). Uma dúvida que é resolvida logo no início da leitura da nova obra. Ao juntar uma equipe de especialistas das mais diversas áreas, como historiadores, docentes da academia e, principalmente, jornalistas com vivência no cotidiano da própria imprensa, o novo História da Imprensa não busca ser mais completo ou simplesmente repetir de forma mais agradável o conteúdo de seus pares. Por meio de estudos pontuais dos diversos períodos desses 200 anos da palavra impressa no Brasil, a obra traça de modo panorâmico a história, mas sobretudo, de forma crítica e analítica. É impossível contar a História da imprensa nacional sem levar em conta a própria História do país. Os impressos que por aqui circularam nesses dois séculos não apenas testemunham, registram e veiculam acontecimentos, mas são atores que tomam parte na formação do Brasil. Jornais e revistas não são apenas instrumentos de idéias e das mais diversas correntes políticas, mas no interior das redações são tomadas algumas das principais decisões dos governos. E a obra capitaneada por Martins e Luca é competente para mostrar essa relação com o poder e analisar o tênue equilíbrio entre dependência e crítica, imparcialidade e subserviência, liberdade e censura. A primeira parte, Primórdios da imprensa no Brasil, questiona os clichês do atraso, da censura e do oficialismo, explicando a ausência da imprensa no País e mostrando o trabalho desenvolvido por iniciativas pioneiras. Tempos eufóricos da imprensa republicana mostra como o pensamento de ordem e progresso moldam os periódicos da época e discute a importância das inovações técnicas para o estabelecimento dos diversos veículos. Por fim, De 1950 aos nossos dias, fala das complexidades das empresas de comunicação, movidas agora pelo pêndulo do mercado capitalista.
Com essa abordagem, idéias correntes e visões consagradas são colocadas em xeque. Uma delas diz respeito aos diferentes papéis desempenhados na imprensa por jornais e revistas. De maneira geral, é ensinado que jornais diários se dedicam ao furo, a dar as últimas novidades, enquanto as revistas, a analisá-las com mais profundidade. Um problema para uma sociedade que desde 1920 conta com o rádio, em 1950 foi uma das primeiras a ter televisão – sua principal e mais popular fonte de informação – e, ultimamente, recebe os últimos acontecimentos on line, pela internet. A jornalista Luiza Villaméa diverge do senso comum, apontando que já nos anos 90 esses diferentes papéis não existiam mais, e as revistas, com mais tempo e sem obrigação de ficar falando sobre tudo, passaram a dar os furos. Ela conta por exemplo, que na época das denúncias que levaram ao impeachment de Fernando Collor motoristas dos grandes jornais faziam plantão na porta das gráficas das editoras Abril e Três nos sábados pela manhã, esperando os primeiros exemplares de Veja e Isto É. Assim que conseguiam as novas edições, as revistas eram levadas para as redações e devoradas ferozmente pelos jornalistas de plantão. No caso das publicações de outros Estados, as matérias eram enviadas por fax, para serem repercutidas no final de semana. Mostrar como o conteúdo e o aspecto dos jornais diários se tornaram cada vez mais parecidos desde então com o das revistas é apenas uma das coisas que História da Imprensa no Brasil faz de modo competente. Em um país cuja História é repleta de peculiaridades, em que a independência foi proclamada pelo filho do imperador português, em que, na maior parte do século 19, imperava a monarquia, enquanto o resto do continente já era republicano, e a imprensa chegou tão tardiamente e, ainda assim, primeiramente, com um jornal publicado em Londres, o livro mostra claramente, sem desmerecer os clássicos, que continuam incomparáveis pela amplitude e pioneirismo, que ainda há muito o que discutir e publicar sobre essa História. E que sejam bem-vindas outras iniciativas que se proponham a contar e analisar tantos percalços de modo crítico e desconfiado. (Marcos Stefano) Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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LIVROS
a televisão ainda engatinhava, os jornais eram o grande meio de comunicação, muito mais lidos e com várias edições durante um único dia. Entretanto, não era panfletário ou superficial. Seus textos provocavam a reflexão. Traziam traços característicos de quem escreve para teatro: personagens bem construídos e robustos. A pesquisa que fazia para suas peças e o contato que tinha com o movimento popular faziam com que o leitor se identificasse com as situações que enfrentava no dia-a-dia – explica Worney, um jornalista especializado em histórias em quadrinhos, que encontrou o material por casualidade, enquanto fazia uma pesquisa sobre as tiras publicados em Última Hora. Realizar essa missão não era tarefa das mais fáceis, mesmo com todo o talento de Guarnieri. Como na época os espetáculos eram encenados de terça a domingo, chegando a ter até três apresentações nos finais de semana, ele tinha poucos minutos para escrever seus
textos, antes que um funcionário do jornal viesse pegá-los. Nem o jornal não saindo aos domingos – outra característica daquele tempo – dava muita folga. – O que me ajudava – afirmou o próprio Guarnieri numa entrevista que concedeu a Worney antes de morrer em 2006 e que o jornalista publica junto com a obra – era que o universo sobre o qual tratava era o mesmo de minhas peças. Criar as personagens trazia um sentimento de solidariedade com a vida, com as crianças e sua condição de sobrevivência. Nas páginas de Crônicas 1964 também é possível ver a vida nos tumultuados anos 60, com toda sua agitação política e social e mudanças de comportamento. Por isso, Worney não se descuida com a contextualização, procurando resgatar a importância da obra também por meio da apresentação do panorama criativo das artes naquele tempo e a situação política e social dos meses que antecederam o golpe militar. Assim, é possível perceber que, à medida que os confrontos eram mais patentes e agudos, as crônicas de Guarnieri também se tornavam cada vez mais incisivas e críticas, refletindo movimentos como as greves dos sargentos e ferroviários. Apesar de datada, a produção de Guarnieri em Crônicas 1964 traz uma sensação diferente para o leitor. Não somente a nostalgia de um grande talento e de uma época de esperança, mas a clareza de que, quase meio século depois, seus temas continuam mais atuais do que nunca e oportunos para uma nova leitura.
vimento com a imprensa e os problemas que teve com o Governo, que o levou duas vezes à prisão. O título da peça foi inspirado em A Manha, lançado pelo Barão no início do século XX: — Esse jornal é a grande obra de Apparício como jornalista e empresário. Ainda me lembro do dia em que, em 1945, próximo à queda do Estado Novo, a ABI lhe prestou uma grande homenagem, com a participação de gente famosa como Rubem Braga, Joel Silveira e autoridades diplomáticas. O ato aconteceu no salão nobre da Associação, acompanhado de um almoço, ao término do qual o Barão fez um célebre discurso sobre a liberdade de imprensa. Ipojuca lembra que entre 1926 e
1962 A Manha fez circular seus “almanhaques” (“os almanaques da Manha”), que fizeram parte “do melhor cardápio da vida brasileira inteligente”. Em recente entrevista à editora que produziu seu livro, Ipojuca falou do humor do Barão: — É difícil encontrar um leitor civilizado daqueles tempos que não tenha devorado, compulsivamente, o pão satírico do semanário que ele denominava, com propriedade, de “órgão de ataque de risos”. Sua influência foi avassaladora. Por isso se diz que tudo que se faz hoje de humor escrito no Brasil tem origem no Barão de Itararé. Diz Ipojuca que tanto Apparício, quanto Apporelly (outro pseudônimo) e o Barão — “que acabou por devorar seu criador” — foram personalidades fascinantes: — O homem tinha um espírito renascentista, ousado, iluminista e reformador que invadiu espetacularmente o vasto território da ignorância humana. É o nosso Bernard Shaw. Além de humorista, foi empresário, escritor, poeta, jogador, caricaturista, político. Como cientista, tentou inventar uma vacina contra a febre aftosa. No campo da numerologia, tornou-se célebre por seus “horóscopos biônicos”. E na matemática, pelos “quadrados mágicos”.
Dramaturgia do real Crônicas de Guarnieri são reunidas em edição impecável. POR MARCOS STEFANO
Gianfrancesco Guarnieri é reconhecido, com justiça, por sua criação teatral. Como autor, ator, compositor e diretor, teve contribuição primordial para a dramaturgia brasileira. Outra face menos conhecida do autor de Eles não usam black-tie é a de cronista. Talvez pelo pouco tempo em que se dedicou ao ofício, mas nunca pela falta de qualidade de seus textos. Convidado por Jorge da Cunha Lima para escrever diariamente na segunda página do recém-lançado caderno UH-Revista do jornal Última Hora de São Paulo, às vésperas do golpe militar, Guarnieri apresentou nos meses de fevereiro, março e abril de 1964 uma autêntica dramaturgia do real. Ali, ele contou histórias de personagens do cotidiano popular: trabalhadores urbanos, desempregados, sindicalistas, lutadores, gente do campo. Na labuta profissional ou diante das limitações priva-
das, desenha-se em sua produção o retrato da época, com forte ênfase na injustiça social, na luta contra latifundiários e poderosos e no clamor por mudanças. Agora, esse material foi reunido no livro Crônicas 1964, pelo jornalista Worney Almeida de Souza. Ao todo são 46 crônicas acompanhadas das mesmas ilustrações da época, feitas pelo cartunista Otávio, e por criatividade e sutil habilidade artística para denunciar mazelas e fazer crítica social sem recorrer a palavras de ordem ou à beligerância que caracterizou o acirramento entre esquerda e direita no período. É a partir daí que surgem personagens como a liberal Vó Zuleica, a ingênua Silvia, uma menina que não conseguia ver a discriminação que sofria na escola por causa de sua cor, e as desventuras do operário Pedro e de sua esposa Alice para terem seu primeiro filho (ao lado). – Guarnieri era militante do PCB e encarava o ato de escrever como parte de sua missão na promoção da revolução. Ainda mais porque a oportunidade havia surgido em um grande jornal. Nesse tempo, em que
Ipojuca ressuscita Itararé Cineasta lança peça e livro em que traz à vida aquele que é considerado o precursor do humorismo na imprensa de hoje. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Há muito tempo convivendo com o texto de Apparício Torelly, o Barão de Itararé, o escritor, jornalista e cineasta Ipojuca Pontes resolveu “ressuscitar o humorista” e acaba de lançar uma peça de teatro, A manha do Barão, que também foi editada em livro (A Girafa, São Paulo). — Fiz um apanhado da vida do Apparício desde garoto até a sua morte. Entrevistei pessoas que conviveram com ele, pesquisei alguns textos engraçados sobre o Brasil, a Academia Brasileira de Letras, a ABI, a imprensa e a economia, e, a partir de um gancho dramático, fiz uma panorâmica sobre a vida brasileira sob a ótica do Barão de Itararé — diz Ipojuca. 38
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No prefácio, o jornalista José Neumanne Pinto descreve o livro como “leve, fluido e gracioso, criado por quem conhece de perto a obra do Barão, tornando-se, por isso, uma leitura prazerosa e que faz pensar”. A obra reconstitui teatralmente a rica trajetória do jornalista gaúcho, passando pela circulação do periódico humorístico A Manha e a criação do personagem e pseudônimo Barão de Itararé. O autor se refere ao seu trabalho como uma trama teatral em que o Barão de Itararé retorna à vida, para passar a limpo o Estado Novo. Ipojuca afirma que o humorista “foi ferrenho inimigo da ditadura Vargas, atacando-a sempre a golpes de riso”. Essa situação está ressaltada na peça, com o Barão fazendo uma conferência ilustrada sobre a própria figura, o seu envol-
FOTOS: CACALO KFOURI
O Vereador Eliseu Gabriel (à esquerda) e o Presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, ex-Vereador Edson Simões, entregam a Audálio Dantas o diploma que lhe confere o título de Cidadão Paulistano, proposto por Simões há 13 anos e aprovado agora.
Audálio, Cidadão Paulistano Alagoano de Tanque D’Arca, no interior do seu Estado, ele recebe a honraria da Câmara Municipal de São Paulo. POR WILSON BARONCELLI*
Em uma cerimônia marcada por grandes emoções e pela rememoração de alguns dos momentos mais marcantes da história recente da imprensa nacional, o jornalista Audálio Dantas recebeu no último dia 9 de junho o título de Cidadão Paulistano na Câmara Municipal de São Paulo. Vice-Presidente da ABI e Presidente da Representação da entidade no Estado, Audálio nasceu em Alagoas, mas se mudou ainda pequeno para a capital paulista. Ali, construiria uma brilhante carreira nos principais veículos de comunicação e uma trajetória de lutas, especialmente em um dos períodos mais duros da repressão da ditadura militar contra a liberdade de expressão no país. Quando Vladimir Herzog foi assassinado em outubro de 1975 nos porões da ditadura, Audálio, na época presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, transformou-se num dos principais nomes na luta pelos direitos humanos
e dos protestos contra a censura. Alguns desses episódios foram lembrados pelas diversas personalidades presentes à solenidade, que contou com a participação do rabino Henry Sobel, padre José Bizon (representando o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns), Danilo Santos de Miranda, Diretor Regional do Sesc São Paulo, Levi Ferrari, Presidente da UBE, Sérgio Murilo de Andrade, Presidente da Fenaj, e do deputado federal Paulo Teixeira. Diversos jornalistas e escritores também marcaram presença: José Hamilton Ribeiro, Maurício de Souza, Juca Kfouri, Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano Ramos, José Marques de Melo, vários conselheiros da Representação paulista da ABI e Fernando Pacheco Jordão, braço direito de
Audálio nos tempos de Sindicato e que, mesmo doente, em cadeira de rodas, fez questão de comparecer. – O Audálio não é apenas cidadão de São Paulo, mas do Brasil e do mundo, um cidadão no sentido grego da palavra. Naqueles dias em que Herzog foi preso e morto, o medo tomou conta de todos. Meu nome era um dos que estavam na lista dos militares e só me sentia seguro em dois lugares: a casa de Dom Paulo e a do Audálio, o Sindicato -, disse nitidamente emocionado e com a voz embargada, o jornalista Juca Kfouri, ao fazer a saudação em nome da mesa. Ele lembrou das atuações de Pacheco Jordão, da viúva de Herzog, Clarice, e encerrou com o verso “se todos fossem iguais a você”, da canção
de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. A cerimônia ainda teve a apresentação de um vídeo produzido pelos filhos de Audálio, José de Paula Dantas e Juliana Kunc Dantas, e pelo sobrinho Tiago Francês Ferreira, que contou os primeiros passos do jornalista em Tanque D´Arca, no interior de Alagoas, a vinda para São Paulo e o início da vida na cidade grande. Mostrou um pouco de sua carreira profissional, o caso Herzog, o período como deputado federal, o de primeiro presidente eleito diretamente para a Fenaj e a dedicação a projetos culturais, à literatura e à família. Igualmente marcante foram as apresentações musicais. Primeiro de 50 crianças do Coral da Gente, projeto mantido pela Fundação Volkswagen e que oferece formação artística para crianças e adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social em comunidades carentes como Heliópolis, em São Paulo, e DER, em São Bernardo do Campo. Depois, fechando a cerimônia, a outro coral, o Luther King. Uma justa festa para um momento que demorou 13 anos para se tornar realidade. Proposta inicialmente pelo então Vereador Edson Simões, atual Presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, coube a outro Vereador, Eliseu Gabriel, reapresentá-la para que pudesse ser agora aprovada. Foi das mãos dos dois que Audálio tornou-se Cidadão Paulistano “de papel passado”. Normalmente avesso a esse tipo de homenagem, o veterano jornalista sentiu-se tocado dessa vez. – Não considero esta uma vitória apenas pessoal. É o reconhecimento do trabalho de todo um grupo que valoriza o jornalismo, a liberdade e a luta contra a censura. Foi por meio dele que teve começo o fim da ditadura, e agora se transformou num lembrete de continuarmos nessa luta com a ABI e outras entidades. Considero este reconhecimento tão importante quanto outro que recebi da Onu em 1981 pelo trabalho em favor dos direitos humanos. Vivo em São Paulo desde pequeno e sei que temos muito trabalho pela frente – prevê com animação Audálio. (*Com Marcos Stefano)
Companheiro de Audálio em várias redações, José Hamílton Ribeiro (à esquerda) foi levarlhe um abraço, assim como Juca Kfouri (primeiro à esquerda) e Maurício de Souza (à direita), biografado por Audálio, que aparece ao lado do Vereador Eliseu Gabriel, autor do desarquivamento do projeto.
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ENTREVISTA
Esse plantão é uma piada O jornalista Maurício Menezes mostra com quantos erros se faz um espetáculo de humor.
Uma das mais contundentes críticas que se faz à imprensa é de que ela só traz notícias ruins. Guerras, violência urbana, desastres ambientais, corrupção dominam as manchetes dos principais jornais brasileiros. Já houve até quem tentou dar destaque à “boa notícia” – um quadro colorido num pequeno canto da primeira página. Não deu certo. Mas, em meio a tanta tragédia, um jornalista parece ter encontrado a fórmula para fazer da notícia uma grande piada. O autor dessa proeza é o jornalista Maurício Menezes, que arranca risos do público e sorrisos amarelos de seus colegas ao mostrar de forma irreverente e bem humorada as várias derrapadas no noticiário da mídia em seu Plantão de Notícias. A atração, que faz sucesso há 18 anos, começou no rádio e depois ganhou os palcos do teatro e chegou à televisão. Hoje, Maurício Menezes é chamado para fazer palestras especiais até em empresas. É um autêntico show no qual são contados os bastidores e os mais engraçados e curiosos casos de rádios, jornais, revistas e televisão. Ninguém escapa. – Tem coisa que não dá para evitar mesmo. Somos vítimas da pressa exigida por nossos clientes. Um juiz pega um processo e tem um mês para analisá-lo. Um jornalista pega o mesmo caso e tem duas horas para contar o que aconteceu. Os erros fazem parte do nosso trabalho. Talvez seja por isso que nenhum colega tenha reclamado. Ainda – , diz Menezes, sempre com humor impagável. De fato, é impossível não cair na gargalhada quando o jornalista e humorista fala de algumas notícias, como a publicada certa vez em O Dia, garantindo que “em uma hora, seis famílias foram assaltadas próximo à 26ª DP no Rio. Coincidentemente, todas estavam num Pálio”. – Essa denúncia foi uma proeza: mais de 20 pessoas espremidas em um único carro... Os ladrões até fizeram uma boa ação: roubaram o veículo antes que acontecesse uma tragédia –, brinca Menezes. Outra: – Certa vez um jornal chama40
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DIVULGAÇÃO
POR MARCIA MARTINS E MARCOS STEFANO
Foi num plantão à porta da casa de um seqüestrado que Maurício recolheu seus causos.
do Expresso saiu com uma nota dizendo que um cachorro totalmente verde havia nascido nos Estados Unidos. O detalhe é que a foto que a publicação trazia era em preto e branco. Faltou a legenda: ‘imaginem que esse cachorro que vocês estão vendo aí é verde’ – , solta ele. Mas não são apenas os erros dos outros que Maurício conta no Plantão. Boa parte das gafes mais engraçadas vêm de seus próprios erros e dos escorregões de colegas próximos. – Uma vez, recebi denúncia de que um preso estava sendo torturado no Doi-Codi. Não sei onde estava com a cabeça na hora, mas fui lá apurar. Em outra, achei que Adionel (assessor de imprensa da Arquidiocese do Rio) não era um nome próprio, mas um cargo da Igreja. Achando ele muito jovem, tasquei: ‘Mas há quanto tempo o senhor é Adionel? Existe alguma posição acima?’. Depois que as pessoas assistem, elas dizem que passam a entender melhor o trabalho do jornalista. E são muitos os estudantes que dizem ter se decidido pela carreira depois de assistir ao Plantão de Notícias. Maurício Menezes nasceu em Gurinhatã, Minas Gerais, em 1950. Em tom de blague, diz que não escolheu o ofí-
cio, escolheram por ele, quando o colocaram aos 20 anos para atender a ligação dos ouvintes durante uma greve de jornalistas da Rádio Nacional. Nem sequer sabia que ali funcionava a Redação. Mas a greve terminou e ele ficou. Depois disso, Menezes passou pela Rádio Globo, sucursal Rio de O Estado de S. Paulo, Rede Globo, Grupo Visão, Flamengo, Tribunal de Justiça, TRE e outros. Na verdade, depois dos primeiros meses, passou a trabalhar em mais de um lugar de cada vez. Uma rotina que perdura até hoje, mas que lhe trouxe aquilo que considera seu maior arrependimento: – Queria ter cursado a faculdade de Jornalismo, mas não tive tempo. Tudo bem que não é o diploma que faz o jornalista, mas é um preparo e uma bagagem que ninguém pode se dar ao luxo de não ter. Foi justamente em um plantão na porta da casa de Roberto Medina, durante o seqüestro do publicitário e empresário, que surgiu a idéia de reunir as gafes dos jornalistas. Enquanto esperavam e sem muito o que fazer, Menezes começou a contar histórias de colegas. Não parou mais. De lá, foi para o bar e do bar para os microfones da CNT e para os palcos. O show pode ser
uma grande diversão, mas requer bastante trabalho pesado. E sério. Junto com dois estudantes de jornalismo, Fernando Moreira e Pablo Kirschner, Menezes lê todos os jornais e revistas possíveis e procura estar ligado no que acontece no rádio e na TV. Outra fonte é o público, que costuma enviar muito material. Em cartaz No teatro, o espetáculo já foi visto por mais de 200 mil pessoas. As gravações com os hilários erros de locutores e as manchetes com os quase inacreditáveis tropeços de editores e redatores garantem a alegria da platéia em palcos fluminenses, paulistanos e até no Amazonas. Na última montagem, que esteve em cartaz durante o primeiro semestre de 2008 no Teatro Ipanema, no Rio, Menezes escolheu um time de
FRANCISCO UCHA
Mineiro de uma cidade pouco conhecida, Gurinhatã, Maurício começou atendendo telefone na Rádio Nacional durante uma greve de jornalistas. Após o fim da greve ele continuou na Rádio. Está no ar há quase 40 anos.
estudantes de Comunicação e jornalistas para produzir e encenar o espetáculo. Como no programa, os “causos” no palco se repetem: – Estou até pensando em montar outro show só sobre os erros no teatro. Estava no Teatro das Artes, em São Paulo, e o público já tinha entrado. Eu, atrás das cortinas, comecei a ajeitar o microfone sem fio. Mas ainda estava com as calças arriadas. Como não perceberam, abriram as cortinas. Aí já viu, né? No Rio, um maluco subiu no paco para fazer parte do espetáculo. Outra vez, quando estava me apresentando, vi entre o público o pessoal do Pânico na TV. Graças a Deus, eles ficaram sentados: vieram só assistir –, respira aliviado Menezes. Foi o sucesso no rádio e no teatro que levou o Plantão para a televisão. A atração passou por CNT, Record e Band e
chegou a ser considerada pelo articulista Antônio Brasil, do site Comunique-se, a prova de que existia humor inteligente na TV brasileira. Nem isso foi capaz de manter o programa no ar. – Gostaria muito de voltar, mas muitas vezes os diretores preferem pôr filmes velhos, que dão traços de audiência, a nos ceder espaço. –, diz o jornalista, contando ainda como a atração o inspirou em seu trabalho no Tribunal de Justiça e no TRE. – Fui a muitas reuniões de juízes e desembargadores em que, terminados os trabalhos, fazia um show para melhorar a carga negativa que ficava no ambiente. Os desembargadores começaram a ir ao teatro e depois fazer comentários durante os julgamentos. Era muito legal. Enquanto aguarda convites, o apresentador dedica-se ao programa apresentado na Rádio Tupi, à sua produto-
ra, a Full Time, e a um programa semanal de TV na internet (www.plantao denoticias.com.br), produzido em parceria com a Universidade Plínio Leite, de Niterói. Também colabora com jornais, prepara um livro sobre essas histórias da imprensa e planeja uma nova peça em conjunto com o publicitário Lula Vieira para estrear no final do ano. Agora, as últimas do jornalismo estarão mescladas com causos da publicidade brasileira. Maurício Menezes só deixa de lado as brincadeiras quando fala sobre o atual momento do jornalismo e sobre sua relação com a Associação Brasileira de Imprensa, onde esteve nas comemorações do centenário da entidade: – Jornalista não deve brigar com a notícia. Nem distorcê-la para atingir alguém. A ABI é como um templo, um abrigo, o nosso Vaticano, na luta pela
liberdade e pela solidez e seriedade da imprensa. Isso ficou claro durante as lutas contra os períodos de ditadura e pela redemocratização. Tenho certeza de que haverá novos embates em que sua presença será tão ou mais importante ainda. Pode ser. Mas também sem Maurício Menezes a imprensa não saberia o tanto que precisa mudar e melhorar. Seria igualmente muito mais chata. E todos estariam privados de uma gostosa risada depois dos tumultuados fechamentos e da correria causada pela velocidade da informação, porque não ficaram sabendo da última do locutor de rádio. Na pressa, ele pegou um texto fúnebre por engano. Só percebeu o equívoco quando terminou de ler o comunicado. Mas, como o estrago estava feito, mandou bala: “Se vocês correrem, ainda pegam o finalzinho”. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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JUSTIÇA
A heroína Elza Cansanção exalta as pioneiras. Como ela Participante da Segunda Guerra Mundial, para a qual se apresentou como voluntária, ela levantou os perfis de110 mulheres que o machismo na historiografia desprezou. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Primeira mulher brasileira a se apresentar como voluntária para participar da Segunda Guerra Mundial, a Major enfermeira, jornalista, historiadora e escritora Elza Cansanção Medeiros acaba de terminar um livro sobre a história de outras mulheres, que, como a própria autora, foram também pioneiras do Brasil. Ainda sem data prevista para o lançamento, Mulheres: alicerce de uma pátria forte tem cerca de 300 páginas e apresenta 110 perfis biográficos de personagens femininas brasileiras cuja vida foi marcada pelo pioneirismo. O livro foi prefaciado pelo jornalista e acadêmico Arnaldo Niskier. Elza Cansanção Medeiros sempre editou seus próprios livros, mas desta vez está à procura de uma editora para publicar a obra, sobre a qual comentou: — O livro reúne biografias de mulheres brasileiras, que foram o alicerce de uma pátria forte. No livro mulheres pioneiras e heroínas aparecem relacionadas desde 1510, a exemplo de Clara Camarão (casada com Antônio Felipe Camarão, índio Poti), que comandou um pelotão feminino que teve atuação decisiva no combate aos holandeses em uma batalha que ocorreu em Porto Calvo, AL, em 1637. A historiadora fala também das mulheres que se destacaram na Guerra do Paraguai, praticaram atos de bravura mas que não são citadas na historiografia sobre esse combate. A autora fala de
outras curiosidades que serão apresentadas no livro: — Apresento a biografia da primeira mulher barbeira na Polícia Militar do Rio de Janeiro, a primeira motorista de táxi e uma série de iniciativas que foram realizadas por mulheres interessantes. A Major Elza Cansanção reclama da falta de memória da sociedade brasileira e do pouco interesse pela sua História. Esses foram os motivos que a levaram a escrever o livro: — Os meus motivos foram a falta de conhecimento no Brasil de fatos históricos e o machismo que faz que os relatos historiográficos só se refiram aos heróis masculinos. Esquecem-se por exemplo de uma Jerônima de Almeida, que em 1624 foi condenada por Maurício de Nassau, mas que acabou sendo liberada em troca de um pão de açúcar que naquela época valia mais do que ouro. Essas e outras histórias estão contadas no livro de Elza Cansanção Medeiros, inclusive sobre um Município do Estado de Alagoas, onde todos os postos chaves (prefeita, juíza, promotora, entre outros) eram ocupados por mulheres. “Só as mulheres mandavam”, diz Elza, que completou 58 anos como sócia da ABI, na qual ingressou em 21 de março de 1950. Elza Cansação Medeiros tem orgulho de pertencer à terceira turma de jornalistas diplomados pela antiga Faculdade Nacional de Filosofia. A vocação para apurar e escrever vem desde menina: aos 12 anos de idade escrevia seus primeiros ar-
PRECAUÇÃO
Vasco pediu à ABI para fiscalizar sua eleição Objetivo: garantir a lisura no pleito para escolha do novo Presidente do clube. Com o fim de garantir a lisura e a regularidade no pleito da agremiação, o Presidente do Conselho Deliberativo do Clube de Regatas Vasco da Gama, Alberto Soares Moutinho, pediu à ABI e a outras instituições representativas da sociedade, como a Ordem dos Advogados do Brasil–Seção RJ, que indicassem representantes para acompanhar a eleição para a Diretoria do clube, programada para o dia 21 de junho. A iniciativa tinha por fim de assegurar, “perante a sociedade brasileira, o respeito e a credibilidade nos resultados eleitorais, isentos de vícios que possam gerar demandas, desqualificando assim a grandeza e 42
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exemplo de democracia e respeito às leis, valores estes histórica e indelevelmente vinculados ao Vasco da Gama”. Moutinho foi designado pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio para presidir a nova eleição, determinada pela 15ª Vara Civel, que anulou em abril de 2007 a assembléiageral realizada em 13 de novembro de 2006, sentença confirmada na instância superior. Além de presidir a nova assembléia-geral, coube a Moutinho a incumbência de organizar a eleição, presidir a mesa diretora da sessão de votação, garantir a segurança e a lisura do pleito e apresentar o resultado da apuração.
tigos para algumas revistas e pequenos jornais de Alagoas. Foi o então Senador Arnon de Mello, pai do ex-Presidente Fernando Collor, quem a incentivou a ingressar na ABI: — Ele achava muita graça dos meus primeiros passos na imprensa e me incentivou a me filiar à ABI, o que fiz quando me formei em Jornalismo. Responsável pelo acervo da Força Expedicionária Brasileira–Feb, a tropa que o Brasil mandou para a Itália na Segunda Guerra Mundial, Elza Cansanção tem em seu arquivo particular cerca de 5 mil fotografias desse conflito. Contou que o seu arquivo particular tem cerca de 5 mil fotografias da Segunda Guerra Mundial: — Eu tenho mais fotos do que eles (Feb). Para organizar o meu acervo de 5 mil fotografias contei com a ajuda de muita gente. Saio catando as imagens com militares que participaram da Guerra ou com seus parentes, seja no Brasil ou no exterior, por isso só eu tenho esse volume de fotos. Há pouco tempo um amigo meu me trouxe da Alemanha uma fotografia de soldados alemães em ação com seus cães, na qual ambos aparecem usando máscaras contra gases. Em 2007 Elza Cansanção recebeu a autorização para pesquisar os arquivos do Ministério da Defesa da Alemanha. Passou uma semana vasculhando os arquivos; embora não fale alemão muito bem, acabou conseguindo encontrar papéis importantíssimos, como os 50 documentos sobre os torpedeamentos dos navios brasileiros: — Como histo-
riadora do Exército Brasileiro consegui fazer essa pesquisa no Ministério da Defesa alemão, em Berlim. Os documentos que encontrei servem para desmanchar essa idéia maluca de que foram os norte-americanos que torpedearam os navios brasileiros. Uma vez em Maceió tive que processar um coronel por calúnia e difamação, porque ele me chamou de ignorante publicamente porque eu defendia a versão de que os ataques tinham sido feitos pelos alemães. Elza Cansanção tem cinco livros publicados: Nas barbas do Tedesco, E foi assim que a cobra fumou, Dicionário de Alagoanês, Eu estava lá e 1... 2... Esquerda... Direita... Acertem o passo. Enquanto aguarda a edição do próximo livro, está colaborando com a edição especial ilustrada da revista do Exército Brasileiro Contando a História, com 800 fotografias acompanhadas de textos-legendas. As fotos já foram publicadas no seu livro Eu estava lá, sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial.
Em expediente enviado à ABI, lembrou o Presidente do Conselho Deliberativo que “a imprensa especializada participou de forma efetiva no pleito anterior, através de vários órgãos de comunicação, apesar das dificuldades sempre encontradas na cobertura de qualquer evento dentro do Vasco da Gama, segundo relatos de vários profissionais de imprensa”. “Por aquela presença” — acrescentou Moutinho — “pôde-se divulgar, relatar e até testemunhar irregularidades ocorridas no pleito, oferecendo informações aos vascaínos e ao público em geral e criando segurança pela atitude ativa, ética e profissional da imprensa, propiciando transparência do processo, necessária não só em razão do interesse coletivo e difuso que o futebol, como patrimônio cultural nacional e, mais especificamente o Clube de Regatas Vasco da Gama, representa na sociedade brasileira, mas, e principalmente, pela livre informação e acesso à liberdade de expressão através do voto.” Após salientar que a ABI é, “historicamente, guardiã dos interesses nacionais, da liberdade do nosso povo e da democracia, espada forte contra a morda-
ça e o obscurantismo”, Moutinho solicitou “a presença oficial de um representante dessa magna instituição no pleito eleitoral, com o objetivo de acompanhar e, por que não dizer, representar a sociedade livre atenta ao desenvolvimento de uma conduta transparente, legal e democrática, visando a restaurar ao clube, perante a sociedade brasileira, o respeito e a credibilidade nos resultados eleitorais, isentos de vícios que possam gerar demandas, desqualificando assim a grandeza e exemplo de democracia e respeito às leis, valores estes historica e indelevelmente vinculados ao Vasco da Gama”. A eleição foi realizada na sede do Vasco na Ponta do Calabouço e exigiu providências especiais do Presidente do Conselho Deliberativo do Vasco para permitir o acesso dos eleitores ao local de votação: buscando adiar ou inviabilizar o pleito, o Presidente do Vasco, Eurico Miranda, mandou realizar obras na sede do Calabouço, deixou montanha de entulho a obstruir a passagem e fechou a porta principal com fortes cadeados. Com firmeza, Moutinho mandou limpar tudo, desmontar os cadeados e liberar a passagem dos eleitores.
MÍDIA
Um jornal de Cataguases para a Zona da Mata
GERVÁSIO BAPTISTA
VALTER CAMPANATO-ABR
Seu objetivo: combater a corrupção, que é comum no interior de Minas. Cataguases é agora o centro de uma publicação importante: foi lançado e é sediado na cidade o Jornal Primeiro, que circula mensalmente por 20 cidades da Zona da Mata, região que, diz o editor Jorge Fábio, precisava de uma publicação do gênero: — Nossa idéia é fazer um acompanhamento da política na Zona da Mata. A luta pela justiça nessa região é nossa principal meta. As pessoas da cidade grande não imaginam o que a população do interior passa nas mãos de políticos corruptos. Fábio, que é associado da ABI, revela que casos de improbidade administrativa são comuns no interior de Minas, assim como são raras as condenações: — O caso da recente prisão do Prefeito de Juiz de Fora, Carlos Alberto Bejani, acusado de envolvimento no esquema de desvio de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, nos faz pensar sobre a grave situação da política interiorana. Nas pequenas cidades, os crimes de corrupção vão daí para pior. A edição de estréia do Jornal Primeiro teve como destaque a matéria “Esta é a cidade em que você sonhava viver?”, em que o objetivo era fazer o leitor refletir sobre o uso de seu imposto diante de problemas como lixo e buracos nas ruas e a dengue. Já a recém-lançada edição de junho traz, entre outros assuntos, o péssimo estado das ambulâncias doadas a Municípios da Zona da Mata pelo Governo de Minas. (Bernardo Costa)
Correio Sindical, agora tablóide O Correio Sindical, editado no Rio, apresentou uma novidade radical em sua edição de junho: mudou do formato standard para o tablóide, mais usual entre as publicações dos sindicatos e de periodicidade mensal. Lançado em 1º de maio de 1996, o jornal desempenha papel importante na divulgação, dos debates, atividades e lutas sindicais, que têm pouco espaço na mídia tradicional. Editado pela organização não-governamental Instituto da Qualidade Social (Iqual), o Correio Sindical vem contribuindo para a troca de informações entre as entidades de classe, baseando sua conduta editorial nos interesses gerais dos trabalhadores, como assinalam os responsáveis pela publicação. Atualmente com oito páginas e uma tiragem de 40 mil exemplares, o jornal é distribuído gratuitamente, pelos Correios, a mais de 7 mil entidades e instituições, bem como a senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores do Estado Rio de Janeiro.
Ministro Hélio Costa (à esquerda) e João Roberto Marinho: cronograma de implantação da tv digital no Rio foi antecipado em vários meses.
Tv digital no Rio começa com A Favorita Em ato com a presença do Ministro das Comunicações, Senador Hélio Costa, e do Governador em exercício Luiz Fernando Pezão, a Rede Globo de Televisão inaugurou na noite do dia 16 de junho as transmissões de tv digital para o Rio, que se tornou assim a terceira capital, após São Paulo e Belo Horizonte, a adotar essa tecnologia. O evento foi objeto de um flash no Jornal nacional, que encerrou seu noticiário com tomadas feitas diretamente da sede do Jockey Club Brasileiro, na Gávea, onde a emissora anunciou a inovação. Logo após começou a transmissão com a nova tecnologia, que contemplou um dos produtos nobres
da Globo: a novela A Favorita, de João Emanuel Carneiro. Ao discursar na solenidade, Hélio Costa declarou que a chegada da tv digital ao Estado do Rio foi feita com quatro meses de antecipação em relação ao cronograma estabelecido, que previa o início dessas transmissões somente em outubro. Disse o Ministro que até o fim do ano outras seis capitais poderão contar com transmissões em tecnologia digital, inicialmente previstas para o fim de 2009. Apresentado pelo casal Luciano Huck e Angélica e precedido de imagens de exaltação do Rio e da inserção da Globo na vida da cidade desde a sua
fundação, há 43 anos, em video ancorado pela atriz Malu Mader, o ato reuniu o Presidente das Organizações Globo, Roberto Irineu Marinho; o Vice-Presidente, João Roberto Marinho; o Diretor da Central Globo de Comunicação, Luiz Erlanger; e convidados da emissora, entre os quais o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador Murta Ribeiro; os Deputados Chico Alencar (Psol), Hugo Leal (PSC), Marcelo Itagiba (PMDB) e Otávio Leite (PSDB); o Presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões Públicas (Sated), ator Jorge Coutinho; e o Presidente da ABI, Mauricio Azêdo.
O Fluminense conta sua trajetória de 130 anos Em comemoração ao seu 130º aniversário, festejado no dia 8 de maio, O Fluminense, segundo jornal mais antigo do Estado do Rio, lançou uma revista especial, contando sua história em forma de reportagens. Na publicação, pode-se conferir um pouco da trajetória do jornal até chegar às mãos de Alberto Francisco Torres, em 1954. O jornalista, advogado e político foi responsável pela modernização e construção da sede própria de O Fluminense, onde o jornal funciona até hoje, na Rua Visconde de Itaboraí, 184. Criado em 1878, o jornal desempenha, desde então, importante papel no desenvolvimento de Niterói e do interior do antigo Estado do Rio, sempre pautando assuntos de interesse público da sociedade fluminense. Na edição comemorativa, algumas coberturas de fatos que marcaram a cidade e o País são relembradas, como o naufrágio da barca Sétima, em 26 de outubro de 1915; o suicídio de Getúlio Vargas, em
agosto de 1954; o incêndio criminoso do Gran Circo Norte-americano, que matou mais de 300 pessoas em dezembro de 1961; e a Revolta da Armada, ocorrida em 6 de setembro de 1893, quando o jornal ficou seis meses fora
de circulação, devido aos bombardeios que atingiram Niterói. No dia 15 de março de 1975 fez-se a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, a partir de uma lei sancionada pelo então Presidente Ernesto Geisel. Na ocasião, O Fluminense comentou o possível esvaziamento de Niterói no editorial Fusão sem castigo, pedindo cautela às autoridades do País: “(...) Desejamos que, dotado o processo de transferência paulatina das sedes dos serviços públicos para o Rio de Janeiro, os governantes estejam atentos ao aspecto econômico, pelos seus profundos reflexos sociais e políticos (...)”. Alguns profissionais que tiveram importante passagem pelo jornal também são lembrados na edição, como Alarico Afonso Brandão Maciel, Guilherme Cristino Raoux Briggs, Luís Henrique Xavier de Azeredo, Luís Leopoldo Fernandes Pinheiro Jr., Miguel Maria Jardim e Prudêncio Luís Ferreira Travassos. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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LEMBRANÇA
SERGIO ANDRADE/AGÊNCIA O GLOBO
Sílvio Caldas, um carioca de São Cristóvão, era apontado por Ari Barroso como o maior cantor popular do Brasil. Um de seus últimos recitais foi na ABI, em 1990. POR J OÃO DUQUE ESTRADA MEYER
Se ainda estivesse entre nós, Sílvio Caldas teria feito cem anos em 23 de maio deste ano, pois nasceu em 1908, na Rua de São Cristóvão, nas proximidades do Campo de São Cristóvão. Era filho de Alcina de Figueiredo Caldas e Antônio Caldas. Seu pai era pianista e afinador de pianos, estabelecido na Rua da Lapa, no bairro do mesmo nome. Antônio Caldas é autor da valsa Neusa, com versos do jornalista Celso Figueiredo, que chefiou a seção internacional do jornal carioca Ultima Hora, de Samuel Wainer. A valsa foi gravada por Orlando Silva, por sugestão do próprio Silvio, que disse ao pai: – Você quer ganhar dinheiro, então pede ao Orlando para gravar. – E acrescentou: – Eu vendia dez discos, ele vendia cem, pois tinha mais prestígio do que eu. Em 14 de maio de 1929, estava no Teatro Recreio, na Praça Tiradentes, a revista Brasil do Amor, de Marques Porto e Ari Barroso, em que Sílvio Caldas interpretava o samba Faceira, de Ari Barroso. Na época o samba se chamava Gente Bamba, e Sílvio entrou no elenco por sugestão do violonista Rogério Guimarães. Sílvio voltou ao palco diversas vezes, para bisar Faceira: para alguns jornalistas, Faceira foi cantada seis vezes; para outros, oito. Sílvio marcava o compasso com um sapateio “absolutamente fantástico”. O canto apareceu ainda na revista É do Balacobaco, de Marques Porto, Victor Pujol e Ari Barroso. Sílvio considerava sua apresentação em Brasil do Amor sua verdadeira estréia perante o grande público. Daí em diante, ele, que, ao gravar Um Samba na Piedade, registrou pela primeira vez em disco a expressão telecoteco, obteve grande popularidade. Para o grande Ari Barroso, de quem Sílvio era o cantor preferido, ele era o maior cantor de samba do Brasil. “Certos cronistas, diz Ari, certos cantores e certos compositores que, nas entrevistas, citam seus intérpretes preferidos e não falam em Sílvio Caldas passam por despeitados. Seria o mesmo que falar em futebol e não citar Domingos da Guia; em ator e não falar em Mesquitinha; em atriz e não falar em Araci Cortes. É, acima de tudo, ridículo”. Em 1935, Sílvio Caldas participou do filme Favela dos Meus Amores, dirigido por Humberto Mauro, ao lado de Carmem Santos, Rodolfo Mayer, Ar44
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mando Lousada, Jaime Costa e Belmira Almeida. No filme, ele canta, dentre outros números, o samba Inquietação, de Ari Barroso.
futebol no Costa Lobo FC, da rua do mesmo nome, em São Cristóvão, onde se destacava como centro-médio. Certa ocasião, Sílvio Caldas nos revelou que durante uma fase difícil da vida trabalhou como bicheiro à porta de uma quitanda na Rua de São Januário, em São Cristóvão. Antes de se firmar como o grande cantor que brilhou durante tantos anos (foram quase 70 anos de carreira), Sílvio Caldas trabalhou num frigorífico em Mendes, no interior do Estado do Rio de Janeiro, onde teve como chefe (e depois admiradores) o velho Clodomir Marins, pai do economista Aluísio Marins. Este, aposentado da Companhia Siderúrgica Nacional, trabalha e vive há algum tempo na cidade de São Paulo, onde dá assessoria a diversas empresas, profissional brilhante que é. No tempo que foi trabalhar em Mendes , Sílvio era conhecido pelo apelido
então Vereador Maurício Azêdo, do Partido Democrático Trabalhista. É que o plenário da Câmara Municipal, onde deveria realizar-se a solenidade, estava ocupado com os trabalhos da Lei Orgânica do Município, que ali se votava. Sílvio Caldas, que nos últimos anos de vida vivia em Atibaia, no Estado de São Paulo, onde tinha um sítio em que cultivava morangos, ali morreu em 3 de fevereiro de 1998, três meses antes de completar 90 anos. No fim da vida ele sofria de anorexia senil, doença que priva o paciente do apetite. Deixou a viúva Miriam Barbaglio e dois filhos. Foi toda uma vida dedicada à música brasileira: Sílvio Caldas era considerado pela crítica e pelo público o maior cantor de todos os tempos, tendo como grande concorrente Orlando Silva, que, em certa fase da carreira, teve mais prestígio do que Sílvio.
O vilão de JK Há uns 50/60 anos, Sílvio Caldas realizava uma temporada na Rádio Iracema, de Fortaleza, com um programa semanal. Certa noite, no dia de seu programa, o único rádio de um hospital localizado numa cidade que se chamava Canafístula, no interior do Ceará, enguiçou, privando os internos de ouvirem a audição. Ao saber do acontecido, Sílvio, que tinha no pianista Nenê (tio de Ciro Monteiro e Caubi Peixoto) seu acompanhante favorito, não se fez rogado: pegou um táxi em Fortaleza e foi até o hospital, em Canafistula, e cantou para os internos daquele hospital. Isso, sem ganhar um centavo, arcando até com o pagamento do táxi. Durante o Governo de Juscelino Kubitschek, este convidou Sílvio Caldas a cantar para os soldados brasileiros que serviam nas proximidades do Canal de Suez. O cantor aceitou, e JK, em reconhecimento pela atuação de Sílvio para os pracinhas de Suez, ofereceu-lhe um vilão com uma placa de ouro, com as armas da República, com os seguintes dizeres: “Ao Seresteiro do Brasil o JK”. Sílvio Caldas, que era amigo de JK, guardou até o fim da vida o violão que lhe ofertara o Presidente da República. Em 7 de outubro de 1955, em entrevista à imprensa, Ari Barroso afirmava: – Sílvio Caldas na terra. Sílvio Caldas deu seu último recital no Rio na ABI, ao receber o título de Cidadão Benemérito, proposto por O Caboclinho, dono Maurício por sugestão de Duque Estrada (à direita). Com ele veio seu violonista preferido, Voltaire Sete Cordas. de uma boate em São de Sílvio Gororoba, uma vez que devoDurante seu sepultamento, Jair Paulo (Chicote), está no Rio. Veio em rava a comida que seus companheiros Rodrigues cantou a valsa Chão de Esvisita aos familiares e comprar coco verrecusavam, durante o almoço. trelas, versos de Orestes Barbosa, mude no Mercado (não encontrou). Está Há alguns anos, vinte no máximo, sicados pelo próprio Sílvio. um pouquinho mais magro e com os caSílvio Caldas fez uma apresentação no A propósito de Chão de Estrelas, com belos mais brancos. Perguntei-lhe pelo auditório da Associação Brasileira de certeza o maior sucesso na carreira do samba Portugal, Meu Avozinho ( está em Imprensa, a convite de um associado Caboclinho Querido, cabe contar como seu poder desde fevereiro deste ano). da instituição, sem receber um centase originou o nome da valsa: Sílvio tiDisse que a música foi entregue à Covo de cachê. Alem disso, ele pagou de nha ido à casa do poeta Guilherme de lumbia, para a necessária orquestração, seu bolso o conjunto musical que trouAlmeida, em São Paulo. Durante a cone que até hoje não foi chamado para graxe de São Paulo, o Esmeraldino e Seus versa, o cantor disse ao poeta que, favar. Falou num tal de Sr. Renato, o resCordas Quentes, responsabilizando-se zia pouco tempo, tinha musicado uns ponsável pelo destino das gravações. até mesmo pela despesa com a hospeversos de Orestes Barbosa, mas a valComo é, seu Renato? Então o grande dagem dos músicos, num hotel de casa ainda não tinha nome. Ao ouvir os Manuel Bandeira me faz uma linda letegoria, na Avenida Presidente Vargas. belíssimos versos de Orestes Barbosa, tra, eu capricho no samba, o Sílvio se Pouco antes ou depois, voltou a canGuilherme de Almeida disse: – Pois vai dispõe a gravar imediatamente – e o tar na sede da ABI, desta vez em cerichamar-se Chão de Estrelas. E Chão de amigo põe tudo na geladeira? mônia em que foi agraciado com o tíEstrelas ficou sendo. tulo de Cidadão Benemérito da CidaO GOROROBA de do Rio de Janeiro, por iniciativa do Quando jovem Sílvio Caldas jogou João Duque Estrada Meyer, jornalista, é sócio da ABI.
EVOCAÇÃO
O Japão que não me sai da memória No ano do centenário da imigração japonesa, imagens da terra que conheci ainda jovem. POR I LMA MARTINS DA S ILVA
Este ano de 2008 está repleto de eventos altamente significativos para nós. Por exemplo, recentemente celebramos o centenário da ABI, os 180 anos do Jornal do Commercio, o bicentenário da chegada da Imprensa ao Brasil, a criação da Imprensa Nacional e da Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal impresso no País, e, também, o Correio Braziliense, lançado em Londres por Hipólito José da Costa. Todas essas efemeridades citadas, apesar de sua importância histórica para o povo brasileiro, tiveram uma repercussão, creio eu, muito fraca no seio da chamada grande imprensa. Não foi dado, infelizmente, o destaque merecido e esperado pela sociedade em seu todo. Bafejado pelos bons fluidos do ano, coincidentemente comemora-se agora mesmo o centenário da imigração japonesa no Brasil, que contou com a ilustre presença do príncipe herdeiro do Japão, Nahurito. E é com júbilo que os quase dois milhões de japoneses espalhados pelas várias regiões do País festejam e agradecem à terra brasileira por tê-los acolhido de braços abertos. Tão logo chegaram ao País eles arregaçaram as mangas e foram à luta nas grandes fazendas de café, algodão e outras culturas. Dessa maneira, em um século apenas, contribuíram para alavancar o progresso do Brasil respeitando sua cultura milenar, crenças, hábitos e tradições. E isso tudo foi feito observando a rígida disciplina peculiar aos povos asiáticos. A cidade de São Paulo recebeu o maior número de imigrantes japoneses, e é por esse motivo que a festa está sendo mais valorizada nos principais bairros tipicamente engalanados à moda japonesa. Conheci o Japão nos fins dos anos 60, e lá permaneci por dois meses a convite de colegas japoneses com quem estudei. Percorri de trem e de barco as três ilhas de Honshu, Shiaoku e Kyushu. Baseada na capital Tóquio, desfrutei de bons momentos com meu amigo Kano Toru, que me servia de guia. Assisti aos belos espetáculos de Kabuki; visitei belos parques, museus e até bares onde os jovens se reuniam para um bom karaokê. Em seguida fui visitar as cidades de Kyoto, Nara, a primeira capital, Nagoya, Hiroshima, Nagazaki, Unzen, Shimabara, Beppu, Kobe, Osaka, Yokohama e, mais ao norte, Hatinohe. Esse contato direto com o povo japonês na minha juventude foi uma experiência inesquecível. A disciplina, o respeito aos idosos, a dedicação ao trabalho, sua veneração à cultura e às tradições me influenciaram e me fizeram admirá-los pela vida afora. Obrigada, pelo exemplo que me repassaram meus amigos japoneses. E meus parabéns! Pelo convívio entre nós brasileiros! Ilma Martins da Silva, jornalista, é membro da Comissão Diretora da Diretoria de Assistência Social da ABI.
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SERGIO LIMA / FOLHA IMAGEM
Vidas
Uma mulher à frente de seu tempo POR MARCOS STEFANO
“Um exemplo para o Brasil”. O grito anônimo foi ouvido apenas por parte da multidão – mais de 500 pessoas –, que lotou o Cemitério da Consolação, em São Paulo, naquela manhã de quinta-feira. Talvez por causa do choro e da forte comoção que tomaram conta do lugar, apenas amigos, familiares, colegas de trabalho e políticos que estavam mais próximos puderam ouvir a última homenagem, feita enquanto o corpo de Ruth Cardoso descia à terra. Apesar disso, expressou um sentimento comum a todos os brasileiros. De fato, a antropóloga e ex-primeira dama, falecida dois dias antes, em 24 de junho, devido a uma grave arritmia causada por uma doença coronariana, foi uma mulher à frente do seu tempo. Tanto na academia, com estudos inovadores, quanto em seu trabalho social, durante o Governo do marido, o exPresidente Fernando Henrique Cardoso, quando transformou o assistencialismo governamental em iniciativas de desenvolvimento social. Em meados da década de 50, quando o tema ainda era muito árido e distante, ela estudou a imigração japonesa 46
Jornal da ABI 330 Junho de 2008
para São Paulo e transformou o assunto em tese universitária. Quando voltou do exílio imposto pelo golpe de 64, transformou-se em um dos primeiros acadêmicos brasileiros a discutir a emergência dos movimentos sociais baseados nas diversidades, como os feministas, étnico-raciais e de orientação sexual. Até a década de 70, as universidades consideravam que esses movimentos não tinham status para merecer a atenção das pesquisas, mas Ruth já os chamava de “os novos movimentos sociais”. No Centro Brasileiro de Análise e Planejamento-Cebrap, em começos dos anos 80, montou uma equipe para pesquisar os diversos movimentos sociais de então, visualizando uma sociedade participativa em tempos nos quais as organizações não-governamentais ainda eram desconhecidas. – Ela escreveu pouca coisa, mas toda a sua produção é de grande importância. Foi uma grande antropóloga e excelente professora. Isso sempre, seja no palácio, na universidade ou em viagens – declara Roberto DaMatta, antropólogo da Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos. Alguns desses trabalhos são Sociedade e Poder: representações dos favelados
em São Paulo, trabalho escrito em 1978 e que foi considerado um marco do estudo das estruturas de poder nas grandes cidades, Bibliografia Sobre a Juventude e Mudança Sociocultural e Participação Política nos Anos 80. – Ruth sempre foi independente, o que na universidade se traduzia pela crítica acirrada a concepções que dominaram por muito tempo o debate intelectual. Para ela, as manifestações populares como carnaval, futebol e religiosidade, não poderiam ser explicadas apenas como manipulação dos trabalhadores ou, por outro lado, como reação ao sistema. Algo que mudou a visão da academia. Seus estudos eram muito avançados e exploravam a heterogeneidade dessas experiências e o espaço que abriam para novas práticas políticas feitas nos bairros, na periferia, nos movimentos sociais –, explica Lilia Moritz Schwarcz, professora do Departamento de Antropologia da USP. Programas sociais Entre 1995 e 2002, quando Fernando Henrique presidiu o País, Ruth colocou o conhecimento que produziu na prática. Decretou o fim da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e fundou
e presidiu o Comunidade Solidária. Com os diversos programas sociais desenvolvidos, 2,5 milhões de jovens foram alfabetizados nos Municípios mais pobres do País, estudantes e professores universitários participaram de ações sociais em comunidades carentes e mais de 100 mil jovens foram treinados para o mercado de trabalho nas grandes regiões metropolitanas. – Como estava solta de amarras e das concessões de Governo, ela tornouse símbolo de dignidade e correção. Mais importante era ter programas distanciados do assistencialismo e sustentados na concepção da inclusão produtiva. Jovens, por exemplo, não recebiam dinheiro, mas incentivo para aprender profissões ao alcance de suas realidades: DJs, dançarinos, cabeleireiros ‘afro’ e outras –, analisa a jornalista Dora Kramer em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo. Ruth ainda foi uma das mentoras do Bolsa-Escola, mais tarde unificado com outros programas federais que deram origem ao Bolsa-Família, carro-chefe do Governo Lula. Mas as marcas de seu trabalho na área são mais vastas. Ao deixar Brasília, ela já dizia que queria manter as brigas que havia começado.
Embora avessa a publicidade e promoção pessoal, Ruth Cardoso deu grande projeção ao programa Comunidade Solidária, que alcançou repercussão internacional. Interessada em promoção social, a Onu convocou-a para expor (foto) as características e formas de atuação do programa.
para os ouvir: Ruth e FHC. Feminista declarada, ela também entrou na luta pela legalização do aborto, o qual considerava ser uma liberdade de decisão da mulher. – A trajetória de Ruth sempre nos inspirou e nos mostrou como a mulher pode ajudar a mudar a sociedade. Lembro-me de 1985, quando ajudamos a criar na Usp o Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero. Foi uma revolução: enfrentar a mais importante universidade da América Latina, que ignorava a presença feminina entre docentes, pesquisadores e alunos – conta em artigo publicado no Estadão a cientista social e também professora da Usp Eva Blay. Respeitada até por quem se opunha a seu trabalho, Ruth se dava bem com
A mensagem da ABI A ABI manifestou ao ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso o seu pesar pelo falecimento da sua esposa, a antropóloga Ruth Cardoso, criadora do Programa Comunidade Solidária e de outras iniciativas de caráter social. Em telegrama ao ex-Presidente, diz a ABI: “A ABI associa-se à sua dor neste momento em que V. Exa. perde a sua admirável companheira. A imagem de D. Ruth há de permanecer com os traços fortes que marcaram a sua fecunda existência como esposa e mãe, intelectual de superior qualificação e gestora pública com arraigada e generosa sensibilidade social. Receba o abraço de condolência da Diretoria, do Conselho Deliberativo e do corpo social da ABI. Cordialmente, Maurício Azêdo”
Saúde, paz e amor tornaram mais fecunda a trajetória de Luiz de Carvalho
todo mundo, menos, segundo os amigos mais próximos, com jornalistas e políticos em geral. Na verdade, ela detestava microfones, holofotes e futricas de bastidores. Em diversas ocasiões, criticou a obsessão da mídia por sua vida: – Vou resistir à imprensa até o fim. Por que essa mistura do público e do privado? – esbravejou ela em 1994, durante o auge do assédio na campanha de FHC. De fato, durante o Governo apenas os amigos mais íntimos tiveram acesso à residência presidencial. Ainda assim, as duas melhores definições da importância do trabalho da exprimeira-dama, que aliás detestava ser chamada assim, parecem ter vindo mesmo de jornalistas: – Margaret Trudeau, jovem esposa do então Primeiro-Ministro do Canadá, Pierre, costumava dizer que queria ser algo mais que uma rosa na lapela de seu marido. Sem se valer de sentenças de protesto ou de auto-afirmação, Ruth Cardoso conseguiu ser bem mais que uma rosa no paletó de Fernando Henrique. Iluminou veredas com a energia de suas idéias –, afirma Gaudêncio Torquato, também professor da Usp. Já Ricardo Kotscho, que poucas semanas antes da morte de Ruth, fez uma longa entrevista com FHC sobre sua rotina, na qual o ex-Presidente falava com alegria do tempo que dispunha para ir com a esposa a concertos, teatros e restaurantes, sem seguranças, como um cidadão comum, foi bem direto: – A maioria dos mortais passa pela vida e apenas deixa saudades para parentes e amigos próximos. Outros poucos, como Ruth Cardoso, deixam a marca de uma obra a serviço da sociedade. No caso dela e de FHC, não tem essa história de que atrás de um grande homem tem uma grande mulher ou vice-versa. Nenhum dos dois passou a vida atrás do outro. Cada um fez a sua própria carreira e escreveu a própria história. E elas permanecem. ARQUIVO ABR
Para isso, criou a Comunitas, rede de organizações que deu continuidade aos programas gerados pelo Comunidade Solidária. – Essa dimensão utópica do nome fez parte do trabalho real desde o começo graças à visão dela. Hoje, a sociedade brasileira já não espera tudo do Estado. São as parcerias entre os diversos atores que sustentam o trabalho, diga-se, investindo em capital humano, em mudanças sociais e não em apenas dar dinheiro, sem dar condições de futuro. Ruth se foi, mas esses seus sonhos, princípios e idéias continuam mais vivos que nunca –, diz Renata Camargo Nascimento, atual presidente da Comunitas. Ser brigadora, ainda mais por sonhos, foi uma virtude presente desde cedo em Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso. Paulista de Araraquara, onde nasceu em 19 de setembro de 1930, foi para a capital paulista para estudar. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Usp, formou-se e também conheceu Fernando Henrique, com quem se casou em 1953 e teve três filhos: Luciana, Paulo Henrique e Beatriz. Construiu uma sólida carreira acadêmica como docente e pesquisadora na própria Usp, Universidade do Chile, em Santiago do Chile, Maison dês Sciences de L´Hom-me, de Paris, Universidade de Cambridge, em Londres, Universidade de Berkeley, Califórnia, e na Universidade de Columbia, Nova York, entre outras. Se era desconfiada e contestadora na academia, na vida pública não foi diferente. Agnóstica e humanista, a intuição era uma das suas mais notáveis características, segundo amigas e colegas. Na década de 80, quando FHC começava na carreira política, resistiu a deixar a vida acadêmica para se mudar para Brasília. Já no Governo, parecia ser não só a grande conselheira do marido, como a face mais franca e progressista do poder. Tanto que causou estragos ao dizer sem meias palavras que o PFL – hoje Dem – tinha dois lados e o então Senador Antônio Carlos Magalhães era o lado ruim. Apesar de dizer que “partido não era com ela”, a prática política sempre esteve entranhada em sua vida. Quando os filósofos Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir estiveram no Brasil, em 1960, houve muita polêmica por causa daquilo que defendiam. Mas não para o casal que se sentou na primeira fila do auditório acadêmico
Mesmo depois dos 80 anos Luiz de Carvalho não diminuiu sua criatividade, o dinamismo e a capacidade de trabalho. Na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na qual passara a trabalhar como assessor de comunicação e de eventos de um vereador, seus companheiros ficavam admirados com a vitalidade que ele exibia e a disposição com que concebia e comandava a execução de projetos. Luiz levara para o seu novo campo de trabalho a experiência acumulada em mais de 60 anos de atividade na área de comunicação. A partir dos anos 50 e até à década de 70, ele apresentou na Rádio Globo, todas as manhãs, de segunda a sábado, um programa que tinha como divisa aquilo que procurava injetar ou favorecer nos ouvintes e que tornou fecunda a sua trajetória como radialista e homem de tv: Saúde, Paz e Amor. A agilidade do programa, que abriria passagem para outros igualmente criativos e dinâmicos como o de seu colega Haroldo de Andrade, proporcionava-lhe a liderança de audiência, o carinho dos ouvintes e o respeito de artistas, sobretudo aqueles em começo de carreira, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, os Vips, Leno e Lilian, Renato e Seus Blue Caps. Tal como Chacrinha na televisão, Luiz de Carvalho dava força aos novos talentos, estimulando-os e abrindo espaço para suas apresentações. Com isso, promovia movimentos musicais que surgiam, como a Bossa Nova e a Jovem Guarda. Quando a televisão começou a repetir, adaptando-os ao novo veículo, programas vitoriosos no rádio, Luiz de Carvalho foi um dos nomes lembrados para produzir e apresentar as versões televisivas da criação radiofônica. Na década de 60 a nascente TV Globo contratouo ´para apresentar o primeiro programa de auditório ao vivo transmitido pela emissora, o Tevefone, que ocupava as tardes de sábado e se tornou o líder de audiência da emissora. Ao lado de Márcia de Windsor, ele apresentou na TV Globo, posteriormente, outro programa de grande audiência, o Alô sucesso. Dotado de experiência diversificada, Luiz de Carvalho atuou não apenas como produtor e apresentador de programas de rádio e televisão, mas também como jornalista. Qualificado e competente na produção de reportagens e na elaboração de textos, foi correspondente de O Globo, do qual se afastou quando o jornal passou a montar equipes com gente mais jovem. Como radialista, trabalhou também nas Rádios Nacional, Tupi e Bandeirantes. Luiz de Carvalho morreu no dia 9 de junho, aos 89 anos, de uma pneumonia que o consumiu em uma semana após internação num hospital da Obra Portuguesa de Assistência. Jornal da ABI 330 Junho de 2008
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