Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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DEZEMBRO 2008
E Espedição Cent cial do enári VOL o U ME
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Jornal da ABI
Comissão de Honra do Centenário RICARDO STUCKERT-PR
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PRESIDENTE Oscar Niemeyer GOVERNADORES Aécio Neves Luiz Henrique da Silveira Sérgio Cabral Filho ACADÊMICOS Ana Maria Machado Antonio Olinto Ariano Suassuna Arnaldo Niskier Carlos Heitor Cony Cícero Sandroni Evaristo de Moraes Filho Ivan Junqueira João Ubaldo Ribeiro José Mindlin José Sarney Lygia Fagundes Telles Marcos Vinicios Vilaça Moacyr Scliar Murilo Mello Filho Nélida Piñon Nelson Pereira dos Santos Paulo Coelho JORNALISTAS Adísia Sá Alberto Dines Ana Arruda Callado Ancelmo Góis Armando Nogueira Arthur Poerner Aziz Ahmed Carlos Chagas Carlos Lemos Chico Caruso Cid Moreira Clovis Rossi
Dídimo Paiva Dora Kramer Edgar Rodrigues Eliane Cantanhêde Ercy Pereira Torma Evandro Teixeira Fábio Proença Doyle Fátima Bernardes Fernando Calazans Ferreira Gullar Fichel Davit Chargel Flávio Tavares Hélio Fernandes Jaguar Jânio de Freitas Joaquim Campelo Marques Johnny Saad Jorge de Miranda Jordão José Alves Pinheiro Junior José Hamilton Ribeiro José Maria Rabêlo José Roberto Marinho Lan Lúcio Flávio Pinto Luís Erlanger Luis Fernando Veríssimo Luiz Lobo Luiz Mário Gazzaneo Manolo Epelbaum Marcos de Castro Mário de Moraes Milton Temer Moacir Pereira Moacir Werneck de Castro Nahum Sirotsky Nani Nélson Sirotsky Nilson Lage Dom Paulo Evaristo Arns Paulo Markun Paulo Patarra IN MEMORIAM Raimundo Coelho Neto Raul Martins Bastos Renato Guimarães Roberto Civita Roberto Muylaert Rodolfo Fernandes Rubem Azevedo Lima Ruy Mesquita Ruy Portilho Sérgio de Souza IN MEMORIAM Sérgio Murilo de Andrade Silio Boccanera Tão Gomes Pinto Teodomiro Braga Villas-Bôas Corrêa Walter Firmo Washington Novaes William Bonner
Ziraldo Zuenir Ventura ADVOGADOS E JURISTAS Alcyone Barreto Antonio Modesto da Silveira Benedito Calheiros Bomfim Carlos Roberto Siqueira Castro Celso da Silva Soares Dalmo de Abreu Dallari Fábio Konder Comparato George Francisco Tavares Goffredo da Silva Telles Junior Humberto Jansen Machado José Afonso da Silva Marcelo Cerqueira Nilo Batista Sérgio Bermudes
Marília Pêra Nelly Martins Ferreira Candeias Nizan Guanaes Othon Bastos Paulinho da Viola Raymundo de Oliveira Regina Duarte Reginaldo Dutra Ruy Ohtake Sabino M. Barroso Sérgio Rezende Sívio Tendler Tizuka Yamazaki Tony Ramos Tomie Ohtake Vladimir Carvalho Walter Salles Zelito Viana
INTELECTUAIS, ARTISTAS E OUTROS MEMBROS DA SOCIEDADE CIVIL
Aldir Blanc Amir Haddad Alfredo Britto Ana Botafogo Ana Maria Magalhães Antonio Candido de Mello e Souza Arthur Moreira Lima Augusto Boal Beatriz Milhazes Beth Carvalho Cacá Diegues Carla Camurati Carlos Alberto Torres Carlos Zílio Dalal Achcar Dorival Caymmi IN MEMORIAM Fernanda Montenegro Fernando Pamplona Francis Hime Geraldo Sarno Gilberto Gil Guguta Brandão Hans Donner Haroldo Costa Hermínio Bello de Carvalho Ítalo Rossi João Bosco João Gualberto de Carvalho Meneses João Moreira Salles Joel Rufino dos Santos José Carlos Sussekind José Wilker Luiz Carlos Barreto Lydio Introcaso Bandeira de Mello Marcello Alencar Marco Nanini Maria Bonomi Mariêta Severo
Edição Especial do Centenário Volume 2
Comissão Executiva do Centenário PRESIDENTE Maurício Azêdo MEMBROS Arthur da Távola IN MEMORIAM Benício Medeiros Cecília Costa Domingos Meirelles Estanislau Alves de Oliveira Fernando Barbosa Lima IN MEMORIAM Francisco Paula Freitas Jesus Chediak José Gomes Talarico Marcelo Tognozzi Maria Ignez Duque Estrada Bastos Mário Barata IN MEMORIAM Marlene da Silva Milton Coelho Miro Teixeira Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Pery Cotta Ricardo Kotscho Rodolfo Konder Sérgio Cabral Silvestre Gorgulho Tarcísio Holanda SECRETÁRIA-EXECUTIVA Marilka Corrêa da Costa Lannes Azêdo SECRETÁRIA-ADJUNTA Helenita Moura
Editorial
COM PRAZER E ALEGRIA M AURÍCIO A ZÊDO P RESIDENTE DA ABI
ESTE VOLUME 2 DA EDIÇÃO Especial do Centenário do Jornal da ABI é consagrado a momentos de grande densidade da fecunda trajetória da Casa, sem que este olhar para o nosso interior implique sacrifício de aspectos relevantes destes 100 anos no plano da vida da imprensa ou no ambiente econômico, político e social que recobre os fastos do nosso jornalismo desde a primeira década do século 20. MOSTRA ESTA EDIÇÃO ESPECIAL o longo fio da História da Casa desde a sua fundação por Gustavo de Lacerda e reduzido grupo de sonhadores em 7 de abril de 1908. A Edição realça também a aventura empresarial e jornalística de empreendedores que marcaram a comunicação no século decorrido – a dinastia dos Mesquita, enraizada na imprensa desde o último quartel do século 19; Assis Chateaubriand; Roberto Marinho, Victor Civita; Adolpho Bloch; Octávio Frias; os construtores, à frente de várias gerações de jornalistas, de poderosos e influentes complexos de comunicação. SE É ESTIMULANTE EXPOR estas vertentes da vida da imprensa, não menos prazeroso é evocar episódios, eventos e personalidades da Casa e da atividade profissional de que a ABI foi cenário, protagonista, agente ou testemunha, a começar, como narra Moacir Werneck de Castro, pela intervenção de Herbert Moses em favor da libertação do jovem que fazia sua iniciação como repórter nos idos dos distantes anos 30. Pela aplicação de pesquisa de Edmar Morel, grande jornalista que quis ser sempre e apenas repórter, recusando postos de comando na cozinha de jornais e revistas, pudemos conhecer, encadeada, de forma harmoniosa, toda a saga dos sucessores imediatos de Gustavo de Lacerda – Belisário de Souza, Dunshee de Abranches, Raul Pederneiras e de quantos lhes sucederam. É desse inesquecível Morel que seu neto Marco Morel traça com sobriedade um retrato comovido.
ENCHE-NOS DE SATISFAÇÃO, IGUALMENTE, graças ao empenho do nosso associado Rogério Marques Gomes, falar do jequitibá-rei que o Presidente Juscelino Kubitschek plantou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro no cinqüentenário da ABI, em 1958, e da exaltação que ele então fez da liberdade de imprensa como bem essencial da sociedade democrática, lição que o Estado nacional nunca aprendeu. Alegria do mesmo quilate é relembrar que na sede portentosa erigida por Herbert Moses e seus companheiros da ABI nos anos 30 e 40, tema de minuciosa entrevista do arquiteto Alfredo Britto ao nosso associado Manolo Epelbaum, nasceram a campanha O petróleo é nosso, como contado num antigo texto de pranteado companheiro, Henrique Miranda, e a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, como relata Dejean Magno Pellegrin num texto confessional: Meninos, eu estava aqui! Este espaço era um dos principais núcleos do Polígono Cultural do Rio nos anos 50, como lembra Mestre Alberto Dines em depoimento ao repórter José Reinaldo Marques, e que tinha entre seus freqüentadores habituais nosso maior músico erudito: Heitor Vila-Lobos, que foi sócio da Casa de 1921 até 1959, quando partiu. MAIS ESTIMULANTE É SABERMOS que esta Edição não esgota a riqueza de informações do próximo Volume 3, em que se falará de mulheres que desbravaram caminhos na selva profissional – Adalgisa Nery, Eneida de Moraes, Silvia Donato, Lena Frias, Cecília Meireles — e as lutas pelo retorno do País ao Estado de Direito. Esta Edição é para ler e guardar, como disse Hélio Fernandes sobre o Volume 1, e esperar a outra, já em gestação e que será tão boa quanto as precedentes. Rio de Janeiro, dezembro de 2008
Edição Especial do Centenário Volume 2
Memórias
COMO CONHECI A “MINHA” ABI Corria 1934. Era a primeira reportagem do jovem foca, incumbido de cobrir uma reunião sindical que discutiria a criação da uma espécie de Cut da época. A Polícia baixou lá, prendeu os cabeças, entre eles o repórter de 19 anos, que narra o contratempo de que se libertou graças à ação da ABI. P OR M OACIR W ERNECK DE C ASTRO
DIVULGAÇÃO EDITORA RECORD
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eu primeiro contato com a Associação Brasileira de Imprensa foi conseqüência inesperada da violência policial contra a organização dos trabalhadores. Aconteceu em outubro de 1934, e eu tinha 19 anos. O Brasil fora contemplado com uma nova Constituição, que havia sido promulgada meses antes. Fui convidado para trabalhar no recém-fundado Jornal do Povo, dirigido por Osvaldo Costa e Aparício Torelly, o Barão de Itararé. Muita honra para o jovem foca! Minha primeira tarefa foi a cobertura de uma assembléia sindical que deveria resultar numa espécie de Cut da época. Pois bem: embora plenamente legal, a reunião, realizada num sobrado da Rua dos Arcos, foi invadida pela Polícia, mal começara. Policiais gritavam que não seriam mais tolerados ataques às autoridades do Governo (o que não tinha havido). E começaram a atirar a esmo, dissolvendo a reunião. Eu, que estava na mesa, fui preso também. Passei por um “corredor polonês”, ao longo do qual os famigerados soldados da Polícia Especial, de boné vermelho, distribuíam pancadas. Todo mundo foi para a sede policial da Rua da Relação, ali perto. Lá fui fichado como comunista. Meu irmão mais velho, Luiz Werneck de Castro, já então sócio ativo da ABI (mais tarde seu nome foi dado a uma sala), prontamente informou ao Presidente Moses que eu fora preso e espancado quando no exercício da profissão de jornalista e solicitando providências da ABI, visto ser ignorado meu paradeiro. Dizia mais: “Creio que basta a simples enunciação do fato para comprovar a enormidade dos processos de repressão que o Ministro da Justiça, Senhor Vicente Rao, decidiu pôr em prática ao raiar do regime constitucional.” No mesmo dia Moses respondeu dando conta das providências tomadas. A solicitação foi atendida, sendo eu posto em liberdade. Concluía Herbert Moses: “Não obstante reitero o desejo da ABI de auxiliá-lo em tudo o que for necessário, prestando a seu irmão toda a assistência e solidariedade”. Em conseqüência fui posto em liberdade. Mas o rótulo ominoso ficou pelos anos afora, registrado no meu “habeas data”. Veio daí a minha relação com a ABI, a partir de um episódio de violência que me imbuiu do espírito de fraternidade e foi mais uma contribuição da entidade para as lutas democráticas do povo brasileiro. Conheci e colaborei com todos os Presidentes da ABI, menos os que foram agentes da ditadura militar de 64. Fui também membro do Conselho Administrativo.
Preso e espancado em início de carreira por soldados da Polícia Especial quando cobria uma assembléia sindical, o jovem Moacir Werneck de Castro foi solto graças à ação rápida de Herbert Moses, que não poupou esforços para libertá-lo.
Por um tempo mais prolongado trabalhei com o Presidente Danton Jobim, quando eu era redator da Última Hora. Danton fora indicado por Samuel Wainer para tentar enfrentar as dificuldades que o jornal sofria. (sua habilidade nesse mister perigoso era ilustrada pela fama de especialista na “indústria do bom-senso”, que lhe fora atribuída por J. E. de Macedo Soares nos tempos de ambos no Diário Carioca).
Edição Especial do Centenário Volume 2
Os meus companheiros jornalistas que conheUrca ci à sombra da ABI foram inúmerosAemajestosa seria imprórecebeu prio enumerá-los, tantas seriam as omissões. Aqui multidões rendo homenagem a todos. atraídas pela Exposição Nacional do
Moacir Werneck de Castro é jornalista e escritor e, como referiu, integrou centenário por largo tempo o Conselho Administrativo da ABI, transformado em da abertura dos Conselho Deliberativo após a reforma determinada pelo novo Código Civil. portos. Ele é sócio da ABI desde 31 de julho de 1945.
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UM JEQUITIBÁ-REI DE JK PARA A ABI O Presidente plantou a árvore no Jardim Botânico e fez a exaltação da liberdade de imprensa e dos jornalistas na comemoração do cinqüentenário da Casa, em 1958. P OR R OGÉRIO M ARQUES
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Edição Especial do Centenário Volume 2
JANEIRO DO RIO DE COMMERCIO JORNAL DO
ouca gente sabe, mas há exatamente meio século a ABI deitou raízes profundas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Literalmente. No dia 7 de março de 1958, para comemorar os 50 anos da Associação, um jequitibá foi plantado pelo Presidente da República Juscelino Kubitschek e pelo então Presidente da ABI Herbert Moses. A presença de Juscelino e as palavras que, em seu discurso, ele dedicou à Casa do Jornalista mostram a importância da ABI na vida política brasileira já naquele tempo — seis anos antes que a longa noite da ditadura caísse sobre o País. O discurso mostra, também, o enorme valor que Juscelino conferia à liberdade de imprensa e aos jornalistas. Vejam só este trecho inicial: “Não poderia eu deixar de associar-me às manifestações que assinalam o meio século da Associação Brasileira de Imprensa. Em 50 anos cresceu, vicejou, tomou corpo e importância a Casa fundada por alguns homens de boa vontade, imaginação e limitados recursos, entre os quais manda a justiça lembrar o nome de Gustavo de Lacerda. Em 50 anos cumpriu a ABI não só o que desejaram os seus idealizadores, mas muito mais do que isso: o que ninguém sequer sonhou foi obtido para que a classe dos homens de imprensa tivesse os seus direitos amparados, proteção na adversidade, assistência, garantias e tudo enfim capaz de dar maior segurança e tranqüilidade aos que labutam na mais difícil, na mais delicada das profissões deste mundo.” As fotos da época são ótimas. Pena não existir mais o registro de quem as tirou. Nós voltamos ao local, a Aléia Pedro Gordilho, em frente ao Centro de Visitantes e ao Café Botânica. Basta procurar um pouco, e lá está ela. Junto à raiz, uma pequena placa de metal prateado registra: “Jequitibá - cinqüentenário da Associação Brasileira de Imprensa - 7/4/1958.” O passeio conduz o visitante à História política brasileira do século passado. A cinqüentona não aparenta a idade. Normalmente o jequitibá-rei (cariniana estrellensis) chega a atingir mais de 40 metros de altura. A árvore da ABI, no entanto, tem em torno de 20 metros. O biólogo Ricardo Reis, coordenador das Coleções Vivas do Jardim Botânico, explica que os jequitibás são árvores de crescimento lento e muito longevas. O exemplar dessa espécie tido como o mais velho do Brasil fica na cidade de Santa Rita do Passa Quatro, em São Paulo. Tem 39 metros de altura e a impressionante idade estimada em 3.020 anos. O jequitibá é considerado um símbolo da Mata Atlântica. Infelizmente, devido à boa qualidade de sua madeira, foi muito derrubado e hoje raramente é encontrado na Mata Atlântica do Estado do Rio. Em seu discurso, o Presidente Juscelino Kubitschek comparou a ABI com o jequitibá que estava sen-
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fluentes jornalistas brasileiros do século passado. Esta lá, na placa de identificação da árvore. “Tecoma longiflora plantada por Paulo Bittencourt em homenagem à imprensa brasileira comemorando o cinqüentenário do Correio da Manhã - 15 de junho de 1951.”
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Ao contrário da ABI, o jornal de Paulo Bittencourt lamentavelmente não pôde comemorar o centenário. No dia 8 de julho de 1974, com a saúde irremediavelmente abalada por pressões da ditadura militar, o Correio fechou suas portas definitivamente. No dia 14 de outubro de 1938, na ditadura do Estado Novo — que tanto censurou a imprensa —, o próprio Getúlio Vargas esteve na Aléia Pedro Gordilho, onde plantou uma palmeira imperial. Por ironia, juntinho das outras árvores que ali estão para exaltar a liberdade de imprensa. Embora costume passar dos 100 anos, séculos, a palmeira plantada por Vargas já está morta. Dela só resta o tronco. No final de seu discurso, há 50 anos, o Presidente Juscelino Kubitschek mandou um recado a todos os que, hoje, comemoram o centenário da ABI: “Que esta árvore, hoje plantada, cresça forte e bela como todas as demais de sua raça e que, daqui a 50 anos, os componentes de uma geração bem diferente da nossa, e que nos terão provavelmente esquecido, reúnam-se neste mesmo sítio, para festejar a Casa de Gustavo de Lacerda, de Herbert Moses e de todos os trabalhadores da imprensa, ilustres ou obscuros, no seu primeiro centenário.” Presidente, esteja certo de que 50 anos depois o senhor continua sendo lembrado pelos brasileiros, com saudade, como um governante democrata, conciliador e, apesar disso, injustiçado pela ditadura militar que o perseguiu e cassou seus direitos políticos.
UM JEQUITIBÁ-REI DE JK PARA A ABI
do plantado: “Deus sabe, como ninguém, que esta ABI cumpriu o seu dever para com os seus associados, os seus numes tutelares e seus pioneiros, e que, em vez de ser mera associação e simples Casa do Jornalista, é uma árvore para seus membros, com ramos bastos, propiciadores de sombra e sempre dadivosamente cheia de frutos.” O jequitibá-rei plantado por Juscelino e Herbert Moses fica em local considerado nobre do Jardim Botânico, a poucos metros do busto de Dom João VI, o fundador do Jardim. Junto ao busto está o local onde ele plantou a Palma Mater em 13 de junho de 1809. A árvore, conhecida como palmeira imperial, foi fulminada por um raio em 1972 e no ano seguinte plantou-se outra, no mesmo lugar, simbolicamente chamada de Palma Filia, que lá está até hoje. Por coincidência, no mesmo ano em que se comemora o centenário da ABI comemoram-se os 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil, tendo à frente o Príncipe Dom João VI. O passeio ao Jardim Botânico nos leva a revisitar a História política brasileira do século passado. Logo de cara, uma constatação: o “jequitibá da ABI” está em boa companhia. Basta ler as placas das árvores vizinhas para ver que a imprensa brasileira tem presença fortíssima ao redor. Duas delas — um pau-brasil e um pau-ferro — foram plantadas também num dia 7 de abril, só que em 1934. A primeira quem plantou foi Juarez Távora, então Ministro da Agricultura do Governo Vargas. A segunda foi plantada por um prefeito histórico do Rio, o médico Pedro Ernesto, que tanto fez pela cidade e pelos pobres. Que acontecimento tão importante terá levado o Prefeito e o Ministro da Agricultura ao Jardim Botânico, no mesmo dia? Infelizmente não existem registros nos arquivos do Jardim, assim como nos da ABI. Nos jornais da época também não encontramos nada. Resta-nos, portanto, especular. No dia 7 de abril, data de fundação da ABI, comemora-se o Dia do Jornalista. Provavelmente foi este o motivo da solenidade naquele distante 1934. Ao contrário da tranqüilidade das aléias do Jardim Botânico, a política daqueles anos vivia tempos de turbulência. Dois anos depois Pedro Ernesto seria preso, no Governo Vargas, no clímax da violenta campanha anticomunista que sofreu, acusado de envolvimento na revolta comunista de 1935. Passou mais de um ano encarcerado, e ao ser absolvido pelo Supremo Tribunal Militar foi saudado nas ruas em grandes manifestações populares. Juarez Távora, eterno rebelde do movimento tenentista e participante da Coluna Prestes, exonerou-se do cargo de Ministro poucos meses depois para retomar a carreira militar. Anos mais tarde, passou a combater a ditadura estadonovista e foi um dos responsáveis pela deposição de Vargas, em 1945. Bem em frente ao jequitibá da ABI, mais um importante capítulo da história da imprensa: um ipê-amarelo foi plantado ali por um dos mais in-
Ao plantar a muda do jequitibá-rei em homenagem aos 50 anos da ABI, o Presidente Juscelino Kubitschek, que estava acompanhado de destacados intelectuais como os escritores Ciro dos Anjos e M. Cavalcânti Proença, fez a exaltação da Casa e da liberdade de imprensa num discurso de alto sabor literário registrado em nosso Boletim (abaixo). Uma placa celebrou o plantio (esquerda), feito junto à Palma Mater plantada em 1809 por Dom João VI, criador do Jardim Botânico.
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ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (ACERVO ÚLTIMA HORA)
EDMAR MOREL, O REPÓRTER QUE DESVENDOU NOSSA HISTÓRIA Membro atuante da ABI e considerado ao lado de Joel Silveira um dos maiores repórteres brasileiros, ele prestou inestimável serviço à Casa: pesquisou, investigou, sistematizou e escreveu nossa trajetória desde antes de 1908 até os anos 80, quando nos deixou. P OR M ARCO M OREL
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eu avô Edmar Morel (1912–1989) tornou-se historiador da ABI numa feliz ligação entre paixão, rigor e curiosidade de repórter com a flama do militante em defesa das liberdades públicas, além da experiência de escrever livros-reportagens históricos e freqüentar ativamente a entidade desde os anos 1940. Ainda criança e adolescente, acompanhei de perto momentos em que Edmar continuava a freqüentar a Associação nos anos 1970 e 1980. A luta pela liberdade de expressão, direitos humanos, defesa da soberania nacional e pela radicalidade dos ideais democráticos na construção de uma socie-
dade mais justa era a marca deste engajamento lúcido e a ABI o espaço privilegiado onde ele atuava. Meu avô perambulava desenvolto pelo prédio da Casa do Jornalista como se estivesse na sua própria casa. Para se compreender como surgiu seu livro A trincheira da liberdade – História da ABI, é importante voltarmos um pouco àquele período. ABI, ESPAÇO DE SOCIABILIDADE E RESISTÊNCIA A geração de meu avô é fascinante. Foi ela que ajudou a politizar o País em profundidade, como assinalou o teatrólogo Oduvaldo Viana Filho, referindo-se a um conjunto de pessoas e a uma época marcante na recente História do Brasil.
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A ABI foi, antes de tudo, lugar de sociabilidade: encontros, amizades, disputas, bate-papo, discussões e iniciativas que integram a teia cotidiana de fazer política e estar no mundo. As famosas “rodinhas” que não raro se espraiavam até o bar Vermelhinho, do outro lado da Rua Araújo Porto Alegre, com Eneida, Álvarus Cotrim (e seu inconfundível bigode), Nássara, Jotaefegê (e a inseparável gravatinha borboleta); com calejados e competentes militantes comunistas como Antônio Mesplê, Pedro Mota Lima, Gumercindo Cabral; escritores que freqüentavam a entidade, como Carlos Drummond de Andrade (que ali assumia seu lado gauche e não se cansava de criticar o regi-
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timo de bancos oficiais, por exemplo. Além do preconceito social que seguia os cidadãos cassados, dificultando-lhes acesso a empregos privados e outras possibilidades. Cassado mas não castrado, como costumava brincar, soltando uma gargalhada (sempre brincalhão, de bom humor e irreverente). Certo dia, nos idos de 1977, abordei Carlos Drummond de Andrade, que se dirigia ao saguão da entidade, com seu jeito magro, seco, paletó cinza, óculos e pasta debaixo do braço. Ele disse-me que fazia questão de ir à ABI para votar (era dia de eleição para Diretoria e Conselho Administrativo): – Ah, meu filho!... Hoje em dia é tão raro!... Eu não ia perder uma oportunidade desta! Além do mais, até cassado pode votar na ABI. Eu não sou cassado, mas não ia perder uma oportunidade desta! Estávamos em plena ditadura, quando muitos cidadãos oposicionistas, com os direitos políticos cassados, eram candidatos e eleitos na ABI. A declaração, simples, me soou com estrondo: então o celebrado poeta maior do País se posicionava assim claramente contra a ditadura? Posso, sem armas, revoltar-me? Ao mesmo tempo, vejo hoje, foi uma admirável síntese do papel representado pela ABI enquanto instituição da sociedade civil naqueles tempos. E de repente, quando me dei conta, Drummond já partira, com seu jeito gauche. Mas eu me sentia largamente recompensado pelo encontro relâmpago: uma flor nascera no asfalto. OS JORNALISTAS QUE
A bomba detonada na ABI em 19 de agosto de 1976 tinha alvo certo: seus diretores. Como era muito cedo, estavam na Casa apenas funcionários, como Hugo Martins (foto), da Tesouraria.
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NÃO SE VENDERAM
Foi nesse contexto, com os grandes jornais fechando as portas para ele e outros jornalistas numa demonstração de totalitarismo político, que Edmar Morel começou a fazer as pesquisas que resultaram no livro A Trincheira da Liberdade – História da ABI. A vida do meu avô Edmar fora bruscamente alterada com o golpe civil militar de 1964. Ele, um dos grandes profissionais da imprensa, um dos criadores da moderna reportagem no Brasil, repórter de fama, grande repercussão, que trabalhara nos principais jornais cariocas e realizara viagens internacionais e nacionais, denúncias, investigações, polêmicas e embates democráticos, não pôde mais sobreviver de jornalismo a partir daí. Teve que trabalhar em relações públicas, publicidade e como ghost writer, embora sempre tenha continuado a escrever para jornais, até falecer 25 anos depois, mas sem a mesma ampla repercussão e sem tirar daí seu sustento. Os direitos autorais dos livros, embora vendessem bem, eram insignificantes, em geral inexistentes. Vale assinalar que Edmar fez parte de um conjunto de jornalistas que se opôs ao golpe desde os primeiros momentos e por isso teve os direitos políticos cassados logo no dia 14 de abril de 1964, na segunda lista de punidos pela nova situação. Joel Silveira, Franklin de Oliveira, Samuel Wainer, Barbosa Lima Sobrinho, Nelson Werneck Sodré, Gumercindo Cabral, Otávio Malta, Paulo Alberto Monteiro de Barros (futuro Artur da Távola), Sebastião Nery, Antônio Mesplê, Osvaldo Costa, Elói Dutra, Henrique Cordeiro, Ib Teixeira, entre ou-
O REPÓRTER QUE DESVENDOU NOSSA HISTÓRIA
OS EMBATES DA CASA Importante assinalar que a ABI não somente defendeu as liberdades essenciais, como foi vítima, através de vários integrantes, das violências da ditadura. Dirigentes, conselheiros e sócios da instituição foram ameaçados, demitidos, cassados, exilados, presos, torturados e até assassinados. É verdade que havia na Casa do Jornalista pessoas de direita, conservadores, oportunistas e até delatores. Por isso se entende que meu avô tenha reconhecido que a instituição era um “saco de gatos”. Mas a grande diferença é que, nos embates internos da entidade, os grupos de esquerda e democráticos tinham o predomínio e a hegemonia – ao contrário do que ocor-
ria no restante da sociedade brasileira. Daí a denominação de trincheira da liberdade. Documento sugestivo foi elaborado pelo Cenimar (órgão de informação e repressão da Marinha) sobre a ABI e distribuído para outros órgãos, como Dops (Departamento de Ordem Política e Social), Centro de Informação do Exército (CIE), SNI (Serviço Nacional de Informações) e Secretaria de Segurança. Datado de 24 de setembro de 1974 e (infelizmente) sem assinatura, é bem redigido, claro e articulado, lembrando estilo jornalístico. Nele se dá notícia dos “comunistas notórios, simpatizantes e atuantes” que estariam “se apossando da Associação” a partir da eleição de Elmano Cruz como presidente. Denominava-se no ofício a João Antônio Mesplé como chefe desta “célula comunista” que contava, segundo a mesma fonte, com a participação de Fernando Segismundo, Gumercindo Cabral, Fausto Cupertino, Henrique Cordeiro, Paulo Mota Lima, Gentil Noronha e Maurício Azêdo. Afirmava ainda o relatório que se agregavam a este grupo “elementos cassados” como Edmar Morel e José Gomes Talarico, que se reuniam periodicamente no gabinete de Segismundo, no 10° andar da entidade. Esta peça delatora encontra-se anexada às fichas de meu avô no acervo do Dops, hoje sob a guarda do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Edmar Morel, como tantos outros, tivera seus direitos políticos cassados, isto é, não podia votar, nem ser votado, nem ter cargo público ou emprés-
ACERVO ABI/BIBLIOTECA BASTOS TIGRE
me político), Austregésilo de Athayde, Guilherme Figueiredo, Raimundo Magalhães Júnior, Raimundo Faoro, Mário Barata e tantos outros. Além de dirigentes da instituição e intelectuais de destaque, como Danton Jobim, Prudente de Morais, neto, Barbosa Lima Sobrinho e Fernando Segismundo. Experientes jornalistas, vividos, generosos e de diferentes credos políticos, como Gomes Maranhão, Abelardo Jurema, Hélio Fernandes, Marcial Dias Pequeno, José Chamilete, João Saldanha (para mim era acima de tudo o técnico da seleção campeã de 1970) e Ivan Alves. Sem falar de honrados e corajosos militantes, muitos vindos da geração de 1935, como Henrique Miranda, Paulo Mota Lima, e outros mais novos, como Augusto Villas Boas, Pompeu de Souza, Nilson Azevedo além da (então) nova geração, como Modesto da Silveira, Mauricio Azêdo, Ronaldo Buarque, Davit Fichel e Jesus Chediak. Todos, de algum modo, deram sua contribuição ao embate contra o Leviatã, deixando e levando marcas. Para a entidade convergiam, inclusive pelo espaço físico do prédio e sua localização central no Rio de Janeiro, “tribos” as mais variadas: o pessoal da música, do teatro, da crítica literária, das artes plásticas, da defesa da Amazônia, do cinema, os militares cassados... Na falta de partidos representativos, de sindicatos livres e outros canais de participação, a ABI ampliara, depois do golpe civil-militar de 1964, seu papel de abrigo democrático, espaço não apenas de convivência, mas também de resistência. A entidade tornou-se uma espécie de guarda-chuva que acolhia, formal ou informalmente, setores variados da intelectualidade e dos grupos políticos e sociais, além dos próprios jornalistas. Era impressionante para os olhos de um adolescente assistir a encontros e debates no auditório da entidade: certo dia era um sindicalista barbudo chamado Lula pregando a criação de um partido dos trabalhadores; outro dia era um senador e usineiro alagoano, Teotônio Vilela, defendendo a anistia ampla, geral e irrestrita para presos e exilados; no fim de semana havia sessões de filmes alternativos ou censurados no Cineclube Macunaíma; marcante foi o grupo com cartazes nas mãos trazendo fotos de familiares “desaparecidos” nos porões da repressão; fazia dó ver o banheiro do 7° andar, da Diretoria, literalmente em pedaços, destruído por uma bomba jogada por grupos paramilitares.
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BIBLIOTECA NACIONAL/ACERVO MOREL
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O REPÓRTER QUE DESVENDOU NOSSA HISTÓRIA
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Morel teve imensa participação na vida da ABI. Foi na Casa que ele lançou seu livro mais polêmico, A Revolta da Chibata, história da rebelião liderada pelo marinheiro João Cândido.
tros, se opuseram ao golpe de 1964 desde o começo, ou mais exatamente: previam este desfecho e o denunciaram antes que ocorresse, tentando impedi-lo. Estes foram quase todos, sintomaticamente, cassados pela mesma edição do Diário Oficial naqueles idos de abril. Com uma penada, ou melhor, canetada, os chefes militares começaram uma depuração ideológica nos meios de comunicação, que seguiria por outros modos, ainda mais violentos, com efeitos que se fazem sentir nos dias atuais, de homogeneização conservadora da mídia. Foi um longo e árduo trabalho político de repressão artesanal e empresarial, mesclando cooptação, omissões e ocultações. ESCREVER A HISTÓRIA DA ABI Meu avô, além do traquejo das grandes redações e das vibrantes reportagens de rua, era também um “rato” de arquivos e bibliotecas. A História da ABI foi pesquisada e escrita por ele durante a ditadura e numa perspectiva criticamente engajada, orgânica, comprometida com as causas da Associação, mas sem descuidar do rigor, exatidão e objetividade dos estudos históricos. Seu compromisso era com a verdade, com as suas verdades mais sinceras. O engajamento de Edmar na ABI dera-se a partir de 1948, eleito Conselheiro em 1950, cargo para o qual foi consecutivamente reeleito pelo voto direto dos demais associados até seu falecimento. Participou ativamente da Comissão de Defesa de Liberdade de Imprensa, criada, não por acaso, em 1964. A trajetória eleitoral de meu avô e seus companheiros na ABI está registrada não apenas nas atas e jornal da entidade, mas também, de forma minuciosa, nos arquivos do SNI, atualmente sob a guarda do Arquivo Nacional, em Brasília. O período entre fins da década de 1940 e início de 1950 foi marcado pela Guerra Fria. A nível pessoal, após o fim do Estado Novo, meu avô, como tantos intelectuais, entrou de corpo e alma na militância democrática e antifascista, que logo se transformou em atuação antiimperialista. Embora nunca tenha se filiado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), por não aceitar ortodoxia ideológica e cerceamento de liberdade individual, Edmar foi um fiel e constante “companheiro de viagem” dos comunistas, assumindo corajosa atitude de porta-voz quando este partido foi colocado na ilegalidade pelo Governo Dutra em 1947. Atestam
isso os incontáveis recortes de jornais com as entrevistas, artigos e declarações de meu avô cuidadosamente guardados por ele mesmo (e, também, pelo Dops) quando os comunistas estavam oficialmente proscritos da vida pública. A Casa do Jornalista era um dos campos desta atuação em defesa do pluralismo, da liberdade de consciência e das transformações sociais. Ao mesmo tempo, Edmar era uma das pessoas mais próximas de Herbert Moses, o bem-sucedido empresário de espírito democrático que teve papel decisivo para consolidar o jornal O Globo como empresa e, também, a ABI como instituição. Foi Moses quem primeiro sugeriu a meu avô escrever a História da entidade. Circulando entre Herbert Moses e o Partido Comunista, Edmar era um dos que colocava em prática, através de tais alianças, a articulação de um amplo bloco histórico que caracterizou aquele período nacional-popular. Antes de redigir a História da ABI, Edmar já publicara em livro trajetórias de vida de personagens significativos da história do Brasil, como o jangadeiro Francisco do Nascimento (Dragão do Mar), que liderara a bem-sucedida luta abolicionista no Ceará através de fortes conflitos sociais; em seguida se tornara autor de A Revolta da Chibata, narrando a epopéia de um autêntico herói da plebe, o marinheiro negro João Cândido – livro que contribuiu para a punição do autor em 1964. E finalmente Edmar encontraria entre os confrades jornalistas seu personagem marcante – o catarinense Gustavo de Lacerda, corajoso militante socialista de fins do século XIX e começo do XX que, num gesto visionário e conseqüente, fundou a ABI. Gustavo de Lacerda participou das últimas pelejas abolicionistas e dos primeiros movimentos proletários, sacrificando sua vida pessoal na defesa dos interesses coletivos. Nos arquivos do Exército e da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro meu avô desvelou a situação de sonho e penúria em que viveu e faleceu o fundador da entidade nacional dos jornalistas. Em seu enterro estavam ombro a ombro intelectuais e líderes operários. Deste modo, autor e personagem se irmanavam na luta comum, sobretudo quando Edmar recebeu o Prêmio Gustavo de Lacerda instituído pela Casa para a melhor monografia sobre o assunto, no
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candente ano de 1968. Era, ao mesmo tempo, uma tomada de posição da ABI: premiar um cassado naqueles momentos difíceis. Porém, ocorreram variadas resistências e desinteresses na divulgação da obra, que. só seria publicada com o fim da ditadura, em 1985 (A Trincheira da Liberdade – História da ABI, Editora Record, co-edição com RioArte; esgotada logo a tiragem, a segunda edição, apenas pela Record, foi lançada em 1988). No intervalo entre 1968 e 1985, ele elaborou pacientemente a pesquisa e a redação definitiva do texto, quando sobrava tempo na busca pelo ganha-pão, pois a aposentadoria de jornalista, precária, não dava para viver. Meu avô era de uma honestidade espartana, sem concessões, avesso a negociatas e “maracutaias”. Nunca usou o jornalismo para enriquecer. Sem nenhuma propriedade privada além dos livros, de um Fusca usado, modestos pertences pessoais e do cargo (sem vencimentos) de Conselheiro da ABI, Edmar faleceu aos 77 anos, na véspera da eleição de 15 de novembro de 1989, abatido pelas doenças, mas ainda guardando a mesma têmpera do “foca” que viera do Ceará cavar um lugar ao sol no Rio de Janeiro. Tive a oportunidade de doar todo o acervo pessoal de meu avô (reportagens, fotografias, correspondências, etc.) para a Fundação Biblioteca Nacional, onde se encontra guardado e catalogado na Divisão de Manuscritos, prédio vizinho ao da ABI. Foi, antes de tudo, uma opção por fortalecer uma instituição pública brasileira, seguindo a coerência das lutas de Edmar e seus companheiros de geração. Recordo da figura de meu avô, baixinho, elétrico, animado e emotivo, levando-me para conhecer a Biblioteca Nacional. Hoje, percorrendo caminho inverso, pude levar sua memória para lá – onde espero que continue, de forma dinâmica e ao lado da ABI, a alimentar novas lutas e esperanças. Marco Morel é jornalista, historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Uerj. Sócio da ABI desde 1980, participou ainda muito jovem da pesquisa A Imprensa na Década de 20, realizada na segunda metade dos anos 70 sob a direção do jornalista, historiador e professor José Nilo Tavares para o Centro de Pesquisa e Memória do Jornalismo Brasileiro, criado então pela ABI como unidade de pesquisa da Biblioteca Bastos Tigre. Neto de Edmar Morel, como relata no texto, Marco é filho de outro jornalista, Mário Morel, um dos editores e produtores de programas jornalísticos da TV Brasil no Rio de Janeiro.
PARA A HISTÓRIA DA ABI Mais um depoimento sobre a histórica fusão das três entidades de imprensa que permitiu, no começo dos anos 30, o cumprimento da lei municipal que doou o terreno para a construção da sede da ABI. POR B ARBOSA L IMA S OBRINHO
UCHA ARATANGY-FOLHA IMAGEM
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um livro a que deu o título A Trincheira da Liberdade, Edmar Morel conta a história da Associação Brasileira de Imprensa, desde a sua fundação, em 1908. Edmar Morel não era historiador e toda a obra que produzia vale por um esforço quase sobre-humano. O que não prejudicava a fidelidade de seu trabalho. Fomos companheiros no Jornal do Brasil quando eu comecei na redação, primeiro como seu representante no Senado Federal, depois na Câmara dos Deputados, como redator político. Dou por isso o meu aval ao livro que Edmar Morel dedicou à história da Associação Brasileira de Imprensa. E como não é um livro de historiador pode haver, aqui ou ali, alguma margem para esclarecer certos pontos que ficaram na narrativa de Edmar Morel e que justificam a atitude do Secretário-Geral do Instituto Histórico e Geográfico, quando deixou de convidar a Associação de Imprensa, em que eu já estava trabalhando, para o Congresso de História que se estava realizando no Rio de Janeiro, sob os auspícios do Instituto. E Max Fleiuss me respondia que não sabia a quem enviar o convite, quando havia três associações de imprensa no Rio de Janeiro: a Associação da Imprensa Brasileira e o Clube de Imprensa, que não eram mais do que dissidências da Associação Brasileira, como resultado de profundas divergências nas eleições para a Diretoria, quando surgiam os votos por procuração, para derrotar os candidatos dos jornalistas militantes. O que de certo modo explicava, senão justificava a resistência da Prefeitura para não cumprir a legislação municipal, ou seja, não cumprir a sua própria legislação. Embora as leis não deixassem margem para nenhuma dúvida, os dois decretos concediam um terreno para a Associação Brasileira de Imprensa e não para o Clube da Imprensa ou para a entidade do médico baiano. Mas havia, também, uma má vontade nas autoridades da própria Prefeitura, para não dar cumprimento às duas leis municipais. O primeiro foi o Decreto de número 2.385, de 3 de janeiro de 1921, com a seguinte ementa “Concede à Associação Brasileira de Imprensa o uso e gozo de uma faixa de 20 metros de frente por 40 metros de fundo, do terreno que menciona do Morro do Castelo.” E o artigo 1° desse decreto esclarece melhor a localização do terreno, dizendo: “Fica concedida à Associação Brasileira de Imprensa, reconhecida como de utilidade municipal
Foi o desprendimento de Barbosa Lima que assegurou a construção da sede da ABI. Ele renunciou à Presidência para permitir a doação do terreno onde a Casa foi erguida.
pelo Decreto Legislativo número 1.893, de dezembro de 1917, o uso e gozo de uma faixa não excedendo de 20 metros de frente por 40 metros de fundo, dos terrenos que pelos melhoramentos realizados pela Prefeitura forem conquistados no Morro do Castelo e situados no prolongamento realizado na Rua de São Gonçalo, logo após a esquina da Rua Azevedo Lima, ou nesta última, próxima daquela, como mais conveniente for, a juízo do Prefeito, a fim de servir à construção do edifício destinado exclusivamente à sede daquela associação.” O Prefeito Carlos Sampaio não teve dúvidas em sancionar esse decreto. Mas surgiram incertezas na sua execução, o que provocou, no intuito de resolvê-las, a publicação de novo decreto, o de n° 2.790, que não foi sancionado pelo Prefeito de então mas, passado o prazo, foi sancionado pelo Presidente da Câmara dos Vereadores, Bacharel Nogueira Penido. A proibição de alugar ou de arrendar o prédio a construir agravava para tornar impraticável a doação do terreno. Era, na verdade, uma doação irrealizável, como eu próprio verifiquei na minha segunda eleição para Presidente da ABI. Tinha-se a impressão de uma má vontade do Executivo, a Prefeitura, com a doação da Câmara dos Vereadores. E já no exercício da presidência da ABI procurei um dos chefes da Procuradoria da Prefeitura, que me deu a impressão de uma oposição à própria doação, como se fosse mais zeloso do patrimônio da Prefeitura do que a própria Câmara dos Vereadores. Foi o que me alertou, já na minha segunda presidência da ABI, na convicção de que o Poder Exe-
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cutivo instalado na Prefeitura, já no Governo de Artur Bernardes, criaria dificuldades crescentes à execução da doação. O último argumento é de que havia três associações de imprensa, com nomes diferentes: a Associação Brasileira de Imprensa, o Círculo da Imprensa e a Associação da Imprensa Brasileira. Procurei por isso o Presidente do Círculo da Imprensa, Carvalho Neto, e o Presidente da Associação da Imprensa Brasileira, Alvim Horcades. E como encontrasse da parte deles toda a boa vontade, fizemos, então, a fusão das três entidades na Associação Brasileira de Imprensa. Os sócios das duas associações absorvidas não precisavam pagar jóia e seriam sócios de nova entidade. Tudo estava acertado. Mas na assembléia-geral da fusão o Círculo da Imprensa e a Associação de Imprensa Brasileira passaram a ser sócias da Associação Brasileira de Imprensa. Mas o Presidente Alvim Horcades foi excluído pela votação da assembléia-geral, o que me levou, solidário com ele e para não parecer que tinha alguma participação nessa exclusão, a afastar-me da Associação Brasileira de Imprensa. Posição que sustentei até à morte de Alvim Horcades. Como eu havia renunciado ao mandato de Presidente, inclusive como condição de pacificação, abrindo mão de um ano e meio do meu mandato. Daí por diante tudo ficou mais fácil, inclusive com as despesas das obras de construção passando a serem bancadas por Getúlio Vargas. Numa espécie de recordação de seu passado de jornalista no Rio Grande do Sul.
UM HOMEM NA HISTÓRIA
JORNAL DO COMMERCIO DO RIO DE JANEIRO
FERNANDO SEGISMUNDO,
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Diretor da ABI pela primeira vez em 1949, Presidente mais de uma vez, ora como substituto, ora como titular, ele é o nosso mais antigo associado: ingressou na ABI em 1936 e viu e viveu o que houve aqui em mais de sete décadas. POR J OSÉ R EINALDO M ARQUES
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ma casa centenária como a ABI, além da sua importância para a comunidade dos jornalistas, é também um patrimônio da história social, cultural e política brasileira. Parte dos 100 anos de História da ABI pode ser encontrada nos livros, jornais, revistas, documentos, fotografias, entre outras fontes, que compõem o maravilhoso acervo da sua biblioteca. Mas há também a memória valiosa que é testemunhada por jornalistas cuja trajetória às vezes se confunde com a da própria entidade que ajudaram a construir. Uma dessas preciosas fontes sobre a História da ABI é o professor, historiador e jornalista Fernando Segismundo, que foi Diretor da Casa pela primeira vez em 1949, ocupou a Presidência mais de uma vez, ora como substituto, ora como titular, e aos 93 anos de idade (nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 5 de julho de 1915) é o mais antigo membro da Associação, à qual está ligado desde 1936, quando ainda dava os seus primeiros passos na carreira de jornalista. Fernando Segismundo ocupou diferentes cargos na ABI, entre eles os de 1º Secretário, Diretor Cultural e Conselheiro. Em dezembro de 1977, assumiu a Presidência no lugar de Prudente de Moraes, neto, que teve que se licenciar por motivo de doença. Foi eleito para permanecer no cargo até maio de 1978 e voltou a ocupá-lo de 2000 a 2004. Atualmente, é membro do Conselho Deliberativo, do qual também já foi Presidente. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil, foi o introdutor do curso de História e Geografia da Universidade do Distrito Federal-UDF. Paralelamente à atividade acadêmica, Segismundo sempre manteve um vínculo muito forte com o jornalismo, carreira que abraçou quando ainda era estudante no tradicional Colégio Pedro II do Rio de Janeiro. A partir dos anos 40, passou a ter participação destacada em congressos de imprensa, no Brasil e no exterior. Nos anos 50, lançou com Caio Prado Jr. a Revista Brasiliense, participou da fundação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, onde deu aulas de História Política e Econômica num curso de Capacitação Jornalística criado por ele próprio: — Meu ingresso na imprensa profissional começou cedo. Mas a minha aproximação com a atividade jornalística vem do tempo em que eu era estudante no Colégio Pedro II. Nessa época, eu e alguns colegas fazíamos uns jornalzinhos, e nós mesmos cuidávamos da impressão e da venda. Mais tarde, na Faculdade Nacional de Direito, também fiz um jornal que se chamava Universitas. Segismundo conta que viu no jornalismo a oportunidade de tornar públicas as suas idéias, ou aquelas de várias naturezas que ele absorvia e que achava necessárias e úteis. Com essa motivação começou a escrever em jornais estudantis até se profissionalizar: — Sempre me vi no meio da imprensa, sem que ninguém me empurrasse ou solicitasse, mas era
Jornal da ABI ACERVO ABI/BIBLIOTECA BASTOS TIGRE
uma espécie de vocação, uma queda para o meio jornalístico. UMA C ASA DEMOCRÁTICA Vinculado à ABI desde a década de 30, Fernando Segismundo começou a freqüentá-la quando esta ainda era uma entidade com poucos recursos. O período ao qual ele se refere coincide com o primeiro mandato do Presidente Getúlio Vargas, que se prolongou no poder com a ditadura do Estado Novo. Nessa época, a ABI funcionava em uma sede provisória, sem ônus, localizada no Largo da Carioca, no Centro do Rio. Naquele tempo, lembra, a entidade “era ainda uma associação sem o poder e a força que depois viria a alcançar”. Vivia-se um período em que associações do tipo da ABI, que sustentavam a opinião pública, de vez em quando eram invadidas pela Polícia. A entidade era freqüentemente convocada para dar explicações às autoridades policiais, porque era uma das poucas instituições que estava sempre abrindo suas portas para estudantes e a outros grupos sociais organizados que precisavam fazer suas reuniões e não tinham um lugar adequado: — Não importava o local onde ela estivesse instalada, a ABI sempre facilitava esses encontros. Muitas vezes essas iniciativas não agradavam ao Governo, e aí surgiam os problemas. Entretanto, mesmo sob o regime do Estado Novo, continuava sendo aguerrida, dando guarida aos que buscavam todo tipo de ajuda. Segismundo recorda que, antes de conseguir a sua sede definitiva, a ABI funcionou também em um prédio no Largo da Lapa, onde algumas figuras notáveis tinham fixado residência, como deputados e senadores da época. O prédio é o mesmo onde ficava o Instituto Nacional de Música, que foi incorporado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e atualmente abriga a Escola Nacional de Música. MOSES, O AGLUTINADOR Quando Segismundo ingressou na ABI o Presidente era o todo-poderoso Herbert Moses, tido como um democrata e também uma das figuras principais da direção do jornal O Globo: — Moses foi sem a menor dúvida um aglutinador da categoria profissional dos jornalistas. Se não fosse a sua determinação nós não teríamos hoje o nosso prédio, seríamos uma associação sem força. Aos poucos a ABI foi-se estruturando, ganhando prestígio; embora não se declarasse abertamente, sempre foi uma entidade política, um lugar que servia de esconderijo de militantes, onde eram acolhidas pessoas pobres, jornalistas sem emprego, entre outras coisas: — Tudo isso, graças a um homem extraordinário chamado Herbert Moses. No começo de sua colaboração com Herbert Moses, Segismundo ficou reticente, mas depois foi percebendo que se tratava de uma figura humanitária. Moses era um rico empresário, um dos homens fortes de O Globo, e comandou a ABI numa fase em que “os Marinho mandavam no País e indiretamente também ajudaram a nossa entidade a crescer”. Para os membros mais antigos da ABI, como o próprio Segismundo, Herbert Moses foi o grande construtor da entidade generosa, que protegia jornalistas, que intervinha quando algum profissional tinha qualquer tipo de problema com a Polícia: — Essa ABI existiu graças ao Moses, que era patrão, um dos donos de um grande jornal, um homem rico e grande industrial, mas que tinha um comportamento exemplar com os nossos colegas jornalistas, salvando muitos de nós das garras das
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Num jantar de gala, Moses acarinha Dom Hélder Câmara, na época Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
autoridades policiais, a qualquer hora do dia e da noite. Eu mesmo fui um deles, que ele tirou da cadeia do Quartel Central da Polícia, na Rua Evaristo da Veiga, aqui no Centro. Herbert Moses é reverenciado por Segismundo como o grande condutor da categoria profissional
“O Moses era um fidalgo, nenhum de nós depois dele teve a mesma capacidade ou disposição, ou nome para fazer o que ele fazia.” dos jornalistas. Ao mesmo tempo, devido à sua cultura (falava vários idiomas), era respeitado por diferentes setores da sociedade civil e também do Governo. Por causa disso a ABI prestava colaboração ao Itamarati: — Quando eles queriam receber alguma autoridade estrangeira mandavam chamá-lo. Durante a sua gestão a ABI abriu suas portas para recepcionar chefes de Estado, ministros, entre outras autoridades. O Moses era um fidalgo, nenhum de nós depois dele teve a mesma capacidade ou disposição, ou nome para fazer o que ele fazia. — Como mantinha relações estreitas com a família Marinho, na ABI Moses era tido como burguês. Ele era inteligente e tinha uma visão muito clara das coisas que se sucediam ao seu redor. Dessa forma, cultivava suas fontes na esquerda, na direita e no centro. Foi um indivíduo equilibrado e que sabia lidar com desenvoltura com o quadro político da época. Atualmente o País vive um período de calmaria, sob a vigência de um regime democrático, sem graves problemas de natureza política. Mas Segismundo é testemunha da fase em que jornalistas com ideais socialistas eram perseguidos: — Durante o regime do Estado Novo eu mesmo fui preso algumas vezes, tive que dormir no
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chão. Eu exercia o jornalismo e ao mesmo tempo, como estudante, era também um agitador na Faculdade Nacional de Direito. A BUSCA DO EQUILÍBRIO Mesmo sendo uma associação atuante, que abrigou políticos de esquerda e lançou idéias socialmente avançadas, durante o período do Estado Novo acontecia com a ABI uma coisa curiosa: nunca teve problemas de natureza alguma, nem foi acusada de nada. Embora tivesse promovido e participado de diversos congressos de imprensa, dentro e fora do Rio de Janeiro, agia com uma força de representatividade tão forte que eliminava qualquer tentativa de subjugá-la. Segismundo considera a ABI muito isenta de paixões, mas que teria sido um pouco esquerdista no tempo em que ele se tornou membro da entidade. Havia então um grupo de esquerda do qual ele fazia parte, que procurava ter mais influência, mas não tinha a força necessária para impor suas idéias, em um momento em que o clima político no País era totalmente desfavorável: — A regra na ABI era aceitar todas as tendências, agasalhar as pessoas de fora que nos pediam socorro. A Associação mantinha esquerdistas na sua diretoria, a começar por mim, que nessa época ocupava o cargo de Diretor Cultural, mas eu mesmo fui me burilando, procurando adotar uma postura de centro. Ele avalia as relações da ABI com o regime do Estado Novo como boas, porque Herbert Moses era um homem muito hábil e que tinha muita força junto aos militares: — Ele era sinceramente um democrata, esquerdista éramos eu e alguns outros que estávamos lá, mas que ele controlava. Nós o admirávamos e respeitávamos, porque senão não teríamos tido vez também, e queríamos estar com os pés lá dentro. Pessoalmente, ele não criticava o Governo Getúlio, a quem respeitava. Mas engolia o que o nosso grupo fazia, obrigando-o diversas vezes a fazer pedidos por jornalistas encrencados com o regime. O DIP, SUA ESTRATÉGIA Adotando uma postura inteiramente contraditória, o Governo Vargas tomava iniciativas interes-
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santes no campo da cultura, ao mesmo tempo em que usava mecanismos de controle da informação. Na opinião de Segismundo se as autoridades fizessem tudo do jeito que queriam teriam que colocar o Exército na rua para conter os jornalistas: — Vargas era muito inteligente, tinha assessores muito bons, como o Lourival Fontes, que era muito conhecido no meio jornalístico. Getúlio procurava ver como era possível atender a certas propostas dos jornalistas, sem ferir a autoridade federal. Certas coisas eram consentidas, porque o regime fazia vista grossa. — Com freqüência havia embates, porque por trás do Getúlio estavam os militares, que faziam pressão. Então tinha que ter muita habilidade. E nesse aspecto Herbert Moses era bom, hábil, mas
não evitava que quase todo dia algum jornalista fosse preso, obrigando-o a visitar carceragens à noite, para livrar os companheiros presos. Entre os órgãos criados por Getúlio para controlar as idéias da oposição estava o Departamento de Imprensa e PropagandaDip, que atuava como censor e procurava intervir nos meios jornalístico e cultural. Segismundo conhecia bem o Dip e acha que às vezes era mais interessante para eles “afrouxarem um pouco a corda”: — O Dip muitas vezes podia ter sido cáustico se quisesse, pois tinha força para isso, inclusive militar, mas se omitia porque precisava saber até que ponto ia a profundidade do pensamento antiGoverno. Na verdade, tratava-se de uma estratégia, para apanhar os mais distraídos:
— Muitas vezes fingiam que estavam de olhos fechados e a pessoa que achava que não estava sendo observada exagerava, era segurada e controlada. INCE, UM ESPAÇO LIVRE O Dip interveio no meio cultural e acabou criando o Instituto Nacional do Cinema EducativoInce, cuja finalidade principal era produzir filmes para exibição nas escolas. Segismundo, que era educador, trabalhou no órgão ao lado de Roquette-Pinto. Num paradoxo, o Instituto Nacional do Cinema Educativo transformou-se em um reduto onde jornalistas e intelectuais se reuniam com liberdade para expor suas idéias. Era um ambiente aberto a debates durante os quais eram ditas coisas ao microfone que não podiam ser faladas do lado de fora. Isso tudo acontecia sob o guarda-chuva do Governo do Estado Novo.
“Informar é uma forma de educar” Segismundo considera que jornalismo e educação são duas áreas que se conjugam. O papel da mídia é informar, e por meio da informação os indivíduos se educam. Portanto, o cidadão educado é aquele que é bem-informado. Em entrevista à repórter Elaine Lemgruber, do jornal Folha Dirigida, Segismundo confirma a sua posição, quando afirma que “a boa imprensa é educativa”: “E a educação e a informação se confundem, até porque ninguém se educa se não for informado, seja do que for”. Foi com esse pensamento que Segismundo estruturou a sua vida profissional. Paralelamente à carreira que construiu no jornalismo, em grande parte dedicada à cobertura da área de educação, brilhou também como educador. Lecionou no tradicional Colégio Pedro II, à época considerado um colégio padrão e melhor escola de ensino público do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil. Quando toca nesse assunto ele diz que a sua vocação para o magistério despertou cedo, com o incentivo de um professor, Fernando Antônio Raja Gabaglia, que um dia o chamou e disse: “Você leva jeito, já vi as suas exposições nos diretórios. Eu vou botar você nas turmas, para começar a treinar. Depois procure as instituições mais altas, estude e se forme”. Segismundo seguiu o conselho do seu mestre, e tão logo concluiu o bacharelado em Ciências Jurídicas na antiga Faculdade Nacional de Direito começou a lecionar no Pedro II. Mais tarde, foi aprovado em um concurso do Mec, para a vaga de Técnico em Educação, e se tornou um especialista do órgão. Sua função era orientar os professores, no Brasil inteiro, em diversos assuntos referentes ao processo de ensino e aprendizagem, visando a melhorar os índices de satisfação no setor do ensino público do País: — Foi nesse período que eu conheci o RoquettePinto que logo me captou e me pôs a trabalhar em várias áreas no Mec, inclusive no Gabinete do Ministro Gustavo Capanema. Este confiava muito em mim, que nem revisava os documentos que eu redigia e colocava na mesa para ele assinar. LINGUAGEM POPULAR Apesar de não se considerar um purista, Segismundo considera que é preciso lutar pela pre-
servação da língua portuguesa, que é muito rica. Por isso, não vê com bons olhos o alto índice de termos estrangeiros que vêm sendo usados nos meios de comunicação, em detrimento da língua nativa: — O que me incomoda é o exagero. Se nós temos uma palavra significativa, por que vamos utilizar estrangeirismo? Houve uma época que eu comecei a reclamar, não só dos meios de comunicação oficiais, como outros. Houve um momento em que se lançava mão exageradamente do uso de palavras em francês ou inglês. Com que justificativa, se as palavras têm significado em português? Como professor, Segismundo reclama que há uma contaminação muito grande de nomes estrangeiros, mas reconhece que a língua vai sendo acrescida de estrangeirismos e nacionalismos que são criados pelo povo: — A língua para mim é o povo, que é quem inventa a palavra, não é o gramático, que faz a correção e valoriza o termo. Eu sou muito a favor da linguagem popular. A PRODUÇÃO EM LIVROS Influenciado pela sua paixão pelos livros, Segismundo passou à sua própria produção literária. Escreveu 14 livros, mas não acha que tenha sido o bastante: — Fiz muita coisa anonimamente, mas com o meu nome propriamente produzi muito pouco. Dentre os títulos lançados por ele constam Castro Alves explicado ao povo e História Popular da Revolução Praieira. O primeiro foi feito com a intenção de mostrar o homem que havia por trás do poeta: — É uma pretensão minha de explicar quem era ele, não só o poeta mas o homem Castro Alves, que gostava de imitar outros famosos, estrangeiros e nacionais. Era um namorador terrível, que quando saía à noite gritava da janela: “Pais de família, trancai vossas filhas, vai sair Castro Alves”. Em História Popular da Revolução Praieira seu propósito foi mostrar o forte sentimento nacionalista que marcou a deflagração daquele movimento, que na sua opinião foi importante para todo o Nordeste:
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— Ela levantou o ânimo patriótico das populações nordestinas contra a mesmice, a exploração. Não foi uma revolução porque esse termo significa transformar, criar coisas novas. Foi na verdade uma insurreição. O povo cansou de ser oprimido, levantou-se e fez o Estado movimentar-se. Foi uma ação que teve o mérito insurrecional. Praticamente não mudou nada, mas eu gostei muito de estudá-la porque percebi na Praieira um movimento popular.
O escritor, suas obras ABI 80 Anos – RJ, Unigraf, 1988 ABI Sempre – RJ, Unigraf, 1998 ABI: Tempos e Faces – RJ, Peneluc, 2003 Barbosa Lima Sobrinho: O Dever de Utilidade RJ, Unigraf, 1997 Castro Alves Explicado ao Povo RJ, Letícia, 1947 Centenário de Herbert Moses. Oração proferida no Conselho Administrativo da ABI no dia 31/07/1984 — s.n.t Comunicação: Do Tijolo ao Laser RJ, Unigraf, 1995 Colégio Pedro II, Tradição e Modernidade RJ, Unigraf, 1987 Do Jardim à Universidade RJ, Fundo de Cultura, 1966 Educação: Temas e Vultos RJ, Ed. do Educador, 2004 Grandezas do Colégio Pedro II RJ, Unigraf, 1966 História Popular da Revolução Praieira RJ, Vitória, 1949 Imprensa Brasileira: Vultos e Problemas SP, Alba, 1962 João Francisco Lisboa, historiador RJ, Colégio Pedro II, 1983 Jornais e jornalistas RJ, Peneluc, 2003 Memória de Estudante (Colégio Pedro II) RJ, EBAL, 1987 O Castelo: Memória de Uma Criança Trabalhos Manuais no Ensino Secundário Nota – Dos dois últimos livros não há indicação de editora nem de ano de edição.
Outro detalhe importante é que o cinema educativo sempre foi um espaço respeitado. Às vezes ocorriam algumas discussões mais exaltadas, que suscitavam algum tipo de advertência, mas o Governo nunca interveio: — Não sei se isso ocorria em respeito ao Roquette-Pinto, que era muito querido, ou se existiam outros motivos. O fato é que todos respeitavam muito a figura dele. Com o fim do Estado Novo o País voltou a respirar um ar mais democrático e nesse contexto a ABI soube unir a classe jornalística em torno de um projeto comum, que era ajudar a nação a se reencontrar com a liberdade de expressão: — Muitos de nós jornalistas fizemos força para que isso acontecesse. Eu mesmo dormi muitas vezes em delegacia policial por participar dessa causa. Nós éramos agitadores, mas a nossa agitação ocorria no plano das idéias, em visitas que fazíamos aos jornais. Então o Governo procurava frear e repreender; a abertura foi muito difícil. Fernando Segismundo diz que até hoje pairam muitas dúvidas sobre pessoas e grupos que diziam estar empenhados pelo fim da ditadura Vargas: — Nós tínhamos que ter cautela, porque algumas vezes era muito difícil separar o joio do trigo, ou seja, saber em quem confiar. Em certas ocasiões um indivíduo juntava-se a nós, mas na verdade estava do outro lado (do Governo). Aproximava-se do nosso grupo para ver, ouvir e depois passar adiante o que nós conversávamos. Mas nós tínhamos a consciência de que devíamos ter cautela nas críticas. Hoje é fácil falar mal ou bem da situação do País, mas naquele tempo, não. Havia muita intriga, fofoca. Mas conseguimos sobreviver.
ACERVO ABI/BIBLIOTECA BASTOS TIGRE
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Prato cheio dos caricaturistas, como o celebrado Théo, autor do desenho à esquerda, Getúlio cercava os jornalistas com o Dip e também com atenções, como as que dispensava a Moses, firmando atos de interesse dos jornalistas e da ABI.
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Uma vocação para o jornalismo A trajetória de Fernando Segismundo na imprensa carioca é muito rica. Foi crítico de cinema e teatro, editou suplementos culturais, trabalhou em jornais importantes, como o Jornal do Commercio, Tribuna da Imprensa e o Diário de Notícias. Mas o primeiro veículo em cuja redação ingressou como profissional, levado por um amigo, chamava-se A Pátria. Era um jornal voltado para a colônia portuguesa, onde ele tratava de assuntos relativos ao setor da educação. Homem ligado à esquerda — chegou a ser militante ativo do Partido Comunista Brasileiro —, no início da sua carreira de repórter adorava quando era destacado para fazer matérias sobre sindicalismo. Trabalhava para o jornal Folha do Povo, quando foi cobrir uma assembléia do Sindicato dos Padeiros do Rio, que acabou sendo reprimida pela Polícia Política do Estado Novo: — A Folha do Povo era um jornal de esquerda. Eu era destacado ou muitas vezes pedia para cobrir esses fatos. Quando a Polícia chegava, primeiro espancava para depois perguntar alguma coisa. E eu com os outros companheiros fomos corridos debaixo de pancadaria. No geral, nós sabíamos que a Polícia não gostava desse tipo de reunião. E a gente, com ou sem razão, algumas vezes acabava apanhando. Sempre havia prisões, essa ação da Polícia era mais uma intimidação. Pouco tempo depois Fernando Segismundo veio a trabalhar para um grande jornal que era o Diário de Notícias. Nesse período é que se aperfeiçoou no ofício de jornalista, em um jornal que chegou a ser uma grande referência da imprensa brasileira, até ser vendido, entrar em decadência e deixar de circular. Quando Segismundo foi trabalhar no Diário de Notícias este “já era um periódico poderoso”. Nessa época o veículo era dirigido por Orlando Dantas, por quem Segismundo nutria uma forte admiração: “Um homem de bem e honrado, que nasceu no Nordeste e pobre, que conseguiu se tornar uma estrela da imprensa brasileira”. Segismundo obserOrlando Dantas, fundador vava no Diário Notícido Diário de Notícias, em as um fenômeno curitraço de Mendez. oso: enquanto Orlando Dantas viveu o jornal foi um grande veículo, mas durante um tempo chegou a ser classificado como jornal dos militares: — A turma da esquerda achava estranha essa relação do Diário de Notícias com as Forças Armadas. No Diário de Notícias Segismundo escreveu sobre teatro e cinema e também editou o Suplemento Cultural. Como sempre demonstrou vocação para os textos críticos, acabou sendo convidado pelos donos do jornal para exercer a função de editorialista. Aceitou o convite mas a direção do jornal lhe impôs uma condição: jamais escrever editoriais que pudessem ser confundidos com manifestos de apoio aos movimentos esquerdistas: — Aí é que estava o drama, porque o jornalis-
Com a morte de Barbosa Lima e Roberto Marinho, Fernando Segismundo tornou-se o sócio mais antigo da ABI.
mo que eu fazia já era de um estilo estranho aos propósitos da família Dantas. Eles queriam um jornalismo anódino e eu tinha um modelo opinativo. Um dia me chamaram e disseram que iam me transformar no editorialista principal, mas avisaram: “Nada de esquerdismo exagerado, comunismo, e posturas contra o Governo. Você deve ter bom senso”. E de fato, durante muitos anos, eu fui editorialista do maior jornal da época, que era o Diário de Notícias. Tempos depois, encontrou-se na Redação com Ondina Dantas, viúva de Orlando, que lhe disse: “Eu que conheci o senhor um agitador, um moço impaciente e irrequieto, hoje vejo que está tão ou mais ajuizado do que o meu filho”. — A verdade é que eu sempre gostei muito da imprensa. Por isso eu escrevi muito, se eu fosse juntar tudo o que eu escrevi dava livros. Até hoje eu gosto de escrever, embora atualmente eu esteja um pouco preguiçoso. Ao analisar o desempenho dos jornais que conheceu entre as décadas de 30 e 50, o ex-Presidente da ABI lamenta o fato de que em diversos períodos se deparou com uma imprensa que atuava de acordo com os interesses dos donos, que exageravam no expediente de obter vantagens pessoais: — A imprensa quando eu comecei a abrir os olhos era mais uma arma nas mãos de certos indivíduos, que manejavam o jornal para obter vantagens imediatas diretas. Hoje os jornais vivem de anúncios, mas prestam serviços. Naquele tempo, certos sujeitos lançavam um jornal para cavar a
vida, fazer negociatas, para lançar mentiras e depois cobrar para limpar o nome de um indivíduo. Houve também essa imprensa. Não vou citar nomes senão me jogam uma bomba aqui dentro de casa (risos). Para ele os jornais sérios eram poucos, e cita o Jornal do Commercio, que era lido por um público restrito. Também não gostava da postura de apoio ao Estado, adotada pelo jornal criado por Irineu Marinho: — O Globo, dos Marinho, era um jornal da classe média para cima, um veículo governamental. Um veículo onde não saía nada que não interessasse ao Governo. Apesar das críticas Segismundo considera que a imprensa tomou novos rumos, e vem melhorando nos aspectos qualidade e isenção. Não tem certeza sobre os verdadeiros motivos dessa ascensão, que podem ser a concorrência, ou porque os dirigentes se tornaram mais abertos. Outro aspecto que ele faz questão de ressaltar é o nível intelectual do jornalista atual: — Hoje eu quero crer que ninguém vá para um jornal sem que não tenha feito um curso anteriormente. Desconfio que atualmente ninguém entraria em um periódico, como eu e outros ingressamos, porque achávamos que sabíamos escrever e havia um secretário que penteava as matérias e depois o noticiário. Agora existem as escolas especializadas em Jornalismo, de modo que um patrão que seja inteligente não vai aceitar um menino que não tenha prática, direção ou cultura especializada.
“A imprensa era uma arma nas mãos de certos indivíduos que manejavam o jornal para obter vantagens imediatas diretas.”
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o meu gosto, mas era sincero. Teve muito prestígio com os militares, tanto que muita gente torcia o nariz quando ele se aproximava.
Algumas lembranças de personagens da ABI com que Segismundo conviveu Herber Herbertt Moses — Era pequeno e curto, baixo e magro, mas era grande de idéias. Foi sem dúvida alguma a maior figura da ABI até hoje. Tinha a mística da imprensa e de servi-la. Era um homem rico e tinha O Globo por trás dele. Então ele pôde falar com Getúlio e conseguir o terreno e o prédio.
Danton Jobim — Este merece um capítulo a parte, era um homem eminentemente de imprensa que eu conheci em jornais, como o Diário Carioca, trabalhando de verdade, escrevendo. Era um homem muito culto, por isso eu sempre dizia que ele não era jornalista e que deveria ir para a Academia. Eu era de esquerda e ele da direita, mas nos respeitávamos e com ele tive o melhor relacionamento possível.
Vila-Lobos — O Vila-Lobos morava bem perto da ABI, muitas vezes do terraço do prédio a gente o avistava. Era uma figura muito querida na Casa. A ABI naquela época era freqüentada por gente que não era do meio jornalístico, mas culturalmente importante, como era o caso do próprio Vila-Lobos, que era uma figura de escol.
Prudente de Moraes Moraes, neto neto, — Eu o chamava de Prudentinho. Ele era muito interessante. Foi aluno do Colégio Pedro II e uma figura que também gozou de grande prestígio com os militares. Ajudou muito a ABI e nas horas difíceis a turma o convocava, para que ele usasse do seu prestígio nas Forças Armadas.
Malba TTahan ahan — Eu o conheci bem, era um grande escritor e nunca chegou a ser jornalista. Era um homem culto, viajado e gostava muito de aparecer. Hélio Silva — Este morreu cedo. Era uma figura destacada na imprensa brasileira, não só porque era jornalista mas pelo conjunto da sua obra. Era católico, apostólico romano e por isso tinha muito prestígio junto à Igreja. Ele era para ser uma referência. Mas se isolou e acabou sumindo.
chegou a fazer parte do principal corpo jurídico do País. Foi um dos homens mais inteligentes que conheci, raciocinava com rapidez, falava bem, era um pouco conservador para o meu gosto, por causa da sua postura antiesquerdista, mas era bom. Foi útil ao País e à ABI.
Elmano Cruz — Foi uma figura das mais interessantes que a ABI já teve, eu diria até que exótica. Elmano transparecia um certo nervosismo, vivia agitado, mas era um grande jurista, conhecia Direito como poucas pessoas;
Adonias Filho — O Adonias não foi assim tão importante na Casa, embora eu seja o responsável até pela força que ele teve na ABI. Posso classificá-lo como uma figura excepcional, de boa formação cultural, conservador para
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Barbosa Lima Sobrinho (foto) — Eu respeito e aprecio, inclusive fui à casa dele insistir para que assumisse a Presidência da ABI. O filho dele (Fernando Barbosa Lima) era contra, e eu chateando o pobre do Barbosa para que assumisse a ABI novamente, e ele acabou cedendo. Fernando Seg ismundo por ele mesmo — Não fiz Segismundo nada de mais. Sinceramente nunca pensei que um dia pudesse vir a presidir a Casa. Entrei pra lá no tempo do Moses, ele me apreciou. Como não tinha um secretário, ele me explorou, me dava o nome e o assunto e eu escrevia. Me fez trabalhar bastante, mas eu progredi. A maior figura da Casa dos Jornalistas até hoje é o Moses, me desculpem os pósteros.
FERNANDO SEGISMUNDO, UM HOMEM NA HISTÓRIA
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Os verdes anos
SETENTÃO E AINDA MODERNO No fim da década de 30, com sua inquietação e sua audácia, ele ergueu um prédio que inovava em tudo. E até hoje o edifício da ABI, que desde 1961 ostenta o seu nome, é considerado revolucionário e atrai delegações de estudantes e professores de Arquitetura e Urbanismo de faculdades de diferentes Estados do Brasil e de países da Europa. Aqui o professor Alfredo Britto, que há mais de quatro décadas se apaixonou pelo prédio, discorre sobre as características inovadoras dessa edificação e sua importância como criação arquitetônica.
E NTREVISTA A M ANOLO E PELBAUM
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ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (ACERVO ÚLTIMA HORA)
A CASA DE MOSES: UM EDIFÍCIO
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onstruído em dois anos – de 1936 a 1938 – o Edifício Herbert Moses é considerado marco da arquitetura contemporânea. Nele foi utilizada pela primeira vez a solução de Le Corbusier para o problema de excesso de luz – o quebra-sol através de persianas de concreto na fachada, e as demais propostas que marcam a evolução da arquitetura moderna –, estrutura independente, teto-jardim, fachada livre e plano livre, também de inspiração de Corbusier. O projeto, de Marcelo e Milton Roberto – que ganharam um concurso instituído por Herbert Moses, em 1936 –, foi avaliado na época em 13 mil contos de réis. O dinheiro foi conseguido por Moses através de solicitações pessoais ao Presidente da República, Getúlio Vargas, por interferência do Ministro Osvaldo Aranha, e empréstimo obtido no Banco do Brasil. O edifício-sede da Associação Brasileira de Imprensa é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Estadual desde 1965. Sua principal característica é a unidade que o torna um conjunto soberbo, tanto nas soluções plásticas quanto nas estruturais. “Suas soluções
continuam sendo adaptadas por outros projetos, e o estilo de construção – embora muito imitado – jamais foi igualado: a sede da ABI permanece como um prédio impar na cidade. Tão necessário a ela – segundo Marcelo Roberto, em depoimento de 1948 – “quanto a Tijuca, o Pão de Açúcar, o Corcovado”. Em suas aulas de Arquitetura do Brasil I e II, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o arquiteto Alfredo Britto (foto) tem-se ocupado da análise desse prédio, que a seu ver mantém caráter inovador quarenta anos após a sua construção. Brito, 42 anos, do Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil, diretor do Grupo de Arquitetura e Planejamento, expôs suas opiniões neste longo depoimento a Manolo Epelbaum.
Qual era o quadro da arquitetura brasileira na época da construção do prédio (fim dos anos 30, começo da década de 40). Que linhas, que influências, que estilos que materiais denominavam? Que obras ou construções eram representativas da arquitetura tradicional dominante?
que era um projeto Marajoara. Tentava usar elementos gráficos da cerâmica marajoara, transpondo-os para a superfície de revestimentos arquitetônicos. Há nisso uma verdadeira encruzilhada, uma confusão, e é nesse momento que se insere a luta de um grupo de arquitetos brasileiros pela implantação da arquitetura que estava sendo desenvolvida na Europa, principalmente pela corrente racionalista de Le Corbusier, pela corrente alemã de ensino Bahaus, como Walter Glock. É de lá, dessas correntes, que emanam os principais elementos que estão expressos nesses primeiros prédios.
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O que havia de novo em termos de reação a essa situação, tanto do ponto de vista de criação individual, como do ponto de vista de formação de escola ou de definição de uma linha? Qual o papel que a antiga Escola Nacional de Belas-Artes desempenhava nesse quadro, com esse objetivo?
De novo havia algumas providências isoladas. É bom lembrar que com a Revolução de 30 o Ministro Francisco Campos convidou Lúcio Costa para diretor da Escola Nacional de Belas-Artes. Esse convite foi feito através do Chefe de Gabinete, que na época era o Carlos Drummond de Andrade. Lúcio Costa disse que não estava interessado em aceitar porque não adiantava ser diretor de uma escola cujo currículo era totalmente inadequado. Assim ele obteve carta-branca e só aceitou por causa disso. Esse episódio é importante porque, ao assumir em 1931 a Escola Nacional de Belas-Artes, durante seis meses ele revoluciona o ensino de Pintura, Escultura, das Artes Clássicas e Arquitetura. Convoca os professores e os arquitetos, que na realidade não eram muitos, como Gregori Warchavshik, o pioneiro da arquitetura contemporânea no Brasil, que vinha semanalmente de São Paulo para introduzir, implantar o novo curso de Arquitetura. Deu força aos alunos que tinham na época tendência modernista, por assim dizer. Está intimamente ligada a isso a passagem de Le Corbusier pelo Brasil em 1929. Voltando da Argentina, Ao acolher o projeto dos irmãos Milton e Marcelo Roberto, Moses bancou dois grandes pioneiros da arquitetura brasileira, diz Alfredo Brito.
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Devemos levar em consideração que a construção do prédio da ABI foi feita exatamente na segunda metade da década de 30, que era um período de afirmação política, ou seja: o período após a Revolução de 1930. Isso quer dizer que a Revolução, feita por elementos jovens, tinha uma certa abertura, novas idéias; estava assimilando – vamos assim dizer – as primeiras manifestações de renovação no campo da cultura, especificamente no campo da arquitetura. A ABI se insere nesse contexto de renovação, porque já tinha havido uma atitude por parte do Ministério da Educação com relação à introdução no Brasil dos princípios da arquitetura contemporânea. No julgamento do concurso para a construção da ABI, isso se confirmou. Foi escolhido um projeto de característica modernas para a época, em que pese não ter sido o projeto vencedor. Dentro dos padrões predominantes havia então, por parte da elite, o uso do que se convencionou, nas primeiras décadas do atual século, chamar de ecletismo, uma mescla de estilos que se adotavam escolas consagradas em outras eras e outras culturas; nas épocas clássicas; nas épocas do desenvolvimento europeu como a Renascença; o gótico, e até alguns estilos considerados exóticos para nossa cultura, podendo-se mencionar o persa; os dos árabes, chineses, japoneses, mouriscos. Enfim, estavam sendo misturados aqui da forma mais arbitrária. Contra essa imensa confusão estilística que predominava na arquitetura brasileira, principalmente nos primórdios do século, começou-se uma reação na década de 20 com um movimento chamado Neocolonial, que pretendia fazer um retorno às origens da arquitetura dos portugueses e brasileiros do período colonial do Brasil. Na década de 30, alguns tentavam fazer alguma coisa brasileira nessa encruzilhada de rumos, mas sem entender bem o sentido de dentro para fora, brasileiro, ou então buscando elementos de outras épocas. Por exemplo: é conhecido o projeto que venceu o concurso para o Ministério da Educação,
onde fora fazer uma série de conferências, de passagem por aqui realizou outras sobre a cidade do Rio de Janeiro e São Paulo. Isso influenciou marcadamente esses alunos. Desse grupo participavam Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer, Luiz Nunes, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e outros, que são os pioneiros da nossa arquitetura contemporânea. Na ocasião, eram alunos. Luiz Nunes era, inclusive, presidente do Diretório. Jorge Machado Moreira assumiria após esse cargo e daria força às diretrizes que Lúcio Costa estava implantando. Aí está a origem da reação dentro da Escola Nacional de Belas-Artes para a implantação dos princípios modernos da nossa arquitetura. Lúcio Costa ficou apenas seis meses. Houve uma greve muito agitada, uma cisão entre professores e alunos, discussões. Mas, mesmo afastando-se da Escola após esse semestre, ele conseguiu que aquele currículo ficasse vigorando. Isso constituiu uma verdadeira revolução em termos do ensino da arquitetura, que nasceu no Brasil no século XIX com Grandjean de Montigny, e com ele os princípios neoclássicos. Ainda em 1930, nós estávamos com problemas de estilo, a estereotomia, que era o que se ensinava nos cursos de Arquitetura, muito distante dos valores essenciais da Arquitetura; dos valores de espaço arquitetônico, que é o que se tenta introduzir na época. Essa, portanto, foi uma atitude fundamental. As outras são os concursos que ocorreram: para o Ministério da Educação e para a ABI; a ação individual e isolada de algumas pessoas, no caso Gustavo Capanema e Herbert Moses. Eles assumem os projetos que marcam uma nova tendência. Vemos que o clima geral é de luta, conhecido hoje em dia nas escolas de arquitetura como “fase heróica”, exatamente porque era uma verdadeira luta
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pela implantação de novos métodos, ao mesmo tempo em que o Governo revolucionário “comprava” a idéia de se fazer uma arquitetura nova. Isso nós veremos ao longo da História do Brasil com o próprio Juscelino Kubitschek. Já em 1942, como prefeito de Belo Horizonte, ele aprovou a Pampulha. Depois, como Presidente, realizou Brasília. Ainda como Governador de Minas, “comprou” idéias e aprovou princípios, já que realmente era um problema de idéias – ele poderia aprovar um projeto de qualquer arquiteto – mas basicamente estava comprando um propósito, estava ali afirmando princípios. Então Pampulha e, depois, as obras que Oscar Niemeyer fez em Belo Horizonte, em Diamantina na década de 40, e em Brasília, correspondem a atitudes oficiais da adoção de uma idéia. Assim como o Império adotou o Neoclássico, a República perfilou o Ecletismo, a Revolução de 30 incorporou o Modernismo como linguagem arquitetônica. Isso cria uma certa cisão na elite, que era, pelo seu próprio comportamento de classe burguesa e classe média, acomodada, com uma certa dificuldade de inovação. Advém a crise em termos arquitetônicos: enquanto esses arquitetos e o próprio Governo compravam a idéia de se fazer uma arquitetura atual, com princípios adequados à tecnologia existente, ao material que já se podia obter e à compreensão das necessidades do ser humano coerentes com a década de 30 e do século XX, a própria elite reagia como ainda hoje ocorre e ainda se constroem edifícios com as fantasias de linha Mediterrâneo, pseudocoloniais, e outros que no fundo são uma inadaptação ao seu tempo. No começo da reação, com um grupo que se reuniu em torno de Le Corbusier – Lúcio Costa Niemeyer, Reidy, Luiz Nunes, Carlos Leão, Ernani de Vasconcellos, Aldo Garcia Roza, Francisco Saturnino de Brito – os irmãos Roberto já despontavam?
Existe uma certa história. Acho a ABI muito importante por uma aspecto particular dela. É que ela é o início da afirmação da carreira de dois grandes pioneiros na arquitetura brasileira, os irmãos Marcelo e Milton Roberto. É exatamente a ABI que marca o começo dessa afirmação, porque Milton, então, ainda não estava nem formado, embora faltasse pouco para isso acontecer, e Marcelo tinha um caminho mais ou menos paralelo, particular, na arquitetura. Em 1931 eles já têm as primeiras casas de concepção absolutamente moderna mas ainda não tinham enfrentado uma obra de grande porte – aliás o Brasil não tinha uma obra nesses termos. Quer dizer: as primeiras experiências são exatamente o Ministério da Educação e o prédio da ABI. Só que o da ABI, apesar de vir depois, apresentava problemas construtivos anteriormente, já que começa sua construção após o Ministério e acaba antes. Devemos levar em consideração que, numa fase de proposição inteiramente revolucionária em termos de concepção de projeto, muita coisa se resolve na obra, não sai tudo no papel. Então há propostas que surgem durante a construção, antecedendo portanto ao pioneirismo do próprio Ministério da Educação. E há um caso realmente particular, que explica por que os irmãos Roberto têm uma trajetória realmente muito importante na arquitetura brasileira: essa trajetória se inicia com o edifício da ABI, que é onde, na realidade, afirmam sua idéia de arquitetura e onde eles conseguem marcar a história da arquitetura nacional com um prédio original, revolucionário; uma construção extraordinária em termos de concepção, espaço, estrutura de materiais; enfim, do conjunto de elementos que integram seu projeto.
O hall do auditório da ABI constituiu uma tremenda inovação com seu pédireito duplo, permitindo abrigar exposições, eventos e até reuniões.
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Um dos responsáveis pela nova arquitetura do Brasil: Juscelino Kubitschek, que contratou Niemeyer para inovar em Belo Horizonte e em Brasília.
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“O projeto da ABI é totalmente inovador. É difícil levantar aspectos que não sejam renovadores. Há uma preocupação na concepção do prédio como um todo, como volume arquitetônico.”
de se proteger da incidência permanente do sol naquela esquina, voltada para o Norte e na qual o sol se desloca e incide durante o dia todo. A idéia do brise-soleil, também dominante no prédio, é exatamente isso: um quebra-sol e ao mesmo tempo a criação de um espaço entre a superfície externa, protegida pelo brise, e uma superfície de esquadrias internas, criando assim um corredor ou um avarandado. Este é ao mesmo tempo um colchão de ar de proteção para a zona de trabalho e utilização. É, sem dúvida, inovadora essa proteção térmica. Como a angulação do brise e suas distâncias, a preocupação do seu dimensionamento permite visibilidade de quem se encontra nesse avarandado. Assim, quem permanece nesse local tem visão da cidade através do seu afastamento, disposição estudada de forma precisa, com relação à angulação do sol, ao mesmo tempo
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em que permite e visibilidade a quem está dentro. Esse aspecto é fundamental em termos de concepção do prédio e do uso do brise. Nessa preocupação de inovação, o prédio tem uma vantagem sobre vários outros destinados a finalidades semelhantes – administrativos, institucionais. Ele foi concebido como um todo, quer dizer: foi criado em toda a sua arquitetura, parte interna e externa até no detalhe das suas luminárias, seus móveis, numa preocupação de realmente entregar um ambiente acabado. Os móveis foram desenhados especialmente para a ABI; os revestimentos pensados em termos de ajustamento com esse mobiliário. As luminárias, quando não desenhadas especialmente, foram escolhidas para que fossem harmônicas ao prédio. Vemos então a preocupação de uma obra acabada, completa. Outro aspecto é o lançamento do
O projeto da ABI continha o quê de inovador em relação a estilo, influências, materiais? Disso tudo, o quê ainda conserva sabor de originalidade?
– O projeto da ABI é totalmente inovador. É difícil levantar aspectos que não sejam renovadores. Há uma preocupação na concepção do prédio como um todo, como volume arquitetônico. Um edifício que ocupa uma esquina em que lança um acesso que era inovador e é um dos aspectos que ainda permanece. Particularmente aquela chegada na ABI, que cria uma espécie de ponto de encontro, de praça, de convívio. Esse conjunto de elementos e de atividades programáticas está muito bem solucionado na chegada à ABI. Um acesso simples, franco, desconhecido naqueles tempos: era inteiramente inovador e assim permanece até hoje. Vemos que desde o aspecto de implantação até ao de concepção estrutural, de utilização de materiais, de forma nova (o mármore é um dos materiais mais antigos, mas de qualquer forma o modo como foi usado) e, sobretudo um aspecto muito importante para nós; o prédio da ABI é um prédio concebido para isso, foi pensado em termos
O brise-soleil dos irmãos Roberto, inspirado em Le Corbusier, filtra o sol e cria um espaço avarandado. Funciona como um colchão de ar de proteção térmica no trabalho ou utilização.
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Vemos que o começo da reação vem com a introdução da modificação de ensino por Lúcio Costa Aclaremos: que houve uma certa crise por volta de 1932 com a irrupção da Revolução Paulista, registrando-se uma queda da construção no Brasil, que se retoma em torno de 1935/36. Houve um período de 34 a 36 que constitui uma experiência isolada, mas extraordinária, de importância capital, feita no Recife por Luiz Nunes – discípulo desse grupo –, que sai do Rio para realizar uma obra absolutamente pioneira, totalmente revolucionária e extraordinária na nossa arquitetura. Uma obra inclusive, também anterior ao Ministério da Educação, mas que ficou muito tempo esquecida porque feita longe do centro cultural e do eixo Rio de Janeiro–São Paulo. Foi um pouco esquecida mas faz parte desse conjunto. Vemos então que esse grupo se reuniu em torno de Le Corbusier, a pedido de Lúcio Costa e por pressão de elementos da nossa cultura – Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, que influenciavam Gustavo Capanema – realmente é o agente dessa luta, desse período heróico. São eles que impulsionaram a arquitetura brasileira para um caminho de contemporaneidade. A partir deles ela deixa essa encruzilhada, aquela falta de adequação a seu tempo, de definição; já naquele tempo era uma arquitetura totalmente desentrosada de sua época, que dava respostas arcaicas para soluções e exigências modernas. Aí ela passa a se adequar, a ficar realmente em dia com a sua sociedade. E nesse momento que o grupo tem esse papel, e os irmãos Roberto têm desempenho semelhante, mas em caminho paralelo, pois não pertencem ao mesmo grupo.
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O hall térreo do Edifício Herbert Moses oferece um quê de surpresa a quem dobra a esquina onde está situado; é um convite ao convívio.
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O terraço do edifício da ABI contou originalmente com um jardim criado pelo jovem Roberto Burle-Marx, que começava sua fecunda trajetória de artista plástico e paisagista. Restaurado nos anos 70, não resistiu à intensidade dos raios solares.
auditório no 9° pavimento, criando um pé-direito duplo para exposições, reuniões, eventos – isso já é uma solução inovadora para nós e começava a utilizar a tecnologia do concreto que se desenvolve também nessa década. É a partir de 1920 que se expande essa tecnologia. A ABI faz uma solução inovadora tirando partido desse aspecto da estrutura independente que o concreto permitia nessa época no Brasil – já que na Europa e nos Estados Unidos usava-se há muito tempo. É esse auditório lançado com muita adequação naquele pavimento, criando um pé-direito duplo, amplo, para grandes fluxos de gente. E há outro aspecto digno de menção: é que a arquitetura nossa era produzida muito baseada nas conquistas de materiais de construção do exterior, não tínhamos ainda uma indústria de material de construção que desse apoio suficiente às novas idéias. Então, com o Ministério da Educação, a ABI e depois outros edifícios, como o Instituto de Resseguros do Brasil-Irb, foram todos baseados em materiais importados. Vinham do exterior pisos, revestimentos, vidros e outros elementos necessários ao acabamento do prédio, já que não tínhamos esse apoio. Éramos bastante deficientes na infra-estrutura de materiais para construção. Por que se fala do prédio da ABI em aulas de arquitetura? O prestígio internacional do projeto a que se deve?
– É que o prédio, tendo-se tornado pioneiro, um marco, cria realmente um impacto muito grande no exterior. Principalmente levando-se em conta que por essa época eclode a Segunda Guerra Mundial. Então o mundo vai tomar conhecimento do prédio, assim como da arquitetura brasileira, praticamente após o fim do conflito. Durante esse período estavam todos envolvidos. Há um aspecto importante: em 1945, os países mais diretamente atingidos pela guerra se vêem diante do problema grave do planejamento urbano; da reorganização das cidades; do planejamento em massa de grande número de habitações, não somente destruídas, mas porque as populações vinham crescendo. Enfim problemas de macroeconomia no aspecto da planificação da reconstrução urgente. Exatamente nessa época esses países percebem que um país que eles não conheciam bem, não sabiam – até hoje confundem Rio de Janeiro com Buenos Aires – que esse país tinha construído uma
arquitetura com princípios contemporâneos dentro do desenvolvimento das idéias básicas de Lê Corbusier, com uma categoria realmente extraordinária. Então eles vão conhecer o Ministério da Educação, a ABI, o Aeroporto Santos Dumont, o Irb, a Pampulha. Tudo isso foi feito durante a guerra, quer dizer: enquanto a Europa se destruía, o Brasil construía um horizonte absolutamente novo, inovador dentro da arquitetura. Isso constituiu um impacto muito grande. É exatamente daí que surge um certo conceito, uma certa atração pela arquitetura brasileira, conceito este que a colocava entre as melhores do mundo e que popularmente ainda fica até hoje, embora hoje não tenha mais nada a ver, porque realmente não estamos liderando. Tivemos um período em que os cartões de venda do Brasil no exterior eram: Arquitetura, Pelé, Café e Futebol. Hoje poucos deles estão resistindo... A arquitetura dessa época atraiu a atenção para o Brasil, por sua arquitetura pioneira. Todas as revistas especializadas dedicaram números ao Brasil. Livros foram dedicados ao Brasil. Arquitetos que aqui vinham faziam roteiros da arquitetura contemporânea brasileira. Foi na década de 40, exatamente, que não só essa primeira geração de arquitetos – Lúcio, Oscar, Jorge Moreira, irmãos Roberto e outros – como já uma segunda geração começou a surgir e já há uma terceira. E os irmãos Roberto –
“Os prédios que marcam a evolução cultural de um povo deveriam estar preservados por esse povo. Portanto conservado pelo Governo, que temporariamente representa esse povo.” Edição Especial do Centenário Volume 2
Marcelo e Milton – já na década de 40 recebem a contribuição de seu terceiro irmão mais moço, que permanece até hoje, levando o escritório para adiante. É exatamente por essa época que a ABI serve como elemento marcante da nossa arquitetura. Por isso passa a ter prestígio internacional. É difícil e seria até equivocado uma enciclopédia, uma história da arquitetura contemporânea não incluir a ABI. Trata-se de inclusão obrigatória, porque é um dos prédios pioneiros e que marcam toda essa renovação. Desde seu volume: sua concepção estrutural de Baumgart, o calculista do projeto; sua disposição; sua resolução de acesso; de ambientação térmica; seu mobiliário; suas luminárias. Quer dizer: todo um comportamento, uma preocupação de fazer uma obra nova, pioneira, levada a cabo com muita categoria. Poderia ter ficado na intenção, mas a ABI é uma realização. Não houve só a intenção, houve a realização de uma coisa pioneira. Daí ter prestígio internacional e ser indispensável como tema de aula. Existe evidentemente dentro de uma história da arquitetura no século XIX e XX no Brasil um capítulo para o Ministério da Educação e para a ABI, que são dois fatos que marcam todo um período o de transformação. O que você acha da tese do arquiteto Frank Lloyd Wright segundo a qual determinados prédios particulares deveriam ser conservados com a ajuda do poder público, por sua importância para a evolução da arquitetura? O prédio da ABI seria um dos exemplares dignos de tal atenção oficial? Por quê?
A tese de Frank Lloyde Wright é corretíssima e vem sendo adotada por outros países culturalmente mais desenvolvidos que o nosso. Evidentemente um país (aí se diz país com uma sociedade global) tem a necessidade de conservar (hoje é muito natural que a Grécia conserve o Partenon; que a França proteja a Catedral de Notre Dame e a de Chartres). Nas obras excepcionais é que a humanidade cria seu próprio testemunho, o testemunho da sua própria história, da sua própria conquista. Então, essa obra, no caso da arquitetura, é uma obra que deve permanecer. Assim, os prédios que marcam a História, a evolução cultural de um povo, deveriam estar preservados por esse povo. Portanto conservado pelo Governo, que temporariamente representa esse povo no poder. O caso da ABI se insere exatamente nesse caso, como se inserem outras tantas obras. Mas ainda não atingimos o estágio cultural para entender isso, porque entre nós se destróem elementos fundamentais da cidade. Volta e meia temos notícias nos jornais da destruição de obras que representam, marcam a nossa História, marcam épocas. Com seu desaparecimento perdemos testemunhos, não há como reconhecer aquele período. Quer dizer: o povo fica sem a possibilidade de conhecer sua própria História, perde sua memória. Um exemplo marcante disso foi a atitude do povo polonês após a guerra. Varsóvia foi inteiramente arrasada, mas os poloneses pegaram toda uma parte da cidade e a reconstruíram absolutamente segundo os planos da época, para que sua memória não fosse destruída. E a reconstruíram de uma forma totalmente contemporânea, ou seja: o aspecto externo, o aspecto que dava a escala da cidade, a memória da cidade, todos os detalhes foram respeitados. Dentro, cada um poderia adaptar sua planta às suas necessidades da década de 40, do século XX, não mais dos séculos XVI, XVII, XVIII. Assim teriam todas as suas conquistas sanitárias, hidráulicas, arcondicionado, o que tosse. Mas aquela memória visual, espacial, ambiental, do ponto de vista urbano, estava preservada para o polonês das novas gerações, que assim não deixa de saber como foi a cidade dos seus antepassados.
Isso é uma atitude da História da Humanidade, fundamental para que se entenda por que determinados prédios ou determinadas partes da cidade formam o que se chamaríamos de um quadro arquitetônico. Da forma em que hoje se preserva a cidade histórica de Ouro Preto, um perímetro em que a cidade deva ser conservada sem ser mexida. Claro que não vai se fazer isso com tudo o que a Humanidade fez, mas sim com algumas coisas que caracterizam a evolução cultural do povo. Apenas em determinados casos a transformação de costumes da sociedade, do povo, exige uma transformação de uso; então, realmente, muitas vezes o prédio perde a sua finalidade. Cabe, porém, àquela cultura nova adaptar uma atividade, darlhe uma transformação sem retirar as suas características fundamentais. No caso da ABI, isso nem seria preciso porque ela continua com a finalidade precípua para a qual foi criada, está absolutamente adaptada, integrada, o prédio continua vivo. Mas vamos dizer que daqui a muitos anos a sua função termine, ou deixe de existir seu uso ou perca sua finalidade. Seria necessário então dar um uso para aquilo. Ás vezes, se uma mansão que é característica de uma época, que uma família particular não tem mais condições de manter, cabe exatamente ao Governo assumi-la e dar-lhe uma função pública, mas preservando-a. Isto pode se fazer e tem sido feito às vezes, mas deixando de fazer inúmeras outras, para tristeza da nossa cultura, que vai perdendo exatamente seu testemunho. Um aspecto que merece registro no prédio da ABI é justamente a qualidade de arquitetura, e aí esse predicado se junta às suas características de centro da imprensa no Rio de Janeiro e de o prédio estar localizado no centro das atividades dessa cidade. Mas a virtude da arquitetura proporcionou também a realização da idéia de um restaurante no último pavimento - e um jardim -, um local de grande reuniões políticas e de grandes reuniões decisórias da evolução tanto dessa política como da nossa cultura. Quer dizer: a ABI se tornou um centro de atividades importante, e isso, sem dúvida, é proporcionado pela referida qualidade da arquitetura, por essa solução arquitetônica. Se fosse um prédio que não tivesse essas características, talvez colocasse mais dificuldades, embora fosse um ponto de atração. Esse dado é importante. E fundamental, portanto a recuperação do jardim do último pavimento* e do restaurante, em que se fariam atividades não só de reunião onde as pessoas poderiam tomar um drink, ter discussões, encontros com música, sessões de modinhas, serenatas, chorinhos, para que isso fosse inerente à cultura da cidade. Um verdadeiro local carioca nesses termos, já que seria uma atividade muito característica desta cidade que está-se perdendo. Um ponto de encontro onde as pessoas poderão trocar idéias com a maior liberdade. * O jardim do terraço foi restaurado pela atual Diretoria da ABI. A instalação de um restaurante nessa área, ou de um bar-restaurante, depende da existência de recursos, de que a ABI atualmente não dispõe.
A casa dos sonhos de Moses O atual Edifício Herbert Moses, sede da ABI, foi inaugurado parcialmente em 10 de setembro de 1938, em ato que precedeu à inauguração oficial, programada para 13 de maio de 1939. Principal matutino do Rio na época, o Correio da Manhã anunciou a inauguração em extensa matéria, sob o título O “Dia da Imprensa” – Mudase hoje a sede da ABI para a esplanada do Castelo, na qual reproduziu sob o intertítulo Uma saudação da ABI a todos os jornais a seguinte mensagem firmada pelo Presidente Herbert Moses: “Por intermédio dos jornais de todo o Brasil, das instituições publicitárias, dos broadcastigs nacionais e de todos os veículos de propaganda do País, a ABI, comemorando o Dia da Imprensa, este ano, que coincide com a instalação provisória dos serviços de administração no Palácio da Imprensa, em construção na Esplanada do Castelo, lançou a seguinte proclamação: “Transferindo a sua sede na data de hoje – tão expressiva na história do jornalismo brasileiro para um dos andares do seu edifício em construção, a Associação Brasileira de Imprensa congratula-se com todos os seus confrades do Brasil inteiro, para os quais a Casa do Jornalista terá sempre as portas abertas de par em par. Não basta, porém, assinalar o júbilo de nos acharmos a partir de hoje instalados, em posse definitiva, em nossa sede própria e de vê-la crescer e rematar-se ao ritmo do nosso próprio trabalho misturado ao dos outros operários empregados em suas obras, a fim de podermos a 13 de maio de 1939 – outra das duas grandes datas da imprensa – realizar com a máxima solenidade a inauguração oficial da Casa do Jornalista, completamente concluída. Não bastará a alegria de hoje se não a temperarmos nos sentimentos sinceros de um preito de gratidão e de justiça aos pioneiros e aos seus continuadores na obra comum de criar e manter a nossa instituição de classe. Esses é que deram à ABI alicerces bem mais profundos e mais sólidos que o embasamento de concreto previsto pela técnica para sustentação do seu arcabouço. Ela foi delineada e enraizada na própria alma dos pioneiros da nossa vida associativa. Con-
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solidou-se e adquiriu substância, alimentandose da seiva de uma fé robusta e tenaz. É, pois, para eles que se devem voltar neste monumento os nossos olhos, porque eles foram os verdadeiros construtores desse palácio que era um sonho em 1908 e hoje é uma realidade. Mantendo o sonho, como os fiéis preservam a chama votiva nos altares, e fazendo viver e prestigiar-se a ABI através todas e quaisquer vicissitudes, eles nos asseguraram os alicerces, sem os quais o monumento não poderia ser erigido. A todos vós, meus confrades de hoje, envio um festivo abraço e peço um pensamento de gratidão para os colegas que nos precederam e aos quais devemos em primeiro lugar as glórias da conquista atual. A ABI está em sua casa. Estais, portanto, também em vossa casa. Sêde sempre bem-vindos. Herbert Moses, presidente.”
O CONVITE, NO “CORREIO” A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA, por intermédio do “Correio da Manhã”, convida a todos os associados, cooperadores e amigos da nossa instituição para assistirem à cerimônia de instalação de seus serviços administrativos na nova sede, no Palácio da Imprensa, à Rua Araújo Porto Alegre, esquina de Rua México, Esplanada do Castelo. Essa cerimônia, que se efetuará sem solenidade, terá lugar às 16 horas do próximo dia 10, data em que se comemora, em todo o País, o “Dia da Imprensa”. Não haverá convites especiais.
Entrevista publicada na edição de outubro de 1978 do antigo Boletim ABI. A anotação constante do final da matéria carece de atualização: a) o jardim do terraço, projetado originalmente por Roberto Burle Marx e restaurado nos anos 70, não existe mais; b) a instalação e funcionamento do restaurante comercial no 13° andar, aprovados nos anos 80, revelaram-se economicamente inviáveis nos anos seguintes, em razão da multiplicação de restaurantes e lanchonetes no entorno da ABI, graças à difusão do vale-refeição por empresas e órgãos públicos. O subtítulo da matéria original foi atualizado e ampliado para publicação nesta Edição Especial do Centenário, Volume 2.
Edição Especial do Centenário Volume 2
A CASA DE MOSES: UM EDIFÍCIO SETENTÃO E AINDA MODERNO
Jornal da ABI
A CAMPANHA O PETRÓLEO É NOSSO N O Auditório Oscar Guanabarino da ABI foi o cenário de criação, em 4 de abril de 1948, do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, que desencadearia dias depois a campanha O Petróleo é Nosso, de que resultaria a instituição do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobras. Um dos líderes desse movimento e infatigável defensor do interesse nacional até sua morte, em 2005, relata neste texto, extraído de longo artigo, aquela luta memorável. POR H ENRIQUE M IRANDA
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CA BASTOS TIGRE ACERVO ABI/BIBLIOTE
ASCEU NESTE AUDITÓRIO O Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia nacional, de que fui Secretário-Geral, sob a presidência de Artur Bernardes e do General Júlio Caetano Horta Barbosa, foi fundado em Ato Público na ABI, a 4 de abril de 1948, no desenrolar de mesa-redonda sobre a Conferência de Chanceleres americanos, a realizar-se, em Bogotá, naqueles dias. A promoção do Ato referido deveu-se à iniciativa da Liga Antifascista da Tijuca, fundada em julho de 1947, sob a Presidência de Honra do General
Euclides Figueiredo, Deputado Federal, e a Presidência efetiva da Vereadora Sra. Nuta Barttlett James, tendo como secretário o signatário deste artigo. Do numeroso grupo de patriotas da coordenação do Centro fizeram parte jornalistas como Gentil Noronha, Nilo Werneck, Bayard Boiteux e Jair Amorim, consócios da Casa do Jornalista. A ABI era presidida por Herbert Moses, que se manteve à frente da Casa, proficuamente, durante 33 anos (de 1931 a 1964). Moses – consenso incon-
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Tal como nos anos 40, ao sustentar a idéia do monopólio estatal do petróleo na campanha O petróleo é nosso, a ABI ergueu essa bandeira também na Constituinte de 19871988. Com esse fim promoveu intensa campanha, aberta com ato que reuniu Saturnino Braga, Barbosa Lima (segundo e terceiro à esquerda) e Euzébio Rocha (de pé), um dos autores da lei do monopólio, de 1953.
testável – era convicto democrata, ativo, sempre, em defesa da Liberdade de Imprensa, e de jornalistas vítimas dos atropelos do Poder, o que se verificou, especialmente, no período do Estado Novo (1937-1945). Em relação, porém, ao problema do petróleo, lamentavelmente, não era ele adepto da Tese Horta Barbosa, a Tese do Monopólio Estatal. Como explicar, assim, a presença e o apoio da ABI, valiosos, sempre, no movimento do O petróleo é nosso? Basta recordar: Moses era assessorado e recebia a decisiva influência de eminentes jornalistas da ABI de então. Com saudade recordemos alguns deles: Heitor Beltrão (1° Vice-Presidente), Pedro Mota Lima, João Etcheverry, Aristeu Aquiles, Jocelyn Santos, João Antônio Mesplé. Dos vivos, ai estão Gentil Noronha e Fernando Segismundo. Coincidência providencial – todos eles partidários entusiastas da Tese Horta Barbosa e, em graus diversos, membros do Centro do Petróleo. Firmou-se explícito entendimento entre dirigentes do Centro e essa plêiade (é a palavra certa) de jornalistas militantes na ABI. Assim, no decorrer da Campanha, nessa primeira e vitoriosa fase, na ABI se efetivaram dezenas de reuniões e atos, da maior relevância para a conquista final da Lei da Petrobrás, e sempre com a participação ativa de prestigiados membros da Casa do Jornalista. Destaquemos, para exemplificar, a realização da 1.ª Convenção de Defesa do Petróleo do Distrito Federal (ainda no Rio de Janeiro) a 23 de setembro de 1948, com reconhecido êxito, e em cuja Mesa figuraram, entre outras personalidades, os Generais Horta Barbosa, Leitão de Carvalho e Raimundo Sampaio. Encerrada a solenidade, os presentes, em pacífica romaria cívica, levaram as flores que ornamentavam a mesa no palco de nosso prestigioso Auditório (9° andar) até o Monumento a Floriano, na Cinelândia. Ocorreu, então, o inominável ataque da feroz Polícia Especial aos patriotas que ali homenageavam Floriano. Só um verdadeiro contra-ataque da Polícia do Exército (à época, majoritariamente partidário da Tese Horta Barbosa), convocada, conseguiu frear e dominar a fúria dos agressores. Saíram feridos, entre outros, o jornalista Gentil Noronha, com um tiro na perna, e o Deputado federal Euzébio Rocha, ambos nossos consócios. E à sede da ABI se dirigiram Diretores do Centro, para o acerto de medidas imediatas de divulgação e protesto. ABI – sempre a ABI! No dia da fundação do Centro, em 1948, e hoje, 40 anos decorridos, na Comissão sob a Presidência e a orientação de Barbosa Lima Sobrinho. (Nota final: embora tenha muito de depoimento pessoal, o breve histórico acima se baseou na consulta ao Boletim da ABI, ao Boletim da AEPET, à coleção de Emancipação (1949-1957), e ao “excelente e documentado” O petróleo é nosso, livro de Maria Augusta Tibiriçá Miranda). Trecho do artigo A ABI e a campanha do petróleo, publicado em duas colunas de cima abaixo pela Tribuna da Imprensa, edição de 16 de maio de 1988.
A CAMPANHA O PETRÓLEO É NOSSO NASCEU NESTE AUDITÓRIO
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A CAMPANHA O PETRÓLEO É NOSSO NASCEU NESTE AUDITÓRIO
AGÊNCIA O GLOBO/CHRISTINA BOCAYUVA
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Quarenta anos depois, a mesma luta Nesse mesmo artigo, antes de relatar o ato de 4 de abril de 1948 na ABI, Henrique Miranda lembrou a participação da Casa no movimento para a consagração do monopólio estatal do petróleo na Constituição de 1988, promulgada 40 anos depois. São dele as evocações a seguir. “O povo brasileiro lutou e, com a sua luta, consagrou o Monopólio Estatal do Petróleo. Hoje, quando o tema é discutido pelo Constituinte, vimos reafirmar que fomos e somos defensores dessa magna conquista de nosso povo”... “E conclamamos toda a sociedade a pugnar pela aprovação do parágrafo único do Artigo 207 do Projeto da Comissão de Sistematização, o qual elimina em definitivo a figura do contrato de risco”...”Contamos com o apoio de mais de 100 mil brasileiros, que assinaram a emenda popular de que resultou o parágrafo em questão, e com respaldo de 75 entidades, representativas de milhões de brasileiros. A este clamor popular, juntamo-nos, e concitamos os constituintes a virem unir-se ao povo brasileiro”. Os expressivos trechos, acima transcritos, integram o mais recente manifesto da Comissão em Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo e contra os Contratos de Risco, que contou com a assinatura de quatorze governadores e de centenas de outras personalidades. Seu primeiro signatário chama-se Barbosa Lima Sobrinho, Presidente da ABI, e, significativamente, também Presidente da citada Comissão, que ora representa o papel historicamente desempenhado pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional - CEDPEN, notadamente entre 1948 e 1953, ano este em que se instituiu a Petrobras, pela Lei n° 2004, de 3 de outubro. Vale recordar como se constituiu a novel Comissão, tão operosa e combativa. A Associação dos Engenheiros da Petrobrás - Aepet, em março de 1987, redigiu e distribuiu o documento Carta aos Constituintes, com o apoio dos 16 Sindicatos de Petroleiros (Sindipetros) e apresentação de Barbosa Lima Sobrinho, com a tiragem inicial de 30.000 cópias, e que obteve real repercussão em Brasília. Estabelecido o contato entre a Aepet e a ABI, realizouse, a 11 de março de 1987, ampla e inolvidável reunião, na sala da Diretoria, de novos integrantes do movimento, todos consócios do imperativo dever de defender e, ainda, consolidar o Monopólio Estatal do Petróleo. Por aclamação, assumiu a Presidência da Comissão o Presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, cujo nome insigne coube-me a honra de indicar. Como coordenador, foi empossado o Presidente da Aepet, o jovem o dinâmico engenheiro Antônio dos Santos Maciel Neto. A Comissão passou a reunir-se regularmente, na ABI uma ou duas vezes por semana, tendo, de imediato, obtido a adesão de mais de 60 entidades, providenciando a impressão de cartazes, faixas e adesivos, de larga difusão, promovendo campanha intensa, junto aos constituintes, contra os contratos de risco. A 8 de abril, após visita a todas as lideranças e Mesas da Assembléia Constituinte, da Câmara e do Senado, realizava-se, no Auditório do Anexo IV, da Câmara dos Deputados (Brasília), uma reunião com cerca de 70 deputados e senadores. A Mesa foi presidida por Barbosa Lima Sobrinho, em sua condição de Presidente da ABI e da Comissão. Nessa memorável visita à Constituinte, a ele assim se
Dois meses após fazer 90 anos (ele nasceu em 22 de janeiro de 1897), Barbosa Lima liderou com Henrique Miranda a formação na ABI de uma comissão que estudaria propostas à Assembléia Constituinte em defesa do monopólio estatal do petróleo.
referiu o Senador Mário Covas: “...grande brasileiro, símbolo das lutas pelo interesse nacional, que está em Brasília em mais uma jornada, agora em defesa do monopólio estatal do petróleo e contra os contratos de risco”. A 6 de julho de 1987, num crescendo vibrante, a Comissão promoveu, no Auditório do 9°andar da ABI, impressionante Ato Público, que teve a assistência de mais de mil pessoas, patrioticamente congregadas contra as ameaças das multinacionais e sequazes à exigência nacional de manutenção e ampliação do MEP. Sob larga faixa, com a inscrição tradicional – O petróleo é nosso!!! – representativa mesa dirigiu os trabalhos, sob a
Miranda, patriota a vida toda Professor e jornalista, oficial da Marinha punido com expulsão por sua participação muito jovem nos movimentos sociais dos anos 30, Henrique Miranda (Henrique Batista Aranha Miranda) dedicou sua vida à defesa do Brasil, atuando com destaque em campanhas como a do monopólio estatal do petróleo e as de defesa da Amazônia e dos recursos minerais do País. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi vereador à antiga Câmara de Vereadores do Distrito Federal na Legislatura 1951-1955, diretor do periódico Emancipação, órgão de divulgação e combate dessas campanhas nacionalistas, e diretor da ABI nas gestões de Barbosa Lima Sobrinho e Fernando Segismundo. Nesta última, foi 1° Vice-Presidente da Casa. Nascido em 1918, participou ativamente da ABI, da Campanha de Defesa e Desenvolvimento da Amazônia e do Movimento de Defesa da Economia NacionalModecon até o seu falecimento em 6 de abril de 2005. Miranda estava na iminência de completar 56 anos de militância na ABI, na qual ingressou em 29 de setembro de 1949, quando era redator do periódico Emancipação, que depois dirigiria. Depois de expulso da Marinha, dedicou-se ao magistério e ao jornalismo voltado para as questões nacionais e sociais. Seu registro como jornalista profissional tinha o número 3.677 do Ministério do Trabalho no antigo Distrito Federal e foi concedido em 1947. O texto do artigo agora transcrito integra o acervo de documentação do Modecon e de sua Presidente, médica Dra. Maria Augusta Tibiriçá.
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presidência de Barbosa Lima Sobrinho. O Ato Público na ABI ganhou ampla e inusitada repercussão na imprensa, e nele se lançou a palavra de ordem de “volta às ruas”. Em resolução decorrente desse intento, programou-se um comício, na Cinelândia, a 28 de agosto (de 1987) para proclamar-se, “nas ruas”, a disposição de luta que a todos impulsionava. A sede da ABI tornou-se o quartel-general da preparação do previsto comício: nela se faziam seguidas reuniões, redigiam-se textos de propaganda, discutiam-se as medidas práticas de divulgação, encontravam-se jornalistas, intelectuais em geral, dirigentes sindicais e femininas, militares democratas e nacionalistas, parlamentares etc – todos sob a coordenação do Presidente da Comissão. O comício foi um ponto alto da campanha. Discursaram antigos e novos participantes da luta, com intensa receptividade da massa que se aglomerava no espaço fronteiro à Câmara Municipal. Atos públicos em Porto Alegre, São Paulo, Macaé, Salvador e Natal comprovavam a amplitude nacional já atingida pelo movimento. Para comemorar os 34 anos da Lei n° 2004, de 3 de outubro de 1953, um almoço de confraternização e civismo reuniu mais de 400 convivas, a 23 desse mês, no Automóvel Clube do Brasil, sob a Presidência da Comissão constituída na ABI a 11 de março. À oposição aos contratos de risco os oradores – como Barbosa Lima Sobrinho, Afonso Arinos e Saturnino Braga – somaram críticas ao aditivo em benefício de Pecten, apreciações sobre o problema dos investimentos da Petrobras, e focalizaram a nacionalização da distribuição e a questão da Petrobrás Overseas. O conteúdo dos discursos e dos diálogos, no almoço, evidenciava o alto grau de conhecimento e de consciência política em relação ao problema fundamental do nosso petróleo. No limitado período de 11 de março de 1987 ao presente - um ano apenas transcorrido - a Comissão, com o apoio de mais de 70 organizações da sociedade civil, e a presença de membros do Poder Legislativo e do Executivo, demonstrou estar à altura da tradição de luta da entidade que coordenou, de 1948 a 1953, em âmbito nacional, a mais larga, profunda e ininterrupta campanha – vitoriosa – de toda a História pátria, o militante Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, o CEDPEN. Centro que enfrentou perseguições – demissões, expulsões, prisões, torturas – bem como a tática torpe do silêncio (bem remunerado!) dos meios de comunicação e a ação cúmplice dos entreguistas, no Governo ou fora dele.
ACERVO DEJEAN MAGNO PELLEGRIN
O começo das atividades da Cinemateca do Museu de Arte Moderna: na primeira fila, à direita, Mary Ventura; de óculos, Dejean Pelegrin. Aqui e ali, Leon Hirszman, Cacá Diegues, David Neves, Marcos Farias, que criariam o Cinema Novo, e Saulo Pereira de Melo, o pesquisador e cinéfilo que salvou Limite, de Mário Peixoto. A foto é do acervo pessoal de Dejean.
“MEUS JOVENS, EU ESTAVA AQUI!” Freqüentador do Auditório da ABI desde 1946, Dejean viu desde então o muito que aconteceu nesse espaço, como o embrião da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, os ciclos de diferentes cinematografias estrangeiras e o namoro dos futuros criadores do Cinema Novo com a chamada Sétima Arte. É o que ele conta neste depoimento especial. POR D EJEAN M AGNO P ELEGRIN
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eu namoro com o cinema começou cedo, pois já com cinco anos eu ia com nossa secretária doméstica às sessões das quintas-feiras no Cine Progresso, o Cinema Velho, do seu Vertulli, em Campo Grande. Lá, me lembro, vi Cleópatra, de De Mille, O Conde de Monte Cristo, com Robert Donat, A Ilha do Tesouro, com o menino Jackie Cooper, todos de 1934. Tenho saudades do vaqueiro de cabelo prateado, Hopalong Cassidy. Mas em 43 deixei Campo Grande indo para Vila Isabel, freqüentando, então, o velho Vila, da 28, o Boulevard, ao lado da Praça Barão de Drumond. Aliás, muitas vezes meu colega de poeira era o Leon; recordo-me ter visto com ele Madrugada de Traição (Naked Dawn, 1955), de Edgar George Ulmer, e Por Amor Também se Mata (Ge Ran All the Way, 1951), realizado por John Berry. Pois foi com minha ida para Vila Isabel que comecei a freqüentar, já em 1946, o Auditório da ABI
para ver algumas sessões de cinema. Naquele ano, quando foi fundada a Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos, por iniciativa do crítico Jonald (Osvaldo Marques e Oliveira), a ABCC passou alguns filmes lá, sendo seu primeiro presidente Pedro Lima, incansável defensor do cinema brasileiro durante toda a sua atividade de crítico. Em 1948, Alex Viany, Luiz Alípio de Barros e Moniz Vianna fundaram o Círculo de Estudos Cinematográficos, fazendo suas projeções, claro!, na ABI. E lá estava eu em suas sessões, quando tive então a oportunidade de ver meus primeiros clássicos, que conhecia da leitura do livro de Sadoul – Lê Cinéma, son art, sa technique, son économie –, tais como Entr’act, 1924, de René Clair, que muito me impressionara. No ano seguinte, Alex e Vinicius de Moraes lançam na ABI no 9° andar, onde está situado o auditório, a revista Filme, que viveu apenas dois
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números. Pena, pois era muito boa; seu primeiro número tinha na capa Chaplin em Monsieur Verdoux. Na ocasião do lançamento da revista foi apresentado um filme, com algumas palavras de Alex. Infelizmente, não me recordo qual película fora escolhida para aquele evento. Em 1951, o Círculo de Estudos Cinematográficos, sempre na ABI, exibe uma coleção de fitas antigas e modernas, pertencentes a Alberto Cavalcânti, quando o conheci. Já no ano seguinte, 1952, o Círculo do Rio de Janeiro, prosseguindo em suas projeções, apresentou programas fornecidos pela Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo, com o título de Retrospectiva do Cinema Silencioso. Em 1955, o Setor de Cinema do Mam-RJ inicia no mês de julho suas sessões cinematográficas no Auditório da ABI, sessões essas mensais com filmes sobre arte. Depois, as projeções passaram a ser
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REPRODUÇÕES
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quinzenais, depois semanais. Somente no final de 1957 o Setor de Cinema do Mam passa a ser Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A Cinemateca do Rio continuou suas sessões na ABI até 1960, quando se transferiu para o Parque do Flamengo, lá ficando até hoje. Cláudio Bueno Rocha, Jorge Natal Pinheiro da Costa e o autor destas linhas fundaram em 1956 o Cineclube Museu de Arte Cinematográfica, com suas exibições na ABI. O Mac, como era conhecido, teve duração efêmera, apenas seis meses, mas importante, iniciando suas atividades com uma mostra de filmes realizados por Alberto Cavalcânti e que foram cedidos pela Cinemateca Brasileira. Em 2 de fevereiro de 1957 era fundado o Grupo de Estudos Cinematográficos da União Metropolitana dos Estudantes, que fez sua primeira sessão no auditório da Casa dos Jornalistas, com a projeção do filme japonês O Sino de Nagasaki, provavelmente realizado por Kaneto Shindo, segundo Ely Azeredo. Como complemento, o Gec da Ume, como ficara conhecido aquele cineclube, exibiu a comédia Assalto no Banco (1915), com Chaplin. As exibições eram semanais, todos os sábados às 20h em ponto. A partir de junho do mesmo ano de sua fundação, o Gec passou a realizar suas sessões no auditório do Mec, deixando então o Auditório da ABI definitivamente. O Gec da Ume foi fundado pelo escriba destas notas e por José Paes de Andrade, ambos estudantes universitários à época. Além das sessões cinematográficas no Auditório da ABI, há de se lembrar certos fatos e pessoas sempre com relação ao cinema. Para mim, um dos fatos mais importantes, senão o mais importante, é que em suas exibições de filmes da Cinemateca na ABI, como as do Mac e as do Gec da Ume, as sessões eram todas freqüentadas por todos aqueles jovens que mais tarde fundariam o Cinema Novo, tais como Leon Hirszman, Walter Lima Júnior, David Eulálio Neves, Marcos Farias, Miguel Henrique Borges, Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni. Assim, podemos afirmar que o Auditório da ABI foi um dos cadinhos para a formação cultural cinematográfica dos criadores do Cinema Novo. Sem deixar de mencionar que igualmente eram freqüentadores assíduos daquelas sessões Cosme Alves Neto, que muitos
No Star Club Dejean assistiu pela primeira vez Miyamoto Musashi, com Toshiro Mifune (E), um dos melhores filmes de samurai já realizados. Em 16 de novembro de 1973 o Cineclube Macunaima realizava sua primeira exibição com O Bandido Giuliano (Salvatore Giuliano), de Francesco Rosi.
anos mais tarde, precisamente em 1964, por indicação minha, fora secundar José Sanz na própria Cinemateca; Haroldo Martins, que em 18 de dezembro de 1958 fundara juntamente com este escriba a Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro, tendo sido eleito seu Vice-Presidente; e last but not least Saulo Pereira de Mello, o homem que salvou Limite de ser perdido. Sempre e ainda no anos 50, talvez 1958 ou 1959, o projecionista da ABI, o Osvaldo, Vadinho para nós íntimos, disse-me que um clube de japoneses freqüentado por isseis, nisseis e sanseis – Star Club, seu nome — fazia projeções no Auditório, todos os domingos, às 9 horas da matina. Assim, já no domingo seguinte fui assistir a um dos filmes nipônicos apresentados pelo Star Club. Vadinho apresentou-me ao diretor do clube, um jovem nissei estudante de Medicina, que gentilmente me convidou para a sessão. Senti-me como um estranho no ninho, pois parecia eu estar no Japão, já que toda platéia era constituída de japoneses, os idosos, bem idosos sobretudo, ou de origem nipônica. O filme era Miyamoto Musashi, fita em três partes, realizada por Hiroshi Inagaki em 1954, tendo como o samurai invencível o ator Toshiro Mifune. Assim, tornei-me assíduo penetra das domingueiras nipo-cinematográficas do Star Club, levando comigo meus amigos Leon, Miguel, Marcos, David, Walter, Zé Paes, Cláudio Bueno, Carlos Perez e Saulo. O Partidão também teve seus dias de glória no Auditório da ABI, pois o crítico e cineasta Yolandino Maia passava uns filmes político-doutrinários e educativos de qualidade discutível realizados pelo próprio Yolandino. Aquelas sessões não deixaram saudades ... O crítico de cinema Jonald, o homem da ABCC, apresentou na ABI, durante alguns anos, nos idos de 50, uma mostra de filmes de balé cujas sessões eram bastante concorridas. Jonald realizou um filme, Estrela da Manhã, em 1950, tendo no elenco Paulo Gracindo, Dulce Bressane e Fregolente. Outro jornalista e crítico de cinema, Alberto Shatovsky igualmente realizou sessões cinematográficas no auditório do Edifício Herbert Moses. Lá
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pude ver, então, programado por ele, o documentário de I. Rozemberg Secas, Odisséias do Nordeste, realizado em 1957 e produzido pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo-Ince. Nem só de projeções cinematográficas vivi na sala da ABI, pois, além de freqüentada pelos futuros cinema-novistas, ela recebeu também a visita de um jovem baiano com uma lata debaixo do braço que continha a bobina de seu primeiro filme. O jovem era Gláuber e o filme era O Pátio. Naquela noite, um sábado, o Gec da Ume apresentava mais uma de suas sessões. Quando adentrava o 9° andar,dei com o baiano cabra da peste me procurando. Estava eu posto em sossego à porta do Auditório para receber sempre um espectador retardatário. E eis que se me apresentava aquele moço moreno de cabelos encaracolados e perguntando-me se eu conhecia o Dejean. Perguntei-lhe por que me procurava. Respondeu-me Gláuber se eu conhecia Pascoal Carlos Magno, pois queria mostrar-lhe seu filme. Resumo da ópera: no dia seguinte levei-o ao Catete e lá apresentei-o ao Pascoal. Assim, conheci Gláuber e pude ver O Pátio em sua companhia e na de Pascoal. Logo depois parti para a Europa, quando revi GR somente em 1962, em Paris, vindo da Tcheco-Eslováquia, onde concorreu com Barravento no Festival de KarloviVary daquele ano, ganhando o Grande Prêmio. Outro cineclube importante e que realizava suas sessões na ABI foi o Macunaíma, fundado por Mauricio Azêdo e outros em 1973. Nele, Azêdo sempre deu um lugar de destaque ao cinema brasileiro, discutindo-o e analisando-o. Sua primeira sessão foi realizada em 16 de novembro com a projeção de O Bandido Giuliano (1961), do diretor italiano Francesco Rosi. O Cineclube Macuníma encerrou suas atividades em 1985, colaborando com presença marcante para a cultura cinematográfica de seus freqüentadores. Cinemas estrangeiros pouco conhecidos no Brasil tiveram ampla oportunidade de serem apreciados pelos brasileiros em projeções feitas no já histórico Auditório da ABI. Assim, o atual Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak, nos idos de 1980 e 1981 realizava respectivamente as mostras de cinema romeno e de cinema chinês, com as colaborações dos institutos culturais daqueles países.
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“MEUS JOVENS, EU ESTAVA AQUI!”
Com projeção de Pamplona, um clássico de Griffith de quatro horas de duração “Passamos Intolerância quatro vezes”, conta o cenógrafo que revolucionou as escolas de samba. AGÊNCIA O GLOBO/JORGE PETER
Aos 81 anos de idade, Fernando Pamplona é um dos mais importantes artistas brasileiros da sua geração. Foi cenógrafo do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, professor da Escola Nacional de BelasArtes e um dos mais importantes carnavalescos do Carnaval do Rio. Nesta última função foi o introdutor das primeiras transformações estéticas das escolas de samba cariocas, nas quais conciliou a arte erudita com a popular. De início foi muito criticado e acusado de descaracterizar os símbolos e tradições das agremiações carnavalescas. Apesar das críticas, também mereceu elogios daqueles que acreditam que ele, de forma peculiar, soube manter com a merecida dignidade o sambista no primeiro plano do espetáculo. No início da década de 1950, Fernando Pamplona era um dos assíduos freqüentadores do festejado Polígono Cultural do Centro do Rio, e na ABI participava ativamente do ciclo de cinema coordenado por Alex Viany: — Eu me lembro de ter visto na ABI a realização do I Ciclo de Estudos Cinematográficos do Rio de Janeiro. Na época começou um grande interesse pelo cinema, então o Alex Viany reuniu-se a Moniz Vianna e Luiz Alípio de Barros, que assinava com o pseudônimo de O Comendador a coluna de gastronomia do jornal Última Hora, para fundar o Ciclo, que foi um dos primeiros cineclubes do Brasil. O único lugar que aceitava a realização desse movimento era a ABI. Pamplona se lembra das sessões semanais de cinema que eram realizadas no Auditório Oscar Guanabarino da ABI e de ter sido encarregado da projeção de uma película do cineasta David W. Griffith: — O filme era Intolerância, de Griffith, com cerca de quatro horas de duração, e foi trazido pelo Mário Brasini. Realizamos quatro exibições dessa obra na ABI. Pamplona recorda que no início dos anos 50 todas as principais manifestações e espaços culturais eram concentrados no Centro da cidade. Havia muito pouca ou quase nenhuma programação sendo desenvolvida nas Zonas Sul e Norte: — Fora do Centro não havia nada de cultura. A primeira galeria de arte em Copacabana foi criada pelo argentino Bonino, e o primeiro teatro foi REPRODUÇÃO
Em 1998, Ary Vasconcellos, Diretor das Atividades Culturais da ABI, promoveu a 1ª Mostra Humberto Mauro, convidando-me para sua curadoria. Iniciamos a retrospectiva em 16 de abril com o filme Carros de Bois, documentário curta-metragem de 1975, e o longa O Canto de Saudade, realizado em 1952 pelo único gênio do cinema brasileiro. Ao todo, foram apresentados oito filmes dirigidos por Humberto Mauro, entre eles sua obra-prima Ganga Bruta (1933). Desde 2007, a Diretoria de Cultura e Lazer da nossa ABI, sempre sob a batuta de Chediak, uma vez por semana, às segundas-feiras, às 18h30min, apresentou alguns filmes brasileiros e, sempre que possível, com a presença do realizador para um debate, após a exibição, com os espectadores. Porém, a partir deste ano de 2008, as projeções foram realizadas todas as quintas-feiras, mantido o mesmo horário. As sessões cinematográficas do Estação ABI foram retomadas a partir de abril, fazendo parte da comemoração do centenário da Casa, com a mostra A imprensa no Cinema, em que foram apresentados filmes brasileiros e estrangeiros, abordando o tema, com a supervisão de Jesus Chediak e sob minha curadoria. Concluindo, podemos afirmar que a ABI teve e tem ainda uma participação importante na difusão da Sétima Arte através de projeções periódicas em seu auditório, assim como um local que faz parte da história do nosso cinema. Aliás, cremos que o edifício da ABI deveria ser tombado como patrimônio cultural e político, já que momentos importantes de nossa política e de nossa cultura foram desenrolados em seu auditório. Antes de finalizar este meu depoimento, veiome agora à memória um fato acontecido nos anos 50, bem provavelmente em 1957-1958, quando estávamos eu e meu amigo Gil Araújo, grande conhecedor do cinema americano, visitando uma exposição de fotos no 9° andar da ABI, quando percebemos que estavam passando um filme para os velhos – sobretudo no sentido biológico, com todo o respeito – freqüentadores da Casa. O filme já tinha começado há alguns minutos, mas mesmo assim tivemos a ousadia de entrar para ver o que passava. Já com apenas cerca de dez minutos sentimos que a fita era muito boa, um bangue-bangue série B. Ali, naquele momento descobrimos um ótimo diretor americano, Budd Oscar Boetticher. O filme era Sete Homens Sem Destino (Seven Men From Now), de 1956. Desde 1946 até hoje nunca deixei de freqüentar o Auditório da ABI – não apenas para suas sessões de cinema, porém também para outros eventos –, mas com intervalos devidos à minha ausência no Brasil. Assim, posso dizer: “Meus jovens, eu estava aqui!”
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Pamplona: A ABI era um dos núcleos mais destacados do Polígono Cultural do Centro do Rio nos anos 40 e 50.
o Geysa Bôscoli, que era um teatrinho de bolso. Os programas aconteciam mesmo no Polígono formado pela ABI, a Associação Cristã de Moços, o Hotel Avenida, onde hoje é o Edifício Marquês do Herval (Avenida Rio Branco, 185), local em que aconteciam exposições de pintura. Na Rua São José ficavam a Casa Cavalier, onde os pintores acadêmicos e modernos se reuniam, e próximo dela a Livraria São José, ponto de encontro de pintores, escritores e cineastas, como Alex Viany: — Todo o movimento cultural do Rio era centralizado nesse polígono de cultura do qual também faziam parte o Teatro Ginástico e a Sociedade de Belas-Artes, onde nasceu a gravura brasileira, através do Carlos Oswald, e toda uma geração de artistas que se formou nesse corredor cultural do antigo Distrito Federal. Fernando Pamplona diz que testemunhou os grandes debates que eram promovidos no auditório da ABI e outras atividades artísticas importantes, como a primeira exposição de arte moderna, dirigida pelo artista plástico Santa Rosa, que também era cenógrafo do Teatro Municipal: — Esse período reuniu um grupo muito bom do qual faziam parte Quirino Campofiorito, Mário Pedrosa e Mário Barata. Eram esses personagens que movimentavam o Vermelhinho, onde eu conheci o Alberto Dines e a Eneida, uma das poucas mulheres da turma, que freqüentava assiduamente o Polígono Cultural juntamente com a pintora Djanira. (Depoimento a José Reinaldo Marques)
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UMA FASE DE OURO DA IMPRENSA E DA CULTURA DA ANTIGA CAPITAL Sócio da ABI desde 1952, quando tinha 20 anos, Alberto Dines acompanha a evolução da Casa, da imprensa e da cultura desde os anos 50 e faz uma avaliação positiva desse momento da História. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES
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urgência de ser tornada sem efeito a recente portaria, que limitou a ação dos representantes dos jornais junto às repartições policiais(...)”. UMA ENTIDADE REPRESENTATIVA Foi essa ABI que Alberto Dines, fundador do Observatório da Imprensa, encontrou quando se associou à entidade, em 6 de março de 1952. Com 56 anos de filiação à ABI, aos 76 anos de idade, ele é um dos mais antigos associados da Casa. Dines chegou à ABI quando tinha 20 anos de idade e estava envolvido com cinema e teatro. Chegou a fazer um curso de pantomima no Serviço Nacional de Teatro-SNT, mas a sua ambição era trabalhar no meio cinematográfico. Acabou conseguindo o seu primeiro emprego como jornalista na revista Cena Muda, como crítico de cinema. Por causa dessa experiência, foi conviDines era vidrado por cinema quando começou a freqüentar a ABI. Um emprego como critico cinematográfico da revista Cena Muda capturou-o para o jornalismo.
JORNAL DO COMMERCIO DO RIO DE JANEIRO
década de 1950 marca um período de ouro da imprensa e da cultura do Rio de Janeiro, então capital do País. A avaliação é do jornalista Alberto Dines, que lembra que a ABI, da qual é Conselheiro, despontava como uma das atrações do polígono cultural que se formou no Centro do Rio, juntamente com o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas-Artes e o Ministério da Educação e Cultura-Mec, atual Palácio Gustavo Capanema. Nesse começo de década, em 1952, a ABI lançava o Boletim da Associação Brasileira de Imprensa e celebrava o 21º aniversário da administração do Presidente Herbert Moses. O Relatório Anual de Atividades emitido nesse ano informa que, no aspecto administrativo e do fortalecimento institucional, o ano anterior fora muito auspicioso para a entidade — tanto do ponto vista das iniciativas visando aos interesses da classe jornalística e ao bem-estar dos associados, como também das atividades sócio-recreativas promovidas pela Casa do Jornalista. Foi na sede da ABI que em 1951 a Associação Brasileira de Críticos Teatrais, então presidida por A. F. Lopes Gonçalves, realizou com muito êxito o I Congresso Brasileiro de Teatro. No mesmo ano a ABI cedeu suas modernas instalações para a exibição de filmes e realizou 251 concorridas sessões cinematográficas, 78 delas com produção própria. As sessões acabaram se tornando tradicionais no roteiro cultural da cidade, bem como as montagens teatrais dirigidas ao público infantojuvenil, uma novidade nessa época. Para se ter uma idéia da representação da ABI como importante centro de iniciativas sócio-culturais do Distrito Federal basta consultar o número de pedidos de utilização do Auditório Oscar Guanabarino, localizado no 9º andar do edifício-sede da entidade, que foi aberto para a realização de dezenas e dezenas de atos e manifestações coletivas, entre os quais 125 concertos, 33 conferências e 32 espetáculos de teatro. No campo político, a ABI, fiel aos seus princípios, se mantinha atenta aos casos de tentativa de violação das liberdades de imprensa e de expressão. Nesse contexto, foi então muito comentado o ofício enviado pelo Presidente Herbert Moses ao Chefe de Polícia do Distrito Federal, General Ciro Resende, no qual a ABI se manifestava “contra a ameaça de cerceamento da liberdade de imprensa” por parte da Polícia da capital, que era subordinada ao Governo Federal e vinculada ao Ministério da Justiça. O prefeito da cidade era também nomeado pelo Presidente da República.
No documento, expedido em junho de 1951, a ABI chamava a atenção para os prejuízos causados à utilidade pública por uma portaria baixada pelo Chefe de Polícia, que impedia que os jornalistas tivessem livre trânsito para apuração de notícias nas repartições policiais. A oposição dos jornalistas à portaria do General Ciro Resende inspirou muitos protestos da Diretoria da ABI, que pedia a urgente revogação da medida, como forma de os profissionais de imprensa poderem exercer livremente as suas funções, como destaca um trecho do ofício assinado pelo então Presidente da ABI: “(...) Por má compreensão dos termos da portaria, ou por circunstâncias que esta Associação desconhece, algumas autoridades policiais vêm dificultando, e impedindo mesmo, que os jornalistas possam colher informações sobre fatos públicos e notórios e os fotógrafos exerçam as suas atribuições normais. Devo esclarecer a
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Jornal da ABI UMA FASE DE OURO DA IMPRENSA E DA CULTURA
A IMPRENSA SE MODERNIZA O fim do Governo Dutra e o início do segundo mandato de Getúlio Vargas coincidem com a fase de modernização da imprensa do Rio. Em 1949 houve a criação da Tribuna da Imprensa. Em 1951 surgiu a Última Hora, jornais que, apesar da riva-
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dado pela revista Visão para assumir a função de repórter de assuntos culturais. A partir daí Dines abandonou um pouco o cinema para se profissionalizar como jornalista: — Comecei na profissão em 1952 e o meu registro profissional no Ministério do Trabalho é do dia 25 de agosto do mesmo ano. Naquele tempo para exercer a profissão de jornalista era imperioso ter o registro na carteira profissional, e antes de tudo estar também registrado na ABI, e não no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do então Distrito Federal. Dines considera que esta é uma situação curiosa e dá a dimensão da representatividade da ABI em relação ao Sindicato naquele período. A tramitação do processo de filiação de um jornalista na ABI era muito mais difícil do que no Sindicato: — Para obter o registro o profissional tinha que cumprir uma série de exigências, como carta de recomendação de associados, declaração da empresa, ou seja, faziam-se exigências bem mais complicadas do que no Sindicato dos Jornalistas. Ele conta que o Sindicato não tinha o mesmo prestígio institucional da ABI “porque foi criado numa forma artificial, de cima para baixo, no período do Estado Novo”. Ele ressalta que na esteira do paternalismo do Governo Vargas o Sindicato oferecia vantagens que faziam que fosse procurado por gente que não tinha nada a ver com a imprensa, mas que acabava sendo aceita. Uma dessas vantagens era o desconto de 50% em passagens aéreas. Todo jornalista sindicalizado tinha direito a esse benefício nas companhias nacionais de aviação. Outra grande vantagem que atraía muita gente para o Sindicato, inclusive quem não era jornalista, era a isenção do Imposto de Transmissão na compra de um imóvel na capital: — Se o profissional estivesse vinculado ao Sindicato dos Jornalistas e quisesse comprar um imóvel era liberado do pagamento desse imposto. Isso era uma grande vantagem naquela época e atraía um bando de pessoas. Infelizmente, essa situação só foi corrigida depois de uma intervenção no Sindicato, que acabou com esses benefícios indevidos e que tinham sido criados para atrair qualquer um visando à arrecadação de mensalidades. Na ABI o processo de associação era mais rigoroso. Qualquer pedido de filiação tinha que passar por uma comissão de sindicância. O pretendente a sócio tinha que apresentar uma carta de recomendação assinada por sócios efetivos. Como entidade representativa dos jornalistas de maneira geral, a ABI tinha um quadro social composto por donos de jornais e jornalistas profissionais de todas as categorias. Era então muito mais complicado se associar à ABI do que ao Sindicato dos Jornalistas. Neste último, no início dos anos 50, lembra Dines, “as exigências eram pro forma, ou seja, muito mais simples”. Em 1952, a ABI era a entidade que representava a imprensa brasileira no seu conjunto. Getúlio Vargas ocupava pela segunda vez o cargo de Presidente da República, e o País vivia um clima de democracia. Não se tinha registro de grandes atentados contra a liberdade de imprensa, embora no Governo anterior, do Presidente Eurico Dutra, “tenham sido cometidas algumas violências políticas, legalizadas pelo Congresso, como o fechamento do Partido Comunista”.
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Em seu segundo Governo, Vargas continuou a prestigiar Moses: a ABI representava o conjunto da imprensa, que iniciava experiências importantes, como a criação de Útima Hora e da revista Visão, a primeira no padrão norte-americano.
lidade política, Dines considera que eram revolucionários: — A Tribuna era um jornal muito bem escrito, muito inteligente, e a Última Hora um jornal moderno nos padrões dos vespertinos franceses, com design de paginadores argentinos trazidos pelo Samuel Wainer. Em 1952, o Diário Carioca fez a sua famosa reforma, que instituiu não apenas o lide como inovação, mas criou também um jornalismo muito mais qualificado, com textos bem escritos, inteligentes e instigantes. No mesmo ano foi lançada a revista Manchete para concorrer com a O Cruzeiro. O diretor do Observatório da Imprensa considera que a primeira década dos anos 50 foi um período muito rico da imprensa. Ele mesmo participou de uma experiência importante, que foi o lançamento da revista Visão, a primeira revista editada no padrão americano, no formato da Time, depois adotado por todas as revistas brasileiras (Veja, IstoÉ, CartaCapital, entre outras). “Tudo isso aconteceu em 1952. Foi uma época de ouro da imprensa brasileira, capitaneada de forma majestosa pela ABI”, diz.
Um detalhe que para Alberto Dines deve sempre ser destacado sobre esse período é que enquanto nas redações dos jornais o clima era de serenidade e criatividade e com alto índice de produção qualitativa de notícias, o Governo era democrático e não criava ameaças ao exercício profissional: — Sendo assim a ABI quase não tinha trabalho, lidava apenas com episódios restritos. Problemas mesmo a entidade passou a ter em 1954 com a morte de Getúlio, quando houve alguns empastelamentos e tentativas de censura. Afora isso, vivemos um período de ouro no qual o jornalismo explodiu, e a ABI aparece soberana como a grande casa da imprensa brasileira e sobretudo da cultura. Não se pode falar em imprensa sem falar de cultura.
O Polígono Cultural mais badalado Circulavam nesse espaço do Centro do Rio Drummond, Bandeira, Nássara, Eneida, Austregésilo, Vinícíus, Antônio Maria, Lúcio Rangel, Vila-Lobos, habituê do bilhar-francês da ABI. Alberto Dines acha que o Rio de Janeiro perdeu um pouco da sua importância nacional, mas tem boas recordações de um período glorioso do então Distrito Federal, no qual a ABI se destaca, por estar inserida no polígono de cultura mais importante da cidade. — Além da sede da ABI, projeto moderníssimo dos arquitetos irmãos Roberto, nesse Polígono Cultural encontram-se o Ministério da Educação, obra-prima da arquitetura moderna, com projeto de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa e desenho inicial de Le Corbusier; o Museu Nacional de BelasArtes, construção do início do século XX, no estilo clássico; e mais adiante o Teatro Municipal, fac-
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símile da Ópera de Paris e um prédio lindíssimo, muito mais bonito que o de São Paulo. No aspecto da beleza, Dines compara o Municipal ao Teatro Colón, de Buenos Aires e ressalta a importância da Biblioteca Nacional, como integrante do polígono de cultura, “por causa do seu fantástico acervo de livros, trazido pela Corte de Dom João quando abandonou Portugal”. Na avaliação de Dines, outro fator extremamente significativo é que bem próximo desse importante pólo da cultura brasileira estavam sediados grandes jornais, como o Jornal do Brasil, na Avenida Rio Branco, e a Tribuna de Imprensa, na Rua do Lavradio, na Lapa.
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DIVULGAÇÃO/SEXTANTE
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No Polígono Cultural que tinha como um dos limites o Teatro Municipal (abaixo, com a visão panorâmica da Avenida Rio Branco), havia footings diários de estrelas da literatura, como Drummond (à esquerda), Guimarães Rosa, Bandeira.
to. O ambiente funcionava como uma redação improvisada, que atendia aos que trabalhavam como freelancers, ou aqueles que após a cobertura que faziam do Senado ali preparavam suas matérias, para em seguida enviá-las aos jornais: “Os repórteres se sentavam em um daqueles tabiques e ali batucavam as suas matérias”, lembra Dines. Nesse mesmo ambiente ficavam as mesas de sinuca e bilhar-francês, um café e um bar. Muita gente importante freqüentava habitualmente o salão de estar da ABI: — Uma dessas pessoas que eu via sempre e lamento não ter tido a coragem de conversar, de pedir um autógrafo, foi o gênio da música erudita brasileira Heitor Vila-Lobos. Ele ia sempre lá jogar a sua sinuca, sempre fumando o seu charuto. Era um homem muito divertido. Confesso que por causa de uma timidez inconcebível num jornalista nunca tive a coragem de conversar com ele. O V ERMELHINHO Em frente à sede da ABI, na Rua Araújo Porto Alegre, funcionava um restaurante conhecido como Vermelhinho, por causa das cadeiras de vime vermelhas colocadas na calçada. O local era o ponto de encontro de jornalistas, artistas e de intelectuais que freqüentavam o Ministério da Educação e depois do expediente ali se reuniam para um animado bate-papo: — Eu me lembro de que o jornalista Austregésilo de Athayde, que era o eterno Presidente da Academia Bra-
REPRODUÇÃO
A ABI, lembra, era a confluência desse processo cultural e jornalístico, além do Senado, que ficava instalado no Palácio Monroe, “num prédio muito bonito na Cinelândia, mas que infelizmente foi destruído”: — O Senado era freqüentado todas as tardes pelos repórteres políticos, que depois do expediente eram vistos circulando no ambiente dentro do polígono da cultura. Muitos órgãos importantes do campo cultural usavam o Edifício Herbert Moses, sede da ABI, para promover suas iniciativas. Um deles foi o Serviço Nacional de Teatro-SNT, que na época era a única escola de arte teatral em funcionamento no Rio de Janeiro, com promoção de cursos e seminários: — Nesse período eu conheci a Henriette Morineau. Ela encenava grande parte dos seus espetáculos na Cinelândia, que além dos cinemas tinha muitos teatros também, cerca de quatro funcionando regularmente, como o Dulcina. Vivíamos nesse momento uma efervescência cultural tremenda. No histórico da ABI, com base em relatos e documentos, pode se constatar que o seu salão de estar (localizado no 11º andar) era um concorrido espaço de trabalho, lazer e cultura, que reunia profissionais da imprensa e personalidades do mundo das artes. Em tom nostálgico, Dines recorda também o entra-e-sai de jornalistas que ali encontravam refúgio para escrever suas reportagens diárias. No salão havia à disposição dos repórteres tabiques muito bem organizados, com resma de papel e máquinas de escrever em boas condições de funcionamen-
sileira de Letras, ia com muita freqüência ao Vermelhinho. E me recordo sobretudo de um funcionário do Ministério da Educação, discretíssimo, que depois do expediente ia até lá tomar um café e conversar, que era o Carlos Drummond de Andrade. Outro que também freqüentava o Vermelhinho era o Manuel Bandeira, que inclusive morava na Esplanada do Castelo, perto do restaurante. Conta Dines que os dois poetas se davam muito bem e normalmente o Bandeira ia até o prédio do Ministério encontrar-se com o Drummond; de lá seguiam juntos para o Vermelhinho. Naquela época, o meio de transporte mais novo era o lotação, que andava pela cidade em alta velocidade fazendo malabarismos, causando sustos no trânsito em passageiros e nos pedestres. Dines recorda uma piada envolvendo um drama de Drummond e Bandeira por causa dos lotações: — Consta que certa ocasião os dois poetas iam atravessar a rua e quando já estavam no meio da pista o Bandeira virou-se para o Drummond e disse: “Carlos, depressa, pois o lotação já nos viu” (risos). Conta-se essa piada que eu não sei é verdadeira, mas que dá uma idéia do clima que havia entre os intelectuais da época. O Vermelhinho também era freqüentado pelo artista plástico Santa Rosa, que era um grande cenógrafo do Teatro Municipal e também dava aulas nos cursos do SNT. A lanchonete era uma mostra da efervescência política e cultural do então Distrito Federal: — O Nássara e a Eneida , botafoguense, famosa cronista e carnavalesca, também eram habitués do Vermelhinho, juntamente com a turma que trabalhava em outras repartições públicas. Chegavam às 5 da tarde, quando acabava o expediente, e ficavam ali até às 7 da noite, tomando um cafezinho, consumindo uma média com pão e manteiga e outras delícias, para depois seguirem para suas casas. O grupo às vezes se dividia, os jornalistas mais abonados iam tomar um uísque no bar Vilarinho, na Avenida Presidente Wilson, próximo da Academia Brasileira de Letras. Lá se encontravam com personalidades da música popular, como Vinícius, Lúcio Rangel e Antônio Maria: — Enquanto isso os menos abonados iam para uma leiteria famosa na Cinelândia, chamada Alvadia, comer um sanduíche e tomar um copo de leite ou uma coalhada, porque era mais barato, e depois seguiam para as suas casas. Realmente naquele pedaço funcionava a fábrica de cultura do Rio de Janeiro, e tudo isso acontecia muito próximo dos jornais.
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SEU NOME: HEITOR VILA-LOBOS O autor de Bachianas Brasileiras manteve com a ABI uma relação que se estendeu por mais de 40 anos. Morador de um prédio vizinho, nos momentos de lazer vinha curtir o prazer de desafiar adversários no salão de sinuca da Casa. POR M AURÍCIO A ZÊDO *
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lguns dos nossos contemporâneos – são poucos, raríssimos, dado o longo tempo decorrido – ainda se lembram da presença do Maestro Vila-Lobos no Edifício Herbert Moses, sede da ABI. Dois deles – o compositor Monarco, um dos líderes da Velha Guarda da Escola de Samba Portela, e Alberto Dines, criador do Observatório da Imprensa — expuseram suas lembranças do criador de Bachianas Brasileiras em depoimentos ao repórter José Reinaldo Marques publicados neste Volume 2 da Edição Especial do Centenário. Um (Monarco) conheceu Vila-Lobos no final dos anos 40, quando trabalhava na ABI como contínuo – office boy, chamava-se então; outro (Dines), no começo dos anos 50, quando, recém-filiado à Casa, oscilava entre a paixão pelo cinema, que seria a opção de seu coração, e o jornalismo, que acabou por se impor como meio de sobrevivência.
Vila-Lobos já era então um compositor erudito de renome internacional e festejado como a maior expressão da música clássica no País e do esforço para sua divulgação na massa do povo. Por inspiração e sob a direção dele instituíram-se nos anos 30 o ensino de música e o canto orfeônico na rede de ensino público da então capital da República, o ensino primário, como se dizia então, e parte do ensino secundário, o curso ginasial, diziase na época. Sob a sua batuta realizaram-se gigantescos espetáculos de canto, com a participação de algo acima de 60 mil escolares, como os realizados no estádio do Clube de Regatas Vasco da Gama nos anos 30 e na primeira metade dos anos 40, nas monumentais celebrações do Dia da Independência promovidas pela ditadura do Estado Novo, com a presença e sob a presidência do ditador, Presiden-
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te Getúlio Vargas. Vila-Lobos regia o coro massivo com paixão, agitando-se nos movimentos com as mãos e os braços, a cabeleira farta também agitada pela movimentação e pelo vento. Muitos escolares, crianças e adolescentes, ígnoravam seu nome; citavam-no como o Maestro Vira-Lobo. Vila não era um adepto, um corifeu ou admirador do Estado Novo, mas via no regime uma forma eficaz de realizar seu sonho de popularização da música erudita, de promover valores do folclore do País, com os quais se familiarizara em excursões pelas diferentes regiões, nas quais recolhera na década de 20 contribuições e motivações para suas obras. As idéias de civismo que o Estado Novo pregava e difundia, sob a inspiração e a direção de Lourival Fontes, criador do Departamento de Imprensa e Propaganda, o Dip responsável pelo controle da informação e da doutrinação do regime, correspondiam
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Jogador de bilhar-francês, habituê da nossa sede, criador do nosso hino, gênio.
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em inúmeros aspectos às concepções de Vila-Lobos em relação à identidade nacional, à necessidade de preservação e cultivo de valores essenciais para a formação da consciência coletiva. Na sessão especial que o Conselho Administrativo da ABI realizou em 31 de março de 1987 em homenagem a Vila-Lobos na passagem do seu centenário, o jornalista José Gomes Talarico lembrou que as convicções políticas do compositor eram objeto de questionamentos desde a época da criação, em 11 de agosto de 1937, da União Nacional dos Estudantes-Une, da qual Talarico foi um dos fundadores. Embora tolerada pelo Governo Vargas, a nova entidade era cenário de acirrada luta política, pois um forte segmento do nascente movimento estudantil era contrário ao Estado Novo. Vila-Lobos compusera o Hino da Juventude, criação considerada simpática ao regime, e essa suspeita de simpatia estendia-se ao autor da obra. “O próprio Vila-Lobos rebateria a acusação, afirmando que recebera ao tempo de Vargas apoio oficial à sua arte, mas ele próprio, Vila-Lobos, nunca alimentou preferências políticas”, disse Talarico, então Conselheiro da ABI e atualmente decano do Conselho Deliberativo da Casa. Também participante dessa sessão do Conselho, o jornalista e escritor Hélcio Pereira da Silva, autor de numerosa obra de crítica literária e de biografias de escritores sob a assinatura H. Pereira da Silva, observou que Vila-Lobos fundira em suas criações o folclore brasileiro e elementos da música erudita européia, expressando-se em linguagem própria. “Vila-Lobos tinha uma personalidade singular, de homem na aparência brusco, mas de sentimentos generosos. Era um extrovertido que encobria a benevolência”, disse Hélcio, contando que muitas vezes foi parceiro e adversário de Vila-Lobos em partidas no Onze, como era chamado o Salão de Estar da ABI. “Ele jogava bilhar maravilhosamente”, completou. Era esse Vila-Lobos que podia ser visto com freqüência no Salão de Estar do 11º andar da sede da ABI, inaugurada parcialmente em setembro de 1938 e que oferecia aos associados da Casa e seus convidados belas e demoradas oportunidades de convivência. A imagem e o vulto de Vila-Lobos eram inconfundíveis. Homem de boa envergadura, com freqüência em mangas de camisa, após deixar o paletó e a gravata na portaria do Onze, quando ia direto da rua para a ABI, sem passar em
Um diálogo no bilhar Para assinar o ponto no bilhar-francês da ABI bastava a Vila-Lobos atravessar a Rua Araújo Porto Alegre. Foi em 1936, ano em que Herbert Moses iniciou a construção da sede da Casa, que ele passou a morar praticamente em frente. Casado em segundas núpcias com sua ex-aluna Arminda Neves de Almeida, carinhosamente chamada de Mindinha, ele alugou o citado apartamento 54 do número 56 da Rua Araújo Porto Alegre, num edifício que tinha entrada também pela Avenida Graça Aranha, 145, atualmente seu único acesso. Vila-Lobos jogava sempre com os mesmos parceiros, mas podia ter adversários eventuais, quando um dos seus companheiros se atrasava ou faltava. Foi o que se deu uma vez na década de 1950, quando, sem adversário, convidou o associado Hélcio Pereira da Silva para enfrentá-lo. Vila não foi feliz no confronto. Com a partida definida em seu
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SEU NOME: HEITOR VILA-LOBOS
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Austero nos momentos solenes, como neste em que ladeou Moses, Vila-Lobos cultivou uma relação afetiva com a ABI por mais de 40 anos, a maior parte como sócio da Casa, a que se filiou em 1921 e na qual se manteve até falecer, em 1959.
casa, ele se destacava por tudo isso e pelo imenso charuto que prendia entre os dentes enquanto brandia o taco. Uma foto histórica dele com o charuto e o taco em posição de quem imagina uma poderosa jogada figura agora no fundo do Salão de Sinuca da ABI, no mesmo Onze que ele freqüentou. O espaço agora tem seu nome: Salão Vila-Lobos. Monarco, que começou a trabalhar na ABI com 14 anos incompletos e que foi funcionário da Casa de 1947 a 1951, contou a José Reinaldo Marques que todo final de tarde Vila-Lobos podia ser visto no Onze praticando seu passatempo favorito: o bilhar-francês. Vale a pena transcrever, sem impertinência na repetição, já que o depoimento de Monarco publicado nesta Edição Especial contempla outros momentos de sua história como funcionário da ABI, esta evocação da presença de VilaLobos no Onze. Diz Monarco: — Ele chegava por volta das cinco da tarde e ia direto se juntar à turma do bilhar-francês – jogo sem caçapa, com três bolas, cuja meta é usar uma delas para tocar nas outras numa única tacada —, que também é conhecido como carambola. Tupi,
favor, Hélcio provocou-o. Quando desembrulhou um disco que acabara de comprar, Vila indagou: — De quem é? Hélcio respondeu: — Tchaikowski, maestro, a Patética. Vila-Lobos retrucou: — Dos piores é o menos mau. Irreverente, Hélcio respondeu: — Se o senhor, maestro, compusesse uma sinfonia assim, saía rindo sozinho pela rua. A narração do episódio foi encontrada por Paulo Renato Glérios em artigo de Hélcio Pereira da Silva publicado na Revista de Teatro, da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais-Sbat, em edição comemorativa do centenário de Vila Lobos. Hélcio encerrava assim seu relato, segundo a transcrição de Glérios: “Vila-Lobos olhou-o surpreso. Acabou rapidamente o jogo e, ofendido, guardou seu taco, seu giz e seu avental. Comentou secamente: — Hoje não tenho parceiro. E retirou-se do local.”
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meu companheiro de labuta e de farra, era quem engraxava os sapatos dele, e eu ficava encarregado de comprar os seus charutos e sanduíches de presunto no Tangará, um bar no Centro, que fechou há três anos. UM COMEÇO TURBULENTO O primeiro contato de Vila-Lobos com a ABI deuse de forma turbulenta. Vila havia organizado em abril de 1918 um concerto em benefício de um orfanato, com uma orquestra de 80 músicos – 80 professores, dizia-se então – e um coro composto por 200 crianças. O evento não produziu o resultado econômico esperado, através do “patrocínio da alta sociedade”, que não se fez presente na quantidade desejada, e desembocou num insucesso artístico, pois a apresentação final não contou com o coro infantil que Vila-Lobos intentara exibir. No mês seguinte, Vila-Lobos participou como instrumentista de um concerto vocal e instrumental promovido pela ABI em benefício de um sonhado Retiro dos Jornalistas Inválidos. Desde os sete anos o pequeno Heitor fora iniciado na execução de instrumentos por uma rígida disciplina imposta pelo pai, o músico Raul Vila-Lobos, que o fez aprender clarineta com essa idade. Com oito anos, tocava duetos de violoncelo com o pai; aos nove anos, executava duetos de clarineta.”Aos 10 anos – contou num esboço autobiográfico nunca concluído – era obrigado por ele a discernir o gênero, estilo, caráter e origem das obras musicais que me fazia ouvir.” O evento da ABI deu-lhe a idéia de pedir o apoio da entidade para um concerto que realizaria três meses depois, no dia 15 de agosto, também com renda em benefício do tal Retiro dos Jornalistas Inválidos. A ABI acedeu ao pedido e se associou à organização do concerto, que reuniria 86 músicos – os tais professores – e incluía na programação peças criadas por Vila-Lobos. Do ponto de vista artístico o concerto mereceu elogios da crítica especializada, como na crônica publicada por O País em 16 de agosto, dia seguinte à récita, em que, sem assinatura, o titular da coluna Música dizia que, “sem fazer referência especial a esse ou aquele número de música”, “a impressão que o auditório e nós com ele recebemos foi de sincero apreço por esse rapaz que, sem dúvida, revela decidida vocação para a música sinfônica, assim como para o gênero dramático da ópera”.
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UMA PLACA ESMAECIDA À esquerda da entrada do prédio da Avenida Graça Aranha, 145, uma placa registra a presença de seu morador mais famoso, com dizeres que, esmaecidos pelo tempo e pelo abandono, agora são lidos com certa dificuldade: “Edifício onde passou a residir desde 1936, em segundas núpcias, o maestro Heitor Villa-Lobos, compositor que deu ao Brasil voz de destaque no concerto das Nações Unidas”. Em homenagem a um dos seus mais renomados sócios, a ABI vai propor ao condomínio do edifício 145 o refazimento da placa que celebra o autor de — dentre mais de 1.500 composições — nove Bachianas, 14 choros, 18 concertos, dos quais cinco para piano, 17 quartetos de cordas e canções e peças para piano; um compositor que aparece no site da Amazon em 1.195 cds e consta no You-Tube com 20.600 vídeos postados com suas músicas, como registra pesquisa-análise do jornalista João Batista Natali.
A Canção de Vila-Lobos e Murilo Araújo Somos bandeiras, asas da idéia Bocas da Pátria, clarins de epopéia Palpitantes nos corações formemos Co’ros d’estrelas de ouro. Somos bandeiras, asas da idéia Bocas da Pátria, clarins de epopéia Cada qual que sonhe o céu do país no qual nasceu. E acendamos da claridade os luzeiros da mocidade! Asas da idéia, bocas da Pátria, clarins de epopéia! Com o próprio coração do mundo, nosso pulsar, Como um tambor, marcou, profundo, As lutas sem par. Vivemos tudo, sombra e sol, festins, flagelos, glória, Guerra, o Bem puro, o Mal perverso Vibrando, nós somos antenas do Universo. Com pensamentos, as turbinas, a imprensa produz Nas catadupas das bobinas Milagres de luz, luz, luz que doura ruínas e troféus, Luz guiadora, luz da verdade, luz dos céus! Somos as forças Voz, verbo, vida de cada segundo, Persistentes d’alma do mundo Somos as forças Vimos lutar por dias novos Unindo os povos! Nós heróis d’alma do mundo Voz, verbo, vida de cada segundo! Pena audaz pelo Bem, O Amor e a Paz implantemos. Somos as forças na humanidade De germes bons de fraternidade. Da eternidade: Voz, verbo, vida de fraternidade.
Diz Paulo Renato Guérios que “o resultado do primeiro grande concerto não foi, pois, a consagração esperada por Vila-Lobos, mas um grande desastre financeiro, que ele se viu obrigado a cobrir”. “Por isso, só realizaria outro concerto desse porte em 1921, quando sua situação já era bem diversa”, diz Guérios, que acrescenta: “Mesmo asssim, o concerto ajudou a divulgar seu nome. As críticas publicadas a respeito dessa e das outras primeiras audições de Vila-Lobos no Rio de Janeiro foram em geral positivas e animadoras. Não houve, como se afirma nos estudos sobre o compositor, nem “tremenda oposição e debates” acerca desses concertos, nem críticas ferozes às obras. Isso só passou a ocorrer após VilaLobos tornar-se mais conhecido, anos depois de sua primeira apresentação.” NEM MOSSA NEM MÁGOA O incidente desse agosto de 1918 não deixou mossa na relação de Vila-Lobos com a ABI, tanto que em 26 de janeiro de 1921, menos de três anos após o malogrado concerto em favor do Retiro dos Jornalistas, ele se tornou sócio da Casa, com a qual manteve forte vinculação afetiva até seu passamento, em 1959. O proponente de sua admissão, Paulo Magalhães, era um jovem admirador, também um neófito da ABI, na qual ingressara três meses, em 22 de outubro de 1920. Assim como Vila-Lobos, Paulo, nascido em 22 de janeiro de 1900, teria prolongada vinculação com a ABI, na qual manteve atuação de ponta até seu falecimento, em 7 de novembro de 1972. Jornalista e teatrólogo de prestígio, Paulo Magalhães era também festejado como autor do hino oficial do Clube de Regatas do Flamengo (“Flamengo! Flamengo!/Tua glória é lutar/Flamengo! Flamengo! /Campeão de
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terra e mar!/De terra e mar!”; o outro, “Uma vez Flamengo,/Sempre Flamengo”, de Lamartine Babo, é o hino da massa, não-oficial). Embora com renome no País e no exterior, VilaLobos cumpria com regularidade suas obrigações como sócio da Casa, na qual foi admitido na categoria Militante, aquela que confere direitos plenos ao sócio. No item ocupação constava que ele era “escriptor” e crítico musical, sem indicação do veículo em que exercia a crítica. No item filiação, houve um erro depois corrigido, pois seu pai era mencionado como Antônio Vila-Lobos, e não como Raul Vila-Lobos, o nome correto. Ao longo de sua militância, seu número de matrícula mudou várias vezes, em razão da revisão periódica que a ABI promovia no quadro social. Na ficha mais antiga preservada, relativa aos anos 1938, l939 e 1940, ele aparece com a matrícula 262, que substituiu a anterior 371; depois, recebeu as matrículas 194e 146, que detinha quando de seu falecimento, em 1959. Vila-Lobos era rigoroso no pagamento de suas mensalidades ou anuidades, que ele quitava no começo do exercício, como se deu nos anos 1938 a 1940 e ao longo das décadas inteiras nos nos anos 40 e 50. Ao morrer, em novembro de 1959, ele estava com a contribuição quitada para o ano inteiro. O curioso é que, apesar da imagem reproduzida com freqüência nos meios de comunicação, ele não abria mão de sua carteira de sócio da ABI. Como registra a documentação da Casa, ainda que cheia de lapsos,ele a requereu, como os sócios comuns, nos exercícios de 1943, 1953 e 1954, como se precisasse de algum documento especial de identificação. Em 1943 e 1954, pediu a carteira no começo do ano, logo no mês de janeiro. Em 1953, requereu-a em 14 de agosto, para não deixar o ano passar sem essa prova de sua vinculação gremial. Nesses anos, já morava no prédio fronteiro ao da ABI, na Rua Araújo Porto Alegre, 54, onde ocupava o apartamento 54. Uma pergunta se impõe: que outra motivação senão o orgulho de se identificar também com o jornalista o levava a requerer a carteira social da Casa? Além da presença constante no Onze, Vila-Lobos compôs em 1940 o que seria o hino da ABI, por ele denominado Canção da Imprensa, com música de sua autoria e versos de Murilo Araújo, jornalista e poeta de tendência simbolista então mais jovem que ele, o qual participou com o Grupo Festa do Movimento Modernista de 1922 e teve poesias traduzidas para sete idiomas — castelhano, francês, italiano, alemão, inglês, esperanto e ídiche —, como registram Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza em sua Enciclopédia de Literatura Brasileira. Uma prova do apreço de Vila-Lobos por esta criação, cuja partitura está depositada no Museu VilaLobos, é que ele a registrou em 1942 nos Estados Unidos para fins de copirraite.
* Pesquisa de André Lima de Alvarenga e Maurício Azêdo. Apoio de documentação: Adalberto do Nascimento Cândido. Colaboração: Cláudia Souza.
REFERÊNCIAS ACERVO MUSEU VILA-LOBOS, Rio de Janeiro. O Paiz, Jornal do Commercio, Correio da Manhã, 15, 16 e 17 de agosto de 1918. Partitura da Canção da Imprensa, de Murilo Araújo e Heitor Vila-Lobos. GLÉRIOS, Paulo Renato. Vila-Lobos – O Caminho Sinuoso da Predestinação. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2003. COUTINHO, Afrânio, e SOUZA, J. Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira. São Paulo, Global Editora, Fundação Biblioteca Nacional (Departamento Nacional do Livro), Academia Brasileira de Letras, 2001. JORNAL DA ABI. Villa-Lobos na ABI. Março-abril de 1987. Acervo Biblioteca Bastos Tigre, Associação Brasileira de Imprensa, Rio de Janeiro. NATALI, João Batista. Compositor de muitas faces é unanimidade globalizada. In Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, 8 de janeiro de 2009, página 1.
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“Heitor Vila-Lobos é fecundo, fecundíssimo compositor, pois as idéias lhe brotam do cérebro em abundância, nem sempre frescas, convém se notar, mas com evidente espontaneidade. Entretanto, a aglomeração é tanta que o autor se vê embaraçado em coordená-las”, disse o crítico, que arrematava sua análise com a previsão de que VilaLobos ofereceria muito mais em sua obra: “Em suma, um novo e bem aguerrido combatente na arena da arte nacional, já o temos. O que ele merece da crítica honesta e de quantos amam a arte nesta terra é sincero encômio pelo que já fez e novo e vigoroso estímulo para que continue a cultivar a arte com amor, com dedicação, a fim de que possamos um dia saudar nele o digno sucessor do nosso inesquecível Carlos Gomes.” Na biografia Vila-Lobos – O Caminho Sinuoso da Predestinação, Paulo Renato Guérios relata que “o concerto foi um grande fracasso de público” e “todos os jornais criticaram a ABI por sua falta de interesse em apoiar e divulgar o compositor”. O crítico mais acatado da época, Oscar Guanabarino, do Jornal do Commercio e que dá nome ao principal auditório da ABI, no nono andar do atual Edifício Herbert Moses, registrava que “não se compreende que uma festa em favor do Retiro dos Jornalistas, patrocinada, como dizem os programas, pela Associação de Imprensa, não lograsse encher o Teatro Municipal, o que talvez tivesse acontecido por falta de notícias reclames, o que também não se explica, quando é certo que todos os jornais cuidam carinhosamente de ativar propagandas em favor de quanto beneficio por aí se projeta”. A repercussão negativa do fracasso de público do concerto levou o Presidente da ABI, João Guedes Melo, a escrever longa carta ao Correio da Manhã, na qual esclarecia que a iniciativa de realização do concerto em benefício do Retiro fora de Vila-Lobos, que propôs asssumir o encargo de fornecer as partituras e organizar a instrumentação e o ensaio dos artistas; a ABI pagaria as despesas, organizaria a venda dos ingressos e ficaria com os lucros. A Diretoria da ABI não concordou, para “não arriscar o patrimônio social em aventuras problemáticas”, mas incumbiu-se de conseguir a cessão do Teatro Municipal, como obteve, gratuitamente, porém assumindo as despesas de limpeza e pessoal, e fazer a divulgação do evento. Queixavase João Melo de que “os jornais, que têm a memória fraca, não publicaram nem a quarta parte das notícias e dos anúncios que lhes pedimos”. Na carta João Melo admitia que “o teatro ficou quase vazio”.
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“O PRESIDENTE TRUMAN ME PÔS NA RUA” Atual líder da Velha Guarda da Portela, Monarco era pouco mais que adolescente quando o Presidente dos Estados Unidos Harry Truman visitou o Brasil e esteve na ABI, onde ele trabalhava como contínuo. A visita de Truman à Casa foi um desastre para Monarco, como ele conta quase 60 anos após o incidente. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES
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onsiderado obra de referência da arquitetura moderna, o Edifício Herbert Moses, sede da ABI, no Centro do Rio de Janeiro, é também lembrado além do seu valor arquitetônico. Do Presidente Getúlio Vargas ao bispo sul-africano Desmond Tutu (Prêmio Nobel da Paz em 1984), pelas dependências da Casa do Jornalista passaram grandes vultos dos segmentos jornalístico, artístico, político e cultural nacionais e estrangeiros. Além disso, no salão de estar do 11º andar da ABI conviveram o erudito e o popular, nas figuras do Maestro Heitor Vila-Lobos e do compositor Monarco, que na época, apesar da pouca idade, já demonstrava talento para cantar e fazer sambas. Mais tarde, o sambista viria a se tornar uma das principais personalidades da música popular brasileira. Monarco foi funcionário da ABI de 1947 a 1951, e ingressou na Casa ainda adolescente: — Quando cheguei à ABI, ia fazer 14 anos. Colocaram-me para trabalhar no salão de estar do 11º andar (atualmente Salão Vila-Lobos), mas eu também fazia serviços de entrega de correspondência na casa dos associados e nas redações dos jornais. Tive dois chefes, o Machado e o Moacir, com quem me dava muito bem. Sempre que penso na ABI é com muita saudade daquele tempo de alegrias na entidade. Na época, conta Monarco, a área de lazer dos associados era muito freqüentada. Lá ele teve a oportunidade de conhecer gente importante do meio jornalístico e do mundo das artes também: — O ambiente estava sempre lotado e foi onde eu conheci Nássara, Abdias do Nascimento, o Barão de Itararé (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly) e Vila-Lobos. O maestro morava na Avenida Graça Aranha, próximo à sede da ABI. Todo final de tarde VilaLobos era visto no prédio praticando o seu passatempo favorito: — Ele chegava por volta das cinco da tarde e ia direto se juntar à turma do bilhar-francês - jogo sem caçapa, com três bolas, cuja meta é usar uma delas para tocar nas outras numa única tacada e que também é conhecido como carambola. Tupi, meu companheiro de labuta e de farra, era quem engraxava os sapatos dele, e eu ficava encarregado de comprar os seus charutos e os sanduíches de presunto no Tangará, um bar no Centro, que fechou há três anos. Monarco trabalhou pouco tempo na ABI (cerca de três anos), mas o vínculo que criou com a As-
sociação é tão intenso que, ao ouvi-lo falar sobre a Casa, se tem a impressão de estar escutando o compositor relembrar um samba nostálgico, sobre uma grande aventura de amor que marcou muito a sua vida. Seus olhos brilham quando se recorda do clima das festas de Natal, com as listas que circulavam entre os jornalistas, para angariar fundos e comprar brindes que eram distribuídos ao grupo dos funcionários mais humildes, do qual ele fazia parte. Entre os bons momentos que a ABI lhe proporcionou um foi o dia em que o então Presidente do Flamengo, Dario de Melo Pinto, abriu as portas da Gávea para que os funcionários disputassem um torneio de futebol: — Um amigo do Dario, o jornalista Paulo Magalhães, pediu e ele emprestou o campo para a turma da ABI jogar uma pelada contra os meninos de Osvaldo Cruz (Zona Norte). Monarco era muito ligado a um outro funcionário conhecido como Tupi. Os dois formavam uma dupla formidável, não só no ponto de vista funcional, mas também nos momentos de descontração, em que costumavam fazer do salão de estar um ambiente onde o samba era espetacular. Era uma época em que a ABI costumava recepcionar grandes personalidades, como Eva Perón e o Presidente dos
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Estados Unidos Harry Truman, que de passagem pelo Brasil visitou a Casa do Jornalista. O então Presidente Herbert Moses fez as honras da Casa a Harry Truman. Ele sabia como ninguém recepcionar os visitantes e se encarregou de mostrar as dependências do prédio ao Presidente. Foi então que aconteceu um fato inusitado, que resultou na demissão de Monarco. Ele e Tupi foram flagrados no salão de estar encenando um desfile de escola de samba: — O Doutor Moses nos pegou em flagrante. Eu com uma vassoura na mão, imitando um portaestandarte, e o Tupi batucando em uma lata. Estávamos dançando e cantando samba como se estivéssemos numa passarela de desfiles. Não deu
Celebrado como um dos maiores compositores da Escola de Samba Portela, Monarco tem o samba nas veias desde menino. Foi essa paixão que o fez perder seu emprego na ABI, quando Truman visitou o Brasil.
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para perceber a sua chegada, em companhia do Presidente americano, porque ele abriu a porta sem fazer barulho e deparou com aquela cena. O Presidente Truman olhava sem entender o que estava acontecendo. Só sei que o Doutor Moses ficou aborrecido, não demorou muito fui demitido. Monarco ainda trabalhava na ABI quando começou a compor os seus primeiros sambas: — Eu já fazia a minha água-com-açúcar, meu boicom-abóbora, e fiz um samba em homenagem ao Cartola. Cantei para Nássara, que chamou VilaLobos para ouvir. Era uma composição com rima um pouco pobre, mas ali eu já demonstrava o meu dom. Monarco diz que continuou aprimorando os versos, quando em 1952, aos 17 anos, compôs Retumbante vitória, em homenagem à sua querida Portela: — Esse foi pra valer e a Portela cantou o meu samba na cidade. Mais tarde o João Nogueira gravou este samba com o título Passado da Portela. Era um samba de terreiro, que a escola cantava antes de entrar no desfile, para aquecer os componentes. Eu me lembro que fiquei atrás de um poste emocionado vendo a Portela cantar o meu primeiro samba. Foi uma alegria muito grande. Mesmo antes de integrar a ala da Velha Guarda da Portela, Monarco conviveu com sambistas importantes, mas lamenta não ter tido a oportunidade de estar mais próximo de Paulo da Portela, um dos fundadores da escola, pois quando chegou à azul-e-branco de Madureira, este havia brigado com a diretoria e se afastado da agremiação: — Só nos víamos nas batalhas de confete em Osvaldo Cruz — conta Monarco. Em 1962, Paulo da Portela veio a ser enaltecido por Monarco no samba Meu Passado de Glória, cuja letra falava também de Cartola (‘Paulo e Claudionor/Quando chegavam na roda de samba abafavam./Todos corriam pra ver ’): — Eu fiz este samba em homenagem ao Paulo, Cartola e Ismael. Senti muita saudade do Paulo quando ele se afastou e foi para a Lira do Amor (escola de samba), em Bento Ribeiro. Eu gostava tanto do Paulo que fiz uma parceria póstuma com ele em Quitandeiro. Era um samba que só tinha uma primeira passagem, eu então fiz a segunda. Falei com a família, eles concordaram e receberam os direitos autorais. Monarco acha que a Velha Guarda da Portela vive um momento de extrema felicidade. Recentemente ele conseguiu realizar um antigo sonho, que foi colocar uma imagem do Paulo da Portela na quadra da escola: — Conseguimos inaugurar um busto do Paulo dentro da Portela. Ele não voltou para a escola em vida, mas agora está novamente junto de nós. Para os portelenses isso representa muito, era o sonho de todos, desde a sua morte, quando quisemos velar o seu corpo na quadra, mas a esposa dele não permitiu. Monarco garante que, mesmo afastado, Paulo da Portela espiritualmente sempre esteve ligado à escola, ao lado do lendário Natal, que foi Presidente da agremiação: — Natal era o destemido, o valente; Paulo, o poeta. Os dois fizeram muito pelo samba e pela Portela. No início dos anos 70, Monarco conheceu o cronista carnavalesco Juvenal Portela, que o levou para
Como outros chefes de Estado, o Presidente Truman desfilou no Rio em carro aberto. No encontro com membros da ABI, Moses, que era poliglota, saudou-o em inglês. Ao lado de Truman, à esquerda, estava Heitor Beltrão, Vice-Presidente da Casa.
o Jornal do Brasil, como guardador de automóveis. No JB, teve contato com Juarez Barroso, José Ramos Tinhorão, Carlos Lemos e Oldemário Touguinhó. — Eles me deram muito apoio e diziam que eu ia viver de música, porque tinha muito talento – conta. Foi nessa época que as portas para o mundo da música começaram a se abrir: — Tudo começou a dar certo. A minha veia poética floresceu. Fiz o samba Tudo te darei meu amor” (1972), em parceria com o Walter Rosa, que foi gravado por Martinho da Vila. Esse samba abriu as portas para que eu entrasse no meio musical e deixasse de ser guardador de carros, como eu fazia no Jornal do Brasil. Monarco é autor de cerca de 200 sambas, a maioria gravada. — O baú está recheado — diz, lembrando que no tempo em que começou a compor poucos tinham acesso às gravadoras, principalmente o compositor do morro: — Nós resistimos. Eu me mantive fiel às tradições da linha do samba de terreiro, que aprendi com Paulo da Portela, Alcides, Cartola e o malandro histórico Carlos Cachaça. Nunca enveredei pelo modismo e acabei merecendo o elogio desses bambas. Monarco se diz agradecido a Deus pelo dom da
“Eu já fazia a minha águacom-açúcar, meu boi-comabóbora, e fiz um samba em homenagem ao Cartola. Cantei para Nássara, que chamou Vila-Lobos para ouvir.”
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poesia e por ter herdado a musicalidade do pai, José Felipe Diniz, poeta mineiro de Ubá, terra de Ari Barroso. E se sente muito feliz de ver os filhos Mauro e Marquinho Diniz e a neta Juliana seguindo os seus passos na carreira musical. Atualmente Monarco é o líder da Velha Guarda da Portela, antes liderada pelos parceiros Ventura e Manacéia. Ele acredita que caiu em suas mãos a proposta de manter o samba verdadeiro, sem se desviar das tradições. Se antes era perseguido, o samba agora ganhou status de patrimônio cultural do País. Posição que, estima, jamais poderá ser perdida: — O nosso dever agora é manter essa condição e não deixar a peteca cair. Ver o meu samba na fidalguia dos salões, no Teatro Municipal, deixando de ser marginalizado, é tudo de bom. Sobre a ABI, Monarco se considera gratificado por ter feito parte do quadro funcional da Casa e pela ajuda que recebeu em um momento de dificuldade, quando esteve doente e a entidade abriu o seu auditório para que nele se realizasse um show em seu benefício, com a participação de Roberto Ribeiro, Candeia e Paulinho da Viola, entre outros: — São coisas que jamais vou esquecer. Meus discos foram vendidos na portaria, para angariar fundos e pagar o meu tratamento. Desejo muitas felicidades à ABI pela passagem do seu centenário. Especialmente ao Presidente Maurício Azêdo, que conheci quando ainda era um jovem jornalista. Ele continua trabalhador e conduzindo muito bem a sua missão. Além disso, fico contente por causa desta oportunidade que ele me deu de contar a minha história com a Casa.
TRUMAN, SUKARNO, ACHESON, KENNEDY, O SEDUTOR FIDEL
COM O PODER INSTALADO NO RIO, A ABI ERA UMA ESPÉCIE DE ANTE-SALA DO ITAMARATI A ABI acolheu nos anos 50 e 60 inúmeros visitantes ilustres que vinham ao Brasil para manter conversações sobre diferentes assuntos ou simplesmente para cultivar relações de amizade com o País.
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apital da República, centro do poder nacional, e destino principal dos visitantes, o Rio tinha na ABI uma bela amostra do que o Brasil podia exibir, pela majestade do edifício que Herbert Moses, então Presidente da Casa, conseguira erguer numa região da Cidade valorizada por magnífico conjunto de edificações de grande porte e imponência: o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas-Artes, a Biblioteca Nacional, o Supremo Tribunal Federal, as sedes do Clube Naval e do Jóquei Clube Brasileiro; mais ao fundo, o Ministério da Educação, hoje Palácio Gustavo Capanema, tudo sem o fedor de xixi que hoje infesta a área. Na ABI realizavam-se as entrevistas coletivas dos visitantes, sempre ciceroneados por um anfitrião poliglota – Moses. A Casa era uma espécie de ante-sala do Itamarati, que tinha na Avenida Marechal Floriano uma sede belíssima, ao fundo de bem cuidado jardim com árvores majestosas, mas afastada do Centro nevrálgico da Cidade, a área onde as coisas aconteciam. Além de Truman, a ABI recebeu o Presidente Sukarno, cuja imagem era aureolada por sua atuação como condutor da independência da Indonésia do domínio japonês, em 1945, e como um dos líderes do nascente Movimento dos Não-Alinhados. Antes, o visitante foi o poderoso Secretário de Estado norte-americano Dean Acheson, que viera negociar com o Governo do Brasil a participação nos organismos e nas ações de enfrentamento com a União Soviética no começo da Guerra Fria. Nos anos 60, sob a ditadura militar que se instalara no País, outro destacado político norte-americano fez no saguão térreo do então já chamado Edificio Herbert Moses candente exaltação da liberdade e das instituições democráticas: o Senador Robert Kennedy, candidato à Presidência dos Estados Unidos, que pouco depois morreria assassinado. A visita de Acheson foi o detonador de grave crise interna na ABI. Em protesto contra o representante norte-americano e a missão belicosa que ele viera desenvolver, membros da União da Juventude Comunista-UJC, atuante braço do Partido Comunista Brasileiro, gravaram a piche na fachada do prédio a palavra de ordem então lançada pelo PCB: Fora Acheson. A mutilação do prédio, a menina dos seus olhos, deixou Moses extremamente irritado com os sócios da ABI reconhecidos como comunistas. Ele mandou colocar um tapume para cobrir a inscrição, poupando Acheson da contemplação da frase hostil, emitiu indignada declaração de repúdio, denunciou o ato em sessão do Conselho Administrativo da Casa e fechou a cara durante bom tempo a quantos considerou suspeitos de solidários com o ato. (Diga-se que o piche utilizado nos protestos da época era de extrema aderência: passados alguns anos, apesar do tratamento permanente para re-
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Moses ficou encantado com Fidel Castro ao recebê-lo em 5 de maio de 1959. Fidel foi o visitante da ABI mais festejado.
moção de vestígios do protesto, ainda era possível ver a sombra das letras do Fora Acheson.) A mais ruidosa das visitas deu-se em maio de 1959, quando a ABI recebeu os revolucionários que meses antes haviam derrubado o sanguinário regime de Fulgencio Baptista, ditador de Cuba: Fidel Castro, o líder da guerrilha de Sierra Maestra, e vários de seus indômitos companheiros, entre eles os legendários Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara. Recobertos pela aura de heróis, Fidel e seus camaradas deixaram em festa o coração de Herbert Moses, que não disfarçou seu deslumbramento diante de visitantes tão especiais. Moses (18841972) contava então com 75 anos e remoçou uns bons pares deles diante do sedutor Fidel Castro Ruz, um gigante de quase dois metros que ele tomou pelo braço e conduziu pela Casa com os olhos brilhando de alegria, a exibi-lo como ambicionado troféu. Quase 50 anos depois da visita de Fidel ao Brasil o jornalista Nilo Dante relembrou em bela reportagem (O dia em que Fidel abalou o Rio, O Dia, 24 de fevereiro de 2008, página 29) aquilo que ele classificou como “uma jornada inesquecivel”. Em 6 de maio, véspera do retorno da delegação a Cuba, Fidel madrugou no Batalhão de Guardas Presidencial, que programou exercícios militares em sua homenagem; almoçou com o Presidente Juscelino
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Kubitschek no Palácio das Laranjeiras; visitou o então Ministro da Guerra General Henrique Teixeira Lott em seu Gabinete; participou de um comício na Esplanada do Castelo e, por fim, foi homenageado com um almoço por famoso advogado, José Nabuco, com a participação da alta sociedade do Rio. “Ali – contou Nilo Dante com visível maledicência —, acabou (Fidel) enfeitiçado pelos encantos de formosa dama, com quem viveu um discreto e ‘torrencial love affair’ – no dizer do colunista Ibrahim Sued, que, como bom repórter, jamais revelou nome e sobrenome, que, aliás, eram a própria fonte...” Dante, que cobriu a visita como repórter do Diário de Notícias, dá idéia do impacto jornalístico da vinda de Fidel ao arrolar os colegas que participavam da cobertura: “A meu lado, outros jovens repórteres como Cícero Sandroni, Murilo Melo Filho (hoje imortal da ABL), Márcio Moreira Alves, Walter Fontoura, Pedro Gomes, Francisco Pedro do Coutto e outros em que a memória não me socorrre. Sem falar nos inumeráveis repórteres-fotográficos, uma seleta de craques do ramo como José Medeiros, Adyr Vieira, Campanella Neto, Alberto Ferreira, Luigi Mamprim, Luís Carlos Barreto, Gervásio Batista e outros, que seguiam os barbudos para todo lado.” (Maurício Azêdo)
Jornal da ABI Os empreendedores e seus impérios jornalísticos
POR MARIO DE MORAES
CHATEAUBRIAND, DR. ASSIS OU CHATÔ
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DE COMO COMPRAR OBRAS DE ARTE É bem verdade que, de acordo com os que o criticam, a maioria daquelas obras foi adquirida de forma não convencional. A coisa funcionava mais ou menos desta maneira: Chatô, por intermédio de experts em artes plásticas (um deles, Pietro Maria Bardi, ajudou-o a montar o Masp), localizava quadros ou esculturas de gente famosa, que estavam à venda ou iam a leilão. Se a obra lhe interessasse, ordenava ao seu representante, no país da venda ou do leilão, que a comprasse ou arrematasse. O passo seguinte era conseguir um patrocinador para a compra. Proprietário de poderosa e temida cadeia de jornais, rádios e televisões, denominada Diários e Emissoras Associados, Chateaubriand tinha um poder que dificilmente será igualado na imprensa brasileira. Aquele que o desgostasse sabia que seria implacavelmente atacado, uma vez que toda a mídia Associada seria jogada em cima dele. Trabalhamos 23 anos para o Dr. Assis e vimos isso acontecer diversas vezes. No caso das obras de arte, Chateaubriand quebrou a cara apenas uma vez. E isso de forma relativa, pois deu o troco e quase termina com a vitoriosa carreira de um empresário. Uma vez adquirido o quadro ou a escultura, o Dr. Assis escalava um dos seus conhecidos (não cabe aqui a palavra amigos) e mandava que ele pagasse a conta. Receoso, o escolhido preenchia o cheque. Quando chegou a vez de José Ermírio de Moraes, o caldo azedou. Zé Ermírio devolveu-lhe a fatura, mandando dizer que ele construísse o Museu às suas próprias custas. Pra quê! Furioso, Chateaubriand, que assinava uma muito lida seção no carioca O Jornal – órgão-líder dos Associados –, mandou brasa, desancando sem dó nem piedade o empresário paulista. A coisa chegou às raias do absurdo. Num de seus artigos, o Dr. Assis afirmou que Zé Ermírio era filho de Antônio Silvino, um cangaceiro do Nordeste.
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o dia 4 de abril de 1968, às 21h30min, falecia na cidade de São Paulo um dos mais polêmicos jornalistas brasileiros: Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo. Para a maioria dos que trabalhavam para ele, Dr. Assis. Para os mais íntimos, apenas Chatô. Figura das mais controversas, amado por uns poucos e odiado por muitos, embora passível de duras críticas, Assis Chateaubriand deixou algumas obras que, se não o absolvem, pelo menos diminuem a sua culpa. Suas campanhas para a fundação de aeroclubes e postos de puericultura pelo Brasil afora dificilmente serão esquecidas. E é forçoso associar o seu nome ao Museu de Arte de São Paulo-Masp, que detém a mais valiosa coleção de arte do Hemisfério Sul e é o único museu de Primeiro Mundo na América Latina.
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O homem que montou o primeiro império de comunicação no Brasil Talento precoce, ele começou em jornal com 14 anos, trocou o Direito pelo jornalismo e criou jornais, revistas, agências de notícias, rádios e emissoras de televisão, de que foi o pioneiro no País; de quebra, nosso único museu de Primeiro Mundo. Na atividade empresarial e na vida pessoal, seus métodos – digamos assim, com elegância – eram pouco ortodoxos.
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É claro que essa forma desonesta de agir não merece aplausos. Nem cinicamente diremos que os fins justificam os meios. O fato, porém, é que, graças a uma dúzia de milionários, Chateaubriand conseguiu juntar valiosíssima coleção de obras de arte. A GRANDE TACADA Nós acompanhamos o Dr. Assis em algumas de suas viagens. E vamos lembrar um fato dos mais interessantes, acontecido quando da inauguração de um aeroclube, numa cidade do interior nordestino. O Município ficava às margens do Rio São Francisco. Chegou a hora de batizar o teco-teco com champanhe. A madrinha do evento era Dona Darci Vargas, esposa do Presidente Getúlio. Irani, uma espécie de secretário particular do Dr. Assis, esquecera a garrafa no hotel, a muitos quilômetros de distância. Ele nos revelou o fato, mas tremia só de pensar no que lhe aconteceria se o patrão soubesse. Homem humilde, de pouca cultura, Irani correu até a margem do rio, apanhou uma enferrujada lata e a encheu com água do São Francisco. – Dr. Assis, às margens do São Francisco, o batismo se faz com a água do rio. O Velho Capitão – como o batizou o repórter David Nasser – exultou: – Muito bem, meu filho! E entregou o imundo vasilhame a Dona Darci Vargas, que despejou seu conteúdo na hélice do teco-teco. SEU PRIMEIRO DIÁRIO : O JORNAL Chateaubriand nasceu no dia 5 de outubro de 1892, na cidade paraibana de Umbuzeiro. Filho de um funcionário da Alfândega, foi obrigado a trabalhar desde cedo, para custear os estudos. Precoce, aos 14 anos já era jornalista, trabalhando no Diário de Pernambuco. Aos 23, formado em Direito, venceu o concurso para a cátedra de Direito Romano da Faculdade de Direito do Recife. Em 1913 ocupava o cargo de redator-chefe daquele diário pernambucano e em 1917 mudava-se para o Rio de Janeiro. Possuidor de vasta cultura, não foi difícil para Chateaubriand conseguir um bom cargo na então capital do País: consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores. O jornalismo, no entanto, continuava circulando em suas veias. Por isso passou a escrever para vários jornais, como o Correio da Manhã e o Jornal do Commercio. Seus vibrantes artigos sobre política internacional terminaram por chamar a atenção do Conde Pereira Carneiro, proprietário do Jornal do Brasil, que convidou Chateaubriand e este aceitou o lugar de redator-chefe do matutino. O Dr. Assis, no entanto, queria ser patrão. Por isso, em 1924, com o seu e dinheiro emprestado, adquiriu o O Jornal, que daria início a um poderoso império, formado por uma cadeia de veículos de comunicação que chegou a 34 jornais, 25 emissoras de rádio, 18 de televisão, 18 revistas e duas agências de notícias. Guardadas as proporções, pois os tempos não podem ser devidamente comparados, os Diários e Emissoras Associados eram bem mais poderosos do que é hoje a Rede Globo. Foi Chateaubriand quem trouxe a televisão para o Brasil, com a inauguração, em 1949, da TV Tupi de São Paulo, seguida, em 1950, da TV Tupi do Rio. Entre suas revistas pontificava O Cruzeiro, que chegou a vender quase 800 mil exemplares em
Pietro Maria Bardi (ao lado de sua esposa) ajudou Chateaubriand a montar um grande e valioso acervo de arte.
banca, quando a população brasileira era de pouco mais de 50 milhões de pessoas. DUAS VEZES SENADOR Uma contradição: Chateaubriand não permitiu, durante muito tempo, que seus colaboradores se metessem em política, pois acreditava que isso prejudicaria a imparcialidade das notícias. Mas foi ele mesmo que quebrou essa regra, elegendo-se senador por duas legislaturas. Em 1952, pela Paraíba, sua terra natal, e na eleição seguinte pelo Maranhão. Por diversas vezes Chateaubriand bateu de frente com Getúlio Vargas. Mas as desavenças entre os dois tinham vida curta, já que o proprietário dos Associados precisava do apoio do ditador para seus negócios. Em 1954 Chateaubriand foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, justamente na vaga deixada por Getúlio. OS ESCANDALOSOS CADERNOS DE IRANI Falamos em Irani. Pena que ele também já tenha morrido, pois não existiu ninguém, por mais íntimo que fosse do Dr. Assis, que o conhecesse tão bem. Irani Bastos era contínuo de O Jornal quando caiu nas graças do patrão. Foi transformado, então, da noite para o dia, no valet de chambre do Dr. Assis. E com o dono dos Associados correu quase todo o mundo, gozando da intimidade das maiores personalidades, muitas delas bajulando-o para obter as graças de Chateaubriand. Certa ocasião, na famosa Casa Amarela, na Rua Polônia, 550, na cidade de São Paulo, onde muito doente o Dr. Assis passou seus últimos anos, Irani nos contou que durante todo o tempo em que vinha convivendo com ele anotara em diversos cadernos o que ia acontecendo. Nos cadernos havia toda sorte de escândalos – inclusive sexuais –, muitos deles envolvendo políticos e empresários conhecidos, além de mulheres da alta sociedade,
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que tinham transado com o seu patrão. Tentamos de todos os modos ler essas confidências, mas Irani não nos deixou ver os valiosos cadernos. Quando Irani faleceu, soubemos que sua família os queimara. MULHERES NA CAMA Mas alguma coisa soubemos, em noite de confidências, quando dirigíamos a sucursal da revista O Cruzeiro em São Paulo. Irani nos contou que o patrão, apesar de quase totalmente paralítico, não raramente solicitava a presença de uma bela mulher ao seu lado na cama. Muitas delas, senhoras casadas, pernoitavam na Casa Amarela com o consentimento dos próprios maridos, que precisavam do apoio dos Associados. David Nasser era o mais famoso repórter da revista O Cruzeiro. Ele formava dupla com Jean Manzon, um excelente fotógrafo francês. Os dois já faleceram. Corria à boca pequena que Chateaubriand se valia de David para montar algumas de suas negociatas. Pouco antes da morte do Dr. Assis, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek nos disse que só tinha mágoa de um jornalista, justo o David. E citou um artigo que este escrevera naquele semanário. Contou-nos JK que, ao tempo em que era Presidente da República, o Dr. Assis queria uma grande quantia emprestada do Governo federal, mas não o atendeu. Daí os violentos ataques de David Nasser. Juscelino não confirmou, mas soubemos que ele acabou entregando os pontos e a violenta campanha terminou. A ORDEM IDIOTA DO J AGUNÇO Um dos prazeres do Dr. Assis era humilhar gente rica ou importante. De certa feita, em 1943, ele criou por pândega uma tal de Ordem do Jagunço, inaugurando sua sede na cidade paraibana de Catolé do Rocha. Os agraciados com a ridícula co-
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Chateaubriand lançou figuras notáveis no jornalismo, como David Nasser (no alto). Quando jovem, fazia questão de ler seus artigos em suas rádios, como a Tupi. O ex-premier britânico Winston Churchill (à direita) foi, sem saber, uma das vítimas de sua irreverência.
rio de Pernambuco, de Recife. Entre as rádios, a Tupi, do Rio de Janeiro.
menda recebiam uma medalha e participavam de inusitada cerimônia. O Dr. Assis colocava-lhes a ponta de um punhal sobre os ombros e obrigavaos a fazer um juramento. Muita gente graúda entrou nessa. Por incrível que pareça, Winston Churchill, o grande estadista inglês, se prestou a esse papel idiota. Em 1957, usando de todo o seu prestígio, o dono dos Associados conseguiu ser nomeado embaixador do Brasil na Grã-Bretanha, desmoralizando, para horror dos diplomatas ingleses, tudo que era cerimonial. Luciano Carneiro, repórter de O Cruzeiro, falecido num desastre de avião, que foi a Londres registrar a entrega das credenciais, contaria mais tarde que o Dr. Assis passara um bom tempo trancado numa sala com a Rainha Elizabeth. Do lado de fora, impedido de entrar, Luciano ouvia perfeitamente as risadas da soberana. Quando Chateaubriand saiu, o repórter quis saber o que acontecera lá dentro e o embaixador explicou: – Eu contei algumas anedotas de papagaio para ela.
MÁQUINA DE ESCREVER ESPECIAL Nós duvidávamos que o Dr. Assis pudesse realmente escrever seus artigos e discursos depois que ficara paraplégico, em virtude de dupla trombose cerebral que o acometera em 27 de fevereiro de 1960. Mas tivemos oportunidade de vê-lo, em sua casa paulistana, “datilografando”, com um só dedo e pacientemente, seus trabalhos numa máquina elétrica fabricada especialmente para ele. Como as teclas eram muito sensíveis, o Dr. Assis cometia muitos e involuntários erros. Aí entrava em cena, em São Paulo, a jornalista Margarida Izar, que copidescava a matéria. No Rio, esse trabalho era feito pelo saudoso jornalista José Chamilete, que foi diretor-responsável do carioca Jornal do Commercio. Após o falecimento do Dr. Assis, os Diários e Emissoras Associados, pejados de dívidas, foram quase totalmente à ruína. Restaram uns poucos veículos. Atualmente a direção do Condomínio Associado vem tentando salvar o que sobrou. Entre os jornais, o Correio Braziliense, do Distrito Federal, o Estado de Minas, de Belo Horizonte, e o Diá-
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CHATÔ , O HOMEM A vida particular de Assis Chateaubriand foi tão tumultuada quanto a profissional. Em agosto de 1915, Chatô associou-se a um escritório de advocacia do Recife, passando a trabalhar nele em tempo integral. Foi quando tomou conhecimento de que, em 1º de maio daquele ano, tinham sido abertas as inscrições para o concurso de professor de Filosofia do Direito e Direito Romano da Faculdade de Direito do Recife, e resolveu candidatar-se ao cargo. Nessa mesma ocasião ele passou a namorar Maria da Penha Lins de Barros Guimarães, mais conhecida como Poli. Considerada uma das moças mais bonitas e elegantes de Recife, ela era amiga de importantes intelectuais da época, como Manuel Bandeira, José Lins do Rego e Gilberto Freyre. Os rapazes a assediavam, mas ela terminou ficando noiva de Chateaubriand. Envolvido com os estudos para o concurso e atolado em inúmeros problemas, Chateaubriand, como era de seu feitio, lá um certo dia, intempestivamente, foi à casa de Poli e rompeu o noivado, deixando-a aos prantos. Chatô noivou novamente em 1924, mas por um curto período, com uma francesa, Jeanne Paulette Allard. E, como fizera com Poli, desmanchou o noivado às vésperas do casamento. Desiludida, ela voltou para a França, levando um filho de Chatô na barriga. Na França, o primeiro filho homem de Chateaubriand, nascido em Paris em maio de 1925, foi batizado como Gilbert (no Brasil ele virou Gilberto). Chatô prometeu aos pais de Jeanne que se casaria com ela no menor prazo possível, o que não aconteceu. E levou alguns anos para reconhecer Gilberto como seu filho legítimo. Por isso, os amigos de Chateaubriand acharam que era uma pilhéria quando ele anunciou, pela
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terceira vez, que ia casar-se. Desta vez a eleita era Maria Henriqueta Barroso do Amaral, uma jovem muito bonita, de 21 anos de idade, filha do juiz Zózimo Barroso do Amaral. O casamento, na maior simplicidade, aconteceu realmente na data marcada. Em 1927 Maria Henriqueta ficou grávida e deu à luz um menino, batizado Fernando, filho de seu único casamento oficial. Assis Chateaubriand nunca foi fiel às suas mulheres, pulando como um garanhão de uma para outra. Até que um dia deu de cara com uma linda adolescente, por quem se apaixonou de imediato. Ela chamava-se Cora Acuña e tinha 15 anos de idade! Embora estivesse com 41, Chatô não levou isso em conta. Cora, que era uma atriz em início de carreira, chegara de Buenos Aires em companhia da avó, Cláudia Montenegro, dançarina de boates de segunda categoria. Chatô cobriu-a de custosos presentes e retirou-a da humilde moradia em que vivia, colocando-a com a avó num imenso casarão da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, São Paulo. Cora engravidou e deu-lhe uma filha, batizada Teresa. A maioria dos biógrafos de Chateaubriand acredita que ele nunca amou verdadeiramente, possuindo apenas um incrível desejo sexual. Tanto que, no dia 11 de abril de 1934, quando soube que Corita – como a chamava – dera à luz em casa a uma linda menina, nem se abalou. Como não fossem casados, Teresa foi batizada como “Teresa Acunha, filha de Cora Acunha”. O Acunha aportuguesado. Chateaubriand, ao contrário do que acontecera com os seus dois filhos varões, apegou-se a Teresa, tomando-se de amores pela filha. E aí contase uma história digna de um romance policial. Certo dia, quando ele chegou à sua residência em Copacabana – conhecida como Vila Normanda –, encontrou-a vazia: Corita se mandara com Teresa, então com sete anos, e um homem que Chatô desconfiava ser amante de sua mulher. Acompanhado por seu segurança particular – um bruta homem, chamado Amâncio dos Santos – e vários cabras, convocados para aquela ilegal façanha, todos bem armados, Chatô invadiu o sítio onde Corita estava escondida. Além de Amâncio e os cabras, à frente do grupo seguia Leão Gondim de Oliveira, primo de Chateaubriand, que viera de Recife para administrar a revista O Cruzeiro, pertencente às Emissoras e Diários Associados. O grupo, para amedrontar os que estavam dentro da casa do sítio, fez vários disparos de arma de fogo. Chatô entrou na casa com seus capangas, arrancou Teresa dos braços da mãe e a colocou no banco traseiro do seu Cadillac, entre ele e Amâncio. Cora quis segui-lo, mas os cabras a dissuadiram, dando alguns tiros em sua direção. Do sítio foram para a pista da Ponta do Calabouço – onde, mais tarde, seria construído o Aeroporto Santos Dumont – e entraram no avião Raposo Tavares, de Chateaubriand, com destino a São Paulo. A batalha pela posse de Teresa, no entanto, levou tempo na Justiça. Chateaubriand acusava a mulher de devassa – o que ela não era –, argumentando que uma pessoa leviana como Corita não podia criar sua filha. Em 24 de setembro de 1942, no artigo primeiro de um decreto assinado por Getúlio Vargas, admitia-se que “o filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação”. Chateaubriand, entusiasmado, contratou um bom advogado e conseguiu desquitar-se de Maria Henriqueta. Com isso, ele registrou novamente a filha, desta vez colocando na certidão de nascimento: “Pai: Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo; mãe: Cora Acuña”. Graças novamente a Getúlio Vargas, Chatô conseguiu que, em 21 de
Chateaubriand manteve uma relação acidentada com o Presidente Getúlio Vargas (no alto, com o seu Ministro da Guerra Eurico Dutra quase escondido), ora apoiando-o, ora combatendo-o com virulência. Por uma ironia do destino, coube-lhe substituir Vargas na Academia Brasileira de Letras.
janeiro de 1943, o Presidente assinasse um novo decreto.Em seu artigo 1º dizia: “O filho natural, enquanto menor, ficará sob o poder do progenitor que o reconheceu e, se ambos o reconheceram, sob o do pai, salvo se o juiz entender doutro modo, no interesse do menor.”
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Essa ilegalidade jurídica ficou conhecida como Lei Teresoca. Chatô requereu e obteve o pátrio poder e a guarda de Teresa, conseguindo que a Justiça determinasse um tutor permanente para ela, o seu amigo e juiz Orozimbo Nonato, em cuja casa Teresa viveu até os 18 anos.
LUCIANA WHITAKER/FOLHA IMAGEM
ADOLPHO BLOCH O gráfico que transformou imagens em manchetes O imigrante que começou imprimindo folhas para o jogo do bicho criou a revista que usou a fotografia como sua grande força editorial e se tornou a publicação mais vendida no Brasil. POR P AULO C HICO
A
dolpho Bloch nasceu em 1908 em Jitomir, cidade ucraniana que, na época, somava cerca de 100 mil habitantes. Viu de perto os horrores da guerra. Veio para o Brasil, onde cresceu, aconteceu e virou manchete. Mais do que isso, construiu a sua própria Manchete. De início apenas uma revista. Em pouco tempo, parte de um dos principais grupos de comunicação do País, com uma emissora que cobria todo o território nacional, rádios, editora e, sobretudo, revistas. Muitas revistas. Sob sua chancela, reinavam alguns dos títulos mais relevantes e de maior sucesso comercial, sobretudo durante as décadas de 60 e 70. Ainda em sua infância, em seu país de origem, Adolpho já convivia com as atividades comerciais. Sua família possuía uma litotipografia em sua própria residência. Aos nove anos, foi testemunha da Revolução Russa, assistindo a diversos combates, ao medo e ao pavor. O fato de a família Bloch ser de origem judaica fez com que se envolvessem em muitos problemas em 1917. A violência dos exércitos de cossacos contra os judeus foi imedi-
ata. Num desses episódios, eram oito pessoas na sala da residência quando os cossacos surgiram, desembainhando seus sabres e exigindo ouro, jóias e objetos de valor como resgate da vida daqueles que ali se encontravam. A mãe de Adolpho entregou aos soldados um porta-jóias. Somente por isso ninguém foi sacrificado no local. Ainda em 1917, uma diligência do filho de um dos empregados da família Bloch, chamado Baruch, os levou a Kiev, localizada a 120 quilômetros de Jitomir. A viagem para a capital ucraniana percorreu trincheiras. Naqueles dias, aconteceu um fato que Adolpho Bloch nunca esqueceu: sua mãe tinha os cabelos pretos. Quando chegou a Kiev, os seus cabelos estavam totalmente brancos. A tensão da viagem e o cuidado em proteger os filhos a haviam marcado para sempre. Em 1921, deixou a Ucrânia definitivamente, chegando a morar em Nápoles, na Itália, onde já era possível perceber os primeiros presságios do que seria a futura era Mussolini. Somente em 1922 os Bloch desembarcaram ao Rio de Janeiro.
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Chegando ao Brasil, no início de 1922, a família trazia na bagagem apenas a saúde. Como riqueza, um pilão. Foram morar no Andaraí. Achavam a cidade muito interessante. Vendia-se de tudo na rua: peixeiros com suas varas e caçambas repletas de pescados que pareciam ter saído naquele instante do mar. O dono do armazém logo oferecia o seu caderno de fiado e as amostras de sardinhas, bacalhau e manteiga enchiam os olhos. E acalmavam o estômago. Para quem acabara de sobreviver a tantas adversidades numa Europa em conflitos, aquela era uma vida bastante diferente. O padeiro, o homem do botequim, todos queriam ajudar. Os Bloch investiram a pequena economia no mesmo ramo com o qual trabalhavam quando moravam na Rússia: o gráfico. Já em 1923, com muito sacrifício, conseguiram comprar uma pequena impressora manual e começam rodando folhas numeradas para o hoje ilegal jogo do bicho. Esta era a primeira tipografia na vida de Adolpho Bloch. Durante a década de 40, trabalhou com muito sucesso na editora Rio Gráfica, de Roberto
O GRÁFICO QUE TRANSFORMOU IMAGENS EM MANCHETES
Marinho. Já nessa época Adolpho era amigo de artistas e políticos além de freqüentador dos redutos da boêmia da cidade, como as rodas de gafieira do Grêmio Recreativo Familiar Kananga do Japão, na Lapa. Esse lugar inspiraria a novela homônima da Rede Manchete, em 1989. No início dos anos 50 foram lançadas grandes revistas em todo o mundo e Adolpho as acompanhava de perto. Costumava dizer que o princípio da felicidade consiste em se trabalhar naquilo que se gosta – e ele gostava de trabalhar naquele ramo. Em 26 de abril de 1952, lança o primeiro número da revista Manchete, realizando o sonho de publicar um semanário nacional. A edição de estréia não o agradou, fazendo com que ele mesmo lutasse pelo seu melhoramento. Só começou a compreender um pouco do jornalismo quando do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. A capa já estava impressa, com o Brigadeiro Eduardo Gomes, tradicional adversário do Presidente. Na manhã de 24 de agosto, uma terça-feira, quando Lourival Fontes telefonou para Adolpho para informá-lo sobre o suicídio, este teve que imprimir nova capa com o Presidente Vargas. À tarde, a edição foi para as ruas e à noite já estava esgotada. Em 1955, outra corrida contra o tempo marcou, novamente, a trajetória da revista. A cantora Carmem Miranda morrera nos Estados Unidos e seria sepultada no Brasil. O enterro foi num sábado, com grande comoção popular. Neste contexto não restavam dúvidas. A capa da semana seria mesmo o sepultamento da Pequena Notável. Mas no domingo à tarde a boate Vogue pegou fogo. Dois homens, em desespero, atiraram-se do prédio. A tragédia abalou a cidade e Adolpho optou rapidamente pela mudança da capa, trocando o destaque do enterro de Carmem pelo incêndio. Como na experiência do ano anterior, envolvendo o suicídio de Getúlio Vargas, a edição se esgotou no mesmo dia. A imagem, aliás, possuía grande força editorial. Para reforçar cada vez mais o andamento de sua revista, Adolpho Bloch fez contratos com agências de fotografias no exterior e teve a oportunidade de cobrir os fatos mundiais. A qualidade do material fotográfico da Manchete deu muita vida à publicação, que passou a ser conhecida internacionalmente. Nessa altura, o parque gráfico de Parada de Lucas ficara pronto, com aprimoramento da qualidade gráfica, aumentando, assim, a produção do semanário. UMA GRANDE AMIZADE Após a morte de Vargas, vieram as crises políticas de 1955. O ex-Governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek foi eleito Presidente da República. Adolpho Bloch tinha muita simpatia por ele, pelo projeto de transferência da capital federal para o Planalto Central, mas não o conhecia ainda bem. O próprio slogan de JK – 50 anos em cinco – havia sido extraído, por Adolpho, de um discurso do Presidente em uma pequena cidade do interior. Muito criticado pela imprensa, que fazia campanha contra os projetos de JK, o slogan foi reproduzido em 20 mil cartazes pelo Grupo Bloch. Certa vez, procurando o Presidente para explicar-lhe a estratégia dos cartazes expostos nas principais cidades do País, Adolpho o encontrou na cozinha do Catete, comendo uma marmita que viera do Palácio Laranjeiras. JK ficou feliz ao vêlo. Adolpho disse, então: “Presidente, esta campanha diária contra o senhor, feita pela imprensa, rádio e televisão, está sendo causada pela minha confiança no seu Governo. Fui eu quem mandei imprimir e colocar cartazes”. JK deu uma gargalhada e respondeu: “Então, Bloch, você acha que nós vamos fazer o Brasil caminhar 50 anos em apenas cinco?”.
ACERVO MURILO MELO FILHO
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Adolpho Bloch chega à Brasília em abril de 1962 acompanhado de Murilo Melo Filho, repórter da revista Manchete.
As lembranças de Murilo Melo Filho O Conselho Empresarial de Cultura da Associação Comercial do Rio de Janeiro, em parceria com o Conselho Diretor da instituição, realizou uma grande homenagem em comemoração ao centenário do empresário Adolpho Bloch no dia 22 de outubro de 2008. O empresário teria completado 100 anos em 8 de outubro do ano passado. Dentre os presentes ao evento, destacaramse as palavras do membro da Academia Brasileira de Letras Murilo Melo Filho, um dos grandes colaboradores do Grupo Bloch. — Da Manchete guardo a imensa gratidão de ter nela trabalhado durante mais de 40 anos, numa escola de grandeza, correção, dignidade, confiança e otimismo, com exemplos muito importantes e úteis nestes anos que me restam de vida, ensinados a mim por um fabuloso e inesquecível homem chamado Adolpho Bloch, do qual sinto hoje e sentirei sempre muita falta e saudades imensas. Murilo destacou características da personalidade do empresário: “Da enorme sabedoria humana de Adolpho Bloch, lastreada nos milhares
A partir daquele dia tornaram-se amigos inseparáveis. Adolpho tinha a convicção de que JK era um grande homem e que seu lugar na História estava garantido. Abraçou, quase que solitariamente, a campanha por Brasília. Editou as memórias do Presidente, apesar das muitas dificuldades que os governos de então colocaram no projeto. Nos anos 70, após a experiência do auto-exílio, JK passou a freqüentar a redação de Manchete. Um dos editores pediu-lhe que escrevesse resenhas de livros. E, assim, os últimos cachês que JK recebeu foram os de colaborador da revista. Assinou críticas de livros sobre economia, ensaios e romances. Na viagem em que perdeu a vida, em 22 de agosto de 1976, levava consigo um exemplar de Ó Jerusalém!, de Larry Collins e Dominique Lapierre, que estava lendo para redigir um desses artigos. Em 1958 foi editado um número especial de Manchete, com dezenas de fotos da construção da
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de anos do seu grande povo judeu, recebi, entre outras, as lições de que de nada vale ser, ter ou parecer. O que vale na vida é fazer, construir e desenvolver. E ela só vale a pena ser vivida quando se faz algo pela vida, em vida. Para ele, também, só uma coisa valia: o trabalho. Porque, segundo garantia, as riquezas passam. E só com o trabalho você pode reconstruí-las. Ele próprio foi um exemplo disto: perdera tudo na revolução comunista da Rússia e tudo reconstruiria no Brasil: um grande império jornalístico”. Afinal, lembrou Murilo Melo Filho em seu discurso, o Grupo chegou a contar com uma cadeia nacional de televisão, com cinco emissoras próprias, no Rio, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Recife, e 49 afiliadas, cobrindo todo o território brasileiro; uma cadeia nacional de rádio, com seis estações próprias e 28 associadas, além de 15 revistas de circulação nacional, sendo três semanais e doze mensais, com anúncios e vendas nas bancas, impressas no seu parque gráfico de Parada de Lucas, com 40 mil metros quadrados de área construída.
nova capital, que esgotou 200 mil exemplares em apenas 24 horas. Foi assim que Brasília e Manchete cresceram juntas. Ainda durante a construção da cidade, Adolpho fez questão de inaugurar o primeiro escritório jornalístico da nova capital. Quando o lago artificial encheu, Bloch mandou para Murilo Melo Filho, diretor local de Manchete, uma lancha com o bilhete: “Não faça economia. Por falta de relações públicas, os judeus perderam Jesus Cristo. E um homem desses não se perde”, recomendou, numa referência clara ao Presidente bossa-nova. O Presidente João Goulart era também amigo e conhecido de Adolpho Bloch. Moravam no Edifício Chopin, em Copacabana. Oscar Niemeyer havia trazido a maquete da futura sede da Manchete no Russel. Bloch a havia apresentado a Jango, que lhe perguntou se dispunha de recursos para a obra. O empresário, então, respondeu. “Presidente, no momento estou preocupado em arranjar dinheiro para comprar as estampilhas da escritu-
ACERVO MURILO MELO FILHO
Murilo Melo Filho (segundo à esquerda) e Oscar Bloch (à direita) visitam a redação da Manchete em Paris, dirigida por Nei Sroulevich (primeiro à esquerda) e Sílvio Silveira (com o envelope na mão). Manchete era competitiva; estava no apogeu.
ra de promessa de compra do terreno”. Veio o regime militar e Manchete foi a única revista a publicar a foto de João Goulart no momento em que deixava o Rio rumo ao Uruguai.
mensurado pela premiação da Associação de Críticos de São Paulo que, de seus 12 prêmios entregues em 1987, concedeu sete à Manchete, inclusive o Grande Prêmio da Crítica. Os estúdios em Água Grande, com 20 mil metros quadrados, entusiasmavam os visitantes que comparavam as suas instalações às de Hollywood dos anos dourados. A emissora colecionou prestígio na área do telejornalismo e êxito comercial com algumas telenovelas, das quais se destaca Pantanal. Mesmo com outras novelas de relativa audiência, como Ana Raio e Zé Trovão, a Manchete afundou em dívidas. Na década de 90, por conta de dívidas impagáveis, Adolpho decide vender a TV Manchete. O senador pelo Distrito Federal Paulo Octávio, hoje no DEM, aliado do então Presidente Fernando Collor de Melo entra no páreo para comprá-la. A entrevista de Pedro Collor à revista Veja, denunciando um esquema de corrupção supostamente gerido pelo próprio irmão, Presidente da República, detonou a venda. Adolpho decidiu, então, negociá-la com o grupo que dirigia o Instituto Brasileiro de Formulários (IBF), do empresário Hamilton Lucas de Oliveira, ligado a Paulo César Farias. O impeachment de Collor, em 1992, fez naufragar a negociação. No início de novembro de 1995, Adolpho Bloch foi internado em São Paulo, para tratar de uma embolia pulmonar e da disfunção da prótese da válvula mitral do coração. Na madrugada do dia 18 para o dia 19, seu quadro agravouse, e ele precisou ser operado, mas não resistiu. “Seu Adolpho” faleceu no dia 19 de novembro de 1995 aos 87 anos, sem ter tido filhos. Deixava apenas a esposa, Anna Bentes Bloch, com quem vivia desde 1974, tendo o seu casamento oficializado apenas em 1992 – um desejo do empresário. Com isso, as empresas do grupo passaram para o controle de seu sobrinho Pedro Jack Kapeller, conhecido como Jaquito, até 2000, quando foi decretada a falência do grupo. As manchetes dos jornais, desta vez, comunicavam o fim do império Bloch.
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PAIXÃO PELA ARTE Adolpho trabalhava sem parar e colecionava obras de arte, pois desejava ter um Museu de Arte Brasileira no novo prédio da Manchete, para onde a empresa se mudou em novembro de 1968. O teatro que levava seu nome foi inaugurado com a montagem de O Homem de La Mancha, com Bibi Ferreira, Paulo Autran e Grande Otelo, sob a direção de Flávio Rangel. Um sucesso absoluto. O teatro dava para Adolpho Bloch muita alegria. Tanto que, a convite do Governador Faria Lima, assumiu a presidência da Fundação dos Teatros do Rio de Janeiro, com feitos como a construção de uma Central Técnica, para confecção de material cênico para as produções teatrais, e a plena restauração do Teatro Municipal, reaberto ao público com a ópera Turandot, de Puccini, num espetáculo de gala que contou com a presença do Presidente Ernesto Geisel. Em sua gestão foi construído o Teatro Vila-Lobos, na Avenida Princesa Isabel, Copacabana. Em 1981 Adolpho esteve em Nova York para receber uma homenagem do American Jewish Committee. Nessa ocasião, foi procurado pelo senhor Norman Alexander, que se apresentou como diretor da Rutherford Company. Bloch conheceu a firma, que estava fabricando máquinas para imprimir latas de alumínio sem costura para bebidas – algo ainda inédito no Brasil. Adolpho conhecia a técnica de fabricação de latas e achou que seria um grande negócio investir nesta área. Mas, quando retornou ao Brasil, já encontrou o projeto da televisão bastante adiantado. O empresário, por fim, mostravase grato ao Presidente João Figueiredo pela concessão de cinco canais após a licitação pública. Dois anos antes, na Itália, ele havia comprado uma Cerutti, rotativa capaz de imprimir 42 mil exemplares por hora a quatro cores. A bem da verdade, preferia continuar investindo na editora, com o incremento da produção de livros e revistas nacionais, além de vislumbrar o projeto de fabricar as novas latas de alumínio. Possuía em Água Grande,subúrbio do Rio, instalações de 30 mil metros quadrados para a nova indústria. E, para isso, contava com recursos mais que suficientes. A televisão mostrou-se, desde os primeiros passos, um negócio caro. Para iniciar a tv, entre outros projetos,
ele tinha de comprar de uma só vez US$ 12 milhões em filmes que poderiam ser transmitidos apenas três vezes no espaço de dois anos. Investimento feito, e que logo virou fumaça. Apesar da resistência inicial, após aderir ao projeto da televisão, Adolpho o fez com todas as suas forças e entusiasmo. Dos Estados Unidos e do Japão, trouxe alguns dos mais modernos equipamentos da época. Aos cinco canais iniciais – Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza – foram acrescidas dezenas de afiliadas que cobriam todo o território nacional. A TV Manchete entrou no ar em 5 de junho de 1983 e já no Carnaval de 1984 transmitiu com exclusividade, e grande repercussão, o primeiro desfile feito na Marquês de Sapucaí, nova passarela do samba no Rio de Janeiro. O sucesso alcançado pela emissora pode ser
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Adolpho adorava astros e estrelas, requestava-os, como fez no Gallery com a bela Renée de Vielmond, diva da sua TV Manchete. Mas ele gostava mesmo era de tinta, papel, revistas, que lhe permitiam mostrar proezas, como a chegada do homem à Lua.
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“No fundo, ele não gostava de televisão”
— Adolpho gabava-se de conhecer o jornalista pela cara, lembra o jornalista e acadêmico Arnaldo Niskier.
a lenda que o Adolpho chegou a oferecê-la a Samuel Wainer, no auge da existência da Última Hora, mas conheceu os seus dias de glória nos anos 60 e 70, principalmente. Era muito bem paginada, seguindo o modelo da Paris Match, e sob forte influência do jornalista Justino Martins, que tinha um olho de cineasta e editava as fotos com grande maestria. Do ponto de vista de conteúdo, acreditou em Brasília e fez isso com grande motivação. Chegou a vender 200 mil exemplares, enquanto O Cruzeiro passava dos 500 mil. Por meio de uma pesquisa, descobrimos que nossos leitores ambicionavam mais texto. Foi aí que se deu outra grande ocorrência: foi publicado nos Estados Unidos, em 1967, o livro A Morte de um Presidente, de William Manchester, trazendo luzes sobre o assassinato do grande Presidente norte-americano. Foram comprados os direitos do livro para língua portuguesa e passamos a publicá-lo em capítulos. Com uma boa publicidade a cir-
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Jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras, Arnaldo Niskier trabalhou com Adolpho Bloch durante quase 40 anos. Ele conta: “Trabalhei com o Adolpho Bloch durante 37 anos, com uma breve interrupção no período de 1979 a 1983, quando fui secretário de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro. Comecei como repórter esportivo e assistente de direção da Manchete Esportiva, em outubro de 1955. Passei a diretor da revista Sétimo Céu em 1959, criei as fotonovelas brasileiras, assumi a chefia de reportagem da Manchete em janeiro de 1960 e em 1969 passei a ser diretor do Departamento de Jornalismo das empresas Bloch, até outubro de 1992, quando me desliguei do grupo. Desde 1971, era também diretor da Bloch Educação, cuidando de livros, cursos e seminários. Em dez anos, vendemos cerca de 20 milhões de livros didáticos. Adolpho era um gênio intuitivo. Grande realizador, extremamente rigoroso, às vezes injusto com determinadas pessoas. Gabava-se de reconhecer o caráter dos jornalistas pela cara de cada um – e em geral não se enganava. Era amigo leal e demonstrou isso com diversos colegas durante o período da Revolução, quando abrigou na casa alguns dos perseguidos políticos. Lembro o amparo dado ao jornalista Alberto Rajão, depois da cassação de seu mandato de deputado estadual. E foi assim, em tempo integral, com o Presidente JK, de quem se tornou amigo íntimo. Não fez negócios com Brasília, tudo isso é lenda. Mas se identificou com JK pela audácia da obra de Brasília – e a coragem do político mineiro. A Manchete apoiou a transferência da capital e seus números passaram a vender mais que os da sua concorrente O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, que era contrária à mudança. Trabalhávamos na Rua Frei Caneca, onde fazia um calor infernal. Adolpho resolveu levar o seu negócio para a beira da praia, num local lindíssimo no Russel onde, até então, não havia nenhuma grande empresa. Começou a construção do conjunto de três prédios, projeto de Oscar Niemeyer, com quem brigava constantemente. Um dia Bloch me convidou para visitar a obra, num fim de tarde, Plantados à beira da piscina, ainda vazia, nos fundos do prédio principal, ele me mostrou aquele maravilhoso conjunto. Entusiasmado, perguntei a ele. – Seu Adolpho, o que o sr. vai fazer com tanto espaço? Tudo é muito bonito! Ele me olhou com uma certa comiseração e respondeu: – Você é engraçado! Quer que eu faça o prédio e ainda saiba o que botar aí dentro! Uma resposta típica de um ser privilegiado por uma inusitada intuição. A Manchete, como publicação, viveu 48 anos – de 1952 a 2000. Teve um início claudicante. Reza
culação foi crescendo, até chegar a 350 mil exemplares, enquanto a concorrente perdia leitores a olhos vistos. Foi o auge da Manchete, até porque, com essa tiragem, recebia uma forte publicidade, que garantiu à empresa outros vôos em direção à publicação de novas revistas. Veio a compra da Rádio Federal de Niterói, que marcou o primeiro passo da empresa em direção à mídia eletrônica. Em 1983 foi inaugurada a aventura televisiva, recebendo canais abertos do Governo federal. Foi um mau passo, pois a cultura dos Bloch era toda voltada para o mundo gráfico, desde as suas origens na Ucrânia. O jornalismo era de primeira ordem e algumas novelas chegaram a fazer sucesso, como foi o caso de Pantanal, mas, no conjunto, não havia como enfrentar o poderio da Globo. Em 1992, Adolpho tentou vender as emissoras para Hamilton Lucas de Oliveira, que só deu o sinal. Tempos depois, os Bloch retomam as emissoras. Lembro de um conselho que ouvi ele dar ao Hamilton, em meio às comemorações de venda, ainda com champanhe rolando. “Dr. Hamilton, o sr. está fazendo um grande negócio. Se um dia precisar de algum conselho sobre novela de televisão, fale comigo. Hoje, eu entendo tudo desse negócio.” De fato, foi ele quem sugeriu a realização da novela Kananga do Japão, outro sucesso da emissora. Carlos Heitor Cony é testemunha disso. Mas as coisas eram muito mais complicadas. E ele, no fundo do coração, não gostava de televisão. Disse isso várias vezes. Atribuía aos sobrinhos a insistência para entrar na mídia eletrônica. O que ficou deste grande império jornalístico? Uma experiência notável para os que participaram dessa aventura e uma frustração com a decretação da falência, em 2000. Até hoje cerca de 1.800 exfuncionários vivem a esperança de uma indenização que não receberam e que ninguém sabe se um dia virá. Os três prédios da Rua do Russel pertencem à massa falida, que lhes atribui o valor de R$ 60 milhões. Só não aparece quem queira pagar.”
Quando era mais forte o coro dos adversários da construção de Brasília, Adolpho Bloch apostou como poucos na edificação da capital, à qual dedicou edições especiais de Manchete (à esquerda), que explodiam em vendas. Brasília forneceu-lhe dois amigos que ele venerava: Oscar Niemeyer (à esquerda) e Juscelino Kubitschek.
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Adolpho Convidado a fazer um depoimento sobre Adolpho Bloch para esta Edição Especial do Centenário da ABI, Cony mandou poucas horas depois este relato que mostra a alma do criador da Manchete, Fatos & Fotos, Desfile, Pais & Filhos, TV Manchete e outros empreendimentos jornalísticos marcantes do século 20.
P OR C ARLOS H EITOR C ONY FOLHA IMAGEM/PATRICIA SANTOS
Lisboa, 1975, quatro horas da manhã. O telefone toca na mesinha de cabeceira do Hotel Tivoli. Com a experiência de outros telefonemas àquela hora, sei quem é. Atendo e não me surpreendo com a voz inconfundível, uma de suas marcas registradas: – Como vai a coisa? Adolpho não acredita em fuso horário, no Rio são onze horas da noite, por que seria madrugada na Europa? – Vai indo, Adolpho. Uma forma de responder sem responder, apenas iniciar o diálogo. Ele me pergunta sobre a crise política em Portugal, dou informações como ele gosta: bem resumidas e objetivas. – Está muito frio? Aí venta muito nessa época do ano. Acrescento que além do frio e do vento tem chovido uma barbaridade, ou, como preferem os portugueses, de uma forma bestial. Desligo e tento dormir. Cinco minutos depois o telefone toca novamente. – Você está bem calçado? Digo que são quatro horas da manhã, preciso dormir, tenho compromisso cedo. Mas ele insiste, quer saber se estou andando pelas ruas alagadas com os tênis que geralmente uso. Garanto que não, por acaso estou usando aquele rossetti yacht que ele trouxe para mim de Milão. – Uma porcaria! – diz Adolpho. E anuncia que eu vou ficar resfriado, que eu não sei cuidar de minha saúde, sou teimoso e malcriado. Exalta-se. – Amanhã não tem compromisso porra nenhuma! Você vai na Rua da Prata, tem uma sapataria, fale com o gerente, diz que é meu amigo, ele tem umas botas muito boas, não passam água, pede desconto, dez... não, trinta por cento, ele é ladrão mas tem os melhores sapatos da Europa. Perto deles os sapatos italianos são uma merda.
Cony em frente a uma das obras de arte que embelezavam a entrada do prédio da Editora Bloch, na Rua do Russel.
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Concordo que os sapatos italianos (que ele gosta de usar e presentear) são uma droga, mas eu quero dormir. Ele desliga. Desta vez, nem cinco minutos se passam. O telefone toca mais uma vez. – Olha, é melhor comprar dois, a bota e um sapato social, pode gastar que eu pago depois. Mas pede desconto. Quarenta por cento. Diz que é para mim. Tá bem, Adolpho, tá bem, fique sossegado, agora me deixe dormir. Ajeito-me nos lençóis, penso em tirar o fone do gancho, mas sei que ele ainda vai telefonar. Não dá outra. – Você levou as meias de lã? – Recomenda uma camisaria no Rocio, é barateira, além das meias, tem as melhores camisas do mundo, “iguais às que o Adriano Moreira usa”. Adolpho acha o Adriano Moreira elegante - e o professor é elegante mesmo. Vamos desligar, mas de repente, ele reclama: — Você não me disse como vai a coisa! Vai bem, Adolpho, quer dizer, vai mal, pior do que os sapatos vagabundos e das meias molhadas é que a coisa ficou meio sem graça sem você. Vai ser difícil levar esta barra. Sempre se dará um jeito. O que não terá jeito é não ouvir mais a sua voz grossa, enfrentar seus fusos horários desencontrados, sem mais sofrer essa mania que você tem de saber como vai a coisa. A coisa irá, de alguma forma, pois não se pode esquecer um homem que, a oito mil quilômetros de distância, um oceano no meio, quer saber se estou agasalhado, proteger meus passos, guiar minha saudade. Jornalista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, na qual sucedeu a Herberto Sales na cadeira número 3, Carlos Heitor Cony trabalhou com Adolpho Bloch em diferentes publicações e na TV Manchete, onde dirigiu o núcleo de dramaturgia e promoveu montagens antológicas, como a telenovela Kananga do Japão.
MEMÓRIA ABRIL/JORGE BUTSUEM
ACERVO MEMÓ RIA AB RIL
VICTOR CIVITA
UM APAIXONADO POR REVISTAS Para VC, papel, tinta e boas idéias eram sinônimos de novas publicações. Visionário e antecipando-se a seu tempo, ele construiu aquele que se tornaria o maior império editorial da América Latina: a Abril. POR M ARCOS S TEFANO
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Jornal da ABI FOTOS: ACERVO MEMÓRIA ABRIL
VICTOR CIVITA, UM APAIXONADO POR REVISTAS
“V
ocê está louco?” Não era a primeira vez que Victor Civita ouvia esta pergunta. Desde que decidira vir ao Brasil, talvez fosse a frase que mais tivesse escutado. Primeiro, da esposa, em bom e sonoro italiano, ao receber o telegrama pedindo que se desfizesse de todos os bens da família nos Estados Unidos e viesse encontrá-lo por aqui. Depois, quando optou por montar sua editora na provinciana São Paulo dos anos 50. E, agora, ao lançar a revista Quatro Rodas, a primeira publicação nacional sobre carros, numa época em que a indústria automobilística somente engatinhava no País. “Será que ele não sabe que no Brasil existem apenas 500 quilômetros de estradas?”, indagou até mesmo o Presidente Juscelino Kubitschek, um dos maiores propulsores do automóvel no País, duvidando da viabilidade de tal publicação. Civita, no entanto, deu de ombros mais uma vez – como ainda faria em tantas outras oportunidades – para quem dele duvidava. Era um visionário e apostava no futuro. Quatro Rodas acompanhou o sucesso das estradas e dos automóveis, que se tornariam o principal meio de transporte no Brasil. Foi assim, ignorando inviabilidades e dificuldades, que ele inovou a imprensa nacional, pôs nas bancas em pouco mais de quatro décadas mais de duzentas revistas e construiu, em um país que lá fora era tratado como “de analfabetos”, o maior grupo editorial da América Latina: a Abril. E pensar que tudo começou com um pato, o Donald. Foi para publicar as histórias em quadrinhos da Disney que Victor Civita veio ao Brasil em 1949. Ele já tinha 42 anos e nenhuma experiência na área, mas viu uma ótima oportunidade no convite feito pelo irmão César, que tinha os direitos sobre os personagens para a América Latina. Victor conhecia pouca gente e não falava português, mas em apenas dez meses no Brasil já lançava o primeiro número de O Pato Donald. As crianças, que só conheciam Mickey, Tio Patinhas e companhia pelo cinema, ficaram encantadas. Passados dois anos, veio Capricho – e ele não parou mais de mandar revistas para as bancas. “Onde outros viam crise, ele via oportunidades. Tanto que o qualificativo mais usado por seus parceiros, colaboradores, empregados, amigos e conhecidos é ‘visionário’. Os vice-campeões são ‘fazedor’ e ‘resolvedor de problemas’. Foi dessa maneira que se tornou um inovador”, diz o jornalista Roberto Pompeu de Toledo. Civita decidia rápido – como se fosse salvar alguém à beira da morte. Pensar demais era proibido se a intuição já lhe recomendava aumentar ou diminuir o tamanho de uma revista, criar um fascículo ou investir milhões de dólares em uma publicação como Veja, até que a revista “pegasse”. “Eu sei fazer qualquer coisa. Diga-me algo que ninguém quer fazer. Eu vou e faço”, repetia o italiano Civita. Italiano, ou melhor, milanês, mas nascido em Nova York. Isso porque o pai, Carlo Civita, estava apaixonado por Vittoria Carpi, que se mudou
A história da Abril começa com um pato que se torna campeão de vendas e impulsiona os mais ousados sonhos de Victor Civita.
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Visionário, Civita não se deteve com as dificuldades de lançar a revista Quatro Rodas num país onde a indústria automobilística ainda era incipiente e foi ao Palácio da Alvorada levar ao Presidente Juscelino Kubitschek o primeiro exemplar da nova publicação.
com sua família para os Estados Unidos. Como tinha certeza de que ela era a mulher de sua vida, Carlo foi atrás. César nasceu em 1905. Depois veio Victor, em 9 de fevereiro de 1907. O último filho, Artur, nasceria já em Milão, pois a família voltou à Itália em 1909. Foi nessa cidade que se tornou empresário, com uma fábrica de embalagens de leite e uma companhia de importação de equipamentos para postos de gasolina. Victor não se distinguiu nos estudos. Não passou do curso secundário no Instituto Técnico de Estudos Comerciais. Alistou-se na Força Aérea e pilotou aviões abertos (no detalhe da foto à esquerda), do tipo usado na Primeira Guerra Mundial, mas não seguiu carreira. Quando completou 20
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anos, o pai deu-lhe uma passagem para os Estados Unidos, um talão de cheques com o qual ele poderia gastar mil dólares e um bilhete com a ordem: “Vire-se”. Nessa viagem, ele descobriria sua vocação de autodidata. Andar por 27 cidades, visitar fábricas, conhecer negócios, costumes e culturas durante 11 meses foi para ele como uma universidade. Ao voltar, estava pronto para assumir tarefas nos negócios do pai. Em 1935 Victor casou-se com Sylvana Alcorso, filha de um rico comerciante de Roma. Viveram bem até o começo de 1939, quando decidiram deixar o país por conta da insana política racial do regime de Mussolini contra os judeus. Ao lado do filho Roberto, nascido em 1936, escaparam do apocalipse que abateria toda a Europa pouco tempo depois.
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Mas primeiro chegaram na Inglaterra. Sylvana estava grávida de seu segundo filho, Richard, que nasceria logo em seguida em Londres. Mas também não ficaram muito tempo por lá. Foram para a França e embarcaram para os Estados Unidos no Rex, o navio italiano mais famoso da época. A família permaneceria na América por dez anos. Victor destacava-se em vendas, mas não estava satisfeito. Em 1949, passado o pesadelo da guerra, todos foram passar férias na Itália durante o verão – meio do ano no Hemisfério Norte. Victor reencontrou César. O irmão estava estabelecido na Argentina desde o começo dos anos 40. Era dono de uma certa Editorial Abril, cujo símbolo era uma árvore, e lançara uma revistinha em quadrinhos chamada El Pato Donald. Na Itália, César trabalhara na Mondadori, uma das maiores editoras do país, com as revistas Disney. Quando o tempo fechou e a guerra surgiu no horizonte, procurou Walt Disney nos Estados Unidos e obteve sua licença para publicar as revistas na América do Sul. Estabeleceu-se em Buenos Aires, mas, agora, o populismo peronista o preocupava. Por isso, pensava em expandir os negócios; o Brasil parecia uma terra promissora. “V OSTRO PADRE È IMPAZZITO” Enquanto a esposa e os filhos voltavam para os Estados Unidos, Victor foi com o irmão para a Argentina. De lá seguiu para o Rio de Janeiro e depois São Paulo. Quando falou em montar uma editora na capital paulista, ninguém o levou a sério.
Achavam que o homem estava brincando ou ficara louco. A cidade tinha pouco mais de 2 milhões de habitantes e apenas quatro revistas. Diziam-lhe que não tinha os jornalistas, os artistas gráficos, os recursos necessários ao setor. “Muita gente tentou me fazer desistir, afirmando que os intelectuais e jornalistas estavam todos no Rio. Eu respondia que não tinha importância, pois o dinheiro estava em São Paulo. Todos viriam para cá. E vieram, porque havia emprego e bem-remunerado”, contou Civita, anos depois. Em setembro de 1949 Sylvana recebeu uma carta do marido. “A ordem que dava era para que vendesse seus pertences, embalasse algumas coisas e viesse imediatamente para o Brasil. Quando leu a carta para os meninos, Roberto, então com 13 anos, e Richard, com 10, ela completou com uma conhecida afirmação: ‘Vostro padre è impazzito’. Sim, papai é divenuto pazzo. Perdeu a razão. Amalucou”, conta Roberto Pompeu de Toledo. Mesmo assim a família obedeceu. Victor Civita instalou-se numa pequena sala na Rua Líbero Badaró, no Centro de São Paulo, contratou uma secretária e conseguiu um telefone. Foram morar no Hotel Esplanada, o mais nobre da cidade, atrás do Teatro Municipal e próximo do escritório. Em 12
de julho de 1950 saiu o primeiro número de O Pato Donald, um sucesso estrondoso, que seria seguido mais tarde por outros gibis como Mickey, Tio Patinhas, Zé Carioca, além de publicações infantis como Recreio, criando em gerações de meninos e meninas o hábito da leitura, especialmente em tempos nos quais não havia internet, videogame e a televisão ainda era insipiente. Para essa empreitada Civita possuía US$ 500 mil em recursos próprios, levantou empréstimos e se associou ao grupo Smith de Vasconcelos e a Gordiano Rossi, um mineiro filho de italianos, que seria seu parceiro nas primeiras décadas da Abril. Um ano mais tarde a Abril estava funcionando em uma nova sede, na Rua João Adolfo. O crescimento, no entanto, estava ameaçado, pois não havia gráficas para revistas em São Paulo. Então, ele construiu uma. Também não havia distribuidoras, e ele criou uma. Nem sempre eram tarefas fáceis. Era preciso levantar centenas de milhares de dólares para importar os equipamentos, visitar incansavelmente a burocracia dos órgãos públicos e fornecedores de luz, água e telefone. Geralmente, aprovavam seus pedidos até para se livrar dele, já que não aceitava um “não” como resposta. Anos depois, quando precisou modernizar a gráfica e foi procurar o Banco Nacional de Desen-
Apesar da dificuldade de qualquer filho escrever ca ter parado para especificá-las – estão a necessidaobjetivamente a respeito de seu pai, acredito poder de de fazer bem feito qualquer coisa que se faça; do dizer — sem exagero — que VC (como o chamávatrabalho ser importante em si; da diferença estar semmos na Abril) foi uma daquelas figuras que alteram pre nos detalhes; da fundamental necessidade de traos caminhos que percorrem. Sua coragem, sua outar todos – de presidente ao mais simples trabalhasadia, seu entusiasmo permanente e seu espírito emdor – com consideração e respeito; o hábito permapreendedor levaram à criação de revistas e obras culnente de pensar grande; de a palavra dada valer mais turais que revolucionaram a atividade editorial e enque qualquer contrato; de nunca aceitar um “não” e P OR R OBERTO C IVITA riqueceram a vida de várias gerações de brasileiros. a convicção de que o que for bem feito – com qualiVictor Civita tinha como sagrado o respeito ao dade, honestidade, inteligência e dedicação – trará leitor e uma sensibilidade inigualável para compreender o que o público bons resultados mesmo que este não tenha sido o objetivo. queria e precisava para se informar, se entreter e se educar. Essas contriContinuamos - os atuais seis mil integrantes do Grupo Abril - empebuições — mais sua preocupação permanente com a integridade, o bom nhados em honrar o legado de Victor Civita, praticando jornalismo resgosto e a excelência — acabaram por transformar a história das publicaponsável, produzindo entretenimento saudável e trabalhando para meções no Brasil. Acima de tudo, ele tinha a conlhorar a qualidade da educação brasileira. vicção de que a liberdade de expressão e Sócio da ABI, Roberto Civita é Presidente da Editora Abril uma imprensa independente e forte são e editor de Veja. alicerces fundamentais da democracia. Além de ser uma força da natureza, um empreendedor visionário, um editor de extraordinária sensibilidade, Victor Civita também foi um grande pai. Pois além de nos ensinar pelo seu exemplo, deu espaço e oportunidade para que seus filhos pudessem também ousar, arriscar, errar, construir e perseguir seus próprios sonhos. Das principais coisas que aprendi com ele – sem ele nun-
SOBRE VC
Victor Civita com sua esposa Sylvana e seus filhos Roberto (ao centro) e Richard, em sua sala no segundo endereço da Editora Abril, na Rua João Adolfo, em São Paulo.
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O FILÃO DAS FOTONOVELAS Depois das publicações infantis, a Abril encontrou outro filão com as fotonovelas. Com Capricho, a primeira, a tiragem chegou a 500 mil exemplares. Ainda assim, o mercado recusava anunciar em seus veículos. Para quebrar isso, Civita levou publicitários e anunciantes para conhecer a gráfica da editora e conferir, pessoalmente, a veracidade dos números. Com isso, a Abril acabou por criar, ao lado de algumas grandes agências, o IVC, Instituto Verificador de Circulação, que,
equivocadamente, passou a ser conhecido como Instituto Victor Civita. A década de 60 trouxe uma série de mudanças sociais, políticas e de comportamento. Como poucos, Civita soube aproveitar isso. Depois de Manequim, a primeira revista focada em moda, que trazia moldes para costura, em 1961, a Abril passou a investir mais no público feminino. Primeiro com o lançamento de Cláudia, revista com o nome da filha que Civita sempre sonhara ter; Cláudia enveredava por temas ainda tabus, como sexo e contracepção. Ao longo dos anos, ainda viriam Nova, Elle e Boa Forma, entre outras. “A história de seu sucesso – e da própria Abril – é um pouco a história dos sucessos do Brasil no período. Victor Civita aliou a capacidade de trabalho ao fino talento para manter sua caravela a favor do vento, de modo a aproveitar-se das mesmas forças que impulsionavam o País de modo geral. Quatro Rodas, por exemplo, foi lançada na euforia da indústria automobilística, a jóia da coroa do desenvolvimentismo juscelinista”, analisa Roberto Pompeu de Toledo. Fenômeno parecido pode ser identificado em meados dos anos 60. Com a ascensão da classe média, Civita resolveu importar da Itália a idéia de publicar coleções em fascículos. O problema é que ninguém acreditava que isso vingaria por aqui, nem os diretores da Abril. Tornou-se famosa a história da reunião em que Civita convocou doze diretores da editora para decidir se lançariam mesmo as coleções e qual seria lançada primeiro. Os presentes foram unânimes na opinião de que não deveriam lançar nenhum, até porque a própria palavra “fascículo” não era sequer conhecida do público. Civita agradeceu a sinceridade de todos, mas emendou que se esquecera de informá-los: naquela reunião, ele teria 51% dos votos. E acabara de se decidir favorável ao lançamento. Par-
Contra todas as opiniões Victor Civita começa a lançar fascículos colecionáveis. A enciclopédia Conhecer, que o Prefeito de São Paulo José Vicente de Faria Lima folheia, atingiu 500 mil exemplares vendidos numa semana.
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GERALDO MORI
volvimento Econômico (BNDE, hoje BNDES), informaram-no que a instituição fora criada para fomentar a indústria de base, categoria em que não se encaixavam editoras e gráficas. Civita não podia aceitar isso. “Como não é indústria de base? Como você vai construir um país sem gráfica? E sem livros, sem revistas, sem jornais e sem leitura?”, questionou Civita, que conseguiu fazer que mudassem o estatuto para lhe conceder o empréstimo. A gráfica, na Rua Nova dos Portugueses, em Santana, foi usada até à construção do parque gráfico em um terreno pantanoso, à beira do Rio Tietê, em 1964, tempos antes da construção das Marginais. Mas desde o começo Civita já cultivava um hábito que levaria para o resto da vida: fazia questão de ver todas as capas das revistas, opinava na diagramação, na fotografia, percorria a gráfica, visitava distribuidores e jornaleiros para ouvir sugestões e críticas. Nos primeiros tempos, fazia pessoalmente o pagamento do pessoal da gráfica, todos os sábados. Na Rua João Adolfo, pedia ao jornalista Cláudio de Souza, transformado numa espécie de secretário, que lhe corrigisse o português, tarefa árdua para se fazer com quem os pensamentos corriam muito à frente da expressão. Também sondava o mercado para ampliar seu espaço. Foi assim com o publicitário Mauro Sales, que trabalhava como jornalista em O Globo. “Ele chegou com uma pastinha debaixo do braço e me perguntou se eu sabia quem ele era. Respondi que era o editor da revistinha que mais vendia no Brasil, O Pato Donald. Satisfeito, falou sobre seus planos para lançar uma revista de automóveis. No final da conversa, perguntei se não queria conhecer Roberto Marinho e ele disse que ‘ainda não’. Acho que queria mais tempo para falar de igual para igual com outros grandes editores”, conta Sales.
VICTOR CIVITA, UM APAIXONADO POR REVISTAS
PAULO SALOMÃO
Civita cumprimenta um visitante ilustre – o apresentador de tv Sílvio Santos – que almoçava na Editora Abril com alguns jornalistas e o editor da revista Intervalo, Milton Coelho da Graça (segundo à esquerda).
tiram para o item dois: lançariam uma enciclopédia ou uma edição da Bíblia? Civita abriu mão de sua maioria e deixou a decisão na mão dos colegas, dizendo preferir a enciclopédia. Mais conservadores, eles optaram lançar primeiro A Bíblia Mais Bela do Mundo, criada pela italiana Fabbri. As vendas foram surpreendentes. A Bíblia bateu os 150 mil exemplares. Em seguida, a Enciclopédia Conhecer vendeu mais de 500 mil exemplares. No fim das contas, em 17 anos, foram vendidos 50 milhões de fascículos, que traziam 300 diferentes coleções como Gênios da Pintura, Medicina e Saúde, Os Bichos, Mitologia, Arte nos Séculos, As Grandes Religiões e Os Imortais da Literatura. Também vendeu música nas bancas, com Os Grandes Compositores da Música Universal, As Grandes Óperas, História da Música Popular Brasileira e Os Gigantes do Jazz. Até Filosofia virou campeã de vendas: com a série Os Pensadores, Platão, em apenas 15 dias, vendeu 100 mil exemplares. Civita foi um homem cheio dessas histórias. Rapidamente, ele passou a diversificar seus negócios. Certo dia, apresentou-se ao filho Roberto com a idéia de erguer hotéis turísticos Brasil afora. “Mas o que nós entendemos de hotéis?”, ponderou Roberto. “E que entendia Nick Hilton antes de fazer seu primeiro hotel?”, rebateu Victor, preparando o lançamento da cadeia que se chamaria Quatro Rodas. Outra vez, novamente com Roberto, quis saber se o filho sabia quantos armazéns-frigoríficos havia no Brasil.
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Edgard de Silvio Faria, Maurício de Sousa, Victor Civita e Pelé no dia em que foi assinado o contrato para a publicação da revista Pelezinho, que integraria a linha infantil da editora juntamente com a Turma da Mônica.
A partir dos anos 80, coube a Roberto dirigir a editora, enquanto o irmão Richard ficou com os demais negócios. E estes foram muitos. No final dos anos 70, foi lançada a Abril Vídeo, que passou a investir em produções independentes. Na década de 80, foi a vez de a Abril trazer para o Brasil o canal de televisão MTV. O golfe era um dos poucos passatempos que Victor Civita se permitia. Ainda assim, mesmo depois de sair da frente dos negócios, continuou acompanhando tudo de perto. Nos últimos anos, ainda realizou um antigo sonho, criando e dirigindo a Fundação Victor Civita, instituição sem fins lucrativos que investe em educação, preparando professores, amparando alunos e publicando materiais
“Sem sonhos nada se faz” Confissões e idéias de VC, assim chamado quando citado pelos mais íntimos. • “Se eu tivesse aceitado a centésima parte dos “não” que recebi desde que cheguei ao Brasil, as empresas que fundei não existiriam.” • “As pessoas devem ter garra, interesse, persistência e fé, como também sonhos. Sem sonhos, nada se faz.” • “Escolhi a árvore como símbolo da Abril porque é a representação da fertilidade, a própria imagem da vida. O verde porque é a cor da esperança e do otimismo.” • “Não é a mais fácil, a mais cômoda palavra que existe. Se alguém diz não, terminaram aí seus problemas. Os problemas realmente começam quando você diz sim.” • “Todos têm que estar satisfeitos. Isto é uma coisa básica da filosofia da Abril: leitores, anunciantes, funcionários e colaboradores.” • “Quero ter uma idéia nova a cada dia e, depois, tentar realizá-la.” • “O mundo precisa de fazedores e não de idealistas. Embora todo fazedor seja um idealista.”
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UMA SEMANA DE 1990 Victor e Sylvana morreram em 1990 com apenas uma semana de intervalo. Ela ficou doente primeiro, internada durante semanas, e em coma, no final. Mesmo abatido com a situação, Victor tentava manter a rotina. Na sexta-feira, 24 de agosto, foi trabalhar no prédio da Marginal. Avisou o filho Roberto e voltou para casa na hora do almoço, dizendo que estava um pouco indisposto, nada mais. Richard, como era seu costume, visitava a mãe naquele dia, no hospital. Às 16h30min, ambos receberam telefonemas avisando que algo grave acontecera com o pai. Acordando do sono, após o almoço, Victor caiu da cama e ficou no chão. Quando chegaram, primeiro Richard, depois Roberto, ele estava morto. Em quatro décadas de Brasil, Civita construiu empresas nas mais variadas áreas, de livros e discos às listas telefônicas, passando por guias, anuários e enciclopédias. Criou distribuidoras de publicações, produtoras de vídeo, hotéis, transportadoras, frigoríficos e uma fábrica de embalagens. Mas até o fim sua grande paixão parece ter sido mesmo os mais de duzentos títulos de revistas que colocou no mercado e que venderam mais de 1 bilhão de exemplares. ACERVO MEMÓRIA ABRIL/SERGIO SADE
“Nenhum”, disse Victor, interrompendo o raciocínio de Roberto, que nem sabia para que serviam tais armazéns. “Mas vou fazê-los”, completou. Era o começo da Cefri. Civita não gostava muito de política. Como tantos empresários, não distinguia a condução de um negócio e de uma sociedade e achava que política atrapalhava. Preferia divulgar cultura e entretenimento do que propriamente jornalismo. Queria ver as bancas transformadas em verdadeiras bibliotecas. O que não o impedia de surpreender os amigos empresários em uma reunião em dezembro de 1963, época de agitação e instabilidade pelo discurso esquerdista do Governo João Goulart. Enquanto um dizia que venderia tudo e outro que iria embora, Civita saiu-se com esta: “Pois eu acabo de comprar uma nova rotativa”. Os amigos ficaram boquiabertos. “Qual é o problema?”, retrucou. “Se me confiscarem a empresa, fico sem nada do mesmo jeito. Mas eles, pelo menos, ficam com uma empresa melhor”. Ainda assim, Civita apoiou o filho Roberto no lançamento das revistas Realidade (1966) e Veja (1968). Em 1970, precedendo à conquista do tricampeonato mundial de futebol, surge a semanal Placar; no ano seguinte, Exame, a primeira revista de negócios do Brasil, e a versão nacional de Playboy, que revolucionou o segmento de revistas masculinas. Nos primeiros anos da década de 70, em diversos desses veículos, Civita sustentou a luta contra a censura. Até por causa disso, teve vetada pelos militares sua tentativa de expansão para a televisão, com a compra do espólio da TV Tupi. “Uma das grandes contribuições de meu pai foi na profissionalização do jornalismo. Quando voltei de meus estudos nos Estados Unidos, encontrei no Brasil jornalistas com dois, três, até cinco empregos. Com bons salários e muito investimento, conseguimos mudar essa realidade”, contou Roberto Civita em entrevista publicada no livro A Revista no Brasil.
a preço de custo, como a revista Nova Escola. Apesar de arriscar-se tanto, Civita era um exagerado detalhista. Especialmente quando o assunto era a pontualidade. Não conseguia se adaptar ao hábito jornalístico de trabalhar até tarde e chegar tarde ao local de trabalho. Também era o homem dos bilhetinhos, como aquele que certa vez escreveu a Thomaz Souto Corrêa, Vice-Presidente e Diretor Editorial da Abril: “Como cultor do bom uso do nosso idioma, preocupa-me ter notado por várias vezes em nossas revistas a confusão entre as palavras ‘mitificar ’ (criar mitos) e ‘mistificar’ (enganar, iludir). Conto com sua permanente vigilância nesta e nas demais questões pela causa do uso correto do nosso idioma.”
JORNAL DO COMMERCIO DO RIO DE JANEIRO
O primeiro Júlio Mesquita (abaixo) entrou no primitivo Estadão em 1885 e três anos depois assumiu a direção, na qual ficou 42 anos. Seu filho Júlio (à direita) igualou-o em tempo no comando: dirigiu o jornal de 1927 a 1969, quando faleceu. O terceiro Júlio assumiu.
TRÊS JÚLIOS E UM RUY, TODOS MESQUITA A longa e acidentada trajetória de uma dinastia de jornalistas que atravessou três séculos de imprensa no Brasil e transformou O Estado de S. Paulo numa das principais referências da mídia entre nós. POR P AULO C HICO
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segredo do sucesso e da longevidade de um dos mais tradicionais e expressivos jornais brasileiros, cuja história teve início em 4 de janeiro de 1875, reside, em grande parte, no talento e perseverança de uma das famílias mais importantes no cenário da comunicação no País. Por seguidas gerações e atravessando três séculos, e até os dias de hoje, os Mesquita respondem pelo O Estado de S. Paulo, que em seus primeiros anos ainda se chamava A Província de São Paulo, observando a denominação das unidades que formavam o Império do Brasil. O jornal foi fundado por 16 pessoas reunidas por Manoel Ferraz de Campos Sales e Américo Brasiliense, concretizando uma proposta de criação de um diário republicano com o propósito de combater a monarquia e a escravidão. Uma de suas inovações foi, logo em seus primeiros anos, introduzir o sistema de vendas avulsas no País, fato pelo qual chegou a ser ridicularizado pela concorrên-
cia da época – leia-se Correio Paulistano, O Ipiranga e Diário de S. Paulo. Até então, a comercialização dos jornais era feita apenas por assinaturas. Em seu primeiro número, o jornal tinha quatro páginas e uma tiragem de 2.025 exemplares. O nome Província foi mantido até 31 de dezembro de 1889, um mês após a queda da monarquia, atendendo ao pedido de colecionadores que não gostariam de arquivar logotipos diferentes num mesmo ano. Embora defendesse o fim do Império para a proclamação da República, o novo diário se apresentou como um órgão independente, sem compromissos partidários. A tipografia e o escritório do jornal ocupavam um sobrado da Rua do Palácio, antiga Rua das Casinhas, atualmente Rua do Tesouro, esquina com a Rua Álvares Penteado, no hoje chamado Centro Velho de São Paulo, que contava então com cerca de 20 mil habitantes. Em 1888, quando o nome de Júlio Mesquita, redator desde 1885, apareceu pela primeira vez no
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alto da primeira página como diretor-gerente, o jornal comemorou a abolição da escravatura. Era uma causa pela qual o periódico lutava desde a fundação. Em 16 de novembro de 1889, com a manchete Viva a República, a publicação noticiava o fim do Império e a constituição do Governo Provisório no Rio. No dia 18 do mesmo mês, dava os detalhes do embarque da família imperial para o exílio. No ano seguinte o redator-chefe Rangel Pestana deixa o jornal e Júlio Mesquita assume a efetiva direção de O Estado de S. Paulo, já com este nome. Tem início um período de grandes inovações, como a contratação da agência Havas, atual France Presse, cujos telegramas deram mais agilidade ao noticiário internacional. Em abril, o jornal publicou num clichê, como ilustração de primeira página, um retrato do caixeiro José Teixeira da Silva, morto num incêndio da Loja da China. A tiragem de O Estado de S. Paulo, que girava em torno de 10 mil exemplares, saltou para mais de 18 mil em 1897, com as
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notícias a respeito da guerra de Canudos. Embalado por essas inovações, O Estado de S. Paulo chega ao final do século XIX como o maior jornal de São Paulo, superando o Correio Paulistano. Propriedade exclusiva da família Mesquita a partir de 1902, o jornal apoiou a causa aliada durante a Primeira Guerra Mundial, e por isso sofreu represália da comunidade alemã na cidade, que retirou todos os anúncios do jornal. Mesmo assim, Mesquita manteve a posição de seu diário. Em 1915, passou a circular a edição vespertina do jornal, conhecida como Estadinho, dirigida pelo então jovem Júlio de Mesquita Filho, que iniciava sua carreira jornalística. Seu irmão, Francisco Mesquita, se dedicava à área administrativa da nova publicação. Essa edição circulou até 1921 e ficou conhecida como um jornal irrequieto e às vezes irreverente, sobretudo quando comparado ao Estadão, como era chamada a edição da manhã. Terminada a Primeira Guerra, o jornal enfrentou tempos difíceis com a gripe espanhola, que fez milhares de vítimas em São Paulo, inclusive dois redatores de sua equipe.
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Intelectuais destacados, como Monteiro Lobato (à esquerda), retratando Jeca Tatu, o homem da roça, e Euclides da Cunha, com as reportagens que geraram o admirável Os Sertões, granjearam para o jornal dos Mesquita relevo especial na imprensa do País.
ra vez, no dia 29 de julho, pelas forças federais de Artur Bernardes. Júlio Mesquita chegou a ser preso e enviado para o Rio, sob a alegação de ter tão somente mantido diálogo com os militares rebeldes que haviam ocupado a cidade durante os 23 dias de duração da Revolução. Em 1929, O Estado de S. Paulo ganhou uma ação de indenização por suspensão ilegal da circulação ocorrida cinco anos antes. EMBATES COM G ETÚLIO V ARGAS Com a morte de Júlio Mesquita, em 15 de março de 1927, Júlio de Mesquita Filho e Nestor Pestana assumiram a direção do Estado. Dois anos depois, a redação e a administração, que desde 1906 funcionavam na Praça Antônio Prado, inauguraram sede própria na Rua Boa Vista, onde permaneceriam até o fim dos anos 40. Júlio de Mesquita Filho e seu irmão Francisco Mesquita, que apoiaram Getúlio Vargas em 1930, lutaram contra ele na Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo recorreu às armas para exigir uma nova Constituição. Foram presos e enviados para o exílio em Portugal. O ESTADO DE S.PAULO
O TALENTO DE JÚLIO MESQUITA O impacto das mudanças produzidas por Júlio Mesquita à frente do Estadão pôde ser medido em números. Quando começou, o jornal tirava em torno de 4 mil exemplares, o bastante para disputar a liderança do mercado local. No dia de sua morte, ocorrida em 15 de março de 1927, a situação da publicação era outra. Ao longo de 39 anos de trabalho, tempo em que ele passou de funcionário a empresário, transformou O Estado de S. Paulo numa publicação de importância nacional, com uma tiragem que chegava aos 60 mil exemplares diários. A mudança não foi apenas quantitativa, evidenciada pela explosão na circulação. A obra de Júlio Mesquita consistiu principalmente em impor mudanças de concepção. Ele afastou a publicação do modelo partidário e deixou como herança um jornal nos moldes que o mercado adota até os dias atuais: produtor de relatos de eventos em suas reportagens e fornecedor de análises em editoriais e artigos. Outra mudança terminou por alçar o gerente à condição de proprietário do jornal. A regra do jornalismo partidário era dar destaque ao artigo assinado pelo diretor ou gerente do jornal, sempre candidato a intervir no mundo político, publicando-o no alto da primeira página. Porém, desde que assumira seu posto, Júlio Mesquita defendia como norma o anonimato dos textos de redatores. Para ele, um texto sem assinatura valia muito mais que outro assinado; enquanto este último trazia sempre uma opinião pessoal, o anonimato permitia construir textos que fossem isentos, e por isso mais valiosos para o público; representariam o jornal como um todo, e não apenas um de seus membros. Assim, pelas mãos de Mesquita, nascia o modelo que influencia os editoriais até os dias de hoje. Ao mesmo tempo, Mesquita defendeu outras modificações, como a filosofia de que todos os textos do jornal deveriam se submeter a uma norma única de gramática e estilo, imposta por profissionais especializados. A contenção do espaço para a promoção pessoal deixou muitos insatisfeitos. A prevalência do interesse geral sobre a carreira política particular tornava o investimento em cotas do jornal pouco interessante para muitos de seus detentores originais, sempre de olho em dividendos de natureza política. Pouco sensíveis aos resultados econômicos crescentes, acabaram ven-
dendo suas cotas para o gerente, que aos poucos se tornou o proprietário de O Estado de S. Paulo. Mas nem só do talento de Júlio Mesquita se alimentava o crescimento do jornal. Houve a colaboração de escritores ilustres. Monteiro Lobato, que estreou com um artigo sobre a situação dos trabalhadores rurais, escreveu outro em que retratava a figura do Jeca Tatu. Era um dos colaboradores do jornal, ao lado de nomes como Olavo Bilac, Raul Pompéia e Guilherme de Almeida. Também Euclides da Cunha fez história na casa. O repórter que publicaria Os Sertões saiu da Redação com a missão de tomar notas e fazer estudos para escrever um trabalho de fôlego sobre Canudos e Antônio Conselheiro. Cumpriu a missão com mestria. Em 1922 o Estadão comemorou o centenário da Independência com uma edição de 64 páginas, um marco na época. Na capa, uma grande ilustração com as imagens de D. Pedro I e do patriarca José Bonifácio. Na Revolução de 1924, quando revoltosos comandados pelo General Isidoro Dias Lopes ocuparam e bombardearam a capital de São Paulo, o jornal teve sua circulação suspensa pela primei-
Ruy Mesquita, da terceira geração da família, foi editor de Internacional do Estadão e fundador do inovador Jornal da Tarde.
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Mino Carta (à direita) estava à frente do lançamento do Jornal da Tarde, chamado de “Estadinho”, que chegou às bancas durante as comemorações dos 91 anos de O Estado de S.Paulo no dia 4 de janeiro de 1966. Acima, a primeira página da primeira edição, tal como se encontra no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
a defesa aberta e pública da censura. Pouco antes da edição do Ato Institucional nº 5-AI-5, no editorial de sua edição de 11 de junho de 1968, o jornal pedia a adoção de medidas de controle sobre as produções teatrais. Era uma postulação contraditória, principalmente pelo fato de o próprio jornal, em 1951, ter instituído o Prêmio Saci, voltado para aos melhores profissionais do teatro e do cinema (ver quadro abaixo). A edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, trouxe, além do fechamento do Congresso Nacional por um ano, o agravamento das ações de censura prévia nos campos da música, teatro, cinema e televisão Além, é claro, da perda da liberdade dos próprios jornais que, como o Estadão, até poucos meses antes defendiam maior rigor dos censores sobre os artistas. A edição do jornal no dia da promulgação do Ato Institucional foi apreendida, por causa do editorial Instituições em Frangalhos, no qual Júlio de Mesquita Filho, que o redigiu, criticava a medida. Diante de tais ações de repressão, somadas à dissolução dos partidos políticos e à perda de
direitos civis, O Estado de S. Paulo passou a adotar uma posição frontalmente contrária ao regime militar. Após a morte de Júlio de Mesquita Filho, em 1969, seu filho Júlio de Mesquita Neto assumiu a direção da publicação. Começava o período mais duro do regime militar. O Estado e o Jornal da Tarde não se dobraram diante da censura imposta pela ditadura. A partir de então, o jornal passou a contar com censores da Polícia Federal em sua Redação, ao contrário dos outros grandes veículos brasileiros, que aceitaram se autocensurar. Recusando-se a substituir as matérias cortadas, os dois jornais publicaram repetidas vezes os versos de Os Lusíadas, de Camões (Estado), e receitas de bolos e doces (Jornal da Tarde). Estudo feito pela Professora Maria Aparecida de Aquino em sua tese de mestrado na Usp mostra que no período de 29 de março de 1973 a 3 de janeiro de 1975 foram censuradas 1.136 matérias de O Estado de S. Paulo, mais da metade relativas ao noticiário político geral. Os poucos critérios – ou a total falta deles – eram evidentes no corte da tesoura dos censores da época. Até mesmo a divulgação da ocorrência de um surto de epidemia de meningite, absolutamente necessária para que a população se prevenisse contra ela, foi considerada “subversiva” e vetada. Em 1974, a Federação Internacional de Jornais outorgou o Prêmio Pena de Ouro da Liberdade a Júlio de Mesquita Neto. Era o reconhecimento da comunidade internacional de jornalistas à luta travada no Brasil pelos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde contra a censura. No dia 21 de agosto de 1980, a União Federal foi condenada a indenizar os dois jornais pela imposição discriminatória da censura prévia no caso do noticiário sobre a demissão do Ministro Cirne Lima nos dias 11 e 12 de maio de 1973. Na ocasião, só os dois jornais foram proibidos de publicar a notícia. Era a segunda vez que o Grupo Estado ganhava uma ação contra uma arbitrariedade do Governo. A censura só acabou em 4 de janeiro de 1975, quando O Estado comemorava o centenário de sua fundação.
Um texto em que o Estadão defendeu a censura ao teatro Eis um trecho do editorial do Estadão que, em junho de 1968, levou um grupo de artistas do Rio e de São Paulo a devolverem, como forma de protesto, os Prêmios Saci, com que o jornal homenageava todo ano os melhores da área artística: “Foi uma oportuna manifestação a do Deputado Aurélio Campos, sobre os excessos que se tem verificado
em representações teatrais no terreno do desrespeito aos preceitos morais. O mundo teatral – atores, atrizes e autores - vem movendo uma campanha contra a censura(...) O que na censura geralmente se vê é uma ameaça à liberdade, o que assume a feição particularmente antipática quando a liberdade ameaçada é a artística. Carradas de razão, entretanto, teve o
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parlamentar ao assinalar, a propósito de peça teatral a cuja representação assistira, que a censura, longe de se mostrar rigorosa no escoimá-la de seus exageros mais escandalosos, o que revelou foi uma complacência que não pode deixar de ser severamente criticada”, afirmava o editorial, que revoltou boa parte da classe artística.
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No início dos anos 60, em especial na proximidade do golpe militar de 1964, há páginas que, provavelmente, o Estadão preferia não ter escrito em sua história. Em editoriais e artigos críticos ao Governo Federal, O Estado de S. Paulo, assim como muitos outros grandes jornais brasileiros, combatia a ameaça do comunismo, criticava as alianças do Governo João Goulart com líderes de esquerda e procurava mobilizar a opinião pública para o suposto perigo das reformas políticas por ele defendidas. Em sua maioria, os jornais alertavam que “forças políticas comunistas tentariam tomar o poder no País”. Além de apoiar o golpe e a eleição indireta do General Humberto de Alencar Castelo Branco para Presidente da República, nos primeiros dias de abril de 1964, pesa contra a história de O Estado de S. Paulo
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DO APOIO AO GOLPE ÀS AGRURAS DA CENSURA
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De volta ao Brasil em 1934, quando seu cunhado Armando de Sales Oliveira foi nomeado interventor e depois eleito Governador de São Paulo, Júlio de Mesquita Filho coordenou a comissão que planejou e organizou a Universidade de São Paulo-Usp. A idéia da criação da instituição fora lançada pelo jornal ainda em 1927. E coube ao próprio Júlio a tarefa de arregimentar os professores estrangeiros para a formação do corpo docente da Faculdade de Filosofia, com destaque para os jovens Fernand Braudel, Claude LéviStrauss, Roger Bastide e Pierre Monbeig. Durante o Estado Novo, que consolidou a ditadura de Vargas em 1937, Júlio de Mesquita Filho foi preso 17 vezes e de novo exilado, primeiro em Lisboa e depois em Buenos Aires, onde se encontrava em 25 de março de 1940. Nessa data, soldados da Força Pública ocuparam a sede do jornal, sob a alegação de que seus proprietários armazenavam metralhadoras para derrubar o Governo. Numa farsa, armas foram “apreendidas” na Redação. O jornal foi inicialmente fechado e logo depois confiscado pela ditadura; passou a ser administrado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o Dip, criado pela ditadura do Estano Novo para controlar a informação no País. A expropriação prolongou-se até dezembro de 1945, quando foi devolvido pelo Supremo Tribunal Federal aos seus legítimos proprietários. Assim, O Estado de S. Paulo passou cinco anos e meio sob intervenção - período que o jornal não conta em sua história. Em 31 de dezembro de 1951, o jornal inaugurou novo endereço — o moderno edifício da Rua Major Quedinho, 28, onde permaneceria até junho de 1976. Foi ali que em 1966 nasceu o Jornal da Tarde, de início vespertino, que inovou a imprensa brasileira pela apresentação gráfica e pela exclusividade de suas reportagens, sob a direção de Ruy Mesquita, filho de Júlio de Mesquita Filho. Ainda no início dessa década de 60 outro capítulo importante na história da publicação foi a reforma capitaneada por Giannino Carta, pai de Mino Carta, e Cláudio Abramo, o qual intensificou e concluiu o trabalho do jornalista italiano. Nas mãos desses jornalistas o Estado começava a firmarse como o melhor jornal do País pós-guerra, o primeiro em sintonia com as principais referências em mídia impressa no mundo, muito antes da famosa reforma do Jornal do Brasil, ocorrida em 19561957. Nessa época O Estado de S. Paulo passou a dar grande destaque à editoria Internacional, que estava sob o comando de Ruy Mesquita. Durante quase duas décadas, os assuntos internacionais dominaram a sua primeira página, derrubando fronteiras na cobertura da imprensa brasileira.
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Na década de 70 o jornal endividou-se para a construção de sua nova sede na Marginal Tietê e passou por severa crise financeira; buscava assim disputar o mercado com o novo padrão de jornalismo representado pela Folha de S. Paulo, seu principal concorrente. A época era favorável para a construção desse prédio, mas no final dos anos 70 veio a crise do petróleo, que afetou duramente o País e gerou fortes desvalorizações cambiais. A empresa enfrentou até o início dos anos 80 uma crise financeira difícil; ficou sem condições de fazer investimentos, teve que reduzir custos e negociar sua dívida com os bancos. Somente com o auxílio de um especial conselho consultivo – formado por José Mindlin, Antônio Ermírio de Moraes, Roberto Teixeira da Costa e José Carlos Morais de Abreu — foi feita uma capitalização na OESP Gráfica, com a geração de recursos que garantiram novo fôlego à empresa. Em 1986, o Estado contratou o jornalista Augusto Nunes para assumir o posto de diretor de Redação. Ele renovou o noticiário e empreendeu uma série de reformas gráficas, que redundariam na adoção, em 1991, de cores no jornal e de edições diárias. Até então o Estado não circulava às segundas-feiras e dias seguintes a feriados. Com a morte de Júlio de Mesquita Neto, em 1996, o jornal passou a ser dirigido por seu irmão, Ruy Mesquita, até então diretor do Jornal da Tarde. Após uma fracassada experiência no campo das telecomunicações, o Grupo Estado passou por uma reestruturação em 2003, e a maior parte da família Mesquita deixou os cargos de direção. Demissões em massa ocorreram no Grupo e uma nova reformulação gráfica foi feita em 2004, com a criação de novos cadernos, que renderam à publicação diversos prêmios de excelência gráfica. Além do jornal O Estado de S. Paulo, o Grupo Estado publica o Jornal da Tarde e detém controle sobre a OESP Mídia (1984), empresa que atua no ramo de publicidade por meio de classificados. Pertencem ao Grupo Estado as rádios Eldorado AM e FM (1958) e a Agência Estado (1970), maior agência de notícias do País. Atualmente o jornal é o quarto em circulação no Brasil, com uma média diária de 250 mil exemplares. O Estado de S. Paulo comemora em 4 de janeiro de 2009 seus 134 anos de fundação e 129 anos de vida independente – descontados os cinco anos em que esteve sob intervenção do Estado Novo. Hoje, com um parque industrial de última geração, com capacidade de imprimir cores em todas as suas páginas, o Estadão é o coroamento de uma trajetória que teve início com uma impressora manual Alauzet, movida por ex-escravos contratados que foram responsáveis diretos pela impressão do primeiro número do jornal, em 4 de janeiro de 1875, com o nome A Província. Em abril de 2004, o jornalista Ruy Mesquita, diretor de Opinião de O Estado de S. Paulo, foi agraciado com o prêmio Personalidade de Comunicação 2004, conferido pela Associação Brasileira de Jornalismo Empresarial, marcadamente pelo trabalho histórico em defesa da liberdade de imprensa. Sobre o futuro, Ruy Mesquita é taxativo. “Só sobreviverão os jornais que se tornarem leitura indispensável de certos setores da sociedade, as classes dirigentes - os empresários, os intelectuais, os políticos - sem a pretensão de concorrer em termos de números de circulação com as audiências da internet ou mesmo da televisão. Ninguém lê jornal para se distrair ou se entreter. Lê para se informar, para se atualizar, para, enfim, melhor se preparar para vencer na vida, para exercer plenamente a sua cidadania”, afirmou em entrevista recente.
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“Nenhum Mesquita tem fortuna pessoal”, disse sem mágoa Ruy Mesquita, que há mais de 60 anos bate ponto no jornal.
Os Mesquita sabiam fazer jornais; ganhar dinheiro, não Os Mesquita sempre estiveram voltados para a função institucional do jornal; nunca tiveram a mentalidade de empresários. A observação foi feita pelo jornalista Ruy Mesquita em longa entrevista concedida em 2004 ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, da qual participaram, além do mediador Paulo Markun, os jornalistas Roseli Figaro, Caio Túlio Costa, Mauro Sales e Milton Coelho da Graça, o cientista político João Roberto Martins Filho, professor da Universidade de São Carlos, e a historiadora Beatriz Kushnir, que atualmente é Diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e acabara de lançar o livro Cães de guarda: jornalistas e censores do AI-5 à Constituição de 1988. Ruy Mesquita respondia a uma pergunta de Milton Coelho, que contou que foi editorchefe de O Globo e na época a rádio corredor falava de um suposto acordo entre o jornal de Roberto Marinho e O Estadão e a Folha de S. Paulo, para que O Globo não se instalasse em São Paulo e os dois jornais paulistas não fossem para o Rio de Janeiro. Milton quis saber se isto era verdade. Mesquita respondeu: — O Estado nunca quis ir para o Rio porque não tinha condição para isso; era uma empresa próspera e tal, mas modesta, e também não tinha grande interesse em ir. Os Mesquitas nunca tiveram a mentalidade de empresário, nunca foram empresários; eles sempre puseram acima de tudo a função institucional do jornal. O Mesquita mais rico individualmente foi meu avô, Júlio Mesquita, que tinha fortuna pessoal quando morreu. Quando meu pai morreu – eu guardo isso como um galardão de honra — , o inventário dele, feito no atual escritório Manuel Alceu Ferreira, não continha um tostão fora do que ele tinha na empresa, embora ele dissesse sempre para nós: “Com vocês nunca vai acontecer o que aconteceu comigo”. — Quando Getúlio Vargas confiscou o jornal, meu pai ficou sem ter o que comer. Ele estava exilado em Buenos Aires desde 1938 e em 1943 acabou o dinheiro dele. Ele tinha vendido a última coisa que possuía, que era a casa em que morou aqui em São Paulo. Como não era con-
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denado pelo Tribunal de Segurança Nacional criado por Getúlio, ao contrário de meu tio Armando de Sales Oliveira, cunhado dele, que estava exilado com ele e fora condenado, meu pai arriscou voltar para São Paulo. Estava no final da ditadura de Getúlio e se prenunciava a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Ele voltou para São Paulo de trem, porque não tinha dinheiro para pagar passagem de navio ou de avião. Para ver se arrumava alguma coisa para fazer da vida, ele foi morar com minha mãe numa quitinete na Rua Barros não sei o quê, aqui do lado da Rua Major Sertório. Ele ia comer na casa do meu tio, onde eu morava. — O Estado foi devolvido dois anos depois, em 1945. Os anos de intervenção foram a fase mais próspera do jornal, porque a gestão financeira da ditadura na empresa foi muito boa. Os homens que o Getúlio pôs lá para gerir a parte comercial e financeira do jornal nada tinham de políticos, tanto que foram mantidos lá pelo meu tio, Francisco Mesquita, que era o diretor de administração do jornal.Eles ficaram lá até o fim da carreira deles. O jornal atravessava a sua fase mais próspera. Meu pai dizia para nós: “Eu agora vou cuidar de arrumar a vida de vocês fora do jornal, para que nunca mais vocês passem o que eu passei”. — Quando papai morreu, como contei – tenho aí guardado o inventário dele —, deixou exclusivamente o apartamento onde morava, que não era um apartamento milionário. Era um excelente apartamento, mas não era um apartamento de 1 milhão de dólares. Não deixou rigorosamente mais nada. Essa fazenda de Louveira, da nossa família, era herança do pai dele, que teve nove filhos, e eles a herdaram. Ele tinha um nome nessa fazenda, mais nada. — E eu estou assim, há 58 anos batendo ponto no jornal. Quando eu morrer, serei mais rico que ele, pois consegui comprar, na melhor fase do jornal na minha vida, uma fazenda pequena no Triângulo Mineiro. Eu toquei a fazenda, plantei seringueiras e ela se sustenta plenamente. Não tenho mais nada que isso, assim como nenhum de nós: nenhum Mesquita tem fortuna pessoal.”
FOLHA IMAGEM/J.R.DURAN
POR M ARCOS S TEFANO
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OCTÁVIO FRIAS O EMPRESÁRIO COM ALMA DE REPÓRTER Octávio Frias de Oliveira dizia que era um homem de negócios, e não um jornalista. Mesmo assim, foi um dos principais responsáveis pela modernização da imprensa brasileira em meados do século passado e pela transformação da Folha de S. Paulo no maior diário do País.
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ctávio Frias de Oliveira foi um homem com tino para os bons negócios. Por isso, sempre promovia na sede de seu jornal, a Folha de S. Paulo, almoços com convidados especiais, que iam de importantes políticos brasileiros a artistas e intelectuais da moda. Reforçava, assim, não apenas a imagem e o prestígio da empresa que assumira em 1962, cujo jornal se tornou, desde a década de 80, o de maior tiragem e um dos mais influentes do País. Também abria caminhos para novas oportunidades de investimentos e atraía mais anunciantes. Nesses e em outros momentos, Seu Frias – como costumava ser tratado, por sua própria decisão excluindo o “doutor”, forma de tratamento que para ele era apenas marca de duvidosa superioridade social, e não de conhecimento – não gostava de ser chamado de jornalista. Era empresário, ponto. Entretanto, todos os que participavam desses encontros eram surpreendidos, pois, apesar de estarem presentes tarimbados profissionais o veículo, as perguntas mais embaraçosas, contundentes e que iam direto ao ponto, vinham de Octávio. Inquiridor por natureza, sua visão jornalística e alma de repórter fizeram dele um dos mais notáveis personagens da imprensa brasileira. Penúltimo dos nove filhos do casal Luiz Torres de Oliveira e Elvira Frias de Oliveira, Octávio nasceu em Copacabana, no Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 1912. Sua infância foi marcada pela contrariedade. Apesar de pertencer a uma família carioca tradicional, em que o bisavô fora o Barão de Itambi, político influente do Segundo Reinado, e o avô, Luiz Plínio d’Oliveira, o administrador dos históricos Arcos da Lapa, adutora que trazia água de Santa Teresa para o centro da então da capital federal, teve seus primeiros anos cercado de dificuldades. Em 1918, seu pai, um juiz de Direito, licenciou-se da magistratura para trabalhar em São Paulo com Jorge Street, tio de Elvira e pioneiro do setor têxtil. Antes de completar oito anos, Frias perdeu a mãe e, logo em seguida, a família foi abalada com mais uma falência industrial de Street – ao todo, três de suas empresas quebraram em diferentes momentos.
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A situação de Frias contrastava com o ambiente em que vivia. “Aos domingos minha família visitava os Street, no bairro dos Campos Elíseos. Aquelas oportunidades me marcaram muito. Via três carros na garagem de meu tio e voltava para casa de bonde”, disse Frias em entrevista para o livro A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira, perfil biográfico escrito pelo jornalista Engel Paschoal. Frias estudou no Colégio São Luís, na Avenida Paulista, freqüentado pela elite paulistana. Sofria com as crescentes dificuldades financeiras do pai, os atrasos dos pagamentos das mensalidades da escola e com o sapato furado, que usava forrado com jornal por dentro para tapar o buraco. Aos 14 anos, cansado da situação, usou como desculpa o fato de não ter passado nos exames para ir trabalhar. Gostava de História Universal, sonhava em ser advogado, mas tomou a decisão que pautaria sua vida: queria ganhar dinheiro. O começo não parecia indicar isso. Foi contratado para ser office-boy na Companhia de Gás de São Paulo. Mas começou a ajudar em casa e sua dedicação logo chamou a atenção de seus chefes, que perceberam sua habilidade para operar as antigas máquinas de calcular Elliot Fischer e o promoveram a mecanógrafo. Quatro anos depois, em 1930, ingressou na Secretaria da Fazenda do Governo de São Paulo, tornando-se funcionário público. Durante esses anos, começou a mostrar a aptidão para os negócios. Como recebia 600 mil réis por mês, vendia rádios à noite para aumentar a renda. “Eu batia na casa e oferecia um rádio, deixava o aparelho lá de experiência e dias depois voltava”, contou Frias, revelando uma estratégia de marketing inovadora para a época. Era a primeira, mas não a mais importante inovação. Em 1943, mesmo já ocupando o cargo de Diretor do Departamento Estadual do Serviço Público e respondendo pela Diretoria de Contabilidade e Planejamento, deixou o serviço público para criar o Banco Nacional Imobiliário-BNI com o xará Octávio Roxo Loureiro. Entrava no ramo empresarial apenas, como costumava dizer, “com a cara e a coragem”. Mas também com boas idéias, como os condomínios a preço de custo, que levou à construção de mais de
Octávio Frias estava acostumado a receber na sede de seu jornal visitas ilustres como o Governador da Guanabara, Carlos Lacerda, em 1963; o Governador do Maranhão, José Sarney, em 1967 (foto abaixo) e o ex-Presidente Juscelino Kubitschek e seu amigo Adolpho Bloch, em 1974 (na página oposta).
dez prédios, entre eles, o Edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer em meados dos anos 50, e que se tornou um dos símbolos da cidade. Além do arquiteto, Frias fez amizade com os pintores Cândido Portinari e Di Cavalcânti, convidados por ele para fazer alguns painéis nos prédios e teatros que construiu. O “canguru-mirim”, campanha de estímulo à poupança infantil, foi outra ação do BNI que marcou época. ANIVERSÁRIO NA TRINCHEIRA Na carreira que construiu na imprensa, Frias ficou marcado pela defesa intransigente de dois pressupostos: a pluralidade de idéias e a independência dos governos. Pode até ser que tenha sido levado a elas pelas circunstâncias políticas, mas suas origens para o empresário eram muito mais antigas. Frias alistou-se nas tropas da Revolução Constitucionalista de 1932. Permaneceu dois meses em Cunha, no Vale do Paraíba, passou seu aniversário numa trincheira, participou de esca-
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ramuças e presenciou a morte de diversos companheiros. Logo, percebeu que a ação militar contra o Governo Central era uma aventura que terminaria em fracasso. Também passou a revelar uma antipatia pela liderança oligárquica do movimento. Findada a luta, passou a adotar uma posição cética quanto à política. Tanto que, nos anos seguintes, manteve-se distante tanto do comunismo quanto do integralismo, as duas correntes ideológicas que mais empolgavam a juventude. Sua vocação era a empresa que assumira; por causa dela, foi diversas vezes aos Estados Unidos, onde foi fortemente influenciado pela cultura empresarial. Pelo BNI, Frias também teve seu primeiro contato com José Nabantino Ramos, então controlador do Grupo Folha da Manhã. Nabantino pediu ajuda a Frias para capitalizar a empresa com a emissão de ações. Como Loureiro não se interessou, Frias criou a Transações Comerciais Ltda.-Transaco e foi um dos primeiros a vender títulos. O episódio representou apenas a primeira divergência entre os sócios. Frias considerava que Loureiro conduzia mal alguns negócios e decidiu deixar o banco. No dia seguinte ao rompimento, começavam outros tempos difíceis para Frias. Primeiro, caiu de um cavalo e quase fraturou a espinha. Ficou seis meses engessado. Depois, apenas algumas semanas após se recuperar, sofreu um desastre automobilístico. O carro que dirigia entrou na traseira de um caminhão parado, sem sinalização, na Via Dutra. Morreram Zuleika Lara de Oliveira, sua primeira mulher, e o irmão, José. Sem dinheiro, sem mulher e sem opções, já que não recebera nenhuma oferta de emprego, não lhe restava outra alternativa senão começar outra vez do zero. Frias dizia que as pessoas viravam a esquina para não cruzar com ele. Estava com a imagem queimada, ainda por causa dos maus negócios do BNI. Ele lembra que andava na Rua da Consolação, com as mãos no bolso, quando decidiu retomar as operações da Transaco. Começou a vender assinaturas justamente da Folha. Em apenas dois meses, já eram 6 mil novas assinaturas por mês, e Frias ficava com 30% dos valores. Nessa época, ele conheceu Dagmar de Arruda Camargo, sua futura esposa, com quem teria os filhos Otávio, Diretor de Redação da Folha, Maria Cristina, que escreve sobre economia no jornal, e Luís, Presidente do Grupo Folha, além da médica Maria Helena, filha do primeiro casamento de Dagmar. Beth, a filha que adotara com Zuleika, foi morar com a irmã do empresário, Maria Carlota.
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Um encontro histórico em 1979: na frente, Fernado Henrique Cardoso, Boris Casoy, Severo Gomes e Octávio Frias. Conversam atrás Dalmo Dallari, Franco Montoro (encoberto), Joelmir Beting e Eduardo Suplicy. U.DETTMAR
O sucesso na Transaco fez Frias arriscar em outros empreendimentos. Em 1954, ele comprou um pequeno sítio próximo a São José dos Campos, SP, e o transformou na Granja Itambi, que se tornou uma das maiores do País. Com Carlos Caldeira Filho, construiu a primeira Estação Rodoviária de São Paulo, na Luz, para organizar a bagunça que eram o embarque e o desembarque de ônibus intermunicipais nas ruas e calçadas do centro da capital paulista. Mas a grande cartada viria a seguir, com a compra da Folha, em 1962. Era inegável a mão de Nabantino na empresa. De diários poucos expressivos, ele criou um jornal moderno. Em 1960, reuniu os três títulos, o carro-chefe Folha da Manhã, a Folha da Tarde e a Folha da Noite, transformando-os num só jornal, a Folha de S. Paulo, que brigava pelo segundo lugar com o Diário de S. Paulo, com uma tiragem de mais de 170 mil exemplares. Ainda assim, a empresa sofria com dívidas e deixava Nabantino cada vez mais desanimado. Depois de uma greve em 1961, ele perdeu de vez a paciência e ofereceu o jornal a Frias e Caldeira. Os novos donos até estranharam a posição de Nabantino; afinal, ele aceitou até cheque sem fundo pela Folha. “Era uma sexta-feira e disse a ele que só depositasse o cheque na segunda, senão voltaria. O resto pagamos em 24 prestações. Depois entendi o Nabantino, pois já na primeira semana me arrependi. O passivo era enorme e não sabia para quem empurrar o jornal”, diz Frias em A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira.
Cláudio Abramo (D), o jornalista responsável pela mais importante reformulação da Folha de S.Paulo – realizada no final da década de 70–, conversa com Wanderley de Araujo Moura e Octávio Frias durante a comemoração dos 60 anos do jornal, em dezembro de 1981. Ao fundo, Luís Frias observa o trio de feras.
Como Caldeira não queria aparecer, Frias tornou-se o presidente. Era o início de um périplo. Todo dia, ele ia ao jornal pedir ou reformar empréstimos junto aos bancos. Tudo que entrava era reinvestido na empresa. “Creio que um dos motivos do sucesso de meu pai é que ele vivia uma vida muito espartana. Dinheiro nunca representou luxo para ele nem coisas supérfluas. No começo, não saía um tostão do jornal”, conta a filha Maria Cristina, em depoimento no livro sobre a trajetória de seu pai. Nem para comprar papel a Folha recorria aos bancos, sempre buscando solidez financeira para praticar um jornalismo mais independente. “À semelhança de Roberto Marinho e Victor Civita, meu pai ajudou a trazer uma mentalidade de empresa ao ambiente senhorial, pré-capitalista, da imprensa da época. As empresas jornalísticas passaram a ser menos um instrumento de poder político e prestígio mundano – quando não
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de negociatas – para se tornarem efetivamente empresas: voltadas a atender às demandas do público consumidor a fim de ampliar seus mercados e margens de lucro. Empresas mais profissionais propiciaram a profissionalização do jornalismo, até então um trabalho irregular caracterizado por ‘bicos’, duplo ou triplo emprego e diletantismo”, afirma o filho Otávio Frias Filho. Foi essa mesma mentalidade que levou Frias e Caldeira a investirem na compra de outros jornais para baratear a distribuição. Compraram a Última Hora paulista e o Notícias Populares. Em seguida, investiram em tecnologia. Em 1968, a Folha tornou-se o primeiro jornal da AméricaLatina a ser impresso no sistema ofsete. Em 1971, adotava a fotocomposição ou composição a frio no lugar dos tradicionais moldes de chumbo. No final dos anos 60, Frias chegou a organizar o embrião de uma rede nacional de televisão, juntando a TV Excelsior de São Paulo, cujo controle adquiriu em 1967, com
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emissoras no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A empreitada não durou mais que dois anos, pois com a desistência de Caldeira os sócios deixaram o projeto de lado. Enquanto isso, a Folha crescia em circulação e melhorava sua participação no mercado publicitário. MORANDO NA R EDAÇÃO Após a morte de Frias, em abril de 2007, aos 94 anos, muita gente se derramou em elogios copiosos ao publisher do Grupo Folha. Situação diferente do que aconteceu no começo do regime militar, quando seu jornal foi alvo de duras críticas. Como outros órgãos da grande imprensa, a Folha apoiou o golpe de 1964. E entre 1968 e 1973, os anos mais duros da repressão, adotou aquilo que chamou de “imparcialidade acrítica”, não sofrendo a mesma censura a que eram submetidos outros veículos. Nesse período, alguns caminhões do jornal foram usados por equipes do Doi-Codi (Destacamento de Operações Internas-Centro de Operações de Defesa Interna) para operações de repressão e o jornal tornou-se alvo de atentados da guerrilha. Frias e sua família passaram a ser ameaçados de morte. “Queimaram três caminhões da Folha. Fomos morar no prédio do jornal, da morte do Lamarca, em setembro de 1971, a fevereiro de 1972”, revela Frias Filho. Apesar da amizade entre Caldeira e o então Secretário de Segurança Pública, Coronel Erasmo Dias, Frias Filho acredita que as ações com os caminhões do jornal foram feitas à revelia de seu pai e até do próprio Caldeira. A partir de 1973, a Folha adotou uma posição política mais independente e afirmativa. Com a situação financeira consolidada, era o momento de investir na Redação. Para tanto, contava com Cláudio Abramo, que reformulou o jornal e criou, entre outras coisas, a seção de opinião nas páginas 2 e 3. Enquanto a 2 trazia os editoriais do veículo, a 3 era reservada para a seção Tendências / Debates, publicando textos contra e a favor do regime e abrindo espaço mesmo para perseguidos. Apesar de ser forçado a recuar em 1977, sob ameaça de fechamento do jornal e prisão do publisher, depois da publicação de uma crônica de Lourenço Diaféria, Herói. Morto. Nós, a qual fazia uma crítica velada aos militares, a Folha inaugurou um padrão que seria copiado por todos os grandes jornais. Apoiado por Frias, Abramo também reuniu um time de talentosos jornalistas e colunistas como Jânio de Freitas, Paulo Francis, Tarso de Castro, Gláuber Rocha, Flávio Rangel, Alberto Dines, Mino Carta, Osvaldo Peralva, Luiz Alberto Bahia e Fernando Henrique Cardoso. “Se houve erros nos primeiros anos, nos últimos a Folha cumpriu papel importante para que a abertura e a redemocratização dessem certo. Em agosto de 1977, relatório do Serviço Nacional de Informações dizia que o jornal tinha o esquema de infiltração mais bem montado da grande imprensa para isolar o Governo da mídia. Mesmo assim, Frias com sua filosofia pluralista e de isenção bancou a linha editorial”, diz o jornalista Engel Paschoal. Nos anos de 1983 e 1984, essa posição chegou ao ápice com o apoio dado ao Movimento Diretas Já. “Sem a posição do Frias não teria existido o movimento nem as greves no ABC paulista alcançariam a mesma repercussão no final dos anos 70. Ele conseguiu fazer da Folha de S. Paulo uma pu-
FOLHA IMAGEM/EVELSON DE FREITAS
Durante a inauguração do Centro Tecnológico Gráfico da Folha em 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso folheia uma edição especial que acabara de ser impressa. Acima, Octávio Frias e seus filhos Luís e Otávio participam de um almoço de confraternização de fim de ano, em 1999.
blicação quase obrigatória para aqueles que queriam ler uma imprensa isenta e crítica. Mesmo pautando-se para não ser chapa-branca, reconhecia naquele tempo aquilo que o Governo fazia”, diz o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Situação semelhante aconteceu durante o Governo Collor, já nos anos 90, quando o jornal foi o primeiro a pedir o impeachment do Presidente, apesar de apoiar suas propostas de liberalização econômica. FUROS E POLÊMICAS Na década de 80, a Folha passou por mais uma grande reestruturação. Com orientação de Frias, o jornal introduziu novos sistemas de produção, pla-
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nejamento com metas determinadas, treinamento, controle de custos, avaliação do desempenho da Redação e padronização dos textos. Novidades no meio jornalístico, mas também razão para muitos debates e polêmicas. De uma forma ou de outra, em 1986 a Folha se tornaria o jornal brasileiro de maior circulação, posição que mantém até hoje. Entusiasta da pesquisa de opinião, Frias ainda criou o instituto de pesquisas Datafolha e montou em 1995 o maior e mais avançado parque gráfico da América Latina, um projeto orçado em US$ 120 milhões. Em 1991, depois do rompimento da sociedade que mantinha com Caldeira, Frias tornou-se dono único do Grupo Folha, que além do jornal, do Datafolha e da indústria gráfica Plural ainda abrange os jornais Agora, campeão de vendas em bancas no Estado de São Paulo, o Valor Econômico, lançado em parceria com as Organizações Globo, o Alô Negócios, maior jornal de Curitiba, PR, em número de classificados, a editora de livros Publifolha, o Banco de Dados da Folha, a agência Folhapress, a São Paulo Distribuição e Logística, em parceria com o Grupo Estado, a Transfolha e o Universo Online-Uol, principal provedor de conteúdo e de acesso à internet no País. Apesar de insistir até o fim da vida que era empresário e não repórter, Frias dava seus furos de vez em quando. Em março de 1985, por exemplo, foi ele quem trouxe a notícia de que o estado de saúde do Presidente eleito Tancredo Neves era muito mais grave do que afirmavam médicos e autoridades do novo Governo. Mas muito mais bombásticas do que essas notícias eram as declarações que costumava dar com toda a franqueza nas entrevistas que concedia. A última, em 2003, foi sobre o endividamento da mídia brasileira: “O que interessa ao Governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a governo nenhum.”
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Entre Alberto Dines, Diretor Cultural, e Prudente de Morais, neto, Presidente da ABI, Roberto Marinho proclama que é jornalista profissional, homem de imprensa, filho de outro homem de imprensa.
“C
onsidero esta Casa uma extensão da minha sala de trabalho.” A frase proferida pelo jornalista Roberto Marinho poderia expressar um transbordamento de cortesia, o que não seria excepcional em quem, como ele, era reconhecidamente afável no relacionamento com as pessoas. Naquele 1º de junho de 1976, porém, a declaração assumia o claro sentido de firme apoio à ABI num momento em que jornalistas, veículos de comunicação e associações do pessoal da área de comunicação enfrentavam o cerco à liberdade de expressão e a impiedade do aparelho repressivo da ditadura militar. Poucos meses antes, em outubro, o jornalista Vladimir Herzog, Diretor de Jornalismo da TV Cultura, fora assassinado nos porões de tortura do Destacamento de Operações Internas do Centro de Operações de Defesa Interna, conhecido pela terrível sigla Doi-Codi e sediado num sinistro prédio da Rua Tutóia, na capital paulista. Vladimir, conhecido como Vlado entre os companheiros de profissão, apresentara-se para depor no Doi-Codi na manhã do dia 25, um sábado, supondo que apenas prestaria declarações, como alegaram agentes incumbidos de prendê-lo. Horas depois estava morto. Seus carcereiros e seus matadores simularam uma grosseira farsa para apresentar sua morte como suicídio. Estavam presos então inúmeros jornalistas, entre os quais Rodolfo Konder, Paulo Markun, Sérgio Gomes da Silva, George B. J. Duque Estrada. Anthony de Cristo. Nos meses seguintes novas prisões ocorreram tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Sob a presidência de Prudente de Morais, neto, a ABI adotou vigorosa posição de repúdio às violências e exigência da apuração da morte de Herzog. Em apoio ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, presidido por Audálio Dantas, Prudente foi a São Paulo para expressar sua solidariedade aos companheiros de Herzog, manter conversações com o Cardeal Arcebispo de São Paulo, Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, que liderava a luta pelos direitos humanos no Estado, e reclamar do então Comandante do II Exército, General Ednardo D’Ávila Melo, a apuração das circunstâncias da morte do jornalista. A ABI colocarase a partir daí na mira da repressão e de seu aparato clandestino de terrorismo, que em 19 de agosto seguinte detonou uma bomba de alto poder explosivo no sétimo andar do Edifício Herbert Moses – o pavimento da Diretoria e do Conselho Deliberativo da Casa. Foi sob esse clima político que Roberto Marinho aceitou o convite para proferir a conferência de abertura do III Seminário de Jornalismo e compa-
NOSSO SÓCIO ROBERTO MARINHO Admitido na ABI em 1 de abril de 1924, poucos meses depois de completar 20 anos, ele se tornaria o jornalista com mais longa participação no quadro social da ABI. Ao falecer, em 6 de agosto de 2003, contava mais de 79 anos de vinculação à Casa, com a qual colaborou nos momentos mais adversos, como os que se seguiram ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog numa prisão militar em São Paulo, em 1975. POR M AURÍCIO A ZÊDO dição
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NOSSO SÓCIO ROBERTO MARINHO
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O jovem Roberto Marinho (ao centro) teve como mestre em O Globo o secretário Euricles de Matos (E), que sucedeu a Irineu Marinho na direção do jornal. Outro de seus preceptores foi Moses (D), que, vinte anos mais velho, o tratava como filho.
receu à ABI, Casa que disse lhe ser familiar, a ponto de considerá-la como uma extensão de sua sala de trabalho, afirmação com evidente arrebatamento de cortesia. De que lhe era familiar, porém, não havia dúvida: admitido no quadro social em 1 de abril de 1924, pouco meses após fazer 19 anos, ele tinha como seu diretor-tesoureiro em O Globo o jornalista que dirigiu a AB I por mais largo tempo, Herbert Moses, que a presidiu de 1931 a 1964. Naquele 1º de junho de 1976, contava, portanto, com mais de 50 anos de vinculação à ABI, com a qual manteve sempre intensa e, com freqüência, generosa colaboração, expressa em doações, presença em seminários, publicação de comunicados da Casa, apoio às festas de Natal dos associados e funcionários. Foi ele, em 1942, o primeiro sócio a figurar na categoria Remido, certamente em retribuição a contribuição financeira de valor de que não se tem registro. Ao ingressar na ABI, com proposta de filiação endossada pelo associado João A. Pereira Rego, de
quem pouco se conhece, o jovem Roberto já encontrou no quadro social outro jornalista igualmente jovem, Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, um pernambucano que se radicou no Rio no fim dos anos 10 e que se associara à Casa em 27 de janeiro de 1922, dias após completar 25 anos. Companheiro de Barbosa Lima na ABI e, mais tarde, na Academia Brasileira de Letras, Marinho acabaria por vencer uma competição não declarada entre ambos: a de qual deles seria associado da Casa por mais tempo. Ao falecer, em 16 de julho de 2000, Barbosa contava 78 anos, cinco meses e 20 dias de filiação à ABI. Quando morreu, em 6 de agosto de 2003, Marinho tinha completado 79 anos, quatro meses e quatro dias de permanência no quadro social. Apaixonado por hipismo (bem como por caça submarina), Marinho ganhou por quase um ano de vantagem, estabelecendo uma marca que dificilmente será superada: outro longevo sócio da ABI, o ex-Presidente Fernando Segismundo, que fará 94 anos em 5 de julho, contará em 11 de maio com 73 anos de vinculação à Casa, na qual ingressou em 1936. Vinte anos mais novo que Herbert Moses, que contava mais de 40 anos quando faleceu Irineu Marinho, Roberto mantinha uma relação carinhosa com seu diretor-tesoureiro e Presidente da ABI, ainda que um biógrafo de Marinho, o jornalista Pedro Bial, tenha atribuído a Moses um comportamento “com rigor de pai tirânico” ou um “paternalismo autoritário”.* Reverente, tratando-o respeitosamente de doutor, Marinho deixou transparente seu carinho por Moses, falecido três anos antes, na saudação com que abriu sua conferência, cuja íntegra foi publicada em página inteira de O Globo na edição de 6 de junho de 1976. Disse o diretor-redator-chefe de O Globo, como era citado no jornal, no qual se fazia mencionar sempre como “o nosso companheiro Roberto Marinho”: “Quero iniciar as minhas palavras prestando homenagem aos antigos profissionais da imprensa que não só criaram esta Associação como também lhe deMoses, já adoentado e no final da vida, recebe o carinho ram uma alma perene e a instado amigo Roberto num dos seus últimos aniversários. laram numa sede condigna.
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“Entre tantos nomes ilustres de que é formada a nossa profissão, desejo isolar e destacar a figura do meu querido companheiro de tantas lutas e de tantos anos – o Dr. Herbert Moses. “O Dr. Moses foi, em momentos decisivos, um colaborador insubstituível, como meu colega na direção do O Globo. Homem de energia inexcedível, multiplicando a sua atividade até a onipresença, o Dr. Moses dedicava à ABI o melhor do seu esforço e da sua imaginação criadora. Conhecendoo como o conheci, estou convencido de que, assim agindo, ele queria e perseguia, acima de tudo, a valorização da então precária e duvidosa profissão de jornalista.” Após dizer que se apresentava no Seminário como jornalista profissional, como homem de imprensa, “que se honra de ser filho de outro homem de imprensa, hoje incorporado à história da nossa profissão”, para “uma conversa informal e extremamente cordial”, “apenas como um colega entre tantos que freqüentam esta Casa”, Marinho declarouse “avesso a confissões ou explicações de público”. “Chego mesmo a sustentar que os homens de comunicação devem de preferência manter-se numa discreta penumbra. Tanto quanto possível devemos não ser notícia. Cumpre-nos, isto sim, servir ao dever de buscar com objetividade e divulgar com honestidade as notícias”, acrescentou, para em seguida ressaltar a sua ligação com a ABI: “Exatamente por estar nesta Casa que me é tão familiar – e que considero uma extensão da minha sala de trabalho —, desejo expressar-me, na intimidade de oficiais do mesmo ofício, de uma maneira que, não sendo nova, é, todavia, profundamente sincera e verdadeira.” Fundador de A Noite e de Ao encerrar a confeO Globo, Irineu Marinho rência – que, por prefoi a grande inspiração de seus filhos Roberto, servar a atualidade nos Ricardo e Rogério. conceitos então emitidos, será disponibilizada no Site da ABI (www.abi.org.br) –, Marinho fez a apologia da ABI, dos jornalistas e da imprensa, dizendo: “Desejo encerrar esta minha conversa despretensiosa com uma palavra de fé na profissão e nos profissionais que fundaram, ergueram e mantêm prestigiosa e independente a Associação Brasileira de Imprensa. ‘O jornal está mais vivo do que nunca. A Imprensa é hoje tão necessária quanto o foi ontem. O jornalismo será insubstituível numa sociedade que se pretenda mais livre, mais humana e mais justa. “Um mundo que dispense a missão do jornalista estará mutilado. Uma época que cerceie, enfraqueça ou anule a ação do profissional de imprensa estará por si mesma historicamente condenada. Enquanto houver civilização, enquanto permanecer no homem a sede de informação, nós, jornalistas, podemos estar certos de que teremos funções especiais. “Não é outro o motivo que nos impõe a consciência da nossa responsabilidade social e nos compromete com deveres inalienáveis, na medida que se identificam com a dignidade desta nobre profissão de homens esclarecidos e independentes.” *BIAL, Pedro. Roberto Marinho. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004, il. (Memória Globo), páginas 147 e 148.
FOTOS PROJETO MEMÓRIA, ARQUIVO RM E AGÊNCIA O GLOBO
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A relação entre a ABI e Marinho no Memória Globo Por deferência dos jornalistas Luiz Erlanger, Diretor da Central Globo de Comunicação, Carlos Henrique Schroeder, Diretor da Central Globo de Jornalismo, e Ali Kamel, Editor-Executivo de Jornalismo da Rede Globo, e da historiadora Sílvia Fiuza, Gerente do Memória Globo, projeto de documentação da Rede Globo de Televisão, a ABI teve acesso às informações e ao material iconográfico sobre o seu relacionamento com o associado Roberto Marinho e com a trajetória deste na comunicação e na vida política e cultural do País. O levantamento feito a respeito foi exposto no texto ABI – 100 Anos – Relatório de pesquisa de documentos sobre a ABI no Arquivo RM , transcrito a seguir. I NTRODUÇÃO Roberto Marinho foi sócio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) de 1 de abril de 1924 até seu falecimento, em 6 de agosto de 2003. Foi o jornalista que mais tempo permaneceu na Associação, 79 anos, sempre com uma participação muito ativa, tanto nos assuntos internos como nos assuntos relativos à imprensa brasileira. A sua atuação como sócio da ABI teve importantes influências. Primeiramente, de seu pai, Irineu Marinho, fundador de O Globo, que sempre esteve presente nas discussões acerca da imprensa brasileira, e participava de reuniões na ABI, como demonstrou correspondência com Raul Pederneiras, Presidente da ABI (1915-1917; 19201926) existente no Arquivo RM. Depois, a influência decisiva de Herbert Moses, jornalista, amigo pessoal da família Marinho, diretor-tesoureiro do jornal O Globo e presidente da ABI de 1931 a 1964. No período em que Moses esteve à frente da ABI, Roberto Marinho aproximou-se ainda mais da Associação, estabelecendo uma relação estreita que durou toda a sua vida. No Arquivo RM existem documentos que refletem a viva participação de Roberto Marinho na ABI, comparecendo a seminários, proferindo palestras, publicando comunicados da ABI no jornal O Globo, apoiando chapas em eleições, fazendo doações para festas de Natal, entre outras. RESUMO DE DOCUMENTOS No Arquivo RM existem documentos textuais, recortes de jornais, e documentos iconográficos relativos à ABI, que abrangem o período 1924 a 1997. • Documentos Textuais e Recortes de Jornais
Os documentos textuais são cartas, comunicados, circulares, relatórios, carteiras e diplomas. Há correspondência de Roberto Marinho com os seguintes Presidentes da Associação: Herbert Moses (1931-1964), Celso Kelly (1964-1966), Danton Jobim (1966-1072), Elmano Cruz (1966; 1974-1975), Fernando Segismundo (1977-1978; 2000-2004), Prudente de Moraes Neto (1975-1977) e Barbosa Lima Sobrinho (1926-1927; 1930-1932; 1978-2000). A correspondência com os Presidentes trata de assuntos internos da ABI, tais como eleições, assuntos financeiros, organização de seminários, convites, felicitações e festas de Natal; e de assuntos importantes da imprensa brasileira. Na correspondência com Herbert Moses merecem destaque cartas que tratam da criação e do
funcionamento da Ordem dos Velhos Jornalistas, criada no âmbito da ABI para reunião de jornalistas com mais de 30 anos de carreira, entidade da qual Roberto Marinho fazia parte. Merecem destaque também cartas que tratam do pedido da ABI de revogação da decisão do Conselho Nacional do Petróleo de proibir o uso de verbas de propaganda nas despesas gerais de empresas de produtos de petróleo, na década de 1960. Roberto Marinho teve importante participação nesse debate, inclusive ajudando a redigir memoriais que foram enviados à Presidência da República. Na correspondência com Danton Jobim destacam-se cartas em que o então Presidente da ABI solicita que Roberto Marinho publique em O Globo pronunciamentos da Associação sobre a situação da imprensa e da política nacional. Há também carta sobre eventos de comemoração do aniversário de 60 anos da ABI. Na correspondência com Prudente de Moraes Neto merece destaque carta sobre a possibilidade de criação de uma sede da ABI em Brasília, e carta sobre cerimônia comemorativa da Associação. Na correspondência com Barbosa Lima Sobrinho merecem destaque cartas sobre a série de seminários “Modelo Energético Brasileiro”, promovida pelo jornal O Globo; sobre a censura aos jornais durante o regime militar; sobre o Código de Ética dos Jornalistas; sobre entrevista de Roberto Marinho para o projeto de memória oral de parceria entre o Museu da Imagem e do Som e a ABI; sobre datas comemorativas da ABI, entre outras. O Arquivo RM guarda também documentos sobre a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, na década de 1970, incluindo cartas do secretário da Comissão José Gomes Talarico e relatórios da Comissão sobre o País Camboja. Há ainda parecer do Conselheiro Raul Floriano sobre imprensa estrangeira no Brasil, da década de 1960; pedido de revisão de matrícula e
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carteirinha de Roberto Marinho; e diploma da ABI de homenagem a Roberto Marinho. Há importantes documentos sobre o III Seminário de Jornalismo da ABI, incluindo discurso de Roberto Marinho na abertura do evento, recortes de jornal sobre o seminário, além de telegramas de felicitação a Roberto Marinho pelo discurso proferido. Merecem destaque também recortes de jornais sobre a homenagem da ABI ao jornal O Globo e a Roberto Marinho, sobre datas comemorativas da ABI, entre outros. Dentre os documentos referentes a Irineu Marinho, estão as cartas trocadas entre ele e Raul Pederneiras, então Presidente da ABI, e documentos referentes à homenagem da ABI ao aniversário de 50 anos do jornal O Globo, que inclui uma homenagem especial a Irineu Marinho, através de biografia feita por Edmar Morel, publicada no boletim da ABI. • Documentos Iconográficos
No Arquivo RM há fotografias referentes a diversos eventos. Aniversários de Herbert Moses, Presidente da ABI; Herbert Moses em regresso de viagens internacionais em que foi como representante da Associação; Roberto Marinho, Prudente de Moraes Neto e Alberto Dines em palestra na ABI, em 1976; visitas de diretores e presidentes da ABI e da Associação Paulista de Imprensa a Roberto Marinho no jornal O Globo. No Arquivo Agência O Globo encontram-se também fotos de diversos eventos relacionados à ABI, tais como solenidade de aniversário de 50 e 80 anos da Associação; homenagem ao centenário de Herbert Moses; visita dos Presidentes da República Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek à ABI; festas de Natal da ABI; e eleições da ABI. Há também fotos do prédio da ABI em construção, utilizadas em uma matéria sobre os 80 anos da Associação.
NOSSO SÓCIO ROBERTO MARINHO
Marinho entrega a Moses uma placa em homenagem aos seus 25 anos como Presidente da ABI. Junto a ele, à direita, o escritor José Lins do Rego. Abaixo, Marinho recebe membros da ABI: entre outros, Danton Jobim, Presidente. À direita, de costas, Helena Ferraz e Nélson Rodrigues.
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Após um começo em que enfrentou o poderio das donas de audiência de televisão, a TV Tupi e a TV Excelsior, Marinho foi implantando discretamente as bases que lhe permitiram criar e ampliar o Projac, o maior centro cenográfico da América Latina.
Em sete décadas, um salto prodigioso Ao herdar O Globo em 1925, o jovem Roberto Marinho iniciava uma carreira sólida e de grande sucesso, em que construiria um dos mais importantes complexos de comunicação do mundo. P OR P AULO C HICO Em 6 de agosto de 2003, o Brasil perdeu o mais influente jornalista de sua história. Roberto Pisani Marinho era também o proprietário do maior conglomerado de comunicação do País, considerado um dos maiores do mundo. Televisão, jornal, rádio, editora e internet. Em todas essas mídias, suas empresas somavam números expressivos de audiência, tiragem e acessos, com grande apelo junto ao mercado publicitário, sendo quase sempre líderes em seus respectivos segmentos. A história das chamadas Organizações Globo teve início na ousadia de seu pai, Irineu Marinho, que em 1911 fundou A Noite, o primeiro vespertino moderno no Rio de Janeiro, do qual era um dos sócios. Logo o jornal conquistou a liderança de vendas. Após vender A Noite, Irineu lançou em 29 de julho de 1925 O Globo, também vespertino. Nessa época, Roberto Marinho, com 20 anos, foi trabalhar com o pai, atuando como repórter e secretário particular. Apenas 21 dias após o lançamento do jornal, Irineu Marinho morreu precocemente, aos 49 anos de idade. Deu-se, então, o primeiro grande desafio na vida do jovem Roberto. Aos 21 anos, assumiu a responsabilidade pela empresa, inicialmente com o auxílio do jornalista Euricles de Matos, amigo de confiança de seu pai. Até a morte de Euricles, ocorrida em 1931, quando assumiu em definitivo a direção de O Globo, Roberto Marinho dedicou-se a aprender tudo sobre o jornal, fazendo-se presente da redação à oficina e passando, é claro, pela parte administrativa. Com extrema perseverança, assumiu as rédeas de O Globo, modernizando o jornal em linguagem e tecnologia. Em oposição ao jornalismo partidário que ainda se praticava em outras mídias, o jornal firmou-se como um canal noticioso, defendendo causas populares e a abertura do País ao capital estrangeiro. Apesar de ser na época o principal meio de comunicação do grupo, o crescimento da empresa aconteceu com a venda de histórias em quadrinhos norte-americanas e de empreendimentos imobiliários. Tal tendência não significava dizer que O Globo não se posicionava politicamente. O jornal
apoiou o governo provisório instituído pela Revolução de 1930 e em 1932 também deu crédito à Revolução Constitucionalista deflagrada em São Paulo. Fez restrições ao golpe que gerou o Estado Novo (1937). Na Segunda Guerra Mundial, o jornal foi a favor do rompimento com a aliança da Alemanha, Itália e Japão; no fim da guerra, defendeu a derrubada da ditadura de Getúlio Vargas, consumada em 29 de outubro de 1945. Em 1944, Roberto Marinho deu um passo que é considerado o marco da construção do império de comunicações Globo. Comprou a Rádio Transmissora, da RCA Victor, e inaugurou sua primeira emissora, a Rádio Globo, que em 1953 serviu de canal para os ataques do jornalista Carlos Lacerda a Vargas. O suicídio do Presidente, em 24 de agosto de 1954, provocou comoção e manifesta-
ções populares, durante as quais duas caminhonetes da Rádio Globo e dois caminhões de O Globo foram incendiados. Após a eleição de Juscelino Kubitschek para Presidência da República, em 1955, Marinho ganha a primeira estação de televisão, a TV Globo do Rio. Na eleição seguinte, apoiou Jânio Quadros, mas em seguida discordou de sua política externa e se decepcionou com a renúncia, em 1961. Do apoio inicial a João Goulart, de quem conseguiu a concessão de um canal de tv em São Paulo, Roberto Marinho acabou por fazer campanha contrária ao novo Presidente, visto como um representante da “ameaça comunista”, e fechou apoio ao golpe militar desfechado em 1° de abril de 1964. A partir dos meados da década de 60 a TV Globo se firmou rapidamente, graças a um acordo financeiro e operacional com o grupo norte-americano Time-Life e o declínio das concorrentes Tupi, Record, e Excelsior, que enfrentavam sérios problemas administrativos. A TV Globo conquistou os cariocas no verão de 1966 quando fez a cobertura ao vivo das enchentes que deixaram dezenas de mortos e feridos no Rio. A partir desta época, com a contratação de nomes como Walter Clark, passou a ter identidade própria, numa referência à qualidade técnica de sua programação, referendada como “Padrão Globo de Qualidade”. Outros profissionais importantes para a consolidação da emissora foram José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Walter Avancini e Daniel Filho, que investiram pesado na teledramaturgia, tornando as novelas brasileiras sucessos absolutos de audiência e produtos de exportação. Também nas décadas de 70 e 80 se firmou o jornalismo da emissora, com destaque para o Jornal Nacional – principal telejornal do País – e programas como Globo Repórter, Fantástico e Globo Rural – há décadas no ar. Apaixonado pela educação, e por seu poder de transformação, o jornalista criou em 1977 a Fundação Roberto Marinho, num momento em que ainda existiam poucas ações de responsabilidade social no Brasil. Ao reunir um grupo de parceiros em torno de programas culturais e de uma causa social bem definida – levar educação de qualidade a milhões de pessoas – a Fundação tornou-se um dos em-
Irineu legou a Roberto Marinho não apenas o jornal que criara dias antes de morrer, mas também uma imagem de respeito. Aqui ele aparece com os luminares do jornalismo da época, à frente, com seu bigode vasto, Raul Pederneiras, Presidente da ABI.
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Sem vinculação partidária, Marinho cultivava relações com diferentes políticos, como o Vice-Presidente Jango e o Presidente JK (à esquerda), os candidatos Lula e Aloísio Mercadante e Fidel Castro. Marinho, anticomunista, tornou-se admirador e amigo de Fidel, que o presenteou com um casal de flamingos, belos pássaros que se reproduziram na mansão do jornalista no Cosme Velho.
Viciado em jornal, Marinho confere com o editor Mauro Sales uma edição especial de O Globo assim que acabou de ser impressa. Atrás (terceiro à esquerda), Evandro Carlos de Andrade, Diretor de Jornalismo de O Globo e, depois, até falecer, da Rede Globo de Televisão.
Cid Moreira, Hílton Gomes e João Saldanha na bancada do Jornal Nacional, primeiro informativo em rede da televisão; Tarcísio Meira e Glória Meneses no par romântico da novela A Rosa Rebelde, de 1969, e a espevitada Emília de O Sítio do Pica-Pau Amarelo: com programas assim a tv de Roberto Marinho tornou-se a campeã de audiência.
briões do investimento social privado no País. Mais uma iniciativa pioneira e visionária do empresário. A partir de 1995, as Organizações Globo iniciaram um processo de reconstrução de sua própria imagem. A TV Globo, que completava 30 anos, mudou a orientação jornalística, em busca de um noticiário
mais isento, e inaugurou o Projac, maior complexo de estúdios, auditórios e produção televisiva da América Latina. Uma verdadeira indústria da televisão, com recursos técnicos dos mais modernos do mundo. Casado por três vezes, Roberto Marinho teve quatro filhos, todos frutos de seu casamento com sua primeira esposa, Stela Marinho: Roberto Irineu, José Roberto, João Roberto e Paulo Roberto. Este último faleceu aos 19 anos num acidente de carro, na Região dos Lagos, em 1970. Também foi casado com Ruth Marinho, sua segunda mulher;
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e, em 1984 casou-se com Lily de Carvalho, com quem viveu o restante de sua vida. Em 1998, Roberto Marinho, que se tornara imortal com sua eleição para a Academia Brasileira de Letras em 1993, começa a se afastar do comando das empresas, dividindo com seus filhos o poder decisório dentro das Organizações Globo. Ao longo de sua trajetória profissional de mais de sete décadas, e a despeito de seu sucesso como homem de negócios, tinha grande orgulho ao se identificar como jornalista. Faleceu aos 98 anos, vítima de um edema pulmonar, provocado por uma trombose.
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ESPAÇO PARA O TRABALHO
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UMA FOTO PARA LEMBRAR
Situada no Centro, a nova sede da ABI tornou-se importante ponto de apoio para os jornalistas. Estavam sediados nas imediações os principais jornais – Correio da Manhã, O Globo, Jornal do Brasil, A Noite, Jornal do Commercio – e os focos de notícias: Câmara e Senado. Moses montou uma redação onde eles faziam os textos que mandariam para os seus jornais.
Jornal da ABI EDIÇÃO ESPECIAL DO CENTENÁRIO ~ VOLUME 2 Número 336 - Dezembro de 2008 Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Planejamento de pauta, coordenação e edição de textos: Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação, editoração eletrônica e tratamento de imagens: Francisco Ucha Pesquisas de textos e imagens: André Lima de Alvarenga e Marilka Azêdo Fotos e ilustrações: Acervo ABI/Biblioteca Bastos Tigre, Arquivo Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Agência Folha, Agência O Globo, Agência Estado, Acervo Edmar Morel/Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Acervo Dejean Magno Pellegrin, Arquivo Editora Sextante, Acervo Murilo Melo Filho, Arquivo Folha Dirigida, Acervo Memória Abril, Arquivo Roberto Marinho/Memória Globo.
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.
Artigos e reportagens, por ordem de entrada: Moacir Werneck de Castro, Rogério Marques Gomes, Marco Morel, Barbosa Lima Sobrinho, José Reinaldo Marques, Manolo Epelbaum, Henrique Miranda, Dejean Magno Pellegrin, Maurício Azêdo, Mário de Moraes, Paulo Chico, Carlos Heitor Cony, Roberto Civita, Marcos Stefano.
CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum.
Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, André Lima de Alvarenga, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário de Freitas Borges.
CONSELHO DELIBERATIVO MESA 2008-2009 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio
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