RETROSPECTIVA ESPECIAL
OS ANOS LULA CELEBRADOS SOB A ÓTICA DO HUMOR Nove cartunistas relembram os principais momentos do Presidente num painel sobre seu Governo. PÁGINAS 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 E 38
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
360
Jornal da ABI
NOVEMBRO 2010
O ator Roberto de Martin revive um momento da tortura do operário Manuel Fiel Filho num filme que expõe com crueza os crimes da ditadura. PÁGINAS 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 E 10 E EDITORIAL NA PÁGINA 2: UM REGIME ASSASSINO
MOACIR WERNECK, UM RARO
MONTEIRO LOBATO, ALVO
JORNALISTA E INTELECTUAL E LE PERTENCIA A UMA LINHAGEM QUE HÁ MUITO DESAPARECEU DAS R EDAÇÕES DOS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO. PÁGINAS 47 E 48
A PRESIDENTE DILMA
DA NOVA INTOLERÂNCIA
JUSTIÇA, FINALMENTE, PARA JOÃO CÂNDIDO?
ASSUME COMPROMISSOS
OITENTA ANOS DEPOIS, CAÇADAS DE PEDRINHO FICA NA MIRA DOS QUE SE ACHAM POLITICAMENTE CORRETOS. PÁGINAS 15, 16 E 17
DIFERENTES INICIATIVAS VALORIZAM A MEMÓRIA E A VIDA HERÓICA DO LÍDER DA R EVOLTA DA CHIBATA, DE 1910. PÁGINAS 12, 13 E 14
O BARULHO DA IMPRENSA LIVRE É MELHOR QUE O SILÊNCIO DAS DITADURAS. ASSIM PENSA A PRESIDENTE ELEITA DILMA ROUSSEFF. PÁGINA 26
PEDRO ZOCA
O HORROR DA TORTURA NUM RELATO CHOCANTE
Editorial
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03 Especial - As revelações de um membro ativo da repressão
UM REGIME ASSASSINO É AINDA CHOCADA com as impressões causadas pelo filme Perdão, Míster Fiel, de autoria do jornalista e cineasta Jorge Oliveira, que a equipe do Jornal da ABI traz a público um dos mais terríveis documentos sobre a barbárie que recobriu o País entre 1964 e 1985, o prolongado período de castração das liberdades individuais e dos direitos civis do povo brasileiro pela ditadura militar. TÍNHAMOS E TEMOS TODOS nós que enfrentamos o regime de exceção informações sobre as violências que se abateram sobre milhares de concidadãos presos, torturados, exilados, privados de seus empregos, cargos e patentes e submetidos a processos de desaparecimento até hoje ocultos na penumbra da impunidade. Porém, nem mesmo a imaginação mais doentia poderia conceber que inúmeros patrícios pudessem ser submetidos ao tratamento desumano descrito com riqueza de pormenores no depoimento do antigo agente da repressão Marival da Silva Chaves gravado, filmado e exibido nessa notável e corajosa obra cinematográfica de Jorge Oliveira. Esse foi um tempo de horror, de brutalidade animalesca, se, ao se dizer isso, não se comete injustiça, nestes tempos do politicamente correto, com as espécies mais violentas do reino não-humano. HÁ PONTOS DO RELATO que, na narrativa do desfecho trágico de muitos episódios, causam especial comoção, como a descrição do
Jornal da ABI Número 360 - Novembro de 2010
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP
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Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer. CONSELHO FISCAL 2010-2011 Jarbas Domingos Vaz, Presidente; Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chesther e Manolo Epelbaum. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2010-2011 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: Arcírio Gouvêa Neto Conselheiros efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, Marcelo Tiognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral. Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.
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Censura - Monteiro Lobato na mira da intolerância
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Linguagem - Fazemos reformas demais e educamos de menos
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te - Nossa sócia Ruth Lima, talento 20 A rrte na dança e nas letras ○
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23 História - Duas sementes da nossa República ○
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31 Retrospectiva - Nunca antes neste País... ○
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39 Prêmios - Troféu Barbosa Lima é do Estadão ○
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40 Prêmios - Paraná ganha o Esso 2010 ○
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43 Lançamento - O traço acintoso de Guidacci ○
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44 Cultura - A Imprensa Oficial não é mais aquela... ○
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SEÇÕES A C O N T EECC E U N A AB ABII
Um João Cândido Imperdível ○
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L I B E RRD D A D E D E IM P R E N NSS A 26 “Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras” ○
TÃO DOLOROSO QUANTO o conhecimento das torpezas que enodoaram esse momento da nossa existência nacional é saber que esses crimes contaram com a indulgência do Supremo Tribunal Federal, a partir de um infeliz parecer do relator da matéria quando esta foi submetida à Suprema Corte, o então Ministro Eros Grau, que, assim como aqueles que o acompanharam, se baseou em informações improcedentes para dissimular o que lhe faltou naquele memorável julgamento: o dever moral e a bravura cívica de reconhecer que crimes como os que são agora relembrados não merecem perdão nem esquecimento.
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Per fil - Leandro Konder, um filósofo que sonha erfil
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AS OITO PÁGINAS QUE o Jornal da ABI dedica a esse relato e a seus temas, assim como o filme em si, constituem uma ata de acusação daquilo que os usurpadores do poder instituíram no País: um regime assassino, povoado de agentes civis e militares que cometeram ignomínias e indescritíveis agressões ao gênero humano.
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fim do jornalista Orlando Bonfim Júnior, cujo desaparecimento após sua prisão pela ditadura jamais foi esclarecido, passadas mais de três décadas de sua prisão pelos agentes da repressão. O depoimento de Marival lança luz sobre as condições em que Bonfim foi assassinado, após as impiedosas torturas que puniam sua obstinada recusa de não favorecer com informações os criminosos instalados no poder.
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Governo não abre mão de regular a mídia ○
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A ABI repudia o atentado contra o Correio Mariliense ○
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O S HU M A N O S EITO 30 D I R EIT Câmara Ferreira, o Comandante Toledo, é anistiado em SP ○
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Memorial da Anistia na reta final ○
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V I DA S 46 Edison Nequete, Cláudio Kuck, Luiz Carlos Saroldi ○
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Jorge de Salles, o visionário ○
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Moacir Werneck: além de jornalista, intelectual de peso ○
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Conselheiros suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz,José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, Sidney Rezende,Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA José Pereira da Silva (Pereirinha), Presidente; Carlos Di Paola, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins (in memoriam). COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Lênin Novaes de Araújo, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Alcyr Cavalcanti, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira dos Santos, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente, Jorge Nunes de Freitas, Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.
PEDRO ZOCA
ESPECIAL
Roberto de Martin em outro momento da recriação das torturas que mataram o operário Manuel Fiel Filho.
AS REVELAÇÕES DE UM MEMBRO ATIVO DA REPRESSÃO Documentário de longa metragem do jornalista e cineasta Jorge Oliveira reproduz impressionante depoimento de agente da repressão, que cita nomes de autores e vítimas de assassinatos sob a ditadura militar e revela onde e em que circunstâncias foram cometidos esses crimes hediondos.
R
epórter calejado no ofício de devassar fatos, procurar personagens e formular perguntas aos seus entrevistados, o jornalista e cineasta alagoano Jorge Oliveira valeu-se de sua sólida experiência como repórter de importantes veículos do Rio de Janeiro, como Última Hora, no qual se iniciou na cobertura de Polícia e de Geral, e O Globo, no qual teve atuação destacada como repórter e editor, para localizar protagonistas da tragédia do operário Manuel Fiel Filho, morto em janeiro de 1976 nas sessões de tortura no Departamento de Operações Internas do Centro de Operações de Defesa interna do II Exército, sediado em São Paulo, tristemente celebrizado pela sigla Doi-Codi de São Paulo. Pouco mais de dois meses antes fora assas-
sinado na mesma prisão militar o jornalista Vladimir Herzog, morto em 25 de outubro de 1975, horas depois de se ter apresentado para prestar depoimento numa investigação contra militantes e simpatizantes do Partido Comunista Brasileiro-PCB. O novo crime gerou grave crise política e militar e provocou a demissão pelo Presidente Ernesto Geisel do Comandante do II Exército, General Ednardo d’Ávila Melo, que comandava a repressão em São Paulo na época do assassinato de Herzog. Foi com esse faro e essa competência que Jorge Oliveira montou tanto a história da morte de Manuel Filho como as de outros crimes praticados contra presos políticos pela ditadura militar. Um personagem importante descoberto por Jorge Oliveira foi o antigo agente da repressão Marival da Silva Chaves, que
prestou longo e minucioso depoimento diante da equipe do documentário de longa metragem Perdão, Míster Fiel, com o qual Jorge Oliveira conquistou inúmeros prêmios em festivais e mostras cinematográficas no Brasil e no exterior, entre as quais o de Melhor Filme do Festival de Cinema de Brasília de 2009. Provocado por Jorge Oliveira, Marival descreveu com riqueza de pormenores as torturas e os crimes praticados contra presos políticos durante a ditadura militar, revelando seus autores – estes com nomes e sobrenomes – e suas vítimas e onde e em que circunstâncias ocorreram tantos crimes hediondos. A profusão de revelações de Marival Chaves seguiu-se ao primeiro questionamento feito por Jorge Oliveira: como morreram Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho. Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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ESPECIAL AS REVELAÇÕES DE UM MEMBRO ATIVO DA REPRESSÃO
“ELES NÃO MEDIAM CONSEQÜÊNCIAS” “Bem, em princípio, a morte dessas pessoas deveu-se é... quase que de modo absoluto, enfim, à atuação dos órgãos de repressão daquele instante, que não mediam conseqüências.” “Então eu gostaria de retificar dizendo que a morte de Herzog e de Manuel deveuse a um erro de conduta, um erro crasso de conduta por parte das pessoas que conduziram o interrogatório deles. E esse é um aspecto, porque se você avaliar a importância desses dois indivíduos no contexto da oposição política de São Paulo e do Brasil, você chega à conclusão de que era quase que nula. Sim, é... eles morreram fundamentalmente porque a repressão atuava naquele instante sem medir conseqüências: morrer mais um, menos um, mais importante, menos importante. O arbítrio, não, e o “pode tudo”, ao arrepio da lei e das normas, levaram os agentes que conduziram o interrogatório desses dois indivíduos a cometer excessos que fatalmente levaram à morte deles, esse é o meu pensamento.”
“As pessoas cabeças do boicote eram o Coronel Aldir Santos Maciel; um outro Coronel chamado Dawn Cirilo, que era o chefe das turmas de busca e apreensão; o coronel que suicidou-se ou não sei, não quero fazer juízo de valor a respeito mas o Ênio Pimentel da Silveira ou Dr Nei, e o Dr Edgar é... não me recordo o nome dele nesse instante, mas poderia complementar essa informação com o nome dele. Essas eram as pessoas que formavam a cúpula do boicote do II Exército naquela ocasião.” “As pessoas que interrogavam, eu não posso lhe afirmar com convicção, conhecia por ouvir dizer, até porque essas informações eram estanques, essas informações não diziam respeito à minha atividade, eu convivia com essas pessoas, no entanto não tenho hoje como contar quem compunha as equipes que cometeram os excessos sobre os quais eu falei e que levaram à morte de Manuel Fiel Filho e Vladimir Herzog.” “Não foi o enforcamento do Herzog, quer dizer, aquela fotografia clássica onde ele aparece dependurado sei lá se em uma teresa, na linguagem dos cárceres. Na verdade, não sei se é aquilo que foi, mas na realidade ele foi morto. Eu tenho absoluta convicção de que ele foi morto, que eles foram vítimas de excessos no interrogatório. Isso não aconteceu só com eles; muitos, inclusive inocentes , pereceram nos cárceres do Doi-Codi do II Exército e de outros órgãos de repressão política do Brasil. Eu quero aqui fazer uma observação em 4
Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
“Portanto, em suma, o hábito de morrer ou de matar no interrogatório era comum; quer dizer, isso acontecia rotineiramente, ou as pessoas eram levadas para um cruzamento onde se fazia aquele “teatrinho”, os jornais publicavam a morte como se estivesse acontecido num confronto armado, e aquilo era um teatro, como fizeram inúmeras vezes, ou fazia aquilo ou então o corpo de quem morria sob interrogatório com tortura era entregue aos legistas, aqueles legistas conhecidos de São Paulo, como Harry Chibata e uma série de outros que se encarregavam de regularizar a situação do sujeito, emitir um laudo cadavérico etc. Por fim o sujeito era enterrado nos cemitérios clandestinos de Perus e uma série de outros sobre os quais nós já ouvimos falar.”
OS MÉTODOS E QUEM OS ENSINOU “A MORTE DE HERZOG E DE MANUEL DEVEU-SE A UM ERRO DE CONDUTA, (...) ELES MORRERAM FUNDAMENTALMENTE PORQUE A REPRESSÃO ATUAVA NAQUELE INSTANTE SEM MEDIR CONSEQÜÊNCIAS.”
“Todos os métodos possíveis e imagináveis, desde coação psicológica, por exemplo: submeter o sujeito a interrogatório na presença dos familiares e filhos menores. Esse é um método de tortura, sem dúvida é, e isso foi muito utilizado no Doi-Codi, além de outros métodos mais cruéis, como a cadeira do dragão. O sujeito era acorrentado na cadeira, colocavam os eletrodos na cabeça e recebia choques elétricos. O famigerado pau-de-arara, né, comumente utilizado pelas Polícias etc., pelos torturadores de tempos remotos, é... onde o sujeito é pendurado numa barra de ferro, pelos pés e pelas mãos, e aí sim recebe as piores sevícias: choques, palmatórias e tudo mais.” “Todos os métodos, todos os métodos possíveis e imagináveis assimilados pela Inteligência Brasileira das Forças Armadas do Governo Norte-Americano, porque
PEDRO ZOCA
OS CHEFES, NOMES E PATENTES
relação a que eu não tenho nenhuma restrição em relação ao assunto que nós estamos tratando, e não deixarei nenhuma pergunta sem resposta. Porque muito pior eu já falei publicamente em uma matéria que foi capa da revista Veja e em outras matérias de menor importância, de IstoÉ e de outras revistas semanais.”
O horror da tortura num relato chocante “Estou chocado.” A reação foi do jornalista Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, assim que se encerrou, na sessão de outubro do Conselho, realizada no dia 26, a projeção do documentário de longa metragem Perdão, Míster Fiel, de autoria do jornalista e cineasta Jorge Oliveira, que mostra a história do operário Manoel Fiel Filho e seu fim trágico: ele foi morto sob tortura no Doi-Codi de São Paulo, em janeiro de 1976. O filme busca resgatar a memória de militantes sociais que lutaram contra a ditadura e foram vítimas de inenarráveis sessões de tortura e assassinatos sob o regime militar, bem como denunciar os autores dos crimes hediondos praticados durante a ditadura. Além de reproduzir depoimentos de parentes de vítimas da ditadura – entre as quais a viúva e as duas filhas de Manoel Fiel Filho —, de autores de estudos e obras sobre esse período e de políticos em atividade na época, como o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, o filme apresenta em diferentes momentos de seus 95 minutos o impressionante relato de um
agente da repressão, Marival da Silva Chaves, que cita nomes de autores e vítimas de assassinatos durante a ditadura, indicando onde se deram as torturas e violências e as circunstâncias em que estas foram praticadas. São trechos do chocante relato de Marival Chaves que o Jornal da ABI transcreve nesta edição. Após a projeção, o repórter Renan Castro, estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI, ouviu vários dos presentes à exibição, como o jornalista Pery Cotta, que confessou sua emoção diante da crueza das cenas mostradas no documentário. “A vontade que a gente tem é de gritar, mostrar esse filme, porque as novas gerações não têm a menor idéia do que ocorreu”, disse Pery Cotta, que demonstrou seu interesse em exibir Perdão, Míster Fiel nas faculdades de Comunicação Social em que é professor, “para conscientizar as novas gerações a respeito das atrocidades cometidas sob a ditadura”. O Conselheiro Sérgio Caldieri. 1º Secretário da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo, também externou esse pensamento. afirmando que “houve uma anistia e as pessoas acham que se
Jorge Oliveira, o diretor de Perdão, Mister Fiel: coragem e competência num filme-denúncia.
deve passar uma borracha nesse passado”: “Ninguém deve esquecer isso, porque as vítimas das ditaduras sofreram muito. Foram 670 mil mortos nas ditaduras do Brasil, Chile e Argentina, e isso não pode jamais cair no esquecimento”. O também Conselheiro Orpheu Santos Salles, Diretor Administrativo da ABI, jornalista há mais de 70 anos e membro da Casa há seis décadas, fez um relato de parte de sua experiência nas mãos dos militares: “Passei uma temporada grande preso em um navio, e o que eu passei lá não me sai da cabeça, pelos que morreram naquela embarcação. Até hoje me recuso a pedir anistia, porque uma indenização não vai pagar o que sofri.”
essas escolas de tortura vieram de fora. Esses instrumentos de tortura utilizados no Brasil no período de repressão política tiveram origem na Escola das Américas, uma série de outros centros que treinaram agentes brasileiros com esse objetivo. Assim como nós também treinamos agentes chilenos, argentinos, uruguaios, paraguaios etc., porque o Doi de São Paulo treinou na prática com métodos de investigação chamados interceptação postal, vigilância, que é o acompanhamento do indivíduo desde que ele sai de sua casa até o acompanhamento noturno, que chama-se paquera ou, numa linguagem mais clássica, chama-se acompanhamento propriamente dito, “vigilância”, nome dessa matéria na Escola Nacional de Informações pela qual eu passei. Então eram esses os métodos que nós aprendíamos na escola.”
O RECRUTAMENTO, AS OBRIGAÇÕES “Eu fui recrutado aleatoriamente. Talvez, modéstia à parte, pela minha capacidade de trabalho. Sempre fui trabalhador, sempre fui dedicado à minha profissão, sempre fiz o melhor, dei sempre o melhor de mim em prol daquilo que eu estava realizando. Eu não sou perfeccionista, mas tenho um lema de vida: tudo o que eu faço o faço sempre com muita dedicação e isso acaba chamando a atenção. E sempre fui trabalhador a minha vida inteira, e não me vejo fora desse contexto, ou seja, vou trabalhar até o último dia da minha vida.” “Então, fui recrutado nessas circunstâncias. O recrutamento naquela época, quando os mecanismos de repressão ainda eram incipientes, era feito assim, quase que aleatoriamente, ou seja, muito por conta do comportamento da pessoa, do procedimento, da retidão, da forma de se comportar, da discrição e de uma série de pré-requisitos que o agente deveria preencher para ser recrutado, porque é preciso que saiba guardar segredo, é preciso que seja discreto, é preciso que mantenha sigilo de uma série de informações, nem tudo pode ser dito a todos, nem todos podem saber de tudo. Então, de acordo com esse lema os chefes militares acabavam recrutando as pessoas e esse recrutamento se dava de forma aleatória, completamente aleatória, porque não era consultado. Os regulamentos militares não permitem que você se isente do desenvolvimento de uma determinada tarefa só porque não gosta; isso não existe, muito pelo contrário, isso constitui transgressão disciplinar, quando não constitui crime, segundo os regulamentos. Portanto, você não tem vontade própria, você tem que desempenhar a atividade que lhe for confiada, deixar de cumprir determinadas tarefas pode até configurar crime, dependendo das circunstâncias.”
“VOCÊ NÃO TEM VONTADE PRÓPRIA, VOCÊ TEM QUE DESEMPENHAR A ATIVIDADE QUE LHE FOR CONFIADA, DEIXAR DE CUMPRIR DETERMINADAS TAREFAS PODE ATÉ CONFIGURAR CRIME.”
“DIZIAM ASSIM: ‘ESTE AQUI VAI DAR 14 PEDAÇOS OU 10 PEDAÇOS OU 15 PEDAÇOS’, DE ACORDO COM... SEI LÁ, COM A ESTATURA DO SUJEITO, ENTÃO ELES MATARAM E ESQUARTEJARAM E OCULTARAM OS CADÁVERES.”
“UM CÁRCERE PRIVADO COM ESSES OBJETIVOS NÃO ERA TÃO FÁCIL ASSIM, REQUERIA UMA INFRA-ESTRUTURA ENORME, UM PLANEJAMENTO ENORME, PRECISAVA SER UM LOCAL MUITO DISCRETO, QUE OCULTASSE DE FATO AS PESSOAS QUE ENTRAVAM ALI E SAÍAM MORTAS. MUITAS PESSOAS VIERAM DO NORDESTE PARA SEREM EXECUTADAS NO RIO DE JANEIRO, MUITAS MESMO.”
“Portanto, com base nessa rigidez regimental da legislação você não tem escapatória, você vai no primeiro momento tomar contato com determinada atividade, e eu posso dizer com convicção que aquilo me causou repugnância desde o primeiro momento. Isso foi algo que se confrontou, que (se) chocou com os meus princípios religiosos e uma série de outros princípios, e eu não tive escapatória. Tanto não tive escapatória que depois de 22 anos deixei a profissão sem nenhuma remuneração. Pedi exoneração pura e simples das fileiras do Exército e aqui estou. Portanto, o desejo de deixar a atividade passou por mim, pela minha vida em várias ocasiões, mas infelizmente eu estava muito preso aos encargos familiares; essa era uma outra questão que não me deixava opção. Hoje eu não sou aposentado, não recebo remuneração nenhuma do Estado e tal. E eu poderia estar perfeitamente numa posição confortável, com um salário relativamente bom, e sem necessidade nenhuma de me preocupar com o futuro, mas tem a outra face da medalha, da moeda: sob meus ombros não pesa nenhum remorso. E hoje eu sou um cidadão livre, o que eu não era até ter vindo a público a matéria que foi capa da Veja em 1992.”
“OS MONSTROS DA REPRESSÃO” “Os monstros da repressão, nominalmente? Você quer que eu cite o nome desses monstros? Bem, no rol desses monstros eu incluo: Fred Perdigão Pereira, Ênio Pimentel da Silveira, José Branco, Carlos Alberto Brilhante Ustra, Aldir Santos Maciel e uma série de outros que não me ocorre o nome agora, sem contar — eu não posso excluir do rol — alguns generais, como Milton Tavares Coelho; não posso excluir Humberto de Souza Melo, que foi capaz de reunir o Doi do II Exército e publicamente dizer o seguinte: ‘Porque inimigo a gente destrói (assim com linguagem arrastada de nordestino que era) e o que sobrar a gente faz prisioneiro’. Então ele estava avalizando a morte, ele estava dizendo com todas as letras autorizando as pessoas sob seu comando que deviam matar primeiro; o que sobrar nós vamos fazer prisioneiros.”
O MATADOURO DE PETRÓPOLIS “(O) Cabo Félix espontaneamente me contou, sem reservas, que ele era carcereiro daquele cárcere privado de Petrópolis, onde umas três dezenas mais ou menos de pessoas sumiram e que eles confabulavam entre si e diziam assim: ‘Este aqui vai dar 14 pedaços ou 10 pedaços ou 15 pedaços’, de acordo com... Sei lá, com a estatura do sujeito, então eles mataram e esquartejaram e ocultaram os cadáveres.”
“Uma pessoa importante, aliás um casal que com certeza morreu naquele cárcere, foi (foram) Ana Rosa Kuzinski, que era irmã de uma pessoa da sua profissão, e Wilson Silva, que era o companheiro dela. (D)essas duas pessoas eu tenho o conhecimento nítido de que foram presas em São Paulo e foram levadas ao cárcere privado do Rio de Janeiro com esse objetivo, com o objetivo ou seja, de serem interrogados e mortos, porque ele, em especial,. era dirigente da Aliança Libertadora Nacional.” “Político (de) que eu tenho notícia que perdeu a vida nessa circunstância, aquele ex-deputado federal (...) Rubens Paiva. Eu tenho notícia, aliás, (de que) ele foi visto no Doi do Rio de Janeiro, preso, encarcerado e desapareceu misteriosamente. Como? Bom, depois disso eu soube como era natural que aquele cárcere privado do Rio de Janeiro estava sendo muito utilizado, e não era utilizado apenas pela repressão da área não; aquele foi um cárcere estabelecido para ser utilizado pelo Centro de Informações do Exército, o CIE, (que) gerenciava aquele cárcere, tanto que Paulo Malhães, Perdigão, esse pessoal todo passou por lá e desenvolveram atividades por lá e outros coronéis com certeza fizeram isso. Portanto, era normal, era comum pessoas desaparecerem no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, e o cárcere privado que estava em atividade naquele instante era o cárcere privado da serra de Petrópolis, no Rio de Janeiro.” “(Sobre) o deputado é difícil dizer, até porque eu não ouvi textualmente de quem quer que seja que o Paiva tenha sido levado. Eu deduzo que o Paiva foi levado porque ele desapareceu misteriosamente dos cárceres do Doi e jamais o corpo foi encontrado. Eu deduzo que tenha sido levado porque era praxe, era comum, o cárcere privado que estava em atividade naquele instante era o cárcere da serra de Petrópolis. E, olha, é importante lembrar que montar um Rubens Paiva: sumido cárcere privado para sempre. com esses objetivos não era tão fácil assim, requeria uma infra-estrutura enorme, um planejamento enorme, precisava ser um local muito discreto, que ocultasse de fato as pessoas que entravam ali e saíam mortas. Muitas pessoas vieram do Nordeste para serem executadas no Rio de Janeiro, muitas mesmo.”
O FIM DE ANA ROSA E WILSON SILVA “Numa operação que o CIE desenvolveu sobre a Ação Popular em São Paulo prendeu em torno de 100 pessoas, fruto do desencadeamento dessa operação no NordesJornal da ABI 360 Novembro de 2010
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ESPECIAL AS REVELAÇÕES DE UM MEMBRO ATIVO DA REPRESSÃO
te e no Rio de Janeiro; prendeu e desapareceu com uma série de pessoas, tinha uma série de desaparecidos dessa operação, inclusive Paulo Stuart Wright, que tudo me leva a crer porque era o cárcere que estava em atividade em São Paulo não tinha nada parecido com isso; o cárcere que estava em atividade era o do Rio de Janeiro. Veja que é sintomático um casal sair de SP para ser interrogado e (ser) executado no Rio de Janeiro, que foi o fato comprovado. Aliás, outros depoimentos nessa direção já surgiram que corroboram com o que eu estou dizendo: Wilson Silva e Ana Rosa Kucinski foram presos em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, e de lá seguiu (seguiram) direto para o Rio de Janeiro levados pelo Fred Perdigão Pereira e Ênio Pimentel da Silveira.” “Sei até quem dirigiu o carro na viagem de São Paulo para o Rio de Janeiro. É uma pessoa que eu conheço pelo codinome chamado Júnior, (citado) naquela matéria de O Estado de S. Paulo, mais recente, que fala sobre os dez agentes do Doi que revelam alguns segredos. Um desses dez agentes fala de Júnior como a pessoa que abordou (o jornalista) Bernardo Kucinski com a proposta de extrair dinheiro dele e informar o paradeiro da irmã. Foi isso, esse rapaz chama-se Júnior, não conheço mais a respeito dele, nada mais sei a respeito dele. Esse sujeito era motorista e foi ele quem dirigiu o carro que conduziu essa equipe ao Rio de Janeiro com o objetivo de interrogar e matar o casal Ana Rosa e Wilson Silva.”
DUAS ESTRUTURAS; UMA CLANDESTINA “O Doi como órgão de repressão legalmente constituído mantinha duas estruturas, uma estrutura clandestina, que atuava desenvolvendo operações clandestinas, e outra legal, semilegal, eu diria, porque o advogado que abordava o Doi e não tinha as informações que queria (e) os órgãos de direitos humanos abordavam o Doi e não obtinham as informações que queriam. Bem, essas duas estruturas cuidavam de alvos previamente selecionados, de acordo com a importância no contexto da organização a que eles pertenciam.” “Bem, se tinha um dirigente marcado pra morrer, quem ia investigar com o objetivo de descobrir as atividades desse dirigente era a estrutura clandestina, ‘tô sendo claro? Aqueles legais ou medianamente legais que poderiam aparecer, esses eram presos por uma estrutura chamada equipe de busca, que era a equipe responsável pelos estouros dos aparelhos e das prisões mais ou menos legais; não tinha prisão legal na realidade, prisão com culpa com mandato (mandado) judicial; na realidade não existia isso, era o arbítrio pura e simples, e depois a barbárie.” 6
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“Essas pessoas que entravam legalmente, ou semilegais, eram conduzidas a um interrogatório no órgão, à vista de todos. Todos do órgão tomavam conhecimento de que essas pessoas entravam e que estavam ali sendo interrogadas; quando aconteciam esses excessos e que eventualmente a pessoa morria, aí, sim, uma outra estrutura se encarregava de legalizar a morte. Como? Normalmente através daqueles teatrinhos feitos na rua; aí, sim, era oferecido à imprensa como forma de formalizar o acontecimento. Era oferecida uma versão à imprensa e a partir daí o assunto morria. Por quê? Porque morrer em confronto, morrer em tiroteio, morrer atirando contra a repressão política eram fatos até certo ponto comuns naquele instante da vida brasileira. Portanto, ‘tá aí a diferença e ‘tá aí, também, o quanto o órgão em si tinha oportunidade de desenvolver ações, operações clandestinas, sem o conhecimento sequer de pessoas do próprio órgão. E, olha: imaginar que o Chefe do Estado-Maior do Exército da região respectiva, que era o Comandante do Codi-Centro de Operações de Defesa Interna, órgão ao qual o Doi era subordinado, longe de imaginar que essas autoridades tomavam conhecimento, longe de imaginar que (o General) Ednardo, que foi exonerado por conta da morte de Manuel Fiel Filho, tenha tido conhecimento prévio de que ele estava preso e estava sendo interrogado nas circunstâncias (em) que ele estava sendo interrogado e que poderia, como de fato aconteceu, levá-lo à morte.” “Ele era um militante de menor importância. No contexto da estrutura organizacional que ele transitava, ele era menos importante. Aí, sim, o grau de importância é que determinava esses métodos; o interrogatório poderia ser um interrogatório superficial ou um interrogatório com tortura, a ponto de levar o interrogado à morte. O método era muito de acordo com o grau de importância do indivíduo, no contexto da atividade que ele desenvolvia na organização.” “(..) eu nunca interroguei, até porque minha atividade não era interrogatória; minha atividade era análise, sempre fui analista. Estudei documentos, para através dos resultados das análises construir relatórios que pudessem subsidiar a continuidade da operação. Seria o quê? Seria um resumo dos fatos mais importantes do contexto numa operação para dizer para o elemento operacional: ‘Olha, faça isso’. Eram documentos e mais documentos — quer dizer, um volume assustador — que passavam pelo seu crivo no dia-a-dia. Para você ter uma idéia, uma sessão de análise do Centro de Informações do Exército, a chamada S 102, tinha 22 tenentes-coronéis. Lógico que a análise era de âmbito nacional e tinha a área internacional ainda, (de) que os coronéis cuidavam. Portanto, era uma área de inteligência. É dali que vão surgir os meandros, os dados mais importantes que em uma leitura superficial pas-
“WILSON SILVA E ANA ROSA KUCINSKI FORAM PRESOS EM SÃO PAULO, NO VALE DO ANHANGABAÚ, E DE LÁ SEGUIU (SEGUIRAM) DIRETO PARA O RIO DE JANEIRO LEVADOS PELO FRED PERDIGÃO PEREIRA E ÊNIO PIMENTEL DA SILVEIRA.”
“NÃO TINHA PRISÃO LEGAL NA REALIDADE, PRISÃO COM CULPA COM MANDATO (MANDADO) JUDICIAL; NA REALIDADE NÃO EXISTIA ISSO, ERA O ARBÍTRIO PURA E SIMPLES, E DEPOIS A BARBÁRIE.”
“DALI SAÍRAM ORLANDO BONFIM E O MONTENEGRO, JOSÉ MONTENEGRO DE LIMA, O NOME DELE. ESSES DOIS INDIVÍDUOS FORAM MORTOS NESSE CÁRCERE, AO QUE EU SEI COM INJEÇÕES APLICADAS PELO CORONEL ALDIR SANTOS MACIEL.”
sam despercebidos; é dali que vão surgir esses subsídios para a continuidade da operação, da evolução do trabalho que está se desenvolvendo. (...) quando eu falo de operação é porque a análise é baseada num trabalho operacional; ela seria o suporte para a continuidade do trabalho operacional. Esse trabalho operacional tem que objetivo? Ampliar o máximo possível o leque de atividades, ou seja, descobrir o máximo possível na prática de pessoas que estavam atuando na oposição, prendê-las, interrogá-las e processá-las.
A MORTE DE ORLANDO BONFIM “(...) o Aldir Santos Maciel (...) injetou drogas para matar cavalo na veia de pelo menos duas pessoas que eu sei, do Montenegro, que não me vem o nome agora, que era um militante do PCB do Nordeste. Houve a queda da Voz Operária, no Rio de Janeiro. Na circunstância – quem acompanha essa história sabe, é lá em Campo Grande – a gráfica da Voz Operária foi desmantelada. O Partido encarregou Montenegro para ir a São Paulo e criar (...) uma estrutura menor de impressão e distribuição do jornal. Era uma gráfica alternativa que o PCB estava montando. Houve essa desestruturação e o Partido encarregou Montenegro para ir a São Paulo para criar uma nova estrutura de impressão. Olha que é complexo você distribuir um jornal a nível nacional clandestinamente. Era assim (...) saía um militante de São Paulo e ia ao Rio Grande do Sul entregar a cota do jornal lá em Porto Alegre. Era assim que funcionava.” “Aí o Doi descobriu, porque já havia matado uma série de dirigentes do PCB, descobriu e prendeu esse rapaz. Coincidentemente Orlando da Rosa Silva Bonfim estava sendo preso no Rio de Janeiro e foi recambiado para São Paulo. Veja que o Doi de São Paulo atuava no Rio de Janeiro clandestinamente; fazia prisões dentro da área do I Exército, que era jurisdição do Doi do I Exército. Aí, ‘tá?, pegou Orlando Bonfim, levou para São Paulo num cárcere privado. (...) eu já identifiquei o local: foi um trabalho de alguns dias junto com aquele jornalista da IstoÉ que eu sempre esqueço o nome, você conhece bem, e nós descobrimos o local, fotografamos o local e tudo mais. Dali saíram Orlando Bonfim e o Montenegro, José Montenegro de Lima,o nome dele. Esses dois indivíduos foram mortos nesse cárcere, ao que eu sei com injeções aplicadas pelo Coronel Aldir Santos Maciel, injeções na veia aplicadas por esse Coronel.” “(...) um cavalo é um animal de 200 quilos; imagine-se o grau de letalidade dessas injeções. Aí, sim, eu chamo de oito, porque foram oito dirigentes do PCB mortos em dois cárceres privados, aquele cár-
PEDRO ZOCA
cere privado de Itapevi, da estrada de Itapevi, e esse outro da Rodovia Castelo Branco, num local chamado Araçariguama, no sentido Avaré na margem direita da Rodovia Castelo Branco. Bem, essas pessoas como foram mortas aí, como foram mortas em Itapevi? Foram dobradas, o corpo dobrado sobre uma barra de concreto. Na época quem comentou comigo falou até de gelo-baiano, que é mais ou menos isso; foram amarrados com arame e foram levados e lançados no Rio Avaré. O Rio Avaré já foi alvo de pesquisa por parte até do jornalista que fez a matéria da Veja. Eu estive já duas ou três vezes em Avaré, no rio etc. ... Fotografamos: eu tirei fotografia também lá e tudo mais. Então, antes de jogar esses corpos no rio os abdômens eram perfurados para evitar que eles emergissem, não é isso? Então é isso, ‘tá aí: esses corpos eram descartados dessa forma, sim, não sem antes cortar as falanges para evitar a identificação, a identificação através das impressões digitais.”
“AÍ É A LEI DO VALE TUDO” “(...) É bom que se diga que todas essas pessoas, aliás, muitos morreram nessas circunstâncias, ou seja: o torturador ignorava as condições físicas do indivíduo e as condições de saúde, se eram hipertensos ou se não eram, se podiam ser submetidos a pressão psicológica. E eu estou falando de pressão psicológica, não estou falando de tortura física, porque um sujeito frágil, nessas circunstâncias, com a saúde frágil, é capaz de perder a vida nessas circunstâncias, em conseqüência de uma pura e simples pressão psicológica. Imagine ser torturado na frente do filho menor; nós tivemos uma história (...) registrou alguns casos. Então eles desconheciam essas questões, eles queriam torturar e obter informações, e aí é a lei do vale tudo, os fins acabavam justificando os meios. É o que eu digo da inconseqüência, de você fazer com a certeza da impunidade, porque podia acontecer o pior que essa pessoa seria respaldada e jamais iria responder por coisa alguma. Era o arbítrio puro e simples, era assim. Portanto nem a História não registra a não ser naquele cárcere privado nas dependências do Doi do I Exército, um caso (em) que aquele médico Amilcar Lobo andou assistindo um interrogador ou interrogando; mais eu não sei, porque essas pessoas sequer eram examinadas previamente para saber se poderiam ou não ser submetidas a mecanismos de tortura e até que ponto esses mecanismos poderiam evoluir.” “O torturador é aquele indivíduo que tem a mente impregnada pelos ensinamentos doutrinários. Eu passei pela Escola Nacional de Informações, hoje Abin. Inúmeras vezes aprendi todos esses métodos e fui submetido a lavagem cerebral capaz de é... Ver o inimigo, esse inimigo que a ditadura pintava como aquele indivíduo
Um instante de tensão da recriação dramática da tragédia de Fiel Filho: o momento em que sua mulher recebe a notícia de sua morte.
“O TORTURADOR IGNORAVA AS CONDIÇÕES FÍSICAS DO INDIVÍDUO E AS CONDIÇÕES DE SAÚDE, SE ERAM HIPERTENSOS OU SE NÃO ERAM, SE PODIAM SER SUBMETIDOS A PRESSÃO PSICOLÓGICA”.
“ALÉM DE (SE) PRESTAREM A ESSE TIPO DE TRABALHO SUJO, DE TORTURA, DE TORTURAR UM SER HUMANO, DE TORTURAR O SEMELHANTE, ERAM PESSOAS QUE TINHAM VOCAÇÃO PARA MATAR. E TEM MAIS: TODOS ELES HOJE NÃO ESTÃO EM PAZ COM AS SUAS CONSCIÊNCIAS.”
que oferecia de fato risco à segurança nacional. Então era dessas informações que nossas mentes eram impregnadas. Agora eu diferencio esse torturador, aquele indivíduo que tem vocação, não é para tortura não, é vocação para matar; ele tem o instinto ruim, ele tem vocação para matar. Graças a Deus eu não me enquadro nesse perfil, nem do torturador nem da pessoa que tinha vocação para matar. Essas práticas sempre me causaram repugnância na sala de aula, no instante que eu estava ouvindo aqueles ensinamentos. Portanto, eu os vejo, dessa forma, além de torturadores, além de (se) prestarem a esse tipo de trabalho sujo, de tortura, de torturar um ser humano, de torturar o semelhante, eram pessoas que tinham vocação para matar. E tem mais: todos eles hoje não estão em paz com as suas consciências. Por quê? Não sei o que estimulava essas pessoas a cometerem essas barbáries, esses atos bárbaros. Por isso que eu chamo de monstros, eu não sei o que (os) motivava a fazerem isso; só que eu acho o seguinte: que a História, a vida acaba cobrando caro dessas pessoas como cobrou da grande maioria, muitos. “Não foi só o Coronel Ênio Pimentel da Silveira que consta na história que suicidou-se; tem uma série de outros que se suicidaram, quando não se suicidaram estão mergulhados nos vícios da bebida alcoólica, das drogas legais e ilegais, ‘tá certo, ou então padecem de esquizofrenia (...) ou seja: essas pessoas não vivem em paz com suas consciências, não são capazes de olhar seus filhos, suas esposas, olho no olho, frente a frente, (porque) cometeram atos que, além de envergonhar o passado, exerceram suas memórias em suas mentes num dano no meu ponto de vista irreparável.”
O MAIS TIRANO: GEISEL, O ALEMÃO “O mais tirano sem sombra de dúvida foi o Alemão, nós chamávamos de Alemão porque foi um dos repressores da cúpula do Governo, um dos mais ferrenhos repressores da ditadura, não há dúvida nenhuma. Nem o Castelo, até porque... eu (o) comparo a mais dois generais que não chegaram ao topo do poder: Miltinho Tavares e Humberto de Souza Melo. O Geisel era muitíssimo radical, muito, muito...e sob a batuta dele as forças de repressão desencadearam um processo ferrenho de repressão contra as organizações que fizeram oposição no Brasil.” “O episódio da Lapa foi conseqüência de um infiltrado do PCdoB que não me ocorre o nome agora, um infiltrado controlado pelo Doi do I Exército. Bem, com as informações do I Exército resolveu-se desencadear uma operação conjunta para derrubar essa grande reunião que deveria ocorrer em São Paulo, no bairro da Lapa. Bom, o Doi do Rio de Janeiro foi para São Paulo, levou o infiltrado e (o) deixou em condições de ser acolhido pela estrutura do Partido e internalizado no aparelho. Depois que todos entraram o infiltrado sabia que ia haver uma ação contra as pessoas, contra a reunião, e aí, sim, é... O infiltrado dava informações de quem chegava, essas pessoas eram seguidas até o local e enfim, quando fechou o grupo de pessoas que deveriam participar dessa reunião de cúpula do PCdoB, resolveu-se derrubar a reunião e foi o que a História conhece: houve tiroteio, né?, e morte daqueles militantes que reagiram; reagiram entre aspas, não é?, e morreram. Alguns saíram vivos, e tem um Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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caso de — eu não me recordo agora, mas eu já falei sobre esse, que foi levado para o Doi, foi interrogado, e num descuido da turma de interrogatório, uma turma que estava conduzindo(-o) de um local para outro,ele escalou uma torre e se jogou da torre e morreu no pátio. É difícil me lembrar o nome dele agora.”
Dirigente do MR-8, Franklin Martins era um dos homens marcados pela repressão para morrer. Arisco, sentiu-se acampanado e escapou aos seus perseguidores.
AS CASAS DA MORTE (...) esses cárceres privados eram casas da morte. As pessoas que eram levadas para esses cárceres eram marcadas para morrer. Então, tem um caso que se verificou com Inês Etienne Romeu, lembro muito bem. Ela passou 100 dias no cárcere privado do Rio de Janeiro e foi libertada. Aliás, a repressão viu a libertação dela – ou seja, não matá-la foi uma mancada, como eles disseram – (como) um erro crasso de conduta e de avaliação e tudo mais. Ela deveria ter morrido, não morreu. Não vem ao caso porque é impossível saber por quê.” “(..) teve (um) episódio que envolveu os oito do PCB, chamo de oito porque eu não sou capaz de citá-los nominalmente; teve alguns militantes de cúpula de nível de direção intermediária de São Paulo que chegaram ao cárcere privado e conseguiram sair de lá.” “(...) Franklin Martins escapou da morte. (...) O Franklin teve um encontro com... Agora, veja bem, eu não vou citar com cem por cento de convicção, mas foi Aton Fon Filho ou o irmão dele, Antônio Carlos Fom, que são jornalistas, não é verdade?, e que trabalham em São Paulo. O Franklin teve numa tarde, numa noite, por volta de 18 horas, um encontro com um desses e a equipe abandonou um deles e passou a seguir o Franklin. E o Franklin percebeu que estava sendo seguido e fugiu desesperadamente em meio àquele trânsito caótico de SP. Bom, Franklin, sem dúvida, não seria hoje Secretário de Governo, Governo central. Ele não seria porque, como dirigente do MR8, era uma pessoa marcada para morrer. “(...) ele pode até ter suspeitado que estava sendo seguido e tomou algumas medidas de segurança; como homem muito experiente na militância política, tomou alguma medida de segurança e conseguiu se evadir com sucesso, conseguiu uma evasão com sucesso. Mas ele não tem certeza e acho que é a primeira vez que alguém está falando desse episódio.”
CONDOR, A REPRESSÃO UNIDA “O chefe da Operação Condor no Brasil foi sem dúvida o Chefe do CIE. Ele é que demandava os países do Cone Sul envolvidos com a Operação para realizar conferências bilaterais. Como a Operação durou algum tempo, eu (...) cito como sendo Chefe do CIE porque ela teve enquanto 8
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brasileiros vários Chefes, porque eram gestões. O chefe do CIE é quem gerenciava a Operação Condor.” “(...) (O General) João Figueiredo foi o Chefe do Serviço Nacional de InformaçõesSNI. Ora, só se essa Operação, por ser uma Operação que envolvia outros países, era conjuntamente gerenciada pelo Chefe do SNI e pelo Chefe do CIE. O que é importante notar é que o Exército exercia uma influencia maior sobre as outras Forças Armadas quando dizia respeito à repressão política. A Marinha é a Força Armada mais antiga e o Cenimar, por conseguinte, era o órgão de inteligência mais antigo também. Mas mesmo assim quem estava sempre em rota de colisão com o serviço de inteligência do Exército era a Aeronáutica, a Marinha era meio isolada, o Cenimar era meio isolado, (...) O CIE e o Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica) se ligavam mais, trocavam mais informações e faziam um intercâmbio maior. Esses três órgãos das Forças Armadas, o Cenimar, o CIE e o Cisa, se ligavam muito com o órgão do Governo central, (que) é quem coordenava toda inteligência do Brasil — ou seja, o (General) João Figueiredo foi o Chefe dessa organização. (...) O que nós sabíamos enquanto participantes da estrutura do CIE é que o General Chefe do CIE demandava esses países, viajava a esses países com o objetivo de realizar conferências bilaterais com o Chile, com a Argentina, tanto é que a Argentina alocava mensalmente recursos financeiros para auxiliar no desenvolvimento das operações aqui do Brasil.” “Qual o objetivo da Operação Condor? Único e simples: monitorar militantes desses países onde nós tivemos ditaduras militares e repressão política ferrenha, militantes que escaparam dos outros países que vieram para o Brasil procurar abrigo, não abrigo político, abrigo de vida até, e monitorar também militantes de organizações estrangeiras desses países que utilizavam o Brasil como santuário para de-
“FRANKLIN MARTINS ESCAPOU DA MORTE. (...) FRANKLIN, SEM DÚVIDA, NÃO SERIA HOJE SECRETÁRIO DE GOVERNO, GOVERNO CENTRAL. ELE NÃO SERIA PORQUE, COMO DIRIGENTE DO MR8, ERA UMA PESSOA MARCADA PARA MORRER.
“QUAL O OBJETIVO DA OPERAÇÃO CONDOR? ÚNICO E SIMPLES: MONITORAR MILITANTES DESSES PAÍSES ONDE NÓS TIVEMOS DITADURAS MILITARES E REPRESSÃO POLÍTICA FERRENHA.”
O pioneirismo doentio do golpe de Pinochet: um estádio de futebol transformado em campo de prisioneiros.
senvolver ações nos seus países. Por exemplo: o Brasil faz fronteira com a Argentina, faz fronteira com... ‘tá certo, então eles vinham, se instalavam nas fronteiras, desenvolviam uma ação armada, digamos assim, na Argentina e voltavam para o esconderijo brasileiro. Então, nós tivemos vários exemplos de indivíduos que transitavam por aqui, tanto que eu tenho informação de que o CIE prendeu um indivíduo desses em São Paulo, matou e encaixotou o corpo e despachou para Argentina através da Aerolíneas Argentinas, que era uma companhia estatal naquela ocasião.” “A Operação Condor desenvolvia com infiltrados argentinos em São Paulo e no Rio de Janeiro porque a demanda maior de militantes desse país era o Rio de Janeiro e todos estavam agrupados em subproteção
DIVULGAÇÃO
do Acnur, que é o órgão das Nações Unidas para assunto de refugiados, Alto Comissariado da Onu para refugiados. Essas pessoas transitavam pelo Acnur, transitavam pelo Palácio São Joaquim, no Rio de Janeiro. Junto desses militantes estrangeiros tinham (havia) infiltrados que prestavam informações, que estavam sob controle dos brasileiros e dos estrangeiros dos seus respectivo países. Eu tenho notícia de um em São Paulo, um no Rio de Janeiro, tinha até um sujeito no Rio de Janeiro que... Porque (como) as atividades eram clandestinas, eu posso muito bem dizer pra você que eu sou uma organização, porque você não tem como comprovar se sou ou não, porque todas as minhas atividades são clandestinas. Então o sujeito se apresentava como representante de uma organização aqui no Brasil e com isso ele acabava se ligando com organizações brasileiras, por exemplo.”
“O PAULO MALHÃES FOI UM, ESSE SENHOR
“Eu tenho conhecimento de que dentro da Operação Gringo, que foi uma operação que se estabeleceu dentro do Rio de Janeiro, era um único infiltrado que construía essa operação, dentro da Operação Gringo. Esse gringo, que é um montonero, que eu não sei mais a respeito dele, se ligava com brasileiros e se ligou com Piu ou com Pedro Chaves dos Santos, que eram dois ativistas do PCdoB na ocasião. (...) não há dúvida nenhuma de que a Operação Condor, no período em que existiu, exerceu um papel de suma importância, porque de fato conseguiu repassar para os organismos internacionais, para as inteligências dos países que implantaram a Operação, que participavam do consórcio, conseguiu de fato produzir informações da maior importância, porque com essas informações os brasileiros e os estrangeiros monitoravam os brasileiros que iam para os países e os estrangeiros que vinham pra cá.”
QUE HOJE É CORONEL REFORMADO DO EXÉRCITO, E OUTRO DE QUE EU TENHO NOTÍCIA E POSSO AFIRMAR COM CEM POR CENTO DE CERTEZA DE CONFISSÃO FOI O ÊNIO PIMENTEL DA SILVEIRA. ESSES DOIS CORONÉIS PARTICIPARAM DAQUELES INTERROGATÓRIOS REALIZADOS LÁ NO ESTÁDIO EM SANTIAGO (DE) BRASILEIROS E NATURALMENTE ESTRANGEIROS TAMBÉM QUE SE LIGAVAM COM ESSES BRASILEIROS.”
“ERA UMA ESTRUTURA
DIVULGAÇÃO
MUITÍSSIMO RESTRITA E BEM REDUZIDA MESMO: QUANTO MENOS PESSOAS MELHOR, O SUFICIENTE APENAS PARA DESENVOLVER POR EXEMPLO UMA PRISÃO, UM ENCARCERAMENTO, UM INTERROGATÓRIO, A MORTE E OCULTAÇÃO DO CADÁVER.”
“ESSE PESSOAL, PARA NÃO PERDER PRIVILÉGIOS, NATURALMENTE DESENCADEOU NO BRASIL UMA SÉRIE DE AÇÕES QUE A GENTE CONHECE MUITO BEM: O EPISÓDIO DO RIOCENTRO, (...) OS INCÊNDIOS DAS BANCAS DE JORNAIS.”
O Presidente Allende recebeu Fidel com grandes galas pouco antes de ser assassinado: pagou caro por isso.
A REPRESSÃO BRASILEIRA NO GOLPE DO CHILE “Por ocasião da queda do Allende? O Paulo Malhães foi um, esse senhor que hoje é coronel reformado do Exército, e outro de que eu tenho notícia e posso afirmar com cem por cento de certeza de confissão foi o Ênio Pimentel da Silveira. Esses dois coronéis participaram daqueles interrogatórios realizados lá no estádio em Santiago (de) brasileiros e naturalmente estrangeiros também que se ligavam com esses brasileiros, porque acaba que você tem de obter informações dos dois lados, até como forma de cruzar essas informações, de confrontar essas informações para avaliar a veracidade delas.” “(...) Existia uma estrutura montada e muitas pessoas se beneficiavam dessa estrutura, obtinham privilégios, trabalhavam sem muita prestação de contas tanto financeira, porque tinha autonomia financeira, tinham verbas específicas para o desenvolvimento dessas atividades, como até pessoal, no envolvimento em si das atividades: Por exemplo, um comandante de Doi desenvolveu uma série de operações clandestinas de que ninguém tomou conhecimento, que não um grupelho de pessoas ali do Doi, e operações clandestinas que jamais serão reveladas porque foram realizadas por um grupo muito restrito de pessoas, e operações que envolviam prisões ilegais, mortes, interrogatórios com tortura e ocultação de cadáveres, principalmente essas operações. Só, por exemplo o grupo do Ênio Pimentel da Silveira na sessão de investigação, aquele pessoal que depois da matéria do Estadão falou sobre isso superficialmente e disse que algumas pessoas apenas participavam dos cárceres privados. É verdade: algumas informações dos cárceres privados vazaram, e vazavam mais pra mim, porque eu analisava os interrogatórios que vinham de lá do cárcere, quando diziam respeito às organizações que eu estudava, que eu controlava. (...) Era uma estrutura muitíssimo restrita e bem
reduzida mesmo: quanto menos pessoas melhor, o suficiente apenas para desenvolver por exemplo uma prisão, um encarceramento, um interrogatório, a morte e ocultação do cadáver.”
NA BOATE DA LAURA, A CAFETINA “(...) esse pessoal, para não perder privilégios, naturalmente desencadeou no Brasil uma série de ações que a gente conhece muito bem: o episódio do Riocentro, que vitimou aquele sargento lá e tudo o que aconteceu, os incêndios das bancas de jornais. Essa era a facção dura que queria sensibilizar o Alto Comando das Forças Armadas, inclusive o Presidente da República, de que o perigo era iminente e que as atividades das organizações ainda eram latentes. Esse era o objetivo, porque eles não queriam a descontinuidade daquilo que estavam fazendo. E, olha: era um grupo corporativo, um grupo fechado em todo o Brasil. Por exemplo, saía um grupo de coronéis (estou dizendo isso pela primeira vez), um grupo de coronéis de Brasília e ia para São Paulo, o happy hour deles lá, o happy hour incluía, por exemplo, a visita à boate da Laura, que era a cafetina e conseguia as mulheres.” “Era uma coisa, eles tinham uma ligação bem íntima, eles eram muito ligados, eram muito coesos, e todos rezavam na mesma cartilha. Não havia divergência, vamos fazer isso em Brasília, você poderia ir pra Brasília que lá você contaria com uma estrutura de apoio. como foi o incêndio das bancas de jornais. Quem estava por trás daquilo era um coronel de linha-dura chamado Fred Perdigão Pereira. Ele era um dos mentores dos artífices daquelas ações, (como) a do Riocentro. Foi alguma coisa assim realizada em conjunto com alguns oficiais do CIE contando com a estrutura do Doi do Rio de Janeiro. “(...) estou falando dos coronéis que foram os mentores dessa coisa, eu não excluo o Ênio Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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ESPECIAL AS REVELAÇÕES DE UM MEMBRO ATIVO DA REPRESSÃO PEDRO ZOCA
não, lá em São Paulo. Ele estava participando disso, pelo menos participou das reuniões ou das conversas do planejamento que resultou naquele processo, naquele episódio.” “Essas pessoas são as quais eu já fiz uma série de comentários e já falei o nome deles: é Ustra, Nei, Curió, Umbran ( Zé Bran), Fred Perdigão Pereira, Aldir Santos Maciel. (...) Essas pessoas, só pra que se tenha uma idéia, essas pessoas convivem juntas desde os primórdios, todos passaram pelo CIE, participaram de ações no Araguaia, contra a guerrilha do Araguaia. Eles vieram crescendo, se fortalecendo, e criaram uma estrutura a nível de Brasil, tanto que o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), que era dirigido por um coronel de Minas Gerais, esse coronel de Minas Gerais se ligava com todo o Brasil.”
A HORA DE FALAR, FALAR TUDO “(...) hoje eu durmo como criança apesar dos meus 63 anos. Há um índice assustador de pessoas que sofrem desse mal (insônia) no Brasil, mas eu não me incluo nesse rol. Portanto, eu me livrei completamente dessas mazelas do passado, hoje eu sou uma pessoa muito tranqüila em relação àquilo que eu vi e ouvi, até presenciei. Porque eu vi (um) casal exposto à visitação pública no Doi, aquele casal lá, o Antônio Carlos Bicalho Lana e a companheira dele, a Esmeralda, não me vem o nome agora, que morreram naquele sítio Serra do Mar. E eu soube de pessoas que participaram da morte deles que até tiro ao alvo eles praticaram na hora de executar o casal. Portanto, essas coisas me chocaram muito, me chocou muito também o fato de você invadir um lar e, sem culpa formada, sem mandato (mandado), sem coisa alguma, prender o chefe de família, a esposa e os filhos, e até interrogar o chefe de família ou a esposa na frente dos filhos como instrumento de coação. Essas coisas, a atitude que eu tomei pra denunciar todos esses fatos, é quixotesca, sim, porque eu sou um homem absolutamente avesso à injustiça, é isso que foi formando um pensamento, um sentimento de que eu não iria passar pela vida sem que a opinião pública soubesse dos fatos que eu tive, modéstia à parte, coragem de trazê-los a público.” “(...) Eu não quero nada pra mim. Não. Eu tenho 63 anos de idade e logo estarei fora desse mercado, mas eu quero alguma coisa para os meus filhos, foi neles que eu pensei lá quando eu vim a público. Falei: isso tem que ser revelado em nome dos meus filhos. Reuni minha família, pedi, não permissão, mas aquiescência pelo menos dos filhos, para dizer:’Olha: eu vou tomar uma atitude que vai ter uma repercussão enorme, vocês aprovam?’ Minha filha mais velha, que é advogada hoje, disse: ‘Papai, você pode fazer o que você achar melhor 10
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Uma cena real e tocante de Míster Fiel: sua mulher e suas duas filhas levam-lhe as rosas de sua saudade.
que nós estaremos sempre solidários a você’. Assim como eu estarei sempre solidário com aqueles (que) na hora amarga da dor lhes foi negado o direto de velar, chorar e enterrar seus mortos, porque eu acho isso um direito inalienável e inerente ao ser humano. Portanto, todo esforço farei no futuro, se for preciso, para colaborar. Já fiz, já dei minha contribuição, mas se for chamado a colaborar eu digo que não há assunto nesse sentido que eu vá deixar sem resposta, pergunta nenhuma deixarei sem resposta, porque eu não temo nada. Quem quiser atentar contra minha vida sabe onde me encontrar, eu sou um alvo ambulante, mas mesmo assim, apesar das cartas de ameaça que eu recebi, eu não vou recuar. Mestre, não vou recuar.”
QUEM DETÉM ARQUIVOS (Sobre ameaças recebidas) “Um pássaro, não, eu não estou sendo ameaçado por ele. É Pardal, o pássaro é Pardal, viu? Esse é da Polícia Militar. Agora, essas pessoas acobertadas pela Lei da Anistia dificilmente vão falar. O Pardal, junto com o Magno, o Magro, o Félix Freire Dias, era o carcereiro, era a mão-de-obra não especializada, encarregado, por exemplo, de esquartejar, de auxiliar na ocultação dos cadáveres. Foram mais de três dezenas. Portanto, aquele foi um cárcere privado que mais durou, o de Petrópolis, depois teve esse da Serra do Mar, depois o de Itapevi e depois o da margem direita da Rodovia Castelo Branco no sentido do interior. (...) “Eu deixei a inteligência brasileira em 1985. Aliás, assim que o Sarney assumiu, em março, e eu sumi em outubro, porque entendi que o momento era oportuno, já pensando na hipótese de vir a público, eu poderia ter essa oportunidade. Naquela ocasião eu já fui convocado para destruir uma série de arquivos, Agora, nós
“ESSAS PESSOAS ACOBERTADAS PELA LEI DA ANISTIA DIFICILMENTE VÃO FALAR. O PARDAL, JUNTO COM O MAGNO, O MAGRO, O FÉLIX FREIRE DIAS, ERA O CARCEREIRO, ERA A MÃO-DE-OBRA NÃO ESPECIALIZADA, ENCARREGADO, POR EXEMPLO, DE ESQUARTEJAR, DE AUXILIAR NA OCULTAÇÃO DOS CADÁVERES. FORAM MAIS DE TRÊS DEZENAS.”
“OS ARQUIVOS QUE VIERAM A PÚBLICO QUE FORAM EXPOSTOS EM SÃO PAULO E NO RIO DE JANEIRO NÃO TÊM A MENOR IMPORTÂNCIA.”
“UM BRASIL SEM MEMÓRIA É UM BRASIL SEM HISTÓRIA. UM PAÍS SEM MEMÓRIA, SEM HISTÓRIA, NÃO É UM PAÍS.”
tínhamos arquivos abertos e fechados, arquivos que envolviam operações clandestinas; estes eram guardados a sete chaves em poder de determinados chefes militares. Eu não tenho dúvida de que Curió tem arquivo, eu não tenho dúvida de que Nei tinha arquivo em casa, eu não tenho dúvida de que Ustra tenha arquivo — eu não tenho dúvida nenhuma, porque no episódio Frota (Ministro Sílvio Frota), temendo uma devassa, esses militares pegaram esses arquivos que mais comprometiam e levaram pra casa. Assim, quando Nei foi morto e enterrado, o Dalmo foi à casa dele e pegou os arquivos que Nei tinha e guardou com ele. Agora eu não sei o que aconteceu com os arquivos que passaram ao seu poder, porque o Dalmo também morreu. Mas acho que isso aí vai passando de pessoa pra pessoa, naturalmente se vislumbre a hipótese de comprometimento.” “(...) os arquivos que vieram a público que foram expostos em São Paulo e no Rio de Janeiro não têm a menor importância. Isso aí é História do Brasil . Eu quero mencionar aqueles arquivos que envolveram investigações clandestinas, prisões, mortes, ocultação de cadáver, que jamais vieram a público.” “(...) Um Brasil sem memória é um Brasil sem História. Um país sem memória, sem História, não é um país. Você não pode dizer que construiu ou deu uma contribuição por menor que seja a um país para que esse país se aprimore, para que a democracia, por exemplo, avance na direção do aprimoramento, sem que haja o resgate da História. Então eu tenho o dever moral, dever cívico, viu?, eu não abro mão disso, não adianta, façam de mim o que quiserem, mas eu não temo, ainda mais agora no instante que você vai caminhando para um certo amadurecimento na vida. Eu poderia temer há 20 anos atrás, hoje não temo mais, a minha família ‘tá criada, não tenho mais o que temer.”
PERFIL
ARQUIVO PESSOAL
Leandro Konder, um filósofo que sonha O autor de Marxismo e Alienação visto de perto com a lente do carinho e a da admiração.
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lia muito. Leu tudo o que se possa imaginar. Até hoje, ler é sua atividade essencial. Metódico, disciplinado, lê, organiza, registra, escreve. Já publicou quase 30 livros, alguns grandes sucessos de crítica e venda, como Marxismo e Alienação, Kafka, Vida e Obra, Os Marxistas e a Arte, Introdução ao Fascismo ou A Democracia e os Comunistas no Brasil, para citar apenas alguns títulos. Preso e torturado em 1970, exilou-se em seguida e morou na Alemanha, durante seis anos; depois, na França, até seu regresso ao Brasil, em 1978. Mas jamais fala da prisão e da tortura – assim é meu irmão querido, um homem calmo, controlado, que mantém uma relação cerimoniosa com o mundo. Formado em Direito, foi professor de Filosofia da Educação, na Puc do Rio de Janeiro – onde os alunos o adoravam – mestre, doutor, conferencista, ensaísta, ficcionista, articulista do Jornal do Brasil, Leandro recebeu medalha do Congresso por seus “relevantes serviços à causa da democracia” e foi eleito “Intelectual do Ano”, em 2002. Já mereceu diversas homenagens por suas realizações como escritor e educador. Domina cinco línguas, além do português. Até hoje, fala de nosso pai com respeito. Mantém-se num patamar quase inatingível da integridade. Jamais mente. Exemplar de uma espécie em extinção, é um homem inabalavelmente ético, generoso, solidário. Um filósofo que sonha. Sonha muito, sonha sempre. Mas nunca chora.
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ARQUIVO PESSOAL
Carinhoso com os amigos e principalmente com a família, Leandro aparece aqui num momento de descontração e ternura com o genro Daniel, tendo no colo a filha, neta de LK; Cristina, sua esposa, e ele; abaixo, o neto José, Marcela e Caíto, todos orgulhosos do paizão e sogrão que têm.
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– gentil, controlado, afável. Depois, tornou-se outra pessoa, outro homem, agressivo, fechado, explosivo,” contava nossa mãe. Leandro se viu praticamente atropelado por aquele homem estranho, misterioso, que emergia do passado e o obrigava a brincar sozinho no jardim, durante o dia, para “não continuar agarrado às saias de sua mãe” – que ficava fechada dentro de casa. Outro exemplo: certa noite, Leandro chorou. Nosso pai foi ver do que se tratava e acabou por lhe aplicar a primeira palmada de sua vida, com uma advertência: “Se continuar a chorar, vai levar outra palmada”. Leandro engoliu o choro – e nunca mais chorou. Estava com menos de três anos – e nunca mais chorou. A influência do nosso pai sobre ele – e sobre todos nós, eu e nossa irmã Luiza – também foi fundamental para nos interessarmos pela leitura. Nisso Leandro sempre se destacou. Desde menino ele
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o exato dia em que meu irmão nasceu, num afastado hospital coberto pela neblina de Petrópolis, em 1936, nosso pai, o médico sanitarista Valério Konder, foi preso pela Polícia política de Getúlio Vargas, então ditador. Valério ficou na cadeia durante dois anos (foi companheiro de Graciliano Ramos e aparece algumas vezes em Memórias do Cárcere), enquanto nossa mãe, Yone, cuidava sozinha, aos 18 anos, daquele que era seu primeiro e único filho até então, Leandro. Hoje, mais de 73 anos depois, penso na influência certamente decisiva daqueles primeiros anos de vida na evolução de Leandro e na formação de sua personalidade e de seu caráter. Imagino as inseguranças, as perplexidades, os medos que dominaram aquele menino frágil, freqüentemente doente, profundamente introspectivo. Nosso pai saiu da prisão modificado pela dura experiência. “Ele era um homem, antes da cadeia
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POR RODOLFO KONDER
RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo e membro do Conselho Deliberativo da ABI e do Conselho Municipal de Educação da cidade de São Paulo.
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Aconteceu na ABI
UM JOÃO CÂNDIDO IMPERDÍVEL Teatro União e Olho Vivo, de São Paulo, encena no Auditório Oscar Guanabarino um espetáculo em homenagem a João Cândido, o Almirante Negro, pela passagem do centenário da Revolta da Chibata, que ele liderou em 22 de novembro de 1910. FOTOS: DIVULGAÇÃO
POR CLAUDIA S OUZA Um espetáculo imperdível de interpretação de textos, gestual, música e dança marcou a comemoração do centenário da Revolta da Chibata no Auditório Oscar Guanabarino, o principal da ABI: era a montagem de João Cândido do Brasil – A Revolta da Chibata, de César Vieira, encenada pelo Teatro União e Olho Vivo, de São Paulo, que veio ao Rio especialmente para essa apresentação, no feriado de 20 de novembro. No fim da encenação, a platéia que lotava o Auditório aplaudiu de pé os integrantes do elenco, constituído por 12 atores, quatro músicos com instrumentos de corda e quatro percussionistas, além do autor e diretor César Vieira e da faztudo Graciela Rodrigues, responsável por cenários, figurinos e documentação; mesmo antes de o pessoal se apresentar, ela filma e grava tudo. Na abertura do evento foram homenageados o filho do líder da rebelião, Adalberto Cândido, funcionário da ABI há mais de 50 anos; os Presidentes da ABI, Maurício Azêdo, e da OAB-RJ, Wadih Damous; o jornalista, professor e historiador Marco Morel, neto do biógrafo de João Cândido, jornalista Edmar Morel; o professor, historiador e escritor Joel Rufino dos Santos; o Centro de Teatro do Oprimido-CTO, criado pelo teatrólogo Augusto Boal; a União de Mobilização pela Anistia-Umna; a União Nacional dos Estudantes-Une; o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e o Movimento Democrático pela Anistia-Modac. No palco adequado
Contou César Vieira, um dos fundadores do Teatro União e Olho Vivo, a idéia de realizar o espetáculo na ABI surgiu num, encontro com o Presidente da Casa: “A ABI, que é a Casa dos Jornalistas do Brasil, representa toda a luta do povo brasileiro em busca de uma sociedade igualitária e livre. É uma honra nos apresentarmos na Casa da Resistência Democrática, e, na mesma ocasião, homenagear entidades e personalidades que marcaram com suas atitudes a busca da redemocratização do Brasil. Foi de uma conversa com o Presidente da Casa que o projeto brotou. Conheço Maurício Azêdo há muitos anos, de suas atividades de resistência à ditadura e suas qualidades de luta.” Disse César Vieira que o objetivo principal do seu grupo teatral é a troca de experiências culturais com o público das camadas populares da Grande São Paulo: “Já realizamos cerca de 3.500 apresentações para um público de quase 4 milhões de pessoas. Os espetáculos sempre foram encenados nas ruas, praças, igrejas, e clubes de futebol de várzea, visando à troca de informações e opiniões com 12
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atores vinha da classe média. Hoje, o maior número é de cidadãos das camadas populares. Desenvolvemos uma atividade em que o artista popular é ao mesmo tempo público e platéia”, explica César. Graciela Rodriguez, responsável pelo setor de cenário, figurino e documentação, confirma esta vocação do Tuov: “Como artista plástica e cientista social, sempre busquei entender as contradições da nossa sociedade. A partir da minha entrada no Tuov, há duas décadas, minha obra ficou vinculada ao grupo. Em 2002, fomos convidados a dar subsídios para a escola de samba Camisa Verde, de São Paulo, que trazia enredo sobre a Revolta da Chibata. A partir do contato com dezenas de mulheres populares, filmei o documentário Fala Mulher, que vem sendo aplaudido por levantar questões importantes como o preconceito contra a mulher negra. O ator Osvaldo Ribeiro, que vive o personagem de João Cândido na peça, também é um exemplo da relação do Tuov com as questões sociais. Osvaldo exerce forte liderança na periferia de São Paulo, especialmente nos problemas relacionados à área habitacional. Advogado e teatrólogo, César Vieira prestou homenagem a João Cândido na pessoa de seu filho Adalberto, o Ele é João Cândido no Candinho, o mais antigo funcionário da ABI (abaixo, à esquerda), e com uma peça rica em texto, música e gestual. palco e na vida.” Atualmente, o grua população marginalizada e a colocar no “Posso dizer, sem heroísmo, que é po está em cartaz com três espetáculos palco o homem brasileiro comum. O melhor acender uma vela do que amalque se referem a centenários de fatos e grupo já representou o Brasil em 16 fesdiçoar a escuridão. Quando eu enviava pessoas, como os 100 anos da Revolta da tivais internacionais de teatro, percoras peças para a censura elas eram proiChibata, de fundação do Corinthians e reu 28 países da América, África e Europa bidas sem ser lidas, porque eu era advode nascimento do compositor Adoniran e recebeu os mais importantes prêmios gado de presos políticos. Decidi, então, Barbosa. O próximo projeto está relacida cultura nacional e internacional.” abandonar o meu nome civil, que é Idionado com a atuação dos pracinhas na bal Pivetta, e passei a adotar o nome arSegunda Guerra Mundial. “ConseguiA utopia que deu certo tístico de César Vieira. A partir disto, os mos nos sustentar através da tática ‘RoA fundação do Tuov data de 1966, quanespetáculos foram liberados ao longo de bin Hood’: vendemos o espetáculo para do jovens da Faculdade de Direito da Unidois anos. Contudo, após este período entidades que podem pagar e utilizamos versidade de São Paulo decidiram discuforam proibidos totalmente. O grupo paa verba para apresentá-lo em locais onde tir os problemas da cultura nacional. ralisou as atividades durante cinco menão podem nos pagar. Participamos ain“Nosso objetivo era norteado, princises em 1973. Hoje, podemos comemoda de programas de fomento ao teatro”. palmente, pelo fato de as artes estarem rar 44 anos de resistência.” totalmente fora do alcance do público A obra Composição popular. Assim foi fundado o Tuov, que João Cândido do Brasil – A Revolta da A atual formação do Tuov reúne 25 pelas suas atividades pode ser consideChibata estreou em novembro de 2000, pessoas. Além de César Vieira, estão no rado uma utopia que deu certo”, diz o no Teatro Municipal de Santo André, em grupo há mais de 30 anos Neriney Mofundador, que destaca a atuação do gruSão Paulo, totalizando, desde então, 350 reira, José Maria Giroldo e Wiel Martipo teatral durante a ditadura militar: apresentações nas comunidades popunez. Entre os atores, que têm, em média, “Fui advogado de cerca de 800 cidalares da Grande São Paulo. Em formato 25 anos, há advogados, professores, bandãos brasileiros vítimas da ditadura, de musical, a peça narra a trajetória do cários, entre outras profissões. Alguns entre os quais Luiz Inácio Lula da Silva, marinheiro negro gaúcho João Cândido integrantes atuam como coordenadores Augusto Boal, Sebastião Salgado. Em Felisberto, que liderou em 1910, no Rio dos setores de dramaturgia, música, ce1973, fui preso por exercer atividades em de Janeiro, uma rebelião de marinheiros, nário, figurino, registro em vídeo e mídefesa de presos políticos.” em sua maioria negros, para conquistar dias eletrônicas. César recorda que o grupo teatral teve melhores condições de vida na Marinha “Não exigimos formação para as pesoutros três integrantes presos e sofreu de Guerra do Brasil. soas que querem se engajar no grupo. No censura violenta contra o seu trabalho “João Cândido lutou por melhores período da fundação, a maior parte dos vinculado à arte popular: condições para os marujos, melhor ali-
FOTOS HISTÓRICAS: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL
mentação, soldo e, principalmente, pelo fim dos castigos corporais, inclusive os chibatamentos que eram aplicados como punição a marinheiros tidos como faltosos. Essa revolta obrigou o então Presidente da República Marechal Hermes da Fonseca a conceder os pedidos feitos pela marujada e dar aos participantes plena e total anistia. Assim que os revoltosos entregaram as armas, foram presos, torturados e, muitos, assassinados, não cumprindo o Governo com os compromissos que havia assumido”, sublinha César. Elogios
Em artigo para a Coleção TUOV – 40 Anos, Iná Camargo Costa, estudiosa do teatro brasileiro, aplaude o espetáculo: “João Cândido do Brasil é mais uma prova de que no Brasil o teatro épico está vivo e passa bem: abram alas, que a luta dos marinheiros quer passar! Antônio Cândido, um dos maiores intelectuais do País e o mais importante crítico literário brasileiro, com aplaudida atuação na imprensa, escreveu sobre o trabalho de César Vieira: “O autor de João Cândido do Brasil ilumina um dos dramas mais heróicos e sombrios de nossa história contemporânea, contribuindo para reescrevê-la sem as deformações impostas pelos grupos dominantes. Assim foi que, lentamente, com dificuldade, Palmares deixou de ser nos livros didáticos um feito de Domingos Jorge Velho para se tornar o que foi: a epopéia de Zumbi e sua gente. Do mesmo modo, a revolta baiana dos alfaiates, explosão do povo oprimido, custou a sair do esquecimento a que fora relegada e passou a existir como capítulo importante das nossas lutas sociais. Quer dizer que a verdade dos oprimidos pode acabar se sobrepondo à ideologia mutiladora dos opressores. Para isso contribui esta peça de necessária radicalidade, que mostra mais uma vez a força humanizadora do Teatro Popular União e Olho Vivo.”
Apontados para a capital, os potentes canhões dos navios alarmaram a cidade (abaixo) depois de alguns tiros de advertência.
HISTÓRIA
A elite da capital ignorou e condenou a Revolta da Chibata A imprensa do Rio recobriu o movimento com o manto do silêncio, rompido só pelo Correio da Manhã. Somente uma voz poderosa se ergueu em favor dos rebeldes e de suas razões: a de Rui Barbosa. POR JOSÉ REINALDO MARQUES Há cem anos, no dia 22 de novembro de 1910, o marinheiro João Cândido Felisberto liderou na Marinha uma rebelião que desafiou o Estado brasileiro e libertou o País de uma prática de crueldade contra homens negros e pobres, que era utilizada habitualmente pela oficialidade para punir marujos considerados infratores por meio de chibatadas. O movimento ficou conhecido como a Revolta da Chibata, tornou-se uma página importante da História contemporânea do Brasil e transformou João Cândido num herói nacional e referência da luta pelos direitos humanos no País. O reconhecimento a João Cândido foi tardio, mas ele faz jus à celebração que atualmente lhe prestam o próprio Estado, os meios políticos e acadêmicos e até a imprensa, que no Rio, na época da insurreição, negou ao marinheiro, conhecido como o Almirante
Negro, uma citação digna a que todo herói nacional tem direito. O silêncio da elite
Em entrevista ao Jornal da ABI, por ocasião do lançamento de nova edição do livro A Revolta da Chibata, do jornalista Edmar Morel, o historiador e professor Marco Morel, neto do autor, disse que a imprensa brasileira tinha sido quase unânime na condenação da revolta. Marco Morel fez essa constatação quando estava fazendo uma pesquisa para o Projeto Memória “João Cândido — A Luta Pelos Direitos Humanos”. Ele observou que os jornais da então capital se comportaram de forma muito conservadora: a única cobertura imparcial que ele anotou foi a do Correio da Manhã, que condenava com firmeza a violência com que a Marinha tratava seus marujos. “Os jornais extravasavam muito preconceito racial em charges, caricaturas, artigos e editoriais”, afirmou Morel.
Para se ter uma idéia do tratamento dado pelos jornais do Rio à revolta dos marinheiros, em nenhum deles o assunto foi matéria de primeira página ou publicado nas páginas iniciais do noticiário. O Jornal do Brasil, por exemplo, só comenta o assunto na página 9. O que se percebe na leitura dos jornais da época é que a reação ao levante, por parte da imprensa, era de que o Governo deveria agir com firmeza no controle da situação. Não se liam manifestações de preocupação ou apuração dos motivos reais que levaram João Cândido e seus liderados a se rebelar contra os seus comandantes. Na edição de 23 de novembro de 1910, o Jornal do Commercio, um dos mais tradicionais da antiga capital, publicou uma matéria sob o título Sublevação da esquadra. O texto diz que “a ameaça do bombardeio pesado sobre a população creou (grifo nosso) uma situação de sobressalto que ainda perdura”. Adiante a matéria apela ao então recém-empossado Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, para que a cidade não seja bombardeada e haja derramamento de sangue: “Procurando concatenar da melhor maneira a narrativa dos lamentáveis successos (sic), que tanto confrangem o coração brasileiro, esperamos que o Sr. Presidente da República providencie com firmeza, mas também com a habilidade que a conjunctura (sic) exige, sem sacrifício de vidas e poupando a cidade os riscos e damnos (sic) da metralha”.
Um flagrante histórico: à frente dos revoltosos, o marinheiro João Cândido lê o manifesto de denúncia dos maus tratos na Marinha.
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Aconteceu na ABI Arquiteta elogia edifício-sede e sua conservação
A Gazeta de Notícias, que tivera Machado de Assis entre seus colaboradores, e o Correio da Manhã, o aguerrido diário de Edmundo Bittencourt, foram o contraponto da cobertura conservadora do Jornal do Commercio. Os chargistas (abaixo) também debochavam dos revoltosos.
Uma exceção: Rui Barbosa
Na Câmara dos Deputados, no dia seguinte ao levante, reuniram-se 107 parlamentares, para discutir o movimento liderado por João Cândido. O pensamento predominante demonstrava preocupação em desarticular qualquer insinuação de que, por trás da revolta dos marinheiros, estivesse sendo engendrada uma manobra política que pusesse em risco a jovem República. A sessão foi presidida pelo Deputado Quintino Bocaiúva, que, em seu discurso, afirmou ser imperioso informar à população brasileira e aos países amigos do Brasil que no “lamentável incidente” não estava envolvido nenhum pensamento político: “Não há, felizmente, entre nós nenhum partido que queira aceitar a coresponsabilidade de semelhante atentado”, afirmou Quintino. A reação mais desapaixonada partiu de Rui Barbosa. Ao fazer uso da palavra no Senado, ele se dirigiu aos colegas para solicitar que fosse analisada com serenidade a “procedência ou improcedência das reclamações que, segundo consta, foram formuladas por parte dos insubordinados”. Rui é o único que parece se preocupar com a violação dos direitos dos marinheiros revoltosos, causa do motim. Disse ele que havia recebido com apreensão a notícia de que a Esquadra se revoltara. Em um trecho do seu discurso, disse Rui que os marinheiros são “cidadãos heróicos e modestos, preparados
para a morte em defesa da nossa Pátria”. A sua insubordinação, apesar de dolorosa para o País, deveria ser analisada com cautela e sob o ponto de vista dos motivos que levaram à revolta. “É preciso, porém, não esquecer a verdade e a justiça que jazem no fundo íntimo dessas reclamações. É preciso não desconhecer as reclamações dessa massa que se levanta, um princípio de direito de humanidade, um grande princípio de humanidade e de direito, mas os quais não podem ser reivindicados senão pelas armas que a nossa lei e a Constituição lhes asseguram”, disse Rui. Após a anistia, degredo
A revolta aconteceu a bordo do navio Minas Gerais. Foi um ato de reação ao castigo de 250 chibatadas imposto ao marinheiro Marcelino Rodrigues, que fora acusado de ter maltratado um companheiro. O episódio foi o estopim para a eclosão do motim, que teve a participação de 2 mil marinheiros. Liderados por João Cândido, amotinados em navios fundeados na Baía de Guanabara, eles ameaçavam bombardear a cidade, caso a Marinha não decretasse o fim dos maus tratos físicos. Rui Babosa tinha razão sobre a ótica da humanidade, representada pela Revolta da Chibata. Este não foi, porém, o entendimento dos comandantes navais. Apesar da suspensão dos castigos e da anistia concedida pelo Governo — por
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Justiça, enfim
O movimento humanitário liderado por João Cândido só foi reconhecido há dois anos, quando ele recebeu a anistia post mortem, aprovada pelo Senado em 13 de maio de 2008, por meio de ato legislativo publicado no Diário Oficial no dia 24 de julho seguinte. Para Adalberto Cândido, o Candinho, filho de João, mesmo atrasado o reconhecimento ao seu pai é visto com muita alegria pela família: “Vejo em geral o reconhecimento da sociedade em todas as regiões do País, por ele ter liderado esse movimento. Para a nossa família é muito importante que, neste momento histórico, o meu pai esteja sendo reconhecido, inclusive no exterior. Ele agora é uma figura histórica mundial, virou um símbolo do Brasil e de outros países também”, disse Candinho. Entre 19 e 27 de novembro, João Cândido foi lembrado em todo o Brasil em eventos que celebram o centenário da Revolta da Chibata e o Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder quilombola da maior insurreição contra a escravidão no Brasil.
ACERVO ABI
O jornalista Júlio de Medeiros (de paletó, ao lado de João Cândido), do Jornal do Commercio, foi autorizado a subir a bordo antes do fim da revolta.
meio do Decreto Legislativo nº 2.280, de 25 de novembro de 1910, três dias após a eclosão do movimento —, os revoltosos foram enviados pela Marinha para regiões longínquas da Amazônia, onde vários deles acabaram morrendo.
A arquiteta Priscila de Oliveira Tavares e o engenhrio Douglas Gomes Moreira, ambos de Minas Gerais, visitaram o prédio da ABI na tarde do dia 12 de novembro, movidos pelo interesse de ver os detalhes modernistas da arquitetura do edifício-sede da Casa do Jornalista, projetado em 1936 por dois jovens arquitetos recém-formados, os irmãos Mílton e Marcelo Roberto e construído entre 1936 e 1938 sob a liderança de Herbert Moses, então Presidente da Casa. O casal estava de passagem pelo Rio de Janeiro no feriado prolongado comemorativo da proclamação da República e resolveu visitar as dependências do edifício que Priscila, na época de estudante, já havia tentado conhecer, sem sucesso. Ela lembra que durante a faculdade ouvia falar das várias construções de referência no Centro do Rio de Janeiro, entre elas a sede da ABI. Formada em Arquitetura pela Faculdade Isabela Hendrix, Priscila mostrou-se encantada com a conservação do prédio e a riqueza de detalhes. Ela chamou a atenção para o estilo e o ótimo estado de conservação das dependências internas: “As luminárias, o piso e as paredes são todos muito bem conservados, não há necessidade de modernizar tudo sem sentido. Há uma utilização muito bem pensada da iluminação natural, que também é muito importante.” Douglas, formado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais, reparou nas instalações e infra-estrutura do prédio, que ele considerou muito bem planejadas e preservadas, principalmente ao se levar em conta a já distante época em que foram feitas. (Renan Castro)
CENSURA
na mira da intolerância Parecer do Conselho Nacional de Educação, que pede a exclusão do clássico livro Caçadas de Pedrinho do Programa Nacional Biblioteca da Escola sob a acusação de racismo, abre debate sobre liberdade de expressão, intolerância e os efeitos colaterais do chamado politicamente correto. Seria este controle sobre as obras literárias uma nova forma de censura e autoritarismo? POR PAULO CHICO “Não vai escapar ninguém, nem a Tia Nastácia, que tem carne preta. As onças estão preparando as goelas para devorar todos”, dispara Emília, a carismática personagem boneca de pano. “Sim, era o único jeito – e Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros”, escreveu Monteiro Lobato em Caçadas de Pedrinho, livro publicado em 1933. Esses e outros trechos do texto, considerado um clássico da literatura infanto-juvenil do País, sobreviveram incólumes por quase oito décadas, cativando gerações e gerações de pequenos leitores. Em pleno Século 21, no entanto, o autor e sua obra foram envolvidos em denúncias sobre racismo, que culminaram no pedido da exclusão do título da lista de livros escolares. Afinal, o que essa polêmica revela da sociedade brasileira? Será mesmo uma questão de consciência social ou o episódio revela os excessos da patrulha do chamado politicamente correto? Seria este um novo disfarce da velha censura? “A discussão acerca da obra de Monteiro Lobato constitui uma verdadeira impostura, no sentido de represen-
Capa da edição de 1957 do livro proibido pelo Conselho Nacional de Educação.
tar um artifício para iludir. Quem a motivou e os que a abraçaram tentam fazer crer que agem amparados em uma sólida formação e em preocupações legítimas quanto ao combate à intolerância. Na verdade, demonstram ignorância, retiram a obra do seu contexto, submetem a criação artística à censura e, o pior, promovem o que combatem, ou seja: a intolerância. Mais um pouco, teremos de nos contentar com a ausência de linguagem e de pensamento próprio, pois caso contrário correremos o risco de incorrer em algum erro que não passará impune. Os vigilantes estão em toda a parte”, critica Rogério Baptistini Mendes, doutor em Sociologia e professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. O debate teve como detonador o Parecer nº 15/2010 do Conselho Nacional de Educação-CNE, defendendo que obras com preconceitos ou estereótipos não sejam usadas em programas governamentais. No caso de serem selecionadas, que recebam nota de orientação sobre a presença desses “problemas”. No livro de Lobato, foram detectadas inadequações na associação da personagem Tia Nastácia a diversos animais, como urubu e macaco, e na citação de características físicas de forma supostamente preconceituosa. Originalmente, a denúncia partiu da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-Seppir da Presidência da República. O Parecer foi, então, aprovado pela Câmara de Educação Básica do CNE, que encaminhou ao Ministério da Educação o pedido de exclusão de Caçadas de Pedrinho do Programa Nacional Biblioteca da Escola-PNBE. “Certamente, o CNE tem atribuições importantes. Sua missão é contribuir para a criação de mecanismos que possibilitem à população participar da educação, visando aprimorá-la, democratizá-la. Nestes termos, ele não é um tribunal, nem tem função legislativa. E a desgraça da nossa democracia é que, ao invés de fazermos
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CENSURA MONTEIRO LOBATO NA MIRA DA INTOLERÂNCIA
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No rodapé, uma nota sobre “postura equivocada” Há quem concorde com o parecer do CNE e até mesmo com a publicação de um anexo, uma espécie de manual de instruções, para todas as obras literárias que tenham termos considerados ofensivos a parcelas da população. “Setores da sociedade, ao fazer a sua leitura simplória, acabavam convencidos de sua não responsabilidade sobre esses atos de discriminação, não se questionando sobre a repugnância em retratar de forma vil e desumana a personagem Tia Nastácia. Havia um lugar de exclusão para o negro. E é isto que se quer questionar agora, quando se exige colocar uma nota de rodapé em cada página que retrata a postura equivocada de uma época, explicando às crianças e adultos que a sociedade evoluiu e não mais aceita aquela postura equivocada, mesmo que escrita por um grande escritor ”, sustenta Frei Davi Santos, educador à frente da Educafro, uma das organizações não-governamentais mais atuantes do País, com campanhas como a que resultou em cotas para afrodescendentes nas universidades federais. Na opinião de Frei Davi, a polêmica ganhou importância justamente pelo fato de, hoje, não ser mais possível varrer a questão do preconceito racial no Brasil para debaixo do tapete: “Não há mais espaço para antigas falácias, como a que prega o respeito cego à literatura clássica. Devemos respeitar nossos escritores mortos, sem desrespeitar nossos irmãos negros. A minha preocupação é o público que recebe estas informações. São crianças que estão em pleno desenvolvimento intelectual e psicossocial. Precisam dessa nota explicativa. Se esta mensagem for repassada assim, sem o míni-
mo de preocupação pedagógica, haveremos de continuar a perpetuar o racismo enrustido em nossa sociedade, fazendo valer novamente o pensamento arcaico, sexista e escravocrata. Não é caso de censura, muito menos uma fuga dos militantes ao debate, sob o manto estatal. Esta é claramente uma proposta que aponta para a discussão da diversidade, até porque não é dizendo que a ‘Tia Nastácia é uma negra fedida’ que se revigora um debate tão importante como este.” “Uma idéia ridícula” Rogério Baptistini não concorda: “A idéia de distribuir a obra com manual de instruções, uma espécie de bula para orientar o uso, é ridícula e não merece comentários. Se for verdadeira, demonstra a que ponto chegamos enquanto civilização. Logo, os mesmos ‘especialistas’ vão criar a comissão de sonhos, para controlar a imaginação. Se agirmos com ímpeto punitivo, nada escapará ao ataque. Quem quer vê racismo em tudo, pois esse não é um fenômeno objetivo, mas subjetivo, depende da intenção. Se levarmos ao limite a discussão sobre igualdade de gêneros e a acusação de que nossa forma de vida reproduz uma cultura machista, teremos de reescrever a história e reinventar a forma de viver, senão incorremos em crime”, pondera. Baptistini considera que a discussão sobre o racismo na sociedade brasileira é difícil, mas faz-se necessária: “Não creio que sejamos racistas, mas concordo em que o homem negro e pobre é a principal vítima da exclusão econômica e política. Esta vem de longe, e as suas causas têm origem na estrutura escravocrata e latifundiária de onde emerge o país moderno, urbano e industrial. Nossa sociedade nunca democratizou aquela estrutura. Não criou um mercado de trabalho livre para o escravo liberto. Do modo como caminham as coisas, parece que estamos inventando uma ‘novilíngua’, como a imaginada por George Orwell no seu clássico livro 1984. Estamos abolindo o debate, o direito de expressar as opiniões livremente. Matando o contraditório e, com ele, a democracia. Boas intenções podem alimentar fanatismos e autoritarismos. E é contra isso que temos de estar atentos.” Ana Maria Machado: Vetar um livro é coisa de regime autoritário. Lobato é o fundador da nossa literatura infantil.
Academia: “Os livros de Monteiro Lobato são motivo de orgulho” A reação de entidades e personalidades, manifestando-se de forma contrária ao veto indicado pelo CNE, impressionou o Ministro da Educação. “É incomum a quantidade de manifestações que recebemos de pessoas que são especialistas na área e que não vêem nenhum prejuízo em que essa obra continue sendo adotada nas escolas. Décadas se passaram. Expressões que não eram consideradas ofensivas hoje são. Em se tratando de Monteiro Lobato, de um clássico brasileiro da literatura infantil, nós só temos que contextualizar, advertir e orientar sobretudo o professor sobre como lidar com esse tipo de matéria em sala de aula”, chegou a ponderar Fernando Haddad, em declarações à imprensa. Uma das primeiras reprovações ao parecer partiu da Academia Brasileira de Letras, em nota assinada por seu Presidente, acadêmico Marcos Vinicios Vilaça. Em reunião realizada em 4 de novembro, a ABL condenou qualquer forma de veto ou censura à criação artística e manifestou apoio ao Minis-
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funcionar o que já existe, criamos órgãos, conselhos e comissões e os preenchemos com pessoas que têm capital em termos de relações políticas ou conhecimento, e geralmente este vem depois do primeiro. E queremos reformar o que está errado de cima para baixo, corrigindo o homem e a sociedade a partir do Estado. Isso representa um tipo de soberania invertida, algo que faz parte de nossa cultura política autoritária”, afirma Rogério Baptistini. Relatora do parecer, a Conselheira Nilma Lino Gomes é doutora em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra, em Portugal. Ela defendeu a recomendação do veto, feita a partir de reclamação, via Seppir, de Antônio Gomes da Costa Neto, obscuroTécnico em Gestão Educacional da Secretaria do Estado da Educação do Distrito Federal e mestrando em Educação na Universidade de Brasília. “O intuito não é proibir obras como essa nas escolas. O Parecer segue as recomendações e critérios do próprio Mec para análise das obras literárias a serem adotadas no PNBE, que devem primar pela ausência de preconceitos, estereótipos ou doutrinações, sejam elas clássicas ou contemporâneas”, disse a Conselheira Nilma.
Frei Davi Santos é a favor de colocar uma nota de rodapé em cada página. Para Rogério Baptistini, a idéia de distribuir a obra com manual não merece comentários.
A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil-FNLIJ, com sede no Rio de Janeiro, também publicou em seu site carta-aberta ao Ministro da Educação, Fernando Haddad. Assim como outros educadores, escritores e entidades, a FNLIJ se manifestou contra o documento que censura o grande autor brasileiro. “É muito perigoso o caminho de que a leitura de literatura deva estar sob a orientação dada por um determinado grupo que defende a sua própria leitura do texto, quando os estudos sobre a leitura e suas áreas de interface valorizam a interpretação de cada leitor”, diz o documento. “Desnecessário falar da importância da obra de Monteiro Lobato na formação cultural brasileira. Se, por um lado, o uso do politicamente correto contribuiu para alertar para modos e maneiras de agir e falar que podem revelar preconceito ou discriminação; por outro, transformou-se, por parte de algumas pessoas e grupos, que fazem o uso indiscriminado e generalizado de seu conceito, em outra forma de preconceito e de censura, desrespeitando a liberdade de expressão, principalmente em obras de arte, como é o caso da literatura”, conclui a nota da Fundação.
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tro Haddad, que àquela altura já dava sinais claros de que iria rejeitar a solicitação de veto feita pelo CNE. “Cabe aos professores orientar os seus alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que Tia Nastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Picapau Amarelo. Se há quem se refira a ela como exescrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afrodescendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica”, afirma o texto oficial da ABL, para prosseguir. “Em vez de proibir as crianças de saberem disso, seria muito melhor que os responsáveis pela educação estimulassem uma leitura crítica por parte dos alunos. Mostrassem como nascem e se constróem preconceitos, se acharem que é o caso. Sugerissem que se pesquise a herança dessas atitudes na sociedade contemporânea. Propusessem que se analise a legislação que busca coibir tais práticas. E o que mais a criatividade pedagógica indicar. Mas, para tal, é necessário que os professores e os formuladores de políticas educacionais tenham lido a obra de Lobato e estejam familiarizados com ela. Então, saberiam que esses livros são motivo de orgulho. E que muito poucos personagens de livros infantis do mundo são dotados da irreverência de Emília ou de sua independência de pensamento. Raros autores estimulam tanto os leitores a pensar por conta própria, inclusive para discordar dele. Dispensá-lo sumariamente é um desperdício”, diz a nota. “É um absurdo vetar Monteiro Lobato das escolas. Aliás, é absurdo vetar qualquer bom autor das escolas. E Lobato é o fundador da nossa literatura infantil. Se há algo de errado com o livro é preciso que seja feita uma leitura crítica entre professor e aluno. Vetar um livro é coisa de regime autoritário”, afirma Ana Maria Machado, uma das mais importantes autoras de livros infantis do País, antes de saber da posição do Ministro, garantindo que o livro continuará a ser utilizado no PNDE. O mais provável é que o livro passe a trazer uma explicação sobre o contexto em que foi escrito. Algo parecido com o que a edição mais recente já traz sobre a caça à onça. A Editora Globo, que detém os direitos exclusivos sobre a obra de Monteiro Lobato, deixa claro que a aventura aconteceu em uma época em que a espécie não estava ameaçada de extinção, nem os animais silvestres eram protegidos pelo Ibama. Diante da repercussão negativa ao seu parecer, o CNE parece disposto a recuar. E divulgou nota dizendo que irá reavaliar a decisão. O tema voltará a ser debatido durante a reunião ordinária de 8 e 9 de dezembro, quando os membros da Câmara de Educação Básica vão “verificar se existem pontos que possam ter sido eventualmente mal-interpretados quando de sua primeira publicação”, diz o texto.
Muniz Sodré: Um bom pretexto para o professor preparado desmontar esse clichê.
“Alguns trechos não desqualificam o livro inteiro” Essa não é a primeira vez que obras de Monteiro Lobato provocam polêmicas. Como lembra o jornalista, escritor e professor Muniz Sodré, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional. “O livro O Presidente Negro, único romance adulto do autor, aborda assuntos como segregação racial entre brancos e negros, aculturação e feminismo. Inicialmente, a obra foi intitulada de O Choque das Raças. Em uma carta a Gofredo Teles, importante jurista da época, Lobato pregava que negros e brancos deveriam ser colocados em locais separados. Ele era racista, mas era um escritor genial e sua obra é importantíssima. Fala do folclore, nacionaliza os temas e dá um toque brasileiro aos conteúdos”, desta-
ca Sodré, lembrando que outras acusações pesaram contra o autor, como a de publicação de obras tidas como comunistas. Entende o Presidente da Fundação Biblioteca Nacional que os trechos inadequados precisam ser compreendidos em seu contexto histórico e trabalhados criticamente, e não desqualificam a obra. “De fato, eu não acho recomendável. Sou contra. Alguns trechos não desqualificam o livro inteiro. Este pode ser um bom pretexto para o professor bem preparado desmontar esse clichê. Lobato é uma leitura importantíssima para as crianças”.
“Qualquer nota explicativa será um desastre” Considerada uma das maiores especialistas no escritor, morto em 1948, Marisa Lajolo é professora da Unicamp e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ela escreveu um dos artigos de maior repercussão sobre o veto a Caçadas de Pedrinho, reproduzido em sites e jornais. “Sabe-se hoje que diferentes leitores interpretam um mesmo texto de maneiras diferentes. Uns podem morrer de medo de uma cena que outros acham engraçada. Alguns podem sentir-se profundamente tocados por passagens que deixam outros impassíveis. Para ficar num exemplo brasileiro clássico, uns acham que Capitu (de Dom Casmurro, Machado de Assis, 1900) traiu mesmo o marido, e outros acham que não traiu, que o adultério foi um fruto da mente de Bentinho. Outros ainda acham que Bentinho é que namorou Escobar...!”, provoca ela. No artigo chamado Quem Paga a Música Escolhe a Dança?, ela analisa: “É um grande avanço nos estudos literários esta noção mais aberta do que se passa na cabeça do leitor quando seus olhos estão num livro. Ela se fundamenta no pressuposto segundo o qual, dependendo da vida que teve e que tem, daquilo em que acredita ou desacredita, da situação na qual lê o que lê, cada um entende uma história de um jeito. Mas a liberdade do leitor vive sofrendo
atropelamentos. De vez em quando, educadores de todas as instâncias – da sala de aula ao Mec – manifestam desconfiança da capacidade de os leitores se posicionarem de forma correta face ao que lêem. Infelizmente, estamos vivendo um desses momentos. Não deixa de ser curioso notar que esta pasteurização pretendida para os livros infantis e juvenis coincide com o lamento geral – de novo, da sala de aula ao Mec – pela precariedade da leitura praticada na sociedade brasileira.” Por fim, Lajolo, organizadora, com João Luís Ceccantini, do livro Monteiro Lobato livro a livro (obra infantil), que recebeu o Prêmio Jabuti 2010 como melhor livro de não-ficção, faz um alerta sobre o que classifica como nova forma sutil de censura. “Qualquer nota explicativa no livro, no sentido solicitado, será um desastre. Dará sinal verde para uma literatura autoritariamente auto-amordaçada. E este modelito da mordaça de agora talvez seja mais pernicioso do que a ostensiva queima de livros em praça pública, número medonho, mas que, por vezes, entra em cartaz na História desta nossa Pátria amada idolatrada, salve, salve. E salve-se quem puder... Pois, desta vez, a censura não quer determinar apenas o que se pode ou não se pode ler. É mais sutil, determinando como se deve ler o que se lê!”, lamentou. O que Lobato diria Para encerrar, que tal entrar no reino da fantasia e da suposição? Se vivo estivesse, como Monteiro Lobato reagiria a essa polêmica? Quem responde é Rogério Baptistini: “Numa entrevista radiofônica, pouco antes de sua morte, Lobato se recusou a fazer comentários políticos. Assim, pediu ao repórter da Rádio Record de São Paulo que explorasse outros assuntos. Ele, que já havia sido preso justamente por motivações políticas, quando de sua defesa ao petróleo, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, sabia bem o que era uma perseguição. Certamente, hoje, ele não riria dessa situação”. ILUSTRAÇÕES DE ANDRÉ LE BLANC, REPRODUZIDAS DO LIVRO CAÇADAS DE PEDRINHO, DA EDITORA BRASILIENSE.
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LINGUAGEM
Fazemos reformas demais e educamos de menos O Acordo Ortográfico ampliou e aprofundou o abismo entre o idioma adotado aqui e o de Portugal. POR SÉRGIO VAZ
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ânsia de atrair de algum modo novos leitores. Talvez essa nossa afeição às mudanças explique a pressa com que todos passaram a escrever frases absurdas e literalmente incompreensíveis como “Defesa da Seleção para goleadores adversários”, ou “Intervenção da Onu para a guerra”. Enquanto isso, a pátria mãe da língua permaneceu exatamente onde estava. A verdade é que o Acordo, que teoricamente viria para unificar, aprofundou a divisão do Português. A verdade é que o Acordo Ortográfico é inútil, desnecessário, inócuo, contraproducente, oneroso. É impossível unificar por decreto hábitos, costumes centenários. Ao longo de séculos, Brasil e Portugal, para tomar só os exemplos dos dois países mais importantes da comunidade lusófona, desenvolveram vocabulários diferenciados – usamos palavras e expressões diferentes, e acordo algum conseguiria alterar essa realidade. Usamos grafias diferentes em uma infinidade de palavras que não foram contempladas nesse Acordo. Usamos acentuações diferentes em uma outra infinidade de palavras que não foram contempladas nesse Acordo. (Ver tabelas) E, a rigor, isso não é um problema. Muito ao contrário: isso é bom, bom demais. Enriquece a língua, torna-a mais larga, mais amazônica, mais tejamente ampla. Somamos à língua expressões gaúchas, paulistas, mato-grossenses, piauienses, além-tejanas, algarvianas, douras. Nenhum português que teve a oportunidade de aprender sua língua deixará de compreender uma frase do curitibano Dalton Trevisan, assim como nenhum goiano deixará de compreender um parágrafo de Eça de Queirós, nascido na região do Grande Porto. Não é um c ou um p a mais ou a menos que nos
separa da compreensão. O que é danoso a essa língua maravilhosa, que os portugueses doaram ao mundo, é o excesso de decretos e a falta de boa educação. Fazemos no Brasil reformas demais, e educamos de menos. Todos os estudos, as análises, os levantamentos mostram que a educação é uma das maiores fragilidades do Brasil. Temos imensas legiões de analfabetos funcionais – alunos do quarto ano do ensino básico, ou até mais, que não sabem escrever uma frase, que não sabem compreender um parágrafo. Temos universitários formados em Jornalismo que cometem erros absurdos de Português, que não conseguem expressar com clareza uma idéia simples. Fazer essas alterações só complica as coisas, atrapalha, cria gastos desnecessários num momento em que todas as atenções deveriam estar voltadas para dar eficiência à educação. Gastos desnecessários: dá para imaginar o custo de repor todos os livros didáticos, todas as bibliotecas, num país de dimensões continentais, com 190 milhões de habitantes? Em seis outros países – todos ainda pobres – que herdaram a língua dos portugueses? Dá para imaginar o desperdício que é tornar obsoletos todos os dici-
THAIS LORENZINI
A imprensa brasileira foi ágil, extreplo, apresentou diversas delas, em exmamente ágil, diante do Acordo Ortocelente reportagem no número de fegráfico firmado pelas oito nações da Covereiro deste ano. munidade dos Países de Língua PortuMais ainda: ao contrário dos órgãos guesa-CPLP. Pelos termos do Acordo, as de imprensa brasileiros, jornais e revisnovas normas passaram a vigorar a partas de Portugal simplesmente recusatir de 1º de janeiro de 2009, com o praram-se a adotar as novas normas. zo de três anos – até 31 de dezembro de Há, talvez, fatores históricos que 2011 – para que se faça a transição. possam explicar como e por que a imComo num passe de mágica, todos prensa brasileira, ao contrário da poros grandes jornais e revistas brasileiros tuguesa, foi com tanta sede ao pote da passaram a escrever na novilíngua já no novidade. Somos um país jovem, em primeiro dia. que a mobilidade é muito maior, mais Houve pouquíssimas exceções – intensa, que nos países de mais sécueste Jornal da ABI foi los de civilização. Trocauma delas. mos de moedas tantas PALAVRAS A agilidade é, sem dúvezes, num período tão QUE EM vida alguma, característicurto de tempo – se, dePORTUGAL ca importante do jornapois dos réis que valeram LEVAM C OU P lismo. Mas não é a prinaté os anos 1930, passaMUDO, E NO BRASIL, NÃO cipal. Antes de ser ágil, e mos três décadas com dar em primeira mão a uma única moeda, o cruACÇÃO notícia, é preciso checá-la. zeiro, que perdia o valor ACTIVO Analisar sua veracidade. a cada mês, de 1967 até ACTRIZ, ACTOR Do contrário, corre1984 mudamos, frenetiACTUAL se o risco de, perseguincamente, para o cruzeiro ARQUITECTO do a agilidade, cair na novo, o cruzeiro de novo, COLECÇÃO, afoiteza. O risco é imeno cruzado, o cruzado noCOLECTIVA so – está aí o caso da Esvo, o cruzeiro mais uma cola de Base que nos devez, o cruzeiro real, até CONTACTO veria manter sempre chegar ao real. Sete moCORRECÇÃO alertas. edas diferentes, num DIRECTOR, DIRECÇÃO Jornais e revistas brabrevíssimo período de ESPECTÁCULO sileiros foram afoitos na 17 anos. EXACTO adoção imediata, preciOs jornais e revistas FACTO pitada, sem qualquer brasileiros costumam faFACTURA análise, sem que tivesse zer reformas gráficas com FRACTURA havido uma discussão a mesma velocidade com LECTIVO ampla, do novo Acordo que o Ministério da FaNOCTURNO Ortográfico. Agora, comzenda e o Banco Central OBJECTIVO pletada a primeira metacriam novas notas. A cada PROJECTO de dos três anos dados um ano ou dois, os órgãos SECTOR para se fazer a transição, de imprensa passam a SELECÇÃO, SELECTO é possível ter a clara ceradotar os fios, quando TRAJECTO teza disso. Avolumamnão os têm, ou tiram fora ADOPTAR se as críticas às normas os fios, quando os têm, e EXCEPÇÃO adotadas pela CPLP – o fazem mais uma e outra OPTIMISMO Jornal da ABI, por exemalteração no visual na
USAMOS PALAVRAS E EXPRESSÕES DIFERENTES BR ASI BRASI ASILL A sério Acessar a internet Automóvel Celular Centavo Chope Com exclusividade Comentarista Cúpula Durex Enquete História em quadrinhos (HQ) Isopor Mixagem (em estúdio de som) Moça Motoboy Mouse Ônibus Pebolim Renúncia Tela Telão Terno Trem Videogame
onários editados de 1971, ano da última (agora penúltima) alteração da ortografia da Língua Portuguesa, até agora? Dá para imaginar como retreinar professores que já têm uma formação capenga? Fizemos uma profunda alteração na ortografia nos anos 30; fizemos outra alteração em 1971, e agora esta outra, em 2008/2009. É reforma demais, num espaço de tempo curto demais. Dá para afirmar, com segurança, que nenhuma outra língua importante passou por tantas modificações num período tão curto de tempo. Os argumentos contra esse acordo acumulam-se. Transcrevo apenas quatro, esgrimidos por um estudioso, Alessandro Martins, em seu site livrose afins.com: 1) Não se deve legislar sobre a ortografia, tal como não se legisla sobre a gramática. É totalmente inútil legislar sobre a ortografia. Nada se melhora fazendo tal coisa. (...) 2) A nova ortografia não unifica a língua portuguesa. Ao passo que antes tínhamos duas ortografias tradicionais, uma brasileira e a outra portuguesa, agora passa-se a ter várias ortografias dentro de um só país, pois a nova ortografia é na prática uma regra que diz que, com poucas excepções, cada qual escreve como lhe der na gana. Portanto, a nova ortografia não unifica; desunifica. 3) Todas as reformas ortográficas feitas por via legislativa dificultam o acesso à cultura, sobretudo das famílias mais carenciadas dos países mais carenciados, pois nos livros das bibli-
otecas de que dependem passam a ler uma ortografia errada. 4) Todas as reformas ortográficas que não surjam naturalmente pela escolha das pessoas que escrevem a língua são uma forma artificiosa de afastar as pessoas das bibliotecas e da história da sua língua, pois torna-lhes cada vez mais difícil ler livros com mais de um par de décadas. Nos países lusófonos, ao contrário do que ocorre noutros países, nenhuma pessoa com um grau médio de instrução escolar é capaz de ler um livro com 80 ou 90 anos, porque a ortografia recebeu tantas mudanças que é como se todo esse legado bibliográfico estivesse na prática escrito em língua estrangeira.” Isso para não entrar nos aspectos mais técnicos, mais de lingüística, que já foram sobejamente expostos na reportagem Um Mar de Desacordos, no número 351 do Jornal da ABI, na qual se reproduziu documento do professor Ernâni Pimentel – especialista com mais de cinco décadas de experiência no ensino do idioma. Pimentel reuniu 25 conjuntos de incoerências do Vocabulário editado pela Academia Brasileira de Letras. E também para não entrar na comparação óbvia com outras línguas, em especial o inglês e o francês, que, ao contrário da nossa, não ficam sujeitas a modificações decretadas a cada 20 ou 30 anos por uma conjunção de politicagem, autoritarismo e falta de discussão ampla. É dificílimo, um ano e meio transcorridos após a entrada em vigor desse acordo mar de desacordos, imaginar o que se deve fazer no futuro, diante do que a imprensa brasileira, de maneira afoita, apressada, tornou realidade. Não é possível ter certeza de que devemos conclamar os brasileiros, os
POR TUGAL PORTUGAL À séria Aceder à internet Autocarro Telemóvel Cêntimo Imperial Em exclusivo Comentador Cimeira Fita-cola Inquérito Banda desenhada (BD) Esfoverite Mistura Rapariga Estafeta Rato Autobus Matrecos Resignação Ecrã Ecrã gigante Fato Comboio Videojogo
USAMOS ACENTUAÇÕES DIFERENTES BR ASI BRASI ASILL Antônio Atômico Cerimônia Crônica Desfrutamos Econômico Eletrônico Fenômeno Gênese Patrimônio Polêmica Prêmio Quilômetro
POR TUGAL PORTUGAL António Atómico Cerimónia Crónica Desfrutámos Económico Electrónico Fenómeno Génese Património Polémica Prémio Quilómetro
nossos irmãos portugueses, angolanos, moçambicanos, para um movimento tipo “Vamos resistir ao Acordo!” Mas uma coisa é absolutamente certa: o debate deve se manter aberto. Deve-se discutir, amplamente, nos fóruns mais amplos e abrangentes, saídas para esse impasse que oficializou um enorme fosso – como jamais tinha havido antes – entre a língua portuguesa que se fala e se escreve em Portugal, no Brasil e nos demais países lusófonos.
USAMOS GRAFIAS DIFERENTES BR ASI BRASI ASILL Aceito, aceitado Adotar Conosco Controle Déficit Equipe Lobby Midiático Moscou Registrar Vedete
POR TUGAL PORTUGAL Aceite Adoptar Connosco Controlo Défice Equipa Lóbi Mediático Moscovo Registar Vedeta
O Jornal da ABI tem tido um papel importantíssimo ao manter essa questão em pauta. Educadores, escritores, lingüistas devem ser envolvidos no debate. Difícil imaginar uma saída para esse imenso imbróglio. Mas também não é possível simplesmente dar as coisas como feitas e acabadas. É preciso manter em mente, sempre, que nada é irreversível. Vamos manter o debate. Ampliá-lo. A língua é muito maior e mais importante que esse acordo torto que só cria desacordo.
As palavras e expressões das tabelas foram retiradas das edições impressas de jornais e revistas portugueses de abril e maio de 2010 – Focus e Visão, Diário de Notícias, Correio da Manhã, Público, Diário do Minho, O Comércio de Guimarães, Diário de Coimbra, Diário do Sul, O Primeiro de Janeiro. Outros cinco dos exemplos foram tirados de anúncio da Duda Propaganda, após ter recebido prêmio em Portugal, publicado nos jornais brasileiros em maio.
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ARTE
Nossa sócia Ruth Lima, talento na dança e nas letras Primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ela passou a dedicar-se à educação e à imprensa após deixar os palcos.
Bailarina, coreógrafa, jornalista e escritora, Ruth Lima celebra mais de quatro décadas de atuante e expressiva atividade no balé e na imprensa, no circuito nacional e internacional, especialmente na Argentina, onde apresenta o programa Ayer y Hoy (Ontem e Hoje), na rádio Splendid AM – 990, juntamente com o marido, o jornalista ítalo-argentino Mário Andrioli. Além do noticiário local e internacional, a programação valoriza o tango como expressão musical, a cultura e o turismo portenho e brasileiro. Um dos maiores nomes da dança clássica em todo o mundo, Ruth Lima, professora do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e de importantes centros de dança, mantém em sua rotina pessoal a prática de exercícios físicos diários que incorporam elementos do balé clássico, alongamento e ioga. Sua agenda inclui visitas a vários países como representante cultural do Brasil e em cerimônias de homenagem ao seu brilhantismo artístico e dedicação ao balé como forma de expressão dos povos. Seu papel relevante no balé está registrado no livro Teatro Municipal — 100 anos, com texto de George Ermakoff, que narra a história do teatro e de seus mais importantes personagens na dança e na música. A obra foi lançada em agosto passado por ocasião da reabertura do espaço após grande reforma. O capítulo dedicado a Ruth Lima foi ilustrado com imagens do acervo do colecionador e pesquisador Marcelo Del Cima. Ao lado de Andrioli, Ruth dá seguimento à sua trajetória de mais de quatro décadas na comunicação apresentando na rádio Splendid AM – 990, de Buenos Aires, a pauta cultural do programa Ayer y Hoy, que pode ser acessado pelo endereço www.amsplendid. com.ar. No ar desde 2002, dirigido por Miguel Angel De Renzis, Ayer y Hoy é transmitido às segundas e quintas-feiras, das 6h às 9h. “Além do noticiário local e internacional, o conteúdo do programa abrange as áreas de política, economia e também música, cultura e turismo. Entre 8h e 8h10min, eu e Mário falamos sobre os aspectos turísticos e culturais do Brasil e da Argentina, com destaque para a valorização do tango. Recentemente, ficamos felizes ao saber do sucesso do programa na Turquia e na 20
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ACERVO PESSOAL
POR CLAUDIA S OUZA
Ruth Lima no esplendor de sua carreira, que a levou aos principais palcos do mundo, nos quais recolheu aplausos de platéias sofisticadas, que pagavam alto para ver a melhor arte.
França. Eu e Mário, como sócios da ABI, temos orgulho em atuar neste importante veículo de divulgação do Brasil”, afirma Ruth. Com mais de 50 anos de carreira, Mário Andrioli tem passagens pelas rádios Excelsior, Portenã, Del Pueblo, Argentina, Belgrano, Antártida, Mitre, Nacional, El Mundo, Continental, Splendid, e pelas emissoras de TV Canal 5, Canal 7, Canal 13 e, atualmente, Canal 9. Iniciação: cedo Carioca do bairro da Urca, Ruth Lima iniciou as aulas de balé aos cinco anos de idade. Seis anos depois ingressou na Escola de Bailados do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, dedicando-se simultaneamente às tarefas escolares,
conforme a orientação dos pais, Antônio Pereira Lima e Eurídice Mendonça Uchoa Lima. Incentivada pelo jornalista e exDeputado José Bernardo da Silva, Ruth empenhou-se com rigor na dança. Agraciado pela Unesco com o título de “Cidadão do mundo” por sua trajetória humanitária, José Bernardo da Silva foi fundador dos jornais Himalaya e O Momento Fluminense, colaborador de dezenas de publicações e autor de obras sobre filosofia cristã, poesia e música: “Tenho muitas saudades de José Bernardo, a quem considero meu pai espiritual. Ele incentivou meus passos desde tenra idade na arte de bailar, contribuindo com a maior parcela de meu
sucesso no engrandecimento do balé”, sublinha Ruth. Em 1956, a jovem formou-se bailarina clássica pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Um ano depois, como solista de Les Sylphides, de Frédéric Chopin, teve o talento aplaudido por figuras de destaque como os Presidentes do Brasil, Juscelino Kubitschek, da Itália, Giovani Gronchi, e de Portugal, Craveiro Lopes. Três anos depois, em 1959, Ruth foi promovida a primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em decisão unânime da Comissão Cultural do órgão. Logo depois, apresentouse no papel principal de Serenata para Cordas, de Tchaikowsky, com coreografia de Eugenia Feodorova. Trajetória No início da década de 1960, Ruth participou de espetáculos em diversas capitais brasileiras com grande repercussão, inclusive entre personalidades como a Primeira-Ministra da Índia, Indira Gandhi. A beleza e o talento da bailarina conquistaram também a crítica especializada, que a definiu como “aquela que tem asas”. Em 1961, Ruth aceitou convite para participar do concurso Miss Guanabara, representando a Associação Atlética Vila Isabel. O jornalista Carlos Heitor Cony foi um dos incentivadores da candidatura: “Participei do concurso recebendo apoio total do jornal Gazeta de Notícias. Fui entrevistada pelo grande jornalista Osmar Flores, que, sabendo da minha profissão dedicada ao balé, convidou-me a colaborar com uma coluna sobre o assunto. Diante daquela porta larga por onde há mais de um século saía a defesa dos direitos do povo, encontrei-a aberta em defesa do balé. Percorri todos os departamentos do jornal encontrando em meus colegas aquele sorriso que só têm os que confiam na independência do Brasil. E foi assim que ingressei com minha humilde pena para dar uma modesta colaboração”, lembra Ruth. O início de suas atividades na Gazeta de Notícias representou um marco na trajetória da artista em defesa da cultura nacional: “Esse jornal publicou o meu primeiro trabalho. Sucederam-se muitos outros esclarecendo ao povo tudo sobre balé e os que imploravam às autoridades a necessidade de divulgá-lo na prática. Um grito de alerta”.
Na imprensa O trabalho na imprensa reforçou o interesse de Ruth pela literatura. Em 1976, começou a reunir textos para publicar seu primeiro livro, intitulado O Segredo da Sapatilha – Vida e alma, seguido pelos títulos Ballet – Cultura Geral, Dialogismo das Sapatilhas e As Garças da Ribalta. Nas obras, em formato pedagógico, ela discorre sobre a história do balé, arte que domina com perfeição técnica e sensibilidade: “A manifestação do balé começou a se acentuar nos séculos 14 e 15. Essas interessantes apresentações eram motivo de divertimento para personalidades da época nas cortes e nos banquetes reais. Dançavam geralmente encobertos por máscaras no intervalo de peças teatrais nas quais os atores, também devidamente mascarados, declamavam um poema para o principal personagem. Tornou-se famoso em toda a Europa o Ballet Banquete, promovido em 1489 por Bergonzio Di Botta, por ocasião das núpcias do Duque de Milão com Isabel Aragão. Desenhos coreográficos do balé foram especialmente compostos para apresentar a variedade de cada prato durante o rico banquete. A idéia contagiou a corte a ponto de todos aspirarem ao mesmo feito”, explica Ruth em Ballet – Cultura Geral. Entre outras curiosidades, Ruth conta que no ano de 1681, em Saint Germain, foi registrada a primeira exibição de bailarinos profissionais: “O autor deste marcante acontecimento foi o compositor Lulli. No seu balé Le Triomphe de l’Amour dançavam as mais lindas bailarinas da época. Com isto desapareceu definitivamente a atuação do travesti (disfarce do sexo) e das famosas máscaras”. Nos livros, além de sublinhar seu amor à dança, Ruth dedica aos alunos a energia e a força de seu talento, como em As Garças da Ribalta: “O meu objetivo com esta edição
não é conquistar mais um título, mas tão somente, através da arte, transmitir as noções de tão linda, apreciada e difundida cultura. A dedicatória é destinada aos alunos que tiveram e que terão tudo aquilo que transmito e comunico em qualquer passo da tradicional e imorredoura arte, que sempre procurei aperfeiçoar na prática do principal amor de minha vida: o balé”. Com o sucesso das publicações, Ruth ingressou na Academia Brasileira de Jornalismo, na cadeira número 36 – ocupada por Cecília Meirelles, um dos maiores nomes da literatura nacional, com destacada e intensa atuação na imprensa durante mais de 40 anos, no Diário de Notícias, A Nação, Folha de S. Paulo, entre outras publicações. Ruth integra ainda os quadros das Academias Brasileira de Arte, de Cultura e História de São Paulo; Neolatina e Americana de Artes; e Pan-Americana de Letras e Artes. Por sua trajetória de incentivo à cultura, foi homenageada em outubro de 1995 na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e condecorada em 2 de junho de 2003 na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro com a Medalha Hipólito da Costa, patrono da imprensa brasileira. No mesmo ano, foi nomeada Assessora Cultural da Ordem dos Jornalistas do Brasil por José Fernando Miranda Salgado, então Presidente da entidade. No campo artístico, Ruth recebeu incontáveis prêmios no Brasil e no exterior, em reconhecimento e distinção à sua arte. São também numerosos os convites para apresentações e para ministrar cursos em instituições como Metropolitan Opera House, Centro Coreográfico de Bagnolet, Neubert Company, Children’s Ballet Theatre, American Ballet.
Dois anos depois, voltou a protagonizar O Lago dos Cisnes, no Brasil, na Quinta da Boa Vista, para um público de meio milhão de pessoas, o maior registrado no País até então em espetáculos de dança. Em Giselle, Salomé, Quebra-Nozes, Masquerade, Ruth conviveu com mestres e partners, ícones da dança mundial, entre os quais George Balanchine, Johnny Franklin, com que formou aplaudida parceria, Yuco Lindberg, Luiza Carbonell, William Dollar, Leonide Massine, Fred Kelly, Don Farnworth, Eugenia Feodorova, Nina Verchinina, Armando Nesi, Edmundo Carijó, Aldo Lotufo, Arthur Mitchel, Gerald Ohn. Em 1970, a convite da Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores, visitou 29 países como representante cultural do Brasil.
Turnês no exterior As primeiras apresentações de Ruth Lima no exterior aconteceram em 1966, quando percorreu a América Latina no Corpo de Baile do Teatro Municipal dançando os papéis principais de O Lago dos Cisnes, de Tchaikowisky, e Les Sylphides, de Chopin. Na turnê pelos países da América do Sul, alcançou grande sucesso, com destaque para a Argentina, onde foi festejada pelo jornal El Clarín como a bailarina “etérea e translúcida”: “A culta platéia me aplaudiu calorosamente em cena aberta, quebrando o protocolo. Foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira. A crítica especializada do Clarín me honrou com esse título”.
Formando gerações Para incentivar e popularizar o ensino da dança em solo brasileiro, a partir de 1972 Ruth deu início à preparação dos alunos da Escola de Balé da Prefeitura Municipal de Santos. Lecionou também na Escola de Balé da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) e no Ballet da UniSantos. Ao longo de duas décadas, formou três gerações de bailarinas – grande parte oriunda de comunidades carentes de Santos – que superaram a pobreza através do talento artístico e passaram a integrar o Corpo de Baile do Teatro Municipal Brás Cubas. Através do Projeto Didático Cultural, um de seus projetos vitoriosos, Ruth demonstrou na prática que o incentivo à dança é si-
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Com a leveza e precisão que a distinguiram nos palcos, Ruth redigiu textos para a imprensa sublinhando o papel da dança como elemento de resgate da auto-estima e da cidadania: “O balé vem perfumar o crescimento de uma nação. Que seria a rosa sem perfume? É imenso o seu campo de ação. Ressalta a beleza, a graça, a alegria, dando desta forma sua parcela de amor ao próximo. Eis aí um dos milagres que o balé proporciona para a maior felicidade da criatura humana”. Ruth escreveu também no jornal Última Hora, colaborou para revistas e outras publicações e em programas de rádio e tv, no Brasil e no exterior. Na década de 1980, ingressou na ABI tendo como proponente o jornalista Florestan Japiassú Maia, também associado da entidade, e passou a integrar a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Casa.
nônimo de desenvolvimento educacional, social, cultural e econômico: “Foram arregimentadas centenas de crianças carentes da periferia da cidade paulista de Santos para o Projeto Didático Cultural. As providências para atenuar a subnutrição foram tomadas de modo geral, com melhor aproveitamento dos alunos nas aulas ministradas pelas professoras. Muitos ingressaram no Corpo de Baile do Teatro Municipal Brás Cubas. Isso prova a adaptabilidade das crianças nesta modalidade de arte, o balé. Realizei um levantamento em morros e áreas populosas, como a Zona Noroeste, periferias, e após estudo minucioso sugeri um plano de popularização do balé para a cidade de Santos. O esquema de trabalho propunha visitar os locais cientificando dos benefícios deste projeto oferecido pela Prefeitura, com crianças entre 7 e 12 anos. Outras iniciativas desse projeto foram refazer o Corpo de Baile do Teatro Municipal de Santos para apresentações no próprio teatro a preços populares, com receita destinada à entidade assistencial, e exibições ao ar livre”. Em sua atuação como professora e coreógrafa, que se estende também ao Rio de Janeiro, Ruth priorizou a formação dos alunos através do estímulo ao equilíbrio físico e mental e aos aspectos relacionados à cidadania: “Como é maravilhoso o talento de nossas crianças e jovens, que sozinhas se adaptam rapidamente às posições clássicas e progridem rapidamente de ano para ano. O mundo seria bem melhor se o balé entrasse na formação. Esta arte lhes daria maior concentração sobre si mesmo, postura, saúde e muitas outras vantagens. Em centenas de escolas públicas, onde milhares de crianças fazem curso de alfabetização, deveriam ser fixados com antecedência em seus quadros todos os informes e datas sobre o ingresso de alunos na escola de dança”. Sem elitismo O trabalho teve bons resultados também junto aos pais dos alunos: “Tive no Satélite Clube Banco do Brasil uma escola de balé para crianças e adultos. A pedido insistente das mães passei a ministrar para as mesmas, aulas de Dinâmica de Expressão Corporal. Qual o meu espanto meses depois quando verifiquei a cura de asma, bico-de-papagaio na espinha, pé-chato, desritmia, com ajuda até na descontração nervosa”. O alcance social da iniciativa reforçou a luta de Ruth por projetos de valorização e difusão da cultura nacional: “As maiores escolas de balé do mundo nos visitam anualmente. Trazem consigo valores incontestáveis que muito servem ao nosso aprendizado. É o intercâmbio perfeito. E nós? Assistimos a tudo de braços cruzados deiJornal da ABI 360 Novembro de 2010
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ARTE NOSSA SÓCIA RUTH LIMA, TALENTO NA DANÇA E NAS LETRAS
xando fugir de nossas mãos o que a nós pertence. O material humano é excelente, os motivos temos de sobra, precisa-se de um cérebro inteligente e honesto para levar ao estrangeiro a beleza da arte e do folclore brasileiro. É incompreensível o descaso pela pouca ou nenhuma contratação de bailarinos negros nos teatros oficiais. Quem conhece o significado profundo dos Três Reis Magos por certo não concorda com a discriminação racial. Com a história de Chica da Silva, podemos imaginar o grande balé tradicional e da atualidade, do amor, e a vaidade, da simplicidade e o orgulho, da união das etnias branca e negra. Quando aparecerá um Strauss e um coreógrafo como Jean Georges Noverre, o reformador e precursor para colocar o samba entre as danças clássicas? A valsa era folclore,
hoje faz parte até de óperas. Quando chegará a vez do samba? Esperar não basta, é preciso ação”. Esta disposição integra os projetos de Ruth para o futuro, que incluem iniciativas em defesa da adoção de políticas públicas para a popularização do balé no Brasil e as atividades na imprensa: “A arte de um país é o seu cartão de visitas. Sou contra o balé como algo elitista. A dança deve ser pública; a dança deveria entrar para o ensino obrigatório. Que os bailarinos nunca esmoreçam. A arte da dança vale a pena em todos os sentidos: físico, mental e espiritual. A carreira é de luta, mas não se pode desistir, justamente por almejar um país melhor, mais salutar, mais culto. A arte é o exemplo vivo da presença de Deus. É a sublimação da pessoa humana”. REPRODUÇÃO
A Bela de Sapatilhas POR PEREIRA DA SILVA (PEREIRINHA) Logo na abertura do belíssimo Ballet, Cultura Geral, Ruth Lima adverte: “Vocês notarão que toda a terminologia do balé é em francês”. Pobre de mim, que nunca quis, nunca tentei adentrar no francês de Diderot, Balzac, Voltaire, Dumas e tantos outros, como Proust, Molière e Rousseau. No meu tempo de estudante secundarista a segunda língua estudada, em algumas escolas, era o latim. Mas que beleza! o francês da dama do balé Ruth Lima. Veja-se! É uma maravilha e aprende-se só de olhar. Não a vi no palco, brilhando em sapatilhas, girando, rodopiando, arrancando suspiros dos jovens, com a sua beleza encantadora, pois quando aqui cheguei, num pau-dearara voador, vindo de Maceió, AL, o Teatro Municipal, com suas cadeiras aveludadas, era para poucos. Estamos em 1972, outubro ou novembro, noite adensada por vapores alcoólicos, e ao invés de adentrar o majestoso Palácio ficava sentado na varanda do Bar Amarelinho com um copo de chope na mão, fazendo contatos em busca de emprego e olhando embevecido o movimento de senhoras, senhores, moças e rapazes, elegantes e ricamente vestidos. Mas fiquei encantado ao ler, de cabo a rabo, dois livros da dama do balé e Primeira Bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Ruth Lima. Ora, depois de lê-los, chego a ousar: se não fosse homem (sem preconceito, pois sou nordestino), baixinho e feioso, seria bailarino pelas mãos, os pés e a cabeça da 22
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divina Ruth Lima. Mas agora também não dá, pois além dessas qualidades desclassificadoras há outra igualmente impeditiva: a idade avançada. Graciosa, bela e elegante no palco – vejo-a nas fotos –, Ruth Lima também o é no texto refinado, claro e harmonioso, ao contar como nasceu, cresceu e firmou-se no balé e os passos e as piruetas que deu para chegar até nós. Foi muito esforço e dedicação e hoje procura, com carinho, transmitir seus conhecimentos aos jovens com pendores artísticos e vocação para a dança clássica. Ruth nos dá notícia de que o balé nasceu na Itália, desenvolveu-se na França no reinado de Luís IV e chegou à Inglaterra e daí espalhou-se por toda a Europa. Permitam-me uma ilação: Napoleão Bonaparte, gordo e mulherengo, apoiou esse bailado, muito – acredito que para o monarca e sua corte – excitante. Os livros de Ruth Lima, jornalista, professora e Primeira Bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, são importantes e essenciais à formação de jovens bailarinos, coreógrafos, costureiros e decoradores, pois conta a história do balé clássico e moderno, inspirado em temas populares e na literatura de costumes. No livro Ballet, Cultura Geral, que deve ser lido por todos os amantes da dança clássica, bem como pelos que nela atuam como profissão, a autora relaciona os nomes mais importantes do balé italiano, francês, russo, sueco e inclusive dos Estados Unidos, dando-lhes o merecido reconhecimento como artistas geniais.
Na música Ruth Lima cita Tchaikovsky, Haydn, Strauss, Chopin, Verdi e Heitor VilaLobos; na literatura, Molière, Gogol e Pushkin, como inspiradores de muitos balés, que nasceram na Corte e ganharam popularidade incontestável nos palcos dos teatros europeus e migraram para as Américas, encantando homens e mulheres de várias gerações e de espírito. No Brasil, o balé conquistou Ruth Lima, que dele foi inicialmente princesa e depois rainha. Hoje, a rainha ensina sua arte, transmite seus conhecimentos a jovens princesas que certamente seguirão seus passos e volteios no adágio, no allegro e nas pirouettes, lindamente ensaiados. Ruth Lima escreveu outros livros. As Garças da Ribalta é um deles, lindamente ilustrado com fotos maravilhosas. Numa delas, aparecem Austregésilo de Athayde, então Presidente do Jornal do Commercio e da Academia Brasileira de Letras, e José Chamilete, diretor do JC, com quem convivi nos meus tempos do Jornal do Commercio, ao lado dos grandes amigos Aziz Ahmed e Antônio Calegari. O interessante As Garças da Ribalta conta a trajetória artística de Ruth Lima, que presta linda
Defensora da democratização do balé, Ruth Lima escreveu livros para mostrar a importância dessa forma de arte e mantém forte pregação em favor da inclusão da dança no currículo escolar.
homenagem ao seu incentivador no início da sua carreira artística: José Bernardo da Silva, um homem simples, que nasceu pobre em Alagoas, chegou às artes através da literatura e da música, foi deputado e benfeitor dos pobres e oprimidos. Esse livro é prefaciado por Eunice Khoury e comentado por F. Silva Nobre, da Academia Cearense de Ciências e da Academia PanAmericana de Letras e Artes. As orelhas da capa e da contracapa são assinadas por Cássio Emmanuel Barsante. Ruth, obrigado por me mostrar as artes e riquezas do balé clássico. Pereirinha é colunista político do jornal A Tribuna, de Niterói, membro do Conselho Deliberativo e Presidente da Comissão de Sindicância da ABI.
ERRATA Edição 358, setembro de 2010: Na matéria Italianos propõem intercâmbio, página 15, o título da publicação é Comunità, e não Communità Italiana.
Na matéria Estilhaços do terror chamada da primeira página e no Brasil, legenda da página 31: no título da página 34: Seu por“...manifestante picha a parede...” tal tem 5 milhões de acessos, e não 1 milhão; Um portal com Na matéria Sidney Rezende, na mais de 5 milhões de acessos.
HISTÓRIA
Duas sementes da nossa República Quase 50 anos antes de Deodoro, gaúchos e catarinenses fundaram em Lages e Laguna, Santa Catarina, as duas primeiras repúblicas do Brasil, ambas esmagadas pelo Governo do Império. POR PAULO RAMOS DERENGOSKI No dia 29 de julho de 1839 foi proclamada em Laguna a República Catarinense, um dos episódios pouco conhecidos de nossa História, no qual se destacou a maior heroína brasileira: Anita Garibaldi. Desde 1835 a Revolução Farroupilha incendiava o pampa gaúcho, mas os rebeldes não tinham domínio do mar. A barra do Rio Grande era legalista. Foi então que os Farrapos planejaram a conquista de Laguna. Coube a Garibaldi construir dois barcos – o Farroupilha e o Seival – que só puderam sair da Lagoa dos Patos por terra, arrastados por bois – os famosos “bois de botas” – até à barra do Tramandaí. Mas só o Seival, comandado pelo americano John Griggs, chegou a Laguna. O comandante legalista, Almirante (inglês) John Grenfell, teve uma tremenda surpresa.
GARIBALDI, DE AMÉLIA RICCIARDI. GUACHE SOBRE TELA DATADA DE 1962. ACERVO DO MUSEU JÚLIO DE CASTILHOS.
CARGA DE CAVALARIA FARROUPILHA, DE GUILHERME LITRAN. ÓLEO SOBRE TELA, 1893. ACERVO DO MUSEU JÚLIO DE CASTILHOS, PORTO ALEGRE, RS.
Aninha do Bentão, uma lageana REPRODUÇÃO
Os pais de Anita Garibaldi casaramse em 1815 na cidade de Lages e a história de ambos é ilustrativa do ciclo do povoamento que se estendia à região de Santa Catarina em finais do século XVIII e início do XIX. A meio caminho entre a província de Rio Grande de São Pedro (atual Rio Grande do Sul) e São Paulo e Minas, Santa Catarina tornouse caminho de passagem de tropas e outros produtos que abasteciam as regiões mineiras. Chico Bentão, o pai de Anita, nasceu em São José dos Pinhais, a 15 quilômetros de Curitiba, de onde vinham afamados tropeiros, e passou grande parte de sua vida em lombo de mula entre Lages e Laguna. Era “moreno”. Maria Antônia de Jesus Antunes, a mãe, era filha de um sorocabano. Seu avô materno era açoriano, estabelecido no litoral catarinense durante a colonização promovida pela Coroa portuguesa em fins do século XVIII. Bentão e Maria Antônia estabeleceram-se em Laguna, onde ele acreditava encontrar maiores oportunidades de trabalho. Foi na margem esquerda do Rio Tubarão, no Rincão dos Morrinhos, que Aninha do Bentão – como era conhecida Anita nessa época – viveu toda a infância. Ela se casou por volta dos 14 anos com o sapateiro Manuel Duarte Aguiar. Foi no dia 30 de agosto de 1835, na Igreja Matriz de Laguna. Um casa-
mento arranjado, comum naqueles tempos e apressado pela morte do pai de Anita, o que havia tornado ainda mais difícil a subsistência da família. Do marido Manuel se sabe que gostava de beber e era calado. Não tiveram filhos. Ao que tudo indica, Anita e Manuel conviveram pouco, tanto assim que depois do casamento ele nem era visto em Laguna. Alguns dizem que foi convocado pela Marinha para combater rebeldes farrapos no Rio Grande do Sul. A guerra dos Farrapos fora deflagrada por parte da elite rio-grandense, descontente com a centralização política
promovida pelo Império. Entre outros pontos, os revoltosos exigiam autonomia em relação ao Rio de Janeiro, sede da Corte, e melhor aplicação dos impostos que pagavam, que não revertiam à província. A situação levaria à proclamação da independência do Rio Grande e à formação de uma república. O primeiro contato de Anita com as idéias farroupilhas se deveu a um tio, Antônio Ribeiro da Silva, de quem ouvia inflamados discursos em favor dos revolucionários. Tio Antônio era tropeiro e vivia em Lages. Tal como tantos outros lageanos e lagunenses, acabou conhecendo a causa farrapa e dela se tornando simpatizante, pois também nessas cidades era grande a insatisfação com a política do Rio de Janeiro. Em 1837, o comandante da tropa de Lages mandou incendiar a casa do tio Antônio. Em razão disso ele se refugiou com a família em Laguna. Foi lá que Anita se apaixonou por Giuseppe Garibaldi, o herói de camisa vermelha, sobre o qual vestiu o pala lageano. Os saudosos eruditos lageanos Dr. Al Neto, Desembargador Wilson Antunes Sênior e Embaixador Licurgo Costa afirmavam que Anita teria nascido na localidade de Morrinhos, conhecida paragem da estrada das tropas da Coxilha Rica de Lages. Alegavam que seus pais eram serranos e ela sabia andar a cavalo, tecer lã de ovelha, como fez para Giuseppe. (Paulo Ramos Derengoski)
Por terra a cavalaria de Davi Canabarro cercou Laguna. Os imperiais fugiram, abandonando armamento e 14 barcos. A 29 de julho de 1839 foi proclamada a República Juliana, com o italiano Luigi Rossetti de Secretário de Governo. Mas o sonho duraria apenas quatro meses: os Farrapos cometeram o erro de ir para o Norte, onde foram batidos na praia da Pinheira e em Imbituba, até que em 15 de novembro de 1839 marinha, cavalaria e infantaria imperiais cercaram-nos e os aniquilaram em Laguna. Todos os comandantes rebeldes, à exceção de Garibaldi e Canabarro, foram mortos. Garibaldi ainda subiu a serra para os Campos de Lages. Foi batido na batalha do Marombas, onde Anita foi presa. O italiano infligiria uma derrota histórica aos imperiais no passo lageano de Santa Vitória, auxiliado pelos lanceiros negros (escravos libertos) de Teixeira Nunes. E Anita Garibaldi iria para o Rio Grande, para o Uruguai e para a Itália, onde se tornaria a heroína de dois mundos. Lembremo-nos de que num ato histórico, extremamente sangrento, em 1835 o Rio Grande do Sul se levantou em armas contra o Império, proclamando a República de Piratini. Em 9 de março de 1838 uma coluna sob o comando de Mariano de Matos invadiu Lages e foi bem recebida pela população. Mas a reação monarquista não se fez esperar através de um bloqueio econômico de sal e gado. Como resposta, a 10 de março de 1839 a República foi proclamada em Lages por Antonio Inácio de Oliveira com apoio do Coronel Serafim Muniz de Moura. Assim, a República Lageana é anterior à República Juliana de Laguna! Uma das primeiras medidas dos republicanos foi dividir o Município serrano em cinco distritos: Burgueses, da Vila, da Ilha, Pelotinhas da Coxilha Rica e dos Curitibanos. Em 15 de novembro de 1839, porém, o ousado capitão monarquista Cândido Alano retomou a Vila e iniciou uma repressão implacável. Apesar de efêmeras, as Repúblicas Lageana e Juliana, assim como a saga farroupilha, foram sementes da futura República do Brasil. Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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Liberdade de imprensa A PRESIDENTE DILMA FIRMA UM COMPROMISSO:
“Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras” Horas após ser proclamada a sua vitória, ela anunciou as propostas de seu Governo e incluiu a liberdade de expressão entre os bens que respeitará. MARCELLO CASAL JR./ABR
POR JOSÉ REINALDO MARQUES Em seu primeiro pronunciamento como Presidente eleita, no dia 31 de outubro, Dilma Roussef (PT) disse que vai “zelar pela ampla e irrestrita liberdade de imprensa” no País. A convivência pacífica com a mídia foi um dos quatro compromissos assumidos pela petista e ex-Ministra da Casa Civil quando for empossada no dia 1º de janeiro de 2011. O anúncio foi feito em Brasília, logo após ter sido confirmada como a primeira mulher na História do Brasil a ocupar a Presidência da República. Dilma Roussef ressaltou também que uma das principais pautas do seu Governo será a atenção aos direitos humanos, com ampla valorização da democracia “desde os direitos de opinião e expressão até os direitos essenciais, básicos, da alimentação, do emprego, da renda, da moradia digna e da paz social”. Em seguida a sucessora do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva elogiou a cobertura da imprensa nacional e es-
Dilma, tendo à esquerda o Vice Michel Temer, surpreendeu com seu discurso libertário.
trangeira, afirmando que é a favor de uma imprensa livre: “Não nego a vocês que por vezes algumas das coisas difundidas me deixaram triste, mas quem como eu lutou pela democracia e pelo direito de livre opinião arriscando a vida, quem como eu e tantos outros que não estão mais
entre nós, dedicamos toda a nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade. Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras. As críticas do jornalismo livre ajudam ao País e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e
trazendo o necessário contraditório”. Ao revelar que defende o compromisso com as liberdades de imprensa e de expressão, Dilma Roussef demonstrou divergência com o seu partido, que mais de uma vez durante a campanha reclamou da atuação da imprensa na cobertura de escândalos sobre tráfico de influência na Casa Civil, com denúncias que provocaram a queda da ex-Ministra Erenice Guerra. Outro ponto que também está causando polêmica junto aos meios de comunicação foi o anúncio feito pelo Ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência-Secom, de que até o fim do mandato do Presidente Lula o Governo pretende encaminhar ao Congresso um projeto de marco regulatório para o setor de radiodifusão. O assunto foi debatido nos dias 9 e 10 de novembro, em Brasília, durante um seminário internacional, com a participação de especialistas de outros países que adotaram medidas semelhantes, acadêmicos e estudiosos de mídias digitais e novas tecnologias.
“O Brasil não vive ameaça à liberdade de imprensa”
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seja e quem bem entende”, declarou o Ministro. Na entrevista coletiva, o Ministro disse que o principal objetivo do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias é “colher informações” e “desideologizar e qualificar” o debate sobre a regulamentação do uso da tecnologia e conteúdo.
Ele ressaltou que o encontro vai servir de subsídio para a elaboração de um anteprojeto de lei que trate da regulamentação do ambiente de convergências de mídias digitais e novas tecnologias. “Moderna e flexível”
Para Franklin Martins a nova regulação sobre comunicações digitais e conANTONIO CRUZ/ABR
Em entrevista coletiva realizada na véspera do seminário, Franklin Martins afirmou que é contra a censura à imprensa e a qualquer mecanismo que possa ser usado para restringir o conteúdo da informação veiculada pela mídia. A declaração foi uma resposta ao relatório divulgado no dia 7 de novembro durante a 66ª Assembléia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip, que afirmava que a liberdade de expressão no Brasil está sob ameaça. Anualmente a Sip divulga relatórios com análises sobre censura ao livre exercício do jornalismo. O site AdNews informou que o responsável pela autoria do relatório é Sidnei Basile, representante do Brasil na Sip e funcionário da Editora Abril. Na sua análise, ele afirma que o conceito de “controle social da mídia é o novo nome de censura”. Franklin Martins discorda e disse que a imprensa brasileira tem liberdade para falar o que quiser. Em caso de rompimento de um segredo de Justiça terá que arcar com a responsabilidade do ato. “O Brasil não vive ameaça à liberdade de imprensa, basta abrir os jornais. O Governo é espinafrado por quem quer que
Franklin jogou pesado na defesa do chamado marco regulatório da comunicação.
vergências de mídias tem que ser “moderna e flexível”, em virtude da velocidade das transformações que ocorrem nessa área. A idéia do Governo é que o projeto esteja pronto até o final do mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o encaminhará à sua sucessora, Dilma Roussef. Franklin afirmou que caberá ao próximo Governo debater o novo marco regulatório, mas assegurou que a intenção da Presidência atual é de que o modelo de normas proposto seja benéfico para toda a sociedade. Franklin Martins expôs dados que mostram que o setor de telecomunicações apresenta um crescimento superior ao da radiodifusão. Os números mostram que as teles (com serviços de internet e tv a cabo) movimentaram R$ 181 bilhões no ano passado – um total bem superior ao da radiodifusão, cuja movimentação foi de R$ 13 bilhões. Em sua opinião, esse contexto justifica o estabelecimento de novos marcos legais que não sejam restritos ao aspecto da competição do mercado, mas que tratem também do direito de informação, garantia de liberdade de expressão e questões como produção independente e regional.
Governo não abre mão de regular a mídia A proposta será discutida num clima de enfrentamento ou de entendimento, diz o Ministro da Comunicação Franklin Martins.
O Governo não abre mão da sua proposta de regulação da mídia e vai dar continuidade ao processo com a concordância ou não das empresas do setor de comunicação. A advertência foi feita pelo Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, na abertura do Seminário Internacional sobre Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, no dia 9 de novembro, em Brasília. Franklin Martins disse que “nenhum grupo tem o poder de interditar a discussão”: “A discussão está na mesa. Terá de ser feita. Pode ser num clima de enfrentamento ou de entendimento”, afirmou. O seminário reuniu em dois dias representantes da Espanha, Portugal, França, Reino Unido e Estados Unidos, onde há regras para a veiculação de conteúdo e convergência de mídias digitais. A questão mais polêmica do debate foi a que se refere à preocupação dos empresários do setor de que a criação de um novo marco regulatório se transforme em um mecanismo de censura. Relatou o jornal O Estado de S.Paulo que no último dia do seminário, 10 de novembro, Franklin Martins voltou a falar no assunto lembrando que a regulação do conteúdo das mídias é um procedimento adotado por vários países e não significa censura. “O que se tem são obrigações de conteúdos, que estão nos contratos, devem ser cumpridas e, geralmente,
se referem a questões gerais, como proteção da língua e das culturas nacional e regional, equilíbrio, imparcialidade, proteção de menores”, disse o Ministro. No discurso de abertura, Franklin Martins disse que falar que a liberdade de imprensa está ameaçada é “bobagem, fantasma, é um truque”, “isso não está em jogo”. Segundo o Ministro, esse tipo de apreensão é um forte impedimento para que se encare a realidade: “Os fantasmas não podem comandar esse processo”, declarou. Um dos participantes do encontro, o Diretor-Geral da Associação Brasileira de Rádio e Televisão-Abert, Luis Roberto Antonik, disse que a regulação proposta pelo Governo é vista com desconfiança pela entidade: “Enxergamos de modo diferente. Não estamos vendo fantasmas. São coisas que estão acontecendo”, declarou. Em entrevista à Agência Brasil, Paulo Ronet Camargo, membro da Associação Nacional dos Jornais-ANJ, disse que a entidade está disposta ao debate desde que não lhe seja retirada “a possibilidade de voz”. O Ministro Franklin disse que o texto do novo marco regulatório para o setor de mídias eletrônicas será amplamente debatido com a sociedade por meio de consulta pública e depois encaminhado ao Congresso Nacional, que será o responsável pela sua aprovação. Todas as palestras do seminário estão disponíveis no site www.convergenciade midias.gov.br.
Emmanuel Gabla, do Conselho Superior de Audiovisual da França: O país tem regras bastante rígidas para emissoras de tv com sinal aberto.
Como é em outros países Consultor Internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura-Unesco, o especialista Toby Mendel disse que a estrutura regulatória da radiodifusão no Brasil é complexa e ineficiente. Mendel fez uma série de recomendações, a partir de padrões internacionais, visando à ampliação da transparência e a garantir o interesse público nos processos de renovação das concessões de rádio e televisão. Mendel apresentou o resultado de um estudo encomendado pela Unesco sobre o marco regulatório em dez grandes democracias, incluindo o Brasil. “Em muitos países, este momento é uma oportunidade para avaliar mudanças que precisam ser feitas pelo conces-
O debate que Franklin promoveu POR MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND Brasília foi palco, nos dias 9 e 10 de novembro, de importante seminário internacional sobre “Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias”, o qual contou com a participação de representantes dos Estados Unidos, Reino Unido, Portugal, Espanha, França, União Européia e Unesco. O seminário foi organizado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República-Secom. Empresários do setor de comunicação, da Associação Brasileira de Rádio e TV-Abert, da Associação Nacional dos Jornais-ANJ, representantes dos movimentos sociais, acadêmicos e jornalistas tiveram informações valiosas sobre a regulação da mídia, as quais contribuíram para se concluir sobre a necessidade imediata de se fazer um novo marco regulatório midiático no Brasil. Para os que associam equivocadamente o marco regulatório nas comunicações eletrônicas à censura, as informações dos expositores deixaram claro que, ao contrário do que se tem lido com freqüência em vários órgãos de imprensa
brasileiros, regulação da mídia significa exatamente fortalecer a liberdade de expressão, fator importante e indispensável para o aprimoramento do processo democrático. Nesse aspecto, tanto na abertura como no encerramento do seminário, o Ministro da Secom, Franklin Martins, exortou todos os setores que acompanham as questões relacionadas com a mídia a “deixar seus fantasmas no sótão, que é onde eles se sentem melhor”. Para Franklin Martins, dentre os “fantasmas” que precisam ser deixados no porão está exatamente “essa história de que a liberdade de imprensa está ameaçada”. E acrescentou: “A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode haver e não haverá qualquer tipo de restrição”. Pela exposição dos representantes de diversos países ficou mais do que claro que o Brasil está muito atrasado em termos de marco regulatório de radiodifusão e é necessário o quanto antes suprir essa deficiência com nova legislação adaptada aos tempos atuais, bem distantes de
ANTONIO CRUZ/ABR
POR JOSÉ REINALDO MARQUES
quase cinco décadas atrás, em 1962, quando se editou uma legislação, hoje totalmente superada em função sobretudo da nova realidade tecnológica. “É preciso também implementar o artigo 223 da Constituição Cidadã de outubro de 1988, que prevê o equilíbrio entre o sistema midiático público, estatal e privado, o que não acontece neste momento, já que há um predomínio quase absoluto do setor comercial”, disse Franklin. Ele lembrou que alguns dispositivos constitucionais não foram regulados até agora, entre os quais o relativo à propriedade de emissoras de rádio e tv e criticou as concessões que são dadas a parlamentares, o que é proibido pela legislação. Sessenta e cinco parlamentares eleitos em vários Estados para a Legislatura que se inicia em fevereiro de 2011, informou, são proprietários de emissoras de rádio e televisão. Franklin informou ainda que o atual Governo pretende entregar à Presidente eleita Dilma Rousseff, em meados de dezembro, o anteprojeto de lei sobre Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídia.
sionário, para apontar eventuais regras que não tenham sido respeitadas. No Brasil, esta avaliação não acontece”, disse Mendel, que também é diretor-executivo do Centro de Direito e Democracia, organização internacional de direitos humanos com foco no conhecimento legal sobre direitos fundamentais para a democracia, incluindo o direito à informação, à liberdade de expressão e ao direito de participação. “A liberdade de expressão vai além do direito do emissor de dizer o que pensa. É também direito do receptor, do telespectador, do leitor, receber uma variedade de informações e de pontos de vista”, disse Mendel, que acrescentou: “Se a propriedade dos meios não é regulada, isso pode até ser ok do ponto de vista do emissor, mas o direito do receptor de receber idéias plurais começa a ser reduzido, ou seja, o Estado não pode simplesmente deixar o mercado agir ”. Na França, rigor
Emmanuel Gabla, integrante do Conselho Superior de Audiovisual da França-CSA revelou que o Estado francês mantém regras bastante rígidas para o funcionamento das emissoras de tv com sinal aberto e nenhum acionista pode ter mais de 49% da empresa mantenedora do canal. Gabla assinalou que pela Lei de Liberdade de Comunicação é proibida a veiculação na mídia eletrônica de conteúdo considerado ofensivo à dignidade humana. Formado por nove comissários, três indicados pelo Presidente da República, três pelo Senado e três pela Assembléia Nacional, sendo o presidente do conselho escolhido pelo Presidente da República, o CSA tem entre seus objetivos aplicar penalidades que podem ser advertência, multas, que vão até 3% do faturamento do canal, limitação do espaço pela propaganda, suspensão de licença de funcionamento e até mesmo o fim da concessão. Gabla destacou ainda que o CSA pode ser acionado por organizações sociais, não havendo nenhuma censura prévia. E assinalou: “A liberdade é total, se respeitada a lei”. Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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Liberdade de imprensa Todas as decisões do Conselho Superior de Audiovisual podem ser revistas pelo Conselho de Estado. Portugal: duas agências
José Alberto de Azeredo Lopes, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social-ERC, de Portugal, explicou que as decisões tomadas pelo órgão nunca incidem sobre os jornalistas, mas apenas sobre as empresas do setor de mídia. Ele considera que a regulação do setor midiático eletrônico deve ser justamente para garantir a liberdade de imprensa, mas ressalva que “a liberdade de imprensa não é uma liberdade absoluta” e que “a liberdade sem limites é a antítese da concepção de liberdade”. Azeredo Lopes observou ainda que a eventual intervenção da entidade reguladora nunca deve acontecer a priori, o que seria censura. Além da ERC, Portugal tem outra agência de regulação, a Anacom (Agência Nacional de Comunicação), que cuida de mídia e conteúdo. Reino Unido: quem acompanha
O representante do Reino Unido, Vicent Edward Affleck, diretor internacional de regulação da mídia, a Office of Communications-Ofcom, disse que grupos de interesse da sociedade civil atuam “ativamente” na fiscalização e acionam a agência quando entenderem ter havido alguma irregularidade. “Se houver decisão de intervir será depois do fato”, comentou, fazendo questão de observar que não há censura prévia”.
A ABI repudia o atentado contra o Correio Mariliense Bando criminoso roubou equipamentos do jornal, impedindo-o de imprimir o diário, e tentou incendiar a sede da empresa. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
A ABI enviou telegrama ao Governador de São Paulo, Alberto Goldman, pedindo a sua intervenção na apuração do ato criminoso contra o jornal Correio Mariliense, cuja gráfica foi invadida por criminosos no dia 1º de novembro. Na ação, os criminosos roubaram equipamentos e tentaram incendiar o prédio. A Polícia de São Paulo ainda está investigando a autoria do atentado. A íntegra da mensagem da ABI ao Governador é a seguinte: “Encarecemos o interesse pessoal de Vossa Excelência para apuração do atentado de que foi alvo o jornal Correio Mariliense no final da tarde do dia 1º de novembro, o qual o privou dos recursos tecnológicos necessários à sua impressão. Pela dimensão da violência praticada, o Governo do Estado não pode deixar de mobilizar todos os seus recursos visando à identificação e responsabilização penal de seus autores. Atenciosamente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI”.
Espanha: a caminho
Por sua vez, o conselheiro da Comissão do Mercado de Telecomunicações da Espanha-CMT, Ángel Garcia Castillejo, informou que a Espanha já aprovou a criação de uma agência de regulação de conteúdo, a exemplo de todos os outros países da Comunidade Européia, mas ela ainda não foi constituída.
O novo marco legal, tarefa de Dilma Um dia após o encerramento do Seminário Internacional, a Presidente eleita, Dilma Rousseff, afirmou que ainda não decidiu se vai enviar ao Congresso a proposta de criação de novo marco regulatório para a mídia, que está sendo elaborado pelo Ministro da Secretaria de Comunicação, Franklin Martins. Em Seul, onde acompanhou o Presidente Lula na reunião do G-20, Dilma disse que só tomará uma iniciativa após analisar o projeto e que isto será feito em clima de entendimento, e não de enfrentamento. Dilma defende amplo debate em torno do tema. O anteprojeto de regulamentação da mídia está sendo discutido desde 22 de julho, quando foi criada uma comissão interministerial para apresentar propostas de revisão do marco regulatório e organizar a exploração dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão. (Cláudia Souza)
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A ação criminosa
Em seu site, o jornal Correio Mariliense informou que “a ação criminosa, aparentemente com intuito de furto comum, apresenta sinais suspeitos de atentado político ou patrimonial, com intenções de calar ou suspender a publicação do periódico”.
A direção do jornal informou que os criminosos roubaram o computador central que controla toda a préimpressão, equipamento sem o qual todo o processamento se torna ineficaz. Há suspeita de sabotagem, pois os bandidos não levaram tudo o que era de valor do local onde funciona uma impressora ofsete e todo o sistema de pré-impressão do veículo. Os invasores também atearam fogo em cinco pontos diferentes do prédio, onde ficam armazenadas as bobinas de papel e produtos químicos inflamáveis, e provocaram um curto-circuito no sistema elétrico do imóvel. Se tivesse sido bem sucedida, essa ação teria causado um incêndio de grandes proporções no edifício, o que deixa claro a tentativa dos criminosos de paralisar a rotina de trabalho do jornal. A invasão do prédio onde é impresso o Correio Mariliense foi descoberta por um funcionário que chegou à noite e encontrou a porta aberta. A Polícia Militar foi acionada e registrou a ocorrência. A Polícia Civil fez a perícia no local para avaliar os danos causados e encontrar pistas sobre os criminosos. O laudo técnico sai em 30 dias. A empresa informou que os prejuízos foram calculados em R$ 50 mil. O Correio Mariliense pertence à Rede Marília de Comunicações, circula há três anos e é um dos principais veículos de imprensa da cidade de Marília, no interior de São Paulo.
Preso acusado de matar jornalista Suspeito do crime, um ex-pm, queria instalar máquinas caça-níqueis e teria matado por vingança. O ex-policial militar Renato Demétrio de Souza foi preso no dia 3 de novembro por agentes da 107ª Delegacia de Polícia de Paraíba do Sul (RJ) acusado de ser o assassino de José Rubem Pontes de Souza, Diretor-Presidente do Entre-Rios Jornal, que foi morto a tiros na madrugada de domingo, 31 de outubro, em um bar da cidade de Sapucaia. Informou o jornal O Estado de S. Paulo que as investigações policiais apontam que José Rubem, conhecido como Rubinho, teria sido morto pelo ex-pm porque tentou impedir que este instalasse máquinas caça-níqueis em bares onde tinha influência. O crime então teria sido cometido por vingança. A polícia encontrou na casa de Renato Demétrio de Souza um revólver
calibre 38 e documentos referentes à instalação de máquinas Jukebox. O suspeito foi preso depois de ter sido reconhecido por testemunhas como o autor dos disparos. Ele nega a autoria do crime e disse que na noite do assassinato do jornalista se casou em Sapucaia. A Polícia tem fotos da participação dele na festa, na qual ele teria ficado até as 22h30min de sábado. O crime ocorreu por volta de 1h da madrugada de domingo. José Rubem tem ficha criminal com mais de dez citações por homicídio, assaltos e roubos, mas estava em liberdade desde janeiro deste ano. A Polícia informou que pedirá à Justiça a quebra do sigilo bancário e telefônico do suspeito.
Prefeito de Minas acua jornal A ABI encaminhou mensagem ao Prefeito Gustavo Prandini, do município mineiro de João Monlevade, lamentando o tratamento discriminatório que ele vem dando ao jornal A Notícia, cujo proprietário é o empresário Márcio Passos, e o Editor, o jornalista Breno Eustáquio. O jornal passou a sofrer retaliações por parte da Prefeitura, depois de publicar uma edição especial relatando a impugnação do Prefeito Gustavo Prandini na última eleição e o seu afastamento do cargo imposto pela Justiça eleitoral, sob a acusação de improbidade administrativa. A Notícia é um semanário que circula às sextas-feiras, mas a edição extra saiu num sábado e se esgotou em menos de seis horas. O Prefeito recorreu da decisão e, apoiado em uma liminar do TRE, voltou ao cargo e passou então a perseguir o jornal. Uma das medidas adotadas por ele é que A Notícia e a Gráfica Nina deixem a área pública onde construíram suas sedes, com autorização da própria Prefeitura. Destacando a sua atuação na defesa da liberdade de imprensa e de expressão, a ABI diz ao Prefeito Gustavo Prandini que considera lamentável que a A Notícia esteja sendo discriminada por causa do bom jornalismo que pratica de maneira independente. “Senhor Prefeito Gustavo Prandini, Dedicada à defesa da liberdade de imprensa e de expressão desde a sua fundação, em 7 de abril de 1908, a Associação Brasileira de Imprensa lamenta o tratamento discriminatório, com característica de perseguição, dispensado por Vossa Excelência ao jornal A Notícia, dessa cidade, em represália à forma independente como esse combativo periódico relata fatos relacionados com a sua gestão à frente da administração do Município de João Monlevade. Desse teor persecutório e antidemocrático é prova a iniciativa de Vossa Excelência de ajuizar ação de reintegração de posse de terreno cedido à empresa editora de A Notícia sob a forma de cessão ou permissão de uso, porquanto só esta, dentre 268 cessionários ou permissionários, foi alcançada por medida dessa natureza. Como Vossa Excelência foi eleito por uma agremiação politica que se afirma no plano nacional por sua ética e seu compromisso com o regime democrático, a Associação Brasileira de Imprensa apela a Vossa Excelência para que proceda à retificação de seu comportamento em relação a A Notícia, que pratica com competência e retidão um jornalismo que honra a imprensa do interior de Minas Gerais e do País. Peço-lhe que aceite as expressões do nosso apreço. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”
ABR
Aplauso da ABI às ações de Cabral A ABI enviou ao Governador Sérgio Cabral no dia 27 de novembro, mensagem em que lhe expressa aplauso e solidariedade “diante da firmeza e competência com que seu Governo se empenha em reconquistar territórios há décadas sob o domínio de bandos criminosos”. “Estamos assistindo – diz a ABI – a um momento histórico da vida da nossa cidade e do nosso Estado, graças à determinação com que Vossa Excelência acelera o processo de erradicação do poder do crime organizado nas comunidades populares”. Cabral, que é jornalista e sócio da ABI, respondeu imediatamente à mensagem, declarando-se “comovido com a manifestação da minha entidade”, e recomendou à sua Assessora de Imprensa, jornalista Valéria Blanc, que
também se dirigisse à ABI, o que ela fez também prontamente num e-mail em que declara: “O seu texto tem conteúdo primoroso de nossa brava entidade, que zela pelas liberdades”. O e-mail da ABI ao Governador tem o seguinte teor: “A ABI expressa a Vossa Excelência seu aplauso e sua solidariedade diante da firmeza e da competência com que seu Governo se empenha em reconquistar territórios há décadas sob o domínio de bandos criminosos. Estamos assistindo a um momento histórico da vida da nossa cidade e do nosso Estado, graças à determinação com que Vossa Excelência acelera o processo de erradicação do poder do crime organizado nas comunidades populares. Abraço cordial (a) Maurício Azêdo.”
A imprensa acompanhou todos os momentos da guerra ao tráfico coordenada pelos Governos Estadual e Federal no Rio de Janeiro depois dos ataques do crime organizado.
LULA EM ENTREVISTA A BLOGUEIROS:
“Sou o resultado da liberdade de imprensa deste País” Faltando pouco para deixar o cargo, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu pela primeira vez uma entrevista exclusiva a dez blogueiros, no dia 24 de novembro, em Brasília. No encontro, que durou duas horas, fez críticas à imprensa, falou sobre regulação da mídia e a entrada de capital estrangeiro no setor, reforma política, entre outros assuntos. Ele anunciou que, ao sair da Presidência, pretende ficar quatro meses à toa, para depois se dedicar a fazer coisas que ele sempre quis, mas não tinha tempo de realizar. Disse que vai criar um blog e se lançar no Twitter. Conforme foi veiculado pelo Blog do Planalto, no início da entrevista, respondendo a uma pergunta do blogueiro Renato Rovai (Blog do Rovai) o Presidente destacou o empenho do Governo na realização da Conferência Nacional de Comunicação-Confecom, ocorrida em dezembro de 2009. Ele disse que as propostas tiradas no encontro servirão de base para o projeto que será encaminhado ao Congresso Nacional, e que o Palácio do Planalto está “preparando o caminho” para a sua aprovação. Ao se referir à cobertura da imprensa sobre o acidente com um avião da Tam, no aeroporto de Congonhas, em 2007, que matou 199 pessoas, Lula contou que esse foi o momento mais traumático que viveu na sua vida. Ele disse que foram veiculadas muitas informações desencontradas, e que somente quando ligou a tv percebeu o tamanho da tragédia. O Presidente Lula falou que ficou chateado com o noticiário de alguns setores da mídia que indicavam que a culpa do
acidente teria sido do Governo. “O dia em que sofri mais foi no acidente com o avião da Tam em Congonhas. Nunca vi tanta leviandade”, disse o Presidente, lembrando que as investigações apontaram que o erro havia sido cometido pelos pilotos. “Foi o dia mais nervoso da minha vida. Não quero que isso se repita”, declarou.
ROOSEWELT PINHEIRO-ABR
POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Censura
O Presidente Lula criticou o projeto de lei apresentado do Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), conhecido como “AI-5 Digital", e disse que acha uma “estupidez” querer controlar a internet. Sobre a questão de que o seu Governo estaria pregando a censura aos meios de comunicação, o Presidente disse que “não existe maior censura do que a idéia de que a mídia não pode ser criticada (...). Quando você acusa uma pessoa, você tem de ter provas. Se der errado, peça desculpas. No Brasil, parece que é feio pedir desculpas. Eu lembro da Escola de Base de São Paulo, que é um marco”. Lula disse que não tem lido jornais ou revistas, mas que assim que terminar o seu mandato voltará a fazer a leitura dos veículos de imprensa: “Quando eu deixar a Presidência eu vou reler, porque eu parei de ler revista, parei de ler jornal. Pelo fato de não os ler, eu não fico nervoso. Eu vou reler muita coisa porque eu quero saber a quantidade de leviandades, de inverdades que foram ditas a meu respeito. Apenas para gravar na história. Porque não foi fácil.” O Presidente também defendeu o controle do capital estrangeiro na mídia. O caso vem sendo debatido no Congresso com o apoio das entidades representativas do setor. A opinião do Presiden-
te sobre o assunto é a seguinte: “Precisamos ter certo controle sobre a participação dos estrangeiros [na mídia]. Isso é a minha tese. (...) Eu sou o resultado da liberdade de imprensa deste País, com todos os defeitos. Não temos de julgar. O que eles [mídia] se enganam é que pensam que o povo é massa de manobra como era no passado. E agora eles têm de lidar com uma coisa chamada internet. Quando um cidadão conta uma mentira, ele é desmentido em tempo real e tem de se explicar.” O blogueiro William Barros, do blog Cloaca News, quis saber do Presidente a sua opinião sobre a regulamentação da mídia. Lembrando a repercussão que o tema tem despertado em vários setores da população do País, Lula afirmou que “a sociedade brasileira tem tanta sede de discutir comunicação quanto um nor-
destino do semi-árido de encontrar uma moringa de água gelada”. Em relação à regulação da mídia, tema polêmico que tem sido criticado tanto por jornalistas, quanto por entidades representativas dos meios de comunicação, o Presidente Lula ressaltou que regulação dos meios de comunicação existe no mundo inteiro, e que “não tem mais como fugir deste debate no Brasil. A Dilma é quem vai fazer esse debate, e certamente vai mandar para o Congresso Nacional, e aí vocês entrarão em campo, meus caros”, afirmou o Presidente. Ao final da coletiva, o Presidente Lula disse que ficou frustrado com a cobertura da TV Globo nas últimas eleições, referindo-se ao caso da bolinha de papel jogada no então candidato José Serra (PSDB), em uma caminhada no Rio de Janeiro, durante a campanha. “Fiquei decepcionado, porque tentaram inventar uma outra história, tentaram mostrar um objeto invisível, um objeto que nunca foi visto”, afirmou. E acrescentou que estava decidido naquele dia a não dar entrevista sobre o assunto, mas não gostou da atitude do candidato do PSDB: “Aquele dia da bolinha de papel eu não ia dar entrevista, mas foi uma desfaçatez (...) O Serra tem que pedir desculpas para o povo”, disse o Presidente. Participaram da entrevista os blogueiros Altamiro Borges (Blog do Miro), Altino Machado (Blog do Altino), Conceição Lemes (Viomundo), William (Cloaca News), Eduardo Guimarães (Cidadania), Leandro Fortes (Brasília, Eu Vi), Pierre Lucena (Acerto de Contas), Renato Rovai (Blog do Rovai), Rodrigo Vianna (Escrevinhador) e Túlio Vianna (Blog do Túlio Vianna). Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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Direitos humanos REPRODUÇÃO
Câmara Ferreira, o Comandante Toledo, é anistiado em SP
Câmara Ferreira era militante profissional do Partidão. Com o racha liderado por Marighela no fim dos anos 60, aderiu à luta armada e comandou operações guerrilheiras. Foi morto por um torturador, o Delegado Sergio Fleury.
Jornalista de profissão, ele se tornou o segundo homem na hierarquia da luta armada na Aliança Libertadora Nacional de Carlos Marighela. Depois das sessões especiais que realizou em Betim, Minas Gerais, cenário da 44ª Caravana da Anistia, organizada em colaboração com a Conferência Nacional dos Bispos do BrasilCNBB, e em Niterói, palco da 45ª Caravana, promovida com o apoio de várias instituições públicas e entidades da sociedade civil, entre as quais a Universidade Federal Fluminense, a Ordem dos Advogados do Brasil-Subseção de Niterói, a ABI e a Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Municípios de Niterói e São Gonçalo, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça realizou em São Paulo, em 23 de outubro, um evento de denso significado histórico: a 46ª Caravana aprovou o processo de anistia do jornalista Joaquim Câmara Ferreira, que se celebrizou na luta contra a ditadura como o Comandante Toledo, o segundo homem na hierarquia
da Aliança Libertadora Nacional-ALN, criada por Carlos Marighela. Realizada no Memorial da Resistência com forte presença de público, a sessão foi organizada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e pela Comissão de Anistia, que se fez presente através de seu VicePresidente, Egmar José de Oliveira, e das Conselheiras da Comissão Rita Sipahi e Maria Emília Guerra Ferreira. Na presidência do ato, o Secretário de Direitos Humanos, Ministro Paulo Vannuchi, salientou a importância da sessão, pela expressão que Câmara Ferreira teve na luta contra a ditadura militar. Participaram da organização da sessão o Memorial da Resistência de São Paulo, o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, o Fórum dos ExPresos e Perseguidos do Estado de São Paulo e o Núcleo de Preservação da Memória Política, entre outras instituições.
Vítima de Fleury
Originalmente membro do Partido Comunista Brasileiro-PCB, do qual foi militante profissional como redator dos diários comunistas Hoje e Notícias de Hoje, editados pelo Partidão em São Paulo nos anos 40 e 50, Câmara Ferreira dissentiu nos anos 60 da orientação da direção partidária e acompanhou Carlos Marighela, então membro do Comitê Central do PCB, quando este passou a
defender a luta armada para a derrubada da ditadura militar e com esse fim fundou a Aliança Libertadora Nacional. Toledo assumiu a direção das lutas da ALN nas décadas de 60 e 70 do século XX e o comando político de operações como o seqüestro do Embaixador dos Estados Unidos Charles Burke Elbrich, libertado em troca da liberdade de 15 presos políticos, em setembro de 1969. Preso em 23 de outubro de 1970 pelo Delegado Sérgio Fleury, conhecido torturador e assassino do Departamento de Ordem Política e Social-Dops de São Paulo, Câmara Ferreira foi submetido a sevícias brutais, de que resultou sua morte. Recentemente a Câmara Municipal de São Paulo concedeu-lhe o título de Cidadão Paulistano in memoriam.
Memorial da Anistia na reta final Em reunião com representantes de instituições da sociedade civil, a Comissão de Anistia define questões relacionadas com o Memorial da Anistia Política, ora em fase final de construção em Belo Horizonte e que a partir de abril de 2011 poderá receber a documentação de 64 mil processos que relatam os crimes e as violências praticadas desde 1º de abril de 1964 pela ditadura militar. Em reunião realizada em Brasília no dia 11 de novembro, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça definiu importantes aspectos do Memorial da Anistia Política, atualmente em fase final de construção em Belo Horizonte, MG, e que a partir de abril de 2011 poderá começar a receber a documentação relativa aos mais de 64 mil processos com pedidos de anistia formulados pelas vítimas da ditadura militar instalada no País em 1º de abril de 1964. O Memorial será instalado numa edificação que pertenceu à Universidade Federal de Minas Gerais, foi sede da antiga Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG e ficou marcada como espaço de resistência ao regime militar. Passados mais de 20 anos, ainda podem ser vistas nas paredes pichações contrárias à ditadura militar. Além desse prédio, cuja reforma, no montante de R$ 4,5 milhões, é custeada pelo Ministério da Justiça, o Memorial da Anistia contará com outra edificação, a qual abrigará o centro de documentação e o setor de pesquisa do Memorial. Atualmente em construção, esse anexo poderá funcionar a partir de julho próximo. Em frente ao Memorial, a Prefeitura de Belo Horizonte construirá uma praça histórica. 30
Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
A discussão de pormenores do projeto arquitetônico do Memorial, de seus espaços e das características que ele terá, sobretudo no que concerne a acervo, funcionamento e iniciativas que manterá, aconteceu num encontro convocado pelo Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, e que se estendeu desde a manhã até o começo da noite do dia 11. Participaram da reunião representantes de instituições da sociedade civil e de movimentos sociais procedentes de inúmeros Estados, entre os quais o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, a educadora Mica Freire, viúva e continuadora da obra de Paulo Freire, Carlos Augusto Marighela, filho de Carlos Marighela, vindo de Salvador, Bahia, o Vice-Presidente da Associação Democrática e Nacionalista dos Militares-Adnam, Luiz Carlos Moreira, do Rio de Janeiro, o Presidente da Fundação João Goulart, João Vicente Goulart, e o representante da UFMG, entre outros.
cedido pela Secretaria de Patrimônio da União, em cerimônia de que participaram o Vice-Presidente da República José Alencar, o então Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, o Ministro Luiz Dulci, Secretário-Geral da Presidência da República, o Prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, e o Reitor da UFMG, Ronaldo Pena. Em declaração feita na época, o Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse que o Memorial será não apenas um museu, mas um centro nacional de pesquisas, “um local para dar voz a uma História sufocada que precisa ser plenamente exposta à luz, para que tenhamos uma verdadeira reconciliação nacional”. Disse Abrão: “O Memorial é um grande passo não apenas para a divulgação dos documentos da repressão, mas também para a afirmação social da memória da democracia no Brasil.”
Tarso, o criador
Além dos 64 mil processos protocolados na Comissão de Anistia, o Memorial da Anistia vai acolher os arquivos que estão sendo coletados desde maio de 2008 numa campanha de do-
O acervo
Concebido em sua gestão à frente do Ministério da Justiça, o então Ministro Tarso Genro recebeu em 28 de abril passado o termo de recebimento do prédio,
ação de documentos, que visa a obter fotografias, áudios, vídeos, filmes, testemunhos e quaisquer outros registros sobre a ditadura militar e suas violências. Os interessados em colaborar com a campanha podem dirigir-se por email (memorial. anistia@mj.gov.br) ou pelo telefone (61) 3429.9402. Toda a documentação do Memorial integrará também o projeto Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional, sediado no Rio de Janeiro, o qual criou um centro de referência sobre a memória da ditadura no Brasil. O Memorial receberá também e exporá, quando em funcionamento, os arquivos doados ao Ministério da Justiça pelos Estados e por outros países, como Portugal e Espanha, que tiveram prolongadas e sangrentas ditaduras. Por um acordo de cooperação internacional firmado com esses dois países pelo então Ministro Tarso Genro, poderão ser incorporados ao Memorial da Anistia documentos com informações sobre o golpe militar no Brasil. Só o Centro de Documentação 25 de abril, criado após a Revolução dos Cravos e sediado em Coimbra, possui mais de 3 milhões de documentos, muitos dos quais com referências ao Brasil.
RETROSPECTIVA
Nunca antes neste País... ...um Presidente foi tão retratado pelo traço fino e ácido dos cartunistas. Lula foi popular também no campo do humor.
H
á muitas maneiras de se medir a popularidade de um governo. Uma das mais tradicionais são as chamadas pesquisas de opinião, que atestam o índice de satisfação da população com o rumo das políticas públicas. A eleição, ou não, de um sucessor, com a aposta ou negação de continuidade, é outro indicativo importante, afirmam especialistas. Contudo, há um tipo de popularidade que traz, embutida em si, uma espécie de aprovação às avessas. É o traço do humor, cujo foco principal, quase sempre, é confrontar o personagem retratado com a realidade. Ou consigo mesmo. Enfim, mostrar que o rei está nu. O rei, no caso, é o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os impressionantes 80% de média de aprovação de Lula, apontados por institutos de pesquisa, o fizeram popular também entre os cartunistas. Com inegável capacidade de comunicação, sobretudo junto às camadas mais pobres da população, o Presidente da República fez a alegria dos críticos. E munição, fornecida quase sempre pelo próprio, convenhamos, foi o que não faltou. Erros gramaticais às pencas, figuras de linguagem, comparações e citações absurdas, indisfarçáveis casos de falsa modéstia e pedantismo explícito fizeram dele alvo preferencial de sátiras, imitações e charges. Nas próximas páginas desta edição, os leitores do Jornal da ABI poderão conferir desenhos de nove cartunistas de renome – Benett, Dalcio, J.Bosco, Jean, Marco Jacobsen, Nani, Nei Lima, Orlandeli e Simanca. Na qualidade dos traços, e na diversidade dos temas abordados, reside a prova da importância da democracia e do talento desses artistas. O personagem-título ajudou bastante, é bem verdade. Ao menos por enquanto, e depois de oito anos no poder, Lula sai da vida política. Mas deixa garantido seu legado na história do humor.
Esta caricatura de Lula com a faixa presidencial pintada no peito, de Dalcio, foi capa da revista Veja, edição 2189, de 3 novembro.
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JEAN
SIMANCA
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Nove cartunistas e muito talento Conheça o perfil de cada um dos cartunistas que tiveram seus trabalhos publicados neste painel especial sobre o Governo Lula, bem como os seus contatos profissionais. B ENETT
J EAN
Nascido em 1974, em Ponta Grossa/PR, Alberto Benett publicou seus primeiros trabalhos como cartunista profissional em 1999, no jornal Diário dos Campos, em sua cidade natal. Atualmente, tem seus desenhos publicados em importantes veículos, tais como Folha de S.Paulo, Gazeta do Povo (Curitiba) e Le Monde Diplomatique Brasil. Também já emprestou seu talento às revistas Gloss e Galileu. Em 2005, foi vencedor do Salão de Humor de Piracicaba, na categoria quadrinhos. E-mail: benettomatic@gmail.com Site: benettblog.zip.net
Jean Carlos Galvão nasceu em Cruzeiro/SP, em 1972. Começou fazendo cartuns para sindicatos de trabalhadores, depois charges diárias para jornais. Conquistou alguns prêmios, dentre os quais três Vladimir Herzog de Direitos Humanos, e no Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Colaborou com a Veja, Gloss, Jornal do Brasil, O Pasquim 21, entre outros veículos, como a TV Globo, para quem produziu vinhetas. Publica charges no jornal Folha de S.Paulo, tiras na revista Runner’s e ilustrações e tiras semanais na Recreio, da Editora Abril.
D ALCIO
E-mail: contato@jeangalvao.com.br Site: www.jeangalvao.com.br
Carioca, formado em programação visual, foi professor do Senac durante 19 anos e, atualmente, é caricaturista do jornal Marca.BR e leciona em uma faculdade de artes visuais, nas cadeiras de Desenho Básico, Desenho Geométrico e Desenho de Humor – Caricatura. Já foi premiado em alguns salões de humor, um deles o Salão Carioca de Humor.
M ARCO J ACOBSEN
E-mail: neilima7@hotmail.com Site: neilimarte.blogspot.com
Nascido em Campinas em 1972, Dalcio Machado viveu em uma fazenda de criação de cavalos de corrida até os 21 anos. Publicou pela primeira vez aos 13 anos, em um boletim da Pastoral Operária de Campinas. Foi o mais jovem selecionado do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, aos 15 anos. Aos 16 foi contratado pelo Correio Popular. Aos 17 ganhou seu primeiro prêmio, num festival promovido pela UFRJ. Hoje tem 104 prêmios conquistados no Brasil, Itália, Espanha, EUA, Japão, Portugal, Turquia, Coréia do Sul, Grécia e Irã. Já publicou, ou publica, em Playboy, Veja, Exame, Você S/A, VIP, Correio Popular, Diário do Povo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Le Monde Diplomatique e O Pasquim 21, entre outros. Por cinco anos, fez vinhetas animadas para a TV Globo. E-mail: dalciomachado@terra.com.br Site: dalciomachado.blogspot.com
J.B OSCO João Bosco Jacó de Azevedo nasceu em 15 de janeiro de 1961, em Belém/PA. Começou a sua carreira no extinto jornal A Província do Pará, em 1983. Desde então, já teve cartuns publicados em diversos veículos: Diário do Nordeste, Correio Brasiliense, O Pasquim, Pasquim 21, Bundas, Veja, Imprensa, Focus, Você S/A e O Povo. Hoje, publica em O Liberal (de Belém) e no Jornal do Cariri (no Ceará). E-mail: jbosco@oliberal.com.br Sites: jboscocartuns.blogspot.com e jboscocaricaturas.blogspot.com.
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Nasceu em Santos/SP, em 1972, e ainda na infância mudou-se para Curitiba/PR. A partir da década de 1980, suas charges, cartuns e ilustrações passaram a ser publicados nos principais jornais do Estado: Nicolau, Correio de Notícias, Jornal do Estado e O Estado do Paraná. Assinou as ilustrações de várias obras, entre elas Lenda das Águas, editada em parceria com o poeta e jornalista Zeca Corrêa Leite, em 2006. Em 2007 lançou o livro de cartuns Confesso, pela editora Cartunalha. Em 2009 escreveu e ilustrou Natureza Viva – Lendas Brasileiras, pela editora Aymará. Desde 2004 publica diariamente suas charges na Folha de Londrina e colabora com o jornal literário Rascunho. Em 2010 passou a assinar os cartuns da revista Sexy, da editora Rickdan. E-mail: marcojacobsen@uol.com.br Site: www.marcojacobsen.zip.net.
N ANI Nani é o apelido de Ernani Diniz Lucas, nascido em 1951, na cidade de Esmeraldas/MG e ganhador de prêmios em salões de humor internacionais. Aos 20 anos, começou a carreira publicando charges no jornal O Diário, de Belo Horizonte. Tem passagens pela TV Globo, onde fez charges para o Jornal da Globo; e O Pasquim, entre outras publicações. O cartunista também é autor de oito livros, entre eles Feliz e Orgulhoso e Se Arrependimento Matasse, além de criar sua própria
revista, O Nanista. E-mail: nanilucas@gmail.com Site: www.nanihumor.com
N EI L IMA
O RLANDELI Walmir Americo Orlandeli nasceu em Bebedouro/SP, em 1974. Sua primeira publicação profissional foi em 1995, no jornal Diário da Região. Uma tira em quadrinhos chamada ‘Violência Gratuita’. Já publicou em O Pasquim 21, e nas revistas Superinteressante, Bundas, Men´n Health, Você S/A, Época, Saúde. É cartunista, chargista e ilustrador do jornal Diário da Região, de Rio Preto. Também publica tiras nos jornais Folha da Região, de Araçatuba, e A Cidade, de Monte Azul. E-mail: orlandeli@orlandeli.com.br Site: www.orlandeli.com.br
S IMANCA Osmani Simanca nasceu em Santa Clara, Cuba, em 1960. Desde 1995 mora no Brasil. É graduado na Academia de Belas Artes San Alejandro e em Licenciatura em artes plásticas no Instituto Superior de Arte, em Havana. Começou sua carreira como cartunista em 1975, no jornal humorístico DDT, em Havana e já publicou em diversos veículos internacionais e recebeu diversos prêmios, entre eles o Primeiro prêmio, Desenho de humor no World Press Cartoon, em 2009. É cartunista editorial do jornal A Tarde, na Bahia. E-mail: simanca@grupoatarde.com.br Site: www.osmanisimanca.com
PRÊMIOS
Troféu Barbosa Lima é do Estadão Atos secretos do Senado dão a três repórteres a maior láurea do Prêmio Imprensa Embratel de 2010. Com a reportagem Senado usou 300 atos secretos para beneficiar amigos, os repórteres Rodrigo Rangel, Rosa Costa e Leandro Colon, do jornal O Estado de S. Paulo, foram os vencedores do 12º Prêmio Imprensa Embratel e receberam o Troféu Barbosa Lima Sobrinho, a maior premiação do evento. A matéria mostra a existência dos atos secretos do Senado e a concessão de benefícios ilegais durante a gestão de Agaciel Maia como Diretor-Geral do Senado Federal. Disputaram o Prêmio Embratel 2010 1.046 jornalistas de todo o País, com a inscrição de 1.023 trabalhos jornalísticos. Desse total, 842 concorreram nas categorias nacionais e 181 nas regionais. Conforme o regulamento, as reportagens selecionadas foram publicadas entre junho de 2009 e maio de 2010, na mídia impressa (jornal e revista) e eletrônica (tv, rádio e internet). Os 54 trabalhos selecionados como finalistas pelos jurados nacionais e regionais e as 18 reportagens vencedoras do Prêmio Imprensa Embratel 2010 foram anunciados na cerimônia de entrega da premiação, realizada em 10 de novembro no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. A ABI foi representada no ato pelo jornalista Lênin Novaes, Presidente da sua Comissão de Defesa
da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, que entregou o prêmio aos vencedores da categoria Regional Sul, jornalistas Carlos Wagner, Carlos Etchichury, Humberto Tuzzi e Nilson Mariano, do jornal Zero Hora. De acordo com os organizadores do prêmio, a avaliação das reportagens levou em conta a importância do assunto (relevância nacional ou regional), extensão da matéria, qualidade da redação e edição e o esforço despendido pelo repórter para a sua realização, assim como a repercussão e os resultados obtidos. O Prêmio Imprensa Embratel tem abrangência nacional e o objetivo de reconhecer e estimular a produção de reportagens sobre os grandes temas nacionais, veiculadas em todas as mídias, que representem uma efetiva contribuição para a inclusão social e a promoção do desenvolvimento sustentável, gerando cidadania e uma radiografia realista e construtiva do Brasil. O prêmio é patrocinado pelas leis federal e do Estado do Rio de incentivo à cultura e conta com o apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e da Associação Profissional dos Repórteres-Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro-Arfoc.
FOTOS DIVULGAÇÃO
Leandro Colon (direita) com o troféu do Prêmio Barbosa Lima Sobrinho, que recebeu das mãos de Marcello Miguel, diretor executivo de Negócio Residencial da Embratel.
OS VENCEDORES REPORTAGEM FOTOGRÁFICA Luto no afroreggae – Menino chora ao tocar na homenagem a Evandro. Repórter fotográfico Marcos Tristão, do jornal O Globo. REPORTAGEM CINEMATOGRÁFICA Traficantes derrubam helicóptero da polícia. Repórteres cinematográficos: Junior Alves e Alex Oliveira, do SBT (Foto ao lado) RÁDIO Quando a sombra cai – A história da tortura no Brasil. Repórter Sérgio Vieira, da Rádio Senado. JORNALISMO CULTURAL Inquisição – No rastro dos amaldiçoados. Repórteres: Cláudio Ribeiro, Luiz Henrique Campos, Ana Mary C. Cavalcante e Demitri Túlio, do jornal O Povo.
GRANDE PRÊMIO BARBOSA LIMA SOBRINHO Senado usou 300 atos secretos para beneficiar amigos — Caso Sarney. Repórteres Rosa Costa, Leandro Colon, Rodrigo Rangel e equipe do jornal O Estado de S.Paulo. JORNAL E REVISTA Prova do Enem vaza e Ministério anuncia cancelamento do exame. Repórteres Renata Cafardo e Sergio Pompeu, do jornal O Estado de S.Paulo.
A equipe de jornalistas do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, foi a vencedora na categoria Jornalismo Investigativo. Geneton Moraes Neto (ao lado) recebe o prêmio pelas entrevistas Os generais falam, exibidas na Globo News.
TELEVISÃO Os generais falam. Repórter: Geneton Moraes Neto e equipe da TV Globo News. JORNALISMO INVESTIGATIVO Diários secretos – Assembléia encobre metade de seus atos em diários suspeitos. Repórteres James Alberti, Kátia Brembatti, Karlos Kohlbach, Gabriel Tabatcheik e equipe de 11 repórteres do jornal Gazeta do Povo – impresso/ online e RPCTV, de Curitiba. REPORTAGEM ECONÔMICA A classe média que você precisa conhecer – Um mergulho na nova classe média. Repórteres Marcos Todeschini e Alexa Salomão, da revista Época Negócios. RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL À sombra das mangueiras do vale. Repórter Helen Martins e equipe da TV Globo. REPORTAGEM ESPORTIVA Histórias das copas. Repórter Thiago Uberreich, da Rádio Jovem Pan.
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA - VEÍCULO ESPECIALIZADO É a hora do 3D. Repórteres: Renata Leal, Luiz Cruz, Fernanda Ezabella, Juliano Barreto e Eric Costa, da revista Info-Exame. TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA – VEÍCULO NÃO-ESPECIALIZADO O poder e os riscos das redes sociais. Repórteres: Alexandre Mansur, Camila Guimarães, Bruno Ferrari, Fabiana Montes, Daniella Cornachione e Paulo Nogueira (Londres), da revista Época. REGIONAL CENTRO-OESTE Onde estão eles – Desaparecidos de Luziânia. Repórteres Ary Filgueira, Naira Trindade, Daniel Brito, Adriana Bernardes, Renato Alves, Ariadne Sakkis, Fiego Amorim, Luiz Calcagno e Marcelo Abreu, do jornal Correio Braziliense. REGIONAL NORDESTE Mãos que fazem história – A vida e a obra das artesãs cearenses. Repórteres Germana Cabral e Cristina Pioner, do jornal Diário do Nordeste. REGIONAL NORTE Serra Pelada – A vingança do ouro. Repórter Nyelsen Martins, da TV Record, de Belém. REGIONAL SUDESTE A escola como ela é. Repórter Letícia Vieira, do jornal Extra. REGIONAL SUL Os infiltrados – Os espiões que viveram nas sombras dos anos de chumbo. Repórteres Carlos Wagner, Carlos Etchichury, Humberto Trezzi e Nilson Mariano, do jornal Zero Hora.
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PRÊMIOS
Paraná ganha o Esso 2010 Equipe da Gazeta do Povo de Curitiba denunciou série de irregularidades na Assembléia Legislativa do Estado. FOTOS DIVULGAÇÃO PRÊMIO ESSO
Os jornalistas Katia Brembatti, Karlos Kohlbach, James Alberti e Gabriel Tabatcheik, com o trabalho Diários Secretos, publicado na Gazeta do Povo foram os grandes vencedores do Prêmio Esso de Jornalismo 2010. Examinado sucessivamente por duas comissões de julgamento, num total de 24 jurados, o trabalho denuncia um esquema milionário de desvio de recursos públicos na Assembléia Legislativa do Paraná. Durante dois anos de investigação, seus autores descobriram que atos do Poder Legislativo do Estado eram sonegados à população, propiciando diversos tipos de fraudes aos cofres públicos, como a existência de funcionários fantasmas e pagamento de supersalários. Apontaram até mesmo casos curiosos de nepotismo, como o de um chefe que chegou a contratar até 20 parentes. A repercussão das denúncias foi tão grande que levou à prisão dezenas de pessoas envolvidas em algum tipo de fraude. Todos os vencedores foram conhecidos, na noite de 18 de novembro, em cerimônia destinada a homenagear os finalistas do Prêmio Esso, realizada no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Foram conferidas 14 premiações, 12 das quais destinadas a contemplar trabalhos da mídia impressa, o Prêmio Esso de Telejornalismo e a distinção de Melhor Contribuição à Imprensa em 2010.
sidência Dilma Rousseff. Posteriormente, uma nova reportagem atestou, com a publicação de documentos, que cinco declarações do Imposto de Renda de Eduardo Jorge, constantes do dossiê, saíram diretamente dos sistemas da Secretaria da Receita Federal. Após uma seqüência de negativas, o próprio Secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, informou que os dados de Eduardo Jorge foram de fato acessados ilegalmente. Prêmio Esso de Fotografia
O jornalista Alexandre Vieira, do jornal O Dia, acompanhou cenas de desespero quando passava pela Avenida Brasil, na altura do bairro de Guadalupe, no Rio de Janeiro. O trabalho intitulado Faroeste Carioca exibe a seqüência chocante de imagens de um tiroteio, travado entre policiais à paisana e um suposto assaltante, que só terminou após a morte do criminoso. Segundo o jornal, dois policiais e um bombeiro estiveram envolvidos na ação em que um policial militar foi também gravemente ferido.
Prêmio Esso de Telejornalismo
O jornalista e apresentador Roberto Cabrini e equipe do SBT venceram o Prêmio Esso de Telejornalismo com a edição do programa Conexão Repórter em que é relatado o resultado de uma extensa investigação que comprovou denúncias de abusos sexuais de padres contra coroinhas ocorridos em Arapiraca, uma das principais cidades do Nordeste brasileiro. Para comprovar as denúncias, Cabrini entrevistou padres, sacristãos, coroinhas e suas famílias, obtendo imagens chocantes e confirmando que dentro daquela paróquia ocorriam abusos. Posteriormente, em entrevista ao repórter, um dos sacerdotes acusados revelou ter ele próprio abusado sexualmente de menores. Foi a primeira vez na história da Igreja Católica brasileira que o Vaticano reconheceu um caso de abuso sexual contra menores. Prêmio Esso de Reportagem
O Prêmio Esso de Reportagem 2010 foi conferido ao repórter Leonardo Souza, da Folha de S. Paulo, com o trabalho Dossiê traz dados sigilosos da receita contra Tucanos. O trabalho revelou que dados bancários e documentos fiscais sigilosos do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, foram obtidos de forma ilícita pelo chamado “grupo de inteligência” da pré-campanha da candidata à Pre40
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Comissão de Premiação
Todos os vencedores tiveram seus trabalhos escolhidos de uma lista de 38 finalistas previamente selecionados de um total de 1.215 trabalhos inscritos, sendo 522 reportagens, séries de reportagens ou artigos; 168 trabalhos fotográficos; 177 trabalhos de criação gráfica em jornal, 91 trabalhos de criação gráfica em revista e 168 primeiras páginas de jornal, além de 87 trabalhos de telejornalismo e 02 inscrições ao Prêmio de Melhor Contribuição à Imprensa. A Comissão de Premiação do Prêmio Esso de Jornalismo 2010, que julgou os trabalhos de mídia impressa (à exceção da fotografia), foi composta pelos jornalistas Beth Cataldo, Carlos Eduardo Lins da Silva, Eloá Cathi Lôr, José Márcio Mendonça e Luiz Carlos Lisboa, e esteve reunida na manhã do dia 18 de novembro, no Rio de Janeiro.
Carla Lacerda, Presidente da ExxonMobil, entregou o Prêmio Esso de Reportagem a Gabriel Tabatcheik, James Alberti, Katia Brembatti (de vermelho) e Karlos Kohlbach. Abaixo, parte da seqüência de fotos que ganhou o Prêmio de Fotografia, de Alexandre Vieira.
Quem venceu o quê É esta a relação completa dos vencedores do 010 – 5 5 anos 20 55 anos: Prêmio Esso de Jornalismo 2 PRÊMIO ESSO DE JORNALISMO 2010 Diários secretos – Assembléia encobre metade de seus atos em diários suspeitos. Katia Brembatti, Karlos Kohlbach, James Alberti e Gabriel Tabatcheik. Gazeta do Povo, Curitiba. TELEJORNALISMO Sexo, Intrigas e Poder Roberto Cabrini, Luciana Del Claro, José Dacauaziliquá, Bruna Estivalet, Márcio Ronald e Lula Andrade. SBT. REPORTAGEM Dossiê traz dados sigilosos da Receita contra Tucanos Leonardo Souza. Folha de S. Paulo.. FOTOGRAFIA Faroeste Carioca Alexandre Vieira. O Dia. INFORMAÇÃO ECONÔMICA Sem caixa, Governo segura restituições Leonardo Souza. Folha de S. Paulo.. INFORMAÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E ECOLÓGICA Artur tem um problema João Moreira Salles. Revista Piauí. ESPECIAL DE PRIMEIRA PÁGINA Ainda somos o único penta Bárbara Carvalho, Fabrício Cardoso, Edgar Gonçalves Jr., Denis Pacher, José Werner e Patrick Rodrigues.. Jornal de Santa Catarina, de Blumenau. CRIAÇÃO GRÁFICA - JORNAL Trilogia Inquisição – No rastro dos amaldiçoados Gil Dicelli. O Povo (Fortaleza). CRIAÇÃO GRÁFICA - REVISTA Edição especial morte Elohim Barros, Ricardo Calil, Lino Bocchini, Alex Cassalho, Camila Fudisaku, Thiago Bolotta, Caio Ferretti e Fujocka. Revista Trip.
Com uma sobrecapa onde se vê as letras ”HEX” riscadas e na verdadeira capa a manchete real, o Jornal de Santa Catarina recebeu o Prêmio Especial de Primeira Página. O Povo, de Fortaleza, ganhou na categoria Criação Gráfica de jornal, com a série sobre a Inquisição.
REGIONAL NORTE/NORDESTE O caminho sem volta Fred Figueiroa e Juliana Colares. Diário de Pernambuco. REGIONAL CENTRO/OESTE Nos passos de Jean Thiago Herdy. Estado de Minas. REGIONAL SUL O campo envelhece Simone Kafruni. Diário Catarinense, de Florianópolis. REGIONAL SUDESTE A escola como ela é Letícia Vieira. Jornal Extra. MELHOR CONTRIBUIÇÃO À IMPRENSA O diploma de Melhor contribuição a imprensa coube a Solano Nascimento, como autor do livro Os novos escribas, que estabelece distinções entre o “jornalismo investigativo” e o que denomina de “jornalismo sobre investigações”. Com uma análise quantitativa e qualitativa de reportagens, a obra mostra que, no final da década de 1980, 75% das matérias exclusivas com denúncias eram resultado da investigação do próprio repórter. Nos tempos atuais, duas décadas depois, as proporções quase se invertem: 70% de matérias com conteúdo semelhante têm como base investigações oficiais feitas por policiais, procuradores e outros agentes a serviço do Estado.
Leonardo Souza, da Folha de S. Paulo, recebeu dois prêmios: o de Informação Econômica, entregue pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo (foto), e o de Reportagem, com a matéria Dossiê traz dados sigilosos da Receita contra Tucanos. A revista Trip foi a grande vencedora na categoria Criação Gráfica de revista, com a matéria Michael Não Morreu.
Um prêmio e seus bastidores O segredo do sucesso da principal premiação jornalística do Brasil. POR ANTÔNIO BRASIL Ganhar o Prêmio Esso é o sonho de todos ou pelo menos de “quase” todos os jornalistas brasileiros. Mas apesar das críticas e polêmicas só há algo comparável a ganhar um Prêmio Esso: ser convidado para participar das comissões de julgamento. Este ano tive o privilégio de colaborar na escolha do Prêmio Esso de Telejornalismo. Estou lisonjeado. O Prêmio Esso tem uma longa trajetória de sucesso. Segundo o jornalista Paulo Oliveira, “a idéia de criar no Brasil um prêmio de jornalismo inspirado no Pulitzer norteamericano foi do jornalista Ney Peixoto do Valle, que convenceu a Esso Brasileira de Petróleo a patrocinar um certame que se tornaria sinônimo de qualidade jornalística”. O próprio Ney Peixoto explica: “O Prêmio surgiu da necessidade de estabelecer uma ponte entre a empresa e os jornalistas em virtude do exacerbado nacionalismo que existia na época contra as empresas estrangeiras de petróleo”. A confiança do grupo quanto a sua idoneidade e seriedade em termos de procedimentos de seleção e julgamento dos concorrentes. Ou seja, no Brasil de hoje, Esso não é mais sinônimo de poderosa empresa de petróleo norte-americana. Significa qualidade em Jornalismo. É a mais alta consagração para o repórter e para a reportagem. Oscar do jornalismo
Desde 1955, o Prêmio Esso é festejado como patrimônio dos jornalistas brasileiros. Naquele ano, havia uma única categoria de premiação, conquistada por Ubiratan de Lemos e Mário de Moraes com a reportagem “Uma tragédia brasileira: os paus de arara”, publicada na revista O Cruzeiro. Os problemas não
mudam. Mas pelos menos um dos personagens dessa reportagem se tornou presidente da República. Mas esta é uma outra história. Desde então, segundo a empresa, concorreram ao Prêmio Esso mais de 27 mil trabalhos jornalísticos. O prêmio converteu-se no principal item dos currículos de importantes jornalistas brasileiros como Tim Lopes, Ricardo Kotscho, Juarez Bahia, Chico Otávio, Eliane Brum e Sérgio D’Ávila, entre tantos outros. Guardada as proporções, o Prêmio Esso de Jornalismo é algo comparável ao Oscar para o cinema norte-americano. O Prêmio Esso de Reportagem, nome original, reforçou a personalização do texto jornalístico, destacando o indivíduo-autor como objeto de mérito e reconhecimento público. Seria uma enorme contribuição para o fim do anonimato. O bom repórter é o repórter conhecido, que por sua vez é o repórter premiado no Prêmio Esso. O repórter premiado é o melhor repórter: eis a equação que até hoje a organização do prêmio quer fazer valer. Magias, heróis e rituais
Para revelar os bastidores da premiação, além de recorrer à minha própria experiência na comissão de julgamento do Prêmio Esso de Telejornalismo deste ano também recomendo o novo livro da antropóloga Candice Vidal e Souza, Repórteres e Reportagens no Jornalismo Brasileiro (248 pp, FGV Editora, Rio de Janeiro, 2010). A obra é excelente. Trata-se de mais um exemplo do que procuro conceituar como Antropojornalismo (Ver no Observatório da Imprensa o texto “Uma ajuda para vencer a crise”): um jornalismo investigativo que utiliza a metodologia etnográfica e a pesquisa de campo da Antropologia para revelar o mundo contemporâneo. Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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PRÊMIOS PARANÁ GANHA O ESSO 2010
A primeira reportagem vencedora do Prêmio Esso: Uma tragédia brasileira: os paus-de-arara, de Ubiratan de Lemos e Mário de Moraes, publicada na revista O Cruzeiro.
Em seu livro, Candice descreve o mundo dos jornalistas pelo viés da magia, dos heróis e dos rituais. O jornalismo é a magia ou mana, o repórter é o herói e o ritual é a cerimônia de premiação do Prêmio Esso. A própria autora esclarece: “No Prêmio Esso, quem exerce as funções de agentes rituais são os componentes das comissões julgadoras. Eles sim, apesar da não oficiarem a cerimônia de entrega dos prêmios, são aqueles especialistas que realizam as práticas mágicas, por serem os responsáveis pela concessão da nova identidade aos concorrentes vencedores, que encarnam a autoridade de realizar a investidura de seus pares. O seu prestígio e reconhecimento como os “sábios” do meio jornalístico dota-os de uma qualidade mágica – o mana – que distribuem no ato de escolha dos melhores”. Boicotes e ameaças
Mas qual é o segredo do longo sucesso, da magia do Prêmio Esso no jornalismo brasileiro? Desde criança assistia ao Repórter Esso na velha TV Tupi. Esso era sinônimo de jornalismo de qualidade. Primeiro no rádio com o grande Heron Domingues e depois na tv, com Gontijo Teodoro. O Repórter Esso era o ponto de encontro das famílias brasileiras com o noticiário da noite. Sonhava em participar do mundo da tv e do jornalismo. Foi uma longa trajetória de jovem cinegrafista e repórter cinematográfico a correspondente internacional, professor de jornalismo e agora membro de comissão de premiação do Prêmio Esso de Telejornalismo. A comissão deste ano também foi constituída pelas colegas Ana Gregati e Denise Barreto. Foi uma experiência maravilhosa. Pude assistir a uma seleção de boas matérias do jornalismo do SBT, da Record e da Bandeirantes. O nível das reportagens era altíssimo. Mas, infelizmente, como já era de se esperar, a Rede Globo não participa do Prêmio Esso. Não mais. Diz ter suas razões. No passado, conforme descreve o jornalista Pedro Oliveira “boicotes e ameaças viraram armas das empresas jornalísticas e produziram ações que 42
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revelam a vontade dos editores em influenciar na escolha”. Pena. Apesar de ser a consagração do repórter e da reportagem, o Prêmio Esso também se tornou arma poderosa na guerra de audiência. O trabalho das comissões de seleção e julgamento precisa ser protegido e valorizado. Aventura, risco e dificuldade
Nos últimos anos, fui o mediador da premiação do Prêmio Esso de Telejornalismo organizada pelo amigo Nelson Hoineff, diretor do Instituto de Estudos de TV (IETV). Mas este ano pude participar dos bastidores da premiação como membro da comissão julgadora organizada pelo jornalista e empresário Ruy Portilho. Confirmei as impressões da colega antropóloga. Apesar do clima descontraído entre os jornalistas que participam das reuniões das comissões de julgamento, é evidente a forma criteriosa de avaliação dos trabalhos apresentados. São analisadas a qualidade da reportagem, a presença do repórter, a riqueza do texto e das imagens, a eficiência da produção e da edição final das melhores matérias de nossas redes de tv. Costumam prevalecer as matérias mais longas, investigativas e polêmicas. No passado recente, Tim Lopes e Monica Puga receberam o maior prêmio do telejornalismo brasileiro. De uma forma ou de outra, o Prêmio Esso mudou definitivamente a carreira desses jornalistas. A premiação ou consagração se torna o principal item do currículo do jornalista. Infelizmente, nem todos sobrevivem. Reportagem e sacerdócio
Este ano o grande vitorioso em uma das categorias mais nobres, o telejornalismo, foi o experiente repórter Roberto Cabrini com Sexo, Intrigas e Poder, exibido no SBT. Ele apresentou extensa investigação que comprovou denúncias de abusos sexuais de padres contra coroinhas ocorridos em Arapiraca, uma das principais cidades de Alagoas. Para comprovar as denúncias, Cabrini entrevistou padres, sacristãos, coroinhas e suas famílias, obtendo imagens chocantes e confirmando que dentro daquela paróquia ocorriam abusos. Pos-
teriormente, em entrevista ao repórter, um dos sacerdotes acusados revelou ter ele próprio abusado sexualmente de menores. Foi a primeira vez na história da igreja católica brasileira que o Vaticano reconheceu um caso de abuso sexual contra menores. A matéria teve grande repercussão internacional. Na cerimônia de premiação, o repórter Cabrini agradeceu emocionado a vitória. Falou das dificuldades do exercício do jornalismo investigativo, das ameaças e intimidações que o profissional sofre. Disse que o sofrimento das pessoas molestadas por religiosos, a maioria crianças, passaria a ser considerado com mais atenção, do momento em que o trabalho foi destacado no Prêmio Esso. E concluiu se perguntando se todo o sacrifício para realizar uma matéria como aquela valia a pena, para ele mesmo responder: “Sim, vale a pena”. Solidário, o jornalista do SBT também lembrou dos colegas: “Em nome de toda a equipe, obrigado de coração pelas palavras de carinho em relação ao Prêmio Esso. É uma vitória de todos nós. Do jornalismo do SBT, da equipe do Conexão Repórter e de vocês que sempre nos incentivam a continuar em frente. Uma vitória de todos que acreditam que o jornalismo é uma das eficientes formas para a criação de uma sociedade mais justa a partir da conscientização. Essa é nossa missão, esse é nosso sacerdócio”, disse. Roberto Cabrini é um excelente repórter e mereceu finalmente a consagração do Prêmio Esso. A matéria é ao mesmo tempo chocante, sensacional e relevante. Mais do que tudo, comprova que há vida fora do jornalismo da Rede Globo. E os repórteres cinematográficos?
Os vencedores do Prêmio Esso de Jornalismo 2010 foram anunciados na noite de 18 de novembro, em cerimônia realizada no Copacabana Palace, no Rio. Foram entregues 14 prêmios, 12 para trabalhos na mídia impressa, a distinção de Melhor Contribuição à Imprensa em 2010 e Prêmio Esso de Telejornalismo. O Prêmio Esso de Jornalismo, principal distinção da noite, foi concedido à série de reportagens Diários Secretos, do jornal Gazeta do Povo, do Paraná. Merecidíssimo. Em sua longa história e apesar das polêmicas, o prêmio teve um recorde de 1.215 trabalhos inscritos nas 12 categorias em 2010. O futuro pode ser incerto, mas o prestígio continua em alta. Em meio à crise de identidade do jornalismo, apesar das críticas dos poderosos e dos golpes contra os direitos de seus profissionais como o famigerado fim da obrigatoriedade do diploma, a sobrevivência do Prêmio Esso confirma a força da reportagem e a qualidade do jornalismo brasileiro. Agora só falta mesmo desfazer uma grande injustiça. Sugiro lançar em 2011 o Prêmio Esso de Telejornalismo na categoria Repórter Cinematográfico. Não custa sonhar. Publicado originalmente no site do Observatório da Imprensa.
arlos Jorge Guidacci da Silveira, mais conhecido como Guidacci, usou seus cartuns e charges mordazes contra a Ditadura, publicando alguns de seus desenhos mais acintosos no Pasquim. Sofreu, por isso, dois processos baseados na Lei de Segurança Nacional – num deles, devido à charge Achado não é roubado, publicada na edição Mar de Lama do famoso semanário, que, obviamente, foi apreendido. Na época, o cartunista andava, como todas as cabeças pensantes que ousavam atirar contra os milicos, com a pulga atrás da orelha e sempre atento a novos processos, censuras e possíveis perseguições. Morando há muitos anos nas Laranjeiras, numa ocasião Guidacci passava pela Rua Pereira da Silva quando percebeu que uma viatura da Polícia Militar se aproximava. Meio ressabiado, resolveu ignorar e seguiu seu destino. Enquanto caminhava olhava meio de lado e via que eles continuavam próximos alguns metros atrás. Guidacci resolveu apressar o passo, mas percebeu que a viatura também fizera o mesmo. Mesmo desconfiado, continuou caminhando. De repente, a patrulha ficou ao lado do chargista que continuava seguindo sem encarar seus perseguidores. Então, um dos policiais pôs a cabeça para fora da janela e gritou: “Professor! Há quanto tempo, hein!”. Com as pernas bambas, o desenhista olhou espantado e viu que se tratava de um de seus ex-alunos. Guidacci atuou no Senac como professor de desenho entre 1969 a 1995, e por sua sala de aula passaram centenas de jovens dispostos a aprender a arte do desenho. Muitos não seguiam a carreira artística e enveredavam por outros caminhos, mas dificilmente esqueciam a maneira divertida e carismática do professor. Para alívio de Guidacci, o ex-aprendiz de desenhista que virou policial também não o esqueceu, e ao reconhecê-lo nas ruas resolveu cumprimentá-lo, e o que parecia mais uma missão da repressão contra um “subversivo”, não passou de uma quase piada. Guidacci trabalhou como professor de desenho por 26 anos. Muitos dos profissionais que atuam no mercado editorial e publicitário passaram por sua sala de aula. Nomes como Arthur Fróes, Celso
C
Os amigos e cartunistas Nani (autor do roteiro do álbum), Nei Lima, Guidacci e Sandro Dinarte, também editor da Ygarapé, se encontraram na Lapa para o lançamento de Camisa Preta.
LANÇAMENTO
O traço acintoso de Guidacci O desenhista, cujos traços não têm meias palavras, lança álbum em quadrinhos em parceria com Nani. POR ZÉ ROBERTO GRAÚNA Matthias, Cisko Diz, Mega, Nei Lima, Paulo Cavalcante, Pazelli, Rê Martins, Sandro Dinarte, Vilachã, Vitor Vanes, Woyames, Ykenga, Zé Andrade, entre outros. Além disso, atuou como desenhista de humor em algumas das mais importantes publicações do Rio de Janeiro. Seu início se deu no semanário O Pasquim, por ocasião do concurso “Abre Alas”, e foi lá que Guidacci desenhou algumas das mais provocantes charges da imprensa da época. Parte desses desenhos foram publicados no livro Não Faça Tragédia, com divertido texto de apresentação de Jaguar que registrou: “Sempre pedia para ver os desenhos de Guidacci antes de mandar para a gráfica. O cara, naqueles tempos bicudos, era chave de cadeia... Quem olha não diz. Caladão, olho verde, tranqüilo, jeito de professor de latim. Um pequenino enganador”. Nascido no dia 29 de agosto de 1939, em Manaus, o artista estudou pintura na Escola Nacional de Belas-Artes, entre os anos de 1956 e 1960, e aprendeu gravura em metal no Museu de Arte Moderna-Mam. Além de O Pasquim, seus desenhos foram publicados em O Globo, Opinião, Última Hora, Jornal do Brasil, O Bicho, Pingente, Repórter, Status, Mad, Homem, Nova, Inter Quadrinhos, Bundas, Verve e Jornal do Commercio.
Uma obra de fôlego: Camisa Preta
DIVULGAÇÃO
Aos 71 anos, o cartunista continua produzindo com fôlego de menino. Em 2009, foi o curador da mostra de videografismo do 2º Festival Internacional de Humor do Rio de Janeiro, mostrando que é um artista atualizado. Mesmo sem abandonar o papel, as tintas e os pincéis, Guidacci é hábil com as ferramentas digitais, e vem desenvolvendo uma série de vídeos de humor, mesclando desenhos e fotografias. Recentemente lançou pela Ygarapé o álbum de histórias em quadrinhos Camisa Preta, a primeira de uma série de títulos que o editor Sandro Dinarte pretende colocar no mercado para atender ao público adulto, carente de roteiros mais ousados. Mesmo dominando com maestria as modernas ferramentas digitais, Guidacci elaborou toda a quadrinização de Camisa Preta sem auxílio do computador. Os leitores mais atentos perceberão que até as legendas dos diálogos e narrativas foram desenhadas à mão livre. Aliás, para as falas de cada personagem Guidacci desenhou um tipo diferente de letra, caracterizando a entonação da voz de cada um de forma a instigar a imaginação do leitor. Os desenhos dispensam maiores comentários. O traço tipicamente agressivo e marcante do desenhista mostra a maturidade do artista e se encaixa com perfeição na criativa e ousada diagramação das cenas. Todos os desenhos foram produzidos com tinta nanquim, por meio de canetas, bico de pena e pincel.
O álbum apresenta três aventuras do malandro Camisa Preta escritas por Ernani Diniz Lucas, o Nani, outro destacado cartunista dos tempos do Pasquim, cujos divertidos textos casam perfeitamente com os desenhos de seu colega. A ótima apresentação da obra ficou por conta de Marco Carvalho, conhecido cartunista que atuou no Jornal do Brasil e no Pasquim, e é o autor do livro Feijoada no Paraíso – A Saga de Besouro, o Capoeira, que conta a história de Manoel Henrique Pereira e deu origem ao filme Besouro, do diretor João Daniel Tikhomiroff. Durante a noite de lançamento do álbum Camisa Preta, o editor Sandro Dinarte, da Yagarapé, informou que sonha com a possibilidade de lançar
a história de Besouro em quadrinhos, coisa que já está sendo esboçada por Guidacci. É aguardar para ver. Existe uma canção intitulada Camisa Preta, de autoria do cantor e compositor Luiz Ayrão, cuja letra diz: Eu queria ver a Lapa sendo novamente a Lapa Mas sem rabo de arraia, sem pernada e sem tapa Malandragem só na rima, no repente e no pincel De poeta, de pintor, de violão e menestrel Quem esteve presente ao lançamento do álbum de Nani e Guidacci percebeu claramente que a famosa localidade carioca pode mesmo ser a Lapa cantada por Luiz Ayrão, de poetas, pintores, desenhistas; enfim, dos artistas.
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CULTURA
A Imprensa Oficial não é mais aquela... ...e isso é uma boa notícia, pois, além de dar mais transparência à administração pública, tem fomentado a cultura e resgatado a História com novos serviços e publicações. FOTOS FRANCISCO UCHA
POR M ARCOS STEFANO Há mais de 200 anos, ela é responsável por registrar alguns dos mais importantes momentos da História nacional. Nas páginas que saíram de suas prensas, o Brasil foi elevado à categoria de Reino, divulgou-se a proclamação da Independência, a Lei do Ventre Livre, a extinção da escravidão, outra proclamação, a da República, a instituição da liberdade religiosa e a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Mas nem mesmo Dom João VI, que aproveitou as comemorações de seu aniversário, em 13 de maio de 1808, para criar a Impressão Régia – atual Imprensa Nacional –, poderia imaginar que ela e as demais casas publicadoras oficiais, criadas posteriormente pelos governos dos diversos Estados, pudessem, dois séculos mais tarde, transformar-se em guardiões da cultura e da História do País com um perfil bastante diferenciado de publicações e que vão bem além dos tradicionais diários oficiais. Um dos maiores exemplos desse novo momento vem de São Paulo. Desde quando surgiram no Brasil, essas imprensas tinham como objetivo oficializar os atos governamentais, inicialmente com a Gazeta do Rio de Janeiro e, após a proclamação da República, já em 1892, com o Diário Oficial, cujo modelo foi copiado pelos diversos Estados. Para a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, esse nobre objetivo de democratizar e perenizar os atos da administração pública continua a ser o principal motivo de sua existência, mas não mais o único. Com pesados investimentos em tecnologia e renovada visão gerencial, a empresa tem ajudado a recuperar a memória brasileira, digitalizando publicações e documentos históricos, e fomentar a cultura nacional, com a edição de livros e coleções sobre literatura, episódios marcantes da História de São Paulo e do Brasil, cinema, teatro, televisão, jornalismo e biografias das mais variadas personalidades. Criada em 1891, a Imesp é hoje a maior das imprensas oficiais brasileiras, com um faturamento que no ano pas44
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Desde o primeiro Diário Oficial (abaixo) às edições de hoje, a Imesp percorreu um longo caminho tecnológico e passou a investir também em lançamentos de livros. Hubert Alquéres comemora: “Conseguimos superávit financeiro, mostrando que cultura dá dinheiro.”
sado chegou a 300 milhões de reais. Dar transparência à administração pública paulista continua no topo de seus valores, mas desde a década de 1970 sua área editorial produz edições fac-similares de livros e publicações especiais associadas a organismos do Governo estadual. Durante os anos 90, ganharam ênfase as parcerias com as principais editoras universitárias do País e com instituições sem fins lucrativos. Mas foi em 2003, com a criação da editora, que a publicação de livros ganhou um núcleo próprio. Investimen-
tos no parque gráfico transformaram a empresa não somente na mais moderna dentre as imprensas oficiais do Brasil, mas também numa das publicadoras com tecnologia mais avançada do País, permitindo a diversificação do perfil de sua linha editorial. “Hoje, a Imesp é uma sociedade anônima que tem o Governo de São Paulo como seu maior acionista. Nos últimos anos, conquistamos 39 prêmios Jabuti, distinção mais importante da literatura nacional, outorgada pela Câmara Brasileira do LivroCBL, o que atesta esse investimento na excelência gráfica. Mas não concorremos com o setor privado. Entramos nas lacunas do mercado editorial. Mesmo assim, em 2009, por exemplo, conseguimos um superávit financeiro expressivo, mostrando que cultura dá, sim, dinheiro”, comemora Hubert Alquéres, atual Diretor-Presidente da Imesp. Memória virtual Essa notável expansão chega num momento em que o Diário Oficial paulista, pelo menos em sua edição impres-
sa, está com os dias contados. Por conta da migração da publicação para a internet, as tiragens impressas são cada vez menores e a previsão é de que, a médio prazo, seja quase inteiramente virtual. Os exemplares em papel serão exceção. Passo decisivo para essa realidade foi dado pela Imesp em 2008, quando todo o acervo foi digitalizado e colocado na rede mundial. Ao todo são mais 15 milhões de páginas, mas qualquer informação pode ser consultada por data ou palavra-chave. Digitalizar documentos tem sido uma das principais estratégias adotadas pela empresa nessa nova fase. Em parceria com órgãos públicos estaduais, como o Arquivo Público, a Assembléia Legislativa, a Junta Comercial e a São Paulo Previdência, além de diversas Prefeituras, a Imprensa Oficial têm digitalizado e disponibilizado milhões de páginas de documentos históricos, desde atas e projetos de lei a mapas, fotografias, pinturas e até edições completas de revistas e jornais que marcaram época na imprensa brasileira, como Última Hora, de Samuel Wainer, O Malho e Movimento. Já a área de livros e publicações se concentra em obras de referência, mas que não são necessariamente acadêmicas. É o caso da Coleção Aplauso, que conta a História do cinema, da televisão, do teatro, da dança e da música nacional. São mais de 260 títulos com biografias e perfis dos principais atores e autores, roteiros de filmes, peças, a trajetória das emissoras de televisão, críticas e discussões sobre temas como o cinema digital e o futebol na Sétima Arte. Ao abordar histórias de vida com a conjuntura política e econômica do Brasil nas últimas décadas – assuntos inseparáveis ao se falar de cultura –, o resultado é um mergulho na realidade de diversas épocas. Este investimento na formação de um retrato histórico do Brasil fez a Imesp deixar de lado gêneros como a poesia e a ficção. O mesmo não se pode dizer das artes plásticas, da pintura, da fotografia e da arquitetura. Seja em obras próprias, seja em coedições, esses temas juntam-se a outros, da ecologia ao urbanismo, passando por importantes momentos e eventos históricos, como as Revoluções de 1924 e 1932, em São Paulo, e os principais movimentos de imigrantes que forjaram a identidade brasileira. Outro destaque são os livros sobre jornalismo. Alguns, mais acadêmicos, como Suplemento Literário: Que Falta Ele Faz. Outros, com tons biográficos, falando sobre personagens e veículos importantes em tempos recentes da imprensa brasileira. A temática é tão ampla quanto variada e não se restringe ao território nacional. No catálogo da editora há obras com textos e imagens sobre a bomba atômica lançada na cidade de Hiroshima, no Japão, em 1945; com pinturas do acervo do Museu da Solidariedade Salvador Allende, fundado pelo líder chi-
A gráfica da Imprensa Oficial conta com os mais modernos equipamentos de impressão. Mas a casa editorial já está preparada para os novos suportes digitais: na Bienal do Livro deste ano, o estande da empresa já apresentou diversos títulos preparados para a leitura nos mais diferentes tipos de leitores, como o Amazon Kindle.
leno em 1972; e até uma homenagem ao astrônomo e biólogo norte-americano Carl Sagan, falecido em 1996 e considerado um dos mais notáveis divulgadores da ciência moderna. Durante a última Bienal Internacional do Livro, realizada em agosto, na capital paulista, um dos estandes mais concorridos foi o da Imprensa Oficial. Lá, a editora mostrou aquilo que deverá ser sua principal aposta para os próximos anos: buscar novas plataformas para as publicações, inclusive na internet. Mesmo com todos os investimentos feitos em sua gráfica, que fica na tradicional região da Mooca, e na abertura de cinco livrarias próprias, o livro digital é encarado como uma excelente ferramenta para atrair a juventude. Se não para as publicações sobre artes, ao menos na educação, área em que a Imesp tem desenvolvido produtos interativos e atraentes. Enquanto esse futuro não chega, a empresa está colocando a Coleção Aplauso na rede mundial de computadores. Em seu site, já há 170 títulos que podem ser lidos ou baixados gratuitamente. “A editora é a face mais visível de nosso trabalho, mas há muito mais sendo feito. Nossa tarefa é identificar novas tendências. Acredito que, finalmente, estamos cumprindo a vocação para a qual a Imesp foi criada: promover a cultura e resgatar a história e os valores de nossa nação. Somos oficiais, mas não oficialescos. Tanto que, em cada coleção, temos conselhos editoriais, com a participação de representantes da sociedade civil, que nos ajudam a dar direcionamento ao trabalho”, comemora Alquéres, lembrando que as boas notícias não estão restritas a São Paulo: “Nos últimos anos, por meio da troca de experiências, parcerias e as atividades da Associação Brasileira de Imprensas Oficiais-Abio, outras imprensas de Estados como Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, só para ficar em alguns exemplos, estão fazendo um trabalho igualmente relevante que, acredito, vai revolucionar o mercado editorial brasileiro nos próximos anos.”
Ousadia, diversidade e qualidade Com centenas de títulos publicados, a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo mostra que investir em cultura dá lucro:
BILAC, O JORNALISTA: CRÔNICAS E ENSAIOS Em três volumes, o professor de Letras Antônio Dimas, da Universidade de São Paulo, reúne as crônicas e escreve ensaios sobre o engajado jornalista, considerado um dos principais artífices da luta pela democracia e pela modernização do Brasil.
21 CONTOS INÉDITOS Numa coedição entre a Editora UnB, Fundamar e Imesp, Túlio Vieira da Costa organiza e publica escritos inéditos que o jornalista e político Carlos Lacerda produziu durante o exílio imposto pelo Governo militar.
RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL A obra faz um amplo diagnóstico do circuito do livro e da leitura no País, em um contexto posterior à Lei do Livro, de 2003.
RESMUNGOS Livro do Ano no Prêmio Jabuti de 2007, a obra reúne as crônicas que o poeta e jornalista Ferreira Gullar publicou no jornal Folha de S. Paulo, em 2005, com ilustrações originais de Antônio Henrique do Amaral (Ver matéria no Jornal da ABI, Edição 357)
CAIXA MODERNISTA
Nesta biografia, o jornalista Daniel Piza apresenta de maneira única e precisa o genial autor de Dom Casmurro no contexto social e histórico do Rio de Janeiro que transitava do Segundo Reinado para a República.
MUSEU DA SOLIDARIEDADE – SALVADOR ALLENDE
O movimento de 1922 é retratado em textos, fotos, escritos e publicações originais, selecionadas por Jorge Schwartz e reproduzidas nesse verdadeiro “arquivo portátil”, repleto de raridades.
A obra documenta parte do acervo de mais de 2 mil pinturas deste importante museu chileno, criado em 1972 pelo líder socialista Salvador Allende. Foi lançado junto com a exposição trazida ao Brasil em 2006.
ARQUITETURA DO CAFÉ O livro recupera uma parte da História do Brasil ao reunir as crônicas dos “barões” do café ao lado de figuras, fotos, desenhos, mapas, gravuras e uma vívida reconstrução das grandes fazendas e do complexo agroindustrial brasileiro em fins do século XIX e começo do XX.
CORREIO BRAZILIENSE OU ARMAZÉM LITERÁRIO
imprensa cultural do final dos anos 1950 e começo dos anos 1960.
CLARICE: FOTOBIOGRAFIA A vida e a obra de Clarice Lispector são contadas em 800 imagens e reproduções de documentos – boa parte inéditos.
VOZES DA DEMOCRACIA
Em coedição com a organização não-governamental Intervozes, o livro faz um registro inédito das experiências e das propostas desenvolvidas pela sociedade civil SAUDADES DE ROSA E SERTÃO para democratizar a comunicação no Brasil. Admirador da obra de Guimarães Rosa, o fotógrafo Germano Neto passou meses no Parque Nacional UMA HISTÓRIA DA TV CULTURA Com fotos e depoimentos de Grande Sertão Veredas e lá personagens, Jorge da Cunha Lima encontrou Manuelzão, reconstrói a trajetória da emissora personagem vivo de Rosa. Os pública paulista. Além dela, há textos e legendas são igualmente também volumes sobre a Excelsior, marcantes graças à sensibilidade a Tupi, a Manchete e a Gazeta. de Adélia Bezerra de Menezes. Reprodução do primeiro jornal brasileiro, editado entre 1808 e 1822, por Hipólito José da Costa.
O historiador Marco Antônio Villa recompõe o cenário – e o campo de batalha – da Revolução Constitucionalista ocorrida em São Paulo.
COLEÇÃO IMPRENSA BRASILEIRA Verbetes biográficos formam um dicionário organizado por José Marques Melo de personagens que se destacaram na imprensa brasileira nos últimos dois séculos.
COLEÇÃO IMPRENSA EM PAUTA
A coleção é composta por mais de 60 números já publicados e que trazem fotos, pinturas e textos sobre artistas, autores, literatura, cultura brasileira e até a criação da Impressão Régia, em 1808.
Lançada com o objetivo não somente de falar sobre a trajetória de grandes jornalistas brasileiros, mas também de traçar um panorama da imprensa brasileira. Até agora, já foram publicados os volumes sobre Juca Kfouri, Roberto Müller Filho, Paulo Francis e Tinhorão (Ver matéria no Jornal da ABI, Edição 353)
FLORESTA TROPICAL ÚMIDA
JORNAL EX
Origem e constituição das florestas tropicais, inclusive no Brasil, são apresentadas nesta obra de referência pelo Professor Henri Puig, da Universidade Pierre et Marie Curie, de Paris.
Fac-símile com toda a coleção do histórico Jornal EX-, uma das mais importantes publicações alternativas de resistência à ditadura militar.
REVISTA DA BIBLIOTECA MÁRIO DE ANDRADE
1932: IMAGENS DE UMA REVOLUÇÃO
MACHADO DE ASSIS: UM GÊNIO BRASILEIRO
obteve em 2008 o Prêmio Jabuti (Ver matérias no Jornal da ABI, Edições 341 e 351).
A LUTA PELA ANISTIA COLEÇÃO APLAUSO
Criada em 2004, para resgatar a memória cultural brasileira a partir do teatro, do cinema, da televisão, da dança e da música, já tem mais de 260 títulos entre biografias produzidas por SUPLEMENTO LITERÁRIO: jornalistas, críticas, crônicas e QUE FALTA ELE FAZ! roteiros comentados. A biografia Elizabeth Lorenzotti conta a trajetória do Suplemento Literário de Raul Cortez: Sem Medo de se O Estado de S. Paulo, considerado Expor, de Nydia Lícia, é uma de suas obras mais representativas e a mais importante referência da
Em 21 textos, esta coletânea organizada por Haike Kleber da Silva, Diretora do Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa do Arquivo Público do Estado de São Paulo, discute a história da campanha que levou à anistia em 1979, além de questões atuais como a punição aos torturadores, os bastidores de ações como a Operação Condor, indenizações e a abertura dos arquivos da ditadura militar.
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ACERVO PESSOAL
Edison Nequete, jornalista, poeta, ator O jornalista, poeta, escritor, diretor de teatro e ator Edison Curie Nequete planejava mudar-se para Porto Alegre, onde nasceu, a fim de passar lá os últimos dias de vida, já que era solteiro e não tinha qualquer parente no Rio de Janeiro. Associado da ABI, na qual ingressou em 18 de junho de 1968, quando exercia a função de redator da Rádio Jornal do Brasil, ele não pôde realizar este sonho ou desejo: dias depois ele faleceu no Posto de Assistência Médica de Irajá, um hospital público, de causa não identificada. Nascido em 27 de julho de 1926, Edison Nequete foi professor de teatro na sua cidade natal. Sua incursão no jornalismo se deu no Rio de Janeiro, na década de 1960, onde trabalhou no Diário de Notícias e como redator na Agência Nacional, no programa A Voz do Brasil, e exerceu a mesma função na Rádio JB. No início dos anos 70, Nequete, além do trabalho na Agência Nacional, atuava como redator Na Onda Certa, da Rádio Mundial, um programa dirigido para o público jovem. Além disso, fazia o noticiário da edição da meia-noite do jornal O Seu Redator- Chefe, também no Sistema Globo de Rádio. Foi também redator, cronista e colaborador do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. “O Nequete tinha um excelente texto, principalmente para o rádio”, disse o jornalista Marcelo Auler, da Sucursal Rio do Estadão, que o conheceu no Sistema Globo de Rádio, em 1973: “Nós nos conhecemos com ele me mostrando a dureza do jornalismo e tentando me fazer desistir de exercer a profissão de jornalista. Recentemente Nequete me procurou pedindo ajuda e eu e outros colegas tentamos ajudá-lo, inclusive com uma internação”, disse Marcelo Auler, lamentando a morte do amigo. No campo das artes, além do teatro, Edison Nequete se lançou na música como letrista no início dos anos 1950, quando teve seus versos escritos em castelhano musicados pelo compositor erudito gaúcho Natho Henn. Uma das músicas da dupla foi incluída no repertório do tenor Mário de Oliveira e executada várias vezes pela Orquestra da Rádio Farroupilha, na época dirigida pelo Maestro Manso. No mesmo período teve outro poema musicado por Lilá Rippol.
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Jorge de Salles ao lado de seu amigo, Nássara, numa foto da década de 1980
Kuck e Saroldi se foram no mesmo dia
Jorge de Salles, o visionário POR ZÉ ROBERTO G RAÚNA Um dos mais inquietos artistas de sua geração, Jorge Carlos de Salles era conhecido como um exemplo de superação e persistência. Aos 21 anos, ao pegar carona num caminhão, sofre um sério acidente rodoviário e tem suas duas pernas amputadas. Suas limitações físicas parecem ter instigado este carioca nascido em Copacabana a fazer de sua vida uma missão totalmente dedicada às artes. Poucos agitadores culturais realizaram uma quantidade tão grande de eventos quanto realizou este consagrado artista que, além de se dedicar à criação de exposições comemorativas, era também talentoso escultor, cartunista, ótimo aquarelista e professor universitário. Fundador do Atelier Carioca de Humor, é impossível deixar de citá-lo quando o assunto é a História da Caricatura no Brasil. Jorge foi o idealizador de algumas das mais significativas exposições de humor gráfico a partir dos anos 1980, além de um número incontável de pequenas exposições e eventos alternativos em diversas galerias de artes e espaços culturais. Inesquecível a belíssima mostra realizada no Rio Design Center, que homenageou o centenário do genial caricaturista J. Carlos, em 1984, contando com a participação de alguns dos nossos maiores desenhistas de humor, entre eles Alvarus, Borjalo, Caulos, Chico Caruso, Fortuna, Jaguar, Juarez Machado, Lan, Mendez, Miguel Paiva, Millôr, Nássara, Paulo Caruso, Zélio e Ziraldo. Outra exposição que fez enorme sucesso aconteceu, em 1987, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, e homenageou o caricaturista e compositor Nássara ainda em vida, contando com desenhos de uma seleta lista de experientes cartunistas brasileiros como Appe, Borjalo, Ique, Lapi, Liberati, Luscar, Nani, Mollica, Otelo, Redi, entre outros. Na época dessa homenagem, Nássara concedeu uma entrevista ao cartunista Amorim publicada no tablóide O Ignóbil e afirmou ao encerrar seu depoimento: “Jorge de Salles é o maior agitador cultural do Brasil. Tenho dito!”. Pouca gente se lembra, mas Jorge de Salles é também o criador do Salão Ca-
rioca de Humor, cuja primeira edição aconteceu em 1988, na Casa de Cultura Laura Alvim. Foi dele a idéia de acentuar a palavra Rio na expressão Carioca, criando uma marca que foi usada por muitos anos, mesmo após seu afastamento do evento. Preterido pela direção da Laura Alvim, Jorge de Salles levou para o Museu de Arte Moderna a idéia de realizar o 1° Salão Carioca Internacional de Humor, evento que aconteceu com enorme sucesso em 1991. Em 1994, quando das comemorações do Centenário do Futebol no Brasil, o artista foi o curador da mostra Humor no Futebol, que foi realizada no Centro Cultural dos Correios, sendo também uma das exposições paralelas do 21° Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Ainda em 1994, o artista assume a direção do Centro Cultural Veiga de Almeida e realiza uma série de exposições por mais de 10 anos seguidos. Atua também no Espaço Cultural Corcovado, onde exibe, entre outras mostras, uma exposição de esculturas em metal e aquarelas, marcando as homenagens dos 100 anos do vôo do 14 Bis, de Santos Dumont, em 2006. Seu último evento, a exposição em homenagem ao centenário do caricaturista e compositor Nássara, estava sendo planejado quando, há aproximadamente dois meses de sua realização, Jorge de Salles sentiu-se mal e procurou auxílio médico, sendo internado num hospital em Ipanema, para passar por um procedimento cirúrgico devido a um problema cardíaco. Na manhã de 1° de novembro, não resistiu a complicações pósoperatórias e faleceu sem ver sua tão sonhada exposição dedicada aos 100 anos de seu amigo Nássara. Jorge de Salles morreu aos 61 anos, deixando um filho, Marcos Salles, de 19 anos. Durante a missa de 7° dia, realizada na Igreja da Ressurreição, em Copacabana, um dos amigos da Universidade Veiga de Almeida leu emocionada carta assinada por Millôr Fernandes afirmando que Jorge de Salles era um visionário que sempre fez questão de enaltecer a obra dos artistas mais jovens e de nunca esquecer daqueles veteranos quase sempre abandonados pela mídia.
O jornalismo sofreu um golpe duplo com a morte dos jornalistas Cláudio Renato Kuck e Luiz Carlos Saroldi, na madrugada no dia 16 de novembro. Em mais de 40 anos de carreira, Kuck teve passagem por grandes veículos de imprensa do País. Foi correspondente internacional em Londres e responsável por entrevistas históricas. Enquanto que Saroldi marcou época na Rádio JB, nos anos 70. Renato Kuck era sócio da ABI desde 1976. Ele estava internado há dois meses no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, por conta de uma cirrose hepática. Nascido na capital gaúcha em 1942, ele começou sua carreira na década de 60, no Diário de Notícias e na TV Piratini. Trabalhou também nos jornais Folha de S.Paulo, Gazeta Mercantil e O Globo, e na TV Globo. Morou em Londres por cinco anos, como correspondente da Folha e do Globo. Lá nasceram seus dois filhos, Ivan, de 33 anos, e Denis, de 30 anos. Vencedor do Prêmio Esso de 1972, o jornalista foi responsável por entrevistas com personagens históricos, como Fidel Castro e Luís Carlos Prestes, além de Caetano Veloso e Gilberto Gil quando ambos estavam no exílio. O corpo do gaúcho de 68 anos, torcedor do Internacional, foi cremado na tarde do dia 17 de novembro, no Crematório Metropolitano São José, em Porto Alegre. Luiz Carlos Saroldi foi produtor e redator da Rádio Jornal do Brasil, tinha câncer e recuperava-se de uma cirurgia feita três dias antes de morrer, aos 79 anos, devido a uma parada cardíaca após contrair uma pneumonia. Saroldi fez sucesso como produtor e apresentador do programa “As dez mais de sua vida”, que ia ao ar na Rádio JB, de 22h às 24h, no início dos anos 70. Foi professor de teatro na Uerj e de radialismo na UFRJ, no qual recebeu o título de mestre em Comunicação e Cultura. Durante a carreira, ganhou prêmios como o Golfinho de Ouro, do Museu da Imagem e do Som/RJ, em 1980. Atuou também na Rádio Nacional e na Rádio MEC, e coordenou a série “O rádio no Brasil” a convite da BBC de Londres. Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, que trabalhou com Saroldi nos anos 80 na Rádio JB, se recorda da relação com o radialista: “Era um profissional muito sério, que conhecia e gostava muito de rádio, o que é importante. Era muito profissional, tinha um ótimo diálogo e conversava sempre de maneira profissional, suave e respeitosa com todos”. O corpo de Luiz Carlos Saroldi foi sepultado no dia 17 de novembro, no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro.
Vidas
Moacir Werneck: além de jornalista, intelectual de peso Uma perda grave para o jornalismo e a cultura do País. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
W A carreira
Moacir Werneck de Castro iniciou a atividade profissional no jornalismo como redator da Revista Acadêmica, da antiga Faculdade Nacional de Direito, e Diretrizes, de Samuel Wainer. Antes disso, fez rápido estágio no Jornal do Povo, que teve uma circulação meteórica de dez dias, em outubro de 1934, quando foi fechado por causa da repercussão das matérias do repórter Adão Pereira Nunes sobre as conseqüências da rebelião de marinheiros, conhecida como a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910, liderada por João Cândido. Em relato no livro Europa 1935, Moacir conta que oficiais da Marinha integralistas ficaram furiosos com a exaltação que o jornal fazia de João Cândido e seqüestraram Aparício Torelly, “que teve a cabeça raspada e foi solto de cuecas na Floresta da Tijuca”. Durante a Segunda Guerra Mundial, Moacir foi redator do serviço de imprensa da Interamericana de Publicidade. A partir de 1945 e até 1954, redator dos jornais Tribuna Popular e Imprensa Popular. Em 1955, fundou, com Jorge Amado e Oscar Niemeyer, o jornal Para Todos – Quinzenário de Cultura Brasileira. De 1957 a 1971 foi redator-chefe de Última Hora e colaborou com vários jornais e revistas do País. Até recentemente, foi articulista semanal do Jornal do Brasil e do Jornal da Tarde, de São Paulo. Moacir Werneck de Castro foi também assessor editorial da Encyclopedia Britani-
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Na quinta-feira 25 de novembro o Brasil perdeu um dos seus maiores jornalistas e intelectuais, dono de uma cultura invejável, de que haverá poucos de sua envergadura no País: aos 95 anos, vítima de pneumonia, morreu às 9h45min, na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, o jornalista e escritor Moacir Werneck de Castro. Seu corpo foi cremado no sábado, às 14h30min, no crematório do Cemitério do Caju. A ABI prestou-lhe homenagem na sessão do Conselho Deliberativo de novembro, realizada no dia 30, com a presença de parentes, amigos e admiradores do seu ilustre associado. Moacir Werneck de Castro ingressou na ABI em 31 de julho de 1945 e durante longo período, a convite de Barbosa Lima Sobrinho, Presidente da Casa, integrou o Conselho Administrativo da entidade, transformado em Conselho Deliberativo após a reforma determinada pelo Novo Código Civil. entre seus companheiros em sucessivos mandatos estavam, entre outros, Hélio Fernandes, Murilo Melo Filho, João Saldanha e Fernando Segismundo. Seu primeiro contato com a ABI aconteceu em 1934, após um episódio de violência policial contra um sindicato de trabalhadores, cuja assembléia ele cobria na sua primeira missão jornalística como foca do Jornal do Povo, de orientação comunista, cujo proprietário era Aparício Torelly, o Barão do Itararé. Sobre esse episódio Moacir Werneck de Castro contou que passou por um “corredor polonês” e foi espancado juntamente com alguns trabalhadores e levado preso por agentes da Polícia Especial, cuja sede funcionava na Rua da Relação. A notícia da sua prisão no exercício da profissão de jornalista foi relatada por seu irmão Luiz Werneck de Castro em uma carta endereçada ao então Presidente da ABI, Herbert Moses, solicitando providências para localização do seu paradeiro e a sua soltura. Moses atendeu prontamente ao pedido e articulou a libertação de Moacir. Em seguida ele escreveu a Luiz Werneck reiterando “o desejo da ABI de auxiliá-lo em tudo o que for necessário, prestando ao seu irmão toda assistência e solidariedade”. Moacir Werneck de Castro foi solto, mas ao recordar o fato comentou: “Em conseqüência fui posto em liberdade. Mas o rótulo ominoso ficou, pelos anos afora, registrado no meu habeas data”.
“Um jovem subversivo”
O fato está relatado no livro Europa 1935, no qual ele conta a história “dos seus vinte anos”, período em que era estudante de Direito “sem a certeza de vir a ser advogado”, desiludido com uma breve experiência no Fórum. “O jornalismo, em que eu ensaiava os primeiros passos, era o que mais me seduzia”, escreveu Moacir Werneck de Castro no primeiro capítulo da obra intitulado “Um jovem subversivo”. Neto e bisneto de senhores de escravos, Moacir Werneck de Castro lamentava o fato de ter nascido no Rio de Janeiro, no Município de Barra Mansa, em 28 de fevereiro de 1915. Desde cedo demonstrava o gosto pelos assuntos políticos, e por causa do engajamento familiar adquiriu por herança dos pais e dos irmãos as idéias de contestação e justiça social. Mas o despertar de Moacir pelo socialismo se deu quando tinha 17 anos e estava ingressando na Faculdade Nacional de Direito. Ali ele se filiou a uma organização chamada Federação Vermelha de Estudantes, que funcionava em um prédio da Rua do Carmo. A Federação, revelou Werneck, era uma espécie de linha auxiliar da Juventude Comunista, na qual ele nunca chegou a se engajar. Foi assim que Moacir Werneck de Castro iniciou o seu “curso jovem de subversivo”. O jornalista Villas-Bôas Corrêa considera que a morte de Moacir Werneck de Castro deixa “muitos buracos na imprensa brasileira”; “Moacir era uma da figuras mais importantes do jornalismo brasileiro. Eu não convivi com ele no diaa-dia das Redações, porque ele era mais analista e comentarista e eu fazia coisas diferentes, mas era sem dúvida um dos nomes importantes da imprensa, pelo exemplo de caráter e de conduta e que tinha uma política definida que defendeu até o fim”, disse Villas-Bôas Corrêa. O mesmo pensamento a respeito de Moacir Werneck de Castro tem o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho, que disse que o admirava justamente pela fidelidade que ele tinha às suas idéias. “Ele foi fiel até o fim aos seus ideais socialistas, um homem que nunca recuou um milímetro das suas convicções”, disse Murilo. Contou Murilo Melo Filho que se aproximou de Moacir Werneck de Castro quando este atuava no Conselho Deliberativo da ABI, mas somente há pouco tempo é que teve uma aproximação maior com o escritor e jornalista.
ca do Brasil (1972-1987), tendo participado da elaboração da Enciclopédia Mirador Internacional. Com Antônio Houaiss, fez a revisão crítica dos originais do Dicionário de Ciências Sociais, da Unesco, publicado no Brasil pela Fundação Getúlio Vargas. Obras
Moacir Werneck de Castro sempre foi ligado à cultura; nessa área, além da sua produção literária, foi membro do Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Escreveu os livros Dois Caminhos da Revolução Africana; O Libertador - A Vida de Simon Bolívar, traduzido para o espanhol em edição da Universidade de Caracas; Mário de Andrade – Exílio no Rio, ensaio sobre o período em que conviveu com o autor de Macunaíma, no Rio de Janeiro, de 1938 a 1941, seguido de cartas que lhe foram dirigidas por esse escritor. Escreveu também A Ponte dos Suspiros, coletânea de artigos; O Sábio e a Floresta e Missão na Selva, biografias, respectivamente, do naturalista Fritz Müller e do engenheiro Emil Odebrecht, pioneiros da colonização alemã em Santa Catarina; A Máscara do Tempo – Visões da Era Global. Traduziu inúmeros livros, entre os quais O General em seu Labirinto e Do Amor e Outros Demônios, de Gabriel Garcia Márquez, e Aventuras de uma Negrinha Que Queria Conhecer Deus, de Bernard Shaw. Colaborou Maria da Glória Lampreia.
Jornal da ABI 360 Novembro de 2010
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DARYAN DO RNELLES/FO LHA IMAGEM
POR MARCOS DE CASTRO "Lembro dele a postura calma, a voz Descendente de barões, não lhe ficava sempre mansa, os gestos comedidos, o afeto mal começar com um barão, ainda que de pseudônimo, o Barão de Itararé (Apamanifestado sem alarde." Moacir Werneck de Castro, morto no rício Torelly), que em 1934 fundara no dia 25 de novembro, escreveu isso so- Rio o Jornal do Povo. Moacir em sua pribre o pai em Europa 1935 - Uma Aven- meira missão foi cobrir uma assembléia tura de Juventude (Rio de Janeiro, Re- de operários e acabou preso. O jornal do cord, 2000). O que valia para o pai, barão não iria além dos dez dias de vida, porém, é o melhor retrato dele mesmo, a experiência da prisão Moacir iria retanto é verdade que as coisas se repetem petir por duas vezes no Estado Novo de de uma geração para outra. Quem foi vi- Getúlio, regime ditatorial que o Brasil sitá-lo no Leblon, na última fase de sua iria conhecer de 1937 a 1945. Uma trinvida, sabe bem disso, a fala sempre cheira contra a ditadura em que Moamansa na conversa sempre agradável — cir combateu foi o jornal Diretrizes, funmais que isso, encantadora —, um ligei- dado por Samuel Wainer. Os barões do Império, não os de ficro cicio a marcar-lhe as sibilantes. Costumava dizer, nos últimos tem- ção, estavam nas raízes familiares de pos, que era um “sobrevivente”. Quem Moacir, neto do Visconde de Arcozelo vive 95 anos há de conhecer inevitavel- (a magnífica sede de sua fazenda ainda pode ser visitada, permente essa sensação no “LEMBRO DELE A tinho de Pati) e bisneto fim da vida. Todos os do barão de Pati do Alfevelhos amigos do coraPOSTURA CALMA, A ção já tinham ido, entre VOZ SEMPRE MANSA, res. Pois com tal ascendência Moacir foi parar eles é preciso contar o inseparável quarteto mi- OS GESTOS COMEDIDOS, no Partido Comunista, neiro Oto Lara Resende, O AFETO MANIFESTADO para o qual entrou oficialmente em 1947, no moFernando Sabino, Paulo SEM ALARDE.” mento em que o Governo Mendes Campos e Hélio Pellegrino; e haverá outros, muitos Dutra cassou-lhe oficialmente a exisoutros, como Rubem Braga, Vinícius de tência, depois de dois breves anos de Morais, Antônio Calado, Jorge Amado existência legal. Lembrava sempre a (que a ele dedicou alguns romances), ironia de Jorge Amado (eleito deputaquase todos os ícones da cultura bra- do federal pelo assim chamado Partidão sileira de uma geração que floresceu na em 1945): “Que hora, hein! Logo no mosegunda metade do século XX. Moa- mento da clandestinidade é que você cir era realmente um sobrevivente, um entra para o Partido!” A filiação durou nove anos: ficou no doce sobrevivente a estender os olhos por quase um século da vida brasilei- Partidão oficialmente até 1956, quanra, do melhor da vida brasileira, não dro Kruschov denunciou os crimes stalinistas. Moacir estava no auge, talvez, será errado dizer. Começou a trabalhar em jornal com de sua vida de jornalista, através do 19 anos – e o começo foi tumultuado. quinzenário de cultura Paratodos, que
fundara com o mesmo Jorge Amado e com Oscar Niemeyer, em 1955. Tratava-se de um jornal realmente representativo da cultura brasileira e Moacir, além de fundador, era um de seus colaboradores mais ativos. Depois dessa fase passou para a Última Hora, jornal de Samuel Wainer que apoiava o Governo de Getúlio Vargas, já então eleito pelo povo numa eleição consagradora, em 1950. O inimigo número 1 de Getúlio era Carlos Lacerda, em cujo jornal Tribuna da Imprensa a oposição ao Governo era violenta e virulenta. Estavam os dois primos, Moacir Werneck e Carlos Lacerda (Carlos Frederico Werneck de Lacerda), em fronteiras diferentes, mas por essa época já estava rompida uma longa amizade que vinha da adolescência. A última fase de sua vida profissional Moacir viveu-a como articulista do Jornal do Brasil, sempre uma delícia de artigo, esperado semanalmente por velhos e novos admiradores. No fim dos anos 1990, o Jornal do Brasil andou caloteando os seus colaboradores e Moacir escreveu a seu amigo Wilson Figueiredo, figura importante do JB, um “obituário” engraçadíssimo em que ameaça cometer “o tresloucado gesto de atear fogo às vestes em frente da ABI” diante da falta de meios de sobrevivência em que o deixava o JB. Não ateou, felizmente. A ele se pode desejar hoje, como ele desejou a Vinícius de Morais naquele citado obituário, “que o tenha em seu celeste abrigo o Deus em que ele, coitado, não acreditava”. Mas Deus certamente o recebeu até com alguma gala festiva, pois se tratava de um homem bom.