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Retrato em preto-e-branco de MAZZAROPI, um sofisticado travestido de caipira

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

A BRIL 2012

MUNIR AHMED

LIBERDADE DE IMPRENSA

Décio Sá, mais um jornalista silenciado PÁGINA 28

ROMANCE

Jurandyr Noronha enche a sua ficção de realidade PÁGINA 18

DEPOIMENTO

O Apolinho Washington há meio século no ar PÁGINA 20

MEMÓRIA

Anselmo Duarte: só ele foi consagrado em Cannes PÁGINA 30

UMA DOR QUE NÃO PODE SER SILENCIADA! Professor que foi torturado pela ditadura militar diz que o regime de exceção repetiu a brutalidade sempre presente na História nacional. PÁGINA 3 PÁGINA 3

VIDAS MIKE WALLACE


EDITORIAL

DESTAQUES

TERROR SEM LIMITES MAURÍCIO AZÊDO

03 E SPECIAL - Os horrores da tortura nos porões da ditadura - Parte 2 ○

O JORNAL DA ABI ENRIQUECE com esta edição o conjunto de reportagens e entrevistas que produziu e publicou em sua Edição 376, de março passado, para demonstrar com abundância e precisão de pormenores crimes cometidos pelos agentes da ditadura militar 1964-1985, que não podem ser recobertos pela penumbra do esquecimento de que falava o escritor argentino Júlio Cortázar, em razão da dimensão numérica que esses delitos alcançaram e da crueldade com que foram consumados. Nunca se prendeu, torturou e se matou tanta gente quanto nessas duas décadas de terror sem limites, nem se conheceram precedentes em nossa História de tanta brutalidade, tanta impiedade e tanto desprezo pela criatura humana. Como comunidade, o Brasil viveu um horrível e doloroso pesadelo. UM DOS ENTREVISTADOS DESTA Edição 377, o Professor Rubim de Aquino, uma das vítimas da repressão desapiedada, lembra sem rancor que a violência contra os despossuídos, oprimidos e contestadores é um dos fortes traços da nossa evolução histórica, que se deu sem a cordialidade enaltecida por pensadores da importância de Sérgio Buarque de Holanda e sem a harmonia de classes tão exaltada por um estudioso da respeitada qualificação de Gilberto Freyre. Aquino arrola um sem-número de exemplos que comprovam a sua afirmação ao longo de séculos. Nossa História tem sabor amargo e marcas de sangue.

AO PUBLICAR ESTE INVENTÁRIO parcial dos crimes da ditadura, como outros que mereceram a necessária ênfase em nossas páginas, a ABI quer mais uma vez reafirmar seu empenho em que esses crimes ignominiosos sejam revelados em toda a sua inteireza, através de investigações cuja efetivação se afigura tardia, pela condescendência com que os autores de tantas torpezas foram e ainda são tratados. Com os torturadores não pode haver transigência, nem perdão, nem esquecimento, como equivocadamente entendeu há dois anos o Supremo Tribunal Federal, acatando uma infeliz proposta do então Ministro Eros Grau. COMO SUSTENTOU EM RECENTE sessão o Conselho Deliberativo da Casa, uma providência que se reclama é a constituição imediata da Comissão Nacional da Verdade, criada por lei sancionada em novembro passado e até agora, passados cinco meses, carecedora do interesse do Governo em fazer que a vontade do legislador, refletindo um clamor nacional, passe de simples declaração no papel para a realidade das ações concretas.

11 MEMÓRIA - Uma visita inesperada, por Rodolfo Konder ○

13 DOCUMENTÁRIO - Risos e palmas para João Saldanha ○

14 PUBLICAÇÃO - A Columbia Journalism Review agora no Brasil ○

15 R EFLEXÕES - A Arte e seu repentino clarão, por Fábio Lucas ○

16 TELEVISÃO - Há vida inteligente no telejornalismo brasileiro ○

18 L ANÇAMENTO - Romance de Jurandyr Noronha faz um passeio pela História ○

20 DEPOIMENTO - Fala, Apolinho! ○

30 MEMÓRIA - A Palma de Anselmo Duarte ○

LEONARDO VILLAR E GLÓRIA MENEZES EM O PAGADOR DE PROMESSAS, DE 1962.

NESTE MÊS DE ABRIL FAZ 48 anos que se instalou no País a ditadura militar que promoveu tantos crimes e semeou tanta dor e luto. Não há por que esperar mais para fazer justiça aos que morreram e àqueles que sobreviveram ao reinado de terror implantado no mais funesto 1º de abril da nossa existência nacional. MAZZAROPI EM O VENDEDOR DE LINGUIÇAS, DE 1961.

O OLHAR DE DALCIO

Publicado no Correio Popular, de Campinas (SP) em 22 de abril.

33 I MPRENSA - Todas as cores da notícia ○

34 C ENTENÁRIO - Mazzaropi, o jeca virou cult ○

36 DEPOIMENTO - Renato Teixeira ○

38 M ÚSICA - Conjunto Época de Ouro: 50 anos promovendo o choro ○

41 RELATÓRIO DA D IRETORIA - Um ano de ações da ABI em defesa da liberdade e da ética na vida pública ○

SEÇÕES 120 A CONTECEU NA ABI Assembléia aprova por aclamação o Relatório da Diretoria 2011-2012 ○

28 L IBERDADE DE I MPRENSA A morte de Décio Sá, o 5º jornalista assassinado desde fevereiro de 2011 ○

29 D IREITOS H UMANOS Uma Comissão da Verdade já em atividade na Câmara ○

40 V IDAS Mike Wallace ○

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MUNIR AHMED

ESPECIAL

OS HORRORES DA TORTURA NOS PORÕES DA DITADURA PARTE 2

“A VIOLÊNCIA É UMA CONSTANTE NA HISTÓRIA DO BRASIL” As violências praticadas pela ditadura militar 1964-1985 são a prova de que é um mito a propalada versão, tão repetida até parecer que é verdadeira, de que o brasileiro é um ser cordial, afirma o historiador Rubim de Aquino. POR ARCÍRIO GOUVÊA NETO ubim Santos Leão de Aquino, ex-preso político, professor, sindicalista, ex-Vice-Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, comentarista de política da Rádio Bandeirantes e escritor, com diversos livros editados sobre os anos da ditadura militar no Brasil, sendo o último Um Tempo Para Não Esquecer, analisa nesta longa entrevista os diversos organismos oficiais de implantação da tortura no País e revela seus autores e parte de suas vítimas. Diz ele: “Um dos mitos existentes a respeito da sociedade brasileira refere-se ao ser pacífico que é o homem brasileiro. Sempre repetida pelos seguidores da História oficial, só que essa afirmativa é falsa e de tanto ser martelada nas escolas e universidades acaba por passar como verdadeira. Na verdade, a violência foi uma constante na evolução da nossa sociedade. Estava presente no extermínio dos índios pelos portugueses; existiu no tratamento dado aos escravos africanos, arrancados de suas

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terras de origem a ferro e fogo, no sofrimento nos navios negreiros e depois nas mãos dos senhores de terras. Era habitual no Brasil Colônia e no Império a prática de atrocidades contra os de baixa condição social. A justiça colonial, ao condenar eventuais rebeldes, usava uma expressão que nos intriga como historiadores: ‘Portanto, condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, a que seja conduzido pelas ruas públicas ao local da forca e nela morra morte natural para sempre’. Morrer de morte natural era morrer sem torturas. Embora não houvesse tortura – pelo menos na hora do enforcamento – a sentença determinava fosse a cabeça de Tiradentes cortada e exposta em local público de Vila Rica (atual Ouro Preto) com o seu corpo dividido em quatro quartos pregados em poste pelo caminho de Minas Gerais. E o que é pior, contra outros movimentos de contestação ao regime vigente, adotou-se usualmente prática semelhante. JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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ALCYR CAVALCANTI

ESPECIAL OS HORRORES DA TORTURA NOS PORÕES DA DITADURA

o conhecido e terrível pau-dearara, tão amplamente utilizado nos porões da ditadura militar? Pois bem, esse aparelhinho, que a ditadura brasileira até exportou para uso em outros países, foi criado no século XVII pelos riquíssimos oligarcas Garcia D’Ávila para punir os escravos na Bahia. A prática de cortar a cabeça dos adversários derrotados, usada por militares na Guerrilha do Araguaia, vem de longe. Antônio Moreira César, coronel do Exército e comandante da terceira campanha contra Canudos, era conhecido pela alcunha de Corta-Cabeças. Esse cognome devia-se ao fato de haver mandado cortar a cabeça de mil adversários vencidos na Revolução Federalista (1893-1895). Aplicou a usual gravata vermelha, quando, da cabeça cortada, a língua pendia, como se fora uma gravata. Esses exemplos, e eu poderia citar centenas, caminharam lado a lado com a História do Brasil. Assim, não é surpresa nenhuma que antes do golpe militar policiais e militares fossem enviados para fazer no exterior cursos de tortura e interrogatório. Esses cursos funcionavam na Academia Internacional de Polícia, em Washington, ou no quartel do Forte Gullick, no Panamá. Havia ainda outros quartéis nos Estados Unidos, como o Forte Bragg, o Forte Leavenwort e o Forte Benning. O primeiro professor norte-americano de tortura a chegar ao Rio de Janeiro, em 1960, chamava-se Daniel A. Mitrione, que também atuou em Belo Horizonte. Mais conhecido por Dan Mitrione conseguiu importar ‘instrumentos de trabalho’ no valor de 100 mil dólares. O Coojornal de novembro de 1979 tem uma matéria que diz em um certo trecho: ‘Os Estados Unidos gastaram dois bilhões de dólares para treinar e equipar forças policiais brasileiras a partir de 1964, através de um programa da Agência Internacional para o Desenvolvimento. O programa, coordenado pela Secretaria de Segurança Pública, já propiciou treinamento a cem mil policiais, 1/6 dos efetivos policiais do Brasil’. Com relação à Escola das Américas, o General Hugo Abreu diria: ‘Em fins de 1970, enviamos um grupo de oficiais do I Exército à Inglaterra para aprender o sistema inglês de interrogatório. O método consistia em colocar o prisioneiro em uma cela sem qualquer contato com o mundo exterior. Os carcereiros eram instruídos a deixar o prisioneiro até 18 ou 24 horas sem alimentos; depois dava-se o almoço e, após uma hora, o jantar’. Constituía-se em uma técnica de desestruturação psicológica, inclusive com o prisioneiro perdendo a noção do tempo em que vivia. O desequilíbrio psicológico era de tal monta que o prisioneiro ficava fragilizado ao ser interrogado. Esse sistema inglês foi introduzido entre nós pelo General Sílvio Frota, então Comandante do I Exército. Apesar disso, Frota ganhou fama de ser contrário a torturas nos presos políticos. Ao

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todo, durante o regime militar, foram 310 tipos de torturas, físicas e psicológicas. Torturadores brasileiros foram identificados atuando no Uruguai, no Chile e no Paraguai, por ocasião dos golpes. Isso, antes mesmo da Operação Condor, criada oficialmente em 1974. É preciso deixar claro que nem todos os torturadores foram pessoas marcadas por um sadismo congênito. Essa é uma idéia simplista. Na verdade, em geral, constituíam-se de pessoas comuns que agiam a serviço de uma política de Estado. Eram motivados freqüentemente pela possibilidade de obter recompensas diversas: medalhas, prêmios, gratificações, promoções. Eram pessoas que rotineiramente mergulhavam nas práticas de sevícias ao preso, chegando mesmo a ficar insensíveis aos gritos de agonia das vítimas selvagemente torturadas. A Folha de S. Paulo publicou no dia 4 de maio de 2008 uma entrevista com o General francês Paul Aussaresses, que afirmou ter sido instrutor de torturas

AO TODO, DURANTE O REGIME MILITAR, FORAM 310 TIPOS DE TORTURAS, FÍSICAS E PSICOLÓGICAS. TORTURADORES BRASILEIROS FORAM IDENTIFICADOS ATUANDO NO URUGUAI, NO CHILE E NO PARAGUAI , POR OCASIÃO DOS GOLPES.

ISSO, ANTES MESMO DA OPERAÇÃO CONDOR.

para oficiais brasileiros no Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus, no ano de 1975. A professora de História Derlei Catarina de Luca descobriu nos arquivos do Dops do Paraná um documento confidencial intitulado Interrogatório, emitido pelo Gabinete do Ministro do Exército, General Orlando Geisel, no Governo Médici (1969-1974). Esse documento confirmava efetivamente que a tortura era utilizada como instrumento da política de repressão contra os que se opunham ao regime. Um artigo do Jornal do Brasil de 10 de dezembro de 1978 registra: ‘Primeiro torturavam-se aqueles que combatiam o regime de armas na mão e praticavam atos terroristas. Depois, aqueles que por qualquer meio lhes foram solidários. Em seguida, os que tinham qualquer ligação, ainda que pessoal, com subversivos. Esgotada essa área, quando o espectro da tortura já rondava a sociedade política do País, utilizava-se qualquer pista para atemorizar jornalistas, intelectuais, estudantes universitários e políticos. Qualquer um podia ir preso e, preso, qualquer um podia ser torturado’.

Aquino: O pau-de-arara foi criado no século XVII na Bahia para punição dos escravos.

UM SERVIÇO FEDERAL ENGAJADO NAS TORTURAS

Um marco importante no contexto a serviço da repressão no Brasil foi a criação do Serviço Federal de Informações e Contra Informações, o Sfici. Ele era teoricamente subordinado ao Conselho de Segurança Nacional e foi montado pelo Coronel Humberto de Souza Melo, pelo Major Geraldo Knock, pelo Capitão Rubens Bayama Denys e pelo Delegado da Polícia Federal José Henrique Soares. Todos os quatro estiveram em Washington, às expensas do Governo norte-americano e recebendo a orientação do funcionamento da Central Inteligence Agency (Cia) e do Federal Bureau of Investigation (FBI) em sua obsessão anticomunista. Ao retornar ao Brasil, os quatro contaram com a assessoria de Alfred Pease, agente da Cia, que permaneceu no Rio de Janeiro por mais de um ano. Duas das quatro subdivisões do Sfici, a Subseção de Segurança Interna (SSSI) e a subseção de Operações (SSOP) encarregavam-se de vigiar pessoas e entidades mediante os mais variados métodos para cumprir suas missões. Em 1961, o Sfici passou a contar em suas fileiras com o Coronel Golbery do Couto e Silva. A 29 de novembro de 1961, passou a funcionar oficialmente o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), que teve Golbery como um dos seus principais dirigentes. O Ipes se posicionava frontalmente contra o Governo João Goulart, ao mesmo tempo que apregoava reunir homens de negócios e intelectuais civis e militares a favor da internacionalização da nossa economia, além de receber generosos recursos financeiros da Embaixada dos Estados Unidos, então dirigida por Lincoln Gordon. Um dos órgãos mais abomináveis criados pelo regime militar foi o Serviço Nacional de Informação (SNI). De lá saíram dois Presidentes da República: os Generais Emílio Garrastazu Médici e João Batista Figueiredo. O General Otávio de Aguiar Medeiros, que também dirigiu o SNI, estava escalado para ocupar a Presidência da República, mas seu envolvimento em escândalos frustrou

suas ambições. Na prática, o SNI, apelidado de Serviço Nacional da Intriga, converteu-se em uma agência de espionagem dos cidadãos. Seu principal idealizador foi o General Golbery do Couto e Silva, que ao deixar o Gabinete da Presidência da República, em 1981, declarou: ‘Criei um monstro’. O SNI chegou a utilizar cerca de 200 mil homens em todo o País e se tornou o núcleo central do Sistema Nacional de Informações e Segurança. Até ser extinto no Governo Collor (1990-1992), conseguiu acumular portentoso arquivo com fichas de mais de 250.000 pessoas, contendo informações sobre ‘atividades subversivas’, ‘comportamento suspeito’ ou envolvimento em ‘transações ilícitas’.

CENIMAR: UMA HIDRA COM MUITAS CABEÇAS

O Serviço Secreto da Marinha foi um dos mais eficientes, preservados e sigilosos órgãos de informações e repressão da ditadura militar. Sua existência era pouco conhecida, raramente aparecendo na mídia. Inspirou-se em um modelo inglês e suas operações eram tão camufladas que nem o comandante e nem a tripulação de embarcações da Marinha de Guerra conheciam quem era o agente secreto do Cenimar a bordo. Com o tempo, formou-se a tradição de que esses agentes eram traidores da corporação e ao serem conhecidos tornavam-se impopulares na tropa. Sua central de operações encontrava-se no quinto pavimento do prédio do Ministério da Marinha, no Rio de Janeiro. O Cenimar chegou a fazer ações de repressão juntamente com a equipe do Delegado Sérgio Fleury, além de atuar em centros clandestinos de tortura de presos políticos. O Cenimar pode ser comparado à mitológica Hidra de Lerna: um monstro dotado de muitas cabeças, cujo hálito pestilento matava as pessoas. Nesse pavimento de que falei, no Ministério da Marinha, ficava o local onde eram torturados os que tinham a infelicidade de cair nas garras dos esbirros do Cenimar. Esse órgão, de fato, sem estardalhaço, obteve resultados produtivos que infligiram devastadoras baixas nas fileiras das orga-


MUNIR AHMED

CHOQUES ELÉTRICOS, BOFETÕES, TELEFONE, nizações guerrilheiras adversárias da ditadura militar. Um dos seus comandantes foi o Contra-Almirante Joaquim Januário de Araújo Coutinho Neto. Choques elétricos, bofetões, telefone, sabão em pó nos olhos e inúmeras outras atrocidades eram aplicadas pelos elegantes homens de branco, que fora dali pareciam lordes isentos de qualquer suspeita. Os torturadores faziam questão de serem chamados de Doutor, embora a quase totalidade não tivesse cursado nenhuma universidade. Sabe-se que inúmeros haviam cursado apenas a Escola das Américas.

UMA SUCURSAL DO INFERNO: OS PORÕES DO SERVIÇO SECRETO DA AERONÁUTICA

to Soares de Freitas, os três também da VPR, os quais, após serem seviciados no Paraíso, foram levados para a Casa da Morte, em Petrópolis. Nesse antro do holocausto acabaram assassinados. Nesse paraíso do inferno cheirando a sangue, entre tantos, morreu Stuart Edgard Angel Jones. Stuart foi torturado durante todo o dia 14 de junho de 1971. À noite, com o corpo coberto de esquimoses, foi amarrado à traseira de um jipe da Aeronáutica, com o rosto próximo ao cano de descarga do veículo, e arrastado pelo pátio interno. Segundo o depoimento de outros presos políticos daquela unidade de torturas e assassinatos, por algum tempo ouviu-se a voz, cada vez mais fraca, de um Stuart martirizado e agonizante, até escutarem os comentários dos guardas do Cisa: ‘Stuart já era, virou comida pra peixe’. A estilista Zuzu Angel, mãe de Stuart, acabou assassinada em 14 de abril de 1976, embora a versão oficial tenha sido desastre de automóvel. Antes disso, ela moveu céus e terras, buscando seu filho. Fazia um roteiro todos os dias, idêntico ao que faziam milhares de mães pelo Brasil, numa cena patética de uma Divina Comédia Tupiniquim. Para ela Virgínia Valli fez estes versos, que acabaram dedicados também a todas as outras mães: Procurei-o e não o encontrei, Vou levantar bem cedo e correr toda a cidade. Nas ruas, nas praças, vou procurar aquele que meu coração busca. Procuro e não o encontro. Só gente armada vigiando a cidade. Mas eu pergunto: viram aquele que meu coração busca? Zuzu Angel foi lembrada também por Chico Buarque, na música Angélica: Quem é essa mulher Que canta sempre esse estribilho Só queria embalar meu filho Que mora na escuridão do mar.

E INÚMERAS OUTRAS ATROCIDADES ERAM APLICADAS PELOS ELEGANTES HOMENS DE BRANCO, QUE FORA DALI PARECIAM LORDES ISENTOS DE QUALQUER SUSPEITA.

O CIE, DO EXÉRCITO: UMA TERRÍVEL FORÇA REPRESSIVA

FOLHAPRESS

O ensandecido anticomunista Brigadeiro João Paulo Moreira Burnier recebeu do Presidente Artur da Costa e Silva a incumbência de montar o Serviço Secreto da Aeronáutica, principalmente por ter feito cursos na Escola das Américas. Coube a Burnier, por algum tempo, comandar esse órgão, que funcionava na Base Área do Galeão. Em 1970, foi batizado com o nome de Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa). Também dispunha de arquivo a respeito de cidadãos considerados suspeitos, de centros legais de tortura e assassinato de presos e realizava pesquisas sobre questões diversas, disso resultando relatórios ou não. Em junho de 1975 o Cisa encaminhou ao SNI o seguinte documento: “Se o governo não dispuser ou não puder utilizar os instrumentos adequados à neutralização dessas organizações de esquerda é possível que, em futuro próximo, repressão violenta tenha de ser empregada, sob condições ainda mais adversas, como aconteceu no Chile e na Argentina, ou estaremos correndo o risco de uma revolta, aparentemente, para a restauração das liberdades democráticas, mas terminando sob o domínio comunista, como aconteceu em Cuba e em Portugal.” Pelos porões dessa sucursal do inferno passaram muitos presos políticos. Nem todos saíram com vida. Poucos foram removidos para a Casa da Morte, em Petrópolis, ou para a Polícia do Exército, onde acabaram trucidados ou perderam a vida. Seus integrantes, dotados de uma ironia de picadeiro de circo de quinta categoria, batizaram-no com o angelical nome de Paraíso. Por lá passaram Liliana Wainberg, do MR-8, barbaramente torturada, que teve os ossos da bacia quebrados. Macabro fim tiveram Gerson Theodoro de Oliveira, Maurício Guilherme da Silveira e Ivan Mota Dias, todos da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e Celso Gilberto de Corajosa e inconformada, a estilista Zuzu Angel denunciou o assassinato de seu filho Stuart em exposição de moda Oliveira, Antônio Joaquim de que fez nos Estados Unidos. Foi também assassinada. Souza Machado e Carlos Alber-

SABÃO EM PÓ NOS OLHOS

Durante o Governo do General Artur da Costa e Silva criou-se o Centro de Informações do Exército (CIE), idealizado pelo então Ministro do Exército Aurélio de Lyra Tavares. As chefias dos Generais Milton Tavares de Souza (19691974) e Confúcio Danton de Paulo Avelino Pamplona (1974) transformaram o CIE em uma terrível força repressiva, inclusive estimulando a multiplicação de centros atuantes à margem da lei, como aconteceu com a ‘Casa da Morte’, em Petrópolis, e a ‘Casa Azul’, centro propulsor de torturas e execuções de guerrilheiros no Araguaia. O CIE se opôs à “abertura lenta, gradual e segura” do Governo Geisel e em outro informe quis tomar para si a prerrogativa de comandar o AI-5. Acusava, ainda, o Conselho Indigenista Missionário de ser um órgão ligado ao comunismo internacional e de defender os direitos humanos e os movimentos de libertação. Em extenso relatório informava que 63 integrantes da Polícia Militar de São Paulo eram integrantes do PCB e, surpreendentemente, ainda acusava o Sargento Zaqueu Alves de Oliveira, lotado no Doi-Codi de São Paulo entre os anos de 1972 e 1973, de ser um agente comunista infiltrado. E comunicava também que a morte do Segundo-Tenente José Ferreira de Almeida, conhecido como Picareta, havia sido por suicídio, em 8 de agosto de 1975.

OPERAÇÃO BANDEIRANTES: CARTA-BRANCA PARA TORTURAR

Meu caro, são tantos os órgãos envolvidos com torturas e mortes naqueles tempos escuros que em vez de uma reportagem essa matéria vai dar um livro. Creio que ainda não falei da Operação Bandeirantes (Oban), vinculada ao II Exército, em São Paulo. Ela constitui-se no primeiro órgão de repressão diretamente instruída com carta-branca para torturar e matar quando fosse necessário, segundo os desejos do Estado terrorista. Foi lançada oficialmente em 1º de julho de 1969, na capital paulista, em ato público com as presenças do Comandante do II Exército, General José Canavarro Pereira; do Governador de São Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré, e pelo secretário de Segurança Pública, Hely Lopes Meirelles.

Para sua manutenção recorreu-se ao empresariado brasileiro e estrangeiro. Peri Igel, proprietário da Supergel (grupo petroquímico), fornecia refeições congeladas. A Folha da Tarde e a Folha de S. Paulo davam cobertura jornalística ocultando as violências da Oban. Bancos, grupos industriais e comerciais contribuíam com somas em dinheiro e prêmios por guerrilheiro morto. A Ford, a GM e a Volkswagen forneciam automóveis. A Ultragás emprestava veículos para campanhas ou transporte de presos. Também forneciam armas, compradas até nos Estados Unidos. Rapidamente o órgão associou-se ao Delegado Sérgio Fleury e seus bad boys do Esquadrão da Morte. E tentaram uma artimanha: arregimentar ex-guerrilheiros oferecendo vantagens e até salários. Nessa instituição de tortura e morte até crianças foram seviciadas. Houve casos de presos que ficaram incomunicáveis por mais de seis meses. Dentre os presos torturados e assassinados na Oban citam-se Virgílio Gomes da Silva, Olavo Hansen e Raimundo Eduardo da Silva. Por lá também passou Frei Tito de Alencar Lima, brutalmente e continuadamente torturado que acabou se suicidando na França, onde vivia exilado, para pôr fim a seus imensos sofrimentos.

OS DOI-CODI, AUTÊNTICAS GESTAPOS TUPINIQUINS

Segundo o advogado paulista Mário Simas, os Doi-Codi foram instituídos por um decreto secreto do Governo Médici, mais uma violência legislativa do terrorismo ditatorial, até hoje não esclarecida à Nação. Esta excrescência surgiu dos confins do inferno no segundo semestre de 1970, no Rio de Janeiro, São Paulo (em substituição à Oban), Recife e Brasília. Um ano depois apareceram em Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e Fortaleza. O de Porto Alegre só passaria a funcionar em 1974. O Doi-Codi do Rio de Janeiro funcionava no 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca. Esta unidade, de 1964 a 1979, foi denunciada 753 vezes por crimes de tortura, mutilação, assassinato, estupro e terror psicológico. Essas verdadeiras Gestapos tupiniquins, geralmente comandas por majores ou tenentes-coronéis do Exército, incluíam, contudo, pessoal da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia Militar e da Polícia Civil, além de outros colaboradores. Quase sempre também exigiam serem chamados de doutor. As humilhações e sevícias aos seqüestrados freqüentemente começavam logo nas vias públicas. Prosseguiam ao chegar à ante-sala do inferno, quando eram obrigados a ficar inteiramente nus e vestir um macacão imundo manchado de sangue e terminava em um festival de ofensas e torturas. Era prática rotineira nos Doi-Codi o desrespeito total à vida humana. Os presos, inúmeras vezes, eram executados em meio a tiroteios JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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ESPECIAL OS HORRORES DA TORTURA NOS PORÕES DA DITADURA

forjados, suicídios inventados, atropelamentos armados, acidentes falsificados, e por aí vai. O desprezo por vidas humanas inocentes era tão manifesto e corriqueiro que crianças e mulheres grávidas também sofreram as maiores atrocidades. Muitos agiam assim estimulados por seus comandantes. O General Vicente de Paula Dale Coutinho, prócer da linhadura militar, assim se referiu ao General Humberto de Souza Melo, que o antecedera no Comando do II Exército, em janeiro de 1971: ‘Eu vi em São Paulo, e justiça se faça ao Humberto. Quando começou a diminuir o terror, porque a ordem dele era matar. Esse General Humberto, uma vez visitando o Doi-Codi de São Paulo, disse: ‘Matem os terroristas, matem os carteiros que entregam suas correspondências. Matem os familiares, amigos, seja lá quem for. Só não quero que morra nenhum de vocês’. Naquele prédio da Rua Barão de Mesquita, 425, dezenas de crimes hediondos foram cometidos. Leonardo Valentin passou por lá em 1973 e ao ser solto exilou-se em Paris, onde se suicidou, com os traumas provocados pelas torturas. Lá também morreu Mário Alves de Souza Vieira, em 1970, dirigente do PCBR, torturado até a morte, inclusive com um cassetete de madeira com estrias enfiado em seus ânus e perfurando seus intestinos. Um caso famoso ocorrido ali é o do ex-Deputado federal Rubens Beirodt Paiva, preso em janeiro de 1971, além da esposa e de uma filha de 15 anos, todos levados para suas dependências. Paiva foi brutalmente torturado naquele porão da ditadura até ser assassinado na Casa da Morte, em Petrópolis. Os ex-Majores Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita, presos na Argentina, foram vistos pela última vez no pátio desse Doi-Codi. Na outra sucursal do inferno do DoiCodi, a de São Paulo, palco de monstruosas e hediondas torturas a centenas de presos políticos, sob o comando dos Majores Carlos Alberto Brilhante Ustra (1970-1974) e Audir Santos Maciel foram armados dezenas de teatrinhos (como eles mesmo chamavam) para mascarar a causa mortis das vítimas. No contexto da Operação Radar, montada contra militantes ou simpatizantes do PCB, morreram sob tortura José Ferreira de Almeida, em 8 de julho de 1975; Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, e Manoel Fiel Filho, em 17 de janeiro de 1976. A versão, como sempre, embasada em laudos médicos forjados, foi suicídio por enforcamento. Em circunstâncias idênticas morreu também o militante do PCB Pedro Jerônimo de Souza no Doi-Codi do Ceará, em 17 de setembro de 1975.

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AS HUMILHAÇÕES E SEVÍCIAS AOS SEQÜESTRADOS FREQÜENTEMENTE COMEÇAVAM LOGO NAS VIAS PÚBLICAS. PROSSEGUIAM AO CHEGAR À ANTE-SALA DO INFERNO, QUANDO ERAM OBRIGADOS A FICAR INTEIRAMENTE NUS E VESTIR UM MACACÃO IMUNDO MANCHADO DE SANGUE E TERMINAVA EM UM FESTIVAL DE OFENSAS E TORTURAS.

ERA PRÁTICA ROTINEIRA NOS DOI-CODI O DESRESPEITO TOTAL À VIDA HUMANA.

OS CENTROS SECUNDÁRIOS DE TORTURA E MORTE

Mas havia outros centros envolvidos com a bestialidade da tortura, como a Clínica Marumbi, implantada no Paraná, em setembro de 1975, para apuração de supostas atividades do Partido Comunista Brasileiro. Eles seqüestraram mais de uma centena de políticos e formaram o maior processo da História do Paraná, tendo como dirigente o Coronel Waldir Coelho. Era comum nesse lugar ouvir-se os berros do Capitão Merici Rogério Flores, o Doutor Adolfo, proclamar: ‘Nem o presidente da República conseguirá tirar vocês daqui, pois nós estamos acima do poder constituído’. Sua marca registrada era servir uma brutal quantidade de açúcar no café da manhã e uma comida imensamente salgada no almoço, como forma de pressão psicológica no preso. O Batalhão Paissandu, do Corpo de Fuzileiros Navais, localizado na Ilha das Flores, Rio de Janeiro, era outro local de terror, violência e verdadeiros massacres de presos políticos. Um dos mais odiados pelos carniceiros torturadores foi o jovem Jean Marc Van der Weid, Presidente da União Nacional dos EstudantesUne, que ficou preso lá de 1969 a 1971, sofrendo horríveis e humilhantes torturas que o deixaram praticamente surdo, e foi libertado em troca do embaixador da Suíça, seqüestrado pela resistência à ditadura. Em 8 de dezembro de 1969, quinze presas políticas enviaram carta ao Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro,

MATEM OS TERRORISTAS, MATEM OS CARTEIROS QUE ENTREGAM SUAS CORRESPONDÊNCIAS. MATEM OS FAMILIARES, AMIGOS, SEJA LÁ QUEM FOR.”

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Dom Jaime de Barros Câmara, denunciando as atrocidades ali cometidas. Não se pode deixar de citar o Cenimar de São Conrado, nas proximidades do antigo Hotel Nacional, ao lado da Favela da Rocinha, logo após a saída do Túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. O comando desse centro clandestino de tortura possivelmente coube ao Capitãode-Corveta Armando Amorim do Vale. Por lá também passaram o Delegado Fleury e seus bad boys. Nesse lugar torturaram e mataram o guerrilheiro da ALN Eduardo Collen Leite, o Bacuri. Benjamim de Oliveira Torres, o Pato Rouco, outro militante da ALN, de lá sumiu e nunca mais apareceu. Em São Paulo existiram entre 1973 e 1975 várias dessas sucursais do inferno, como eram chamadas. A primeira ficava em uma casa à beira da Estrada da Granja, 20, em Jardim Santa Cecília, na cidade de Itapevi, e era chamada de Colina. Oito dirigentes do PCB morreram lá, todos barbaramente torturados e assassinados. Depois passou para uma fazenda, à beira da Rodovia Castelo Branco. No bairro do Ipiranga também houve um centro clandestino de torturas, onde também morreram militantes da ALN. Quem não se lembra da Casa dos Horrores, na aprazível e acolhedora Fortaleza? Este centro clandestino de violências arbitrárias estava localizado próximo à Lagoa do Cumbuco, nos arredores de Fortaleza. Era um prédio de dois pavimentos, cercado por alto muro. Diversos prisioneiros, principalmente do PCB, foram ali torturados e mortos. Também há que ser mencionada a Fazenda 31 de Março, no bairro do Embura, na região de Parelheiros, na Grande São Paulo. Esta central do terror era dirigida pelo temível Delegado Sérgio Fleury, também conhecido como Papa, Doutor Barreto, Júpiter I e Doutor Barreto Vidigal. Muitos padres foram ali torturados, dentro da Operação Batina Branca, que visava a desmoralizar a Igreja Católica, cuja oposição à ditadura militar vinha crescendo. Nessa operação invadiu-se o Convento dos Dominicanos, possibilitando assim que fosse armada a cilada e a morte do líder guerrilheiro Carlos Marighella, na Alameda Casa Branca, na noite de 4 de novembro de 1969. Existiu ainda por algum tempo uma ramificação do Doi-Codi na Rua Tutóia, em São Paulo, apelidada de Casa da Vovó e Tutóia Hilton. Com a finalidade de interrogar, torturar e executar os guerrilheiros do PCdoB, presos na Guerrilha do Araguaia, foi instalada nessa região do Estado do Pará a Casa Azul, que originalmente pertencera ao Incra. Localizavase em uma área isolada, à beira do Rio Itacaiunas, nas proximidades de Marabá. Pouco importava se o guerrilheiro houvesse sido preso ou se se entregasse, fosse mulher ou homem; a ordem do Governo era não deixar ninguém vivo. Na Bahia, de gloriosas tradições, houve uma conjuntura marcada por violenta repressão, ainda que pouco conhe-

NEM O PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONSEGUIRÁ TIRAR

VOCÊS DAQUI, POIS NÓS

ESTAMOS ACIMA DO PODER CONSTITUÍDO.”

cida, alicerçada em três pilares do regime militar: Antônio Carlos Magalhães, o Toninho Malvadeza, o General Adyr Fiúza de Castro e o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, famigerado perseguidor de presos políticos no Doi-Codi/ SP e que ressurgiu em Salvador como Dr. Antônio. Seqüestrados e encapuzados, os presos eram levados para a Fazendinha, na cidade de Alagoinhas, próximo à capital baiana. Em Minas Gerais havia a Escola de Torturas em Ganhães, conhecida como Escola de Contraguerrilha de Imbiruçu, a 270 quilômetros de Belo Horizonte, e certamente treinada por Daniel Mitrione, agente da Cia. Ele chegou a usar mendigos como cobaias para ensinar técnicas de tortura a atentos alunos, em Belo Horizonte. Em depoimento publicado no Jornal do Brasil em 16 de dezembro de 1992, o ex-cabo da PM/ MG Antônio Casemiro da Silva afirmou que freqüentou a escola de Ganhães, localizada na Fazenda Guarani: ‘Segundo o cabo, a eliminação de terroristas com a ocultação de cadáveres era defendida por seus instrutores como uma ação necessária para a salvaguarda do sistema. (...). Os alunos eram selecionados nos cursos de formação da PM entre os melhores de cada classe e levados para a Fazenda’. Também se ensinava tortura no Colégio Militar de Belo Horizonte, quando esteve sob o comando do Coronel de Artilharia Otávio de Aguiar Medeiros, em 1969. Nesse estabelecimento de ensino exemplar secular do Exército Brasileiro ensinava-se tortura usando presos políticos como cobaias, como o professor José Antônio Gonçalves Duarte, em 1970, que foi torturado e espancado diante de um auditório lotado de oficiais e sargentos impecavelmente fardados. Em Goiânia também existiu um centro clandestino de tortura, desde 1964, tendo como pólo o 10º Batalhão de Caçadores. Ficava em uma casa da Vila Militar ou em um matagal próximo ao stand de tiro, a oito quilômetros de Goiânia. Por último, não podemos terminar essa relação sem falar num lugar medonho, localizado no final da Rua Artur Barbosa, 668, no bairro do Caxambu, em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, chamada Casa da Morte. O nome já fala por si. Era um braço secreto do Doi-Codi/RJ e do CIE, para funcionar como local de tortura e morte de presos políticos, também chamado de Codão. Os militares serviam lá sob o comando do Coronel de


infantaria Francisco Homem de Carvalho. Sabe-se que dois membros da equipe que ali ‘trabalhava’ eram especialistas em retalhar o corpo de presos assassinados: o soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro Jarbas Fontes, o Pardal; e o Cabo Félix Freire Dias, o Dr. Magno ou Dr. Magro. Lá morreram esquartejados no mesmo dia David Capistrano, Walter Ribeiro de Souza e José Roman, dirigentes do PCB. E ainda Celso Gilberto de Oliveira, Maurício Guilherme da Silveira, Gerson Theodoro de Oliveira, Ivan Motta Dias, Aluísio Palhano Pedreira, Heleni Telles Ferreira, Walter Ribeiro Novais, José Raimundo Costa, Mariano Joaquim da Silva, Carlos Alberto Soares, Antônio Joaquim Machado, Paulo de Tarso Celestino Silva, Ana Rosa Kucinski, Wilson Silva, Marilene Vilas-Boas, Victor Luiz Papandreu, Rubens Paiva e possivelmente Tomás Antônio da Silva Meireles e Issami Nakamura Okano. Para se ter uma idéia daquele circo de horrores vou citar um trecho do livro da Taís Morais Sem Vestígio: Revelações de um Agente Secreto da Ditadura Militar Brasileira: (...). O que o sargento Joaquim Arthur Lopes de Souza viu, ao entrar, tirou seu fôlego. Não, não podia ser verdade (...). Era sangue por todo o lado, impregnando o ambiente com aquela textura pegajosa do processo de coagulação (...). Chocado, sem articular uma só palavra, o estômago engulhado, percebeu que as partes amontoadas num canto estavam a ponto de serem colocadas em sacos plásticos (...). Levantou a cabeça em direção a algo pendurado em ganchos. A princípio não distinguiu bem o que era. Um tronco, dividido ao meio. As costelas de Capistrano pendiam do teto e ele, reduzido a pedaços, como se fosse uma carcaça de animal abatido, pronta para o açougue’.

DESEMBARGADOR MANOEL ALBERTO

“A NAÇÃO TEM O DIREITO DE SABER O QUE ACONTECEU COM SEU PASSADO” O Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio questiona: a quem interessa o fechamento desses arquivos? ALCYR CAVALCANTI

O Desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, é categórico ao exigir a abertura dos arquivos da ditadura militar: “Já passou até da hora”. E completa: “A nação tem o direito de saber o que aconteceu com o seu passado. É o direito inalienável de um povo”. Humano e afetuoso, dedicando atenção a todos no tratamento diário da justiça, provando que a simplicidade é sinônimo de sabedoria e inteligência, Manoel Alberto alarga a visão sobre o assunto com lucidez e experiência: “Pergunto: a quem interessa o fechamento a sete chaves desses arquivos? É claro que somente àqueles que praticaram a barbárie. E esses são minoria, não representam as Forças Armadas em sua totalidade, mas prejudicam a imagem de uma corporação, porque na verdade esse procedimento, de certa forma, leva a pensar numa implicação geral. O que passa para a História é que todos estavam envolvidos com torturas, mortes e prisões, e não foi nada disso. Volto a dizer, apenas uma parte dos militares se propôs a adotar métodos medievais para calar as consciências neste País, no

período em que durou a ditadura militar ”. Rebêlo acredita que a abertura dos arquivos seria uma declaração dos militares à sociedade brasileira de que não têm mais nada a esconder: “Quem não deve não teme. Creio que essa abertura provaria uma atitude de boas intenções, de transparência. Seria como uma mensagem de que os tempos são outros e de que aqueles não mais voltarão”.

“O DIREITO DE INFORMAR ESTÁ ACIMA DO CIDADÃO”

O Presidente do Tribunal de Justiça considera fundamental o acesso de todos à informação: “O direito de informar é um direito disponível do ser humano, está acima do cidadão. O direito à informação é um bem mundial, pertence a toda a Humanidade. O que acontece em nosso País é que, quando ele contraria interesses, principalmente políticos, não interessa que apareça. Não existe ninguém, nenhuma corporação, órgão público ou entidade privada que possa se apossar da informação ou tentar manipulá-la e impedir que seja divulgada à sociedade.”

O ALTO COMANDO SABIA DAS ATROCIDADES

Estamos vendo agora dezenas de manifestações contra a Comissão da Verdade, inclusive aquela insolente do Clube Militar, assinada por um dos maiores próceres da linha-dura, o Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o recente depoimento do General Luiz Eduardo de Rocha Paiva, em uma entrevista à jornalista Mirian Leitão, da Rede Globo, de que não tem conhecimento oficial de tortura e o que existe são notícias na mídia. Ora, então as autoridades civis e militares do regime militar não tinham consciência de que militares e policiais brasileiros enviados ao exterior faziam cursos em centros de treinamento cujos programas incluíam o ensino de metódos científicos de interrogatório, ou seja tortura? Como aceitar declarações de que a tortura e a morte de presos políticos fossem conseqüência não controladas de uma guerra civil? Que guerra havia? Isso foi apenas um estratagema criado por eles para poder justificar as mortes, sob a alegação de que “numa guerra vale tudo oupelo menos quase tudo”. Como admi-

tir passivamente que tais práticas coubessem unicamente a pessoas psicologicamente desequilibradas? Como concordar em que integrantes das Forças Armadas, tão ciosas da tradicional hierarquia militar, se mostrassem desatentas a manifestas atrocidades cometidas por seus subordinados? Em duas oportunidades, pelo menos, comprovou-se que o Governo Geisel endossava, porque sabia, o extermínio de opositores. Em uma delas, o General Vicente de Paula Dale Coutinho (19101974), Ministro do Exército, declarou: ‘Eu fui obrigado a tratar esse problema de subversão lá e tive que matar, tive que matar’. Em outra ocasião, o próprio Geisel afirmou, em conversa com o TenenteCoronel de artilharia Germano Arnoldi Pedrozzo, chefe da sua segurança: ‘E não liquidaram não? (...) O que se tem a fazer nessa hora é agir com muita inteligência para não ficar vestígio nessa coisa’. Mas há uma terceira comprovação, esta do então Coronel de cavalaria, João

POUCO IMPORTAVA SE O GUERRILHEIRO HOUVESSE SIDO PRESO OU SE SE ENTREGASSE, FOSSE MULHER OU HOMEM; A ORDEM DO

GOVERNO ERA NÃO DEIXAR NINGUÉM VIVO.

Batista Figueiredo, em conversa com o Coronel de infantaria José Luiz Coelho Neto: ‘(...). Assisti no mês passado um interrogatório de um preso com muito bom resultado. O desgraçado estava pendurado num pau-de-arara e aí resolveram enfiar um cassetete, assim como este – segurou com a mão esquerda um bastão de madeira que se encontrava em cima de uma mesa – e enfiaram no rabo do cara. Ele gritou, se sacudiu todo,

mas continuou sem falar. Então, começaram a enrabar o cara com o cassetete e porrada em cima e não demorou muito pra que ele abrisse o bico e começasse a falar por mais de uma hora. Sabe, Coelho Neto, tudo depende de como a gente faz a coisa, ninguém resiste, ninguém é de ferro’. É preciso ficar claro que esses centros são apenas os mais conhecidos, porque na verdade foram dezenas e dezenas espalhados pelo Brasil e se eu citasse todos não caberiam no espaço desta entrevista. Há, por exemplo, notícia de que em Recife, na Avenida dos Guararapes, onde hoje existe imenso prédio dos Correios, funcionava por aquele tempo o prédio do SNI. Consta que no subsolo houve um centro clandestino de tortura. Em Olinda também, desde abril de 1964 existia outro centro clandestino de tortura e morte, conhecido como Colônia de Férias, comandado pelo Major de infantaria Walter Moreira Lima. Temos provas ainda de que...Bem, por ora, chega!” JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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ESPECIAL OS HORRORES DA TORTURA NOS PORÕES DA DITADURA

AS CONFISSÕES DO AGENTE MARIVAL “A repressão atuava sem medir conseqüência. Morrer mais um ou menos um, não fazia a menor diferença”, contou um dos seus quadros no documentário Perdão, Mister Fiel.

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marcado pra morrer, quem ia investigar, com o objetivo de descobrir as atividades ilegais daquele dirigente, era a clandestina. Estou sendo claro. Aqueles legais, ou medianamente legais, que poderiam aparecer, esses eram presos por uma equipe de ‘busca’. Que era a responsável pelo ‘estouro’ dos ‘aparelhos’ e das prisões mais ou menos legais, porque não havia prisão legal, na realidade. Prisão com ordem judicial, com mandado de busca e apreensão, isso não existia. Era o arbítrio puro e simples e depois a barbárie. Essas pessoas que 'entravam' legalmente ou semilegalmente eram conduzidas a um interrogatório à vista de todos; todos no órgão sabiam que essas pessoas estavam ali sendo interrogadas. Quando aconteciam os excessos e eventualmente as pessoas morriam, outra estrutura era encarregada de 'legalizar' a morte. O torturador é aquele indivíduo que tem a mente impregnada dos ensinamentos doutrinários. Eu passei pela Escola Nacional de Informações, hoje Abin, e aprendi todos esses métodos e fui submetido também a lavagem cerebral, capaz de ver em um indivíduo um inimigo que a ditadura pintava como oferecendo risco à segurança nacional. Então era dessas informações que a nossa mente estava impregnada. Agora, eu diferencio esse torturador daquele sujeito que tem vocação não é pra tortura, não; ele tem vocação pra matar. Ele tem o instinto ruim, ele tem obsessão pra matar.

ERA UM MUNDO SEM REGRAS NEM LIMITES EM QUE A LEI ERA A IMPUNIDADE E O ARBÍTRIO, A INDIFERENÇA E O DESDÉM. UM MUNDO EM QUE A VIDA VALIA MENOS DO QUE O CAFEZINHO TOMADO ENTRE UMA TORTURA E OUTRA.

zes foram mortos com injeções na veia de matar cavalo aplicadas pelo Coronel Aldir Santos Maciel. O Franklin Martins escapou da morte porque ele teve um encontro à noite, por volta das 18 horas, com os jornalistas que eu não tenho certeza se eram o Aton Fon Filho ou o irmão dele, Antônio Carlos Fon. Muito bem, a equipe que os estava seguindo abandonou um deles e passou a perseguir o Franklin Martins, porque ele estava marcado pra morrer. Ele então percebeu que estava sendo seguido, fugiu desesperadamente naquele trânsito caótico de São Paulo e conseguiu escapar. Métodos científicos de tortura foram cada vez mais desenvolvidos no período que durou a ditadura militar. Muitos torturadores deixaram seus nomes nas páginas repugnantes da História do Brasil. Um dos mais importantes, sem dúvida, é o Delegado Sérgio Fleury, uma espécie de Torquemada da ditadura militar. Fleury levou a tortura para as celas do Dops de São Paulo, situado no Bairro da Luz, no prédio onde fica hoje o Memorial da Resistência. Outro lugar de tortura em São Paulo foi o Doi-Codi do Bairro Paraíso. Os prisioneiros chegavam às mãos de Fleury e dos seus homens já espancados e feridos, sangrando e muitas vezes agonizantes. Ali eram pendurados no pau-de-arara, recebendo descargas elétricas, além de socos, pontapés, afogamentos. Com o tempo, as práticas ficaram cada vez mais brutais.”

MUNIR AHMED

No documentário Perdão, Mister Fiel, do jornalista e cineasta Jorge Oliveira, sobre a morte do operário Manoel Fiel Filho, ocorrida nas dependências do DoiCodi de São Paulo, em janeiro de 1976, o depoimento do ex-agente do órgão Marival Chaves revela com incrível exatidão e clareza o cenário em que se moviam os personagens de um pestilento mundo de prisões, torturas e mortes. Era um mundo sem regras nem limites em que a lei era a impunidade e o arbítrio, a indiferença e o desdém. Um mundo em que o mais forte, obcecado por ideologias oriundas de lavagens cerebrais, esmagava sem nenhum sentimento de piedade pelo ser humano seus mais nobres ideais de liberdade e democracia. Um mundo em que a vida valia menos do que o cafezinho tomado entre uma tortura e outra. Como ele descreve: “O enforcamento do Herzog (Vladimir), aquela fotografia clássica, quando ele aparece dependurado numa ‘teresa’, na linguagem dos cárceres, sugerindo que teria se suicidado não corresponde com a verdade, ele foi morto. O episódio da Lapa (no qual foram assassinados vários integrantes do PCdoB) foi conseqüência de um ‘infiltrado’ no Partido, do qual não me ocorre o nome agora, controlado pelo Doi do I Exército. Bem, com as informações do I Exército resolveu-se desencadear uma operação conjunta para derrubar essa grande reunião que deveria ocorrer em São Paulo, no bairro da Lapa. O Doi do Rio de Janeiro levou o ‘infiltrado’ para São Paulo e o deixou em condições de ser acolhido pela estrutura do Partido e ‘internalizado’ no aparelho. Quando ‘fechou’, fechou-se o grupo de pessoas que deveria 'derrubar' essa reunião de cúpula do PCdoB e foi o que a História conhece. Houve tiroteio, mortes dos integrantes que reagiram, ‘reagiram’ entre aspas, não é?, e morreram. No entanto, alguns saíram vivos, foram levados para o Doi, interrogados e no descuido da turma de interrogatório que o estava conduzindo de um lugar pra outro ele (João Batista Drumond) escalou uma torre, se jogou de lá e morreu no pátio do Doi. O Doi, como órgão de repressão legalmente constituído, mantinha duas estruturas: uma estrutura clandestina, que desenvolvia operações clandestinas e outra legal. Bem, se tinha um dirigente

Eu sempre fui analista, eu estudava documentos, para através dos resultados das análises construir relatórios que pudessem subsidiar a continuidade das operações. A morte de Herzog e do Manoel deveu-se a um erro crasso das pessoas que conduziram o interrogatório deles porque a repressão atuava naquele instante sem medir conseqüência. Morrer mais um ou menos um, mais importante ou menos importante, não fazia a menor diferença. O arbítrio, a impunidade, o pode tudo levavam os interrogadores a cometer toda a sorte de excessos e esses excessos provocaram a morte do Herzog e do Manoel, deles e de outras pessoas. Os cabeças do Doi-Codi eram o Coronel Aldir Santos Maciel, o Coronel Dalto Cirilo, que era o chefe da turma de busca e apreensão, e um terceiro coronel que, se se suicidou ou não, não sei e nem quero fazer juízo de valor a respeito, o Ênio Pimentel da Silveira. Essas eram as pessoas que formavam a cúpula do Doi-Codi naquela ocasião. Houve a queda da Voz Operária no Rio, a Voz Operária foi desmantelada. Aí o Partido (o PCB) encarregou o Montenegro de ir para São Paulo e criar uma nova estrutura para voltar a editar o jornal. O Doi descobriu, porque já havia matado uma série de gente do PCB, descobriu e prendeu esse rapaz. Coincidentemente, Orlando da Rosa Silva Bonfim havia sido preso no Rio de Janeiro e pelo que eu sei esses dois rapa-


AS FORMAS DE MAUS-TRATOS Os métodos de tortura recebiam diversos nomes simbólicos. Entre eles os mais comuns registrados e confirmados são: PAU-DE-ARARA

O preso era posto nu, abraçando os joelhos e com os pés e as mãos amarradas. Uma barra de ferro era atravessada entre os punhos e os joelhos. Nesta posição a vítima era pendurada entre dois cavaletes, ficando a alguns centímetros do chão. A posição causava dores atrozes no corpo. O preso ainda sofria choques elétricos, pancadas e queimaduras com cigarro. Este método de tortura já existia na época da escravidão, sendo utilizado em várias fases sombrias da História do Brasil.

rompia os tímpanos do torturado, fazendo-o perder a audição.

AFOGAMENTO NA CALDA DA VERDADE

A cabeça do torturado era mergulhada em um tambor, balde ou tanque cheio de água, urina, fezes e outros detritos. A nuca do preso era forçada para baixo, até o limite do afogamento na “calda da verdade”. Após o mergulho, a vítima ficava sem tomar banho vários dias, até que o seu cheiro ficasse insuportável. O método consistia em destruir toda a auto-estima do torturado.

CADEIRA DO DRAGÃO

Os presos eram sentados nus em uma cadeira elétrica, revestida de zinco, ligada a terminais elétricos. Uma vez ligado, o zinco do aparelho transmitia choques a todo o corpo do supliciado. Os torturadores complementavam o mecanismo sinistro enfiando um balde de metal na cabeça da vítima, aplicando-lhe choques mais intensos.

CHOQUES ELÉTRICOS

O torturador usava um magneto de telefone, acionado por uma manivela; conforme a velocidade imprimida, a descarga elétrica podia ser de maior ou menor intensidade. Os choques elétricos eram desferidos na cabeça, nos membros superiores e inferiores e nos órgãos genitais, causando queimaduras e convulsões, fazendo muitas vezes o preso morder a própria língua. As máquinas usadas nesse método de tortura eram chamadas de “maricota” ou “pimentinha”.

BALÉ NO PEDREGULHO

O preso era posto nu e descalço em local com temperatura abaixo de zero, sob um chuveiro gelado, tendo no piso pedregulhos com pontas agudas, que perfuravam os pés da vítima. A tendência do torturado era pular sobre os pedregulhos, como se dançasse, tentando aliviar a dor. Quando ele “bailava”, os torturadores usavam da palmatória para ferir as partes mais sensíveis do seu corpo.

TELEFONE

Entre as várias formas de agressões que eram usadas, uma das mais cruéis era o vulgarmente conhecido como “telefone”. Com as duas mãos em posição côncava, o torturador, a um só tempo, aplicava um golpe violento nos ouvidos da vítima. O impacto era tão violento, que

AFOGAMENTO COM CAPUZ (WATERBOARDING)

A cabeça do preso era encapuzada e afundada em córregos ou tambores de águas paradas e apodrecidas. O prisioneiro, ao tentar respirar, tinha o capuz molhado a introduzir-se nas suas narinas, levando-o a perder o fôlego, produzindo um terrível mal-estar. Outra forma de afogamento consistia nos torturadores fecharem as narinas do preso, pondo-lhe, ao mesmo tempo, uma mangueira ou um tubo de borracha dentro da boca, obrigando-o a engolir água.

refrigeração, que ia do frio extremo ao calor exacerbado, enquanto alto-falantes emitiam sons irritantes. A tortura na “geladeira” prolongava-se por vários dias, ficando ali o preso sem água ou comida.

PRIVAÇÃO DO SONO

No geral, a falta de sono pode resultar em bocejo, confusão geral, depressão nervosa, desmaios, despersonalização / desrealização, diminuição da atividade mental e concentração, dor de cabeça, dor nos músculos, fala sem sentido, hiperatividade, hipertensão, impaciência, irritabilidade, lapso ou perda de memória, náusea, olheiras, palidez, perda ou ganho de peso, psicose, sintomas similares aos de intoxicação alcoólica, tempo de reação reduzido, tontura, tremor nas mãos, visão embaçada, dentre outros.

SORO DA VERDADE

Era injetado no preso pentotal sódico, uma droga que produz sonolência e reduz as inibições. Sob os efeitos do “soro da verdade”, o preso contava coisas que sóbrio não falaria. De efeito duvidoso, a droga pode matar.

MASSAGEM

O preso era encapuzado e algemado, o torturador fazia-lhe uma violenta massagem nos nervos mais sensíveis do corpo, deixando-o totalmente paralisado por alguns minutos. Violentas dores levavam o preso ao desespero.

TORTURA SEM CONTATO

Desmoralizar e aterrorizar alguém a ponto da vítima agradecer quando lhe oferecerem a oportunidade de “confessar” qualquer coisa. Tanto faz se a confissão seja falsa ou verdadeira

PRIVAÇÃO SIMULTÂNEA DOS SENTIDOS DE VISÃO, AUDIÇÃO E TATO

Quando o preso era submetido a vários aparelhos de tortura diferentes e ao mesmo tempo. Cada um atingindo um órgão do corpo humano.

TORTURA TÉRMICA

Submeter o preso a entrar em contato com ferro em brasa, cadeiras escaldantes e aproximá-lo o mais perto possível do fogo (muito pouco usado).

TORTURA POR RUÍDOS E SONS

Usada como uma forma de tortura psicológica, pois passado um certo tempo os ruídos e sons provocavam delírios auditivos, parecidos com os da esquizofrenia. Ela servia também como rebaixamento da auto-estima, já que, por exemplo, pingos de água caindo 24 horas do dia dentro de um balde, na cela, faziam com que o preso não conseguisse dormir ou chegasse ao extremo da loucura.

AMEAÇAS DE MORTE

Muito comum o seu uso, principalmente a presos que tinham famílias, com mulheres e filhos. As ameaças de que todos seriam mortos caso ele não confessasse seus “crimes” eram diárias.

GELADEIRA

O preso era posto nu em cela pequena e baixa, sendo impedido de ficar de pé. Os torturadores alternavam o sistema de

COROA DE CRISTO

Fita de aço que ia sendo gradativamente apertada, esmagando aos poucos o crânio da vítima.

ESPANCAMENTO COM INSTRUMENTOS E/OU FORÇA FÍSICA

Prática muito comum. Incluem-se aí: esbofeteamentos, pontapés em qualquer parte do corpo, geralmente no fígado, rins e nos órgãos genitais. Vários torturadores revezavam-se por horas nessa selvageria, sempre dois e três ao mesmo tempo.

PALMATÓRIA

A palmatória era como uma raquete de madeira, bem pesada. Geralmente, este instrumento era utilizado em conjunto com outras formas de tortura, com o objetivo de aumentar o sofrimento do acusado. Com a palmatória, as vítimas eram agredidas em várias partes do corpo, principalmente em seus órgãos genitais. Utilizava-se também o cassetete.

MAMADEIRA DE SUBVERSIVO

Era introduzido na boca do preso um gargalo de garrafa, cheia de urina quente, normalmente quando o preso estava pendurado no pau-de-arara. Usando uma estopa, os torturadores comprimiam a boca do preso, obrigando-o a engolir a urina.

do. Caso fosse mulher, metia-se dentro do cano um camundongo, que ia aos poucos roendo as vísceras da supliciada.

EMPALAMENTO

Consistia em introduzir um cassetete ou cano através do ânus do tortura-

TORTURAS EM COMPANHEIROS

O preso era obrigado a martirizar seus companheiros de cela ou propositalmente aqueles que eram seus amigos. Caso se recusasse, podia ser morto ou sofrer brutais maus-tratos. Comumente, levavamse amigos encarcerados para assistir às terríveis cenas.

FUZILAMENTO SIMULADO

O preso era colocado em um paredão e todo um cenário de fuzilamento era preparado, levando em muitos casos ao desmaio ou a estados de desespero extremo. Um método com o mesmo efeito era o Enterro simulado, onde o preso assistia fazerem seu próprio enterro com caixão e tudo. O efeito era devastador.

ARRANCAMENTO DE DENTES E UNHAS

Prática muito comum de tortura e que provocava dores lancinantes na vítima. Em vários locais as feridas gangrenavam podendo levar à morte.

QUEIMADURA COM CIGARROS

Método também muito usado. Enquanto os torturadores faziam o interrogatório iam apagando seus cigarros nos corpos das vítimas.

MORDIDAS DE CACHORRO

Geralmente aplicadas quando os locais de tortura ficavam fora dos centros urbanos. Mas jogavam-se em cima dos presos também cobras, jacarés, baratas, ratos, etc.

PRODUTOS QUÍMICOS

Era comum, de certa forma, jogar ácido na cabeça e no rosto dos torturados.

VIOLAÇÃO SEXUAL

Uma das modalidades de tortura mais usadas contra as mulheres. Praticamente quase todas sofreram estupro e toda sorte de sevícia. Em centenas de casos foram os estupros praticados por dois, três ou quatro torturadores ao mesmo tempo. Poucos relatos apontaram para estupros em homens; se houve, muitos, por vergonha, esconderam esta terrível verdade. JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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ESPECIAL OS HORRORES DA TORTURA NOS PORÕES DA DITADURA

A ESCOLA DAS AMÉRICAS, UM CENTRO DE PEDAGOGIA DA MORTE E DA TORTURA Instituição mantida pelos Estados Unidos há mais de meio século dá cursos a militares e policiais da América, que nela aprendem a reprimir os movimentos progressistas. A Escola das Américas, responsável direta por todos os golpes de Estado e pela implantação de ditaduras militares na América Latina nas décadas de 1960 e 1970, a partir de 2001 passou a chamarse Western Hemisphere Institute for Security Cooperation (WHINSEC) — Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança. A instituição, mantida pelos Estados Unidos, ministra cursos sobre assuntos militares a oficiais de outros países. Atualmente situada em Fort Benning, Columbus, Georgia, a Escola foi sediada de 1946 a 1984 no Panamá, onde se graduaram mais de 60.000 militares e policiais de cerca de 23 países de América Latina, alguns deles de especial relevância pelos seus crimes contra a Humanidade como os Generais Leopoldo Fortunato Galtieri, da Argentina, e Manuel Antonio Noriega, do Panamá. Este centro de propagação do terror foi inicialmente criado em Fort Amador, no Panamá, como parte da iniciativa da conhecida Doutrina de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Sua denominação inicial foi “Centro de Adestramento Latino-Americano - Divisão da Terra”, cuja missão principal era a de fomentar cooperação ou servir como instrumento para preparar as nações latino-americanas a cooperar com os Estados Unidos e manter assim um equilíbrio político e conter a influência crescente de organizações populares ou movimentos sociais de esquerda. Alguns historiadores citam Klaus Barbie, nazista e criminoso de guerra, como um dos possíveis colaboradores diretos ou indiretos da organização durante o regime do General Hugo Banzer, da Bolívia. Hugo Banzer foi graduado no treinamento na Escola das Américas. Klaus Barbie, fora anteriormente protegido e empregado pela agência de espionagem americana Counter Intelligence Corps, que antecedeu à Cia (Central Intelligence Agency). Em 1950 a escola mudou o seu nome para United States Army Caribbean School (Escola Caribenha do Exército dos Estados Unidos) e foi transferida para Fort Gulick, também no Panamá. Neste mesmo ano, o espanhol foi adotado como língua oficial da academia. Em julho de 1963, o centro reorganizou-se 10

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com o nome oficial de United States Army School of the Americas (USArsa) ou. resumidamente, Escola das Américas. Durante as décadas seguintes, cooperou com vários Governos e regimes totalitários e violentos. Vários dos seus cursos ou adestramentos incluíam técnicas de contra insurgência, operações de comando, treinamento em golpes de Estado, guerra psicológica, intervenção militar, técnicas de interrogação e tortura. Manuais militares de instrução desses métodos, primeiramente confidenciais, foram liberados e publicados pelo Pentágono em 1996. Entre outras considerações, os manuais davam detalhes sobre violações de direitos humanos permitidos, como, por exemplo, o uso da tortura, execuções sumárias, desaparecimento de pessoas, etc, definindo seus ob-

jetivos como sendo o de conter e controlar indivíduos participantes em organizações sindicais e de esquerda.

“ESCOLA DE ASSASSINOS”

O jornal panamenho La Prensa a chama de “Escola de Assassinos”. Jorge Illueca, presidente do Panamá, chamou-a de “a base gringa para a desestabilização da América Latina”. Em uma carta- aberta dirigida em 20 de julho de 1993 ao Columbus Ledger Enquirer, o Comandante Joseph Blair, antigo instrutor da Escola das Américas, declarou: “Nos meus três anos de serviço na Escola nunca ouvi nada sobre qualquer objetivo de promover a liberdade, a democracia e os direitos humanos. O pessoal militar da América Latina vinha a Columbus unicamente em busca de benefícios econômicos,

Os brasileiros da Escola Entre os militares brasileiros citados como participantes de cursos da Escola das Américas, em diferentes momentos, são citados: • Capitão PM-MG AÉCIO FLÁVIO SILVEIRA COUTINHO • Capitão de Fragata ALFREDO DE MAGALHÃES • Tenente-Coronel PM-PR ALTEVIR LOPES • Major de artilharia BISMARCK BRACAHUY AMÂNCIO RAMALHO • Coronel aviador CARLOS ALBERTO BRAVO CÂMARA • Tenente-Coronel de cavalaria CARLOS SÉRGIO TORRES • Capitão-de-Mar-e-Guerra FN CLEMENTE JOSÉ MONTEIRO FILHO • Segundo Sargento CLODOALDO PAES CABRAL • Primeiro Sargento FRANCISCO RENATO MELLO • Tenente-Coronel engenheiro HÉLIO IBIAPINA LIMA • Segundo Sargento da Aeronáutica JOÃO FLÁVIO DE FREITAS COSTA • Coronel aviador JOÃO PAULO MOREIRA BURNIER • Segundo Sargento PM JOSÉ GOMES DA SILVA • Capitão aviador LÚCIO VALLE BARROSO • Capitão de intendência LUIZ ALBERTO DE SOUZA • Capitão da PM LUIZ SOUZA AGUIAR • Primeiro Sargento MAURO BATISTA LOBO • Capitão de cavalaria PAULO MALHÃES • Capitão aviador PAULO RUBENS SCHOLOENBACK • Terceiro Sargento SÉRGIO MAZZA DE AZEVEDO • Capitão de infantaria THAUMATURGO SOTERO VAZ • Terceiro Sargento UBIRAJARA ESCÓRCIO • Capitão de infantaria WALFRIDO SILVA Como instrutores atuaram: • Tenente-Coronel de artilharia ANTÔNIO LEPIANE • Primeiro Tenente de infantaria JOSÉ FRANCISCO LAMAS PORTUGAL • Primeiro Sargento MOYSÉS THOMPSON DO NASCIMENTO

oportunidades para comprar bens de qualidade isentos de taxas de importação e com transporte gratuito, pago com impostos de contribuintes americanos”. De acordo com o Senador democrata Martin Meehan (Massachusetts): “Se a Escola das Américas decidisse celebrar uma reunião de ex-alunos, reuniria alguns dos mais infames e notórios malfeitores do hemisfério”. Desde 1946 a Escola das Américas treinou mais de 60 mil militares da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Dentre eles, destacam-se os assassinos de Dom Oscar Romero e do bispo guatemalteco D. Juan Girardi, e de seis padres jesuítas e quatro americanos assassinados em El Salvador, em 1989. Entre os graduados mais reconhecidos encontram-se importantes instigadores de crimes de guerra ou contra a Humanidade, alguns deles também relacionados estreitamente com os Esquadrões da Morte e ao crime organizado, bem como ligados à Cia. Alguns deles: GENERAL MANUEL NORIEGA – Implantou uma ditadura militar no Panamá. Antigo colaborador da Cia, esteve preso por vários anos nos Estados Unidos por sua relação com o narcotráfico. Continua preso, porém foi transferido para o Panamá. GENERAL HUGO BANZER – Responsável pelo sanguinário golpe na Bolívia em 1971 e sua subseqüente ditadura militar, que se prolongou até 1978. Foi incluído em 1988 no Hall da Fama da Escola. ’AUBUISSON – GraduROBER TO D OBERTO D’A ado em 1972 e depois membro do serviço de inteligência de El Salvador, foi acusado de líder de Esquadrões da Morte, entre outros crimes e delitos. GENERAL HÉCTOR GRAMAJO – Ex-ministro na Guatemala, autor de políticas militares genocidas nos anos 1980. ROBER TO EDU ARDO VIOLA – ProOBERTO DUARDO motor do golpe de Estado na Argentina em 1976. LEOPOLDO FOR TUNA TO GAL TIERI ORTUNA TUNATO ALTIERI – Precursor da Guerra das Malvinas (1982), líder da Junta Militar da Argentina, supervisionou desde 1981 os dois anos finais da chamada “guerra suja”, durante a qual foram torturadas mais de 100 mil pessoas e mais de 30 mil foram assassinadas e desaparecidas. GENERAL GUILLERMO RODRÍGUEZ – Responsável pelo golpe de Estado de 1972 a 1976 no Equador. VLADIMIRO MONTESINOS – Advogado, militar, colaborador inicial da Cia, responsável pelo serviço de inteligência do Peru durante o polêmico Governo Alberto Fujimori. Acusado de repressão política, incitador do golpe de Estado e de arrecadar enorme fortuna graças a sua estreita ligação com o narcotráfico. Apesar de não haver confirmação oficial, há informação de que também foram alunos da Escola das Américas Augusto Pinochet, general e ditador chileno, e Anastasio Somoza, ditador da Nicarágua.


MEMÓRIA

Uma visita inesperada Andei por Bruxelas, Paris, Nova York, Las Vegas. Na volta, fiz um mergulho absurdo no Doi-Codi da Rua Tutóia.

E

m Bruxelas, encontrei meu irmão, Leandro, que dava aulas na Universidade de Bonn. Ele estava exilado na Alemanha e veio até a capital belga para me ver. Abraçados e emocionados, fomos da Grand Place até um pub e nos encharcamos de álcool. Bebemos uma cerveja preta, preparada por monges belgas desde tempos bem distantes, já cobertos pela névoa. Percorremos, inebriados, os caminhos comuns da infância e da adolescência, e os descaminhos igualmente compartidos da militância política. Rimos de tudo, inclusive das desgraças. “O que nos salva”, ele concluiu, “é o senso de humor”. Depois, estive em Paris, como parte da mesma viagem estranha e inesperada. Hospedado no Sheraton, andei pelas margens do Sena, desci a Champs-Elyseés, almocei no Faugeron, jantei no Le Pré Catalan, fiz compras na Rue de Rivoli. Passeei de barco sob algumas pontes: Alma, Invalides, Concorde, Pont Neuf. Cruzei o Atlântico num avião que fez escala em Nova York, antes de chegar a Las Vegas, do outro lado do deserto. Durante três dias, ocupei um apartamento fantástico do Flamingo Hilton, com dois quartos e um salão, banheiro imperial e cozinha, quatro aparelhos de televisão e um computador. Tomava sol à beira das piscinas, fazia compras e jogava. Como era inevitável, perdi algum dinheiro – não muito, uns US$ 100, no máximo. Bronzeado e feliz retornei ao Brasil, ao final daquela viagem singular, feita a convite da ITT. Quando Roberto Muylaert, então diretor da revista Visão, falou comigo sobre o convite, reagi com uma cautela “politicamente correta”. “Fui convidado pela ITT”, ele disse, “a visitar suas instalações em Bruxelas, Paris e Las Vegas, numa viagem de uns dez dias. Não posso aceitar, porque tenho outros compromissos. Você pode ir no meu lugar, representando a revista?” “Posso?”

ELIANE SOARES

POR RODOLFO KONDER Trabalhávamos na revista Visão com muita seriedade e espírito profissional. Carlinhos Brickman, Ricardo Setti, Quartim de Moraes, João Ricardo Penteado e outros jornalistas integravam a equipe comandada por Roberto Muylaert. Eu era o mais antigo, porque já estava na revista bem antes de Said Farhat vendê-la a Henry Macksoud. Cheguei de Las Vegas numa quinta-feira. São Paulo parecia alheia ao meu bronzeado. O aeroporto de Guarulhos estava cheio de gente apressada. Fui para casa – nesta época, outubro de 1975, eu morava num apartamento na Alameda Tietê, nos Jardins. Havia um convite à minha espera: um jantar no Consulado da Inglaterra. Não fui. Se tivesse ido, ficaria sabendo pelo Vladimir Herzog, o Vlado, que todos nós, inclusive eu, estávamos numa lista de pessoas a serem presas. Vladimir e Marco Antônio Rocha falaram sobre isso no jantar. “O que fazer?” perguntou Vladimir. “Vamos falar amanhã com o Konder”, respondeu Marco Antônio. Na manhã do dia seguinte, porém, não puderam falar comigo, porque, das sombras do destino e da ditadura militar, outra surpresa me espreitava. Dormi pesadamente, naquela noite, mas das profundezas do sono pude ouvir a campainha da porta. Cambaleante, cheguei até lá. “Quem é?” “É a Polícia Federal. Abra, por favor”. Abri. “Sr. Rodolfo Konder?” “Eu mesmo”. “O senhor está preso. Queira nos acompanhar”. Dois agentes federais frios e robustos permitiram que me vestisse, desceram comigo de elevador, atravessaram o hall de entrada – diante do olhar perplexo do porteiro – e me empurraram para dentro de uma Van. Então, um deles enfiou um capuz preto na minha cabeça. “São ordens”, sussurrou. Logo depois, levaram-me para um mergulho absurdo na voragem do Doi-Codi, na Rua Tutóia. RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo.

JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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ACONTECEU NA ABI

LÁUREA

Assembléia aprova por aclamação o Relatório da Diretoria 2011-2012

João Máximo e Marcos de Castro ganham o Prêmio João Saldanha

Aprovadas também as Contas de Gestão do ano civil de 2011.

Vencedores na categoria Literatura com o livro Gigantes do Futebol Brasileiro, eles conquistaram também a principal distinção do certame criado pela Associação dos Cronistas Esportivos-Acerj e apoiado pela ABI.

Reunida no dia 26 de abril, a Assembléia-Geral da ABI aprovou o Relatório da Diretoria relativo ao exercício social 2011-2012 e as Contas de Gestão do ano civil de 2011. Por proposta do Presidente da Assembléia, associado Sérgio Caldieri, a aprovação se deu por aclamação. Após a abertura da sessão, secretariada pela associada Ilma Martins da Silva, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, fez uma exposição sobre as ações da Casa em defesa da liberdade de expressão e da observância da ética na vida pública. Maurício reafirmou a preocupação da ABI diante da morte de jornalistas, como a de Décio Sá, abatido a tiros em São Luís do Maranhão na noite do dia 23. Desde fevereiro de 2011,

disse o Presidente, foram assassinados cinco jornalistas em diferentes pontos do País. Franqueada a palavra após a intervenção de Maurício, discursaram os associados Bernardino Capell, Geraldo Pereira dos Santos, José Pereira da Silva (Pereirinha), Nivaldo Pereira e Jesus Chediak. Suspensa após a votação, a AssembléiaGeral prosseguiu no dia 27, para eleição do terço do Conselho Deliberativo para o mandato 2012-2015 e do Conselho Fiscal para o exercício social 2012-2013. O Relatório da Diretoria, intitulado Um ano de ações da ABI em defesa da liberdade de expressão e da ética na vida pública, e as Contas de Gestão são publicadas nas páginas 41 a 50 desta Edição.

Embaixador do Irã fala em casa cheia O Embaixador do Irã Mohamad Ali Ghanezadeh fez no dia 29 de março na ABI uma conferência sobre o seu país e a situação no Oriente Médio a convite da Associação dos Engenheiros da Petrobras -Aepet, que se fez representar na mesa diretora dos trabalhos por seu Presidente, Fernando Siqueira. Tendo como intérprete o Adido Cultural da Embaixada, Ghanezadeh manteve um diálogo de cerca de três horas com a platéia, composta por cidadãos comuns e especialistas em política internacional, entre os quais a jornalista Beatriz Bissio, que editou durante vários anos a revista Cadernos do Terceiro Mundo. A conferência estava programada inicialmente para o Clube de Engenharia, mas divergências políticas e ideologicas entre associados da entidade impediram que a palestra fosse feita lá.

Jornal da ABI ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha presidencia@abi.org.br / franciscoucha@gmail.com

Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS Diretor: José Eustáquio de Oliveira Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP

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Antes de se dirigir à Sala Belisário de Souza, que ficou lotada por interessados na palestra, o Embaixador Ghanezadeh foi recebido pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, e pelos Conselheiros Sérgio Caldieri, 1º secretário do Conselho da ABI, e Mário Augusto Jakobskind, aos quais apresentou uma série de informações sobre o seu país e especialmente sobre os meios de comunicação do Irã, que conta com 17 canais de televisão, mais de 400 jornais e mais de mil revistas. O jornal de maior expressão é O Jornal do Cidadão, que tem uma circulação superior a 1 milhão de exemplares. Conta ainda o Irã com três canais de televisão voltados para o exterior e que transmitem sua programação em espanhol, inglês e árabe. O Irã produz cerca de 110 filmes de ficção por ano e transmite atualmente mais de 50 novelas nos canais de televisão do país.

Os jornalistas João Máximo e Marcos de Castro, autores do livro Gigantes do Futebol Brasileiro, foram os ganhadores da principal láurea do Prêmio João Saldanha de Jornalismo Esportivo de 2001, cujos vencedores foram anunciados em concorrida cerimônia na sede do Botafogo, na Avenida General Severiano. Os dois haviam ganhado o Prêmio Ouro na categoria Literatura; no clímax da solenida-

de, em 16 de abril, em que foram entregues os prêmios, ambos foram consagrados com a vitória no Grande Prêmio João Saldanha, a categoria principal. Promovido pelo Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro-Acerj, por iniciativa de seu Presidente, jornalista Eraldo Leite, e pela ABI, o Prêmio João Saldanha, realizado pelo segundo ano consecutivo, teve estes ganhadores:

CATEGORIA INTERIOR

no Fla – Vinícius Castro; Uol.

BRONZE: “Alto custo ‘freia’ o automobilismo” – Giovani Pagotto; O Fluminense.

PRATA: “Aos 43” – Janir Júnior, Richard Souza, Thiago Correa; Globoesporte.com.

PRATA: “Leandro eterno” – Leonardo Borges e Rafael Barros; Jornal Na Jogada.

OURO: “Geração Moicano – a influência de Neymar e as novas tendências no futebol de base” – Cahê Motta; Globoesporte.com.

OURO: Série: “Craques do Passado: a região no mundo do esporte” – Leonardo Barros e Silva Souza, André Ricardo Gomes Charret da Silva; Jornal O São Gonçalo.

CATEGORIA LITERATURA BRONZE: Almanaque dos Velhos Brasileirões; Alexandre Mesquita e Jefferson Almeida. PRATA: 1981 – O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas; Maurício Neves de Jesus.

CATEGORIA JORNAL BRONZE: “Tudo em família na colina (genro de Roberto Dinamite ganhou R$ 615 mil do Vasco)” – Guto Seabra; Extra. PRATA: Caderno: “30 anos do título mundial do Flamengo” – Pedro Motta Gueiros, Fábio Juppa, Miguel Caballero de Andrade, Carlos Eduardo Mansur e Marceu Vieira; O Globo.

OURO: Gigantes do Futebol Brasileiro; João Máximo e Marcos de Castro.

OURO: “Medalha de campeão brasileiro do Fluminense é vendida na internet” – Marjorie Cristine; Extra.

CATEGORIA RÁDIO

CATEGORIA TELEVISÃO

BRONZE: “Vasco da Gama, campeão da Copa do Brasil” - Jorge Eduardo; Rádio Globo.

BRONZE: “Brasil Fora de Série/Nova Friburgo” – Thiago Gurjão / Sportv.

PRATA: “Emerson: a saída do Flu” - Rafael Marques; Rádio Globo.

PRATA: “Gol de Placa” – Rubens Pozzi / TV ESPN.

OURO: “O futebol que ninguém vê” - Fábio Morais e Gustavo Penna; Rádio Brasil/LBV.

OURO: Ex-Traficante/Jogador” – Carlos Moreira / TV Record.

CATEGORIA SITE

GRANDE PRÊMIO JOÃO SALDANHA

BRONZE: “Cartolas em cozinha de hotel e pedido de camarote: bastidores de Gaúcho

Gigantes do Futebol Brasileiro – João Máximo e Marcos de Castro.

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer.

CONSELHO FISCAL 2011-2012 Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e Manolo Epelbaum. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: Marcus Antônio Mendes de Miranda Conselheiros Efetivos 2011-2014 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, Dácio Malta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros Efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral. Conselheiros Efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros Suplentes 2011-2014 Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas,

Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães.

Conselheiros Suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros Suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Carlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes de Miranda. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Presidente, Lênin Novaes; Secretário, Wilson de Carvalho; Alcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Vianna, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Sérgio Caldieri e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS José Mendonça (Presidente de Honra), José Eustáquio de Oliveira (Diretor),Carla Kreefft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José Bento Teixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz e Rogério Faria Tavares.

JORNAL DA ABI • ABRIL DEABI 2012 O 377 JORNAL DA NÃO ADOTA AS REGRAS DO A CORDO O RTOGRÁFICO DOS P AÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA , COMO ADMITE O DECRETO N º 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.


DOCUMENTÁRIO

AJB/RIO

Risos e palmas para “João Saldanha”

FOTOS DIVULGAÇÃO

O público se esbalda de rir e em muitos momentos faz sentir sua indignação ao ver o filme que oferece uma visão multifacetada do jornalista e técnico que classificou a Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1970. Uma prolongada e calorosa salva de palmas saudou no Cine Odeon Petrobras, no Rio, no dia 3 de abril, a apresentação do documentário João Saldanha, de André Iki Siqueira e Beto Macedo, que mostra a densa e polêmica trajetória do jornalista, comentarista esportivo de jornal, rádio e televisão, técnico da Seleção Brasileira de Futebol em 1969 e do Botafogo de Futebol e Regatas em 1957 e militante do Partido Comunista Brasileiro-PCB, a cuja direção nacional pertenceu. Os aplausos finais repetiram o que sucedeu durante inúmeros momentos da projeção, em que o público, esbaldando-se de rir diante de falas espirituosas ou entusiasmado com declarações contundentes de Saldanha, aplaudiu intensamente o documentário. O filme acompanha o percurso de Saldanha desde o Rio Grande do Sul, onde nasceu, até o seu falecimento durante a Copa do Mundo de 1990, na Itália, para onde, já muito doente, embarcou numa cadeira de rodas. Seu médico advertira que ele se encontrava diante de uma opção difícil: ir à Copa, com risco de morrer, ou morrer aqui no Brasil, dentro de três meses. Apaixonado por futebol e preocupado em cumprir seus compromissos profissionais, no Jornal do Brasil e na Rede Globo de Televisão, Saldanha preferiu viajar. Voltou morto. Produzido por Roberto Berliner e Alexandre Niemeyer, este do famoso Canal 100, cujas imagens ilustram muitos momentos do documentário, com produção executiva de Rodrigo Letier e Lorena Bondarovsky, coordenação de Paola Vieira, direção de fotografia e câmara de Maurizio D’Atri, montagem de Pedro Bronz e trilha sonora de Sacha Amback, João Saldanha revela aspectos pouco conhecidos da biografia dele, como sua participação como assistente político do PCB na guerrilha de Porecatu, interior do Paraná, onde, no começo dos anos 1950, camponeses sem terras enfrentaram com armas os jagunços dos latifundiários e a Polícia do então Governador Moisés Lupion, e também na greve geral dos trabalhadores do Estado de São Paulo em 1953. Muito querido e admirado pelos dirigentes sindicais, o jovem Saldanha, bem apessoado e galante, propôs casamento a uma das líderes da greve, Maria Sallas,

Saldanha: contundência e bom humor.

mas esta prudentemente recusou a proposta: casar, somente de papel passado. Grande namorador, Saldanha casou cinco vezes. Suas ex-mulheres, assim como as suas três filhas e um filho, prestam belos depoimentos sobre ele. Embora sem se limitar à atividade de Saldanha no campo do esporte, o documentário contém cenas importantes de sua atuação como técnico do Botafogo, campeão carioca de 1957 sob o seu comando, e como técnico da Seleção Brasileira de Futebol, que ele dirigiu nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1970 no México, levando-a à classificação. É mostrada em seguida a crise que culminou com a sua demissão, diante de sua recusa em convocar o jogador Dario, então centro-avante do Clube Atlético Mineiro, como queria o ditador General Emílio Garrastazu Médici. O público aplaude com vigor quando o filme mostra a reação de Saldanha numa entrevista na época: “Eu e o Presidente temos

várias coisas em comum: ele é gaúcho, como eu, ele é gremista, eu também sou, e ele gosta de futebol, como eu. Mas o Presidente escala o seu Ministério e eu escalo a minha Seleção”. Nesse ponto, de forma objetiva, sem querer induzir o espectador a essa conclusão, João Saldanha mostra como a imprensa, servil à ditadura militar, alimentou a crise que precederia a sua substituição pelo técnico Mário Jorge Lobo Zagalo, que logo convocaria Dario, como queria o ditador Médici. Mostra também, sem comentários, a sabujice diante da ditadura dos dirigentes da então denominada CBF (Confederação Brasileira de Futebol), liderados pelo seu Presidente, João Havelange. Ágil e num ritmo que prende o espectador, João Saldanha contém depoimentos de 57 pessoas entrevistadas sobre ele, várias delas apresentadas em atraentes flashes sob o título Histórias do João. Entre esses depoimentos estão os de 20 jor-

nalistas, comunicadores de rádio e televisão ou publicitários: Alberto Helena Júnior, Alberto Léo, Armênio Guedes, Carlos Alberto Vizeu, Doalcei Camargo, Ivan Alves Filho, Jaguar, José Carlos Araújo, José Machado, Juca Kfouri, Luiz Mário Gazzaneo, Luiz Mendes, Marcelo Rezende, Maurício Azêdo, Paulo Stein, Sérgio Cabral, Villas-Bôas Corrêa e Washington Rodrigues, citados aqui em ordem alfabética e não na ordem em que aparecem no documentário. Produzido pela TVZero em co-produção com o Esporte Interativo e o Canal 100, João Saldanha será exibido no canal Esporte Interativo da internet e, em julho, mês do nascimento de João, no Canal Brasil. Será lançado então o dvd do filme. Após a apoteose dos aplausos na sessão no Odeon, o diretor André Siqueira admitiu que os produtores do filme poderão examinar a possibilidade de sua exibição também na rede comercial de cinemas.

Graças a minuciosa e abrangente pesquisa, o documentário de André Iki Siqueira reuniu imagens de João Saldanha como treinador em 1969 da Seleção Brasileira de Futebol, constituída por feras: jogadores dotados de caráter afirmativo, como o do técnico.

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PUBLICAÇÃO

A Columbia Journalism Review agora no Brasil A ESPM faz parceria com a Universidade de Columbia e lança adaptação brasileira de revista de jornalismo. Tendências que envolvem a prática do jornalismo no Brasil e no Mundo, analisadas por profissionais experientes e estudiosos do mercado, dão o tom da linha editorial da Revista de Jornalismo ESPM, edição brasileira da Columbia Journalism Review, que a Escola Superior de Propaganda e Marketing-ESPM acaba de lançar. “Nossa proposta editorial é ser uma revista que discutirá o jornalismo fazendo uma ponte entre o universo profissional e o do estudo do jornalismo – exatamente como acontece na Graduate School of Journalism da Columbia University, dos Estados Unidos”, diz Jorge Roberto Tarquini, Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial da ESPM e editor da publicação. A ESPM sempre foi voltada para publicidade, marketing e negócios, e desde 2011 tem direcionado seus investimentos para a área de jornalismo, em que já

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oferece um curso de Graduação e outro de Pós-graduação. A idéia de lançar a versão brasileira da CJR surgiu de uma visita à Columbia, antes mesmo de existirem os cursos da ESPM. “A universidade norte-americana tinha interesse de estar presente no Brasil, um mercado em alta com potencial de crescimento e no qual o mercado de mídia e jornalismo cresce e se moderniza como em poucos lugares. Assim, depois da China, onde a Columbia Journalism Review foi lançada há três anos, o Brasil é o segundo País a recebê-la”, informa o editor. Fundada em 1961 pela Escola de PósGraduação de Jornalismo da Universidade de Columbia, a CJR é publicada seis vezes por ano e tem como princípio incentivar e estimular a excelência no jornalismo e busca examinar o desempenho da imprensa no dia-a-dia, assim como as ameaças que afetam a sua atuação.

A Revista de Jornalismo ESPM é dirigida a profissionais, estudantes de jornalismo e aos que se interessam pelo universo da informação jornalística. Segundo Tarquini, a publicação não terá viés acadêmico, o que ajudará a aproximar o conteúdo de leitores que não sejam do segmento. Em suas 52 páginas, terá seções de notícias sobre imprensa no Brasil e no mundo, artigos assinados por profissionais renomados e assuntos polêmicos em torno da atividade do jornalismo. Na primeira edição o destaque é um artigo sobre o ensino de jornalismo e a importância da parceria entre a Columbia e a ESPM, que foi escrito por Victor Navasky, chairman da Columbia Journalism Review, considera-

do um dos grandes nomes do jornalismo americano. A direção da Redação é de Eugênio Bucci, que também dirige o curso de PósGraduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial da ESPM, em parceria com o Instituto de Altos Estudos em Jornalismo-IAEJ. Entre os principais colaboradores articulistas da primeira edição estão Alberto Dines, Sonia Nascimento, José Roberto Whitaker Penteado, Eugênio Bucci e Carlos Eduardo Lins da Silva, que também atuou como editor associado. Nas futuras edições haverá participação dos professores da pós e da graduação da escola. “Nesta primeira edição, colocamos 60% do conteúdo traduzido da CJR e, para amarrar a pauta, criamos artigos brasileiros sobre os mesmos temas, sob a retranca de “Enquanto isso no Brasil...”, diz Tarquini, ressaltando que esses artigos ganharam chamadas de destaque na capa da publicação. A revista tem periodicidade trimestral, tiragem de 20 mil exemplares e será vendida por meio de assinaturas, além de estar presente em livrarias e bancas selecionadas pelo preço de R$ 16,00. Também é enviada para um mailing com os principais profissionais da área, veículos e cursos de jornalismo do País. No próximo ano a publicação também terá uma versão online, como sua matriz norteamericana. (Sérgio Luccas)


REFLEXÕES

A arte e seu repentino clarão Séculos de luta fratricida não civilizaram o ser humano, não trouxeram a paz. Não se distinguem fronteiras entre o narcotráfico, o agronegócio, os credos religiosos e as forças repressivas. Fortaleceu-se a ditadura da burguesia, a do proletariado impossibilitou-se. POR FÁBIO LUCAS

RITA BRAGA

A Arte se põe do lado do saber rigoroso, instrumento de emancipação do ser humano, ato de libertação. Não se confunde com a falsa consciência, impregnada de intenções hedonísticas e libidinosas. Portanto, vítima e prisioneira dos prazeres oferecidos pelo ilusionismo da indústria cultural, matriz da produção de objetos kitch, vicários. Nada tem a ver com a expansão do consumismo, esse mecanismo insaciável do vanguardismo de fachada. O vanguardismo pressupõe a prevalência da competição, é incapaz de entender o aspecto desinteressado da Arte como valor do sujeito e razão de sua hegemonia. Tem vocação autoritária, é fruto de uma situação relacional do competidor que, em confronto com o outro, o desafia e se propõe excluí-lo. Com a passagem do tempo, o vanguardismo padece inexoravelmente da morte súbita. Pois padece de vício de origem, orgânico. A proposta açucarada da Arte, para fim de aguçar a tentação do prazer, associada à lei do menor esforço, tão sedutora para a massa ingênua, encaminhaa para a arena do mercado, campo aberto. Aos mecanismos de compra-e-venda, subordinada ao princípio da quantidade. Quando o produto artístico sublinha a qualidade e faz preponderar o valor de uso, vertical, diferente no mais das vezes do valor de troca, horizontal, escapa da morte súbita com que o mercado pune efêmeras ilusões da moda. No dizer de Adorno, a utopia baseiase num “pacto com o fracasso” (apud Da Teoria Crítica e Seus Teóricos, de Stephen Eric Bronner, Campinas-SP, 1997, trad. de Tomás R. Bueno e Cristina Meneguel, p. 230). Com isso, o pensador deu um tiro de morte na dialética ou na velha noção do movimento construtivo. Os véus da ilusão (a fantasia) encobrem a estrutura da repressão entremeada na indústria cultural. Os prazeres do espetáculo, de duração instantânea e morte súbita, disfarçam os princípios de dominação subjacente à película ilusionista. Na cadeia produtiva dos prazeres da sociedade consumista, o primeiro elo

está encadeado nos interesses cumulativos da riqueza. A consciência ingênua absorve a auto-escravização inerente ao processo reificador como ato de liberdade, como desabrochar da própria autonomia. Crê ardentemente no exercício livre do arbítrio. Mas a Arte evidencia o que Stendhal chamou de “promesse de bonheur” (apud Stephen Eric Bronner, p. 230). Não se equipara ao que Sartre definiu como “paixão inútil” (espécie da “esperança cega” que Prometeu, segundo Ésquilo, inscreveu no coração do homem).

Ventos e tempestades

Lidamos hoje com a eficácia histórica da cultura imaterial e das informações consumistas, que modelam as mentes, as condicionam ao utilitarismo volátil e as afastam das questões básicas do ser. Ventos e tempestades trazem novas idéias, convidam-nos a refletir sobre o impasse da produção capitalista na hora

confusa das crises que se somam ao pé dos governos e seus agentes assustados. O diagnóstico de Karl Marx ainda opera na antevisão das aporias (situações insolúveis, sem saída) ou das contradições (processo automaticamente construtor de mercadorias e destrutivo da natureza). Riquezas são acumuladas e rendas são concentradas, juntamente com o crescente poderio bélico. Os equilíbrios ambientais, sociais e econômicos são rompidos a cada momento, pois é impossível conter as forças da dominação. A cobiça do poder é fatal para a Humanidade. Fala-se na mudança de paradigma. Séculos de lutas fratricidas não civilizaram o ser humano, não trouxeram a paz. Com a massificação, desencadeou-se, nos conglomerados urbanos, a violência inumerável. Não se distinguem fronteiras entre o narcotráfico, o agronegócio, os credos religiosos e as forças repressivas. Fortaleceu-se a ditadura da burguesia, a do proletariado impossibilitou-se. Cuida-se da civilização do saber. Para os agentes do poder, o “saber” confunde-se com a qualificação setorial da mão-deobra. Eleva-se a taxa de exploração sob o signo da melhoria da vida do trabalhador. Para o pensamento de cunho humanitário, o engajamento de todos no aperfeiçoamento e na elevação do processo produtivo acelera a conscientização coletiva na direção do novo paradigma. O da associação cooperativa, baldados os princípios da competição, excludentes, egocêntricos. Antônio Resk, inspirado homem público, analisou com acerto o declínio vertiginoso da bioenergia (a energia física que se transforma em força de trabalho) nas tarefas de produção e distribuição de alimentos, vestiário, instrução e lazer. A Robótica trouxe as máquinas ao primeiro plano, capazes de substituir inúmeros trabalhadores, desempregando-os, reduzindo horas de trabalho e dignificando as pessoas com a possibilidade de programar o seu lazer. A Informática, por sua vez, multiplicou a velocidade do conhecimento, trouxe o saber para mais perto das pessoas. Mas, advertem os humanistas da linha de Antônio Resk: a Tecnologia é meio, instrumento. Deve estar a serviço do ser humano, não das elites dominantes, para perpetuar esquemas de dominação.

Antônio Resk ofereceu-nos A Revolução do Homem - uma Introdução (S. Paulo: Textonovo, 2002), fundou com outros companheiros, o MHD – Movimento Humanismo e Democracia –, uma resposta política aos novos tempos. Preparava outra obra, que ficou inconclusa. Graças à contribuição de Marco Aurélio Fernandes Veloso e Marilúcia Melo Meireles, foi possível ordenar os escritos de Antônio Resk na publicação Ruptura -Anomia na Civilização do Trabalho (S. Paulo: Plena Editorial, 2011), com introdução de Levi Bucalem Ferrari. Estudo memorável. Além de investigar a exaustão da apologia do trabalho como fator civilizatório, Antônio Resk analisa a precariedade do trabalho humano e a erosão do sistema que prega a qualificação. Isso porque o avanço da Tecnologia e o adestramento da mãode-obra agravaram o desemprego estrutural e trouxeram a ambos – o trabalhador empregado e o desempregado – estados patológicos da mente, insusceptíveis de cura. Não existe horizonte possível para o pleno emprego nas economias mais avançadas do capitalismo. Apóia-se Antônio Resk em reflexões de Istvan Mézáros, na obra Para Além do Capital (S. Paulo: Boitempo, 2002, trad. de P. Castanheira e Sérgio Lessa). Condena a sacralização do trabalho, pois este não liberta o homem. O desemprego desgasta o trabalhador, e o faz consumir intensa energia psíquica. Além do mais, verifica-se que tradicionalmente se fala no lazer, que seria ocupado pelas realizações artísticas e pelo esporte. Mas a civilização moderna, neoliberal e globalizada, nada mais ofereceu que a sociedade do espetáculo, na qual somente floresce o imaginário circense ou as práticas pseudo-esportivas com que se poderia expandir a violência competitiva, administradas pelas agências altamente lucrativas e exploradoras da capacidade humana. Como assinala Antônio Resk, perde consistência a relação do trabalho humano com o sistema produtivo, “degradando as regras da convivência solidária”: “É o tempo da anomia a conturbar a ordem da civilidade”. A revolução do homem certamente virá para concentrar as energias criadora e consumidora do ser humano, sepultando para sempre o paradigma que o infelicita e degrada. Os artefatos da Tecnologia devem ajustar-se à tarefa coletiva de alimentar, vestir, instruir, proteger e entreter os sete bilhões de habitantes do globo terrestre. O fim último seria, para cada indivíduo, integrar-se harmoniosamente com a comunidade, sem impulsos hegemônicos, nem cobiça de dominação. Assim se alcançaria o ser em estado de perfeição, a Enteléquia, aquele estado em plenitude do ser plenamente realizado, como quis Aristóteles. Da Arte que apanhasse o ser humano na intensificacidade, desde que o menor fragmento evoque a totalidade da qual é símbolo e representa intensivamente. FÁBIO LUCAS é escritor e crítico literário.

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TELEVISÃO

CLEONES RIBEIRO

A apresentadora Maria Cristina Poli: “Conseguimos traduzir a notícia.”

Há vida inteligente no telejornalismo brasileiro O Jornal da Cultura, da TV Cultura de São Paulo, busca inovar a linguagem do telejornal, informando e analisando os fatos do dia-a-dia na linguagem do telespectador. P OR S ERGIO L UCCAS

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scolha qualquer dia, basta assistir a uma edição dos telejornais das emissoras de tv aberta para constatar a mesmice. A impressão que se tem é que todos seguem a mesma pauta, exibem as mesmas matérias, dentro de padrões muito semelhantes de cobertura. Se você vê um é como se já tivesse visto todos. E o pior, depois de alguns minutos, você sequer recorda das principais notícias, tamanha é a superficialidade com que os assuntos são abordados. Esse padrão inventado e seguido há anos já não atende às necessidades de informação do público que, na era da internet e das mídias sociais, quer pluralidade de fontes e diversidade de opiniões para entender e tirar suas conclusões sobre o que se passa no País e no mundo. Mas, justiça seja feita, há uma exceção. Para sair da vala comum e oferecer uma nova opção de telejornalismo a seus espectadores, a TV Cultura de São Paulo – emissora pública da Fundação Padre Anchieta – mudou completamente o formato do Jornal da Cultura, em outubro de 2010. E deu certo. Hoje, o telejornal é considerado um dos melhores do País e acompanhado por fãs assíduos, que vêem nele uma fonte de informação e, sobretudo, de conhecimento. “A proposta é trilhar caminho próprio, praticando um jornalismo mais analítico e de interação com o espectador. Como

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somos uma emissora de cobertura local, basicamente São Paulo, não pretendemos concorrer em volume de notícias com as outras emissoras. A abordagem é mais qualitativa, priorizando os fatos mais relevantes do dia e traduzindo seu significado e repercussão na vida das pessoas”, explica o Gerente de Jornalismo da TV Cultura, Celso Kinjô, jornalista experiente que participou da equipe fundadora do Jornal da Tarde nos anos 1960 e depois trabalhou nas revistas Realidade, Manchete, Geração Pop, Placar e Quatro Rodas, além de ter sido editor na TV Globo. O diferencial veio no formato de uma bancada com a apresentadora Maria Cristina Poli, jornalista que regressou à emissora, onde apresentou e fez reportagens especiais para o programa Vitrine, entre 1993 e 1998, e dois convidados diários, selecionados de um grupo basicamente de professores universitários e pesquisadores, capacitados para comentar as principais notícias do dia das mais diversas áreas, como economia, política, meio ambiente, saúde etc., mesmo fora de suas especialidades. Foram feitos vários programas-piloto para testar o modelo até o telejornal ir ao ar. O maior desafio era adequar a linguagem dos convidados ao público do noticiário, evitando jargões acadêmicos e explicando os fatos de forma simples e objetiva, o que acabou acontecendo.

É nesse ponto que contou muito a experiência de apresentadora e repórter de Maria Cristina Poli. Ela conta que o telejornal evoluiu muito desde a sua estréia. “Conseguimos traduzir a notícia, explicá-la em uma linguagem que o telespectador entende e mostrar seus reflexos e significado no dia-a-dia das pessoas e do País. Somos analíticos ao mesmo tempo em que buscamos a simplicidade”, sintetiza Poli. Além da análise das principais notícias do dia e sua repercussão, ela cita como exemplos dessa linha editorial os quadros fixos Jornal da Cultura Explica, uma espécie de ABC da notícia, em que são esclarecidos para o público termos utilizados no cotidiano, mas que não são compreendidos pela maioria da população, como inflação, funções de ministros, guerras, conflitos e leis; e Arquivo da Cultura, preciosidades do rico acervo da TV Cultura, que resgatam fatos importantes relacionados com o que acontece hoje. “Um dia o porteiro de um edifício próximo à minha casa me abordou e disse que assiste e gosta muito do Jornal da Cultura porque a gente fala ‘brasileiro’. Me senti realizada”, conta a jornalista. Informal e espontânea, Poli faz intervenções que ajudam na interpretação dos fatos do dia e busca o equilíbrio na participação dos convidados, para que o programa não perca esse ritmo desejado.

“Meu lado de repórter fala mais alto, tanto que também faço reportagens especiais para o jornal. Como âncora não sou padrão, fico indignada, me emociono, gaguejo às vezes, mas isso é bem aceito”. Bancada qualificada Com 50 minutos de duração e há um ano e meio no ar às 21h10min, de segunda a sábado, o Jornal da Cultura já recebeu em sua bancada de convidados o sociólogo Demétrio Magnoli; o jornalista e professor da Escola de Comunicações da Usp Eugênio Bucci; o historiador Marco Antônio Villa; o escritor e roteirista Paulo Lins; o professor de Filosofia da Usp Vladimir Safatle; o economista Alexandre Schwartsman; o advogado e ex-Deputado federal Airton Soares; o professor da Faculdade de Medicina da Usp Paulo Saldiva; a professora de Direito Internacional da Usp Maristela Basso; o cientista político Carlos Novaes; o filósofo e professor de Teologia da Puc de São Paulo, Mario Sergio Cortella, e a professora de Direito Constitucional também da Puc Flávia Piovesan; entre outros que foram se revezando ao longo desse período. “Formamos um elenco de pessoas qualificadas e em condições de comentar notícias gerais, sejam de política, economia, meio ambiente ou futebol, sem serem necessariamente especialistas. O Paulo Saldiva, por exemplo, é muito eclético, além de médico patologista e professor da Faculdade de Medicina da Usp, é ciclista militante e pode falar até de futebol. Concordâncias e divergências na análise dos fatos entre os componentes das duplas acabam refletindo suas visões e posições políticas, o que enriquece o debate e estimula a participação dos espectadores. Aqui eles têm liberdade para manifestar suas opiniões”, comenta Kinjô. Um exemplo disso aconteceu em um programa de fevereiro de 2010. Nele, o jornalista Eugenio Bucci e o sociólogo Demétrio Magnoli criticaram no ar uma notícia do próprio telejornal sobre a proposta do Governo do Estado de São Paulo – mantenedor da Fundação Padre Anchieta e da TV Cultura – para regionalizar a saúde. Segundo Magnoli, a matéria exibida “era baseada em uma declaração de intenções e não em um fato”, ao que Bucci concordou: “É importante nós termos claro que o protagonista de uma notícia de interesse público é o cidadão afetado por alguma medida do Governo”, declarou. A produção diária do jornalístico mobiliza uma equipe de mais de trinta pessoas, entre editores, chefes de reportagem, apresentadora, repórteres, pauteiros, coordenador de rede, produção executiva e gerência geral. Às matérias captadas na capital paulista somam-se imagens e informações de Brasília e de outros Estados fornecidas pela TV Brasil, emissora pública da Empresa Brasil de Comunicação-EBC, parceira da Cultura, e material internacional da Agência Reuters.


Um hora antes do telejornal ir ao ar, Maria Cristina Poli passa o script com a dupla de convidados e acerta com eles o que desejam comentar. Durante o dia, esses comentaristas já mantêm contato com a Redação para ter uma prévia dos fatos de destaque. Penetração e aceitação O Jornal da Cultura tem muita penetração e aceitação na comunidade acadêmica, entre estudantes, professores e pesquisadores, pelas interpretações e análises que faz das notícias. Mas sua audiência não se restringe a esse público. Engana-se também quem imagina que o telespectador da Cultura é predominantemente da classe A. “Esse público migrou para a tv por assinatura. Desde 2005, o espectro de público da Cultura se cristalizou na classe C, a classe média baixa que está em ascensão. Ela assiste sobretudo à programação infanto-juvenil da emissora, que responde por dois terços da programação. À noite nossa programação jornalística é vista por essa classe, que busca informação, entender melhor o que está ocorrendo no Brasil e no mundo, justamente o que oferecemos”, esclarece o Gerente de Jornalismo Celso Kinjô. Maria Cristina Poli acrescenta que o Jornal da Cultura é muito assistido também por estudantes do segundo grau e de

cursinhos pré-vestibular, por recomendação de seus professores; e por mulheres que estão entrando no mercado de trabalho e buscam repertório, para estarem bem informadas e atualizadas. A média diária de um ponto de audiência, registrada pelo Ibope – que representa 60 mil domicílios na região da Grande São Paulo –, faz do Jornal da Cultura o líder da programação noturna da emissora. É preciso considerar também a audiência do público que utiliza antenas parabólicas (30 milhões de domicílios), muito numeroso no interior do País e não considerado pelo Ibope, além da própria tv paga, onde a Cultura está presente no cardápio de canais das mais diversas operadoras em todo o País. Kinjô informa que o Jornal da Cultura recebe muitos e-mails de telespectadores de diversas cidades e Estados do Brasil que sintonizam a emissora via antena parabólica. “Claro que sempre almejamos atingir o maior número de pessoas possível, tanto que nossa meta é dobrar essa audiência até o segundo semestre de 2013, mas o índice de audiência Ibope não é o principal parâmetro de avaliação para a Diretoria da Casa”, diz ele.

fundamental para avaliação de retorno e aceitação do telejornal. Para isso, a participação da audiência através das principais ferramentas da rede mundial de computadores tem sido muito importante. Tanto é que o Jornal da Cultura começa em seu site alguns minutos antes da televisão (cmais.com.br/jornaldacultura), e quem o vê pela internet pode participar do programa através do Twitter (twitter.com/ jornal_cultura). Por esses canais, em tempo real, o telespectador pode opinar, fazer perguntas, dar sugestões ou pedir mais informações sobre qualquer assunto apresentado no programa. O jornal também dispõe de uma página no Facebook (facebook. com/jornaldacultura). “Sentimos a reação do público e ela tem sido boa, são dezenas de comentários e sugestões de pautas por e-mail e pelo Twitter, demonstrando que estamos no caminho certo. Essa é outra marca do telejornal apresentado por Maria Cristina Poli: abrir espaço para que o público se manifeste em relação aos fatos, concordando ou discordando dos analistas. “Interajo com o público durante o jornal o tempo todo, de modo que ele também participe das análises das notícias com sua opinião”, diz Poli.

Presença na internet Uma ação que aumenta a interatividade do programa com o seu público é a sua forte presença na internet e isso tem sido

Séries especiais A importância e repercussão de matérias analisadas pela bancada do Jornal

RENATO NASCIMENTO

O jornalista Aldo Quiroga apresenta o Matéria de Capa, jornalístico semanal exibido aos domingos que faz uma análise mais aprofundada de grandes temas do Brasil e do mundo.

O sucesso do telejornal deu origem a novos programas jornalísticos e de prestação de serviços na TV Cultura. Alguns começaram como quadros do jornal até ganhar vida própria na grade da programação de 2012, outros foram concebidos para aproveitar nichos de mercado e oferecer novas opções aos espectadores em dias e horários pouco explorados pela concorrência.

MATÉRIA DE CAPA

Programa semanal de 30 minutos sobre um fato internacional de relevância. Surgiu a partir da cobertura da Primavera Árabe, analisada durante uma semana por todos

jornal de prestação de serviços, focado no esclarecimento de assuntos que mexem com a vida da maioria das pessoas. O formato segue a linha de um bate-bola entre especialistas convidados e o público. A cada dia, um tema é discutido. Planos de saúde, nutrição, saúde (prevenção), orçamento doméstico, direito do consumidor, alcoolismo, drogas, terceira idade e, principalmente, previdência social são alguns deles. É exibido de segunda a sextafeira, às 8h, com 30 minutos de duração. Estreou no dia 5 de março. Recebe diariamente mais de 100 e-mails e consultas online de telespectadores e procura esclarecer suas dúvidas.

GUIA DO TRÂNSITO

Novo jornalístico de prestação de serviço, dá um panorama detalhado em tempo real de como está o trânsito na cidade de São Paulo, informando o paulistano que se pre-

os comentaristas do Jornal da Cultura, e de um especial de uma hora exibido às 19 horas de um domingo, que alcançou 1.5 ponto no Ibope. Estreou em setembro de 2011 e se tornou líder de audiência entre os jornalísticos da Casa. Atende a um público que quer um programa alternativo aos domingos. Apresentado pelo jornalista Aldo Quiroga, já abordou temas como A crise dos EUA e Eleições na Rússia.

PRONTO ATENDIMENTO

Começou como um quadro fixo semanal de 15 minutos do Jornal da Cultura, exibido aos sábados às 12h30min. É um

para para sair de casa pela manhã. Tem uma hora de duração, 7h às 8h, diariamente, de segunda a sexta-feira. Da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) são exibidas imagens dos cruzamentos mais importantes. As câmeras das concessionárias de rodovias mostram como está a ligação com outras cidades e Estados. Já a TV Cultura utiliza 15 câmeras próprias para áreas de grande fluxo, além de repórteres ao vivo, em vários pontos da metrópole. O público pode participar postando online vídeos e fotos do trânsito nos locais em que está e eles vão ao ar durante o programa. Os repórteres Cadu Cortez e Adriana Cimino, especialistas em “rotas de fuga” para sair dos usuais congestionamentos, apontam alternativas para agilizar a locomoção pela cidade. Cerca de 10% da programação diária estão voltados para a previsão do tempo.

LEGIÃO ESTRANGEIRA

JAIR MAGRI

Os filhotes do Jornal da Cultura

da Cultura deram origem a matérias e séries especiais sobre temas como obesidade infantil, maternidade, crack, trânsito, Comissão da Verdade, tratados em reportagens especiais exibidas e comentadas durante toda a semana. Segundo Kinjô, são assuntos que possibilitam aprofundar as pautas, criando até campanhas como “Paz no Trânsito”, que o jornal lançou após uma série de tragédias nas ruas de São Paulo. Durante 30 dias, o Jornal da Cultura colocou no ar depoimentos de pessoas que contaram tragédias familiares e perdas de pessoas queridas nas ruas das cidades. Cidadãos, especialmente jovens, que mudaram de atitude depois que perderam amigos no trânsito, também participaram da reportagem. O especial apresentou declarações de especialistas e pessoas comuns, que deram idéias e soluções para melhorar as condições de deslocamento dentro das cidades. No final de cada semana, o público pôde acompanhar um debate no estúdio, sempre ancorado numa reportagem especial produzida pela equipe do telejornal. Esse convite à participação e à reflexão do público sobre o significado dos fatos que geram notícias é um dos principais diferenciais do Jornal da Cultura e faz dele um bom exemplo a ser seguido no telejornalismo brasileiro: afinal, o público tem direito a ser bem informado.

Madeleine Alves, do Pronto Atendimento: esclarecendo dúvidas dos telespectadores.

Exibido aos domingos, às 20h30min desde 11 de março, o programa traz correspondentes da imprensa estrangeira no Brasil para comentar os fatos da semana sob o ponto de vista da imprensa internacional. A participação do País em temas mundiais e os fatos do cenário nacional são focados no programa comandado pela jornalista Mônica Teixeira, que tem como convidados, a cada semana, quatro correspondentes. A conversa entre os convidados reflete diversos pontos de vista dos principais veículos e agências de notícias, dando uma compreensão melhor do que pensam do Brasil. Economia, esporte, política, artes, cultura são alguns dos temas analisados e debatidos.

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LANÇAMENTO

ARQUIVO PESSOAL

Romance de Jurandyr Noronha faz um passeio pela História Jornalista, cineasta e escritor, o autor de Panorama do Cinema Brasileiro faz uma incursão pela ficção, com um roteiro em que a cidadezinha de Remanso contempla o que acontece no País e no mundo. P OR C LÁUDIA S OUZA

Aplaudido no Brasil e no exterior como um dos grandes nomes da cultura brasileira, o jornalista, cineasta, pesquisador e escritor Jurandyr Noronha lançou dia 26 de abril, na Livraria da Travessa de Ipanema, o livro Bravos Companheiros. Redator, roteirista, montador e diretor de filmes, Jurandyr Noronha, 96 anos, vem dedicando a sua consagrada trajetória profissional, iniciada nos anos 1940, à valorização e à preservação da cultura e da memória cinematográfica brasileira. Autor de dezenas de filmes e livros sobre a sétima arte, Jurandyr realizou em Bravos Companheiros – seu primeiro romance – o acalentado projeto de relatar impressões e experiências a partir dos acontecimentos que marcaram a História do Brasil e do mundo. “Este é um livro simples e direto como o seu autor Jurandyr Noronha. Narra, sem complicações, uma dupla estória que se desenvolve na pacata Remanso, mas vem contando, por outro lado, os fatos que marcaram a história do Brasil. A revolta do Forte de Copacabana em 1922 e o tenentismo que daria na Revolução de 30. Por aí passam Prestes, Plínio Salgado, Getúlio, a presença dos pracinhas na Itália e vem até o sputinik e o nosso futebol de 1958, campeão na Suécia”, relata o escritor Affonso Romano de Sant’anna, no prefácio da obra. Nas palavras do jornalista e poeta Celso Jupiassu, autor do texto de apresentação, com a sua simbólica Remanso, Jurandyr Noronha dá vida ao axioma de Tolstoi: “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Diz Japiassu: “Ele testemunhou os fatos que lhe são contemporâneos e com eles compõe sua 18

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narrativa, o que lhe permite transmitir a experiência de um observador privilegiado, capaz de prestar seu depoimento na qualidade de quem realmente viveu para poder contar. Os fatos reais estão enriquecidos pela criação literária, mas são expostos como realmente aconteceram.” Personalidades históricas como Washington Luiz, Getúlio Vargas, Santos Dumont e Juscelino Kubitschek conduzem a trama que entrelaça a narrativa dos personagens ficcionais: “Vultos marcantes da História recente do Brasil estão ao lado do padre, do prefeito, do operário comunista e de outros anônimos moradores da pequena Remanso, que da sua simplicidade observam desenrolarem-se os acontecimentos, os dramas e as tragédias de todo um século: do levante dos tenentes no Forte de Copacabana ao lançamento do primeiro satélite artificial da Terra; passando pela Revolução de 1930; o surgimento do avião como meio de transporte; a popularização do rádio e da tv transformando a comunicação de massa; o movimento constitucionalista de São Paulo; os levantes comunista e integralista de 1935 e 1938, a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial, com a participação da Força Expedicionária Brasileira-Feb nesse conflito; a criação do Estado de Israel; a derrota da Seleção Brasileira de

“ELE TESTEMUNHOU OS FATOS QUE LHE SÃO CONTEMPORÂNEOS E COM ELES COMPÕE SUA NARRATIVA, O QUE LHE PERMITE TRANSMITIR A EXPERIÊNCIA DE UM OBSERVADOR PRIVILEGIADO. OS FATOS REAIS ESTÃO ENRIQUECIDOS PELA CRIAÇÃO LITERÁRIA, MAS SÃO EXPOSTOS COMO REALMENTE ACONTECERAM.”

Futebol frente ao Uruguai; a Guerra Fria; o suicídio de Getúlio; a construção de Brasília e o Brasil campeão mundial de futebol”, observa Japiassu. O papel de Jurandyr Noronha como incentivador e partícipe dos movimentos em defesa da cultura nacional e das liberdades, é sublinhado por Affonso Romano de Sant’anna: “Depois de ter visto, ter filmado e ter vivido tudo o que viveu, Jurandyr Noronha decidiu, do alto de seus quase cem anos, entregar-se a essas recordações de um mundo antigo. Para usar uma linguagem cinematográfica, já que não se pode pensar no cinema brasileiro sem Jurandyr, ele faz uma espécie de trailer de seu tempo. É o que comumente se chama de ‘testemunha ocular da História’.” Para ser fiel aos episódios históricos, Jurandyr Noronha conta que dedicou cerca de seis anos à pesquisa: “Os fatos que marcaram o Brasil e o mundo sempre foram objeto de minha atenção, assim como a luta política no País, da qual participei. Contudo, o resgate histórico na feitura de uma obra é necessariamente árduo e exige disciplina e dedicação. Tudo se torna mais difícil ainda ao lançarmos o livro sem patrocínio. Neste sentido, tive a importantíssima colaboração de minha filha, Gilberta Noronha Mendes, e de meu genro, Júlio Helbron.”


Noronha, comprada pela Light em 1991 e doada ao Museu da Imagem e do Som-Mis em 1997, continha documentários históricos e filmes de ficção em 16 e 35 milímetros, cenas do cotidiano carioca (Cinelândia em 1920, a Avenida Rio Branco, a Praia do Flamengo, Copacabana e o Carnaval de 1940), fotografias de filmes, de estúdios, de equipamentos, de salas de exibição e de personalidades do cinema nacional e internacional, além de estudos sobre indumentária para o cinema. Posteriormente, o material, dilapidado, foi transferido para os estúdios da Cinédia. Em reconhecimento ao legado do mestre da imagem, o acervo de arquivos sobre o cinema documentário brasileiro do

Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro leva o nome de Jurandyr Noronha. A filmografia de Jurandyr inclui a direção de curtas e média-metragens, como Uma Alegria Selvagem, A Medida do Tempo, O Cinegrafista de Rondon, Oswaldo Cruz. Como curador, organizou as exposições 75 Anos de Cinema (1970), Pioneiros do Cinema Brasileiro (Frankfurt, Alemanha, – 1994), 200 anos de Indústria no Brasil (área de cinema, 2007/ 2008), e O Rio no Cinema – O Cinema no Rio”(1988), esta última como co-curador. A contribuição do cineasta estende-se ao mercado editorial, com os títulos No tempo da manivela, Pioneiros do Cinema Brasileiro, A Longa Luta do Cinema Brasileiro, O Momento Mágico, Dicionário do Cinema Brasileiro, de 1896 a 1936 -Do Nascimento ao Sonoro, o mais completo levantamento do cinema silencioso brasileiro, com cerca de 2.500 verbetes, além do cd-rom Pioneiros do Cinema Brasileiro e o mais recente lançamento, Bravos Companheiros .

Ubiratan, aos nove anos de idade, testemunha o acontecimento histórico.” Como num caleidoscópio, os fatos transmudam-se incessantemente em Bravos Companheiros: “Agora oficial do Exército, Evandro casase com Lúcia, e é transferido para São Paulo. Na Serra da Mantiqueira, no Túnel, com o sacrifício de ambos os lados, há imensa vigia. Emprego da aviação em larga escala: bombardeio da usina da Light, na Serra do Cubatão. Bloqueio do Porto de Santos pelos governantes com o emprego de destróieres e cruzadores. O Rio Grande do Sul com o fogo das baterias antiaéreas fere de morte a aviação constitucional, tornando-a mesmo inoperante. Guardadas as proporções, tudo lembrava a 1ª Guerra Mundial. Assim como as idéias de direita, as de esquerda também chegavam a Remanso. Com Plínio Salgado e militares de várias cidades brasileiras, da Ação Integralista Brasileira-AIB, exemplo do clima que vivia o Brasil, ocorre a chamada Batalha da Praça da Sé, afirma o autor: “A luta se estende pelo Largo João Mendes, Convento do Carmo, início da Avenida Rangel Pestana, Avenida Brigadeiro Luís Antônio, Largo de São Bento e Praça Ramos de Azevedo. Mário Pedrosa, intelectual trotskista, ferido a bala, contorceu-se em dores em meio à praça. Com cerca de 10 mil camisas-verdes e seus paramilitares, a atriz Lélia Abramo, de armas na mão e em posição de perigo, atira sem cessar. Na ação, o militante comunista Noé Gertel e a cronista Eneida. Quatro horas de tiroteio até que cessaram o pandemônio que atemorizou a cidade de São Paulo. Feridos e sacrifícios de vidas de ambos os lados.” Outro episódio de destaque acontece a 1º de setembro de 1939, quando a Alemanha invade a Polônia, deflagrando a Segunda Guerra Mundial. A Inglaterra e França declaram guerra à Alemanha. “Adolf Hitler lança-se à maior de suas insanidades. Isaac, na Casa da Música, ao ouvir um retrospecto dos fatos do dia, apressa-se a telefonar para Seu Jacob e Dona Bluma, judeus como ele e poloneses. A 30 de setembro de 1939, o submarino Graf Spee, na altura de Pernambuco, afunda o cargueiro Clement. Em Remanso, Ubiratan e Julieta resolvem fazer um piquenique,

por que não dizer, uma ‘gazeta’. Sentiamse extasiados. Era o Éden, segundo a Bíblia o paraíso terrestre. Amaram-se. Nossos navios viajavam iluminados apesar da guerra nos mares. A 12 de fevereiro de 1942, o primeiro torpedeamento: 54 mortos.” Não tardou que, em grande número, começassem a aparecer cadáveres pelas praias nordestinas, conta Jurandyr: “Sem cessar os ataques, 574 mortos no mar: comoção popular em toda Remanso, em todo o Brasil. Ubiratan lidera o movimento estudantil. Cedendo ao clamor popular, a 22 de agosto de 1942 o Brasil declara guerra à Alemanha e Itália. Ubiratan alistase no Exército, incorporado ao ‘Sacrifício’. Às 7h da manhã de 29 de novembro de 1944 tem início a ofensiva. Sob a chuva torrencial, durante todo o percurso do combate, sem cessar, o desfile comovedor dos petroleiros conduzindo mortos e feridos.” Para tentar evitar um inverno ainda mais rigoroso, o 5º Exército norte-americano ordenou nova tentativa de conquista do Monte Castelo: “Dez, quinze graus abaixo de zero. Congelado de frio, deitado na neve, numa depressão do terreno, Ubiratan vê os caminhos que deveria subir. Em primeiro plano o cano de seu fuzil e a baioneta calada. Vindo e voltando as lembranças de Remanso. Era 24 de dezembro, véspera de Natal.” Enquanto o 1º RI avança, descreve Jurandyr, Ubiratan e seus companheiros são envolvidos pelo sibilar dos projéteis, pelo estrondo das granadas da 9ª Artilharia, sob o comando do General Osvaldo Cordeiro de Faria: “O barulho dos vôos rasantes do 10º Grupo de Aviação de Caça é ensurdecedor. Todo o potencial brasileiro está empregado. É incoercível o avanço dos pracinhas. Ubiratan avança, avança, e à pequena distância do topo é atingido por um tiro de fuzil e morre. Seus companheiros continuam. Nos postos de comando, na retaguarda, os operadores de rádio emocionam-se ao ouvir, por vozes brasileiras, que a batalha estava definitivamente terminada.” “Mas esta história não pára por aí”, diz Jurandyr Noronha. “Com Bravos Companheiros tive a feliz oportunidade de reviver episódios tão importantes sempre com o desejo de que a Humanidade não incorra mais em erros.”

O descobridor do filme de Santos Dumont voando no 14 Bis Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1916, Jurandyr Noronha iniciou a carreira no cinema pelas mãos de Ademar Gonzaga, na Cinédia. Ao lado de Humberto Mauro, outro pioneiro, trabalhou no Instituto Nacional do Cinema Educativo. Foi cinegrafista da extinta TV Tupi e do Departamento de Imprensa e PropagandaDip, durante o Estado Novo. Atuou em diversas entidades, como o Instituto Nacional do Cinema e a Embrafilme, e em dezenas de produtoras e estúdios. Data do início da carreira o empenho de Jurandyr Noronha na preservação de fontes historiográficas do cinema. Seus esforços incluem a descoberta do filme, feito em Paris, do vôo de Santos Dumont no 14 Bis;

corroborando o feito inédito, a localização nos arquivos do Dip do filme sobre Lampião rodado no sertão nordestino pelo mascate Sebastião Abrahão, e o resgate dos negativos de Tesouro Perdido, de Humberto Mauro. Estes e outras dezenas de filmes e fragmentos originaram os longas Panorama do Cinema Brasileiro, com 134 imagens fundadoras de filmes de ficção; 70 anos de Brasil (1974), com a recuperação dos documentários, e Cômicos + Cômicos(1971), em celebração aos comediantes. O rico acervo, que apresenta a evolução da indústria cinematográfica no País, foi reunido no Museu do Cinema Brasileiro, mantido por Jurandyr em sua residência, no Rio de Janeiro. A Coleção Jurandyr

Os personagens reais e inventados Em entrevista exclusiva ao site ABI online, Jurandyr Noronha falou sobre os meandros da narrativa de Bravos Companheiros e citou alguns trechos representativos: “Ubiratan, personagem principal do livro, morre poucos dias antes da epopéia dos 18 do Forte. É quando um civil, Otávio Correa, no portão do velho quartel, pediu um fuzil para acompanhá-los. Seriam todos, civis e militares, irmanados, companheiros, bravos companheiros, na luta pela libertação nacional. Daí o título Bravos Companheiros”. Os fatos sucedem-se na obra, segundo Jurandyr, marcando a História do País e do mundo: “A 7 de setembro de 1922 ocorre a primeira radiotransmissão; os brasileiros nunca haviam visto um rádio receptor. E o que ouvem, estupefatos, são os acordes do Hino Nacional e a palavra de Epitácio Pessoa, Presidente da República. Em Remanso, cidadezinha símbolo do interior do Brasil, viviam muitas personagens: Doutor Vasconcelos; Seu Jacob com Dona Bluma, cuidando de uma pequena loja; Maria Rosa, uma linda mulata que entregava as refeições preparadas por Dona Quitéria, sua mãe; Nicola, um ferroviário e a sua enorme e lendária Fazenda Bar Querer; o padre Mozael, Lúcia, Evandro. Bravos Companheiros é um grande mural. As idéias de esquerda haviam chegado a Remanso por intermédio de Donato, colega de Nicola, ferroviário como ele. Por ambos são impressos os primeiros panfletos do Partido Comunista, começando a aparecer por todo o Município. “Em 1925, sai o jornal A Classe Operária, clandestinamente distribuído. Ubiratan, aos 4 anos de idade, sua mãe ao lado, ensaia os primeiros passos no Largo da Matriz. É formada a Coluna Miguel Costa-Luiz Carlos Prestes: 1.600 homens percorrem 24 mil quilômetros em guerrilha que enfrenta a falta de armamento e de munição. Internam-se todos na Bolívia. Os jornalistas Barreto Leite Filho e Rafael Corrêa de Oli-

veira fazem reportagens com o líder da Coluna e seus comandados. É quando Astrojildo Pereira oferece a Prestes um exemplar de O Capital, de Karl Marx. Com o romance tórrido entre o fotógrafo Isaac e Maria Rosa estreitam-se os dramas pessoais com o coletivo, lembra o autor. “A essa época é promulgada a ‘Lei Celerada’, suspensas todas as garantias constitucionais e imposta censura à imprensa. O cidadão Conrado Niemeyer, apontado pela Polícia Política como implicado no fornecimento de explosivos para atentados terroristas, teria saltado por uma janela da 4ª Delegacia e morrido. O Globo denunciou em detalhes o que constatara o médicolegista: costelas quebradas e a cabeça aparentando sinais de violência. E concluía: “A solução fora suicidar o preso?” Em 1927, tem início a primeira linha regular de aviação comercial no Brasil, ligando Porto Alegre ao Rio de Janeiro, com influência marcante em Remanso: “Padre Mozael, obscurantista e retrógado, é substituído por Padre Flávio. Este pertence à Ala Progressista da Igreja e debate com Nicola, com citações de ambos de São Francisco de Assis e Karl Marx. E havia também a imprescindível Gazeta de Remanso. A sucessão presidencial empolga o País, ansioso por reformas, sob a influência dos 18 do Forte, desde 1922. As chapas eram as de Washington Luís e de Getúlio Vargas, explica Jurandyr: “A 1º de março de 1930, a contagem dos votos. Fraudes às escâncaras. Com o prestígio advindo da Coluna convidam Prestes para o comando militar da revolução, ele lança o manifesto declarandose comunista. A 3 de outubro eclode o movimento nas cidades de Porto Alegre e Belo Horizonte. A 24 de outubro de 1930, a capital do País amanhece sob intenso canhoneio. A cidade do Rio de Janeiro, após uma morte prenunciadora de graves acontecimentos, teve conhecimento de que ruíra a 1ª República. Também Remanso amanhece sob o estrondar de foguetes.

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SIMONE MARINHO/AGÊNCIA O GLOBO

DEPOIMENTO

FALA, APOLINHO! Jornalista e radialista, Washington Rodrigues, o Apolinho, falou ao Jornal da ABI sobre os seus 50 anos de atividade profissional, em que ofereceu grande contribuição ao rádio, sobretudo, e à televisão. Ele relata aqui o que aconteceu em meio século de jornalismo esportivo. Neste bate-papo, W ashington Rodrigues fala do Washington início da carreira na Rádio Guanabara, onde ingressou fazendo a cobertura de futebol de salão, até então inédita naquela época. Fala de Seleção Brasileira, da polêmica envolvendo Ricardo T eix eira Teix eixeira e João Havelange e da parceria entre ele e Denis Menezes, com quem formou a dupla de repórteres esportivos mais famosa do rádio brasileiro, co co-nhecida como “Os T repidantes”. Trepidantes”. Carioca do Engenho Novo, Zona Norte do Rio, Apolinho nasceu em 1º de setembro de 1936. Casado com Dona Maria Lúcia, com quem teve os filhos P atrícia, Br uno e W ashington, que deram ao Patrícia, Bruno Washington, casal três netos, João P edro, Beatriz e W ashington Pedro, Washington III. “Somos uma família muito unida e feliz, to to-dos rrubro ubro -negros”, diz, referindo -se ao Flamengo, ubro-negros”, referindo-se que é uma das suas grandes paixões. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES

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Jornal da ABI – O que você fazia antes de ingressar no rádio e no jornalismo e o que o levou a abraçar essa carreira?

Washington – Foi tudo praticamente por acaso. Eu jogava futebol de salão e disputava o campeonato carioca dessa categoria. Era bancário e trabalhava no Banco Operador, em Copacabana, que não existe mais. Um dia fui convidado pelo Vitorino Vieira, locutor esportivo da Rádio Guanabara, para fazer parte de um programa na emissora.

Jornal da ABI – Quem mais fazia parte da equipe de esportes da Rádio Guanabara na época?

Washington – Além do Vitorino Vieira, faziam parte da equipe Doalcei Camargo, Oduvaldo Cozzi, João Saldanha e o Mário Vianna.

Jornal da ABI – Como era o programa?

Washington – Era um programa que a cada dia da semana fazia comentários sobre uma modalidade esportiva. Na segundafeira, o Mário Derri falava sobre o boxe, na seção Luvas e Quimonos; o Honório Coutinho apresentava o Basquetebol em Foco; o Bola na Rede, sobre futebol, e também o Bola na Areia, sobre o futebol de praia. Faltava alguém que dominasse o futebol de salão. Jornal da ABI – Como é que o convite chegou até você?

Washington – Por meio do Vitorino, os diretores da Rádio abriram uma conta comigo no banco. Eu tive uma fratura na perna jogando futebol e precisei ficar parado um grande período. Eles me pediram que durante esse tempo

eu fizesse uma espécie de assessoria, para passar para a equipe de esportes informações sobre futebol de salão; informes sobre os clubes, dirigentes, as regras que eles não dominavam bem, para que pudessem incluir no programa um quadro sobre futebol de salão. Jornal da ABI – Como foi o seu ingresso na Rádio Guanabara?

Washington – A Rádio Guanabara lançou o programa Beque Parado, cujo apresentador era o Cid Neves. A assessoria que eu fazia inicialmente durou muito pouco, porque eu comecei a fazer comentários durante o programa que despertaram a atenção da equipe. Eles então me colocaram como uma espécie de coadjuvante do Cid Neves. Jornal da ABI – Em que ano isso aconteceu?


“Naquela época os repórteres eram obrigados a sair com um gravador Ampex enorme, de fita, movido a energia elétrica.” Washington – Tudo isso aconteceu em 1962. No mesmo ano, eu fui efetivado no programa e passei a trabalhar junto com o Cid Neves. A Rádio Guanabara se empolgou tanto com a idéia que resolveu fazer transmissões dos jogos de futebol de salão competindo com a Continental, que era a grande emissora de jornalismo e esportes da época. Jornal da ABI – Qual era a sua função?

Washington – Eu passei a fazer reportagem de quadra, porque eu conhecia todos os atletas com quem eu jogava, além dos dirigentes. E isso acabou virando uma atração, pelo fato de eles terem ali um colega fazendo reportagem. Jornal da ABI – Você então foi pioneiro e ajudou a difundir as notícias sobre o futebol de salão.

Washington – Talvez pouca gente saiba, mas o futebol de salão foi criado no Brasil. Começou a ser jogado na Associação Cristã de Moços-ACM, que era quem organizava os jogos. A bola era muito dura, feita de serragem, depois com cortiça, depois é que passou a ser feita de couro e a ter câmara de ar. O futebol de salão naquela época era muito pouco divulgado. Jornal da ABI – Que veículo de imprensa da época noticiava o futebol de salão?

Washington – Na imprensa, somente o Jornal dos Sports produzia alguma notícia sobre os jogos; no rádio, a Continental. A Rádio Guanabara entrou nessa briga e deu início a uma competição que foi muito boa para o futebol de salão. Jornal da ABI – A emissora fazia algum tipo de promoção?

Washington – Nós levávamos faixas para as quadras que começaram a atrair muita gente, em função das transmissões que levaram as pessoas a se interessar pelo futebol de salão. Jornal da ABI – Por quanto tempo você cobriu os jogos de futebol de salão?

Washington – Trabalhei nessa função de 1962 a 1963. Nessa época as equipes de esportes das emissoras só tinham um repórter para fazer a cobertura dos clubes de futebol profissional. Na Rádio Guanabara o titular era o Espezim Neto, o Bermuda, que era o grande nome da época na reportagem esportiva. Um belo dia ele teve um impedimento, e o diretor me ligou dizendo que não tinha um repórter para cobrir o jogo de domingo. Eu fui cobrir o jogo e a direção da Rádio gostou. O Bermuda ficou sem trabalhar durante 15 dias. Eu então acompanhei uma seqüência de jogos que fo-

ram realizados na quarta, sábado e domingo. Jornal da ABI – Você teve outras chances de acompanhar o futebol profissional?

Washington – O Amilcare de Caroles, que era o diretor da Rádio, ficou satisfeito com o meu trabalho. Quando o Bermuda retornou à emissora, ele me chamou e perguntou se eu não gostaria de integrar a equipe de futebol cobrindo as partidas de aspirantes, que eram disputadas como preliminares dos jogos principais. Jornal da ABI – Você sentiu muita diferença da cobertura do futebol de salão para o profissional ?

Washington – Como só havia um repórter, só havia um microfone volante disponível, sem fio, enorme, com uma antena idem, que em época de chuva atraía faísca elétrica. Eu combinei com o Bermuda que ao terminar a preliminar eu passaria o microfone para ele no meio do campo, para chamar a atenção da galera.

primeira dupla de repórteres do rádio, e essa parceria é que nos tornou conhecidos. Jornal da ABI – Vocês ficaram famosos e eram chamados de “Os Trepidantes”. Quem lhes deu esse apelido?

Washington – Quem nos batizou como “Os Trepidantes” foi o Celso Garcia. Foi ele também que me apelidou de Apolinho. Essa história eu conto depois. Jornal da ABI – Quem era Waldyr Amaral?

Washington – O Waldyr Amaral foi melhor chefe de equipe que eu já tive. Não foi apenas excelente locutor; era um profissional muito atuante e detalhista. Eu tenho muito a agradecer a ele, acho que o José Carlos Araújo e o Luiz Penido também. Os dois são locutores forjados por ele. Jornal da ABI – Estamos falando de um personagem que fez escola?

Washington – Trabalhamos assim um campeonato inteiro. No seguinte ele saiu e eu fui promovido a repórter titular na Rádio Guanabara. Nesse período a Revista do Rádio criou um concurso que premiava os melhores do ano do rádio e eu ganhei na categoria repórter esportivo.

Washington – O Waldyr era uma pessoa de uma organização fora do comum. Um senso de justiça muito grande. Como ele mesmo sabia das suas limitações cercava-se da nata do rádio esportivo. A sua equipe era formada por Rui Porto, João Saldanha, Mário Vianna, Celso Garcia, José Carlos Araújo, entre outros. Ele estava sempre cercado por um grupo forte, e se alguém não gostasse do modo como ele narrava uma partida com certeza gostava de ouvir a sua equipe.

Jornal da ABI – Qual foi o impacto dessa premiação na sua vida profissional?

Jornal da ABI – A característica da narração do Waldyr Amaral é muito comentada até hoje.

Jornal da ABI – Quanto tempo durou essa sua parceria com o Bermuda?

Washington – O Jorge Cúri, que era também da equipe da Rádio Guanabara, voltou para a Nacional e me convidou para trabalhar como repórter titular no grupo dele, do qual fazia parte o João Saldanha. Isso aconteceu em 1966. Jornal da ABI – Antes de falarmos daNacional,gostariadesabercomo ficou o seu emprego no banco.

Washington – Nessa época, eu ainda trabalhava no banco, e a direção da Nacional me fez uma proposta que me fez abandonar a função de bancário. Foi quando eu me tornei de fato profissional de rádio no jornalismo esportivo. Jornal da ABI – Como conseguiu conciliar o trabalho no banco com o futebol?

Washington – O modo com que ele fazia uma narração era diferente, que não tinha a mesma emoção, por exemplo, do Jorge Cúri. Ele desenvolveu a capacidade de transmitir os jogos com um pequeno atraso dos lances que já tinham acontecido. Como tinha uma boa memória, quando a bola chegava na área e o gol saía, ele fazia uma pausa e compensava o pequeno atraso na narração da jogada e emendava o grito de gol. O reconhecimento das suas próprias limitações significava que ele era uma pessoa muito especial. Jornal da ABI – Quem foi o grande locutor esportivo da sua época como repórter?

Washington – Houve uma vez que um gerente me chamou e disse: “Washington você até que não trabalha tanto, mas o seu paletó está sempre na cadeira” (risos).

Washington – O Jorge Cúri. Quando eu era pequeno gostava muito do Raul Longras, o homem do gol eletrizante. O José Carlos Araújo e o Luiz Penido são muito bons também, mas o Cúri foi o melhor de todos.

Jornal da ABI – Até quando durou o trabalho na Rádio Nacional?

Jornal da ABI – E atualmente quem é o melhor?

Washington – Até 1969, quando Waldyr Amaral me convidou para a Rádio Globo, para trabalhar com o Denis Menezes. Foi a

Washington – Há uma geração que trabalhou com o Cúri na Tupi e depois foi para a Globo, que revelou nomes como o Celso Gar-

cia, Antônio Porto, Edson Mauro e vários outros locutores de ponta. Infelizmente não há renovação, o José Carlos Araújo está com 71 anos e até hoje é o Garotinho. O Penido é um pouco mais novo, mas também é garotão (risos). Jornal da ABI – Vamos falar agora da sua primeira passagem pela Rádio Nacional.

Washington – Foi ótima, porque o Cúri estava entusiasmado com o meu trabalho e achava que eu teria um grande futuro no rádio e me deu muita força. Mas a Nacional era muito conservadora.

Jornal da ABI – Como assim?

Washington – Aos domingos havia os programas de auditório, no qual os locutores eram obrigados a trabalhar de smoking. Eles anunciavam a Rádio Nacional carregando no “erre”. Então quando o então diretor da emissora, Mário Neiva, me ouviu no ar não gostou e perguntou: “Quem é esse cara com voz de taquara rachada trabalhando na rádio?” E o Cúri foi obrigado a sair em minha defesa, dizendo que ele me contratara. Jornal da ABI – E deu certo?

Washington – Havia um locutor chamado Aurélio de Andrade, que também era muito famoso na época, que também ficou a meu favor, o Saint Clair Lopes, César de Alencar, Manoel Barcelos, todos feras, que também me deram muita força. Eu então fiquei na Rádio Nacional.

Jornal da ABI – Participando de que programa?

Washington – O Beque Parado que eu fazia na Guanabara foi transferido para a Nacional. Mas o primeiro programa de futebol que eu apresentei na Nacional foi o Bacardi no Futebol, que tinha uma edição às oito e meia da manhã. E com isso eu comecei a ter uma vida própria no rádio. O Sérgio Bittencourt gostou de mim e me pediu que participasse do programa que ele fazia chamado Fim de Noite, com notícias sobre futebol. Jornal da ABI – Qual era a sua participação no programa do Sérgio Bittencourt?

Washington – Ele criou um quadro chamado Meninos, eu vi, no qual eu falava sobre um fato qualquer do dia que não tinha tido repercussão na imprensa. O Sérgio gostou e começou inclusive a me chamar para participar das reuniões da equipe dele. Um dia ele foi convidado para ir para a Rádio Mundial, do Sistema Globo, e para minha surpresa me indicou para assumir o horário dele.

Jornal da ABI – Foi uma bela surpresa.

Washington – Nós criamos o programa Nacional Zero Hora, que inspirou o Show da Madrugada,

que depois eu fiz com muito sucesso nas emissoras por onde passei. Posteriormente o Sérgio Bittencourt voltou para a Nacional, e eu me senti na obrigação de devolver o horário a ele. A emissora saía do ar à uma hora. Mas o diretor-geral da rádio, Sérgio Vasconcelos, me deu um horário até às 2h. Só me pediu que eu arranjasse outro nome para o programa. Jornal da ABI – Você lançou o Show da Madrugada?

Washington – Foi assim que surgiu o Show da Madrugada, que inicialmente ia ao ar de uma às duas da madrugada.

Jornal da ABI – E a cobertura dos clubes de futebol continuou?

Washington – Sim, eu participava do programa No Mundo da Bola, que foi consagrado pelo Antônio Cordeiro com sucesso absoluto de audiência. Naquela época não havia telefone celular, os repórteres eram obrigados a sair com um gravador Ampex enorme, de fita, movido a energia elétrica. Eu ia para a rua com um operador de áudio e o motorista. Chegávamos ao clube, tínhamos que procurar uma tomada, montar toda essa parafernália pegar o jogador no campo e levar até o local para fazer a entrevista. Jornal da ABI – Não dava para fazer nada à beira do campo como atualmente.

Washington – Não havia condições e não havia gravador pequeno. O primeiro gravador portátil que apareceu tinha sido lançado pela Phillips. Mas a Rádio exigia qualidade e esse tipo de gravador portátil não atendia à exigência técnica da emissora. Éramos obrigados a trabalhar com o Ampex. Jornal da ABI – Levou muito tempo para que a emissora resolvesse esse problema técnico?

Washington – Demorou muito até que concordassem que eu usasse um minigravador. Então eu passei por essa fase na Nacional, que durou até 1969, quando me transferi para a Rádio Globo. Jornal da ABI – Quem o levou para a Rádio Globo?

Washington – Fui convidado pelo Waldyr Amaral, que na época fez um grande lançamento, porque ele tinha comprado microfones da Missão Apollo (projeto espacial da Nasa), usados pelos astronautas para se comunicarem entre si. Jornal da ABI – Esse equipamento resolveu o problema que você tinha comoantigogravadorAmpex?

Washington – Sim, porque eram revolucionários na época. Era um equipamento pequeno, com uma base, confortável e de longo alcance. Para chamar a atenção do ouvinte sobre a potência

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“Eu tenho a alegria de ter visto o futebol da mais pura essência. No tempo em que o futebol era praticado com mais talento do que outra coisa.” desse equipamento eu saía do Maracanã, ia até à Praça Saens Peña entrevistar alguém que estivesse indo ao cinema ao invés de estar no estádio para assistir ao Fla-Flu. Jornal da ABI – A qualidade desse equipamento era boa?

Washington – O gravador tinha uma qualidade maravilhosa. Eu fui contratado pelo Waldyr para o lançamento desses microfones. Um ficava comigo e o outro com o Denis Meneses. Como em uma das faces do aparelho aparecia o nome Apollo, o Waldir mandou retirar para não fazer propaganda gratuita e substituiu por Apolinho, que passou a ser o nome do aparelho. Só que o Waldyr dizia no ar “lá vai o Washington Rodrigues com o seu Apolinho”. O torcedor ouvia aquilo e me chamava “Seu Apolinho...” (risos)

Jornal da ABI – Foi assim que você foi batizado como Apolinho?

Washington – Quem criou o apelido foi o Celso Garcia. A turma da Rádio entrou na brincadeira e a coisa pegou. E então passei a ser chamado de Apolinho e continuei fazendo dupla com o Denis até 1963. Jornal da ABI – Dupla de repórteres que ficou conhecida como “Os Trepidantes”.

Washington – Essa também foi uma criação do Celso Garcia. Jornal da ABI – Como era trabalhar com o Denis Meneses?

Washington – Foi muito bom porque o Denis era um tremendo profissional. Como apurador de notícia não conheço igual. Ao contrário de mim, que nunca fui muito bom na apuração. Eu gostava mais de abordar o lado curioso dos fatos. Então ele dava uma notícia e eu fazia um comentário sacana, engraçado. Nós acabamos alcançando uma audiência incrível. Em jogos de grande público no Maracanã nós nos ouvíamos falando, por causa do eco do rádio de pilha dos torcedores no estádio. Jornal da ABI – Que reportagens marcaram esse seu período na rádio?

Washington – A que deu mais repercussão foi produzida na penúltima partida do Campeonato Carioca de 1966, entre o Fluminense e o Bangu, que era candidato ao título e acabou inclusive sendo o campeão estadual naquele ano (A partida foi realizada no Maracanã, em 9 de outubro de 1966. Bangu 1 x 0 Fluminense, gol de Norberto aos 37 minutos do 2º tempo). O Álvaro Bragança era o Diretor de Árbitros e informou que o juiz que iria apitar o jogo seria sorteado no vestiário. Eu recebi uma informação de que não haveria o tal sorteio. A partida começava às 17 horas. Eu fui para o Maracanã às 13h e me escon-

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di no vestiário dos árbitros, para ouvir o que eles iriam conversar. Jornal da ABI – Ninguém notou a sua presença?

Washington – Eu fiquei escondido numa espécie de armário, que na realidade era a caixa de força. Na hora em que eu cheguei todos os aparelhos do vestiário estavam desligados. De repente, chegou um funcionário e acionou a energia. Os aparelhos foram ligados e dentro da caixa de luz ficou um calor insuportável. Como não tinha chegado ninguém eu saí dali e entrei no banheiro, que tinha quatro reservados, e me escondi em um deles. Em um dado momento chegaram o Álvaro Bragança e os outros árbitros. Jornal da ABI – O pessoal da rádio sabia onde você estava?

Washington – Ninguém na emissora sabia o que eu estava fazendo. O locutor ficou perguntando por mim no ar. Mas o operador sabia que eu estava enfiado em algum lugar, porque o microfone que eu usava não estava no estúdio. Jornal da ABI – E você sem poder falar nada para não ser descoberto, não é mesmo?

Washington – No momento em que o Bragança ia começar a reunião, o José Gomes Sobrinho, que também era delegado de Polícia, resolveu usar o banheiro e para o meu azar entrou no reservado onde eu estava escondido. Jornal da ABI – Um tremendo flagrante e de um delegado. Ele o denunciou?

Washington – Eu o puxei para dentro, fechei a porta e disse no ouvido dele: “Zé, pelo amor de Deus, estou aqui desde às 13h, não me denuncie. Eu estou com uma informação de que não haverá sorteio. Deixa eu fazer essa matéria”. Jornal da ABI – Qual foi a reação dele?

Washington – Ele cumpriu, saiu do banheiro, voltou para o encontro dos outros árbitros e eu continuei clandestino esperando pelo desfecho da reunião. Jornal da ABI – O que aconteceu depois?

Washington – Eu estava com o microfone aberto e o pessoal da rádio ouvindo tudo. O Bragança comunicou que não haveria o sorteio e que o árbitro seria o Aírton Vieira de Morais. Os outros se insurgiram, Eunápio de Queirós, que seria um dos bandeirinhas, foi embora dizendo que não ia mais participar daquele imbróglio. Jornal da ABI – E o que você fez?

Washington – Eu saí do meu

esconderijo anunciando pelo microfone que não haveria sorteio e o que estava acontecendo no vestiário. O Bragança chamou a Polícia e eu fui preso. Essa matéria teve uma grande repercussão; a história foi publicada em todos os jornais. Foi um dos grandes furos de reportagem da minha época. Jornal da ABI – Gostaria que você falasse sobre o futebol dessa época.

Washington – Em 1962, quando eu comecei a trabalhar com jornalismo esportivo, o Brasil foi campeão mundial. A minha primeira Copa do Mundo foi a de 1970, pela Rádio Globo. Então, eu vi jogarem Garrincha, Pelé, Nilton Santos. A partir daí eu vi jogadores extraordinários no Brasil e no exterior. O Puskas foi um deles. Eu tenho a alegria de ter visto o futebol da mais pura essência. No tempo em que o futebol era praticado com mais talento do que outra coisa. Hoje é muito mais negócio, se privilegia a parte física, bem mais do que a técnica. Jornal da ABI – Bem diferente do futebol praticado há pelo menos quatro décadas.

Washington – Antigamente se exigia mais habilidade, técnica, saúde e não havia como jogar futebol se a pessoa não tivesse talento e habilidade. A saúde nem tanto, a exemplo do Heleno de Freitas, que morreu tuberculoso. Jornal da ABI – Desse período para cá as coisas mudaram muito?

Washington – Vieram os preparadores físicos e o futebol ficou muito mecanizado. Atualmente, um jogador de técnica razoável acaba se transformando em um atleta de bom porte, jogando até no cenário internacional sem ter a habilidade dos jogadores daquela época. Jornal da ABI – Quem é o seu grande ídolo no futebol?

Washington – É o Evaristo de Macedo. Eu era fã desse jogador. Eu sou Flamengo e o vi chegar na Gávea, vindo do Madureira, para iniciar sua carreira ainda como reserva. Ele entrava nos jogos faltando sempre nove minutos para o término das partidas. Não sei por que o Fleitas Solich só o colocava em campo dessa maneira. Mas ele virava jogo, fazia gols e aquilo me fascinava. Ele virou titular e o Flamengo ganhou o tricampeonato (1953, 1954 e 1955), com um gol dele em cima do América, com um chute de fora da área. Jornal da ABI – Com esse gol o Evaristo passou a ser o seu ídolo?

Washington – Ele era um jogador extraordinário. Na Seleção Brasileira ninguém até hoje conseguiu chegar à sua marca: cinco gols em uma só partida, em que o Brasil ganhou da Colômbia

em jogo pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1958. Jornal da ABI – Mas por que, com todo esse futebol, o Evaristo não jogou a Copa de 1958?

Washington – Porque tinha se transferido para o Barcelona e naquela época o jogador não podia ser repatriado para servir à Seleção. Então ele abriu uma brecha até para o Pelé, que talvez não jogasse a Copa de 1958 se o Evaristo estivesse no Brasil, porque ele era ainda muito jovem.

Washington – Saí de lá em 1973, para trabalhar na Continental no dia seguinte da minha saída da Globo. Logo que cheguei, eu e a equipe fomos para a Europa e ficamos 25 dias acompanhando a Seleção Brasileira, muito empolgado. O meu contrato era de dois anos, com um bom salário, mas seis meses depois a Continental parou de transmitir futebol e eu fiquei desempregado. Jornal da ABI – Ficou muito tempo nessa situação?

Washington – Não, quando o Evaristo saiu chamaram o Dida, que também jogava no Flamengo, para ser o titular. O Pelé foi convocado para a reserva. O Dida começou a Copa jogando e o Pelé no banco.

Washington – Passei um período na Rádio Vera Cruz e depois fui para a Rádio Guanabara. Na Copa de 1974, a Tupi me convocou e lá fiquei até 1976, quando a Rádio Nacional me chamou e montou uma equipe comigo, José Carlos Araújo e Denis Meneses. Lá fizemos um trabalho muito bom até 1984, quando eu voltei para a Rádio Globo.

Jornal da ABI – Chegou a conhecer seu ídolo pessoalmente?

Jornal da ABI – Que programa vocês faziam na Rádio Nacional?

Jornal da ABI – O Pelé foi convocado para ocupar a vaga do Evaristo na Seleção?

Washington – Sobre esse aspecto há um dado curioso, porque o Evaristo sempre foi mal-humorado, falava duro com os jornalistas. Eu tinha tanta fascinação por ele, que eu me afastei dele como profissional com medo dele me dar uma bandeira e eu me decepcionar. Jornal da ABI – O Evaristo era o ídolo que você curtia à distância.

Washington – Como já disse, eu tinha receio de levar um fora do meu grande ídolo. Eu estava começando a carreira e quando via o Evaristo me distanciava dele. Ele virou técnico consagrado e cada vez mais eu ia me afastando dele. Jornal da ABI – Até quando durou esse dilema?

Washington – Um dia ele se queixou com o Antônio Clemente, que trabalhava como supervisor e preparador físico do time: “Qual é a daquele cara chamado Washington? Se eu estou perto ele se afasta. Ele não gosta de mim?” O Clemente então respondeu: “Pelo contrário, ele lhe adora, não se aproxima porque tem medo de você. Se você lhe responder mal, vai ser uma decepção tão grande que ele prefere não se aproximar de você”. Jornal da ABI – A partir desse dia houve a tão esperada aproximação com o Evaristo?

Washington – Aí o Evaristo me procurou, e fizemos uma amizade que até hoje perdura. Inclusive quando eu estive no Flamengo como Diretor Técnico, acabei levando-o como treinador. Até hoje eu tenho por ele um carinho fora do comum. No meu time de botão todo número10 era o Evaristo. Jornal da ABI – Até que ano você trabalhou na Rádio Globo?

Washington – Era o programa No Mundo da Bola, de cinco às sete da noite, no mesmo horário que eu apresento o meu programa aqui na Tupi. Jornal da ABI – E na Rádio Globo?

Washington – Eu fazia o programa Show da Madrugada, de meia-noite às 5h, de sábado para domingo. Ao meio-dia já estava no estádio para cobrir o futebol. Eu era uma máquina (risos). Jornal da ABI – Sempre trabalhou nesse ritmo?

Washington – O trabalho nunca me assustou. Atualmente, chego aqui na Tupi às 6h30min e saio às 20h, todos os dias. Como dizia o Chacrinha, com quem eu trabalhei na televisão, “o homem é como a bicicleta: quando pára, cai”. Jornal da ABI – Quando foi a estréia na televisão?

Washington – Eu fiquei na Rádio Globo até 1999. Mas por duas vezes a emissora me cedeu ao Flamengo. Foi quando eu me ausentei em 1995, para assumir o cargo de técnico do time. Em 1998, eu também ocupei o cargo de Diretor Técnico do clube. Jornal da ABI – O que o levou a aceitar essa proposta de dirigir o Flamengo?

Washington – Porque o Flamengo é o meu clube. Estou com 75 anos, mas se o Flamengo for jogar contra o Vasco num domingo e o time estiver sem goleiro, se me convocarem eu vou. Posso levar 200 gols, mas vou assim mesmo, porque o Flamengo não me convida, me convoca. Jornal da ABI – Qual era a situação do Flamengo na época?

Washington – Houve uma grande crise no Flamengo, por


HIPÓLITO PEREIRA/AGÊNCIA O GLOBO

causa da perda do título para o Fluminense, em 1995, com aquele gol de barriga do Renato Gaúcho, no final da partida. O clima estava muito quente entre o Vanderlei Luxemburgo e o Romário e o zagueiro Jorge Luiz, que apareceu pouco na história, mas a rixa entre eles existia.

mos a disputa no saldo de gols. Para ser sincero, tenho até saudade da minha passagem pelo clube. Jornal da ABI – Qual é a sua avaliação sobre o jornalismo esportivo que se pratica atualmente?

Washington – Eu estou muito preocupado com duas coisas que interferiram demais no jornalismo esportivo, que são a internet e o futebol-negócio. A interferência desses dois aspectos deixou a cobertura esportiva muito distante daquela que eu aprendi e pratiquei.

Jornal da ABI – O Vanderlei se demitiu?

Washington – O Vanderlei foi obrigado a sair e o Edinho foi substituí-lo. O Flamengo foi fazer uma viagem ao exterior, o Edinho tinha pegado o bonde andando, acabou viajando sem tempo para conhecer direito o grupo. Lá fora teve uma briga do Romário com o Sávio.

Jornal da ABI – Explique por favor o que é futebol-negócio.

Washington – Hoje em dia o repórter para falar com um jogador recém-saído do juvenil primeiro tem que falar com um monte de gente das assessorias. Eu sou do tempo em que o repórter, ainda sob o clima do calor da partida, entrava em campo para entrevistar os atletas. Ia para o vestiário e se visse uma briga saía logo relatando.

Jornal da ABI – Essa briga teve grande repercussão na imprensa.

Washington – A TV Globo exibiu as imagens, e a matéria te-ve uma repercussão enorme no Brasil. Na volta o Edinho pediu demissão. O Presidente do Flamengo era o Kleber Leite, que ficou desesperado porque o time já tinha perdido três ou quatro rodadas do Campeonato Brasileiro. Ia começar a Supercopa, que era uma competição só para os clubes campeões da Copa Libertadores, e o Flamengo estava incluído nesse grupo. Jornal da ABI – Então o Kleber Leite lhe fez o convite para apagar esse incêndio?

Washington – Eu e o Kleber Leite sempre trocávamos idéias a respeito do clube. Uma noite eu estava na minha casa jantando com o Vanderlei Luxemburgo e ele telefonou me convidando para jantar. Como eu disse que não podia, ele pediu que após o jantar fosse encontrá-lo no restaurante Antiquarius, no Leblon. Jornal da ABI – Como foi o encontro?

Washington – Saí de casa por volta da meia-noite e fui ao seu encontro. Eu já sabia que ele gostaria de ouvir a minha opinião sobre quem deveria ser o novo técnico do Flamengo. E fui preparado para lhe indicar o Telê Santana. Jornal da ABI – Por quê?

Washington – A crise no Flamengo era muito grande. Entre o grupo de jogadores, a diretoria e alguns veículos de imprensa. A situação estava difícil para o Kleber Leite. Jornal da ABI – Na sua opinião o Telê seria a única opção para acabar com a crise?

Washington – O Telê era um grande nome, cujo impacto eu imaginava que parasse a crise instalada no clube e a paz voltasse a reinar. O Kleber Leite estava acompanhado do Michel Assef. Eu cheguei, fiz as minhas considerações, mas ele me disse: “Nós queremos é você”.

Jornal da ABI – Essa era a grande emoção do rádio?

Jornal da ABI – Você aceitou de imediato ser o treinador do Flamengo?

Washington – Sim, mas havia um problema. Na época das brigas eu fiquei do lado do Vanderlei. Esculhambava o Romário e ele a mim. Minha mulher chegou a me perguntar se eu achava mesmo que aquilo ia dar certo, porque se o Romário derrubava quem ele gostava, o que ele não faria comigo, já que não gostava de mim. Jornal da ABI – Pelo visto nada o fez desistir.

Washington – Quando eu cheguei de manhã para assinar o contrato, o primeiro telefonema que recebi foi do Romário, dizendo que tinha gostado da idéia. Eu aproveitei e disse a ele que era hora de a gente se entender, ele concordou. Jornal da ABI – Isso o deixou confiante de que a paz poderia se restabelecer logo no clube e entre os jogadores?

Washington – A minha primeira atitude foi convidá-lo para participar da entrevista coletiva. Ele disse que não poderia, porque tinha que treinar. Eu então disse a ele que a partir daquele momento eu era o chefe e o estava liberando do treinamento para que me acompanhasse na entrevista. Jornal da ABI – Qual foi a reação do Romário?

Washington – Nós nos reunimos no auditório, onde se encontravam vários jornalistas da imprensa, tv e rádio. Eu tinha prevenido a ele que iam surgir pergun-

tas sobre a nossa briga e que ele me deixasse responder, para matar o assunto assim que ele surgisse. Jornal da ABI – E o que aconteceu na entrevista coletiva?

Washington – Logo de saída um repórter da TV Globo me perguntou como é que eu pretendia dirigir o time do Flamengo, onde jogava o Romário, jogador com o qual eu tinha brigado. Jornal da ABI – Qual foi a sua resposta?

Washington – Eu me virei para o Romário e disse que o repórter tinha razão, nós tínhamos uma diferença que precisava ser resolvida antes de eu começar a trabalhar. E falei: “Vamos resolver isso agora, você quer sair na porrada comigo aqui mesmo ou vai me dar um abraço?” Nós nos abraçamos e matamos o assunto (risos). Jornal da ABI – Com esse clima então ficou fácil trabalhar?

Washington – O Romário acabou sendo um grande colaborador meu nesse período. Trabalhei com ele em 1995 e 1998. Tinha também o Edmundo, Márcio Costa, Ronaldão, entre outros. Esse time do Flamengo não era brincadeira. Jornal da ABI – Essa sua passagem pelo Flamengo foi uma boa experiência?

Washington – Nos dois períodos em que estive no Flamengo consegui trabalhar sem nenhuma confusão. Fomos vice-campeões da Supercopa. Jogamos oito partidas contra times de ponta, perde-

Washington – O rádio passava uma emoção muito forte. Quando a televisão entrou nessa área começou a cercear, para dominar o ambiente esportivo.

Jornal da ABI – Qual foi o resultado desse comportamento da tv?

Washington – O jogador faz cinco gols na partida, um deles de bicicleta, e a tv determina que quem vai falar com os jornalistas é o goleiro reserva. Os treinadores só falam na entrevista coletiva. O repórter faz uma pergunta e não tem direito de fazer a segunda, nem tem como debater com o técnico a visão que teve do jogo.

Jornal da ABI – Até que ponto essa interferência vem modificando a cobertura esportiva?

Washington – Ficou tudo muito frio. A televisão, especialmente a TV Globo, que, apesar de estar fazendo o papel dela, para o rádio foi um desastre. O repórter não pode entrar no campo, nem aparecer ao lado do colega de tv quando este está entrevistando algum jogador.

Jornal da ABI – Funciona assim em todos os estádios?

Washington – Isso só acontece aqui no Rio. Quando o repórter se desloca para outro Estado não há esse problema. Aqui criaram essa imposição e o rádio aceitou. Eu se fosse repórter teria uma grande dificuldade para aceitar passivamente essa situação.

Jornal da ABI – Já teve algum problema por causa disso?

Washington – Quando surgiram as placas publicitárias atrás

do gol, que era onde nós ficávamos posicionados, queriam que eu ficasse atrás delas. Eu não aceitava. Eles tinham razão, comigo ali na frente a placa não ia aparecer na televisão, mas eu os questionava. Afinal, foram muitos anos trabalhando sem essa imposição. Jornal da ABI – Como ficou o trabalho do repórter de campo?

Washington – A CBF foi convencida e criou um regulamento que determinou que nenhum repórter de rádio ia mais atuar dentro de campo. Eu fui para Justiça e ganhei esse direito. Jornal da ABI – Quando foi isso?

Washington – Isso aconteceu no final dos anos 1970, quando eu ainda estava na Rádio Nacional. Eu deixei para dar entrada na ação na véspera do primeiro jogo do campeonato. Ganhei uma liminar e até o julgamento do mérito da ação eu cobria os jogos praticamente sozinho. As outras emissoras de rádio começaram a questionar e a criticar a CBF, porque só havia um repórter no campo fazendo as reportagens sem concorrência. Por causa das reclamações, tiveram que afrouxar o regulamento para beneficiar todo mundo. Jornal da ABI – Se fosse atualmente o resultado teria sido o mesmo?

Washington – Hoje em dia há uma empresa terceirizada que fica acompanhando os jogos e se um repórter burlar a determinação imposta pela tv e “sujar a imagem”, ou seja, entrar na frente da câmera, fica suspenso por uma ou duas partidas. Não é a emissora de rádio que faz isso. Eu nunca tinha visto uma situação igual a essa. O repórter não trabalha e ninguém fala nada. É um tremendo absurdo. Jornal da ABI – Qual é o nome dessa empresa?

Washington – É a Approach, que eles (da televisão) colocam para atuar junto à Federação de Futebol do Rio de Janeiro. O problema é que a associação de classe concorda e as emissoras também e o profissional acaba sendo suspenso das suas funções por uma entidade que não deveria estar cuidando desse assunto. Jornal da ABI – Qual é a responsabilidade da televisão nesse caso?

Washington – Eu já disse que não condeno a televisão, pois ela está fazendo o seu papel. Cada veículo tem que cuidar do seu interesse. Acho inclusive que a Globo faz um trabalho fantástico. Mas verifico que as emissoras de rádio aceitaram essa situação com muita passividade, e como estou do lado de cá reclamo muito. Jornal da ABI – Qual foi o impacto dessa medida no trabalho dos repórteres?

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“A Seleção Brasileira de 1970 foi o melhor time de futebol que eu já vi jogar.” Washington – Acho que no atual formato da cobertura do futebol o trabalho do repórter de rádio perdeu toda a emoção. O jogador a ser entrevistado acaba sendo aquele que a televisão impõe, inclusive na hora que ela determina.

programa substituindo o Flávio Cavalcânti, que teve uma briga com a direção da emissora e saiu e deixou um buraco aos domingos na programação.

Jornal da ABI – Não existe outra opção?

Washington – Eles criaram um programa chamado Domingo é Dia de Show e colocaram cinco apresentadores para ir eliminando até ficar um só. Por último, ficamos eu e o Albino Pinheiro, disputando o páreo final. Mas a nossa atuação juntos ficou tão boa que a direção da Tupi resolveu

Jornal da ABI – O Agartino aceitou a sua proposta?

Washington – Eu disse que a participação do time no programa MÁRCIO MERCANTE/AGÊNCIA O DIA

Washington – Nós perdemos o direito de optar. Isso interfere também em entrevistas nos programas de rádio. Esta semana eu fiz uma entrevista exclusiva com Joel Santana aqui no meu programa (Show do Apolinho), mas o batepapo só aconteceu numa deferência especial a mim.

Jornal da ABI – Qual era o nome do programa?

Gomes sobre a proposta, mas ele alegou que o Flávio Cavalcãnti tinha feito o pedido primeiro. Eu disse ao Agartino que o Flávio era torcedor do Fluminense e o Chacrinha era vascaíno, por isso deveria ter prioridade. Como na época eu cobria o Vasco e ele gostava muito de mim, me propôs uma divisão. Eu não aceitei e disse que o Chacrinha queria a presença de todo o time, inclusive a dele.

Jornal da ABI – Os atletas, técnicos e dirigentes ficaram impedidos de falar normalmente?

Washington – Eles são instruídos a só falarem com jornalistas em entrevistas coletivas. E nesse tipo de entrevista eu não posso debater com ele um assunto importante. Quando a gente liga para um personagem do mundo esportivo ele alega que não pode falar, porque as outras emissoras vão criticá-lo por ele não ter concedido entrevista para elas também.

Jornal da ABI – Chegou a ter um programa só seu na tv?

Washington – A minha participação era sempre em mesa-redonda. Na TV Tupi eu cheguei a fazer uma participação num

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Washington – Eu tinha muito orgulho do Coutinho, porque ele era uma pessoa inteligente, culta, calmo, entre outras qualidades. As coletivas eram realizadas com a ajuda de intérpretes. Quando chegava a vez do Coutinho, ele dispensava o serviço de tradução e respondia às perguntas no idioma dos repórteres de cada país. Aquilo me deixava orgulhoso. Ao término das entrevistas, os jornalistas o aplaudiam de pé.

Washington – O Agartino estava zangado, mas o Chacrinha começou as homenagens ao clube, cantou o hino do clube e tudo mais. Na hora que o ônibus tinha que ir embora, não conseguia sair, pois fiz com que ficasse preso no estacionamento para derrubar a ida deles ao programa do Flávio. Jornal da ABI – Isso também não irritou o Agartino?

Washington – O Agartino reclamou, mas eu me desculpei dizendo que não tinha como saber que o ônibus do clube tinha ficado preso no estacionamento.

Jornal da ABI – Já tinha feito alguma cobertura internacional?

Washington – Foi a primeira viagem internacional que fiz pela Rádio Globo e a grande emoção da minha vida, porque eu vi o Brasil ser campeão.

Jornal da ABI – Em que sentido?

Washington – Eu comecei em televisão quando fui para a TV Globo, no final dos anos 1960, para participar da Resenha Facit, que tinha Armando Nogueira, João Saldanha, José Maria Scassa, José Dias, Salim Simão, entre outros. Trabalhei também na TV Rio, Excelsior, Continental, Manchete, Record, na antiga TVE e na CNT.

Jornal da ABI – Isso não irritou o Agartino?

Washington – A Copa de 1970 no México foi a minha primeira Copa do Mundo, juntamente com o Denis Menezes. A emissora tinha uma parceria com a Nacional para transmitir os jogos, porque os direitos de transmissão eram muito caros na época. O Jorge Cúri era o locutor da Nacional, e o Waldyr Amaral da Globo.

Washington – Antigamente, eu ia à casa do dirigente, entrevistava técnico ou jogador em qualquer lugar, até mesmo em um hospital. E as conversas às vezes eram longas. Hoje não se pode fazer nada disso. E isto tirou o charme que tinha o futebol, que atualmente está muito chato.

Jornal da ABI – Já que estamos falando em televisão falemos sobre a sua experiência com essa mídia.

de futebol que eu já vi jogar. O melhor técnico de Seleção foi o Cláudio Coutinho; em clubes de futebol, o Tim.

Jornal da ABI – Vamos falar de Copa do Mundo?

Jornal da ABI – Isso tem a ver também com a tv?

Washington – Na época em que o Tomires e o Pavão jogavam, o pau comia em campo e juiz não tinha cartão para dar, a advertência era verbal. Hoje o jogador encosta no outro, é como se fosse uma falta desproporcional, o juiz vem logo com o cartão amarelo, tira o atleta do próximo jogo. Por isso, a coisa ficou muita chata, por causa de um processo muito mecânico.

e o estacionamento foi fechado com o ônibus lá dentro. Sem que soubesse disso, o Chacrinha mandou retardar a participação do time do Vasco, que seria a atração máxima do programa e demorou para chamá-los ao palco.

Jornal da ABI – Como foi o seu convívio com os jogadores da Seleção Brasileira tricampeã de 1970?

Washington – Eu fui jurado do programa dele e também tinha a missão de levar jogadores de futebol para dar entrevistas.

do Chacrinha só ia demorar uns 15 minutos, e depois ele poderia levá-lo para a Tupi para a entrevista com o Flávio. Ele botou todos os jogadores no ônibus, como eu tinha sugerido, e seguiu para a TV Globo. A verdade é que o Chacrinha não queria que o time do Vasco fosse ao programa do Flávio. Mas eu tive que prometer ao Chacrinha que seria dessa maneira, mas não podia dizer isso ao pessoal do Vasco.

Jornal da ABI – Gostaria de registrar alguma?

Jornal da ABI – Qual foi o desfecho dessa história?

nos deixar continuar a atuar em dupla. Infelizmente, em seguida a emissora fechou. E nós perdemos a chance de sermos o Faustão ou o Gugu da época. Jornal da ABI – Como foi trabalhar com o Abelardo Barbosa, o famoso Chacrinha?

Washington – Houve uma passagem interessante. O Vasco foi campeão e o Chacrinha disputava com o Flávio Cavalcânti a liderança do horário. Ele era vascaíno e me pediu que levasse o time inteiro ao programa, com a taça e tudo. Eu fui ao clube falar com o então Presidente Agartino

Washington – Eu pedi ao pessoal que tomava conta do estacionamento da TV Globo, que tinha uma passagem estreita, para retirar todos os carros e deixá-lo vazio até que o ônibus do Vasco estacionasse. Quando o veículo entrou, eu pedi para que os carros fossem colocados atrás dele

Washington – O contato com os jogadores era muito fácil. Tínhamos acesso inclusive aos reservas. Eu me lembro de que o Dario Peito de Aço assistia ao jogo na mesma posição em que eu e o Denis ficávamos. Toda tarde, após o treino, os jogadores se reuniam no varandão do hotel e organizavam um pagode, e as pessoas se aglomeravam na rua para assistir a esse outro espetáculo da Seleção Brasileira. Jornal da ABI – Fale da sua participação em outros Mundiais.

Washington – Eu cobri dez Copas do Mundo. Não fui na da Coréia e Japão, porque a Tupi não transmitiu, por causa dos horários, que não compensavam economicamente para a emissora alterar a programação e fazer a transmissão dos jogos. Jornal da ABI – Qual a melhor Seleção Brasileira que você já viu jogar?

Washington – A Seleção Brasileira de 1970 foi o melhor time

Jornal da ABI – O que lhe chamava a atenção no Cláudio Coutinho?

Jornal da ABI – Qual é a sua opinião sobre o trabalho de Mano Menezes?

Washington – Eu gosto muito do Mano Menezes, mas estou preocupado porque ele ainda não conseguiu montar um time e dificilmente terá um, porque não tem tempo de treinar. Em 1970 eu cobri todos os treinamentos e me lembro de que a Seleção passou quatro meses fazendo trabalho de adaptação de altitude. O Brasil ganhou aquela Copa no condicionamento físico. No último jogo, entre o Brasil e a Itália, no segundo tempo os italianos estavam parados dentro de campo, o resultado foi aquela goleada de 4 a 1.

Jornal da ABI – Qual é a grande dificuldade do técnico da Seleção Brasileira atualmente?

Washington – Ele recebe o time num dia e viaja logo em seguida. Não há tempo para treinar, nem conhece bem os jogadores. Na próxima Copa, como não terá que disputar a fase eliminatória, o Brasil vai enfrentar muita dificuldade para montar um time. Jornal da ABI – Qual a sua avaliação da CBF e sobre a polêmica envolvendo o Ricardo Teixeira?

Washington – O Ricardo Teixeira teve uma administração com êxito, com a conquista de 112 títulos. Pegou a CBF falida e a deixou com R$ 300 milhões em caixa, mesmo assim enfrenta uma série de denúncias. O que me irrita é que eu acho que a Fifa está fazendo chantagem com ele. Diz que tem um dossiê que o incrimina por ter recebido propina, mas não o mostra. Estão jogando no ar uma denúncia sem provas. Jornal da ABI – As acusações envolvem também o João Havelange.

Washington – Fizeram isso com o João Havelange, que é uma pessoa que o mundo todo reverencia. Dizem que ele pegou R$ 1 milhão, o que para o Havelange é nada, e acho que ele não pegaria. Eu ficaria decepcionado se isso


CARLOS MORAES/AGÊNCIA O DIA

fosse verdade. Até porque acho que seria o mesmo que o Eike Batista roubar um saco de laranjas.

ruas são estreitas, quase não sobra espaço para os carros passarem por causa da massa humana. Se o motorista der o azar de esbarrar em alguém terá o carro quebrado à base de porrada. É um perigo, as pessoas ficam apavoradas. Para os jornalistas o estádio é ótimo, melhor até de se trabalhar do que no Maracanã. Mas o ir-e-vir para o torcedor é complicado.

Jornal da ABI – Qual seria o motivo do afastamento do Ricardo Teixeira do comando da CBF?

Washington – Existem várias denúncias contra ele, que inclusive já passou por CPI. Até agora não conseguiram provar nada. Ele se afastou porque tem uma doença séria. Há muito tempo que ele se desligou do contato com a imprensa. Eu mesmo falava com o Ricardo Teixeira quinzenalmente. Mas nunca mais, nem por telefone, consegui conversar com ele. Sobre as denúncias só podemos acreditar quando mostrarem a prova. Também não temos como duvidar. Jornal da ABI – O verdadeiro motivo da saída do Ricardo Teixeira seria para cuidar a saúde?

Washington – Na minha opinião ele se afastou por causa da Copa do Mundo no Brasil, se não fosse isso não sairia. O Ricardo Teixeira estava há 23 anos na CBF, mas agora tem uma disputa muito grande pela chave do cofre. Copa do Mundo é uma coisa maravilhosa. Deixa um legado para as cidades e para o País, mas muita gente fica rica também. Jornal da ABI – E os embates da Fifa com o Brasil por causa no atraso nas obras?

Washington – Eu tenho visto com muita preocupação esse duelo. Primeiro, é que o Brasil é que foi pedir à Fifa para sediar a Copa, e não o contrário. E assumimos um compromisso e o Lula assinou um papel concordando com todas as exigências, que agora querem mudar. Há tanta coisa sendo conduzida da maneira errada, com o debate público cheio de ofensas. Jornal da ABI – O Romário comparou a saída do Ricardo Teixeira à extirpação de um câncer.

Washington – Ele deveria ter dito isso quando foi convocado, ou quando foi pedir à CBF para criar ingressos para os portadores de deficiência. Essa atitude dele me surpreendeu, porque o Romário não é de chutar cachorro morto. Ele foi indelicado. Eu não absolvo o Ricardo Teixeira, mas não posso condená-lo se não houver provas de que ele fez alguma coisa errada. Jornal da ABI – O que você pensa de toda essa confusão?

Washington – A impressão que tenho é que o Brasil se arrependeu e não está querendo mais organizar a Copa do Mundo. Além das dificuldades técnicas com a Seleção, teremos problemas também no relacionamento com a Fifa. O Ricardo Teixeira, por exemplo, brigou com as duas pessoas com quem ele não deveria ter brigado: o Pre-

Jornal da ABI – O que se pode esperar do próximo Campeonato Brasileiro?

O encontro de dois ídolos: Apolinho e Ronaldinho Gaúcho durante uma partida entre Flamengo x Boavista válida pela Final da Taça Guanabara de 2011. Na página anterior, o jornalista ergue a Taça Washington Rodrigues, durante uma partida entre Olaria x Resende válida pela Final do Troféu Washington Rodrigues, criado em sua homenagem.

sidente da Fifa, Joseph Blatter, e a Presidente Dilma. Isso me deixa muito preocupado. Jornal da ABI – O novo presidente da CBF, José Maria Marin, tem perfil de quem irá contornar todas essas crises rapidamente?

Washington – Eu tenho dúvidas. Estatutariamente ele é o presidente e não se pode mudar isso a não ser por meio de uma rebelião, que eu não gostaria que acontecesse, porque sou a favor da legalidade. Mas tenho dúvidas se ele vai ter pulso para comandar a CBF. Ele não tem boa imagem como gestor para estar na linha de frente da entidade. Jornal da ABI – Além do rádio e a televisão você também trabalhou na imprensa.

Washington – Eu trabalhei na Luta Democrática, Diário de Notícias, Última Hora, Jornal dos Sports, Extra, atualmente trabalho no Meia Hora. Já atuei também nas revistas Manchete e O Cruzeiro. Jornal da ABI – Tem boas lembranças desse período?

Washington – Eu gosto muito de escrever. Trabalhei no Jornal dos Sports em uma época muito boa. No primeiro número do Extra eu estava lá como colunista, no Meia Hora também, onde estou até hoje. Agora, a minha verdadeira paixão é o rádio. Jornal da ABI – Como nasceu a coluna “Geraldinos & Arquibaldos”?

Washington – Quando eu comecei tinha muito medo de errar Quem fala de improviso erra muito. Então eu comecei a criar termos que eu pudesse levar o ouvinte a interpretar se eu estaria falando errado ou não. Quem frequentava a geral eu chamei de “geraldino”. O torcedor de arquibancada passou a ser o “arquibaldo”. O funcionário que carrega a maca eu transfor-

mei em “macário”, quando o certo seria maqueiro. Jornal da ABI – Essa fórmula deu certo?

Washington – Eu falava errado e ria em seguida, aí o ouvinte gostava da novidade. Assim eu fui criando vários termos e expressões que me tirassem de sinucas na hora de entrar ao vivo no ar. Isso acabou sendo uma marca. Eu tenho mais de 100 expressões catalogadas. Fizeram até um dicionário com essas palavras criadas por mim e algumas lançadas por outras pessoas.

Jornal da ABI – Há quanto tempo você está na Rádio Tupi?

Washington – Eu vim para a Tupi em 1999 e há 13 anos que o Show do Apolinho está no ar. Quando eu cheguei, a rádio só tinha uma hora nesse horário de programa de esportes. O Show do Apolinho é um programa de notícias, não exclusivamente de futebol.

Jornal da ABI – Quantas pessoas estão envolvidas no programa?

Washington – Ao todo são 20 pessoas. Além do pessoal de produção, o programa tem uma equipe de jornalistas de esportes trabalhando com a gente. Temos unidades móveis que transmitem notícias da rua, de locais como a Ponte Rio-Niterói, terminal das barcas e informações sobre o trânsito. Tem o Brandão que está comigo há mais de 30 anos com o Apolo móvel, fazendo o noticiário policial. É um programa em que eu falo pouco, a notícia é que é a vedete. Jornal da ABI – A audiência do programa é boa?

Washington – O programa está há sete anos na liderança absoluta do horário, derrotando concorrentes muito fortes, mas nós conseguimos essa proeza. Eu tenho muito orgulho desse programa.

Jornal da ABI – Gostaria que você falasse do Maracanã.

Washington – O Maracanã é a obra mais longa que eu já vi na história. Começou no final de 1949, o estádio foi inaugurado provisoriamente para sediar a Copa de 1950 e nesse estágio provisório ele está até hoje. Tanto é que o antigo Maracanã foi derrubado para dar lugar a um novo. O estádio já sofreu inúmeras intervenções que nunca terminaram. Eu espero que no final ele não seja derrubado novamente por causa das Olimpíadas.

Jornal da ABI – O Maracanã perdeu o charme como o templo do futebol?

Washington – Eu acho que sim, inclusive eu não o derrubaria e faria um estádio em outro lugar e deixaria o Maracanã. Paramos o estádio quatro anos para fazer nele uma partida da Seleção Brasileira, que é o que nos interessa, que poderá inclusive não acontecer se o Brasil não se classificar para a final. Depois pára novamente por causa das Olimpíadas. Serão oito anos parado, com uma legião de torcedores se afastando do estádio. Não tem cabimento fazer isso com o Maracanã.

Jornal da ABI – Qual é o mistério do Engenhão, que não consegue atrair público nem numa final entre Vasco e Flamengo?

Washington – Foi um erro no projeto inicial. Eu me lembro que o Cesar Maia apresentou o projeto de um estádio que deveria ter saídas e entradas por meio de viadutos, que facilitariam muito a mobilidade do torcedor. Acontece que o lugar onde o Engenhão está localizado é longe, e as pessoas têm medo de ir até lá mesmo de carro.

Jornal da ABI – Por quê?

Washington – Na saída de um jogo de grande público, como as

Washington – Eu acho que o deste ano ainda vai ser bom, me preocupo com o do ano que vem. A televisão perdeu os direitos da Taça Libertadores e para se prevenir pediu, e a CBF atendeu, para esticar a Copa do Brasil, que terá 86 clubes jogando. Jornal da ABI – Não é muita coisa?

Washington – Teremos o Campeonato Brasileiro sendo disputado próximo da Copa do Brasil, que é outro torneio longo. Isso sem contar a realização dos campeonatos estaduais, Copa Sul Americana, Copa das Confederações, Libertadores e Seleção Brasileira. O ano só tem 365 dias. Vai ser uma overdose de futebol, que poderá inclusive afastar o torcedor dos estádios e da poltrona. Jornal da ABI – Que conselho daria para alguém que deseja ingressar no jornalismo esportivo?

Washington – O que eu digo sempre para eles, sobretudo para as inúmeras moças que querem ingressar na carreira, é que tem que gostar do que faz. Não se pode abraçar a profissão de jornalista para agradar aos pais. O jornalista é como o bombeiro; para se dedicar a apagar incêndio tem que ter vocação. Jornal da ABI – Assim como você?

Washington – Eu chego na rádio às 6 e 30 e saio às 20h, porque amo o que faço. E a minha equipe felizmente pensa igual a mim. Se a pessoa não tiver vocação, não tente ser jornalista. Mas se tiver, venha, porque será muito bem recebido e vai gostar muito do que terá para fazer. Jornal da ABI – Você disse que as mulheres estão crescendo no jornalismo esportivo. Há chances de que um dia venham a narrar partidas de futebol?

Washington – O timbre de voz da mulher talvez não seja o ideal para que ela consiga ser uma boa locutora esportiva, mas na reportagem e nos comentários elas estão indo muito bem. Eu, por exemplo, sou fã da Marluce Martins, que eu conheci em O Dia. Ela é uma profissional fantástica. É uma mulher que se dedicou o tempo todo à profissão, é informada, conhece do ofício.

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LIBERDADE DE IMPRENSA

A morte de Décio Sá, o 5º jornalista assassinado desde fevereiro de 2011 Sua execução, em São Luís do Maranhão, constitui um atentado contra toda a imprensa. O assassinato do jornalista Décio Sá na noite de 23 de abril, em São Luís do Maranhão, evidencia as severas restrições ao trabalho dos profissionais de imprensa no País e o alto risco de vida que envolve o exercício do jornalismo. Décio foi o quinto profissional assassinado no Brasil desde fevereiro de 2011, como assinalou a ABI na declaração em que manifestou sua indignação diante da morte do jornalista. “Um crime como esse atemoriza e deixa mais estupefata a sociedade, não só a maranhense, como a brasileira. Ela vê nesses atos como o Brasil caminha para uma desordem. Fica tentada a recorrer ‘ao dente por dente; olho por olho’. Sente que o poder público não consegue ter sintonia com o que vai acontecendo diante dessa convulsão social”, afirma Leonardo Monteiro, Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da capital maranhense. Décio Sá, de 42 anos, foi atingido por seis tiros à queima-roupa no Bar Estrela do Mar, localizado na Avenida Litorânea da capital, por volta das 23h30min, pouco depois de deixar a Redação do jornal O Estado do Maranhão. Duas balas atingiram a região do tórax e quatro a cabeça, segundo informações do jornal em que ele trabalhava. Décio estava sozinho no estabelecimento aguardando a chegada do Vereador Fábio Câmara (PMDB), a quem tinha convidado para jantar. Além do trabalho no jornal, onde atuava na editoria de Política, Décio mantinha um blog no qual fazia reportagens investigativas. De acordo com a imprensa local, ele se auto-intitulava ‘o detonador’, tornando-se famoso na capital maranhense por publicar denúncias contra políticos e órgãos públicos. O espaço Blog do Décio era um dos mais acessados do Estado. Tamanha coragem no exercício da profissão, sempre com grande repercussão nas redes sociais, colocou-o em evidência. E em risco. “Ele foi um jornalista que se destacou desde o início da sua vida acadêmica, quando fazia o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Maranhão, na década de 1990. Seus colegas de turma o achavam ‘inquieto e furão’. Ele tinha o interesse por noticiar fatos e acontecimentos que envolviam os três Poderes. Era empenhado e contundente no texto que tratava da notícia que colhia ou chegava de suas fontes. Por uma dessas agressões, procurou o Sindicato dos Jornalistas e foi orientado a registrar um boletim de ocorrências, mas não chegou a dar continuidade ao caso e nem quis mais tratar do assunto com o Sindicato, apesar de cobra28

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DIVULGAÇÃO

P OR P AULO C HICO

Décio Sá se auto-intitulava ‘o detonador’ por publicar denúncias de corrupção.

do por nós. Deduzimos, na época, que ele tenha se conciliado com o autor da ameaça”, conta Leonardo Monteiro. O Secretário de Segurança do Maranhão, Aluísio Mendes, compareceu ao local do crime e, no dia seguinte, designou três experientes delegados para cobrir o caso. Os trabalhos prosseguem com campanhas pelo disque-denúncia, com a prisão de suspeitos. Jornalistas, radialistas e blogueiros uniram-se na cobrança

de providências. A Governadora do Estado, Roseana Sarney, o Presidente do Senado, José Sarney, e os Presidentes dos Tribunais de Justiça e do Trabalho, além de outras autoridades públicas, divulgaram notas solidarizando-se e cobrando que tudo seja apurado. Empresários amigos de Décio estão oferecendo R$ 100 mil para quem indicar informações que levem aos autores do crime. O que a morte de Décio revela sobre os riscos do exercício da profissão de jornalista no Maranhão? “Não se trata de risco só para a nossa profissão. A anarquia ou desordem é da ordem jurídica reinante no País, comandada pela legislação penal em vigor, que permite ou autoriza a prática de qualquer crime. Depois de praticado, a lei manda pagar fiança e aguardar todas as instruções em liberdade. Em liberdade, como se sabe, o infrator ou criminoso pode matar novamente”, afirma o Presidente do Sindicato. “Isto aí acaba traduzido como império da impunidade. Os bandidos, pistoleiros, mandantes, vão se preocupar com punição do Estado? Eles matam ou mandam executar em plena via pública, em ambientes freqüentados pelo maior número de pessoas como se estivessem mandando recados para intimidar a sociedade”, concluiu Leonardo Monteiro em entrevista ao Jornal da ABI. O Diretor de O Estado do Maranhão, Ribamar Corrêa, destacou em diversas

O protesto indignado da ABI Em declaração no dia seguinte ao do assassinato do jornalista Décio Sá, a ABI expressou em 24 de abril sua “extremada indignação” diante do crime, cuja investigação, sustentou, deveria ser acompanhada pela Polícia Federal, como pediu a Casa em telegramas à Presidente Dilma Rousseff e ao Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. A ABI manifestou essa opinião também à Secretária Chefe de Direitos Humanos da Presidência da República, Ministra Maria do Rosário, que se encontrava em Porto Alegre e telefonou para a Casa propondo a realização de uma reunião sobre medidas para garantir a integridade dos jornalistas, com a participação da ABI e de outras associações de profissionais da área de comunicação. Na declaração que emitiu, a ABI ressalvou que o acompanhamento do caso pela Polícia Federal far-se-ia sem sacrifício da autonomia do Estado do Maranhão. Diz a declaração: “É com extremada indignação que a Associação Brasileira de Imprensa rece-

beu a notícia do assassinato do jornalista Décio Sá, abatido com seis tiros de arma de calibre 40 na noite de segunda-feira, 23 de abril, em São Luís do Maranhão, depois de encerrar sua jornada de trabalho no jornal O Estado do Maranhão. Décio Sá, de 42 anos, pai de um menino de oito anos, fazia um jornalismo combativo e esse foi por certo o motivo de sua eliminação por sicários a serviço dos denunciados por suas reportagens e suas opiniões. Entristecida com esse episódio, que fere de forma grave e intolerável a liberdade de expressão e a liberdade do exercício da profissão de jornalista, a ABI considera a morte de Décio Sá uma resultante da passividade do Poder Público na apuração de crimes contra jornalistas em diferentes pontos do País. Em pouco mais de um ano, foram assassinados outros quatro profissionais que faziam um jornalismo independente: Mário Randolpho Marques Lopes, abatido em 9 de fevereiro no Município de Barra do Piraí, no Estado do Rio de Janeiro; Luciano

declarações o sentimento de pesar da equipe do jornal. “A dor é por conta de o jornalismo maranhense ter perdido um jornalista ímpar. Décio agitava a Redação com o seu estilo polêmico, ousado, provocador e destemido. Vivia para o jornalismo. Procurava sempre surpreender com informações importantes e em primeira mão. A imprensa está de luto e, nós, jornalistas, indignados. Mataram um jornalista e com isso tentaram matar a imprensa.” Diversas entidades representativas do Jornalismo divulgaram notas de repúdio à execução de Décio Sá, cobrando das autoridades a devida investigação com apontamento e punição dos responsáveis pelo crime. “A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado do Maranhão – manifesta sua consternação com o assassinato de Décio Sá. Somente a apuração rápida e eficaz evitará que crimes como este continuem acontecendo em nosso Estado, sejam eles motivados pelas atividades profissionais das vítimas ou não. Aguardamos que as autoridades policiais esclareçam rapidamente o assassinato do jornalista, com o encaminhamento célere do caso à Justiça para que os responsáveis sejam punidos nos termos do Estado Democrático de Direito”, diz o texto oficial, divulgado em 25 de abril e assinado pelo Presidente da OABMA, Mário de Andrade Macieira.

Pedrosa, morto em 9 de abril em Vitória de Santo Antão, Pernambuco; Ednaldo Figueira, assasinado em 15 de julho no Município de Serra do Mel, no Rio Grande do Norte, e Valério Nascimento, morto em 3 de maio no Município de Rio Claro, também no Estado do Rio. Apesar dos protestos e das exigências de entidades de jornalistas, entre as quais a ABI, não há notícia de que os autores desses crimes tenham sido identificados e responsabilizados penalmente. Considera a ABI que, sem sacrifício da autonomia do Estado do Maranhão, a Polícia Federal deve proceder ao acompanhamento das investigações para identificação dos matadores de Décio Sá, pois a impunidade desses criminosos constituirá estímulo a novos crimes contra jornalistas. Com esse fim a ABI dirige um apelo à Presidente Dilma Rousseff e ao Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, para que determinem à Polícia Federal que não permaneça indiferente diante de tal brutalidade, que constitui grave lesão à liberdade de expressão assegurada pela Constituição. Rio de Janeiro, 24 de abril de 2012. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”


DIREITOS HUMANOS BETO OLIVEIRA- AGÊNCIA CÂMARA

Sob risco de morte no Amazonas o radialista que faz denúncias Por apontar irregularidades no Município de Maués, desde novembro ele recebe ameaças. O radialista Josimar Martins, da Rádio Independência de Maués, Amazonas, vem sofrendo ameaças de morte em função das denúncias de irregularidades no Município. O Deputado Luiz Castro, líder do PPS na Assembléia Legislativa do Amazonas, encaminhou moção de repúdio solicitando providências às secretarias de Estado de Segurança Pública e de Justiça e Direitos Humanos do Estado e deu ciência das ameaças ao Ministério da Justiça – MJ, à ABI, à Ordem dos Advogados do Brasil-OAB e à Academia Amazonense de Letras – AAL. O texto assinado pelo parlamentar, encaminhado à Presidência da ABI, tem o seguinte teor: “Segundo informações de lideranças do Município de Maués, Josimar Martins, apresentador do programa, na Rádio Independência de Maués, vem recebendo telefonemas anônimos com ameaças de morte, desde o dia 5 de novembro de 2011. Conforme a informação, o radialista, através de seu programa de rádio, tem denunciado as irregularidades que acontecem no Município e cobra providências das autoridades. O programa de rádio, aberto à participação da população, aborda vários temas e denúncias, que são levados ao conhecimento público. O programa está no ar há um ano e tem boa audiência, não só nos Municípios vizinhos de Boa Vista do Ramos, Nova Olinda do Norte e Urucurituba. Destarte, solicito que a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos procedam a investigação no sentido de apurar as denúncias que aqui chegaram, a fim de garantir a integridade do jornalista e radialista Josimar Martins. Solicito também da Chefia da Casa Civil do Governo do Estado do Amazonas e da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas, nos termos do parágrafo 1º do artigo 11 da Lei federal nº 12.527/2011, o relatório das medidas tomadas em atendimento à solicitação constante deste documento, em conformidade com os prazos e formas definidas no supracitado diploma legal. Com essas considerações, indico com amparo no Regime Interno desta Casa, Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, na expectativa de seu encaminhamento. Manaus, 31 de janeiro de 2012, (a) Deputado Luiz Castro, Líder do PPS.”

POLÊMICA

Boris Casoy contesta Alberto Dines Uma réplica a afirmações feitas por Dines em entrevista ao Jornal da ABI.

A Deputada Luiza Erundina é autora do projeto de lei que propõe a revisão da Lei de Anistia e prevê punição para agentes da ditadura que seqüestraram e mataram militantes de esquerda.

Uma Comissão da Verdade já em atividade na Câmara Criada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, a Comissão ouviu um ex-militar e um mateiro que participaram da repressão à Guerrilha do Araguaia. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados instalou a Comissão Parlamentar da Verdade, Memória e Justiça, cuja finalidade é colher depoimentos de testemunhas que, na oposição ou na situação, tiveram algum envolvimento com a ditadura militar (1964-1985). A justificativa dos deputados para a criação da Comissão é de que a Presidente Dilma Rousseff está demorando a indicar os nomes que irão compor a Comissão Nacional da Verdade. A Comissão é coordenada pela Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), autora de um projeto de lei que propõe a revisão da Lei de Anistia, e prevê a punição e prisão dos agentes da ditadura que praticaram seqüestros e mataram militantes da esquerda, que lutaram contra o regime do golpe de 64. Os primeiros testemunhos obtidos pela Comissão foram registrados no dia 3 de abril, quando foram ouvidos um ex-militar que serviu no Araguaia, participando da captura de guerrilheiros, e um mateiro que teria sido um dos responsáveis pela localização de integrantes do PCdoB. A Deputada Luiza Erundina disse que essas testemunhas deram informações importantes, inclusive sobre os locais onde poderiam ser encontrados restos mortais de guerrilheiros. Ela informou também que as testemunhas disseram que estão sofrendo ameaças de morte. Por causa disso, o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Deputado Do-

mingos Dutra (PT-MA), disse que vai pedir proteção policial para as pessoas compareceram ao Congresso. Um grupo de parlamentares, informou, irá até os locais indicados pelos depoentes. Bolsonaro tumultua Um dos mais ferrenhos opositores da criação da Comissão da Verdade, o Deputado federal Jair Bolsonaro (PPRJ) criticou o formato de sessão secreta em que foram colhidos os depoimentos de ex-integrantes do Exército que participaram da repressão aos integrantes da Guerrilha do Araguaia. Bolsonaro tumultuou a reunião e tentou obstruir os trabalhos da Comissão Parlamentar da Verdade, Memória e Justiça. Ele também é acusado de agredir verbalmente um funcionário da Comissão de Direitos Humanos. Segundo depoimento do Deputado Chico Alencar (PSol-RJ), Bolsonaro teria tentado tomar papéis e documentos das mãos de um servidor da Câmara, que se negou a entregá-los ao parlamentar, afirmando que só o faria se fosse autorizado pelo Presidente da Comissão. A atitude de Bolsonaro foi criticada pelo Deputado Domingos Dutra, que disse que o parlamentar “tentou intimidar os depoentes”. Por causa do incidente, o Presidente da Câmara, Deputado Marco Maia (PT-RS), enviou para a Corregedoria Parlamentar, no dia 4 de abril, pedido da Comissão de Direitos Humanos para que seja aberto processo por quebra de decoro parlamentar contra o Deputado Jair Bolsonaro.

Em e-mail enviado à ABI, o jornalista Boris Casoy contestou afirmações feitas pelo jornalista Alberto Dines em entrevista ao Jornal da ABI, que a publicou em suas Edições 374 e 375, com datas de capa janeiro e fevereiro de 2012. “Falecem qualidades éticas e morais a esse senhor para fazer quaisquer consideração a meu respeito”, diz Casoy, cuja contestação foi feita nos seguintes termos: “Em recente entrevista ao Jornal da ABI, o Sr. Dines, além de partir para o vitupério, faz acusações mentirosas. Falecem qualidades éticas e morais a esse senhor para fazer quaisquer considerações a meu respeito. Posando de democrata, Dines, de caráter sobejamente conhecido, aponta o dedo aos demais, mas omite cuidadosamente de sua biografia o fato de ter sido interventor do governo militar – nomeado oficialmente – no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro. Nessa sua ‘honrosa missão’ cassou um sem-número de jornalistas ligados à antiga direção do Sindicato, sem a menor chance de defesa. Ao contrário do que ele acusa jamais impedi a publicação de qualquer artigo de sua autoria. No episódio por ele citado, a direção da empresa e eu consideramos o artigo impublicável sob a sigla AD. Por decisão da empresa, propus a ele que publicasse o artigo no alto da página 5, com sua assinatura. Por razões desconhecidas, ele insistiu que o artigo fosse publicado apenas com as iniciais AD. E passou a enviar diariamente o mesmo texto. Não é verdade que o demiti pessoalmente, por telefone. Estava viajando. Quem o fez, por decisão minha, foi o então secretário de redação Odon Pereira. Em outra ocasião, insistentemente cobrado por mim ante a ineficiência da sucursal do Rio, que ele chefiava, Dines me fez um pedido surpreendente: solicitou que eu ‘limpasse’ a sucursal, pois ele estava sendo impedido de trabalhar corretamente devido à presença maciça de militantes do Partido Comunista. Perguntei por que ele mesmo não fazia a tal ‘limpeza’. Respondeu que não tinha condições políticas de fazê-lo devido ao seu ‘passado de lutas’. Dias depois, Dines insistiu na proposta. Por fim, cabe lembrar que ao supra citado senhor, que ‘era e é um merda’, é aquele que vai a extremo de renegar o seu próprio nome. (a) Boris Casoy.” JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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MEMÓRIA REPRODUÇÃO

REPRODUÇÃO

A Palma de Anselmo Duarte No ano em que o Festival de Cannes completa 65 anos, o Brasil tem motivos de sobra para comemorar: foi há 50 anos que O Pagador de Promessas conquistou a única Palma de Ouro concedida a um filme nacional. P OR S ANDRO F ORTUNATO

Anselmo Duarte já nasceu pecando: interiorano, pobre, filho de operário. Cresceu e continuou a pecar: bonito, tornou-se “o maior galã do cinema nacional” (do final dos anos 1940 e por toda a década de 1950), sonho de consumo de todas as mulheres brasileiras. Os pecados continuaram: não bajulava, não entrava em panelas, não media as palavras. Até então, tudo lhe era perdoado. Afinal, galã é visto como um ser bonito, mas desprovido de inteligência; portanto, inofensivo. Em 1957, estreou atrás das câmeras dirigindo a si mesmo em Absolutamente Certo. Essa pequena pretensão também lhe foi perdoada. Vem a década de 1960, e Anselmo chega aos 40 anos de idade. Mais experiente e amadurecido, deve ter percebido que beleza não é algo que dura para sempre. Resolveu dirigir outro filme. Parecia querer enterrar de vez essa história de galã. Foi aí que ele cometeu um pecado mortal: conquistou a Palma de Ouro, o mais cobiçado prêmio do cinema mundial, que ninguém da “elite cultural brasileira”, “do nosso cinema-cabeça”, havia conhecido nem conseguiria. Isso era imperdoável. Desde que o Brasil é Brasil, sucesso só é bom se for o próprio ou de alguém que faça parte do seu grupinho, porque vai acabar sobrando para você. Também desde sempre, o olimpo da intelligentsia brazuca é muito restrito, geralmente reservado aos bem nascidos, que se dizem defensores do povo, mas que não gostam de se misturar a este. Anselmo Duarte era galã, povão, era um Zé, 30

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como os personagens dos filmes roteirizados por ele. Quem é esse Zé, que não fazia parte do “Clube Nacional da Inteligência Tupiniquim”, pensava que era para entrar em um clube frequentado por Malle, Fellini e Buñuel? Isso é o tipo de coisa que os intelectuais brasileiros não perdoam. Parece haver uma poderosa praga, dessas que amaldiçoam várias gerações, que costuma ser rogada por brasileiros que fazem sucesso internacional no cinema. Foi assim com Carmem Miranda, acusada de ter se tornado americanizada, que deve estar em algum lugar gargalhando deste Brasil cada vez mais brazilian. Foi assim também, mais recentemente, com Rodrigo Santoro, de quem todos riram por entrar mudo e sair calado de sua estréia em Hollywood. Nove anos, vários filmes e muitas falas depois, ele deve rir de seus críticos, que assassinam o português todos os dias e se esforçam, sem sucesso, para falar em inglês. A praga de Anselmo Duarte tem-se mostrado poderosa e duradoura. Não atingiu apenas seus contemporâneos e “rivais” do Cinema Novo, mas todos os outros cineastas brasileiros que, cinquenta anos depois, ainda não conseguiram repetir a proeza de ganhar o prêmio principal em Cannes. Glauber Rocha bem que tentou. Concorreu quatro vezes: com Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) e ainda com o curta Di Cavalcanti (1977). Bateu na trave nas três últimas vezes: ganhou o Prêmio da Crítica em 1967, Melhor Diretor em 1969 e Prêmio do Júri

de Melhor Curta em 1977. Mas campeão do mundo, Palma de Ouro, só mesmo Anselmo Duarte. Inigualável há meio século. O Pagador de Promessas (1962) não ganhou “só” a Palma de Ouro. Ganhou também os festivais de Cartagena e de São Francisco, além de concorrer ao Oscar de Melhor Filme, em 1963. Mas a intolerância a este pecado mortal não foi somente dos diretores do movimento chamado Cinema Novo. A imprensa e o próprio Governo se posicionaram contra Anselmo e passaram a menosprezá-lo e boicotá-lo. Todo cineasta laureado com a Palma de Ouro pode enviar um filme à competição sem participar de processo seletivo. Isto é, o Brasil poderia ter dois filmes concorrendo em Cannes e aumentar sua chance de ganhar outra vez. Em 1965, Vereda de Salvação, de Anselmo, foi barrado pelo Itamarati e não participou do festival. Não era a indicação brasileira para concorrer nem impediria que o País tivesse outro representante. Bastava enviar o filme. O Governo disse não. E repetiu o boicote no Festival de Berlim. Anselmo conseguiu mandar Vereda de forma clandestina pela Embaixada da Alemanha. Eram 11 jurados. Um brigou e saiu. A votação ficou empatada: cinco votos para o filme de Anselmo, cinco para Alphaville, de Godard. Como não podia haver empate, o júri se reuniria outra vez para decidir o ganhador. Entre os jurados, um brasileiro. Ele votou em Alphaville. Se mudasse o voto, seria 6 a 4 em favor de Anselmo. Não fez isso. Alphaville ganhou e os intelectuais brasileiros comemoraram.

Foi a primeira vez que nossa liberdade caiu por terra aos pés de um filme de Godard. Em junho de 1969, a primeira edição de O Pasquim trazia um artigo de Odete Lara intitulado Glauber – O dragão de Cannes. Dragão que, sem qualquer maldade neste comentário, nem com ajuda do Santo Guerreiro conquistou o prêmio máximo. Algumas semanas depois, na edição de número 19, a entrevista principal foi com Anselmo. A primeira página já mostrava o tom bem diferenciado da camaradagem costumeira dispensada aos amigos da turma de Ipanema: Hoje ele só anda com mercenárias – Você lembra do galã Anselmo? Ninguém o poupava. Todos queriam enterrá-lo vivo. Como esquecer alguém que foi o galã do cinema por uma década e meia quando o cinema seria o equivalente ao que hoje é a novela das nove? Como esquecer alguém que, apenas sete anos antes, havia ganhado a Palma de Ouro? Ninguém parecia disposto a perdoar o sucesso de Anselmo Duarte. O ator e diretor ficou com fama de ressentido e amargurado. Ainda que seja verdade, motivos não faltaram para que ficasse assim. Atuando e dirigindo, sua carreira seguiu até 1979 (com raras e pequenas participações depois disso). Nos trinta anos seguintes, eventualmente saía de sua reclusão para receber alguma homenagem. Para as gerações pós-1970, já não se perguntaria se lembram de Anselmo Duarte, mas se sabem quem foi Anselmo Duarte. Foi, não. Quem é. Anselmo Duarte é o nosso único Palma de Ouro.


SANDRO FORTUNATO

As lembranças sobre glórias, mágoas e perseguições se mantiveram, mas quem teve a oportunidade de entrevistá-lo depois da poeira baixada, via um homem fascinante, charmoso, divertido e ótimo contador de histórias. Foi assim em 2004, logo após o lançamento de sua biografia – uma das primeiras da Coleção Aplauso –, quando, aos 84 anos, em seu apartamento em Salto, São Paulo, Anselmo Duarte falou por mais de três horas ao site Memória Viva. A seguir, os melhores momentos dessa conversa. Como começou sua ligação com o cinema ainda em Salto?

Anselmo - É um caso único. Pouca gente sabe que se molhava a tela no cinema porque é bem diferente hoje. Mas eu estou me referindo ao cinema mudo. Aí dizem: “O Anselmo é mentiroso”. Quando não querem chamar de mentiroso, chamam de “criativo”. Mas é verdade. O pior é que as testemunhas já morreram. Eu sou o cara mais antigo daqui. Mas o Cine Pavilhão era assim. O projetor de filme ficava atrás da tela, que era um pano. Quando batia luz, passava para o outro lado. Assim era o cinema mudo. Pelo menos aqui em Salto. Antigamente, era uma lente grande angular, na qual a imagem sai e já abre. Então ficava perto da tela, a uns cinco, seis metros. Era um só projetor e a cada dois rolos tinha um intervalo de dez minutos. Então tinha sempre dois garotos com uma seringa – feita num gomo de taquara com um courinho na ponta – que sugava e espirrava água. A gente ficava com aquele troço molhando a tela. Você viu O Crime do Zé Bigorna? Não tem a cena lá, eles molhando a tela? Eu reproduzi essa cena, só que não eram dois meninos, eu botei o Lima Duarte e o Stênio Garcia. E como era o público do Pavilhão?

Anselmo - Ah, tinha o diálogo com o público! Era um cinema poeira. Então todo mundo falava, gritava. Durante o filme, todo mundo conversava. Jogavam coisas na tela. E, nos intervalos, a gente jogava água na tela, para esfriar. Conforme a água batia na tela, ficava escuro. Aí o público, que estava do outro lado, fazia assim (colocando as mãos em concha na frente da boca): “Mais para o centro, seu burro!” E a gente jogando água. “Mais no meio, eu falei!” Ninguém me conhecia por Anselmo, ninguém me chamava assim porque achavam um nome meio “amanteigado” e eu era briguento. Eu era loiro e me chamavam de Russo Louco. Aí diziam assim: “Ô, Russo Louco, aqui embaixo, seu burro!” E eu: “É a puta que o pariu”. Porque a gente xingava também. E tinha outro amigo meu, o Zé Panela. Era aquele diálogo de xingação, era uma briga gozada através da tela. E quando estava terminada, eu dizia assim: “Agora vá todo mundo à puta que os pariu”. E o pessoal gritando: “É louco! É o Russo Louco!” Era uma pândega. As sessões eram concorridíssimas. Já se falou muito sobre Cannes e O Pagador de Promessas. O que aconteceu depois disso?

Anselmo - Quem é laureado em Cannes não precisa entrar na seleção. É uma outorga que o Festival dá a todos os laureados. Um dos privilégios é esse. Cannes tem um regulamento: todo país pode concorrer com um filme mais os dos diretores laureados. O Brasil é o único país da Amé-

“EU INVENTEI O CINEMA NOVO” Numa das últimas entrevistas que concedeu, Anselmo Duarte explica como e o porquê dessa frase que ainda pode parecer uma bravata, mas faz muito sentido. E NTREVISTA A S ANDRO F ORTUNATO E R OBERVAL L IMA

rica do Sul que pode concorrer com dois filmes. A única Palma de Ouro da América do Sul é do Brasil. Um será o que ele tem direito, que será selecionado aqui. O outro vai sem seleção (que é o do diretor laureado). Mas o filme, para sair, precisa de um visto do Itamarati, que é um órgão que deveria saber de todas essas coisas, mas não sabe. Então eu mandei o filme e disse para enviar para Cannes, que eles (os organizadores do Festival) estavam esperando. Eles estavam selecionando filmes no Itamarati e teve um crítico desses, lá no Rio, que barrou meu filme, o Vereda de Salvação. Ele barrou, disse que não ia para Cannes. Um absurdo! Peguei um avião, fui para o Rio de Janeiro, cheguei lá e disse: “Eu mandei meu filme para

os senhores remeterem para Cannes porque o Brasil tem o direito de remeter dois: o que vocês escolherem e o meu”. E eles: “É, mas o problema é outro. Não é que sejamos ignorantes. O problema é outro. Tem gente de pés descalços, gente do campo – que seriam os sem-terra –, o senhor é comunista. O senhor só não foi preso porque tem um nome...” Uma coisa absurda! Um negócio de louco! Aqui no Brasil, se você não é vencedor, “você é fantástico, é formidável, não tem chances, mas é ótimo”; mas se você ganhar... “não é tanto assim”. Brasileiro tem isso de não gostar de quem vence. Tem gente que diz que o Pelé não sabia jogar futebol! Disseram que o filme não iria por problema político, que eu era conhecido como comunista.

O senhor chegou a ser preso durante a ditadura, acusado de ser comunista?

Anselmo - Eu entrei (para o Partido Comunista) não por convicção política. Entrei por um abaixo-assinado que fizeram para inscrever (tornar legal) o Partido. Eu tinha um grande amigo no Rio de Janeiro que era comunista, Alinor Azevedo, um grande jornalista, que me disse “assina aí pra gente registrar o Partido”. Eu assinei. Mas nunca fui por convicção. Se fosse, eu diria. Nunca liguei para nada. Assinei. Tá registrado? Então, seja feliz. No dia em que tiraram o Partido de circulação invadiram a sede, no Rio, pegaram todas as fichas e eu fui chamado. Não eram chamados todos. Só as pessoas mais populares, os que têm comunicação com o povo: artistas, políticos, intelectuais, jornalistas. Esses eles prendem. São os primeiros. E eu fui. Chegou um camburão na porta de onde eu morava, só que eu não vi, morava em apartamento. E me disseram: “O senhor foi testemunha de um acidente de trânsito. Morreu uma pessoa e estão chamando o senhor para prestar depoimento. É só chegar lá e dizer que não viu nada.” Eu me vesti e saí tranquilo. Na porta do prédio, ainda sem perceber nada, perguntei se iria no meu carro e disseram que não. Foram me empurrando, abriram a porta e me jogaram dentro do camburão. E eu não sabia o porquê! Quando cheguei na Central, estavam prendendo todo mundo. Quando eu entrei... “Olha, tá chegando gente famosa! Comuna famoso!” e “pá!”. Começaram a dar umas bolachas. Bom! Eu já apanhei muito por ser galã. Todo mundo queria bater. Então fui aprender a lutar para me defender. Sou faixa-preta em jiu-jitsu. Fui aluno do Hélio Gracie, fiz demonstrações com ele no Maracanãzinho. No segundo tapa, eu quase quebrei o braço do cara. Segurei, dei um “balão” nele... e aí que eu apanhei muito mais, me arrebentaram! Apanhei bastante! Mas foi porque reagi. Fiquei como comunista. Nunca tive uma participação ativa. Mas saí no mesmo dia. Liguei pro meu advogado, ele foi pra lá com pessoas importantes e me tiraram.

O senhor tem ressentimentos em relação às críticas do pessoal do Cinema Novo?

Anselmo - Vou explicar como é que surge uma onda dessas. Eu posso dizer algo para um repórter, algo que não tenha a menor importância. Mas também posso dizer para outro que não simpatiza comigo, que está me entrevistando por obrigação, porque é a profissão dele. Então ele põe aquilo que eu falei e mais o que ele queria falar e não tinha coragem. E o troço vai aumentando. Então um botou: “Todo o Cinema Novo falava...” O “pessoal do Cinema Novo” não falava nada. Um falou um dia. Outro aumentou e assim foi. Muita gente do Cinema Novo se dava comigo. Uma vez saiu algo e até hoje, 30, 40 anos depois, continua. Sabe por que é tudo uma onda? Porque quem inventou o Cinema Novo fui eu. Eu inventei o Cinema Novo. Como? Eu estava fazendo o meu primeiro filme, o Absolutamente Certo, que foi saudado quando saiu. Ninguém esperava nada do “galã”. Toda a imprensa acha que galã é burro. E saiu que o Absolutamente Certo era o cinema novo brasileiro. Ainda não existia o Cinema Novo. Depois veio O Pagador de Promessas. No livro do ano de Cannes tem

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SANDRO FORTUNATO

ACERVO ANSELMO DUARTE - REPRODUÇÃO

MEMÓRIA A PALMA DE ANSELMO DUARTE

sempre a justificativa do porquê eles deram a Palma de Ouro para aquele filme. E lá dizia que “esse filme, sem dúvida, marca um cinema novo do Brasil”. O pessoal do Cinema Novo já estava fazendo um filme. Eram cinco diretores que estavam fazendo o Cinco Vezes Favela. Tinha um guru da imprensa, o Alex Viany, guru dos jovens. Escritor, jornalista, foi diretor também. Então, ele veio falar comigo: “Anselmo, tem uns garotos aí que eu estou lançando e que estão fazendo um filme que se chama Cinco Vezes Favela. E nós soubemos que seu filme foi selecionado para Cannes e o do Ruy Guerra para (o Festival de) Berlim. Nós queríamos assistir aos dois filmes”. E daí passaram os filmes. Nessa sessão estava toda a rapaziada que viria a ser o Cinema Novo: Cacá Diegues, Leon Hirszman, Gláuber Rocha – que já me conhecia de Salvador, de quando eu estava filmando O Pagador de Promessas –, Gustavo Borges, uns 10 ou 12 diretores do início do Cinema Novo. Quando terminou, aplausos e mais aplausos. E todo mundo falava: “Anselmo, você vai ganhar algum prêmio. É o melhor filme já feito no Brasil!” Todos falavam a mesma coisa. Mas, na verdade, eles nunca poderiam imaginar que eu ganharia a Palma de Ouro. Achavam impossível ganhar em Cannes. Quando isso ficou claro?

Anselmo - Eu não voltei logo ao Brasil. Quando você ganha a Palma de Ouro, é convidado para tudo quanto é festival, porque o de Cannes é o mais importante do mundo. E todo festival em que eu ia, ganhava. Voltei com cinco prêmios. Antes de chegar aqui, já percebi. De Cannes, fui para Paris. Lá, telefonaram para mim e disseram: “Anselmo, sabe quem está aqui em Paris? Um grande amigo seu: o Gláuber!” E eu: “Puxa! Fantástico! Então segura ele aí, vamos almoçar juntos”. Quando cheguei, achei ele meio triste, chateado. “Chateado quem está é todo aquele pessoal do Cinema Novo”, ele disse. “Mas como? Faz uns dez dias que saí de lá e estava toda aquela festa! Chateados? Mas por quê?” E Gláuber: “Anselmo, eles não admitem que você tenha ganhado do Buñuel”. Que imbecilidade! Eles não admitirem que eu tenha ganhado do Buñuel?! Para mim, melhor do que o Buñuel tinha uns cinco lá. Quem gosta mesmo do Buñuel é comunista, porque ele fala mal dos Estados Unidos, fala mal do capitão, fala mal do patrão. Ele é um diretor comunista. Os filmes dele são primários. Eu tenho coragem de falar e provo. Mas comunista acha ele um deus. (...) O filme do Buñuel era um que tem um monte de gente dentro de uma casa de portas abertas e que não consegue sair (O Anjo Exterminador). Uma fita chata, imbecil, própria do Buñuel. Ele quer dizer que é uma sociedade milionária que não sabe qual é a saída. Vá à merda! Vai sofrer assim nos quintos dos infernos! Cinema não foi feito pra isso... E Hollywood?

Anselmo - Eu estive em Hollywood. Fui levado pelo Presidente e o Vice-Presidente da Universal. Eu tinha ganhado cinco festivais internacionais e os americanos pegam diretores assim e levam para lá. Iam fazer isso comigo. Não que eu não quisesse. Quer fazer, faça. Iam pagar em dólar. Mas 32

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Anselmo Duarte mostra a Palma de Ouro que conquistou em Cannes. Ao lado, nos tempos da Vera Cruz, com o fotógrafo Edgard Brasil, em 1952.

é que eu briguei antes do tempo, antes de receber o primeiro salário. O Presidente e o Vice-Presidente da Universal me colocaram numa limusine que parecia um ônibus e fui conhecer os estúdios da Universal. Chegando lá, vi aquele portão largo, de ferro, muito alto, trabalhado, escrito Universal Pictures em cima. Quando eu estava entrando, olhei para o porteiro, fardado, de quepe, um coitado de um velho, que abriu a porta. Eu passei rente a ele e levei um susto quando vi a cara dele. Gritei: “Stop! Stop the car! Stop!” O carro parou, eu abri a porta e saltei. Cheguei pro porteiro e falei: “Bernoudy, como vai você?” Ele foi meu diretor na Atlântida! O Luís Severiano Ribeiro, grande exibidor do Rio, quando comprou a Atlântida, contratou o Bernoudy, que era produtor em Hollywood, para vir melhorar a Atlântida. Ele veio pro Rio, trabalhou, organizou a Atlântida. Dirigiu meu primeiro filme lá, Terra Violenta (1948). Ed (Edmond) Bernoudy adorava o Brasil, adorava o Rio. Ficou dois anos no Rio, já falava português. Foi assistente do John Ford. Era um bom diretor. Eu conversava muito com ele, aprendi muito com ele. E aí, o vejo de farda e de quepe na porta da Universal. Saltei e perguntei: “Mas o que é que você está fazendo com essa farda aqui?” Meu professor, meu diretor, mas que coisa! A essa altura ele já estava com uns 80 anos. Eu tirei o quepe dele, joguei fora e falei: “Você não vai ser porteiro aqui, não! Mas que país é esse? Você foi diretor e lhe jogam aqui?! Deviam lhe aposentar pelo menos! Vamos embora!” Fiquei chateado. Daí eu cheguei no carro e falei para o tradutor: “Fala que esse homem não vai mais trabalhar aqui na portaria. Que ele vai ser o meu primeiro assistente. E ele vai no carro conosco”. O Presidente da Universal virava a cara para ele. Quando eu saí de lá, falaram que ficava para depois o acerto do meu contrato. E sabe o que eles alegaram? “Mas como?! Nós estamos contratando um gênio” – porque, para eles, ganhar aqueles prêmios todos era ser gênio – “estamos contratando um gênio para melhorar nosso estúdio e ele foi aluno do nosso porteiro?!”

Acabou. Não me contrataram. A minha carreira foi a mais curta de um diretor em Hollywood. O senhor tem acompanhado as nossas produções atuais?

Anselmo - Eu tenho visto bons filmes brasileiros. Mas o cinema brasileiro passou a ser dirigido por pessoas que têm títulos e são muito jovens. O que é ter título? É o cara que vai para a faculdade cursar Comunicação e depois faz uma especialização chamada Cinema. E geralmente é gente que tem posses. Então ele termina e mostra o diploma para os pais. E aí, porque tem um diploma, ele vai dirigir. O pai, que tem bons relacionamentos, arruma financiamentos e tal. Geralmente, ele faz um filme. E não faz nunca mais nenhum. Porque não

sabe dirigir. A imprensa não quer saber se ele está dirigindo, se demorou, se foi o pai dele quem pagou, se até aquela data ele não ganhou nenhum centavo... Pega e esculhamba: “É burro”, “Não sabe dirigir”. A maior parte não faz o segundo filme. O senhor gostou de alguma produção brasileira recente?

Anselmo - Central do Brasil.

Dirigido pelo Walter Salles...

Anselmo - Eu acho que, no momento, ele é o melhor diretor brasileiro. Eu já vi outro filme dele de que também gostei. E só fui assistir porque era dele. Não o conheço pessoalmente. Tenho um olho clínico bom. Eu estou correndo perigo de não ser mais o único Palme D’Or do Brasil.

A língua sem freios de Anselmo EM O PASQUIM, N° 19

EM O NACIONAL, N°1

30 DE OUTUBRO DE 1969

15 DE JANEIRO DE 1987

Sobre Gláuber Rocha:

Temas sociais:

“No Gláuber Rocha, mandar o pau fica bem, porque ele não faz nada premeditado. É inato isso nele. Ele nasceu assim. É um baiano safado que já nasceu metendo o pau em todo mundo, lá em Salvador. Ele só ataca, só atacou, desde que nasceu. Como ele teve sucesso, todo mundo achou que atacar e ofender transforma as pessoas em centro de atração. Então, uma porção de mal-educados fica atacando todo mundo.”

“Gláuber disse que eu devia escolher temas sociais para os meus filmes. E eu respondi que ele dizia isso porque nunca tinha visto meus filmes, que tinham, todos eles, problemas sociais. E sabe por quê? Porque eu não tenho cultura de direita, que é a cultura da universidade. A minha cultura é popular mesmo, venho de família pobre, e minha cultura, sendo popular, se reflete no que eu fiz e no que eu faço.”

Críticos de cinema:

Ao ser perguntado o que vale a Palma de Ouro no Brasil:

“(...) fico fulo da vida com esses críticos que não têm coragem de apontar meus defeitos como cineasta e ficam citando coisas sem sentido: ‘Ele foi o maior galã do cinema brasileiro.’ É só um jeito de me desconsiderar como cineasta.”

“No Brasil, nada. Valeu no início, quando pegou o brasileiro desprevenido. Quando o Brasil levou o susto, foi um espetáculo. Depois começaram a analisar, a analisar, eles, numa intimidade, numa promiscuidade tão grande que avacalharam não comigo, mas com a Palma de Ouro.”

“Quando eles (os críticos) analisam fatos históricos da nossa cinematografia, esquecem a época em que eles aconteceram. (...) Dizem então que os filmes em que eu trabalhei eram ruins. Ora, só que, naquele tempo, ninguém fazia nada melhor.”

Sobre o episódio do filme Vereda da Salvação no Festival de Berlim: “(...) com a vitória de Godard, estava homologada a decisão deles, do Itamarati. Então é uma luta muito pessoal – imagina se meu filme ganha e eu volto dizendo que os imbecis do Itamarati não o haviam enviado para Cannes. Para vencer, a gente precisa ser muito bajulador.”

Sobre Anselmo Duarte: “Cinema é viver, não representar. Teatro é que é representar. Eu era tímido e isso foi fundamental para agradar ao público. Eu tinha 26 anos e parecia ter 18. Meu público eram as menininhas de colégio. (...) não sou o maior veado, nem o maior bandido, nem o maior canastrão. Venci num campo honesto, no meio de estudantes. Fui, sim, o maior galã naquele período.”


IMPRENSA

Todas as cores da notícia Há 60 anos surgia a revista Manchete, a publicação semanal que Adolpho Bloch criou para conquistar o novo mundo que nascia. FERNANDO ARELANO-AE

P OR S ANDRO F ORTUNATO

As grandes revistas costumam nascer em épocas de efervescência e clamor por mudanças. Foi assim com O Cruzeiro, em 1928, que deixava para trás o Rio do botaabaixo e já encontrava, “ao nascer, o arranha-céo, a radiotelephonia e o correio aéreo: o esboço de um mundo novo no Novo Mundo”. Também com Realidade, em 1966, dois anos após o golpe militar, em um Brasil cheio de esperanças nas eleições e na conquista do tri na Inglaterra, duas coisas que ficaram somente no campo dos desejos. Entre uma e outra, apareceu Manchete, em 1952. Vargas estava novamente no poder; Adhemar Ferreira da Silva bate o recorde do salto triplo na Olimpíada de Helsinque; Francisco Alves, o Rei da Voz, morre em um acidente de carro e faz o Rio de Janeiro parar para acompanhar seu enterro; na Argentina, outra multidão se reúne para dar adeus a Eva Perón; os Estados Unidos explodem a primeira bomba de hidrogênio. Foi neste mundo, com a morte de mitos e anúncios constantes de uma nova era, que nasceu a publicação de Adolpho Bloch. “Manchete nº 1 saiu em 23 de abril de 1952, um dia de meia-estação, a temperatura do Rio oscilando entre 28 e 22 graus, tempo nublado, passando a instável. Em São Paulo chovia. A capa era a bailarina do Teatro Municipal Inês Litowski, posando ao lado de uma carruagem. Naquela quarta-feira era dia de São Jorge, o santo guerreiro. Os jornais falavam de uma tentativa de levar o Presidente Getúlio Vargas a um inquérito parlamentar. Já se perseguia a estabilidade econômica. Sem esses problemas, os franceses elegiam a atriz Colette Marchand como dona das pernas mais lin-

Adolpho Bloch queria desbancar O Cruzeiro e deslumbrou o público com a Manchete.

das do mundo; e os republicanos dos Estados Unidos reconfirmavam a candidatura presidencial de Eisenhower. Manchete falava disso tudo. Em cores e a 5 cruzeiros o exemplar. Esgotou em três dias.” Desta forma foi lembrado, na edição especial de 45 anos, o dia em que Manchete foi às bancas. Em seu livro Aos Trancos e Barrancos – Como o Brasil Deu no que Deu (1985), Darcy Ribeiro registraria o seguinte sobre o ano de 1952: “Adolpho Bloch lança Manchete, que deslumbra o público. Queria é desbancar O Cruzeiro com um jornalismo fotográfico colorido, moderno, dinâmico e ousado. Desbanca.” O Cruzeiro, que seguia o estilo das revistas européias, havia imperado, sem concorrentes, por duas décadas. Agora, no novo mundo pós-guerra, a Europa estava devas-

tada e o mundo voltava seus olhos para os Estados Unidos, “o país que ganhou a guerra”, e seu ares de modernidade. Foi com esse espírito que Manchete surgiu, parecida com a Life, dando ênfase ao fotojornalismo. Entravam em decadência os longos e novelescos textos, e surgia um tipo de informação mais veloz, com fotos para encher os olhos e um texto mais ágil. Saíam os textos quilométricos e entravam as crônicas. A Redação, capitaneada por Henrique Pongetti, reunia nomes como Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Antônio Callado, Fernando Sabino, Orígenes Lessa, Manuel Bandeira, Otto Maria Carpeaux, Olegário Mariano, Lígia Fagundes Telles, Silveira Sampaio e Ciro dos Anjos. Dois grandes nomes da reportagem de O Cruzeiro se transfeririam para Manchete: Jean Manzon, desde o início, e, muito tempo depois, David Nasser. Adolpho Bloch tinha um moderno parque gráfico parado três dias por semana, um espírito empreendedor e a vontade de tirar Assis Chateaubriand da vaga de Cidadão Kane brasileiro. Tinha tudo, menos um nome. Quem resolveu esse problema foi Pedro Bloch, seu primo. Perguntando de que tipo seria a revista, Pedro ouviu de Adolpho que seria do “tipo Match” (Paris Match, lançada três anos antes, em 1949). “Pusemos o nome no papel”, contaria Pedro em uma crônica, “(...) e como quem resolve um problema de combinação de letras, me sai, na hora: ‘Só pode ser Manchete’”. Na década de 1950, o Brasil arranca para o progresso. É criada a Petrobrás; O Cangaceiro, de Lima Barreto, faz bonito em Cannes; Juscelino Kubitscheck é elei-

to Presidente; Brasília é construída; surge a Bossa Nova; a Seleção Brasileira de Futebol é campeã do mundo pela primeira vez. Nova música, nova capital e a nova revista registrando tudo. No início dos anos 1960, Manchete estava consolidada e já superava O Cruzeiro em tiragem. Com sua qualidade gráfica, ela era responsável por mostrar o mundo em cores, algo que o brasileiro só veria pela tevê na década seguinte. Durante vinte anos, Manchete mostrou todo o colorido que as imagens da televisão não tinham. O Cruzeiro até tentou acompanhar essa mudança e se livrar de suas “páginas impressas com bosta” (como costumavam se referir à tinta em cor sépia), mas já era tarde. Enquanto o império dos Bloch se fortalecia, o de Chateaubriand desmoronava. Em 1975, terminam duas guerras: a do Vietnã contra os Estados Unidos e a de O Cruzeiro contra Manchete. Em julho de 1975, há algum tempo sem conseguir manter a periodicidade semanal e já sem quase nenhum de seus grandes nomes, O Cruzeiro sai de cena depois de 46 anos e meio de atividade. Manchete já estava quase chegando ao seu Jubileu de Prata e não estava na metade de sua história. Manchete viu e noticiou o suicídio de Vargas, as eleições de JK e Jânio Quadros, a sua renúncia, o golpe militar, a reabertura, a morte de Tancredo Neves, a eleição e o impeachment de Collor, a eleição e reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Foi a única grande revista semanal que viveu a era antes do golpe, atravessou os 21 anos de ditadura e mais uma década e meia depois da volta ao regime democrático. Passou por 14 Presidentes (sem contar os interinos e Tancredo) e duas capitais federais. Nascida em um Rio de Janeiro ainda glamoroso e quando se construía Brasília, a cidade-monumento, Manchete sempre se preocupou em exportar as belezas brasileiras. As duas cidades dividiram as capas das edições especiais internacionais. Várias em inglês, duas em francês e uma em russo. Nas edições nacionais, a campeã de capas foi Xuxa, que apareceu em 37 delas. Depois, Luiza Brunet (35 capas), Lady Di (32), Roberto Carlos (31), Pelé (23) e Juscelino Kubitscheck (22). Foram estes os números até a edição especial de 45 anos, lançada em outubro de 1997, que tinha a capa com fundo dourado e um holograma central com uma vista do Corcovado, da Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar. A edição comemorativa dos 45 anos fazia um exercício de futurologia e apostava que até 2042 noticiaria a coroação do Rei William, a canonização de Diana e a reeleição de Fernando Henrique III, além de sortear uma viagem à Lua entre seus leitores. No mundo real, Manchete acabaria menos de três anos depois, na edição 2.519, de 26 de julho de 2000. Foram 48 anos de atividade. O suficiente para dizer que durou mais que O Cruzeiro. Sandro Fortunato é jornalista e editor do site Memória Viva (www.memoriaviva.com.br).

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FOTOS: DIVULGAÇÃO

CENTENÁRIO

Amado pelo público, execrado pela crítica, esse ator, roteirista, diretor, produtor e distribuidor durante três décadas arrastou multidões para ver o cinema brasileiro.

MAZZAROPI

O jeca virou cult P OR C ELSO S ABADIN

N

ão sei se é verdade. Não presenciei pessoalmente, nem assisti a nenhuma gravação a respeito, mas atribui-se a Tom Jobim a frase “a coisa que o brasileiro mais detesta é ver outro brasileiro ganhando dinheiro”. Se foi ou não o compositor de Garota de Ipanema o autor da máxima, não importa. Importa, sim, que ela cai como um chapéu de palha em um dos brasileiros mais bem sucedidos na área do entretenimento nacional: Amácio Mazzaropi, cujo centenário de nascimento comemora-se em 9 de abril deste ano. Muito se fala da fortuna que Mazzaropi acumulou como ator, diretor, roteirista, produtor e distribuidor durante as três décadas em que atuou no cinema brasileiro. Mas nem todos sabem que, ao ser contratado pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1951, Mazzaropi já tinha quase 40 anos e era um homem rico. “Abílio Pereira de Almeida viu o Mazza no programa Rancho Alegre, da TV Tupi, e imediatamente o convidou para trabalhar na Vera Cruz. Na hora de discutir o contrato, Franco Zampari teve uma surpresa enorme, porque ele achava que Mazzaropi era um sujeito caipirão, meio simplório. Nada disso! Ele era fino, elegante, já tinha uma bela casa no Itaim Bibi, carro do ano e um bom dinheiro no banco”, conta o ator João Restife, que contracenou com Mazzaropi na Rádio e na Televisão Tupi. O cinema só fez aumentar ainda mais seu já respeitável patrimônio acumulado durante muitos anos em shows, circos, rádio e tv. “Um patrimônio estimado em 400 milhões de dólares no momento de sua morte”, con-

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tabiliza André Luiz de Toledo, um dos cinco filhos de criação do cineasta, o único ainda vivo. Se é verdade o que Jobim disse (ou teria dito), não é de se estranhar que o caipira milionário tivesse muitos desafetos. Entre eles, a imprensa, que escorraçava seus filmes na mesma proporção que o público os idolatrava. “Eu não posso contentar a crítica e o povo, porque a crítica pensa de um jeito e o povo pensa de outro. Então eu parti para o povo, porque para eu ter uma indústria de cinema eu preciso do povo. O povo é quem traz o dinheiro para o cinema. Eu, tendo dinheiro, posso ter uma indústria de cinema, e só com a crítica eu não faço cinema. Com troféus eu não faço cinema porque o laboratório não aceita troféus em pagamento, e os artistas também não aceitam troféus em pagamento. Então todo mundo fala de arte, de arte, mas quando chega na hora do dinheiro, todos preferem o dinheiro”. Lúcido, objetivo e sem rodeios, esse depoimento faz parte de uma das raríssimas entrevistas concedidas por Amácio Mazzaropi à televisão. Mais precisamente para a então repórter Marília Gabriela. Ao contrário do falante e extrovertido personagem que encarnava nas telas, o ator e cineasta era um homem de poucas palavras, avesso à imprensa, e evitava dar entrevistas. “Diferente de tudo o que falam, Mazzaropi era uma pessoa introvertida, que não tinha relacionamento pessoal

com praticamente ninguém”, afirma Toledo. “O que explica a enorme dificuldade que existe hoje em se encontrar imagens de arquivo de Mazzaropi, sem que ele esteja interpretando”, diz Cláudio Marques, diretor do Museu Mazzaropi, localizado em Taubaté, no interior de São Paulo. Foi naquela cidade que Mazzaropi se estabeleceu e montou, em 1958, sua própria empresa, a PAM – Produções Amácio Mazzaropi, com recursos próprios, equipamentos de primeira linha (comprados da Vera Cruz, que havia recém encerrado suas atividades), estúdios e alojamentos. “Ele me disse que resolveu fazer seus filmes em Taubaté por causa da luz da região do Vale do Paraíba, que é mais bonita que a luz de São Paulo ou do Rio de Janeiro”, conta o cantor e compositor Renato Teixeira, que arremata sorrindo: “Ele era um caipira sofisticado, que sabia das coisas.” Selma Egrei, atriz em filmes de Mazzaropi, discorda de Teixeira: “Se o cinema nacional por si só já era mais simples, o cinema de Mazzaropi era ainda mais rústico, muito rude mesmo, de uma simplicidade absurda”. Simplicidade que fica clara na entrevista que o cineasta concedeu a Armando Salem e publicada na Veja de 28 de janeiro de 1970. Ao ser questionado se ele tinha raiva de intelectuais, Mazzaropi respondeu: “Tenho mesmo. É fácil um fulano sentar numa máquina e escrever: Hoje estréia mais um filme de Mazzaropi. Não precisam


ir ver, é mais uma bela porcaria. Mas não explicam por quê. Talvez com raiva pelo fato de eu ganhar dinheiro, talvez por acreditarem que faço as fitas só para ganhar dinheiro. Mas não é verdade, porque o maior de todos os juízes fugiria dos cinemas se isso fosse verdade – o público”. Poucos parágrafos depois, ele admite que sua principal restrição quanto à crítica era a destruição gratuita: “Se um crítico viesse a mim fazer uma crítica construtiva, mostrar uma forma melhor de eu ajudar o público, eu aceitaria e o receberia de braços abertos (...) E se os críticos se preocupassem menos com o que eu ganho e mais com as salas vazias do Cinema Novo entenderiam que cinema sem dinheiro não adianta”. Não era uma raiva gratuita. Os críticos de fato pegavam pesado com ele.Em 1965, na Última Hora, Ignácio de Loyola Brandão publica o artigo A Contribuição de Mazzaropi para o Retrocesso, onde se lê: “Caberia aqui uma discussão estéril, a fim de saber se Mazza é artista ou não. Deixemos pra lá! Bitolado, fora de época, ausente de tudo que se passa ao seu redor, a Mazzaropi interessa apenas explorar e fomentar o gosto equívoco, não possuindo o cinema, para ele, qualquer implicação cultural”. E prossegue: “Dentro do seu primarismo, do seu analfabetismo cinematográfico, Mazzaropi contribui para o retrocesso do cinema. Para o retrocesso cultural das platéias. Ele é o anticinema brasileiro, no ano de 1965. É a cartilha de tudo que não se deve fazer. (...) Falta imaginação, tudo é obvio, chavão, lugar-comum, chatice. Um amontoado de planos narcisistas do mau cômico. Nada mais”. A crítica é feita ao filme Meu Japão Brasileiro, sobre o qual o ator e produtor David Cardoso, que trabalhou vários anos com Mazzaropi, conta um caso divertido: “Havia saído no jornal uma crítica negativa sobre o filme, dizendo inclusive que a câmera tremia em duas cenas. Fui mostrar o jornal ao Mazzaropi que, indignado, reclamou: Eu não entendo esses críticos! No meu filme a câmera tremeu duas vezes e eles falam que é defeito; nos filmes do Glauber Rocha ela treme o tempo inteiro e eles dizem que é arte!” Ainda sobre o mesmo filme, crítica apócrifa do jornal O Estado de S.Paulo publicada em janeiro de 1965 afirma que “o que prevalece é um entrecho totalmente canhestro, com incidentes que se precipitam, não oferecendo a menor surpresa, visto estarem apoiados em chavões já caducos no nosso cinema (e não só nele) como também na televisão. Além de gags pouco interessantes, para alongar inutilmente a fita, temos ainda três números musicais. Mas não obstante a ausência total de estrutura, o filme está alcançando boa receptividade por parte do público. É o caso de se afirmar que cada país tem a chanchada que merece”. Em matéria publicada em 1977 na Folha de S.Paulo, mais pauladas. Orlando Fassoni não economizou palavras para arrasar com o filme Jecão, um Fofoqueiro no Céu: “Um monumento em primarismo, mau gosto e falta de sensibilidade (...). Hoje, Mazzaropi não passa de uma caricatura de si mesmo: um caipira que perdeu o único elemento que possuía para construir seu tipo, ou seja, a naturalidade. O resultado da persistência é este filme, que pode desde já ser nivelado ao que o cinema brasileiro fez de mais absurdo e primário em todos os seus 80 anos (...) Mazzaropi acabou”. Mas, segundo o ditado popular, “o tempo cura tudo”. Muitos anos depois, no média-metragem Mazzaropi – O Cineasta das Platéias, que Luís Otávio de Santi dirigiu em 2002, Loyola Brandão teve a oportunidade de fazer um mea culpa: “Nós íamos assistir ao filme sabendo que nossa crítica seria no sentido de diminuí–lo, mas nós gostávamos, achávamos divertidíssimo.” E se neste ano em que se comemora o centenário de nascimento de Mazzaropi o crítico Rubens Ewald Filho escreveu, em seu blog no portal R7, “não tenho dúvidas em afirmar que Mazzaropi foi o maior humorista do cinema brasileiro”, uma pesquisa mais aprofundada mostra vieses diferentes. Em sua crítica ao filme A

Em Jeca Tatu, de 1959, Mazzaropi cria seu personagem mais famoso: com uma linguagem simples ele conquista o público do interior.

Banda das Velhas Virgens, publicada em 1979 no jornal O Estado de S.Paulo, Ewald foi menos condescendente: “Quem viu um filme de Mazzaropi já viu todos. São sempre rodados nos estúdios do autor em Taubaté (um campo técnico que absurdamente ele nunca utilizou para produzir outros filmes), com som direto (que como sempre falha em externas), cenografia espantosamente ruim (a cena do baile da Princesa Isabel é uma catástrofe), um inevitável número musical (desta vez, fazendo a estética da pobreza) e uma trilha musical de taquara-rachada. (...) O roteiro é muito fraco, ainda com ranço de teatro mambembe. Está chegando o momento em que Mazzaropi precisa se renovar ou acabar como uma decadente peça de museu”. A marcante discrepância de opiniões entre as diferentes épocas tem uma explicação simples, segundo o produtor cultural Moracy do Val, um atuante jornalista dos Diários Associados na época de Mazzaropi: “Naquele momento, nós, jornalistas, cobrávamos dos artistas brasileiros um engajamento que Mazzaropi não tinha. Era a época de Juscelino, da modernidade, da Bossa Nova, do Cinema Novo, onde tudo o que era velho precisava ser destruído. E, naquele contexto, Mazzaropi representava o velho, o desengajado politicamente, coisa que nós não admitíamos. Mas ao mesmo tempo, quando éramos crianças ou mais jovens, nós morríamos de rir com ele. Ou seja, nós mesmos tínhamos dentro da gente uma incoerência muito grande”. “Eu mesmo era um daqueles que torcia o nariz para a obra de Mazzaropi, na minha época de estudante”, diz Cláudio Marques. “Eu não aceitava que em plena época da ditadura militar ele fizesse filmes desengajados. Só algum tempo depois eu fui perceber que os filmes dele eram, sim, políticos. Do jeito dele, Mazzaropi sempre esculhambava com os poderes estabelecidos, com a Igreja, com os fazendeiros, os poderosos, os latifundiários, os políticos.” É importante ressaltar que é impossível, dentro da extensa filmografia de 32 longas-metragens que Mazzaropi atuou, escreveu, dirigiu e/ ou produziu, estabelecer um “único” Mazzaropi. Em sua carreira cinematográfica, que vai de 1952 a 1980, existem alguns “Mazzas”. Os melhores são os primeiros, produzidos pela Vera Cruz e pela Brasil Filmes (empresa sucessora da própria Vera Cruz), onde o primor técnico e a dramaturgia precisa de Abílio Pereira de Almeida ditavam um ótimo padrão de qualidade. Depois vieram os filmes produzidos no Rio de Janeiro, nos quais Mazzaropi foi destituído de sua marcante personalidade caipira paulista, com resultados bastante fracos. “Foram apenas três estes filmes cariocas, mas eles ficaram tão ruins que o próprio Mazzaropi quis comprá-los para destruí-los”,

informa Máximo Barro, professor de Cinema da Fundação Armando Álvares Penteado-Faap. Num terceiro momento temos o Mazzaropi produtor de si mesmo, através da PAM, que alternou ótimos e péssimos resultados. Entendendo-se, em todos estes casos, a palavra “resultado” do ponto de vista cinematográfico, pois do ponto de vista financeiro, todos os 32 longas foram sucesso de público. Compreende-se, desta forma, que o julgamento histórico de Mazzaropi por parte da imprensa seja filtrado sob esta ótica da memória residual positiva, onde o ruim tende a ser esquecido e o bom tende a ser lembrado. Tudo isso sem deixar de lado o histórico e arraigado preconceito contra a cultura caipira, que Monteiro Lobato tanto disseminou em cartas e artigos que escreveu no jornal o Estado de S.Paulo, desde 1912. Tais preconceitos acabavam por arranhar não apenas a imagem de Mazzaropi, como também a de quem com ele trabalhava. Ewerton de Castro, que foi ator, figurinista, roteirista, continuísta e até coreógrafo em filmes de Mazzaropi, diz que “a tal intelligentzia cinematográfica brasileira, as pessoas ditas cultas, a elite do cinema, achava que era um lixo fazer filmes de Mazzaropi. Era considerado subproduto. As pessoas vinham me dizer: Nossa Senhora, Ewerton! Você faz filme com Mazzaropi!”. Inácio Araújo fala sobre o preconceito com o conhecimento de quem atuou nas duas frentes: hoje é renomado crítico da Folha de S.Paulo, mas no início de sua carreira foi montador de cinema. Incluindo filme de Mazzaropi. “Eu vou te falar a verdade, o primeiro filme de Mazzaropi que eu vi foi o que eu mesmo montei”, confessa. Mazzaropi e Geny Prado, a Rainha do Cinema Caipira, em Chofer de Praça, de 1958: primeiro filme da PAM Filmes.

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“Nunca tinha visto um filme de Mazzaropi antes porque minha família não tem nada de rural, a gente não ia ver Mazzaropi no cinema, quando eu era criança. Quando íamos ao cinema, víamos as chanchadas da Atlântida, nunca Mazzaropi. Depois, já adulto, imagina! Nem me passou pela cabeça ir ao cinema ver Mazzaropi”. E o próprio Mazzaropi tinha consciência disso, conforme ele afirma em sua entrevista ao Fantástico: “Os intelectuais não podem me pichar porque o que eu faço é cultura popular, e o intelectual que picha a cultura popular e que não gosta da cultura popular é um intelectual furado (...) Se eu fizer uma fita sofisticada que ninguém vai ao cinema, então eu não contribuí com nada porque ninguém viu o que eu fiz. Não deu dinheiro, portanto o Governo não recolheu impostos. Logo, eu não fiz nada. E eu ajudo a cultura e muito, porque os impostos que eu pago o Governo distribui inclusive para a Educação”. Por outro lado, mesmo envoltos por filmes que, diga-se, estavam bem longe de ser maravilhas do cinema brasileiro, alguns críticos tiveram, na época, a ousadia de lançar sobre a obra de Mazzaropi um olhar menos imediatista. Paulo Emilio Salles Gomes, referência da crítica paulista, escreveu: “Mazzaropi atinge o arcaico da sociedade brasileira e de cada um de nós. Um inverso da redundância. Ele é estimulante quando repete e se repete incansavelmente e sem nos cansar. De tanto repetir, de repente, uma inesperada poesia. Sucede quando ele não está fazendo nada de especial, apenas olhando, andando ou pondo o fumo no pito”. Jean-Claude Bernardet, na Última Hora de 22 de julho de 1978, levanta a questão que “as importantes discussões que se desenvolvem atualmente sobre o que seja cinema popular não podem ignorar os filmes de Mazza. Não porque sejam produtos comerciais de grande audiência (..) mas porque esses filmes só têm um efeito alienante, na medida em que se comunicam com o público a partir dos seus problemas, canalizando sua tensão dentro de uma sociedade de classe”. E conclui de forma surpreendente: “Há muitas outras maneiras de abordar o cinema de Mazzaropi, mas desde já fica essa afirmação: o cinema de Mazza é um cinema poIítico atuante”. Menos de um mês depois, em agosto de 1978, o crítico Flávio Ramos Tambellini abre seu coração em texto publicado no Jornal do Brasil: “Seria muito simples considerar Jeca e Seu Filho Preto um filme ruim. Ele realmente não preenche determinados padrões que o consenso considera bom. Contudo, gostaria de manifestar publicamente minha impotência em lidar com verdades absolutas. Assisti ao filme, sem olhar para o relógio de cinco em cinco minutos, o que me acontece freqüentemente quando certos embustes culturais são projetados na tela”. O mesmo jornal, no mesmo agosto de 1978, também alfineta os intelectualóides: “Os que se preocupam 365 dias por ano, em horário integral, com a colonização cultural, deveriam ver Jeca e Seu Filho Preto, misturando-se com o povão, em vez de ficar teorizando em gabinetes ou nos saraus da alta burguesia. Está aí, mais uma vez, o chamado fenômeno Mazzaropi, um dos poucos homens de cinema do mundo que continuaria milionário ainda que seus produtos fossem boicotados pelos exibidores fora das fronteiras de sua metrópole comercial”. O autor do texto é Ely Azeredo. Passados 100 anos de seu nascimento e 60 de sua estréia no cinema, Mazzaropi hoje tem seus filmes exibidos na TV Cultura, na Cinemateca Brasileira e em sessões especiais de espaços alternativos. Toda a sua obra cinematográfica está disponível em dvds que “não param de vender”, segundo o atendente de uma grande banca de jornais no Viaduto do Chá, Centro de São Paulo. Estudos e livros sobre ele se multiplicam. E o que era jeca virou cult, o que era brega ficou chique. Depois de atrair para si a ira de boa parte da imprensa, hoje Mazzaropi é um fenômeno a ser estudado. Ou, trocando em miúdos, cada vez se confirma mais que, como se diz popularmente, o drama de ontem é a chanchada de amanhã. 36

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DEPOIMENTO

RENATO TEIXEIRA

O autor de Romaria, que agora é também jornalista e tomou gosto pela nova atividade, expõe suas opiniões sobre imprensa e a vida no interior e faz revelações que surpreendem, como a de que Mazzaropi, o protótipo do roceiro, era um homem sofisticado que entendia demais sobre a sua grande paixão: o cinema. P OR C ELSO S ABADIN

Mazzaropi e Renato Teixeira têm vários pontos em comum. Além da grande identificação de ambos com a cultura caipira, tanto o cineasta como o cantor/compositor adotaram Taubaté, a 130 quilômetros da capital paulista, como a cidade de seus trabalhos e de seus corações. Mazzaropi nasceu em São Paulo; Teixeira, em Santos. Como músico e compositor, Renato Teixeira é conhecidíssimo por Romaria. Como publicitário, compôs o clássico jingle do anúncio da Bala de Leite Kids veiculado no final dos anos 1970, que poucos sabem que ele é o autor (“Roda roda roda o baleiro, atenção, quando o baleiro parar, ponha mão, pegue a bala mais gostosa do planeta, não deixe que a sorte se intrometa”). Mas certamente a sua faceta menos conhecida é mesmo a de jornalista, que adotou há pouco mais de cinco anos e da qual ainda se considera um aprendiz. Um aprendiz, porém, combativo: “Um jornal nunca deve deixar de pegar no pé do Prefeito”, defende.

Jornal da ABI – Você conheceu Mazzaropi pessoalmente?

Renato Teixeira – Sim, conheci, e foi numa situação tragicômica. Hoje eu dou risada, mas na hora foi assustador. Eu estava na sala da casa dele, quando de repente apareceram dois cachorros enormes, daqueles da raça fila brasileiro, gigantescos! Fiquei apavorado! Um dos cachorros sentou bem do meu lado e pegou meu braço, com aquela boca enorme dele. Imediatamente eu pensei: “Agora eu tô morto. O cachorro do Mazzaropi vai me matar aqui e já.” Mas daí o Mazzaropi chegou, disse que os cachorros eram bonzinhos, mansos, e nós conversamos um pouquinho.

MARIANA CHIARELLA

CENTENÁRIO MAZZAROPI, O JECA VIROU CULT


“A cultura caipira é uma coisa maior, é uma cultura maior! É uma cultura que tem cinema com Mazzaropi, tem literatura com Monteiro Lobato, e rock’n’roll, com Celly e Tony Campello.” Jornal da ABI – Sobre o que vocês conversaram?

uma cultura maior! É uma cultura que tem cinema com Mazzaropi, tem literatura com Monteiro Lobato, e rock’n’roll, com Celly e Tony Campello. Isso só pra falar aqui do Vale do Paraíba [risos]. É uma coisa fantástica! Aqui ninguém brinca em serviço. O Vale do Paraíba sempre foi inovador. É daqui que a música brasileira vira música moderna, com Celly e Tony Campello; aqui o cinema brasileiro começa com Mazzaropi; aqui foi feita a melhor literatura infantil de todos os tempos, no planeta: Monteiro Lobato. Não é pouco! Então quando eu defendo essas coisas, na verdade eu estou defendendo o lugar onde eu me criei, o lugar que me deu régua e compasso.

Jornal da ABI – De caipira então ele não tinha nada...

Jornal da ABI – Mas mesmo assim você afirma que o preconceito contra o caipira continua...

Renato Teixeira – Ah, eu nunca mais esqueci o que ele falou naquele dia. Ele me disse: “Repara, eu apareço muito nos meus filmes. Se você quiser me ver, você vai assistir aos meus filmes, mas se eu começar a aparecer na televisão todo dia, você não vai mais querer pagar um ingresso de cinema pra me ver. Pra quê? Se eu já apareço de graça na televisão, por que você vai pagar pra me ver no cinema?”. Ele me explicou que só aparecia na televisão se fosse para aparecer ao lado de alguém importante. Naquela época tinha vindo ao Brasil o ator americano Tony Curtis, e Mazzaropi foi lá posar para as fotos ao lado dele. Ele sabia tudo!

Renato Teixeira – Ele era muito chique, se vestia bem, a casa dele era bonita. Ele podia até ser caipira, mas era um caipira sofisticado, um caipira chique, entendeu? Outra coisa muito interessante que ele me falou foi sobre os motivos que o levaram a fazer seus filmes em Taubaté. Isso foi muito legal! Ele me disse: “Olha,eu vim fazer filme aqui porque a luz aqui, a luz ambiente, a luz natural do Vale do Paraíba, entre as serras, é muito mais favorável para o filme que a luz do Rio de Janeiro, ou a de São Paulo”. Ou seja, Mazzaropi era uma pessoa que sabia detalhes técnicos sofisticados. Caipira, mas sofisticado. Jornal da ABI – A letra de sua música mais famosa diz: “Sou caipira, pira, pora...”. Mas, afinal, o que é ser caipira?

Renato Teixeira [passa a mão na cabeça, pensativo] – O que é ser caipira?... Ser caipira é ser do interior. A primeira definição sociológica do povo brasileiro dividia nossa população entre caipiras e caiçaras. É aí que começa o Brasil. De certa forma, todo mundo foi caipira. Depois, no Nordeste, virou outro nome, no Sul virou outro, mas se você pegar, por exemplo, a música caipira de Tonico e Tinoco – aquele formato de dupla que a gente conhece –, você vai perceber que o Brasil tinha programas com esse tipo de música em todas as rádios, de Porto Alegre ao Amapá. E de certa forma, até hoje tem. Mas o preconceito contra o caipira continua! Até que chegou numa hora que eu falei assim: ‘Essa cultura caipira não pode morrer, precisa continuar de algum jeito, talvez não com o formato anterior, porque a música é dinâmica, mas ela precisa se repensar, ela precisa se reorganizar, buscar novas formas’. Então eu fiz isso. Compus Romaria e comecei a repaginar a música da cultura caipira. Não é só uma questão da “música caipira”. A cultura caipira é uma coisa maior, é

Renato Teixeira – A primeira geração da música caipira, aquela de Tonico e Tinoco, isso acabou faz pouco tempo. O que surge agora é uma nova música da cultura caipira. O eixo da música brasileira sempre girou no litoral, e a partir de um determinado momento, ele começou a girar pra dentro, para o interior, o que melhorou muito a mpb. A mpb não podia viver à parte da cultura caipira, e mesmo assim alguns “formadores de opinião” colocaram um preconceito estúpido em cima disso. Jornal da ABI – Explique melhor isso...

Renato Teixeira – Vou te contar um dos piores momentos da televisão que vi na minha vida. Eu tinha acabado de comprar uma televisão nova, destas de tela grande, e estava em casa assistindo ao Manhattan Connection. E o Nélson Mota, que é um jornalista, estava falando sobre Charles Chaplin. Aí, num determinado momento alguém citou Cantinflas, e o Nélson Mota vira e fala assim: “Pô, peraí, nós estamos falando de Chaplin e vocês vêm falar de Cantinflas? Daqui a pouco vocês vão querer falar de Mazzaropi!” Quando ele falou isso, a sola do meu pé esquentou, e veio subindo um calor aqui... sabe quando você vai sair na porrada numa briga? Aí eu peguei o cinzeiro pra atirar na televisão, mas lembrei que tinha acabado de comprá-la, e não atirei. Essa estupidez dos chamados “formadores de opinião”, que nós temos, é um crime cultural. Eles praticam crime cultural o tempo todo! Eu lembro que na televisão antigamente tinha uns apresentadores que quebravam discos do Tonico e Tinoco, dizendo que era porcaria. Isso é um absurdo! Só porque somos caipiras. Se não fôssemos nós, os caipiras, o Brasil não seria o Brasil, não! Eu não quero que as pessoas quebrem a música do meu povo na televisão

e nem que o Nélson Mota fique nervoso porque se falou de Mazzaropi perto de Chaplin. Mesmo porque, pra mim, eu prefiro o Mazzaropi. Prefiro mesmo, sem medo de errar. Lógico que Chaplin era um gênio, que é uma maravilha, mas eu prefiro a filosofia do caboclo à dos filósofos alemães. Esta é a linguagem que eu entendo. No fundo, todos dizem a mesma coisa, o caboclo e os grandes filósofos. O Chiquinho Corruíra fala a mesma coisa que o Freud, mas o brasileiro tende a valorizar somente aquilo que vem de fora. A gente precisa se reconhecer no nosso lugar, no nosso chão, na nossa terra, e admirar, e amar. Amar! Jornal da ABI – Dentro desta questão do preconceito, não existe uma confusão muito grande entre caipira, sertanejo e brega? Quais seriam as diferenças entre eles?

Renato Teixeira – Eu não gosto deste tipo de nomenclatura, não. Eu acho que existe arte popular e arte comercial. Antigamente, nos selos dos discos vinha escrito se era bolero, se era samba-canção, e hoje isso acabou. Mesmo dentro do rock’n’roll, você vem me dizer que Rita Lee é rock’n’ roll? Não é. Rita Lee é Cely Campello. E o Heavy Metal é o quê? Vamos esquecer esses nomes. Eu entendo que a arte no Brasil hoje é dividi-

“O Brasil tem uma realidade cultural da pior qualidade, do mesmo nível da saúde, da segurança.” da em dois tipos: a que vem de baixo pra cima, que é aquela que procura cantar os costumes do povo; e a que vem de cima pra baixo, que é a cultura dos gestores de mercado, da economia, dos fabricantes de cervejas, celulares, essas coisas todas. São eles que dizem o que o Brasil deve ouvir. Não que eles estejam errados. Fui publicitário durante muitos anos e entendo que é assim que se mexe com o posicionamento do mercado. Eles não estão errados, mas fico muito triste porque entre as 100 melhores universidades do mundo não existe sequer uma que seja brasileira. Nem uma! Nem a Usp! O Brasil tem uma realidade cultural da pior qualidade, do mesmo nível da saúde, da segurança. A mentalidade do povo brasileiro é a mesma de uma criança de 12 ou 14 anos. Então, quem faz televisão no Brasil e quer audiência, precisa fazer uma programação para um público de idade mental e cultural de 12 a 14 anos. É isso que o Sílvio Santos faz. Isso é muito triste!

Agora, a música que vem de baixo para cima, esta tem perenidade. Eu mesmo, quando fiz Romaria, jamais poderia imaginar que o sucesso dela fosse durar tanto. Tocando em Frente [“Ando devagar porque já tive pressa, trago este sorriso porque já sofri demais”], a mesma coisa. Nunca poderia imaginar que isso fosse me acontecer na vida, porque nunca fui um cara delirante, nunca desejei ser uma estrela, não gosto disso, isso é bobagem. Mas de repente minha música Amanheceu, Peguei a Viola que foi abertura do programa Som Brasil, foi selecionada pela Academia Brasileira de LetrasABL entre as 17 melhores letras de música da História da mpb! Isso me deu um prazer muito grande, não só por mim, mas pela respeitabilidade da cultura caipira. Nós somos caipiras, mas não somos caipiras do jeito que eles acham. Jornal da ABI – Mas não foi o próprio Monteiro Lobato que disseminou o preconceito contra o caipira?

Renato Teixeira – Sim, por causa de um problema na fazenda dele, Lobato criou a figura pejorativa do Jeca Tatu e depois se arrependeu, logo em seguida. Ele até escreveu uma carta para o Estadão pedindo perdão. Foi um sujeito que escreveu para o Lobato alertando que o Jeca Tatu era um crime cultural. O Lobato percebeu e pediu perdão imediatamente. Esse engano histórico, graças a Deus, vem sendo resolvido e neste sentido a gente deve muito, muito, muito a uma cantora chamada Elis Regina. Havia três anos que eu tinha composto Romaria e ninguém queria gravá-la porque ela falava “sou caipira”. Muito cantor ouviu, mas ninguém quis gravar. Mas a Baixinha não tinha medo destas coisas, não. Ela foi, gravou, e realmente ajudou a quebrar este preconceito. Jornal da ABI – Como você vê hoje o papel e a atuação da imprensa?

Renato Teixeira – O que vejo hoje na grande imprensa é um grande congestionamento. A coisa congestionou muito. Acho que o bom jornalismo hoje é feito no interior, onde as notícias realmente repercutem. Se você dá uma manchete no Estadão, por exemplo, você vai atingir, digamos, 20% da população de São Paulo. Não é a maioria. Mas quando você lança um furo aqui em Taubaté, a cidade toda fica sabendo. Enquanto o jornalismo não adquirir essa nova forma que está vindo por aí, e que ninguém ainda sabe qual será, ele continuará muito mais interessante no interior. Escrevo para o jornal Contato [de Taubaté] e devoro o jornal inteirinho, porque o acho muito mais interessante do que um jornal grande. Acho que regionalizar ao máximo o jorna-

lismo é uma tendência irreversível. Isso para cidades com até 500 mil habitantes, porque passando disso o jornalismo regional já não consegue ser mais tão eficiente. É o tal negócio, se o Estadão publicou que determinado senador roubou, o senador não liga muito pra isso, porque quem vota nele não está lendo um jornal grande. Agora, nas cidades pequenas é outra coisa, aqui em Taubaté é diferente. A repercussão do jornal regional é muito maior para a cidade. Outra coisa de que não gosto é jornal que abaixa a cabeça, que só diz sim. O jornal tem que sempre, sempre questionar. Um jornal não deve nunca jogar a favor! O jornal não deve ser um lugar para elogiar pessoas e sim para criticá-las. O Contato pega no pé do Prefeito. E espero que continue pegando no pé do próximo, do próximo e do próximo, porque se ele deixar de fazer isso não estará mais cumprindo a sua função jornalística. Jornal da ABI – Mas como você começou a escrever em jornal?

Renato Teixeira – Durante uns três anos escrevi uma coluna no jornal Matéria Prima, que é uma publicação que fala de tudo e de todos, sem se preocupar muito com a verdade. Tanto que o dono hoje está pagando por isso. Jornal da ABI – Por quê?

Renato Teixeira – Ele tá preso! Bom, mas aí o Paulo de Tarso Venceslau [Diretor de Redação], que é meu amigo, me chamou para escrever no Contato há uns cinco anos. E eu comecei sem a menor noção de como fazer. Mas agora, de uns meses para cá, já me sinto bem seguro, peguei a mão para o negócio e começo a me sentir um cara bom pra fazer isso. Já domino os tamanhos, os caracteres... Eu tinha começado bem amadoristicamente. Jornal da ABI – Sobre o que você escreve?

Renato Teixeira – Escrevo sobre tudo, mas gosto de entrar muito na questão política porque não moro aqui mas eu amo Taubaté, eu morro por Taubaté, e não gosto que as pessoas falem mal daqui, seja o prefeito, seja o quitandeiro. A cidade me deu tanto, mas me deu tanto!... Quando eu morava aqui fazia show, dava entrevista em jornal, tinha programa de rádio, me relacionava com músicos, com compositores, com cantores. Era a mesma coisa que em São Paulo... só que tudo pequenininho. Eu tenho esse reconhecimento e um amor pela cidade que não sei explicar. Eu me comovo aqui. Eu ando por Taubaté com um nó na garganta de emoção, de felicidade. Eu costumo falar para os meus amigos: “Esta semana eu vou a Taubaté, tomar um banho de civilização” [risos]. JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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MÚSICA

LEONARDO AVERSA/AGÊNCIA O GLOBO

o pandeiro cair, o Época de Ouro já teve mais de 40 discos gravados. Em maio de 2010, o conjunto brinda seus fãs com mais um cd, Feijão com Arroz, também lançado com muito sucesso no Japão. Nesse mesmo ano, no dia 25 de junho, reestréia seu programa semanal na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, todas as sextas-feiras, a partir das 17h, com duas horas de duração. Sucesso em Moscou

Jorginho do Pandeiro, Celsinho Silva (produtor musical), Mike Quinn e Ronaldo Bandolim (em pé); Celso Faria, Dino (7 cordas) e Tony Azeredo (sentados).

Conjunto Época de Ouro: 50 anos promovendo o choro Criado por Jacob do Bandolim, esse grupo de virtuoses há meio século se dedica à preservação e difusão de um dos mais importantes gêneros da nossa criação musical. P OR A RCÍRIO G OUVÊA N ETO

Um dos grupos mais representativos de nossa música popular e considerado pelos estudiosos uma relíquia cultural brasileira, o conjunto Época de Ouro, criado em 1964, por Jacob do Bandolim, mas que existia sem nome desde 1960, completou 50 anos em 2010. Sua formação inicial, além de Jacob, no bandolim, contava com Dino, no violão de 7 cordas, César Faria e Carlos Leite, nos violões, Jonas Silva, no cavaquinho, e Gilberto D’Ávila, no pandeiro. Uma curiosidade é que três dos cinco integrantes, além de excelentes músicos, eram também funcionários públicos: César Faria, oficial de Justiça; Carlos Leite, o Carlinhos, agente fiscal, e Jonas Silva, funcionário público em Niterói, o que certamente lhes permitia um maior contato com Jacob, que também era funcionário da Justiça. Durante estes 50 anos, o Época de Ouro participou de centenas de espetáculos, gravou inúmeros discos e teve grande importância no movimento de resistência do choro, na década de 1960. Com Jacob, o Época de Ouro lançou os discos Chorinhos e Chorões, Primas e Bordões e Vibrações, este último premiado como o melhor disco instrumental de 1967, passando ao largo da febre da Bossa 38

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Nova que dominava os meios de comunicação. Sempre convivendo com o sucesso, o conjunto participou com Elizeth Cardoso e Zimbo Trio de um show memorável no Teatro João Caetano, gravado em disco, porém não relançado em cd no Brasil. Depois da morte de Jacob, em 1969, o grupo se desfez por alguns anos e voltou a atuar em 1973, sob o comando de César Faria, a convite de Paulinho da Viola, para o show Sarau, dirigido por Sérgio Cabral. Surgiu daí o Clube do Choro, que marcou a redescoberta deste gênero musical no País. No bandolim, Déo Rian, apontado pelo próprio Jacob do Bandolim como seu sucessor. Em 1976, Ronaldo de Souza passou a ser o bandolinista oficial do grupo. Em atividade até hoje, o Época de Ouro foi presença obrigatória em shows e festivais como o Free Jazz Festival, em 1985, e o Projeto Pixinguinha. Em 1994, viajou por todo o Brasil com o espetáculo Brasil Musical, ao lado do pianista Artur Moreira Lima, e em seguida embarcou para Frankfurt, na Alemanha, para uma série de apresentações. Em 1977, produzido por Jorginho do Pandeiro, o conjunto gravou mais um disco, Época de Ouro interpreta Pixinguinha e Benedito Lacerda e obteve o prêmio de “Melhor Conjunto Instrumental do Ano”, da revista Playboy.

Convite por todos os lados

Acostumados a trabalhar com os maiores nomes de nossa música popular e cada vez com uma técnica mais refinada, em 1987 seus componentes homenageiam os 50 anos de carreira do violonista Dino, gravando o lp Época de Ouro Dino 50 Anos, com participação de Paulinho da Viola, Cristóvão Bastos e Maestro Severino Araújo. Ao retornar de outra viagem à Alemanha, em 1996 eles receberam convites de Marisa Monte, Elba Ramalho, Ivan Lins e Paulinho da Viola para participar das gravações dos seus cds. Café Brasil é título de mais um trabalho, lançado em agosto de 2001, compondo uma mistura aromática do Época de Ouro novamente com grandes intérpretes como: Marisa Monte, Paulinho da Viola, João Bosco, Martinho da Vila e Leila Pinheiro. Este cd foi lançado no Japão com grande sucesso, chegando à marca de 25 mil cópias vendidas. Devido à enorme repercussão desse álbum, em 2002 o conjunto gravou o Café Brasil 2, com a participação de Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Ney Matogrosso, Ivan Lins, Moska, Arlindo Cruz, Sombrinha, Elba Ramalho, Nó em Pingo D’Água e Lobão. No ano seguinte, nova excursão ao Japão. Nesse ritmo, sem nunca deixar

Certa vez, o pianista e concertista russo Serguei Dorenski, que esteve em Jacarepaguá, na casa de Jacob, na década de 1960, assistindo aos saraus que lá eram realizados, ao retornar a Moscou, ainda impressionado com a qualidade da música que ouviu, encontra-se com Artur Moreira Lima, que estudava piano lá e relata o que vivera naquelas horas no dolente reduto de Jacarepaguá. Moreira Lima se compromete, então, em fazer chegar às mãos de Dorenski os discos de Jacob. Meses depois, na fria Moscou, um chorão carioca, o arquiteto e promotor cultural Alfredo Britto, entrega ao pianista russo uma coleção de lps de Jacob. Em poucos dias, muito cariocamente, a Rádio Moscou transmite programas sobre um gênero brasileiro desconhecido e distante, o choro, apresentando um virtuoso intérprete, que tirava sons incríveis de um instrumento que lembrava a balalaika, espécie de bandolim russo, e de nome complicado de se pronunciar: Jacob do Bandolim. Assim é a obra de Jacob, sem fronteiras. Os saraus

Os saraus, que tão boa impressão causaram a Dorenski, começaram a se realizar em 1949, na Rua Comandante Rubens Silva, 62, Freguesia, nova residência de Jacob. Contavam na platéia com a presença de grandes nomes da política, das artes e do jornalismo, que lá iam para ouvir artistas célebres como Dorival Caymmi, Elizeth Cardoso, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Canhoto da Paraíba, Maestro Gaya, Darci Vila-Verde, Turíbio Santos, Oscar Cáceres, violonista uruguaio, e muitos outros. Sobre esses encontros assim se manifestou o crítico e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho, presença constante dessas reuniões: “(...) quem participou daqueles célebres saraus tornou-se não apenas um ouvinte privilegiado das noites mais cariocas que esta cidade já conheceu, mas um discípulo sem carteira de um Mestre que não sonegava lições, que fazia questão de repassá-las nas inúmeras atividades que exercia, inclusive como radialista”. Um coração rasgado pela emoção

Em 19 de agosto de 1967, é concedida a Jacob pelo Clube de Jazz e Bossa a Comenda da Ordem da Bossa. Ao chegar ao Teatro Casa Grande, na Zona Sul do Rio de Janeiro, para receber a medalha, Jacob se espanta ao ver um público de jovens, diferente daquele que estava acostumado a ter em seus saraus em Jacarepaguá; chegou a pensar em não se apresentar. Convencido por amigos, muda de idéia e faz uma apresentação antológica. Tomado pela emoção dos aplausos após interpretar Lamentos, de Pixinguinha, e enquanto iniciava os primeiros acordes de Murmurando, do compositor Fon Fon, sofre seu primeiro enfarte.


sofre o terceiro enfarte. Morre na varanda de casa, nos braços de Adylia, por volta das 19 horas. Naquela semana, Jacob havia gravado na Rádio Nacional três programas que não chegam a ir ao ar. No último, o de número 244, que seria transmitido no dia 15, sexta-feira, a fala de abertura é dedicada ao relançamento pela gravadora Som da coletânea É Bossa Mesmo, com músicas de Ataulfo Alves, então recentemente falecido. Jacob saudava o lançamento, mas fez severas críticas às gravadoras por não darem destaque aos artistas quando em vida e quererem faturar após a sua morte com coletâneas. Tratou-se de um documento de incrível premonição, pois poucos dias depois Jacob morreria. Aquilo que denunciara acerca da morte de Ataulfo em seu último programa viria a acontecer com ele mesmo. Nos seus últimos cinco anos de vida, de 1965 até seu falecimento, em 1969, no auge da carreira, Jacob grava em estúdio apenas o lp Vibrações, considerado por unanimidade o seu principal disco e um dos melhores discos instrumentais de todos os tempos, porquanto Chorinhos e Chorões e Primas e Bordões haviam sido gravados ainda no início da sua carreira. Desde seu falecimento foram lançados cerca de 10 lps e 15 cds com o mestre do bandolim e sua música portentosa: o choro.

FOLHAPRESS

Sobre o episódio, Jacob afirmaria: “(...) para mim foi uma grande felicidade ter sido aplaudido pelos cabeludos, que compreenderam naquele instante a minha arte (...)”. No início de agosto de 1969, Jacob interrompe uma estada em Brasília, onde estava se tratando com o cardiologista Dr. Veloso, e retorna ao Rio de Janeiro para reassumir suas funções no Conselho de Música Popular do Museu da Imagem e do Som, onde ocupava a cadeira n° 22, e para retomar as gravações de seu programa de rádio na Rádio Nacional, Jacob e seus Discos de Ouro, um dos poucos programas especializados em choro e samba no rádio brasileiro, sempre transmitido às onze e meia da noite. Nesse período, após mais um enfarte, por precaução, Adylia, sua esposa, não permite mais que Jacob saia sozinho. Porém, no dia 13 de agosto de 1969, uma quarta-feira, Jacob, que desde o retorno de Brasília insistia em ver Pixinguinha, pois soubera que o amigo estava também com problemas de saúde, resolve ir a Ramos de qualquer jeito. Adylia, adoentada, não pode acompanhálo; relutante, deixa-o ir. Entre outras coisas, Jacob quer acertar com Pixinguinha a realização de um velho sonho: a gravação de um disco só com músicas do velho mestre e com a renda revertida para ele. Jacob passa a tarde com Pixinguinha e ao retornar para casa, ainda dentro do carro

No Japão, casas lotadas Jorginho do Pandeiro, um dos primeiros componentes do Época de Ouro, gostaria que no Brasil fosse dada a mesma importância que o conjunto alcançou no exterior: “No Japão, somos recebidos entusiasticamente. Nossos shows ficam superlotados e depois, quando compram nossos cd’s, vão ao camarim, querem autógrafos e conversar conosco, saber muita coisa do grupo e tudo mais. É necessário até os seguranças pedirem para eles se retirarem, senão ficam lá até de manhã. Na verdade, compreendem e valorizam nosso trabalho, sabem da nossa importância, numa dimensão muito superior à dos brasileiros, infelizmente. E não somente no Japão, mas também em outros países. É impressionante.” Ronaldo do Bandolim pensa da mesma forma: “O choro é coisa nossa, parafraseando Noel Rosa. Ninguém duvida disso. Sabemos que o choro é venerado nos meios universitários e nosso trabalho reconhecido nessa área. Mas em nível oficial, de apoio governamental de incentivo por meio da Lei Rouanet, aí a coisa muda de figura. É difícil se conseguir patrocínio para projetos importantes de resgate e preservação de nossa cultura. Não existe essa compreensão, como existe em outros países, de verdadeira idolatria por sua cultura, de amor por seus ídolos. Aqui no Brasil temos memória curta, esquecemos rápido e costumamos valorizar mais o que vem de fora, em detrimento do que é nosso. Os caminhos para se conseguir patrocínio para um projeto são tortuosos e lentos.

Quando se consegue, estão sempre aquém do necessário. Parece que estão fazendo um favor e não apoiando e divulgando a cultura nacional.” “Um espetáculo bem feito sobre nossa música tem público, é casa cheia todo dia. Eu mesmo tenho a idéia de montar um festival internacional do choro; seria fantástico. Para quem acha inviável, respondo que existem conjuntos de choro espalhados em todos os continentes. Mas para a música instrumental tudo é difícil. Não só aqui, até nos Estados Unidos é assim. Se pensam que a vida é fácil para os músicos de jazz ou blues é puro engano.” Jorge Filho, do cavaquinho, diz que o momento do choro é agora: “O choro é imortal, não vai morrer jamais. Acho que nunca esteve melhor. Tem tido bastante presença na mídia e, como disse o Ronaldo, vem ganhando muito espaço nos meios universitários. Músicos excelentes surgem a todo momento, o que é muito animador, pois eles se encarregam de levar o choro à frente. Faço questão até de enaltecer aqui o trabalho da Rádio Nacional, da TV Brasil, da Rádio Mec, da TV Gazeta de São Paulo e tantas outras. Chega a ser uma injustiça não citar os nomes de preservação de nossa cultura popular, através de programas que mostram como ela é maravilhosa e única.” “Volta e meia jornais e revistas também falam do choro, assim como centenas de sites e blogs. O momento é excelente. No entanto, volto a bater na mesma tecla,sem trocadilho, só para ficar no âmbito musi-

Jacob do Bandolim, criador de uma relíquia cultural brasileira: o conjunto Época de Ouro.

cal, da falta de incentivo dos Governos, das Secretarias de Cultura e de tantos centros culturais que poderiam dar mais espaço para o choro, para manifestações culturais brasileiras. Dinheiro não falta, falta vontade. Outro dia, fui acertar uma apresentação do Época de Ouro em uma casa bem conhecida e eles nos ofereceram um cachê irrisório. Eu disse que aquilo não era cachê para o Época de Ouro; afinal, temos uma história na música popular brasileira, tocamos com grandes mestres de nossa música, fomos fundados por Jacob do Bandolim, completamos 50 anos de existência, e a resposta que ele me deu foi: ‘Isso é o que pagamos para todo mundo’. Ora, nós não somos todo mundo. E o mínimo que exigimos é respeito.” O violonista Tony Azeredo afirma que o conjunto já escreveu seu nome definiti-

vamente na História de nossa música popular: “Um fato interessante é que, embora tenha como data de fundação o ano de 1964, o Conjunto Época de Ouro já existia há pelo menos uns quatro anos. Ou seja, ele foi fundado aí por volta de 1960. Durante esse período, se consolidou no cenário da música instrumental, principalmente por ser comandado pelo incomparável Jacob do Bandolim. Não tinha esse nome, na verdade, não tinha nome, e creio que o nome veio da vontade que nele havia de homenagear a fase áurea de nossa música popular, a fase em que apareceram nossos grandes intérpretes e compositores e que consolidou definitivamente, com a ajuda de um surpreendente veiículo que nascia, o rádio, nossas mais genuínas manifestações culturais em todo o Brasil. Já completamos agora mais de meio século de existência.”

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MÚSICA CONJUNTO ÉPOCA DE OURO: 50 ANOS PROMOVENDO O CHORO

VIDAS

Um gênero com mais de 140 anos Popularmente chamado de chorinho, o choro é um gênero musical, uma música popular e instrumental brasileira com mais de 140 anos de existência. Os conjuntos que o executam são chamados de rodas de choro ou regionais e os músicos, compositores ou instrumentistas, são chamados de chorões. Apesar do nome, o gênero é em geral de ritmo agitado, alegre e ricamente sincopado, caracterizado por sutis modulações e pelo virtuosismo e improviso dos participantes, que precisam ter muito estudo e técnica, ou pleno domínio de seu instrumento. O choro é considerado a primeira música popular urbana típica do Brasil e difícil de ser executado. O conjunto regional é geralmente formado por um ou mais instrumentos de solo, como flauta, violão e cavaquinho ou bandolim, que executam a melodia; o cavaquinho ou o bandolim fazem o solo ou o centro do ritmo com um ou mais violões e junto com o violão de 7 cordas formam a base do conjunto, além do pandeiro como marcador de ritmo. Surgiu provavelmente em meados de 1870, no Rio de Janeiro, e nesse início era considerado apenas uma forma abrasileirada de os músicos da época tocarem os ritmos estrangeiros, que eram populares naquele tempo, como os europeus xote, valsa e principalmente polca, além dos africanos, como o lundu. O flautista Joaquim Calado é considerado um dos criadores do choro, ou, pelo menos, um dos principais colaboradores para a fixação do gênero, quando incorporou ao solo de flauta dois violões e um cavaquinho, que improvisavam livremente em torno da melodia, uma característica do choro moderno, que recebeu forte influência dos ritmos que no início eram somente interpretados, demorando algumas décadas para ser considerado um gênero musical. Luís da Câmara Cascudo afirmou que “[...] os nossos negros faziam em certos dias, como em São João, ou por ocasião de festas nas fazendas, os seus bailes, que chamavam de xôlo, expressão que, por confusão com a parônima portuguesa, passou a dizer-se xôro e, chegando à cidade, foi grafada choro”. Ary Vasconcelos atribui a derivação à palavra choromeleiros, “corporação de músicos que teve atuação importante no período colonial brasileiro. Para o povo, naturalmente, qualquer conjunto instrumental deveria ser sempre os choromeleiros, expressão que acabou sendo reduzida para os choros”. “Conjunto instrumental boêmio, originário do Rio de Janeiro, por volta de 1870, executando músicas essencialmente urbanas”, é como define Mário de Andrade a palavra chorões. Ao conjunto original de ‘chorões’ (flauta, violão, cavaquinho...) foram acrescentando-se alguns instrumentos, inclusive a percussão (pandeiros, ganzás, recorecos), que teve ingresso no choro através de Jacó Palmieri, pandeirista. Afirma Ary Vasconcelos (1984): “Em 1921, o pandeiro é mencionado pela primeira vez em um selo de disco, como integrante do Grupo do Moringa (clarinetista), nas gravações de No Rancho e É Assim Que Eu Gosto (Odeon 121. 992/3)”. O crítico José Ramos Tinhorão diz, analisando a obra A Família Agulha, de Guimarães Júnior, lançada em 1870: “Esse livro é espetacular, pois traça com imenso alento e

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refinamento literário um retrato divertido e real das classes humildes e seus divertimentos pela periferia do Rio de Janeiro, folguedos esses já agora acompanhados do violão em lugar da viola e cavaquinho. Formação que juntamente com a flauta e o pandeiro seria a base dos conjuntos de choro, tipicamente nacionais”. Ainda existe a versão de Lúcio Rangel, de que os esquemas modulatórios e tom plangente foram responsáveis pela impressão de melancolia que acabaria conferindo o nome de choro a tal maneira de tocar e a designação de chorões aos músicos de tais conjuntos, por extensão. E José Ramos Tinhorão completa essa análise apontando a origem do termo choro como a sensação de melancolia transmitida pelas baixarias do violão – o acompanhamento na região mais grave desse instrumento. Pixinguinha transforma o choro

Foi com Pixinguinha, considerado o “Bach do Choro”, que o novo estilo musical ganhou maturidade, forma e orientação. Ele organizou diversos grupos, tocou durante seis meses em Paris, com “Os Oito Batutas”, e quando retornou ao Brasil introduziu o saxofone e o trompete no repertório. Juntamente com Pixinguinha, outros ilustres nomes do choro, como João Pernambuco, violinista e compositor de choros para violão e Donga, co-autor de Pelo Telefone, primeiro samba já gravado, formavam o grupo “Os Oito Batutas”. É nessa relação que o choro se aproxima do samba. Entre 1927 e 1946, época em que surgiram as primeiras vitrolas elétricas, que proporcionaram aos ouvintes uma audição bem mais natural, além de os grandes nomes de gerações anteriores continuarem produzindo, outros nomes se revelaram, tais como Alberto Marino, Antenógenes Silva, Radamés Gnattali, Gastão Bueno Lobo, Aníbal Augusto Sardinha (Garoto), Benedito Lacerda e Dante Santoro. Pode-se dizer que a segunda metade da década de 1940, quando surge a quinta geração de compositores de choro, é uma fase bem mais propícia para o gênero. Nela temos: Jacob Bittencourt, Jacob do Bandolim, Severino Araújo, Maestro Cipó, Carlos Lima do Espírito Santo, Luís Bittencourt, Raul de Barros, Valdir Azevedo. Embora tivesse estreado anteriormente, começa a se destacar nessa época, inicialmente em São Paulo, posteriormente no Rio de Janeiro, o compositor e instrumentista Abel Ferreira. O Nordeste também forneceu muitos músicos ao choro; João Pernambuco, Luperce Miranda, Ratinho, Tia Amélia, Severino Araújo, Sivuca e, por fim, em 1959, chega ao Rio de Janeiro o violonista e compositor Francisco Soares de Araújo, o Canhoto da Paraíba. Entre os compositores de aparecimento posterior estão Altamiro Carrilho, Paulo Moura, Rafael Rabelo. A relação de compositores é, segundo Ary Vasconcelos (1984), “extensíssima”. Nomes célebres que contribuíram para a divulgação e fixação do choro, dando-lhe a expressão que possui hoje, foram Ernesto Nazareth, K-Ximbinho, Luiz Americano, Patápio Silva, Altamiro Carrilho, Waldir Azevedo, Zequinha de Abreu, Chiquinha Gonzaga, Abel Ferreira, Ademilde Fonseca, Garoto e Benedito Lacerda.

O longevo Mike Wallace sai do ar após 38 anos Seu programa 60 Minutes foi o paradigma do jornalismo televisivo no mundo inteiro. O jornalista norte-americano Mike Wallace, 93 anos, apresentador do programa 60 Minutes, da rede CBS, durante cerca de quatro décadas, morreu no dia 7 de abril, em decorrência de problemas cardíacos, em uma clínica em New Haven, onde residia, localizada no Estado de Connecticut. A morte do apresentador foi comunicada na manhã seguinte por Bob Scheiffer, apresentador do programa, também da CBS. Uma semana depois, a emissora exibiu um documentário especial sobre a trajetória pessoal e profissional do jornalista, que, com seu estilo marcante, tornou-se referência no jornalismo televisivo no mundo inteiro, transformando o programa 60 Minutes em uma das atrações mais prestigiadas da televisão norte-americana a partir dos anos 1960. “A extraordinária contribuição de Wallace como repórter televisivo não tem medida, já que representou uma força dentro da televisão desde suas origens”, disse Leslie Moonves, Presidente da CBS Corporation. Ao longo dos 38 anos à frente do 60 Minutes, Mike Wallace atuou em cerca de 800 reportagens e conquistou 20 prêmios Emmys. Entre os seus inúmeros entrevistados estão todos os Presidentes dos Estados Unidos desde John F. Kennedy, com exceção de George W. Bush; Malcolm X, Martin Luther King Jr., Yasser Arafat, aiatolá Khomeini, Deng Xiao Ping. Apesar de ter se aposentado em 2006, Wallace participava de algumas edições especiais do programa. De acordo com o site americano TMZ, a última entrevista de Wallace foi com o jogador de beisebol aposentado Roger Clemens, em 2008. Antes da estréia no programa da CBS, em 1968, Wallace já havia atuado em emissoras de rádio e tv nas funções de locutor, repórter, âncora e também como ator. Nascido no Brookline, em Massachusetts, em 9 de maio de 1918, Mike Wallace, que se casou quatro vezes, deixa os filhos Pauline e Chris. O terceiro filho, Peter, morreu em 1962.


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RELATÓRIO DA DIRETORIA EXERCÍCIO SOCIAL 2011-2012 CONTAS DE GESTÃO | ANO CIVIL DE 2011

Um ano de ações da ABI em defesa da liberdade e da ética na vida pública 1.1. Em conformidade com as disposições dos artigos 19 e 21 do Estatuto Social, submeto a esse digno colegiado o Relatório da Diretoria da ABI relativo ao exercício social 2011-2012 e as Contas de Gestão do ano civil 2011, em comparativo com o ano civil 2010. Estas foram submetidas também à apreciação dos ilustres membros do Conselho Fiscal, para os fins estatutários.

2. NOSSOS ENGAJAMENTOS 2.1. Como se verá nos relatos a seguir, a ABI manteve durante o exercício social atuação vigorosa em defesa dos princípios e causas que norteiam a sua existência de 104 anos, completados no dia 7 de abril em curso: a inviolabilidade da liberdade de expressão, a integridade dos direitos humanos e a observância de padrões éticos na administração pública. Esta última questão adquiriu especial relevância nos dias presentes, tantas são as lesões impostas ao interesse social nas diferentes áreas do poder e no mundo dos negócios. 2.2. Aos esforços despendidos nos campos citados somaram-se ações e iniciativas destinadas à valorização dos profissionais e dos veículos de comunicação, ao aperfeiçoamento técnico, cultural e ético da atividade jornalística, à exaltação de eventos e personalidades que merecem homenagens do conjunto da sociedade pelo que fizeram ou fazem em diferentes campos. As preocupações que moveram a ABI nesses aspectos não a desviaram do cumprimento de suas obrigações para com o quadro social, através da melhoria dos programas de assistência que desenvolve. 2.3. Como é da sua tradição, a ABI promoveu intercâmbio com outras entidades e instituições e colaborou com iniciativas e realizações de interesse público, como os certames Personalidades da Educação e Personalidades da Cidadania, promovido pelo Grupo Folha Dirigida com a participação da Casa e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e

a Cultura-Unesco. Na cerimônia dedicada às Personalidades da Cidadania de 2011, a ABI foi distinguida com o convite para entregar a placa e o diploma ao jornalista Ancelmo Gois, membro do nosso Conselho Consultivo, em cerimônia em que foi agraciado igualmente outro associado da Casa, o acadêmico Arnaldo Niskier. 2.3.1. Uma relação profícua da ABI se deu com a Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro-Acerj, que propôs a criação pelas duas entidades do Prêmio João Saldanha de Jornalismo Esportivo, o primeiro deles entregue no começo de 2011 e o segundo agora neste mês de abril de 2012. Para honra da Casa, os vencedores do Grande Prêmio João Saldanha, principal láurea do certame, foram os jornalistas João Máximo e Marcos de Castro, ambos associados da ABI, por seu livro Gigantes do Futebol Brasileiro. 2.3.2. Entre as instituições com que a ABI estabeleceu relação de colaboração figura a União dos Advogados Públicos Federais-Unafe, cujo Diretor-Executivo, advogado Luís Carlos Palácios, depois eleito Presidente, visitou a Casa em agosto e expôs uma das preocupações da entidade: o teor restritivo de disposições da Lei Complementar nº 73, de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União. Pelo inciso 3 do artigo 28 da Lei, o advogado federal só pode manifestar-se sobre causas em que intervém com autorização do Advogado-Geral da União ou por determinação deste. No entender da Unafe, essa disposição constitui uma mordaça, uma grave restrição à Liberdade de expressão. Contra ela a Unafe e a ABI ingressaram no Supremo Tribunal Federal com argüição de Inconstitucionalidade. 2.4. Através do seu Presidente ou do Vice-Presidente Tarcísio Holanda, a ABI fez-se presente em outros eventos da maior significação, como as sessões do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de que a Casa é membro desde a criação desse organismo, e em reuniões destinadas à defesa de outros bens sociais relevantes, como a preservação das florestas, objeto da criação do Comitê Brasil em

Defesa das Florestas, para o qual, a convite da ex-Senadora Marina Silva, a Casa designou um representante, expert no assunto: o jornalista Silvestre Gorgulho, fundador e diretor do jornal especializado Folha do Meio Ambiente. 2.4.1. A ABI participou no Grupo Tortura Nunca Mais da escolha dos agraciados com a Medalha Chico Mendes, atribuída anualmente a quantos se destacam nas lutas em defesa dos direitos humanos e dos direitos sociais. Entre os dez escolhidos por sua atuação nesses campos em 2011 figurou o jornalista Mário Augusto Jakobskind, membro do Conselho Deliberativo da ABI, que recebeu a placa com a distinção em ato realizado em 2 de abril no salão principal da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro. 2.4.2. Na sessão em que Mário Augusto recebeu a Medalha, foram igualmente agraciados a médica Maria Augusta Tibiriçá, de 94 anos, única sobrevivente da campanha O petróleo é nosso e Presidente de Honra do Movimento de Defesa da Economia Nacional-Modecon, a socióloga Moema Toscano, ambas na categoria Movimento de Mulheres; as militantes sociais Deize Maria de Carvalho e Márcia Fortunato, na categoria Violência Urbana; a Comunidade Pinheirinhos, de São José dos Campos, São Paulo, na categoria Movimento pela Moradia; o advogado e jurista Belisário dos Santos Júnior, de São Paulo; e dois desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, Maria Célia Corrêa e Osvaldo Orlando da Corte, cujos corpos jamais foram encontrados. 2.5. Diversas iniciativas foram adotadas pela ABI no reclamo de práticas honestas na vida pública, como a sua participação no Senado Federal, em 23 de agosto, da audiência pública convocada pelo Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa do Senado, Senador Paulo Paim (PT-RS), em torno do tema Ações Contra a Corrupção e a Impunidade no País,como proposto pelo Senador Pedro Simon (PMDB-RS). Após exposições de representantes de várias instituições da

AVANIR NIKO

1. INTRODUÇÃO

O Senador Pedro Simon visitou a ABI para debater a questão da ética na vida pública.

sociedade civil, os participantes da audiência concordaram em que são necessárias medidas que permitam eficácia no combate à corrupção, como a vigência da Lei da Ficha Limpa nas próximas eleições, a revisão do processo de elaboração da lei orçamentária anual, maior controle das emendas individuais de parlamentares, a redução dos cargos em comissão da administração pública. 2.5.1. O elenco de instituições, órgãos e entidades presentes à audiência demonstrou como são generalizados o sentimento e o clamor de maior limpidez no trato da coisa pública. Manifestaram-se na audiência o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Controladoria-Geral da União, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, a Associação dos Juízes Federais, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a Associação dos Magistrados do Brasil e a Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal, além da ABI. 2.5.2. Na seqüência de troca de opiniões acerca da defesa da ética na vida pública, a ABI recebeu em 6 de setembro a visita dos Senadores Pedro Simon e Randolfe Rodrigues (Psol-AP), que mantiveram durante várias horas fecundo diálogo com direto-

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RELATÓRIO DA DIRETORIA

res e conselheiros da ABI, entre os quais o decano da crônica política do País, nosso Conselheiro Villas-Bôas Corrêa, que manifestou suas preocupações em relação ao tema e a um aspecto da vida urbana: a segurança pública. “Hoje eu tenho medo de andar na rua”, disse Villas. 2.6. Atenta à vida social em aspectos que transcendem a área de comunicação e têm relevante interesse público, a ABI participou em 10 de novembro da manifestação liderada pelo Governador Sérgio Cabral em defesa dos royalties do petróleo atribuídos ao Estado do Rio de Janeiro e ao Espírito Santo, cuja redução foi proposta pelo Senador Vital do Rego (PMDB-PB) em emenda ao projeto de lei em tramitação no Senado Federal. Declaração lida pela atriz Fernanda Montenegro no clímax da gigantesca passeata então realizada revela que neste ano de 2012 a mudança proposta poderá diminuir em até R$ 3,2 bilhões o montante dos royalties devidos ao Estado do Rio. 2.6.1. A ABI ofereceu apoio e solidariedade aos proprietários e locatários de salas e andares do Edifício Liberdade, situado na Avenida Treze de Maio, no Centro do Rio, e que desabou em janeiro, arrastando na queda dois edifícios vizinhos. A pedido de seu associado Octávio Blatter Pinho, a ABI cedeu espaço no Edifício Herbert Moses para a realização de reuniões da Associação das Vítimas do Desabamento do Edifício Liberdade, constituída para a defesa dos interesses dos prejudicados pelo acidente. Após as reuniões, a Associação pôde instalar-se numa sede para prosseguir na luta em defesa dos prejudicados pelo desabamento. 2.7. Um ponto destacado da atuação da Casa no período foi a criação e instalação da Representação da ABI em Minas Gerais, em ato realizado em 1 de junho na Academia Mineira de Letras com a presença do Presidente da ABI. Confiada à direção do jornalista José Eustáquio de Oliveira, conhecido no meio profissional de Minas pelo apelido carinhoso de Taquinho, a Representação conta com um Conselho Consultivo integrado pelos jornalistas Carla Kreft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José Bento Teixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz e Rogério Faria Tavares. Seu Presidente de Honra é o Professor José Mendonça, de 92 anos, criador da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais. 2.8. Pela tradição de seu renome e por sua representatividade, a ABI foi chamada a integrar o júri de certames jornalísticos, como o Prêmio Longevidade Bradesco, instituído por essa instituição bancária, e o I Prêmio de Jornalismo da Indústria da Construção, criado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção. Em ambos os casos a ABI designou para representá-la nos respectivos júris um profissional altamente qualificado, nosso Con-

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3.3. Não menos grave é o cerco em que o Tribunal da Justiça do Estado do Pará mantém o jornalista Lúcio Flávio Pinto, criador e editor do veículo alternativo Jornal Pessoal, que ao longo de duas décadas respondeu a 33 processos judiciais por praticar um jornalismo independente e denunciar irregularidades e crimes de poderosos empresários da região. Num desses processos, movido pelo falecido empresário Cecílio R. de Almeida, em que recorreu sem êxito ao Superior Tribunal de Justiça, como relatou o Jornal da ABI (Edição 375, fevereiro de 2012), Lúcio Flávio foi condenado a pagar uma indenização que excede suas posses: seu Jornal Pessoal não tem receita publicitária.

Desenho de Marco Jacobsen ilustra a matéria “O injustiçado pela Justiça”, sobre a censura imposta pelo judiciário ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, publicada no Jornal da ABI 375.

selheiro Sérgio Caldieri, 1º Secretário do Conselho Deliberativo.

3. JORNALISMO, PROFISSÃO DE RISCO 3.1. Anotou a ABI que no período em relato o País pôde desfrutar da amplitude de liberdade de imprensa assegurada pela Constituição de 5 de outubro de 1988 e respeitada pelo Governo da União, que a esse respeito se definiu com uma frase peremptória da Presidente Dilma Rousseff no ato de comemoração dos 90 anos da Folha de S. Paulo: “Devemos preferir os sons das críticas ao silêncio das ditaduras”. 3.2. Não obstante a clareza da afirmação presidencial, a liberdade de imprensa tem sofrido lesões de extrema gravidade, como a que mantém há dois anos sob censura prévia o jornal O Estado de S. Paulo, proibido desde 3 de julho de 2010 por um juiz de Brasília, Dácio Vieira, de divulgar qualquer notícia sobre o inquérito da chamada Operação Boi Barrica, que envolve o empresário Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney. 3.2.1. A ABI tem sustentado que essa aberração absolutamente inconstitucional ocorre com a condescendência da cúpula do Poder Judiciário, à frente o Presidente do Supremo Tribunal Federal e Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Cezar Peluso, que nada fez para, como seria do seu dever, proceder à correição desse processo judicial e determinar o seu julgamento e a conformação nele decidido ao disposto na Constituição da República. A ABI estima que o sucessor de Peluso, Ministro Ayres Britto, festejado democrata, restabeleça o império da Constituição, como pleiteia o advogado do Estadão, Professor Manuel Alceu Ferreira.

3.4. Numa confirmação do entendimento firmado há anos pela ABI de que o Poder Judiciário, em sua primeira instância, é atualmente o grande adversário da liberdade de imprensa no País, um juiz cível de Rondônia, José Jorge Ribeiro da Luz, da 5ª Vara Cível de Porto Velho, capital do Estado, proibiu a Rádio Cultura FM de citar o nome da empresa Engecom Engenharia, relacionando-a com problemas na construção das obras do Centro Administrativo do Estado, paralisadas diante de denúncias de irregularidades. “O juiz me amordaçou. Sinto-me aviltado no meu direito de comunicador”, disse o radialista Arimar Souza de Sá após a decisão do Juiz Ribeiro da Luz, que em outro processo determinara a penhora dos bens de um site de notícias, privando-o de computadores e outros equipamentos. Neste caso sua decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de Rondônia. 3.5. As disposições constitucionais relativas à liberdade de imprensa não têm impedido que o exercício da atividade jornalística se faça com pesados riscos, sobretudo no interior do País e, excepcionalmente, até em capitais, como a ABI pôde arrolar e noticiar em seu jornal e no ABI online. Esses riscos incluem o de morte, como no caso do jornalista Mário Randolpho Marques Lopes, assassinado com a namorada em 9 de fevereiro passado no Município de Barra do Piraí, no interior fluminense. Editor do site Vassouras na Net, no qual publicava textos com denúncias que envolviam autoridades locais, com acusações a um delegado, um juiz, um promotor, o prefeito e o secretário de Obras. Meses antes, em agosto, Lopes sofrera um atentado em Vassouras, onde morava: levou cinco tiros, mas sobreviveu. 3.5.1. Destinos trágicos foram impostos também ao radialista e apresentador de programas de televisão Luciano Pedrosa, de 46 anos, assassinado em 9 de abril em um restaurante no bairro Bela Vista, em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco; ao jornalista e blogueiro Ednaldo Figueira, de 36 anos, morto em 15 de julho na saída do trabalho no Município de Serra do Mel, Rio Grande do Norte; ao jornalista Valério Nascimento, diretor do jornal Panorama Geral, do Município de Rio Claro, no interior fluminense, morto no quintal de sua casa,

em 3 de maio. Pedrosa, que apresentava o programa Ação e Cidadania na TV Vitória, trabalhava também na Rádio Metropolitana FM. Ele fazia oposição ao Governo do Município e recebera várias ameaças de morte por causa das denúncias que divulgava. Figueira fazia um jornalismo desassombrado e era o principal opositor do Prefeito Josivan Bibiano de Azevedo (PSDB). Valério Nascimento também exercia um jornalismo crítico, denunciando políticos da região. Seu jornal abordava assuntos não apenas de Rio Claro, mas também de Barra Mansa, Angra dos Reis e Bananal, cidade paulista vizinha. Em todos esses casos a ABI cobrou das autoridades providências para identificação, prisão e responsabilização criminal dos assassinos e vai insistir nesse reclamo. 3.5.2. Em Campo Novo dos Parecis, Mato Grosso, o repórter Alexandre Rolim foi agredido pelo Prefeito Mauro Berft (PMDB) por divulgar notícias com críticas à sua administração. 3.5.3. Na capital do Estado do Rio de Janeiro, o blogueiro Ricardo Gama foi alvo de um atentado a tiros, em represália às notícias e opiniões que divulga em seu blog. Os autores do atentado não foram identificados. 3.5.4. No interior do Paraná, a TV Maringá, afiliada da Rede Globo, foi atacada a tiros de armas de calibres 40 e 9 milímetros, presumivelmente como revide às denúncias que fez de irregularidades no repasse de verbas do Ministério do Turismo para a Prefeitura de Jandaia do Sul, também no interior do Estado. Um mês antes desse atentado, o jornal Gazeta de Maringá, sediado no mesmo prédio, sofrera ataque com as mesmas características. 3.5.5. No princípio de dezembro de 2011, a Polícia Militar do Piauí prendeu no Município de Parnaíba um suspeito de ameaçar de morte o jornalista Daniel Santos, da TV Costa Norte, como represália à notícia de que Marcelo Alves Filho, esse suspeito, fora preso por porte de maconha e notas falsificadas. Daniel escapou da ameaça por erro de Marcelo, que fora procurálo na TV Delta, onde supunha que ele trabalhasse, e não o encontrou. Após prestar depoimento, Marcelo foi liberado. 3.5.6. Em São Luís, Maranhão, o fotógrafo Diaman Prado, do jornal O Estado do Maranhão, foi intimidado por policiais quando cobria na Assembléia Legislativa do Estado um evento do movimento grevista na corporação. Os policiais o acusaram de manipular fotografias da manifestação. Ao deixar a Assembléia, Prado foi ameaçado por um major da PM, contra o qual ele apresentou queixa numa delegacia da capital. 3.5.7. Além de expostos à violência de autoridades civis e policiais, os jornalistas defrontam-se com aventureiros de variada espécie, como os integrantes do grupo autodenominado de Merdtv, certamente em alusão àquilo que costumam fazer, que agrediram a repórter da TV Globo Monalisa Perrone quando ela cobria a internação do ex-Presidente Lula no Hospital Sírio Libanês, na capital paulista, em 31 de outubro passado. Deseducados e grosseiros, os vândalos maltrataram a jornalista e deram como na-


que cobriu a cena final de uma farsa montada pelo Delegado Sérgio Fleury, um dos mais cruéis matadores da repressão em São Paulo: Marighella foi fuzilado em outro local e seu corpo levado para a Alameda Casa Branca, para a simulação de que ele teria sido morto num tiroteio. Tafner dispõe-se a relatar o episódio à Comissão Nacional da Verdade.

turais as violências que contra ela cometeram. 3.5.8. A leviandade com que se age com brutalidade contra jornalistas teve exemplo também na reação dos freqüentadores da chamada cracolândia, na Rua dos Gusmões, na capital paulista, os quais, em 15 de dezembro, agrediram os fotógrafos Eduardo Anizelli, da Folha de S. Paulo, Maurício Lima, free-lancer do New York Times, e Daniel Kfouri, também da Folha. Após a agressão, os três buscaram proteção policial para recuperação de equipamento tomado pelos viciados, mas a guarnição localizada próximo alegou que sem autorização superior não podia deixar seu posto e por isso nada fez. 3.5.9. Também mereceu protesto da ABI a violência praticada contra o jornalista Victor Boyardjian, da Rádio Bandeirantes, pelo Senador Roberto Requião (PMDB-PR), que arrebatou o microfone do repórter e, do alto de seus dois metros de altura, ainda o ameaçou: “Já pensou em apanhar, rapaz?” A exemplo da direção do Comitê de Imprensa do Senado, que tomou posição em defesa de Boyardjian, a ABI protestou contra a violência junto ao Presidente do Senado, José Sarney. 3.6. Entre os que pereceram no exercício da atividade profissional estava o jornalista e cinegrafista Gélson Domingos da Silva, da TV Bandeirantes, morto com um tiro de fuzil na favela de Antares, na Zona Oeste do Rio, por um dos bandidos que a Polícia perseguia. 3.6.1. Além de se solidarizar com a família de Gélson, a ABI promoveu em 8 de dezembro, por iniciativa do repórter-fotográfico Alcyr Cavalcanti,membro do seu Conselho Deliberativo, o seminário O jornalista no meio do tiroteio, de que participaram ao lado dele os jornalistas Jorge Antônio Barros e Guillermo Planel e os Professores Leonel Aguiar, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, também jornalista, e Edna Del Pomo, da Universidade Federal Fluminense, com mediação da Diretora de Jornalismo da Casa, jornalista e Professora Sylvia Moretzsohn. 3.6.2. A morte de Gélson gerou uma mobilização de repórteres-fotográficos, que em 24 de janeiro se reuniram na ABI para discutir medidas que assegurem melhorias nas condições de trabalho. O encontro reuniu profissionais de O Globo, O Dia, O Estado de S. Paulo e de agências fotográficas, que decidiram pedir a atenção da Associação dos Repórteres-Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro-Arfoc para as atuais demandas do exercício do fotojornalismo.

4. PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA 4.1. Tal como em relação à liberdade de expressão, a defesa dos direitos humanos figurou com destaque na agenda de preocupações da ABI, que desde o Governo Lula demonstrou firme engajamento na exigência de abertura dos arquivos da ditadura militar, de criação da Comissão Nacional da Verdade e de instituição da lei de acesso a informações públicas. Em 18 de novembro passado, a Presidente Dilma Rousseff sancionou os projetos com esse fim aprovados

pelo Congresso Nacional. O engajamento da ABI nessa questão fundamental está explicitado em caráter permanente na faixa estendida entre duas colunas do hall térreo da sua sede, o Edifício Herbert Moses: “A Chapa Prudente exige a abertura dos arquivos da ditadura”. 4.2. Assim como outras instituições da sociedade civil, a ABI participou ativamente de iniciativas voltadas para a afirmação dos direitos humanos, como o lançamento, em 15 de agosto passado, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro, do Coletivo RJ Verdade, Memória e Justiça, destinado, a exemplo de órgãos do mesmo fim criados em outros Estados, a impulsionar a luta pela abertura dos arquivos da ditadura militar. Em sua publicação oficial, o Jornal da ABI, a Casa deu o relevo devido à proclamação contida no documento de lançamento desse Coletivo: É possível apurar já os crimes da ditadura. 4.3. A ABI tomou como emblemático da luta pela descoberta da verdade sobre os crimes da ditadura o chamado Caso Rubens Paiva, assassinado pela repressão em janeiro de 1971, depois de preso em sua casa, no Rio, ao voltar da praia. Paiva foi apresentado como vítima de uma tentativa de fuga quando era conduzido por agentes da ditadura de uma prisão para outra; segundo seus captores, teria sido morto num tiroteio com estes. Também neste caso o Jornal da ABI fez-se intérprete de uma verdade que precisa ser revelada por inteiro: Há pistas para chegar aos matadores de Rubens Paiva, proclamou manchete da primeira página da Edição 366 da publicação da Casa, com data de capa março de 2011. 4.4. Ainda como expressão do empenho da ABI na defesa dos direitos humanos foram realizados atos na Casa, como o lançamento do Ano Marighella, em homenagem ao fundador da Ação Libertadora Nacional, assassinado pela repressão em São Paulo em 4 de novembro de 1969. Foi um ato concorrido e com momentos de grande emoção, como aquele em que o filho de Marighella, Carlos Augusto, vindo especialmente de Salvador, Bahia, onde mora, relatou que a ditadura só permitiu o sepultamento dele com a condição de que seu corpo não fosse visto. 4.4.1. Após esse ato, realizado em 15 de dezembro, o fotógrafo Sérgio Vital Tafner Jorge revelou em entrevista à revista IstoÉ

4.4.2. Também comovente foi a homenagem prestada em 22 de julho ao jornalista David Capistrano da Costa pela Fundação Dinarco Reis, organismo do Partido Comunista Brasileiro-PCB, que lhe conferiu a Medalha Dinarco Reis, cujo nome celebra destacado membro do Partido, participante de Brigada Republicana na Guerra Civil Espanhola e também da Resistência francesa contra a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Combatente contra duas ditaduras, a do Estado Novo (1937-1945) e a do regime militar (1964-1985), eleito deputado estadual de Pernambuco nas eleições realizadas em janeiro de 1947, Capistrano era membro do Comitê Central do PCB e atuava na clandestinidade. Numa viagem entre o Uruguai e o Brasil, em março de 1974, ele e o motorista que o conduzia, Célio Guedes, foram presos pela repressão e nunca mais foram vistos. A Medalha foi entregue à sua viúva, Maria Augusta Oliveira da Costa, de 92 anos, que participou com Capistrano da resistência ao Estado Novo e das demais lutas que ele travou. 4.5. Desde o primeiro momento a ABI considerou uma farsa o inquérito e o processo instaurados pela Polícia do Estado do Rio contra os 13 participantes do protesto realizado diante do ConsuladoGeral dos Estados Unidos no Rio, em 19 de março de 2011, contra a visita do Presidente Barack Obama ao Brasil. A ABI sediou um ato de solidariedade aos participantes do protesto e participou depois, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de outra manifestação de solidariedade ao grupo, constituído sobretudo por jovens. A Justiça rejeitou a denúncia contra o grupo. 4.6. Uma causa em que a ABI não teve êxito foi em seu esforço para o reconhecimento do direito à anistia do seu associado Antônio Idaló Neto, demitido no segundo semestre do ano letivo de 1979, por motivo político, do emprego de professor do antigo Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 4.6.1. O processo de Idaló na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entrou na pauta e chegou a ser votado; quando a votação indicava seu possível deferimento, pelo acolhimento do voto da relatora, uma das conselheiras da Comissão, Suely Bellato, pediu vista do processo. Quando retornou à pauta, o processo foi indeferido por seis votos a três. Como admitido na legislação, Idaló formulou Pedido de Reconsideração ao Ministro da Justiça da época, Tarso Genro, mas sua petição chegou ao Ministério no dia em que ele o deixava, para concorrer ao Governo do Rio Grande do Sul na eleição de novembro de 2010. Os Ministros que lhe sucederam, Luiz Eduardo Barreto e, agora, José Eduardo Cardozo, não examinaram sua petição, apesar dos

apelos da ABI, que vai insistir no pedido: Idaló foi punido, tem de ser anistiado. 4.7. Pela primeira vez em muitos anos a ABI foi chamada a se pronunciar sobre a observância da ética no exercício da atividade jornalística, para a qual instituiu, no âmbito do Conselho Deliberativo, um organismo especializado, a Comissão de Ética dos Meios de Comunicação, integrada pelos associados Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. A manifestação da ABI foi requerida pelo ex-Deputado José Dirceu (PT-SP), que se considerou ofendido por uma reportagem e vítima de comportamento reprovável de um repórter da revista Veja, que teria tentado, entre outros procedimentos, entrar sem permissão em aposentos em que ele, Dirceu, esteve hospedado em Brasília. 4.7.1. A Presidência da ABI submeteu a denúncia à apreciação dos membros da Comissão de Ética e aguarda uma manifestação dos acusados, no exercício do contraditório e do direito de defesa, para um opinamento conclusivo a respeito.

5. JORNAL E SITE, AS VOZES DA ABI 5.1. No período em relato a Casa publicou 12 edições do Jornal da ABI, cuja regularidade mensal foi proporcionada pelo apoio publicitário captado pela Coordenação de Publicidade e Marketing, confiada à competente direção do associado Francisco Paula Freitas. Ao longo de 2011 e nestes primeiros meses de 2012 a ABI contou com apoio publicitário no montante líquido de R$ 984.484,00. Seu principal veículo publicou anúncios de prestigiosas empresas, como a Petróleo Brasileiro S.A.-Petrobras, a Construtora Odebrecht e a Coca-Cola. 5.1.1. Além do jornal, a Casa mantém um informativo de edição diária, o ABI online, que publicou 994 textos de reportagens, entrevistas e informações destinadas a público diversificado: foram 115 notícias sobre cursos e concursos, 148 sobre empregos e estágios e 112 sobre variados eventos. O Site contou com a colaboração de dois profissionais, José Reinaldo Marques e Cláudia Souza, que também produzem reportagens e entrevistas para o Jornal da ABI, e do estagiário Renan de Castro Aguiar, estudante de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5.1.1.1. Mês a mês, foi este o movimento de produção e publicação de reportagens e entrevistas do ABI online no exercício social em relato: março de 2011, 73; abril, 81; maio, 79; junho, 52; julho, 66; agosto, 71; setembro, 52; outubro, 39; novembro, 31; dezembro, 18; janeiro de 2012, 27; fevereiro, 31. 5.2.Editado pelo Presidente e pelo associado Francisco Ucha, que faz a programação visual, a diagramação e a editoração eletrônica da publicação, para a qual também produz reportagens, entrevistas e desenhos, o Jornal da ABI causa excelente impressão por sua qualidade e tem recolhido elogios como o feito em seu blog pelo escritor e novelista Aguinaldo Silva, autor da celebrada novela Fina Estampa, o qual apontou a publicação como o melhor

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veículo alternativo do País. Referências igualmente elogiosas são feitas pelo jornalista e cartunista Ziraldo, com uma recomendação: “Vocês precisam chegar às bancas de jornais”. 5.3.Voltado para temas da área de comunicação e aspectos da vida cultural, bem como sobre as opiniões, iniciativas e realizações da Casa, o Jornal da ABI dá ênfase em sua pauta à História da imprensa e a perfis de jornalistas, como fez na Edição Especial número 370, de setembro passado, em que publicou reportagens e entrevistas de Júlio Cortazar, esta com declarações por ele feitas no Canadá em 1977 ao jornalista Rodolfo Konder, então exilado, Eliakim Araújo, Lan, Nélson Rodrigues, Roberto Mendes, André Toral e José Roberto Whitaker. 5.3.1. Outras das preocupações da ABI estão relacionadas com os direitos humanos e a liberdade de expressão, bens jurídicos que ganharam ênfase em inúmeras edições e foram o tema principal da primeira página, como em março de 2011: Há pistas para chegar aos matadores de Rubens Paiva (Edição 364); em abril: A hora da verdade (Edição 365); em maio: Riocentro: farsa e dívida (Edição366); em junho: A prova dos crimes (Edição 367); em outubro: A Anistia deixa Idaló morrer sem lhe fazer justiça (Edição 371); em novembro: O Brasil no caminho da verdade (Edição 372); em dezembro: Pressões ameaçam a Comissão (Edição 373); em fevereiro de 2012: Justiça para Herzog (Edição 375). 5.3.2. Nas edições publicadas ao longo de 2011 e neste começo de ano, o Jornal da ABI publicou amplas reportagens e entrevistas com os jornalistas Ruy Pereira da Silva, Fernando Foch, atualmente desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Juca Kfouri,

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Heródoto Barbeiro, Luiz Cláudio Cunha, Álvaro de Moya. Luiz Lobo, Laurentino Gomes, autor de 1808 e 1822, José Luiz Milhazes, que trabalhava no Correio da Manhã quando foi editado o Ato Institucional nª 5, em 13 de dezembro de 1968, Ignácio Ramonet, editor de Le Monde Diplomatic, Alberto Dines, Luiz Mário Gazzaneo e Silvaldo Leung, autor da fotografia da cena com que a repressão procurava apresentar Herzog como suicida, e não morto durante as torturas a que foi submetido, todos citados na ordem em que foram publicados os textos produzidos. A entrevista de Dines, feita pelo Editor Francisco Ucha, foi tão abrangente e minuciosa que sua publicação se desdobrou pelas Edições 374 e 375. 5.4.O Jornal da ABI cobriu e publicou textos com destaque sobre eventos promovidos pela Casa, como as sessões em homenagem ao centenário do escritor e ex-associado João Felício dos Santos, autor de fecunda obra, como Chica da Silva,

sobre o qual o pesquisador Ricardo Cravo Albin fez aplaudida conferência; aos centenários do Brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da Força Aérea Brasileira punido com cassação pelo golpe militar de lº de abril de 1964; do historiador Nélson Werneck Sodré; do jornalista Raul Ryff e do jornalista e escritor Edmundo Moniz; aos 80 anos do jornalista Zuenir Ventura; aos 60 anos de criação do diário Última Hora pelo jornalista Samuel Wainer. 5.4.1. A trajetória de Última Hora ensejou a realização do seminário Os Sobreviventes, de que participaram antigos integrantes da equipe do jornal, como Antônio Theodoro de Barros, Milton Coelho da Graça, Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo, Domingos Meirelles, Diretor Econômico-Financeiro da ABI, Pinheiro Júnior, Benicio Medeiros, ambos membros do Conselho Deliberativo, e Alcyr Cavalcanti, que organizou também este evento, no qual Pinheiro Júnior lançou seu livro Última Hora (Como

Ela Era), no qual relata momentos significativos da história do jornal. Entre os presentes, antigos repórteres-fotográficos de Última Hora, como Antônio Nery, Avanir Niko, Hélio de Moraes, Ignácio Ferreira e Joaquim Morel. Na platéia, além do associado Baleixe Filho, que fizera 90 anos, dois netos de Samuel: Gabriel Wainer, de 27 anos, e Felipe Wainer, de 33. Estudante de Cinema na Puc, onde freqüentou um período de Comunicação Social, Gabriel fez um lamento: “Pouco se ouve falar sobre Samuel Wainer. A história dele é uma grande aventura, de dar inveja a qualquer Indiana Jones”. 5.5. Coube ao Jornal da ABI, assim como ao ABI online, o desagradável encargo de noticiar o falecimento de jornalistas e comunicadores, aqui mencionados em ordem alfabética com a data de seu passamento: Abdias Nascimento, em 23 de maio; Al Rio (Álvaro Araújo Lourenço), em 31 de janeiro de 2012; Arlindo Silva, em 24 de julho; Ayrton Baffa, em 22 de julho; Benoni Alencar, em 27 de setembro; Daniel Piza, em 30 de dezembro; Edison Cattete, em 1 de junho; Cláudio Melo e Souza, em 13 de agosto; Dejean Magno Pellegrin, em 6 de fevereiro de 2012; Francisco Ribeiro de Mattos (Chico Mattos), em 25 de junho; Gustavo Dahl, em 20 de junho; Hélio Fernandes Filho, em 28 de outubro; João Bittar Neto, em 18 de dezembro; José Meirelles Passos, em 31 de agosto; Leon Cakoff, em 14 de outubro; Linduarte Noronha, cineasta, autor do documentário Aruanda, em 30 de janeiro de 2012; Loureiro Neto, em 5 de fevereiro de 2012; Luiz Mendes, em 27 de outubro; Marcos Santarrita, em 4 de outubro; Moacir Scliar, em 27 de fevereiro de 2012; Orlando Batista, em 5 de fevereiro de 2012; Oséas Carvalho, em 17 de maio; Paulo Roberto Viola, em 29 de abril; Procópio Mineiro, em 24 de julho; Reali Jú-


nior, em 9 de abril; Riomar Trindade, em 25 de agosto; Roberto Paulino, em 24 de junho; Rodolfo Fernandes, em 27 de agosto; Rogério Marinho, em 25 de julho; Sílvio Paixão, em 2 de setembro; Ulisses Alves de Souza, em 27 de maio; Walter Abrahão, em 8 de agosto; Zé Grande (José Cortes dos Santos), em 23 de janeiro de 2012. 5.5.1. O Jornal da ABI registrou também o passamento do ex-jogador Sócrates, o líder da chamada Democracia Corintiana nos anos 1970-1980 e colaborador de publicações, como a revista Placar, do ex-Vice-Presidente José Alencar, que representou o então Presidente Lula na comemoração do centenário da ABI, em 7 de abril de 2008, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e distinguiu a Casa com expressões elogiosas, e do ex-Presidente Itamar Franco, exaltado pela ABI em declaração de pesar como exemplo de político republicano. 5.5.2. Além dos articulistas habituais, como Rodolfo Konder e Paulo Ramos Derengoski, o Jornal da ABI publicou textos de eminentes colaboradores eventuais, como os escritores Lygia Fagundes Telles, da Academia Brasileira de Letras, Fábio Lucas e Ivan Alves Filho, historiador e sócio da ABI.

6. A GESTÃO DA CASA E SEUS DESAFIOS 6.1. No exercício social em relato, a ABI manteve em dia o cumprimento de todas as suas obrigações tributárias, fiscais e trabalhistas, sem precisar recorrer a créditos bancários para saldá-las. Tal se deu até mesmo no fim do exercício, quando a Casa tem de quitar três folhas de pagamento num período de pouco mais de 30 dias: a de novembro, a do 13º salário e a de dezembro. 6.1.1. A receita da ABI é composta pela contribuição dos associados, paga de uma vez, com direito a duas mensalidades como bonificação, ou mensalmente; a locação de espaços de salas ou andares mediante contratos comerciais; a locação de espaços para implantação de equipamentos de operadoras de telefonia (Oi-Telemar e Claro); a inserção de publicidade em seus veículos (Jornal da ABI e ABI online); a locação de seus auditórios (Belisário de Souza e Oscar Guanabarino) para utilização por determinado número de horas. 6.1.2. A receita da ABI no exercício social situou-se em R$ 3.093.341,20, enquanto a despesa totalizou R$ 2.680.903,86. A execução orçamentária registrou um superávit de R$ 663.460,69. O principal item de despesa foi o relativo a pessoal, que totalizou R$ 1.024.585,18. 6.1.3. A segurança econômica de que a Casa desfruta atualmente decorre da cautela com que são geridos os recursos e da prudência com que estes são aplicados. A realização das despesas correntes é precedida sempre de pesquisa de preços junto a diferentes fornecedores e prestadores de serviço, de modo que se possa fazer a escolha do melhor preço segundo a qualidade dos bens a serem adquiridos e dos serviços a serem pactuados. O levantamento de preços é feito pela funcionária Marina Novaes Rodrigues, também responsável pelo controle do almoxarifado.

6.1.4. O item mais oneroso da Casa, a folha de pagamento e os encargos sociais que sobre ela incidem, que vencem todo mês, é acompanhado com zelo e a mesma prudência, a fim de não se elevar o custo com pessoal. Atualmente conta a ABI com 42 funcionários e uma estagiária de História, admitida sem vínculo trabalhista, nos termos da legislação que rege a programação de estágios do Centro de Integração Empresa-Escola/CIEE, instituição vinculada à Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro-Firjan. No exercício social 2011-2012 a ABI procedeu ao desligamento de cinco funcionários e à admissão de apenas dois. Na Tesouraria e no setor de pessoal atuam as funcionárias Simone Romeu, Silvana Velloso e Renata Natal de Oliveira. 6.1.5. Na gestão de pessoal os eventos mais significativos foram estes: 6.1.5.1. Em 2011 os salários do pessoal da ABI foram reajustados em 6% a partir de 1 de maio, em conformidade com o acordo coletivo firmado com o Sindicato dos Trabalhadores em Entidades CulturaisSenalba; além desse reajuste de 6%, os empregados vinculados ao Sindicato dos Cabineiros do Rio de Janeiro tiveram um acréscimo salarial de 1,8871%, nos termos do acordo coletivo dessa entidade; 6.1.5.2. Em cumprimento à legislação do salário-mínimo, na mesma data de 1 de maio foram reajustados de R$ 590,00 para R$ 640 os salários dos empregados das categorias Auxiliar de Serviços Gerais e Servente; 6.1.5.3. O 13º salário de 2011 foi pago no dia 9 de dezembro com o valor acrescido do correspondente à média mensal das horas extras trabalhadas durante o ano; além do 13º, a ABI concedeu aos funcionários uma cesta de Natal; 6.1.5.4. Em prosseguimento ao estabelecido pela Chapa Prudente de Morais desde o seu primeiro mandato (2004-2007), os salários são depositados na conta bancária dos funcionários até o último dia útil de cada mês, quando também são entregues os carnês do vale-transporte. 6.1.5.5. A Diretoria tem desenvolvido trabalho permanente de diminuição da inadimplência de sócios, através da concessão de anistia àqueles que se encontram em débito. Esse esforço elevou de forma significativa o número de sócios adimplentes (871), atenuando o impacto negativo causado pelo grande contingente de sócios remidos (361) ou isentos (121). A admissão de novos sócios (61, entre 1 de março de 2011 e 29 de fevereiro de 2012), porém, ainda não se situa em nível expressivo, como desejável e também necessário, até mesmo para ampliação da representatividade da Casa. 6.1.5.6. Em relatório encaminhado à Diretoria, o Presidente da Comissão de Sindicância da ABI, órgão que tem a responsabilidade, entre outras competências, de opinar sobre as propostas de filiação à Casa, Conselheiro José Pereira da Silva (Pereirinha), informou que foram analisadas, discutidas e aprovadas durante o exercício social 73 propostas, das quais 27 para sócio da categoria Efetivo,

36 para a de Colaborador e 10 de transferência de categoria, da de Colaborador para a de Efetivo. Para exame e decisão acerca desses pedidos a Comissão de Sindicância realizou 11 reuniões mensais, com a presença dele, Pereirinha, e dos associados Carlos Di Paola, Marcus Miranda e Maria Ignez Duque Estrada de Bastos. A Comissão contou com a colaboração dos funcionários Eliana Amaral e Marcelo Farias Cardoso de Moura. 6.1.5.7. Ao longo do exercício social foi assim o movimento de propostas aprovadas pela Comissão: MÊS

PE

PC

TR

TOTAL

2011

Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

1 – 1 – – 4 5 3 4 –

6 – 5 4 – 4 4 1 5 –

2 – 2 – – 1 1 1 1 –

9 – 8 4 – 9 10 5 10 –

1 1 10

8 11 73

2012

Janeiro Fevereiro TOTAIS

3 6 27

4 4 36

PE - Para Efetivo; PC - Para Colaborador; T - Transferência

6.2. No item da receita relativo à locação de andares, a ABI tem enfrentado graves dificuldades, em razão da inadimplência de locatários, um dos quais, o Curso Fraga, de preparação de candidatos para o chamado exame de ordem da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, não paga desde abril de 2010 os aluguéis de dois andares que ocupa. O calote por ele imposto à ABI totalizava em fevereiro passado o montante de R$ 527.450,69 (R$ 339.716 pelo terceiro andar e R$ 187.734,48 pelo segundo andar), sem contar os juros, que são diários. 6.3. A ABI ajuizou contra esse inquilino ação de cobrança de aluguéis e, depois, ação de despejo, sem que a lentidão do Poder Judiciário tenha permitido a recuperação do espaço ocupado pelo dono do Curso Fraga, advogado José Carlos Fraga, e por sua ex-esposa, Senhora Maryse Horta, em nome da qual foi firmado um dos contratos há tanto tempo descumpridos. Em despacho no processo relativo a essa locatária apenas nominal, a juíza titular da 45ª Vara Cível determinou que a Senhora Maryse Horta seja substituída no pólo passivo do processo pelo locatário real, o citado Senhor José Carlos Fraga. 6.4. Dificuldades foram encontradas pela ABI também na relação com outro locatário, o Touring Club do Brasil, ocupante do oitavo andar do Edifício Herbert Moses, o qual devia à Casa até março passado os aluguéis de dezembro de 2011 e janeiro e fevereiro de 2012, no montante de R$ 75.262,14, sem contar as despesas comuns de obrigação de todos os locatários da sede da ABI. 6.4.1. Ao contrário do que acontece em seu relacionamento com o Curso Fraga, em que a Casa tem sido vítima de repetidas manifestações de má-fé, o Touring Club informou que se depara com dificul-

dades geradas pela entrada em seu setor de atividade – a assistência a proprietários de veículos – de poderosas seguradoras, que ao longo dos anos estabeleceram uma concorrência desfavorável para instituições tradicionais, como o Touring. A ABI mantém entendimentos com o Presidente do Touring, Leonardo França, visando à desocupação negociada do citado andar. 6.5. Apesar da retidão com que encara e cumpre suas obrigações, a ABI vive há anos sob o cerco do Poder Público em diferentes níveis, como a União e o Município do Rio de Janeiro, que a sufocam com imposições ilegítimas e altamente onerosas, como faz sobretudo a União, que desrespeita direitos conferidos à Casa há quase um século, como o reconhecimento de sua utilidade pública, fixado pelo Congresso Nacional no Decreto nº 3.297, de 11 de julho de 1917, sancionado pelo Presidente Venceslau Brás e subscrito por seu Ministro da Justiça, Carlos Maximiliano. A esse ato somou-se, anos depois, a declaração da utilidade pública da ABI conferida pelo Distrito Federal, então capital da República, pelo Decreto nº 1.897, de 10 de novembro de 1937. Nessa data implantava-se a ditadura do Estado Novo, desfecho de uma crise que não impediu que a Casa do Jornalista merecesse a atenção do Poder, ao contrário do que acontece atualmente. 6.5.1. A ABI foi favorecida por esse reconhecimento até que o Governo Fernando Henrique Cardoso, no auge de uma demagógica campanha de suposto combate às “entidades pilantrópicas”, expressão cunhada pelo então Ministro José Serra, decidiu cassar o registro no Conselho Nacional de Assistência Social de inúmeras instituições beneficentes de assistência social, entre as quais figurava a ABI. A decisão confiscadora de direitos, contra a qual a ABI apresentou repetidos recursos, todos indeferidos, foi seguida de um torpedo disparado contra a ABI pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, que decidiu lançar a débito da Casa, numa cobrança de caráter retroativo, o valor da contribuição previdenciária patronal relativa aos cinco anos precedentes ao ato de cassação, baixado em 8 de agosto de 2003. Com juros e multa, isto gerou um passivo que o INSS decidiu cobrar através de ação de execução fiscal em tramitação na 5ª Vara da Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro (Processo nº 2007. 51.01.519224-0). Ao ajuizar o processo, em 26 de junho de 2007, o INSS pretendia haver da ABI o exorbitante valor de R$ 3.238.357,90. A ABI está contestando essa cobrança através do Escritório Sérgio Bermudes, mas foi obrigada a indicar à penhora vários andares de seu edifício-sede, como garantia de pagamento da suposta dívida. 6.5.2. O agravo imposto à ABI pelo Governo Fernando Henrique Cardoso constitui a maior fonte de dor-de-cabeça para a ABI, que, além de assistir à penhora do Edifício Herbert Moses, primeiro marco da moderna arquitetura brasileira e patrimônio material e afetivo construído por várias gerações de jornalistas, volta e meia se vê diante de cobranças e exigências da Secretaria da Receita Federal e do INSS, que tratam a Casa com malquerença, como diria Darci Ribeiro. 6.5.2.1. No fim do primeiro e em parte do segundo semestre de 2011, a Casa foi de-

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vassada e esquadrinhada por um fiscal da Receita Federal, Leonardo Amaral da Silva Sant’Anna, que começou em maio uma inspeção em toda a escrituração e documentação contábil da ABI e terminou sua tarefa em 29 de setembro, deixando pesados ônus para a Casa: quatro autos de infração, nos valores de R$ 1.216.753,24, R$ 814.570,86, R$ 235.643,65 e R$ 153.244,44, inflacionados pela incidência de juros e multa de ofício e, em dois casos, também de multa de mora. Além desses autos, o fiscal Leonardo Sant’Anna firmou outro auto de infração, impondo à ABI uma multa de R$ 150.918,57. Num dos autos, o valor primitivo de R$ 456.458,42 foi elevado para R$ l.215.753,24. 6.5.2.2. Também neste caso o fundamento da sanção programada contra a ABI foi a perniciosa cassação de seu registro como entidade beneficente de assistência social, que não pode mais ser recuperada, até mesmo porque no Governo Lula houve alteração essencial, por lei, dos requisitos para que uma instituição possa ser considerada como tal nas áreas de educação, saúde e assistência social. E as pilantrópicas cassadas? Vão bem, obrigado graças ao reconhecimento de seus direitos pela Justiça. 6.5.2.3. Através do Escritório Gouvêa Vieira Advogados, a ABI apresentou tempestivamente impugnação dos cinco autos de infração lavrados pelo fiscal Leonardo. A Casa abriga a esperança de conseguir impedir que a Receita Federal acabe com a ABI e entregue seu patrimônio ao INSS. 6.6. Entre os resultados estimulantes obtidos pela ABI no campo das obrigações figura a aprovação do parcelamento requerido pela Casa para o pagamento do valor atualizado das apropriações indébitas de contribuições previdenciárias praticadas por administrações anteriores à posse da Chapa Prudente de Morais, em maio de 2004. Após prolongada porfia e com base na Lei federal nº 11.941/2009, a ABI conseguiu o parcelamento do pagamento em 120 prestações de R$ 3.852,70, as oito primeiras liquidadas até fevereiro de 2012, data fixada para o fechamento deste Relatório. O montante original foi agravado pela incidência de juros e multas e poderia ter redução expressiva se a ABI tivesse capacidade econômica para liquidar de uma vez o valor cobrado. 6.7. Vitória também importante no controle do passivo de obrigações da Casa foi o pagamento, em fevereiro passado, da 77ª prestação do parcelamento contratado com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos-Cedae do Estado do Rio de Janeiro para liquidação em 80 parcelas mensais de dívida deixada por administrações anteriores. Negociado com a Cedae em 2006 pelo Diretor Econômico-Financeiro Domingos Meirelles, o parcelamento chegará a seu termo em maio próximo, quando vencerá a derradeira prestação, o que constituirá um alívio para a ABI. Fixada em Unidade Fiscal de Referência-Ufir, a prestação tinha valor crescente a cada ano. Em fevereiro a prestação se situou em R$ 4.113,84, à qual se acrescia o valor da conta mensal de água e esgoto. Neste caso, iremos respirar, enfim. 6.8. Outro contencioso que preocupa a ABI é constituído pela tentativa do Muni-

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cípio do Rio de Janeiro, através de sua Procuradoria-Geral, de cobrar da Casa o montante R$ 347.741.45 relativo à Taxa de Coleta de Lixo e Limpeza Pública-TCLLP e da Taxa de Iluminação Pública-Tip de exercícios pretéritos (1985, 1988, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998) mesmo depois que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a cobrança desses tributos, por terem como base de cálculo a mesma do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. 6.8.1. Contra o propósito da Prefeitura a ABI ajuizou através do Escritório de Advocacia Rômulo Cavalcante Mota 23 ações de exceção de pré-executividade, distribuídas à 12ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, cujo titular acolheu o pleiteado pela Casa em nove desses processos, derrubando a pretensão do Município. Os outros processos continuam tramitando e serão julgados pelo mesmo magistrado. Como todas as exceções têm o mesmo fundamento, a ABI alimenta a esperança de que também nestes casos o Município será derrotado. 6.8.2. Em busca de uma solução negociada para esse litígio, a ABI dirigiu em 16 de fevereiro passado um ofício ao Procurador-Geral do Municípío, Fernando dos Santos Dionísio, pleiteando uma audiência para discussão da matéria. Enviado por Sedex, para garantia de que o expediente chegaria ao seu destinatário, a solicitação não foi atendida. Não houve também indicação de que ela foi recebida pelo Procurador-Geral. 6.8.3. Agora em abril a ABI voltou à carga, desta feita fazendo um apelo ao Vice-Prefeito Carlos Alberto Muniz, que é também Secretário Municipal de Meio Ambiente, solicitando sua mediação junto ao Prefeito Eduardo Paes e ao ProcuradorGeral para que o pleito da ABI seja pelo menos examinado. A escolha de Muniz para mediador teve uma razão especial: ao contrário de outros membros do Governo do Município– entre eles o próprio Prefeito Eduardo Paes, que ascenderam ao Poder depois das vitoriosas lutas travadas pelos que resistiram à ditadura –, o Vice-Prefeito conhece a atuação da ABI em favor do retorno ao Estado de Direito. 6.8.4. A indiferença demonstrada até agora pela Procuradoria-Geral do Município em relação a esse litígio é altamente prejudicial à Casa, cujas postulações junto a órgãos do Poder Público, como as relacionadas com a recuperação do Edifício Herbert Moses, dependem da apresentação de documentos que a ABI não consegue obter, como a Certidão Negativa da Dívida Pública do Município do Rio de Janeiro. 6.8.4.1. A necessidade de recuperação de sua sede é uma das grandes preocupações da ABI, que com freqüência é chamada a atender emergências de variada natureza, desde o reboco que desce de seus 15 andares sobre veículos estacionados no pátio comum a outras edificações até imprevistos no sistema de abastecimento de água e energia, pane no funcionamento de elevadores e problemas do gênero. No caso da queda de reboco, a ABI expõe-se a ser acionada em Juizados de Pequenas Causas, como se deu num caso neste exercício social 2011-2012.

6.8.4.2. Para enfrentar esses problemas, a Diretoria mobilizou o concurso de um profissional especializado, o arquiteto Fernando Krüger, que fez minuciosa vistoria técnica no Edifício Herbert Moses, desde o pavimento do subsolo até o último andar, o terraço do prédio. Com base nas conclusões dessa vistoria, a ABI vai iniciar um programa de recuperação da sede compatível com a sua disponibilidade de recursos, que são modestos. 6.9. O desconforto imposto à Casa pelos fatos relatados foi atenuado no fim de 2011 pela aprovação do Projeto de Lei nº 191/2006, de autoria do Senador José Sarney, que concede isenção fiscal e remissão de obrigações tributárias à Academia Brasileira de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e à ABI. Aprovado com caráter terminativo pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, sem necessidade de votação no Plenário, o projeto foi imediatamente encaminhado à Câmara dos Deputados, onde tomou o número 2.713/2011 e receberá pareceres também com caráter terminativo. 6.9.1.Na Comissão em que se encontra atualmente, a de Finanças e Tributação, o Projeto recebeu uma emenda do Deputado Stepan Nercessian (PPS-RJ), que propôs a extensão da isenção e do perdão fiscal também à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, como lhe pedira o Presidente da Sbat, diretor teatral AderbalFreire Filho. Nercessian retirou a emenda após ouvir uma ponderação da ABI: se emendado na Câmara, o Projeto teria de voltar para o Senado, com risco de prolongada tramitação, como a que se encerrou no fim de 2011. 6.9.2. A ABI cumpriu acidentada maratona até à aprovação do PLS 191/2006. Através de contatos pessoais ou pelo telefone, durante quase cinco anos a Casa se empenhou pela aprovação da proposição, fazendo pedidos ao autor e aos presidentes e relatores das diferentes Comissões pelas quais o Projeto tramitou. O Presidente e o Vice-Presidente Tarcísio Holanda falaram – em alguns casos algumas vezes – com os Senadores Aloísio Mercadante (PTSP), Renan Calheiros (PMDB-AL), Demóstenes Torres (Dem-GO), Garibaldi Alves (PMDB-RN) e Valdir Raupp (PMDB-RO), entre outros, de todos recebendo a garantia de que o Projeto seria aprovado, como aprovado foi. 6.10. A ABI também trava uma batalha judicial com a empresa Cap Ferrat, do empresário boliviano Sánchez Galdeano, que se apossou com a cumplicidade da Prefeitura de um terreno doado à Casa nos anos 1920 pela viúva Rita Ludolf. Como a gleba se situa em área não edificável na parte do Morro do Vidigal conhecida como Chácara do Céu, a Prefeitura fez uma sinuosa transação com Galdeano para troca do terreno por outro situado em área em que este pudesse construir sem limitações. A ação (Processo nº 2006.001.078.967) tramita na 2º Vara da Fazenda Pública, por ter no pólo passivo também o Município do Rio de Janeiro, e já impôs pesado ônus à ABI, que pagou à perita designada pelo juizado o valor de R$ 21.212,00 em quatro prestações de R$ 5.303,00, depositadas em novembro e dezembro de 2011 e janeiro e fevereiro de 2012.

7. ESPAÇOS PARA O AVANÇO DAS LUTAS SOCIAIS 7.1. Como é da sua tradição desde as memoráveis lutas da campanha O petróleo é nosso, iniciada com um ato público no Auditório Oscar Guanabarino em 4 de abril de 1948, o edifício-sede da ABI continua a ser importante ponto de referência e centro de reuniões e eventos da vida cultural e das lutas sociais da Cidade do Rio de Janeiro. Ao lado dessa tradição, militam em favor do realce obtido pela ABI a localização privilegiada do atual Edifício Herbert Moses, situado num ponto central da Cidade, servido por numerosas linhas de ônibus e por importante estação do metrô, a Estação Cinelândia, e o fato de a Casa contar com um auditório com capacidade para 600 pessoas. 7.2. No exercício social 2011-2012 a ABI não destoou dessa linha e sediou 111 eventos da Casa e de outras instituições e entidades, dos quais 47 realizados no Auditório Oscar Guanabarino e 64 na Sala Belisário de Souza, no sétimo andar do edifício Herbert Moses. Entre essas instituições estava o Conservatório Brasileiro de Música, para cuja solenidade de formatura, realizada em 3 de fevereiro passado, a Casa franqueou o Auditório Oscar Guanabarino e seu saguão monumental, sem cobrança de qualquer taxa, oferecendo assim uma contribuição à educação musical na Cidade. Com o mesmo propósito a ABI concedeu desconto especial na locação à Casa do Compositor Musical, presidida por devotado líder dos músicos, Benedito Barbosa, de 90 anos, para a comemoração, em 7 de outubro, do Dia do Compositor Musical. 7.3. Foi no Auditório Oscar Guanabarino que atuantes organizações sindicais do Rio realizaram assembléias e reuniões para definir o caminho adequado para suas lutas e, com estas, para o progresso social. Entre as categorias que ocuparam esse espaço da ABI figuraram a dos profissionais da educação do Rio de Janeiro, reunidos por seu sindicato, o combativo Sepe, que nele realizou quatro assembléias; a dos pensionistas e aposentados da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio, que fez duas reuniões na Casa; os professores do ensino privado do Município; os membros dos sindicatos dos previdenciários e dos petroleiros. O Auditório recebeu também líderes e trabalhadores de instituições de ensino e de saúde, mobilizados pelo Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro-SinMed e pela Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, em 18 de janeiro, para programar a luta contra as demissões promovidas na Universidade Gama Filho e na UniverCidade pelo Grupo Galileo, formado por mercadores da educação e da saúde. 7.4. A Sala Belisário de Souza, um dos auditórios da ABI, sediou ao longo do exercício a programação do Movimento de Defesa da Economia Nacional-Modecon, fundado sob a liderança de Barbosa Lima Sobrinho e Henrique Miranda, um dos mais destacados ativistas da campanha O petróleo é nosso, falecido em 2005, e presidido nos últimos anos pela médica Maria Augusta Tibiriçá, que assumiu a Presidência de Honra da entidade. Agora sob a li-


derança do Professor Lincoln de Abreu Pena, seu novo Presidente, o Modecon promove às segundas-feiras conferências e debates sobre temas vinculados à economia, sob um viés patriótico: a defesa dos interesses nacionais. 7.5. Na mesma Sala Belisário foi apresentada a cada 15 dias a programação cinematográfica da Casa da América Latina, constituída por películas que dificilmente chegarão ao circuito comercial de cinema, salvo uma ou outra exceção, como o filme A Culpa é do Fidel, que, após sua exibição na rede comercial, foi apresentado em dvd numa das sessões. A programação incluiu filmes de nada menos de dez países da América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil (documentários Zuzu Angel e Cidadão Boilesen), Chile, Colômbia, Cuba, México, Paraguai, República Dominicana e Uruguai. Dentre os filmes exibidos chamaram a atenção O Assassinato de Trotsky, produção mexicana; O Ditador (Anastasio Somoza), produção da República Dominicana; A Dignidade dos Ninguém, produção argentina. 7.5.1. Com apoio do Sindicato dos Petroleiros e a colaboração dos funcionários da ABI Neílson Lopes Paes, que se aposentou em dezembro, e, agora, Robson de Almeida Ramos, operadores do equipamento de projeção, essa programação não tem encontrado a freqüência desejável, embora sejam favoráveis o dia e a hora (quinta-feira, às seis e meia da tarde) em que é apresentada. Acredita a ABI que uma campanha de divulgação poderá atrair o público potencial desse tipo de produção cinematográfica. Com esse fim manterá um entendimento com a Casa da América Latina. 7.5.2. Por iniciativa do Diretor de Cultura e Lazer, a Sala Belisário sediou em 23 de agosto outro evento de grande va-

7.6. Além de atos culturais, realizaram-se no Auditório sessões de significado político e grande impacto afetivo, como a de exibição, em 17 de janeiro passado, do dvd Roberto Marinho – O Senhor do Seu Tempo, de Rozane Braga, que debateu a obra com a platéia; a de comemoração do centenário do escritor João Felício dos Santos, em 29 de março; do Brigadeiro Francisco Teixeira, criador do slogan O petróleo é nosso, em 25 de julho; do jornalista Raul Ryff, em 24 de agosto; de Carlos Marighella, em 15 de fevereiro, quando foi declarado aberto o Ano Marighella. Também de grande valor afetivo, e esta na Sala Belisário de Souza, foi a homenagem prestada em 1 de junho, Dia da Imprensa, aos 80 anos do jornalista Zuenir Ventura, em ato que reuniu na mesa de honra, nesta ordem, seus companheiros e admiradores Domingos Meirelles, Cícero Sandroni, Ziraldo e Pery Cotta. 7.6.1. Nos dias 22 e 23 de março, e neste caso por locação desses espaços, o Partido Comunista Brasileiro-PCB promoveu na ABI a comemoração dos seus 90 anos, da qual constaram um debate na Sala Belisário de Souza com convidados estrangeiros e um ato político no Auditório Oscar Guanabarino. Presente com inúmeros integrantes, a União da Juventude Comunista impressionou por seus cânticos e palavras de ordem: ao contrário da Velha Guarda do Partidão, que entoava apenas a primeira estrofe do célebre “De pé, ó vítimas da fome...”, os jovens comunistas sabem cantar todas as numerosas estrofes do hino A Internacional.

MUNIR AHMED

7.7. Já o saguão do Auditório foi o cenário de concorrido evento em 23 de janeiro: a homenagem aos 90 anos do falecido Governador Leonel Brizola e o lançamento do livro Leonel Brizola - A legalidade e outros pensamentos conclusivos, organizado por Osvaldo Maneschy, Ápio Gomes, Paulo Becker e Madalena Sapucaia e prefaciado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim. Além de cidadãos comuns e eleitores de Brizola, como Maria Prestes, viúva de Luís Carlos Prestes, participaram da noite de autógrafos antigos colaboradores dos Governos de Brizola no Estado do Rio de Janeiro, como o médico Eduardo Costa, o advogado e jurista Carlos Roberto Siqueira Castro e o jornalista Carlos Alberto Caó.

Zuenir Ventura: homenagem pelos 80 anos.

ciados um bálsamo contra as dificuldades do dia-a-dia: cafezinho, água gelada, sinuca, o citado bilhar-francês, os jornais do dia (O Globo, O Dia, Jornal do Commercio, Monitor Mercantil e Lance!) e um televisor com a programação da Sky Directv. Para os que gostam, uma atração especial: às terças-feiras, entre 17 e 19 horas, o associado Jorge Paulo Mesquita, conhecido como Mestre Don Jorge Paulo, dá aulas de tango, em curso com desconto especial para os sócios da ABI e aberto a outros interessados.

lor afetivo: a comemoração do centenário do jornalista, escritor e historiador Nélson Werneck Sodré, no qual sua filha, Professora Olga Sodré, destacou os pontos principais da trajetória intelectual e militar do autor de História da Imprensa no Brasil.

7.8. A pedido do Presidente da Associação dos Engenheiros da PetrobrasAepet, Fernando Siqueira, a ABI patrocinou, na Sala Belisário de Souza no dia 29 de março, uma conferência do Embaixador do Irã no Brasil, Mohamad Ali Ghanezadeh, acerca da posição de seu país diante das questões palpitantes que o envolvem. Tendo como intérprete o Adido Cultural da Embaixada, Ghanezadeh manteve mais de três horas de diálogo com o numeroso público que acorreu ao evento.

7.8.1. A conferência do Embaixador fora programada originalmente para o Clube de Engenharia, mas divergências políticas e ideológicas no Clube impediram a sua realização lá. Antes de se dirigir à Sala Belisário, Ghanezadeh expôs ao Presidente da ABI aspectos da comunicação no Irã. 7.8.2. As complexas questões da política internacional foram o tema da exposição seguida de debates que o Embaixador da Líbia no Brasil, Salem Omar Zubeidy, fez em 24 de maio na mesma Sala Belisário, quando chegava ao clímax a operação montada pelos Estados Unidos para a deposição do Governo de Muammar Khdafi. A exposição de Zumbeidy, que falou em inglês e contou com o auxílio de um intérprete, foi promovida pela Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, por iniciativa do Conselheiro Mario Augusto Jakobskind. 7.9. Entre os eventos programados pela Diretoria de Cultura e Lazer, de que é titular o Conselheiro Jesus Chediak, teve relevo o lançamento na Sala Belisário, em 14 de junho, do livro Palestina – La Llave Entre las Piedras, do jornalista paraguaio Mário Casartelli, cronista e chargista do principal jornal de seu país, o ABC Color. 7.9.1. Foi também na Sala Belisário que a Diretoria de Cultura e Lazer promoveu o seminário A ABI Pensa a Dança, de que participaram como expositoras a coreógrafa Dalal Achcar, a Professora Beatriz Cerbino, da Universidade Federal Fluminense, e a jornalista e pesquisadora Giselle Ruiz, da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A convite de Chediak, atuou como mediador o Diretor Econômico-Financeiro Domingos Meirelles, jornalista e historiador.

8. NO ONZE, SOMBRA, CAFÉ E JORNAIS 8.1. Embora sem a intensa freqüência com que esse espaço da ABI era procurado no tempo em que grande parte das Redações da imprensa do Rio estava localizada no Centro da Cidade e em suas imediações, o espaço do 11º andar do Edifício Herbert Moses, no qual o Maestro Heitor Vila-Lobos, sócio da Casa, desafiava adversários para disputas de bilhar-francês, oferece de segunda a sexta-feira aos asso-

8.2. Aberto de segunda a sexta-feira, das 10 da manhã às 7 da noite e confiado ao funcionário Antônio Figueira da Silva, que desde junho passado substitui seu colega Arlindo Medeiros de Souza, deslocado para a função de vigia, o Onze é cuidado com carinho pela equipe de manutenção da ABI, que zela pelo bom estado dos móveis, das janelas, dos ventiladores, da varanda e seus ralos, dos banheiros, da sala do Conselho Fiscal, da Sala de Redação e do balcão de recepção, onde Antônio Figueira recobre os sócios de gentilezas. Na barbearia, de preços camaradas, o barbeiro Alessandro atende os sócios e fregueses externos, estes mediante marcação de horário. 8.3. No fundo do imenso salão, uma fotografia ampliada presta homenagem ao seu mais ilustre freqüentador, que dá nome a esse espaço: Vila-Lobos empunhando o taco com que derrotava os que aceitavam seus desafios. 8.4. Em mais de uma ocasião o Onze foi o palco de lançamento de obras de associados, com noite de autógrafos. Nele Mário Augusto Jakobskind lançou seu mais novo livro, Líbia, Barrados na Fronteira, e Luiz Carlos de Souza autografou a nova edição de Mar Alto, prolongada reportagem que fez em alto mar com o repórterfotográfico Almir Veiga. Mário Augusto também viveu uma grande aventura: no auge do movimento contra Khadafi ele não pôde entrar no território líbio, através da Tunísia. Fez então uma retrospectiva do exercício do poder por Khadafi e uma análise dos interesses em confronto no Oriente Médio.

9. ESCLARECIMENTOS FINAIS 9.1. Durante o exercício relatado a Presidência da ABI expediu l.268 ofícios, 229 cartas, 112 memorandos internos, l.417 e-mails e 49 telegramas. Os arquivos da Presidência contam com 120 pastas com títulos de assuntos relacionados com os diferentes setores da Casa e 616 títulos de documentos diversos arquivados em 371 pastas. Atuam na Presidência os assessoes Guilherme Povill Vianna e Mario Luiz de Freitas Borges e a estagiária Lainne Dias Teixeira da Silva, aluna de História da Universidade Federal Fluminense. 9.2. As informações relativas às diferentes Diretorias da Casa estão expostas ao longo deste texto, que é complementado pelos Relatórios Setoriais da Diretoria de Assistência Social e da Biblioteca Bastos Tigre, em razão da especificidade de ambas. Rio de Janeiro, 12 de abril de 2012. Maurício Azêdo P RESIDENTE

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RELATÓRIO DA DIRETORIA

1.4. Foram realizados durante esse exercício 927 procedimentos gerais, incluindo expedição de guias para consultas médico-odontológicas, exames de laboratório e atendimentos de enfermagem na sede e por profissionais conveniados.

RELATÓRIOS SETORIAIS Diretoria de Assistência Social T ITULAR : C ONSELHEIRA I LMA M ARTINS DA S ILVA

1. INTRODUÇÃO 1.1. A Diretoria de Assistência Social (DAS) apresenta o seu Relatório Anual das atividades, entre março de 2011 a fevereiro de 2012, de acordo com os artigos 54, 55 e 56 do Estatuto da ABI. Nesse espaço de tempo, a realização de maior relevância da Diretoria Social continua sendo a boa parceria com o Sesi/Senai. O Posto de Enfermagem Dr. Paulo Roberto, localizado no 6º andar, continua a prestar ao quadro associativo, funcionários e demais pessoas serviços nas áreas de saúde e educação, entre outras. 1.2. A DAS prossegue na tarefa de apoiar as diretrizes da Casa. A organização não-governamental Médicos Solidários, sediada na sala 603 do Edifício Herbert Moses e presidida pelo médico Hen-

6º andar Policlínica do RJ Clínicas Integradas Richet Laboratório Márcia Mª Ribeiro – Angiologia Hospital de Clínicas Dr. Aloan

MARÇO 32 4 – 9 – –

rique Peixoto, retomou o seu trabalho nas comunidades carentes intermediadas pela ABI. A organização continua prestando seus serviços na sede da Associação de Moradores Parque da Cidade, na Gávea. No exercício social 2011-2012, o atendimento aos moradores locais chegou ao total de 1.305, conforme as guias médicas apresentadas. 1.3. A DAS está empenhada na execução do Plano de Atividades programado para o exercício, contando com a rede do sexto andar da sede e o apoio dos segmentos privado e público de assistência médico-hospitalar. Sobressaíram-se, mais uma vez, neste apoiamento, o Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras e o Instituto Nacional do Câncer-Inca. ABRIL 35 2 – 1 – –

MAIO 31 1 – 3 1 –

JUNHO 34 1 – 2 – –

JULHO 57 4 1 4 – –

1.5. Além desse resultado, a DAS também prestou atendimento aos procedimentos médico-cirúrgicos e hospitalares das redes privada e pública, que realizaram exames e diagnósticos mais elaborados. 1.6. Com base em comunicações de familiares e pessoas próximas sobre ocorrências de falecimentos, missas e internações hospitalares de associados durante o exercício, registramos e afixamos nos quadros correspondentes o total de 33 comunicados. 1.7. Inúmeras ações foram desenvolvidas em suporte às outras Diretorias e no atendimento a associados, familiares, candidatos a filiação, estudantes de Comunicação Social (em razão da criação do link Associe-se no ABI online), profissionais e empreendedores do setor em busca de informações sobre legislação de imprensa, mecanismos e meios de obtenAGOSTO 40 2 1 2 – –

SETEMBRO 34 2 – 4 – –

OUTUBRO 25 – – 1 – –

1.1. O desempenho da Biblioteca foi afetado no exercício social pela falta de aquisição de obras para a atualização de seu acervo, que carece de novos títulos, sobretudo os relacionados com a área de comunicação. O surgimento e avanço de novas tecnologias dos sites de procura na internet contribuem para a diminuição da freqüência de leitores, exceto aqueles que buscam conhecimentos nos livros e periódicos antigos. 1.2. Tal insuficiência foi atenuada pela colaboração de doadores, como o associ-

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2.1. ASSISTÊNCIA MÉDICO-ODONTOLÓGICA 2.1.1. No período março-2011 a fevereiro-2012, as atividades de assistência médico-odontológica da DAS foram distribuídas em três frentes de atuação, através da expedição de 495 guias para atendimentos pelos profissionais do sexto andar e conveniados de fora da sede. A segunda frente envolveu as ações de atendimento apoiado e mais os encaminhamentos para exames laboratoriais, clínicos e exames dirigidos à Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Outra frente auxiliar de assistência foi coberta pelo Posto de Enfermagem Dr. Paulo Roberto, no sexto andar, que realizou 432 atendimentos, incluída a distribuição gratuita de medicamentos, mediante apresentação de receituário médico. 2.1.2. É a seguinte a relação, mês a mês, das atividades de assistência médico/ odontológica da DAS: DEZEMBRO 22 3 1 – – 1

JANEIRO 58 3 1 4 – –

FEVEREIRO 26 2 – 3 – –

didas para a sua conservação e, em inúmeros casos, restauração. Os títulos e autores de algumas das 132 obras alcançadas pelo trabalho de recuperação dão idéia de sua importância para o acervo da Casa. No total, pois, a Biblioteca procedeu a encadernação de 287 volumes, 155 de periódicos e 132 de livros.

C HEFE : B IBLIOTECÁRIA V ILMA O LIVEIRA

ado Adalberto Diniz; autores, como Sílvio Henrique Vieira Barbosa, Kepler T. Borges, J.R. Botelho, Francisco Fiori Neto, Antero de Macedo, Nilson Mello, Francisco Luiz Noel, Maruza Bastos Oliveira, Luiz Carlos de Souza, Reis de Souza, ambos também associados; Editora Galluppo; Mônica Milani; como a associada Ana Arruda; a Fundação Alexandre de Gusmão, do Ministério das Relações Exteriores. 2. Como nos anos precedentes, a Biblioteca empenhou-se com especial aplicação na conservação e restauração de seu acervo, que conta com coleções de importantes periódicos, como as revistas Eu Sei Tudo dos anos 1920, l930 e 1940, O Cruzeiro e Manchete, e publicações de criação mais recente, como Pasquim, Opinião, Movimento e jornais alternativos. Estes são, aliás, os títulos mais consultados por pesquisadores. Com esse fim, a Biblioteca procedeu à encadernação de 155 volumes de publicações,cujos títulos são enunciados a seguir: Amaral Netto: O Repórter; Boletim da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais; Bravo!; Cadernos de Teatro; Cadernos Rio Arte; Carioquice; Caros Amigos; Carta Capital; CEI Suplemento; Comunicación América Latina; Comunicarte; Cult; Cultura; Época; Esfera: Revista de Letras, Artes e Ciência; Eu Sei Tudo; Dados; Folha de S. Paulo-Jornal de Resenhas e Revista da Folha; O Globo Razão Social; revista Imprensa; Jornal da ABI; Jornal do Brasil –

2. AÇÕES

NOVEMBRO 38 – – 1 — –

Biblioteca Bastos Tigre 1. Manteve-se a Biblioteca Bastos Tigre como a principal base permanente da oferta de serviços culturais pela Casa, à disposição dos associados e franqueados ao público, como estabeleceram os fundadores da ABI há 104 anos. Durante o exercício social, a Biblioteca recebeu 933 usuários, entre os quais pesquisadores de assuntos ligados à imprensa e à comunicação em geral para a produção de textos jornalísticos, monografias de cursos de pós-graduação e trabalhos de conclusão de cursos de Jornalismo e Comunicação Social. Situada no 12º andar do Edifício Herbert Moses, a Biblioteca funciona de segunda a sexta-feira das 8 às 17 horas, mantém serviço de empréstimo de obras aos associados da Casa e atende a consultas e pedidos de informações pelo telefone (2282-1292, ramal 215) e por e-mail (bibliotecadaabi@abi.org.br)

ção do registro profissional e organização/legalização de empresas.

D.Quixote, publicação criada por Bastos Tigre, e uma das edições raras de Os Lusíadas, de Luis de Camões (na página ao lado), são exemplos de obras raras disponíveis para consulta.

Tudo sobre a queda de Allende; Mamulengo; Metaxis: Revista do Teatro do Oprimido; Manchete; Meio & Mensagem; Mundo Econômico, Político & Social; Percevejo; Placar; Realidade; Revista Civilização Brasileira; Revista da ESPM; Revista de Comunicación y Comunicaciones Culturais Latinas; Revista de Domingo; Revista Globo; Rumos; Revista Novos Rumos; Saúde, Sexo & Educação; Teatro Brasileiro; Tradução & Comunicação; Veja; Veja Rio; Zoom. 3. Mereceu igual atenção da Biblioteca a restauração de livros sob risco de deperecimento se não fossem adotadas me-

3.1. Entre esses autores encontram-se João Etcheverry (Apontamentos de um Repórter) e Paulo Magalhães (Antes Que eu me Esqueça), jornalistas que narram suas experiências profissionais; Afrânio Peixoto (Missagens), Cornélio Penna (Dois Romances de Nico Horta), Lúcia Miguel Pereira (Amanhecer), Gastão Pereira da Silva (Almeida Júnior, Sua Vida, Sua Obra), Dilermano de Assis (A Tragédia da Piedade), Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma), novamente Paulo Magalhães (Viva o Palavrão). Affonso de Escragnole Taunay (História Geral das Bandeiras Paulistas). Oswald de Andrade (Marco Zero), Machado de Assis (Contos Selecionados; Relíquias de Casa Velha), Monteiro Lobato (Mr. Slang e o Brasil e Problema Vital; O Poço do Visconde), Arnaldo Magalhães de Giácomo (Villa-Lobos: Alma Sonora do Brasil), Fernando da Cruz Oliveira (Oliveira Lima – Uma Biografia), Jorge Jobim (Visconde de Taunay), José Lins do Rego (Usina), Lafayete Silva (João Caetano e Sua Época),Gilberto Amado (Sabor do Brasil), Dalcídio Jurandir (Marajó), Gasparino Damata (Antologia da Lapa), Plínio Salgado (A Voz do Oeste), Paulo Setúbal (A Bandeira de Fernão Dias), M. Cavalcanti Proença (Roteiro de Macunaíma), Eloy Pontes (Arranha-Céu), Inglês de Souza (O Missi-


3. CONVÊNIOS E PARCERIAS 3.1. De acordo com a parceria feita com a Legião da Boa Vontade (LBV), encaminhamos, regularmente, associados aposentados com renda modesta e pessoas carentes e funcionários da Casa, segundo nosso Estatuto, para recebimento de cestasbásicas e atendimento odontológico pelo Centro Educacional e Comunitário José de Paiva Netto, localizado na Avenida Dom Hélder Câmara, 3.059, Del Castilho. O encaminhamento dos candidatos para o tratamento dentário, após avaliação social, é feito por meio de guias de atendimento expedidas pela Diretoria de Assistência Social. No decorrer de 2011, através do convênio ABI/LBV, 480 (quatrocentos e oitenta) cestas-básicas foram fornecidas a jornalistas, funcionários e outras pessoas em estado de necessidade. 3.2. Foi renovado automaticamente o convênio firmado pela ABI com o Sesi/ Senai do Rio de Janeiro, beneficiando os associados, dependentes e funcionários com a prestação de numerosos serviços nas áreas médico-odontológica, educacional, cultural e artística, esporte e lazer. Durante o exercício, o Sesi/Senai prestou 15 atendimentos médicos aos nossos funcionários e associados. Para utilizar os serviços do Sesi/Senai, basta a pessoa ter o cartão de matrícula atualizado, que poderá ser obtido gratuitamente na unidade da Avenida Calógeras, nº 15, 5º andar, no Centro. O convênio prevê a utilização de serviços médico-odontológicos, exames laboratori-

ais, cursos educacionais de até o uso de casas de veraneio das citadas instituições por preços módicos e com desconto de até 30%. 3.3. Para complementar os serviços médico-hospitalares da Casa, em abril de 2011 firmamos convênio com o Hospital de Clínicas Dr. Aloan. Na área da educação, em setembro passado firmamos convênio com a Universidade Veiga de Almeida– UVA. Continua em vigor o nosso convênio com a Universidade Santa Úrsula (USU). Além disso, a Diretoria da DAS está fazendo gestões junto à administração da Faculdade Hélio Alonso (Facha), objetivando conseguir mais uma instituição qualificada para oferecer aos nossos associados.

4. PROCEDIMENTOS DE ENFERMAGEM 4.1. O Posto de Enfermagem Dr. Paulo Roberto realizou 432 atendimentos gerais na área de sua atuação, além da rotina de avaliação dos níveis tensionais, curativos, emergências e outros procedimentos, como acompanhamento de pacientes a hospitais e pronto-socorro. Houve distribuição gratuita de medicamentos, mediante a apresentação de receita médica. Demos continuidade ao sistema de listagem de remédios e pesquisa de preços para baixar o custo de aquisição desses produtos.

5. ASSISTÊNCIA SOCIAL E FILANTROPIA 5.1. A DAS continua empenhada na

execução do Plano de Atividades na área de assistência social. Além de expedir correspondência às famílias, os membros da Comissão Diretora não se descuidaram de fazer visitas aos doentes nas residências e nos locais de internação. O apoio que a ABI recebeu temporariamente, através das Secretarias Estadual e Municipal de Ação Social do Idoso e da Terceira Idade, deixou de ser prestado por esses órgãos devido às mudanças ocorridas na atual gestão Administrativa. 5.2. Enviamos para o contador da ABI as planilhas mensais geradoras de dados sobre nossa ação assistencial, que permitem estimar valores da cessão de uso do imóvel – sexto andar – e das consultas médico-odontológicas gratuitas, a fim de atender aos requisitos do exercício da filantropia, com apuração de valores gastos com a gratuidade nas atividades de saúde. Este procedimento foi buscado para compatibilizar exigências da fiscalização do INSS e do Conselho Nacional de Assistência SocialCNAS. Mantivemos contato com o Conselho Municipal de Assistência Social, a fim de iniciar entendimentos para inscrição da ABI nesse Órgão. O objetivo é criar condições para, entre outras providências, requerer a volta do instituto da filantropia junto ao Conselho Nacional. 5.3. Em termos de manutenção, continuamos prestando assistência médicoodontológica aos associados de entidades co-irmãs conveniadas. São mais freqüentes as consultas solicitadas pelos Sindica-

onário), Manuel Bandeira (Estrela da Vida Inteira; Mafuá do Malungo; Poesias Escolhidas), Edison Carneiro (Antologia do Negro Brasileiro), Júlio Ribeiro (Cartas Sertanejas), Ramalho Ortigão (Em Paris), Érico Veríssimo (Gato Preto em Campo de Neve; A Volta do Gato Preto), Bastos Tigre (As Parábolas de Christo e Outras Poesias); Álvaro Lins (Jornal de Crítica), João Ribeiro (Críticas: Os Modernos), José Veríssimo (Letras e Literatos), Graciliano Ramos (Memórias do Cárcere). Muitos dos volumes citados são preciosidades que não se encontram em importantes bibliotecas, nem são passíveis de aquisição mesmo nos sebos mais eficientes na localização de obras raras. 3.2. Foram igualmente recuperados e encadernados volumes de obras de importantes autores estrangeiros, como Thomas Morus (A Utopia), Romain Rolland (A Vida de Miguel Angelo; O Pensamento de Rousseau), A. J. Cronin (A Árvore de Judas), Herman Hesse (O Lobo da Estepe), Curzio Malaparte (A Pele), Emilio Salgari (O Prisioneiro dos Pampas), Emile Zola (Naná), Stefan Zweig (Dostoiévsky; Pasteur), Thomas Mann (Sua Alteza Real), Katherine Mansfield (Cartas), George Sand (Elle et Lui), Alexandre Dumas (A Tulipa Negra; The Vicomte de Bragelone), William Shakespeare (Otelo), Bernard Shaw (Santa Giovana), H. G. Wells (O Homem Invisiível), Oscar Wilde (Poema em Prosa, Salomé). 4. Dirigida pela Bibliotecária Vilma Santos de Oliveira e contando com a colaboração da Bibliotecária Alice Barbosa Diniz, da Auxiliar de Biblioteca Ival-

tos dos Publicitários, dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, dos Jornalistas Liberais e da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado do Rio de Janeiro-Acerj.

6. APOIO JURÍDICO E INFORMAÇÕES 6.1. A Consultoria Jurídica conveniada com a ABI vem dando atendimento aos pedidos de informação de associados, dependentes, profissionais de imprensa não associados, empreendedores e outras pessoas físicas e jurídicas da área de comunicação social interessadas na legislação do setor. As solicitações são feitas pessoalmente, por telefone e por e-mails. As consultas e pedidos de apoio vêm de vários Estados, da capital e de Municípios do Estado do Rio de Janeiro. 6.2. Coube-nos, como sempre, a missão de dar suporte às necessidades da Presidência e das Diretorias, em especial a Administrativa e a Econômico-Financeira, além do Conselho Deliberativo. Casos fora da legislação de comunicação social, com associados ou não, foram encaminhados aos escritórios dos advogados conveniados. 6.3. O voluntariado do engenheiro Roberto A. Motta, conforme carta-pessoal em nosso poder, continua sendo uma frente de apoio aos pedidos de informações sobre busca e localização de documentação perdida pelos associados e funcionário de baixa renda. Além disso, ele se dispõe a dar orientação e tirar dúvidas em casos relacionados com a Previdência Social, incluídas as questões de aposentadorias e pensões do INSS.

7. CONCLUSÕES 7.1. Em razão do que realizamos e relatamos, concluímos que: 7.1.1. Cumprimos, na medida do possível, a execução do Plano de Atividades; 7.1.2. Entregamos no prazo legal o Plano de Atividades previstas para 2011, cumprindo exigência do Conselho Nacional de Assistência Social;

deci Abreu de Souza e do Auxiliar de Serviços Gerais Annagê de Saulo Marques Filho, a Biblioteca retomou no exercício social o trabalho de digitação dos títulos de seu acervo, a fim de colocá-lo à disposição do público no Site da Casa. O resultado desse trabalho, de que participa o Assessor da Presidência Guilherme Povill Vianna, será brevemente reproduzido no ABI online,para facilitar o acesso dos interessados e contribuir para o crescimento do número de consultas e o aumento da presença de usuários na Biblioteca. 5. A Diretoria da ABI considera que o movimento e o nível de utilização da Biblioteca Bastos Tigre não correspondem à qualidade de seu acervo, que é particularmente valioso em numerosos aspectos, como os relacionados com publicações

antigas e atuais e, como visto, em clássicos da literatura nacional e estrangeira. 5.1. Para a reversão desse quadro a Diretoria dispõe-se a elaborar e executar um programa de ação que compreenderá a aquisição de obras; a requalificação dos espaços da Biblioteca; a realização de exposições de peças de seu acervo; a publicação de textos sobre a Biblioteca e seu acervo no Jornal da ABI e no ABI online; a intensificação do intercâmbio com bibliotecas e instituições de ensino de Biblioteconomia, Comunicação Social, História e Arquivologia; o treinamento de estagiários de Biblioteconomia e Arquivologia; a reativação do Centro de Pesquisa e Documentação do Jornalismo e da Vida Contemporânea (Centro de Memória) e a melhoria das condições de aeração, ventilação e temperatura do espaço ocupado pela Biblioteca.

7.1.3. Reiteramos que a nossa presença no Site está carecendo de nova e destacada configuração, a fim de oferecer mais facilidade e clareza para os associados nas consultas de informações sobre os serviços médicos, convênios e parcerias; 7.1.4. Damos prosseguimento ao levantamento e atualização de todo o cadastro dos convênios firmados com a DAS, para posterior divulgação pelo nosso Site e pelo Jornal da ABI. 7.1.5. Continuamos a receber representantes de empresas de seguro-saúde. Entretanto, as planilhas e propostas apresentadas por esses agentes são incompatíveis com a renda média e, principalmente, com a faixa etária dos associados da ABI. Infelizmente, durante esse exercício não conseguimos compatibilizar os preços com a qualidade dos serviços. Rio de Janeiro, 19 de março de 2012. Ilma Martins da Silva DIRETORA DA DAS JORNAL DA ABI 377 • ABRIL DE 2012

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RELATÓRIO DA DIRETORIA

DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO SIMPLIFICADA - 2011

EM R$

NOTAS EXPLICATIVAS ÀS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS EM 31 DE DEZEMBRO DE 2011 (EM REAIS)

CONTEXTO OPERACIONAL A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA – ABI, sediada na Rua Araújo Porto Alegre, 71 – Castelo – Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.030-12, legalmente constituída e registrada com situação ativa no cadastro da Secretaria da Receita Federal do Brasil, CNPJ nº 34.058.917/ 0001-69, é uma entidade sem fins lucrativos. Reconhecida como de utilidade pública no Governo de Venceslau Brás P. Gomes em 14 de julho de 1917, através do Decreto nº 3.297. A ABI vem atuando há um século na assistência social dos jornalistas e suas famílias, na promoção cultural de seus associados e na defesa dos interesses do País e do povo brasileiro, promovendo, inclusive, a filantropia conforme o estabelecido em seu estatuto.

A APRESENTAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS As demonstrações financeiras foram elaboradas em obediência às práticas contábeis adotadas no Brasil e aos Princípios de Contabilidade emanados do Conselho Federal de Contabilidade.

SUMÁRIO DAS PRINCIPAIS PRÁTICAS CONTÁBEIS As principais práticas adotadas pela ABI na elaboração das demonstrações contábeis são as seguintes:

lucrativos. A ABI possuía esta isenção, que foi cancelada em 18/08/2003. Tramita no Congresso Nacional o PLS - Projeto de Lei do Senado nº 191/2006, remetido à Câmara dos Deputados em 17/11/2011, de Assuntos Econômicos, que concede isenção tributária à Associação Brasileira de Imprensa e cancela os débitos fiscais desta instituição. f) Demais Ativos e Passivos Os demais ativos e passivos, classificados em circulantes e não circulantes, estão apresentados pelo valor de custo ou realização. g) Apuração do Resultado O resultado apurado foi um superávit de R$ 663.460,69 (seiscentos e sessenta e três mil, quatrocentos e sessenta reais e sessenta e nove centavos). Neste exercício houve um aumento de cerca de 8,63% no total das receitas e uma redução de 1,49% nas despesas, além de uma melhora significativa na arrecadação da receita patrimonial, 14,43% maior em relação ao exercício de 2010.

DISPONIBILIDADES Representam os valores das contas Caixa e Bancos, as quais foram analisadas e conciliadas.

ATIVO NÃO CIRCULANTE – CRÉDITOS A RECEBER O valor de R$ 125.665,45 (cento e vinte e cinco mil, seiscentos e sessenta e cinco reais e quarenta e cinco centavos), s.m.j., resulta de vários direitos que continuam merecendo providências jurídicas para o seu recebimento.

a) Determinação do Resultado O resultado é apurado em obediência ao regime de competência de exercícios.

ATIVO NÃO CIRCULANTE – DEPÓSITOS JUDICIAIS

b) Ativo Imobilizado Está registrado ao custo de aquisição. A depreciação é calculada pelo método linear, com base em taxas determinadas em função do prazo de vida útil estimada dos bens.

A ABI tem, por decisão judicial, desde 2006 bloqueado o montante de R$ 92.228,74 nos Bancos: Bradesco conta nº 1010266-9 valor R$ 34.591,45 Bradesco conta nº 1011882-4 valor R$ 57.637,29

c) Isenção de Tributos A ABI tem isenção dos seguintes tributos, conforme legislação em vigor: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL Contribuição da Seguridade Social – Cofins Imposto sobre Serviços - ISS d) Pis sobre a Folha de Pagamento Há incidência de 1% sobre a folha de pagamento salarial, sendo que a ABI efetua o pagamento mensal dentro do vencimento. e) Contribuições Previdenciárias – Cota Patronal A isenção previdenciária da cota patronal é a permissão de não recolher ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contribuição de 20% sobre a folha de salários da entidade sem fins

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BALANÇO PATRIMONIAL SIMPLIFICADO - 2011

IMOBILIZADO

andamento ao processo de cobrança com a conseqüente execução do débito. O Projeto de Lei do Senado nº 191/2006 visava anular os débitos fiscais e agora se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados . INSS Empregados e Autônomos a Recolher Os valores históricos das retenções das contribuições à previdência social dos empregados e dos autônomos feitas pela ABI e não recolhidas ao INSS, prática de gestões anteriores, estão em processo de execução. Cabe ressaltar que a administração atual, a partir de maio de 2004, passou a adotar o procedimento de efetuar a retenção e o recolhimento mensalmente no vencimento. O valor retido atualizado até dezembro de 2007 totaliza R$ 375.785,61 (trezentos e setenta e cinco mil, setecentos e oitenta e cinco reais e sessenta e um centavos). A atual administração requereu à Secretaria da Receita Federal o parcelamento do débito conforme o disposto na Lei nº 11.941/2009. No mês de julho de 2011 a Receita Federal processou a consolidação dos débitos em 120 prestações para pagamento até junho de 2021. A ABI efetua mensalmente, dentro do vencimento, o devido pagamento.

FORNECEDORES Os valores desta conta representam as obrigações de curto prazo com fornecedores de materiais e prestadores de serviços.

EMPRÉSTIMO A ABI captou recursos de curto prazo no ano de 2009 junto ao Banco Itaú, atual Itaú Unibanco S.A., para reforço do Capital de Giro, sendo o término da quitação no mês de janeiro de 2011.

PASSIVO NÃO CIRCULANTE – JUROS E MULTAS A PAGAR O valor representa a multa e os juros relativos ao passivo com o INSS, não atualizado por estar aguardando orientação jurídica quanto à Ação de Execução Fiscal 2006.51.01.526985-1, em curso na 5ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro e considerando a informação da nota explicativa 3e. A ABI espera obter sucesso com a Ação Ordinária Tributária movida contra a União para anular os débitos fiscais.

PASSIVO NÃO CIRCULANTE – CEDAE A ABI renegociou a dívida junto à CEDAE em 80 (oitenta) parcelas de R$ 2.901,85 (dois mil, novecentos e um reais e oitenta e cinco centavos). O montante da divída era de 144.649,5751 UFIR, em outubro de 2005, totalizando R$ 232.148,00 (duzentos e trinta e dois mil, cento e quarenta e oito reais). A ABI está efetuando os pagamentos em dia e o término do pagamento previsto no contrato ocorrerá em junho de 2012.

Os valores do balanço patrimonial não retratam o preço real dos bens móveis e imóveis. Quanto aos valores dos imóveis, torna-se necessário proceder a uma reavaliação por perito ou empresa especializada, de modo a ajustar seu valor contábil ao de mercado.

CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS INSS Empregador a Recolher Os valores apurados até abril de 2004 e atualizados até dezembro de 2007 são de R$ 3.460.100,64 (três milhões, quatrocentos e sessenta mil, cem reais e sessenta e quatro centavos) e não foram reconhecidos no passivo em função das informações constantes da Nota 3e. Mesmo assim, o INSS está dando

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA OSCAR MAURÍCIO DE LIMA AZÊDO

PAULO ROBERTO DAYUBE CRUZ

PRESIDENTE

CONTADOR – CRC RJ 072164/O-0


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