Outubro 2013 • Informativo • Oficina de Jornalismo Comunitário • Adubando Raízes Locais • Patrocínio Petrobras
EDITORIAL O projeto Adubando Raízes Locais, que tem o patrocínio da Petrobras, possibilitou a criação e desenvolvimento deste jornal, concebido a partir da oficina de Jornalismo Comunitário realizada com jovens, alunos de uma escola pública local. O Jornal Fala Favela reúne informações sobre pessoas simples que desenvolvem ações na favela, traz opiniões pessoais sobre assuntos relevantes como impactos políticos na localidade e, por fim, trabalha compromissado com os interesses comunitários, além de ser construído de forma coletiva entre os participantes do projeto. Esta edição é mais uma chance de contactarmos com aquilo que tem transformado a realidade territorial no Complexo do Alemão, temas ainda carregados de questões obscuras, mas também uma aventura sobre assuntos distintos e vidas comuns, potentes, dedicadas à mudanças capazes de criar novas perspectivas. Boa leitura! PÁGINAS 4 e 5 Você quer ler algo divertido, bem escrito e potente? Então se delicie com esta conversa de Literatura de Cordel produzida por escritores e moradores do Complexo do Alemão e adjacências. Aqui neste espaço José Franklin e Lobisomem vão nos ajudar a compor este universo literário, original e inventivo.
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Foto: Arquivo Raízes em Movimento
Seminário Produção do Conhecimento no Morro do Alemão
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Esta matéria traz informações importantes, além de uma breve reflexão sobre o sistema de saúde no Conjunto de Favelas do Alemão. O entendimento de como funciona, pelo menos na teoria, este sistema de saúde local pode contribuir para reivindicações e melhorias no atendimento da população.
Junto à pesquisas realizadas no Conjunto de Favelas do Alemão, por estudantes de temáticas distintas, o Raízes em Movimento resolve projetar os resultados para dentro da favela e, junto com este grupo de pesquisadores, cria o projeto VAMOS DESENROLAR - Seminário de Produção do Conhecimento e Memórias.
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Mulher, Mãe e Avó. Uma bela história que fala da chegada, da permanência e da vida da Capixaba Ana Maria Rodolfo, mas conhecida como “Dona Branca”, no Conjunto de Favelas do Alemão. Com alegria e muita lucidez ela conta um pouco desta rica história, de muitas lutas, para nós.
A história se repete. Muito sucintamente uma comparação com a primeira remoção pela Corte Imperial (ao se instalar no Rio de Janeiro) – esse modelo de querer expulsar os pobres de seus locais de moradia já faz tempo – com as atuais remoções tipicamente de cidade dos megaeventos. E como desfecho uma ilustração divertida.
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S A Ú D E N O A L E M Ã O - PA R A O N D E E U D E V O I R ? por Lana Souza
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uando se fala de equipamentos de saúde no Complexo do Alemão, logo nos lembramos da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e das USF’s (Unidades de Saúde da Família). Apesar da precariedade de alguns desses equipamentos, precisamos entender como o sistema de saúde, pelo menos em tese, deveria funcionar. Assim é possível lutar e reivindicar melhorias nos serviços de saúde existentes na nossa região. O Sistema de saúde é dividido em níveis de atenção. Cada um deles possui suas prerrogativas e responsabilidades, atendendo as demandas com determinada complexidade, custo e necessidade de uso de tecnologia. Atenção Primária (Atenção Básica) – Este nível de atenção
tem como principal serviço a Clínica da Família. Nele são estabelecidas todas as ações de promoção, prevenção e proteção à saúde em um território definido. Esse nível de atenção deve estar presente em todos os municípios. Ex.: CMS Alemão, Rodrigo Roig e Zilda Arns. Atenção Secundária (Média Complexidade) – Neste nível encontramos o atendimento com especialistas. Aqui são realizados exames complementares e internações hospitalares por agravos que não requerem grande uso de tecnologia, bem como tratamentos a casos crônicos e agudos de doenças. Ex.: Antigo PAM de Ramos. Atenção Terciária (Alta Complexidade) – Neste nível estão os hospitais de grande porte,
que concentram tecnologia de maior complexidade e devem oferecer à população atendimento de excelência, servindo de referência para outros serviços, sistemas e programas em saúde. Ex.: Hospital Geral de Bonsucesso (HGB). Nota-se que a UPA não está bem definida em nenhum dos níveis de atenção. Ela serve apenas para suprir um déficit que a atenção terciária não consegue solucionar. Agora, já que o serviço é oferecido, é importante que o cidadão entenda como ele funciona. Embora não é de interesse dos governantes que isso ocorra. As teorias não irão sanar as enfermidades da população, na prática o serviço precisa funcionar, o que geralmente não acontece. A estudante de Administração Valdinea de Paula diz: “Um Domingo desse meu filho teve uma forte crise de bronquite. O levei até a UPA e simplesmente não tinha pediatra, na realidade final de semana nunca tem. Só depois de fazer um escândalo é que um clínico nos atendeu, fez um procedimento paliativo e mandou que fôssemos para o Getúlio Vargas. Uma vergonha esse lugar!”, despreza.
EXPEDIENTE
Alan Brum, David Amen, Ricardo Moura, Helcimar Lopes, Sidney Otoni //projeto gráfico: Carolina Noury //colaboradores: Robson Melo, Arley Macedo //editor: Ricardo Moura // diagramação: David Amen // revisão geral: Ricardo Moura e David Amen //Tiragem 2.500 exemplares //Impressão DGD Artes Gráficas //raízes em movimento: Avenida Central, 68 - Morro do Alemão - Rio de Janeiro//RJ // Tel: 2260-3998 // www.raizesemmovimento.org.br // adubandoraizeslocais.blogspot.com equipe técnica projeto adubando raízes locais:
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VAMOS DESENROLAR por Marize Cunha Fotos: Arquivo Raízes em Movimento
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Vamos Desenrolar – Seminário de Produção do Conhecimento nasce a partir da iniciativa do Instituto Raízes em Movimento e da necessidade de reunir pesquisadores com trabalhos desenvolvidos no Complexo do Alemão e da Penha, a fim de estabelecer troca entre eles e deles com vários atores que atuam no território. A ideia era que esta interação pudesse contribuir para a divulgação das pesquisas nos Complexos, entre os pesquisadores e, ainda, a construção de ações mais consistentes para o desenvolvimento das favelas, de forma a influenciar futuras políticas públicas para estas localidades. No início de 2013, o grupo começou a se reunir quase todo o mês, discutindo como levar a frente a ideia inicial do Raízes de estabelecer trocas, produzir e divulgar material e envolver os moradores em tudo isso. Em cada encontro, chegava uma nova pessoa. A cada encontro novas discussões, até que o grupo levou as
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pesquisador, que conversaram com os participantes sobre vários temas como: a “História e Urbanização do Complexo do Alemão”, “Novas Tecnologias e jovens de territórios populares”, “Segurança Pública e Direitos Humanos” “Criação, Criminalização e Resistência: cultura nas favelas”, “Homofobia nos espaços de favela” e “Migrantes - enraizamentos e desenraizamentos”. discussões para a rua, levou o diálogo entre pesquisadores e os atores locais para diferentes lugares das favelas do Alemão, aproximou-se mais da experiência e do conhecimento dos moradores. Fez rodas de conversas que incluíram cada vez mais moradores, e juntou os saberes: da universidade e dos moradores. Ou seja, começou a “desenrolar” em vários cantos das favelas.
O Vamos Desenrolar certamente continuará desenrolando, trocando ideias, experiências, conhecimento, nas ruas, vielas, praças, lugares da favela, da Cidade, afetando e sendo afetado. Mais informações procurar por Seminário de Produção do Conhecimento https://www.facebook.com/ groups/472436739484414/
As rodas de conversa têm o intuito de estar mais junto, circulando por várias localidades. E que sejam realizadas preferencialmente ao ar livre. A palavra de ordem é fazer os saberes circularem, procurando sempre inserir mais e mais a favela na cidade, e lutar por transformar a favela em um lugar cada vez melhor para se morar e trabalhar. Nosso lema é a gente trabalha, discute, mas com afeto e diversão. Foram seis encontros do Vamos Desenrolar. Cada um deles foi comandado por moradores e atores locais, e um
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L I T E R AT U R A D E C O R D E L – P O P U L A R I Z A N D O A P O E S I A D O A L E M Ã O por Lana Souza Fotos: Creuza Maria
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ngana-se quem pensa que o Cordel surgiu no Nordeste
do Brasil. Segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), o movimento surgiu em Portugal por volta do século XVI. Na segunda metade do século XIX começaram as impressões de folhetos brasileiros, com características próprias. No Brasil a literatura de cordel é tipicamente nordestina, mas hoje se faz muito presente em outros Estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Os cordéis que antes eram vendidos em mercados e feiras pelos próprios autores, hoje já são encontrados em feiras culturais, casas de cultura, livrarias e nas apresentações dos cordelistas. A valorização do local onde vive, foi a principal inspiração para José Franklin, morador do Complexo do Alemão e escritor há 10 anos. “O Alemão é um local onde as pessoas sempre contaram muitas derrotas, sempre falavam de coisas ruins, principalmente antes, ninguém contava uma vitória. Aquilo me perturbava muito!”, desabafa.
Em seu primeiro livro, Franklin falou sobre diversos casos de “êxito” profissional. Seu trabalho era dado como brinde para os leitores que compravam os livros que vendia na internet, assim ele conseguia divulgar o seu trabalho autoral. O tempo passou e Franklin percebeu que estava muito caro continuar com os brindes, foi então que conheceu a ABLC. “Fazer cordel era um pouco mais fácil e bem mais barato. faz 3 anos que eu escrevo literatura de cordel. Hoje tenho 11 folhetos publicados”, conta orgulhoso. Na ABLC José Franklin conheceu Victor Alvim, mais conhecido como Lobisomem. Victor morador de Maria da Graça teve contato com o cordel há 20 anos, quando realizava pes-
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quisas sobre a capoeira, uma de suas grandes paixões. Lobisomem tem uma característica própria na criação de seus cordéis: falar sobre personalidades cariocas. O seu mais recente trabalho foi lançado no Complexo do Alemão, na feira de economia solidária, onde Franklin vende livros e cordéis. O personagem homenageado foi o eterno síndico, Tim Maia.
“Euaestou acostumado fazer as minhas coisas sempre sozinho...
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Lobisomem embora não more no Alemão mantém uma ótima relação com a favela. Conta sobre a colaboração de muitos moradores para esse lançamento. “Eu estou acostumado a fazer as minhas coisas sempre sozinho, por isso fiquei muito surpreso e feliz quando vi todo mundo se prontificando a me ajudar”, explica. O cordel “A chegada de Tim Maia ao céu” teve como principal apoiador cultural e morador do Alemão. Conhecido como Sergio Chaveiro, ele fez questão de ter o seu trabalho divulgado no cordel que falava sobre o seu ídolo. “Sempre fui fã do Tim Maia, me diverti muito lendo o cordel que o Lobisomem escreveu. Tudo a ver com a história do Tim, muito bacana mesmo.” Conclui, Sergio. Se depender da vontade de Franklin, com o apoio de
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amigos como Lobisomem, a literatura de cordel no Alemão se fará cada vez mais presente, tornando-se parte da cultura local. “No dia do lançamento do cordel do Lobisomem, enquanto ele lia, todo mundo ficou em silêncio prestando atenção. Foi uma coisa linda, quero que isso aconteça mais vezes” conta o escritor. Franklin explica que seu grande desejo é “popularizar o cordel no Alemão”, com oficinas e atividades, fazendo com que assim os moradores entendam a dinâmica e o valor dessa grande arte para o país.
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DONA BRANCA, MULHER, MÃE E AVÓ UMA LIÇÃO DE VIDA NO COMPLEXO DO ALEMÃO
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na Maria Rodolfo, 72 anos, conhecida como Dona Branca, chegou na Grota no Complexo do Alemão, dia 10 de dezembro de 1970 vinda de São Lourenço, no Espírito Santo. Morou com a sogra por três dias, mas logo o seu marido arrumou um barraco para a família e comprou uma birosca na qual vendia legumes. No entanto, em outubro do mesmo ano faleceu, deixando Dona Branca grávida do sexto filho. Para continuar a viver e criar os filhos, ela arregaçou as mangas e mal deu à luz Adriana contou os dias de resguardo, foi à luta. Passou a ir todas as madrugadas ao Mercadão de Madureira, dando continuidade ao trabalho do marido. Ela lembra que as crianças ficavam em casa sozinhas, o mais velho tomava conta dos mais novos. Matriculou os filhos na escola, e assim a vida continuou.
Sempre tive respeito de todos, nunca ninguém desrespeitou”, declarou. “Acho que as mães precisam acompanhar a vida do filho. É direito de cada um criar como quiser, mas a mãe tem que dar limpeza, alimentação, roupa lavada e o filho fazer a sua parte, estudar, fazer um curso”. Apesar das condições difíceis, Dona Branca criou os filhos com amor e dedicação. Mas questiona o interesse dos governantes por detrás das políticas assistencialistas do Estado: “Nada vem de graça! A vida é muito boa, mas é muito difícil. Hoje em dia muita gente não quer trabalhar, tudo é muito fácil. Antigamente não existia
por Helcimar Lopes
“pensam As pessoas que sou rica, mas não sabem a luta que eu passei...
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Dona Branca criou seus filhos e viu a família crescer. Mas como foi criar seus seis filhos em meio às adversidades e aos problemas cotidianos da favela? Dona Branca faz questão de responder: “Criei meus filhos ensinando o que é certo, o que é mais ou menos e o que é errado. Ninguém obriga ninguém a fazer nada. Cada um tem sua vida, cada um sabe da sua vida. Eu sempre fui assim, não tenho nada que reclamar. Ninguém mexe comigo e eu não mexo com ninguém.
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Além do bar, Dona Branca tem algumas casas alugadas e ainda vende refeições. Mas, apesar da estabilidade alcançada, não pensa em sair do Complexo do Alemão. Ao imaginar como seria morar em um dos bairros próximos, ela diz que seria a mesma coisa e complementa: “Aqui eu me sinto segura, aqui criei meus filhos”, conclui.
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Ser Criança bolsa família, vale isso, vale aquilo e por isso que tá tudo assim. Antigamente meus filhos usavam fralda de pano, ou quando não tinha era pedaço de tecido e hoje em dia por mais pobre que a pessoa seja ela usa fralda descartável. Mas hoje em dia tem o Bolsa Família, os outros benefícios. Antigamente não tinha isso, eu mesmo fazia as roupas dos meus filhos”, critica. Com simplicidade, Dona Branca, que ajuda as pessoas juntando roupas e mandando para o interior, critica o materialismo da sociedade atualmente e a desvalorização do ser humano: “As pessoas pensam que sou rica, mas não sabem a luta que eu passei para ter o que tenho. As pessoas veem o que você tem, mas não veem o que eu passei”. Sua família cresceu e hoje são 6 filhos, 14 netos e um bisneto.
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De seus filhos, cinco nasceram em casa, só um nasceu no hospital. Quatro são formados no ensino superior, todos estudaram em escolas municipais. Dois deles, Sergio e Adriana, e o neto Roquinho trabalham no bar da família.
A criança é pureza, potência, espírito livre, alegria, portanto, obra de arte. Entenda como quiser arte. Da arte de ser criança que nós adultos perdemos para o mundo das exigências do trabalho, para as muitas tarefas que desempenhamos, para a vida reativa, para o consumo como forma de se inscrever no mundo, para A Verdade. Pureza não por ser inocente no sentido de jogo da vida, até porque elas sabem muito bem e muito espertamente como engabelar-nos. Mas pureza no que tange a um estado de candura, inocência diante de um mundo voraz. Talvez aí resida a potência desse estado da arte. Da arte de fazer-se, tornar-se, querer-se. Da arte que se impõe pela sua grandeza. Isso torna a vida mais intensa, mais vigorosa, mais querida. Ricardo Moura
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A HISTÓRIA SE REPETE por Igor Fonseca
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m 1808 a corte portuguesa viaja ao Brasil, na época sua colônia, para se instalar no Rio de Janeiro fugindo das tropas francesas. Para a acomodação da corte real portuguesa, muitas famílias foram despejadas de sua casa. Nas paredes das casas encontravam-se as iniciais PR que significava “Príncipe Regente”. Mas a população entendeu de outra forma, interpretando as tais iniciais como “Ponha-se Fora”. Hoje por mais incoerente que pareça, essas remoções continuam sendo feitas de forma arbitrária. Mas aí você pensa: vivemos em uma República e não mais em uma Monarquia, não vamos receber nenhum príncipe ou rei. Sim, isso é verdade, porém a população pobre continua sendo tratada da mesma maneira como foi tratada em 1808, ou seja, desrespeitosamente. As desapropriações de hoje não são para receber nenhuma corte, ou para melhorar a qualidade de vida como propagandeiam os politiqueiros, mas para servir a interesses escusos de uma elite que domina política e economicamente o país, removendo o que acham que não é interessante ser mostrado para turistas, tentando esconder a realidade. A população pobre é sacrificada com tais remoções arbitrárias para dar lugar a cidade dos megaeventos, satisfazendo o ego e os interesses de minoria arrivista.
Realização
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