DESAFIOS DIREITOS DAS CRIANÇAS NA GUINÉ-BISSAU
TÍTULO
DESAFIOS
DIREITOS DAS CRIANÇAS NA GUINÉ-BISSAU
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DESAFIOS
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A PROMESSA DE AUA QUANDO O TEATRO SERVE PARA MUDAR MENTALIDADES NÔ PAPI AS BRINCADEIRAS OS ANIMAIS BALANTEA QUER SER PROFESSORA É AQUI QUE VIVEMOS NÔS ERMON BIANDA ÁGUA DE MANHÃ ESCOLA, À TARDE MADRASSA OS MOMENTOS IMPORTANTES DA VIDA DE AISSATU OS MAIS VELHOS
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MATO CERIMÓNIAS A FALA DE BABA O MEU BRINQUEDO É MAIS BONITO QUE O TEU PORQUE FUI EU QUE O FIZ OS TRABALHOS A HORTA BABAGALÉ, O TALIBÉ SOBREVIVENTE FALA DI MININU OS MERCADOS OS TRANSPORTES AS CASAS
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DIREITOS DAS CRIANÇAS, INSTRUMENTOS DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL E SUA APLICAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU
AUTORES
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ALAIN CORBEL LAUDOLINO MEDINA MUSSÁ BALDÉ NANDO COIATÉ PAULA FORTES PEDRO ROSA MENDES WALDIR ARAÚJO FOTOGRAFIAS
ALBERTO MONTEIRO JÚNIOR ALCIONE CARLOS M’BADJE AMBAICA JOAQUIM GOMES BADINCA ANGELA DA SILVA BEATRIZ INDI BINTA SANÉ BRAIMA MANÉ CELCIO CLORREIA IZÁRIA MÁRIO SÁ LIVIGIA MONTEIRO MALAM SAMBÚ MARCELIA DOMINGOS MANGO MARTA DA SILVA MIDANA BALDÉ NEUCESE LIGA CÓ SONIA ARLETE RODRIGUES DA SILVA VALERIA RODRIGUES DA SILVA VLADIMIRA CASSAMÁ fotografados por ECTOR CASSAMÁ REVISÃO
ACEP CRIAÇÃO GRÁFICA
ANA GRAVE PRÉ-IMPRESSÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO
GUIDE ARTES GRÁFICAS APOIO FINANCEIRO
CAMÕES - INSTITUTO DA COOPERAÇÃO E DA LÍNGUA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN EDITORES
ACEP [ASSOCIAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS], LISBOA, PORTUGAL LGDH [LIGA GUINEENSE DOS DIREITOS HUMANOS], BISSAU, GUINÉ-BISSAU
© ACEP, LGDH | FEVEREIRO
2013
| DEPÓSITO LEGAL N.
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Um país é feito de desafios. No meio da luta pela Independência, Cabral aponta o desafio da atenção à cultura, como um conjunto de marcas indeléveis na vida quotidiana de um povo. E, a propósito, alerta para os deveres da sociedade relativamente às crianças, os deveres na educação, o dever de recusar práticas violadoras dos seus direitos, quaisquer que sejam os argumentos, mesmo que os culturais. Ele sabia que a vida das crianças nem sempre é uma brincadeira e que os seus direitos são violados de muitas formas. E sabia também que o futuro será fruto da atenção dada à sua educação, uma educação virada para a construção de uma sociedade de mentes abertas: “Às crianças devemos dar o melhor que temos. Devemos educá-las para se levantarem com o espírito aberto, para entenderem as coisas, para serem boas, boas, para evitarem toda a espécie de maldade”. Ao longo das páginas destes DESAFIOS encontram-se algumas histó-rias e imagens de realização ou de violação de direitos de crianças e jovens guineenses. As histórias são contadas por várias vozes e várias gerações de contadores, sobretudo guineenses, mas também de outras nacionalidades, que aqui se têm encontrado. Nalgumas delas os nomes dos protagonistas foram alterados, para melhor os proteger, sem deixar de contar a sua história. As imagens são trazidas pelas crianças e jovens, eles próprios. Partindo dos seus bairros, de Bandim e do Enterramento, foram fotografando
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A PROMESSA DE AUA 6
à sua volta, acompanhados pelo Ector, o animador destas e de outras descobertas. As escolhas do que fotografar são uma chave que eles nos dão para nos permitir olhar o seu mundo pelos seus olhos: e aí ver a ternura, a brincadeira, a descoberta, também o trabalho, às vezes precoce, e mesmo sinais de curiosidade sobre coisas que não entendem. Desafiam-nos assim contadores e fotógrafos, mais velhos e mais novos, a ouvir e olhar. E fazer alguma coisa para as defender e para com elas mudar para melhor as suas vidas. É um mundo de oportunidades e de escolhas que lhes deve estar reservado. No capítulo final Laudolino Medina, responsável da AMIC, ONG já com longa história e legitimidade para falar - que é também um dos animadores empenhado da Casa dos Direitos -, traz-nos um conjunto de informações recolhidas e sistematizadas sobre direitos das crianças, enquadramento legal internacional e a respectiva aplicação na Guiné-Bissau. Porque é sempre bom lembrar, também nesse domínio, o que está feito e que não há direito de esquecer e também o que está por fazer. Bissau, Fevereiro de 2013
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Laudolino Medina e Alain Corbel Foi no centro da Guiné Bissau, numa das curvas do rio Geba, na cidade de Bafatá, onde nasceu também Amílcar Cabral, que nasceu a Aua, no seio de uma família de seis filhos. Bafatá é uma das grandes cidades e a vida nessas cidades é mais cara do que nas zonas rurais. A mãe teve sempre muitas dificuldades, mas quando se tem seis filhos, sem marido, a vida torna-se ainda mais difícil. Quando a Aua já tinha idade e forças para trabalhar longe de casa, a mãe tomou uma decisão: entregou a filha a uma das suas amigas, a Binta, dona de um restaurante da praça de Bissau. Foi a única solução encontrada para que Aua tivesse a possibilidade de continuar a estudar e para que pudesse ajudar a mãe. Durante os seis primeiros meses, tudo correu bem. A Aua conseguiu equilibrar o tempo entre as aulas na escola e as tarefas no restaurante. Como havia mais e mais clientes, a Dona Binta, acabou por querer que ela trabalhasse exclusivamente para o restaurante. Pediu-lhe portanto
QUANDO A AUA JÁ TINHA IDADE E FORÇAS PARA TRABALHAR LONGE DE CASA, A MÃE TOMOU UMA DECISÃO. 8
para parar de vez a escola. Aua não tinha alternativa, sob pena de ser mandada de volta para casa da mãe. Foi uma grande decepção. Para aguentar essa desgraça, prometeu a si mesma voltar aos estudos assim que tivesse uma nova oportunidade. Estar num restaurante onde vai e vem muita gente, cria oportunidades de encontros. Foi assim que a Aua se relacionou com um homem casado e rico que frequentava o local. A relação durou o suficiente para ela ficar grávida, nos seus 14 anos. Confrontada pela Dona Binta, Aua confirmou a gravidez e nomeou o progenitor. Informado do sucedido, este negou a sua responsabilidade. A Dona Binta ameaçou levar o caso aos ouvidos de sua esposa. O homem assustou-se e, para que não houvesse escândalo, decidiu comprar o silêncio da Dona Binta com uma grande quantia de dinheiro. Grávida, a Aua voltou para casa da mãe em Bafatá. Foi lá que nasceu o seu lindo menino. Dois anos depois, Aua, sempre à procura de uma vida melhor, deixou o filho ao cuidado da sua mãe, e viajou até Bissau. Infelizmente, desta vez, não encontrou trabalho. Sem recursos nenhum, Aua caiu na prostituição. Foi durante uma ronda de noite nas ruas da capital que os animadores da AMIC se encontraram com ela. A Aua contou-lhes a sua história e exprimiu o desejo de mudar de vida. Aua recebeu e agarrou essa oportunidade. Pouco tempo depois, começou uma formação para ser costureira. Após um ano, pronta e qualifi-
cada para trabalhar profissionalmente, montou a sua própria loja em Bafatá, sempre com a ajuda da AMIC, mesmo ao lado da mãe e do filho. Agora, graças a essa nova actividade, a Aua consegue viver com dignidade. De volta a uma vida melhor, ela não esqueceu a sua promessa: depois do trabalho do dia, segue aulas na escola. Promessa de mais oportunidades na vida.
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QUANDO O TEATRO SERVE PARA MUDAR MENTALIDADES Mussá Baldé São adolescentes entre os 16 e 20 anos, mas têm discursos e ideais de adultos. Dizem que todos os guineenses devem contribuir para o desenvolvimento do país e elegem a cultura como arma para aquilo que um deles diz ser a “ luta de todos nós”. Em comum têm o facto de serem todos do bairro de Quelélé, nos subúrbios de Bissau e ainda serem ou terem andado na Escola Aruna Embalo. São apaixonados por teatro. Centro social da ONG AD (Ação para o Desenvolvimento), 10 da manhã. Sete jovens do grupo Teatral EVAAD (Escola de Verificação Ambiental Ação para o Desenvolvimento) estão concentradíssimos em palco nos ensaios de uma peça que retrata “a manigância de um homem casado que trai a esposa legítima com uma rapariga nova”, sob o olhar atento do mestre Yano, encenador e ator do grupo Os Fidalgos (um dos mais conhecidos grupos de teatro contemporâneo da Guiné-Bissau). Roupas de cores vivas, sandálias de plástico, penteados exóticos, os sete jovens, com gestos enérgicos, encenam a realidade quotidiana de uma família,
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NOS ÚLTIMOS TEMPOS ALGUNS JOVENS DO GRUPO JÁ COMEÇAM A PROPOR “ALGUMAS IDEIAS” ÀS QUAIS O MESTRE DÁ FORMA. 12
uns a fazerem-se de pais, outros de filhos. Contam no palco as amarguras de uma família onde o pai falta às responsabilidades por andar “a pular a cerca”. Não fosse o salão do centro social da AD estar sem público podia pensar-se que estavam mesmo numa apresentação, tal a sincronização de diálogos, deixas e entradas em cena. Orgulhoso, o mestre Yano, olhos pregados no palco, sussurrava-me que os jovens já estavam quase “a apanhar a peça”. Ator, encenador, dançarino, contador de histórias, Yano explica que os jovens do grupo teatral EVAAD estão juntos há mais de sete anos, já se conhecem muito bem, o que facilita o desenvolvimento de qualquer trabalho que tenham em mãos. Regra geral as peças são escritas pelo mestre Yano mas nos últimos tempos alguns jovens do grupo já começam a propor “algumas ideais” às quais o mestre dá forma. Para Yano não foi difícil juntar os jovens que hoje constituem “o orgulho do bairro de Quelélé” por serem todos alunos ou ex-alunos da Escola Aruna Embaló, uma escola criada de raiz no bairro pelo jovem Aruna Embalo, cuja morte precoce deixou lágrimas em todos os habitantes de Quelélé. Após 45 minutos de um ensaio intenso o mestre Yano dá a voz do comando e os atores desaparecem do palco. Voltam de seguida para falar com o jornalista, que primeiro teve de ser ele a responder às perguntas de todos: Qual o propósito da visita. Quem é você. Conta-nos sobre o seu trabalho… Curiosidade satisfeita é hora de perguntar se a peça é
ficção ou realidade. E as respostas chegam em catadupa, confusas, não fosse o ponto de ordem do mestre Yano: têm de falar um de cada vez. “É um problema real no nosso país”, diz a jovem Rita, 19 anos, sublinhando que tal comportamento não é exclusivo à realidade do bairro de Quelélé mas sim de toda a Guiné-Bissau. “Este tipo de comportamento, tem de ser denunciado”, reforça Maria, 16 anos, a mais nova do grupo, mas a mais faladora como a própria admite. “É um crime grave quando homens casados se metem com miudinhas”. Diz nunca ter sido vítima “desse crime”, mas avisa que se um dia for abordada “por qualquer homem sem vergonha” vai denunciá-lo na rádio. Na Guiné-Bissau, devido à fraqueza do poder judicial, a rádio serve, muitas das vezes, como meio de realização de justiça quando as vítimas fazem denúncias de situações em que são lesadas. Ladeado da Rita e da Maria, Aliu Pedro, 20 anos, que na cena faz o papel de marido traidor, qual defensor da honra masculina, lembra que em certa medida as meninas “as chamadas catorzinhas, é que provocam os adultos”. Diz que a forma de se vestirem, o andar, a conversa que metem com os adultos, acaba por ser uma autêntica sedução aos homens. “Aqui mesmo no bairro, quantas vezes, não se vêem meninas, as ‘catorzinhas’, a meterem-se com homens casados, a pedirem favores, tipo carrega-me o telemóvel, oferece-me isto e aquilo?”, pergunta Aliu Pedro, que contudo não aprova este tipo de comportamento. Resoluto, Cesário Demba afirma que todas as observações feitas pelos
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O JOVEM KADU, 17 ANOS, LEVANTA UMA QUESTÃO QUE FARÁ COM QUE A SALA VOLTE A FERVILHAR DE IDEIAS. 14
colegas fazem sentido, mas realça que o caminho é “o combate sério a este problema social”. Cesário, 19 anos, gagueja um pouco, daí a forma pausada como fala, mas, embalado, tem um discurso acutilante. É de todos os jovens do grupo EVAAD o que parece ter convicções mais vincadas sobre o que o próprio diz ser “um problema social sério”. “É um problema sério, mas que devemos tentar analisar bem. A pobreza faz com que muitas famílias não consigam mandar as filhas para a escola e estas sem instrução andam em maus caminhos e quando são apanhadas por ‘gente sem cabeça’ dá nisto”, nota Cesário Demba. Os colegas ficaram calados por instantes, talvez a digerir as palavras de Demba, mas rapidamente o jovem Kadu, 17 anos, levanta uma questão que fará com que a sala volte a fervilhar de ideias: a lei ou a falta dela. De óculos escuros, qual agente secreto, o jovem Kadu enfatiza que é importante a abordagem que os jovens da EVAAD fazem do tema através do teatro, mas realça que sem uma legislação que castigue “os que têm essa manha” será difícil erradicar o mal na sociedade guineense. Kadu quer ser agente da lei quando for adulto. “Se for polícia ou Juíz quem faz isso vai logo para cadeia, sem julgamento”, Kadu dixit! “A ausência da lei não deve ser motivo para esse tipo de comportamento. Qualquer adulto deve ter na cabeça que é errado envolver-se com raparigas que têm idade para serem suas filhas ou netas. É uma vergonha tal atitude”, riposta a Rita, que mostra mais desagrado com o comportamento “dos cafajestes deste país”.
A alegoria de Rita, lembrando uma expressão de uma telenovela brasileira que fez furor na Guiné-Bissau, origina uma sonora gargalhada na sala, interrompida pelo mestre Yano. “Estão numa entrevista, lembrem-se”, notou Yano, para quem um ator de teatro deve ter sempre a disciplina estando no palco ou fora dele. Críticas que não se encaixavam em dois jovens da sala, sempre calados, às vezes sorrindo apenas. Mas Yano queria ouvi-los também. E a sala parou para os ouvir, os olhos de todos postos neles. Mayra, 18 anos, pi-garreia, tosse, e acaba por lançar, timidamente: “Eu não acho isso certo. É errado. Devia acabar”. Com uma grande cruz no pescoço, Mayra socorre-se da doutrina cristã para criticar a infidelidade: “Um homem casado que ande atrás de outra mulher é pecado e se se mete com uma menina nova, como uma de nós que aqui está, é ainda um pecado maior. Deus castiga isso”. A discussão prosseguiu assim, cada elemento a dizer da sua justiça. No final do debate de 90 minutos os jovens disseram acreditar que com o teatro estão a contribuir para a mudança de mentalidade, “pelo menos no bairro de Quelélé”. Embora todos tenham o apoio dos pais para andarem no teatro, dizem que, às vezes, são motivos de escárnio e desdém dos colegas, que os tentam desmotivar. Em uníssono dizem que jamais tencionam desistir daquilo que afirmam ser “uma luta”. “Noutro dia estávamos a recolher sacos de plástico que os moradores deitam no lixo, alguns colegas vieram ter connosco a perguntar se
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agora somos da Câmara Municipal de Bissau por estarmos a apanhar o lixo que os outros fazem”, conta Ismael, 20 anos, que não tinha dito uma única palavra aquando do debate sobre a infidelidade. “O saco plástico é outro problema igual ou maior que a infidelidade. São estes e outros problemas que tentamos levar à cena através do teatro para despertar a consciência dos moradores e não só”, reforça a Rita, definitivamente a líder do grupo.
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NÔ PAPI 18
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AS BRINCADEIRAS 22
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OS ANIMAIS 24
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BALANTEA QUER SER PROFESSORA 26
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Nando Coiaté Balantea Tchudá nunca imaginou que um dia iria conseguir adaptar-se àquela casa tão diferente, e com um nome esquisito, Ngor Ngor. Outra coisa que no início lhe causou bastante impressão no internato, um mundo à parte no caótico bairro de Cuntum Madina, nos subúrbios da capital, foram os ruídos, que lhe deram na altura uma sensação de desorientação, quase de vertigem. Embora a distância entre Bissau e a sua terra fosse apenas de 50 quilómetros, parecia-lhe que tinha feito uma viagem ao fim do mundo. Se não fosse a presença da freira, que a acompanhou de Mansoa, a sua cidade natal, teria sem dúvida chorado e implorado que a levassem de volta à sua tabanca. Mas ficou, e hoje, mais de dez anos após a sua chegada, não trocava este lar de crianças cegas e desamparadas por outro. Pelo menos tal ideia não lhe vinha à cabeça. Os sons do local já não lhe causavam qualquer incómodo. Com o tempo, habituou-se e aprendeu a distinguir, pelo som ou pelo odor, cada voz e cada compartimento. Já se movia com o mesmo à vontade que lhe permitia, na sua aldeia, acompanhar as outras crianças à fonte,
PREFERIRAM SUBMETE-LA À CURA TRADICIONAL, QUE CONSISTIA EM AQUECER AREIA DE BAGABAGA E DEPOIS APROXIMAR OS OLHOS. 28
como naquele dia de manhã em que o seu caminho se cruzou, por vontade divina ou obra do destino, com o de Manuel Rodrigues, o deficiente visual que percorria o país em busca de crianças com problemas de visão ou surdo-mudas e que estavam abandonadas. Manuel, que se bate há 15 anos pela integração social dos cegos, acabou por adotar Balantea e levá-la para o lar Ngor Ngor, que desde então se tornou a sua casa e Manuel o seu “papá”. Orfã de mãe ainda bébé, Balantea ficou cega aos três anos de idade. Teve uma infeção ocular, provavelmente conjuntivite, e os familiares, em vez de a conduzirem ao hospital, próximo do local onde viviam, preferiram submete-la à cura tradicional, que consistia em aquecer areia de bagabaga e depois aproximar os olhos do paciente dos vapores escaldantes da areia. O tratamento assou-lhe literalmente os olhos e condenou-lhe desde então à triste sina dos deficientes nas comunidades tradicionais guineenses, isto é, à estigmatização, à discriminação e, frequentemente, ao abandono e ao isolamento. Enfim, à privação de alguns dos direitos mais elementares da criança. Não podia participar em certos jogos e brincadeiras com os outros meninos. Não ia à escola e nem aprendia as tarefas domésticas mais ligeiras. Como o pai sofria de problemas mentais e foi levado para outra cidade, Balantea cresceu sob os cuidados da avó. Quando esta faleceu, ficou praticamente entregue a si própria. Manuel encontrou-a quando tinha cerca de 5/6 anos. Trazia um simples
pano atado à cintura e o peito nu. Vinha da fonte com um reduzido grupo de meninas, transportando baldes de água. Como era cega e pequena, colocaram-na no meio delas, também com o seu quinhão de água para a avó, numa caneca de 1 litro, adaptada à sua condição. Quando Manuel e o seu guia se aproximaram do grupo, as raparigas fugiram aos gritos, e Balantea desatou a chorar, assustada. Manuel tranquilizou-a, depois de lhe oferecer um rebuçado e de lhe ter dito que ele também era cego. Dois anos depois, passou a viver no lar, com mais seis dezenas de crianças. Foi aí que aprendeu a escrever e descobriu o prazer da leitura, graças ao sistema Braille. Prestes a celebrar 17 anos, Balantea sente que a saída do meio rural onde nasceu, e a mudança de cidade e de casa, mas sobretudo a escola, contribuíram para alterar radicalmente a sua vida. Agora, quando passa os dedos pela face e constata os efeitos da cegueira profunda, já sofre menos e tem um pouco mais de amor próprio. Passou a usar óculos e a conviver mais. Ainda lhe custa bastante coabitar com os colegas não invisuais do liceu, mas já não se aflige tanto com a indisfarçável curiosidade e admiração destes, por verem um cego a ler e escrever. Enquanto frequenta o 8º ano do liceu, onde decorre uma experiência piloto de ensino inclusivo, com mais 14 jovens invisuais, dá assistência na escola especial para deficientes visuais. E não quer ficar por aqui. A sua ambição é cursar Pedagogia, para se dedicar à docência. Até lá, está a aprender francês e também apoia a AGRICE, a associação
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AGORA, QUANDO PASSA OS DEDOS PELA FACE JÁ SOFRE MENOS E TEM UM POUCO MAIS DE AMOR PRÓPRIO. 30
das pessoas com deficiências visuais, nos inquéritos para localizar e retirar do anonimato mais crianças cegas e desemparadas, nomeadamente os que se encontram em áreas onde se fala a língua brassá, dos balantas, a sua comunidade étnica. Numa dessas missões, ajudou recentemente a descobrir dois rapazinhos cegos praticamente abandonados num lugarejo do Oio, no Norte, mal vestidos, e um deles com sérias queimaduras, contraídas quando tentava proteger-se do frio que se faz sentir à noite e ao alvorecer entre novembro e março. Paralelamente, Balantea ainda arranja energia para ajudar na sensibilização sobre questões de educação e saúde na secretaria do Comité das Mulheres cegas, criado para lutar contra a discriminação de que são alvos.
É AQUI QUE VIVEMOS! 31
Paula Fortes Regando as mudas de plantas, crianças colocam na prática o que lhes foi ensinado em sala de aula. A componente meio ambiente é transversal a todas as disciplinas. Aprendem matemática, por exemplo, calculando a distância entre as plantas e a quantidade de água necessária para regá-las. A lição é simples: cuidar do seu meio ambiente. O motivo parece óbvio: “é aqui que vivemos”. E dessa forma, os pés de tomate e cenoura, po di sangui e bissilon, vão recebendo a dose diária de água que precisam para crescer. Os legumes enriquecem o menu da cantina escolar, as árvores vão dando vida ao lugar. “Foram os próprios alunos que plantaram essas árvores que hoje lhes servem de sombreiros”. Na Escola Sincora Ntchama, assim como em todas as Escolas de Verificação Ambiental (EVA) espalhadas pela Guiné-Bissau (cerca de 20), teoria e prática andam de mãos dadas. “Eles são ensinados como devem plantar árvores e cuidar delas para que cresçam; há visi-tas que fazem ao terreno onde têm prática”, explica-nos Issa Indjai, Coordenador da Rede EVA no Norte do país.
A LIÇÃO É SIMPLES: CUIDAR DO SEU MEIO AMBIENTE. O MOTIVO PARECE ÓBVIO: “É AQUI QUE VIVEMOS”. 32
Estamos em Cubompor, pequena aldeia localizada no Parque Natural de Tarrafe de Cacheu, a 10 quilómetros da cidade de São Domingos, Região Norte do país. Curiosos, os alunos deixam de lado a brincadeira do intervalo e se aproximam. A recepção é calorosa. Todos querem saber que bons ventos nos trazem. Porém, a curiosidade vai dando lugar a timidez: mãos na boca, olhos fixos no chão, mãos que tremem! A expressão corporal denuncia-os, quando são colocadas as primeiras perguntas. Para ultrapassar este obstáculo, são convidados a cantar: “como é mesmo aquela vossa canção?”. Ao três do professor surgem as vozes, meio desengonçadas, umas mais altas do que as outras, depende do grau de timidez. E na canção, que lembra um hino, o compromisso de um amigo que cuida. Juram que vão tomar conta daquilo que herdaram: o meio ambiente; é nesta parte que colocam a mão no peito, selando a promessa. Mas também não deixam de denunciar os estragos outrora cometidos pelos mais velhos, que são vistos como ingratos, pois não prestaram o devido cuidado com este amigo comum. O compromisso que assumem não é apenas para com eles, mas para com as futuras gerações. É o bem-estar daqueles que ainda nem nasceram que os preocupa. As crianças de Sincora Ntchama, escola que garante a educação de cerca de 250 alunos de cinco tabancas da redondeza, sabem que o que têm hoje lhes é teoricamente suficiente. Poderiam não se importar em conservar, mas não é o caso, e indicam o caminho
a seguir: repovoar, não deitar lixo, evitando assim a poluição do ar. É ali que encontramos Loira e Miloca, de 10 e 9 anos, respectivamente. Loira gosta de Ciências, Miloca de Leitura. Uma gosta de caldo de chabéu, a outra de caldo de mancarra. Uma quer ser enfermeira, a outra costureira. Perfis diferentes que têm em comum o cuidado especial com o pequeno viveiro e as hortaliças que ficam logo atrás da escola. Depois das aulas, costumam vir réguar. Escolhemos aquele local para a conversa. Em nosso pequeno djumbai, a noção da importância dos pés de palmares, cibes e do tarrafe, para a segurança alimentar, se faz sentir. “No meio ambiente tiramos o nosso alimento. No tarrafe, por exemplo, os peixes reproduzem-se... pegamos camarão e ostras... Não é correto cortar o tarrafe molhado, o certo é pegar o que já está seco e dessa forma conservamos o local onde depois encontraremos o que comer”. Como boa apreciadora de caldo de chabéu que é, Miloca fica indignada perante a hipótese lançada, de um eventual abate dos palmares daquela tabanca, para a construção de casas no local: “Precisamos deles!”, exclama a miudita que não quer nem pensar em algo parecido, facto denunciado pela mudança repentina de suas feições – um verdadeiro pavor! Ela confessa que este é o seu prato preferido. Diz que o cozinha muito bem, e se dispôs a fazê-lo para mim numa próxima visita. A noção de meio ambiente não é a percepção do algo distante, da teoria longínqua. Em Cubompor, as crianças vivem o meio ambiente, e compreendem perfeitamente porque devem cuidar dele: é a sua vida
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NO MEIO AMBIENTE TIRAMOS O NOSSO ALIMENTO. NO TARRAFE, POR EXEMPLO, OS PEIXES REPRODUZEM-SE... 34
que está em causa. “A diferença entre essas e outras escolas públicas, é a questão da proteção e conservação do meio ambiente”, explica-nos Issa Ndjai, que ressalta que o trabalho alcança a comunidade como um todo; não são só as crianças que aprendem a fazer canteiros, os pais também. Aprendem isso e muito mais... Os pais participam das visitas de estudos dos alunos ao exterior. Juntos, por exemplo, fazem a repovoação do tarrafe: “contas um passo e colocas a caneta di santcho, e assim sucessivamente. Eu ainda não participo desta actividade, pois sou pequena, mas acompanhei os alunos mais velhos e os vi a fazer”, explica-nos Loira, que espera ansiosa o dia no qual poderá vir a dar a sua contribuição no repovoamento do tarrafe. Cerca de vinte minutos de moto e mudamos de cenário, agora estamos em São Domingos, mais precisamente na Escola Sabunhima. Esta escola é uma das mais recentes na Rede, porém, alguém desavisado não notaria a diferença, tamanha a capacidade dos seus alunos em responder às questões do Coordenador. Sabem que ali não aprendem somente o bê-a-ba. Há uma nova componente que os faz diariamente regar as mudas de plantas, limpar o mercado e a paragem de carros algumas vezes por mês, entre outras actividades. Artemisa estuda nesta escola e compartilha connosco esta noção do porquê da necessidade de um ambiente saudável. Além dos motivos que aprendeu em sala de aula, existe outro não menos importante.
Qual? É na paragem que sua mãe trabalha... Enquanto Artemisa, de 12 anos, gere o seu tempo entre o cuidar da casa, do irmão mais novo e ir à escola, sua mãe vai sustentando sozinha a família com um pequeno comércio naquele local. Diz que quando crescer há de ser médica. Enquanto esta fase ambicinada não chega, ela e as demais crianças vão cuidando do meio ambiente. São pequenos enfermeiros. Têm um paciente concreto a tratar. As mudas que vêm regando não se destinam somente aos cálculos matemáticos do espaço e da quantidade de água que cada planta precisa, é muito mais do que isso. As contas aqui são para repovoar o Matu di Corantas antes que seja tarde. “Sem árvores não teremos chuva!”, enfatiza Artemisa, ao dizer o que todos nós já sabemos. Sabemos? Artemisa revela que na verdade, pouco entendemos sobre esse negócio que é o cuidar do nosso amigo meio ambiente, do nosso lar...
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DE MANHÃ ESCOLA, À TARDE MADRASSA 44
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Pedro Rosa Mendes Maimuna Seidi tem a ambição de ser «médica ou enfermeira». É um sonho legítimo, do qual a adolescente fala com naturalidade. Mas Maimuna sabe também que, até há poucos anos, esse era um sonho impossível apenas porque ela nasceu menina numa família muçulmana. O futuro de Maimuna começou a mudar quando abriu em Buba a primeira escola mista do país, conciliando o ensino público e o estudo do Corão. «Antes não pensávamos pela nossa cabeça», resume Maimuna, embrulhada num elegante véu colorido, tão peculiar do traje feminino na sua região. Antes de 2011, Maimuna apenas podia frequentar a escola corânica, onde aprendia a recitar de cor suras e versículos numa língua estranha que ela não estudou nem sabe ler. Hoje, frequenta a quinta classe do ensino oficial e diz que vai seguir com os estudos «porque agora a força é maior». Os seus irmãos e irmãs «estão todos na escola mista» e a mãe frequenta também a alfabetização de adultos. O entusiasmo de Maimuna conta um pouco da génese deste projecto pioneiro de escola-madrassa. A ideia nasceu da comunidade muçul-
«ANTES NÃO PENSÁVAMOS PELA NOSSA CABEÇA», RESUME MAIMUNA, EMBRULHADA NUM ELEGANTE VÉU COLORIDO. 46
mana de Buba de ter uma escola mista para os seus filhos. Alice Mané, fundadora da organização não-governamental Rede Ajuda, fez a necessária ponte com o Ministério da Educação para que Bissau percebesse o desafio vindo de Buba. Como explica Maimuna, a comunidade conseguiu conciliar duas vias de formação que até aí se excluíam. De manhã, as aulas são em Português e seguem o programa oficial. À tarde, são em árabe, com o ensino corânico. A primeira escola (duplamente) mista da Guiné, em Buba, na região de Quínara,nasceu em 2006. Em 2013, existem duas, a original criada no Bairro Alto de Buba e uma nova em Nemão, frequentadas por um total de 412 alunos. O corpo docente é também misto: quatro professores para a escola pública, colocados pelo Ministério da Educação, e quatro professores para a madrassa. O equilíbrio no funcionamento das escolas é conseguido com incentivos aos professores pagos pela comunidade. Desta forma, Maimuna e os outros alunos conseguem ter aulas a um ritmo certo; evitam-se as greves que afectam gravemente a progressão de estudos de muitas crianças da Guiné. Maimuna refere um antes e um depois da escola mista, quando fala nas suas possibilidades de progredir nos estudos. Alaji Lansana Indjai, o imã de Buba, completa as frases simples de Maimuna enquadrando-as num processo de transformação colectiva que vê acontecer na comunidade. A possibilidade de escolarização das meninas tem um efeito positivo contra várias formas de discriminação e o imã viu desde o início que a esco-
la mista poderia ser um meio poderoso de promoção da igualdade. «Nós somos homens, casados, maridos e pais. Mas mulheres sofrem muitas violências. A mulher não tem direito a influenciar a escolha do marido de uma jovem. Mas de onde saiu aquela filha?», interroga Alaji Indjai. «Outro exemplo é tirar a menina para o fanado com 12 ou 13 anos, sem esperar que ela tenha os 18 anos. Porque tem de existir esta desigualdade de escolaridade?», questiona o imã. A escola mista respondeu também á necessidade de impedir a saída e o desenraizamento dos filhos da comunidade na geração de Maimuna. Um dos problemas na comunidade muçulmana de Quínara era a saída de jovens para estudar em escolas corânicas senegalesas ou da vizinha República da Guiné, em grandes cidades como Dacar ou Conacri, onde os jovens guineenses se encontravam com frequência à mercê de todo o tipo de violência e exploração. Como não havia a possibilidade de fazer estudos corânicos em Buba, algumas famílias enviavam os filhos para madrassas no estrangeiro. «Aqui só tínhamos escolas corânicas à volta da fogueira. Alguns, mais ambiciosos, julgavam que mandando os filhos para o Senegal eles voltariam sábios», ironiza Alaji Indjai. O regresso, no entanto, era muitas vezes diferente: muitos jovens talibés da região voltavam dependentes de droga e álcool, por exemplo, «todos estragados na delinquência». Outros ficavam pelo Senegal, em condições difíceis e servindo de pau para toda a obra. A escola mista de Buba é uma ideia condenada a crescer, dizem os res-
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ALGUNS, MAIS AMBICIOSOS, JULGAVAM QUE MANDANDO OS FILHOS PARA O SENEGAL ELES VOLTARIAM SÁBIOS”, IRONIZA ALAJI INDJAI. 48
ponsáveis da comunidade islâmica local. Como a família de Maimuna, há muita gente que pretende que os filhos estudem o Corão sem deixar de seguir a escola pública. Madrassa e escola oficial não têm que rivalizar, podem integrar-se e completar-se. Outras comunidades, noutras regiões, ouviram falar da escola mista de Buba e querem o mesmo tipo de instituição. Mesmo em Buba, a comunidade não pretende ficar pelas duas escolas. Maimuna pode ou não vir a ser enfermeira mas «o desenvolvimento nunca é suficiente. É bom ter sempre mais», conclui o imã.
OS MOMENTOS IMPORTANTES DA VIDA DE AISSATU Laudolino Medina e Alain Corbel Nas histórias de vida, há momentos que se cruzam e que, às vezes, fazem sentido. Ou não. Mas há sempre momentos-chave que podem iluminar e ajudar a perceber uma história. Na história de Aissatu, um momento crucial foi a perda do seu pai. A seguir à sua morte, ela foi viver numa cidade maior, a Leste da Guiné-Bissau, Gabú, com uma das suas tias. Mas essa tia não quis ficar com ela e mandou-a trabalhar como empregada doméstica numa família de Bissau. Aissatu teve sorte e ficou numa família muito generosa que, além de cuidar bem dela, matriculou-a na escola. Durante dois anos, tal como muitos outros meninos, foi às aulas. Foi na escola, durante uma campanha de sensibilização organizada pela AMIC, uma organização que protege os direitos das crianças, que Aissatu ouviu falar pela primeira vez dos Direitos das Crianças, e das organizações de defesa desses direitos. A informação que nesse dia ouviu foi outro momento chave. Um dia, um homem de 38 anos, que conhecia a tia, manifestou a intenção de casar com ela. A tia concordou e enviou uma mensagem urgente
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LIVRE DESSE CASAMENTO QUE PODERIA TER COMPROMETIDO O SEU FUTURO, AÍSSATU FICOU MAIS DO QUE FELIZ COM ESSA REVIRAVOLTA. 50
para Bissau, para que a sobrinha lhe fosse rapidamente entregue. Aissatu voltou para Gabú sem saber do objectivo da sua viagem. Só lá é que a tia a informou que iria casar-se em breve com um homem que ela não conhecia. Aissatu recusou este plano, que não tinha sido discutido com ela. A tia bateu-lhe para a obrigar a conformar-se. Firme e consciente dos seus direitos, Aissatu fugiu para não ficar amarrada a esse casamento forçado. De Gabú, voltou sozinha para Bissau e procurou ajuda na sede da AMIC. A AMIC cuidou dela até que tudo estivesse resolvido a seu favor. Uma delegação dessa organização visitou os familiares no Gabú, para tentar convencê-los a renunciar ao casamento. Finalmente, depois de várias reuniões de mediação, a família desistiu do projecto. Livre desse casamento que poderia ter comprometido o seu futuro, Aíssatu ficou mais do que feliz com essa reviravolta. A família adoptiva em Bissau ofereceu-lhe mais uma vez acolhimento e ajudou-a a continuar a sua escolaridade. Por seu lado, os responsáveis da AMIC ficaram também em contacto com essa família para dar apoio se fosse necessário. De certeza que haverá outros momentos importantes na vida da Aissatu, menina de 12 anos, mas o que teria sido a sua vida se não tivesse ido à escola e se não tivesse ouvido falar dos direitos das crianças?
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OS MAIS VELHOS 52
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MATO 54
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CERIMÓNIAS 56
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A FALA DE BABA 58
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Paula Fortes “Quando tiver meios, vou dividir com os que não têm”, é o que fala Baba, esforçando-se para falar em português. Estava com duas horas de atraso. Desculpa-se: estava sem o dinheiro para o toca toca. Ele é um garoto de sorriso fácil, 14 anos de idade, olhos de onde emana um brilho particular. Traz consigo uma vitalidade contagiante, sabe provocar grande simpatia naqueles que de si se aproximam. Diz que não quer ter só para si e, melhor ainda, que a escola o ajudará a realizar seus sonhos. Será um jornalista e também fará economia. Porém o que mais chama a atenção é o seu grande encantamento por alguém querer contar a sua história. E ele não se faz de rogado, fala com facilidade, orgulhoso de tudo o que já viveu e ainda viverá. Sabe que conseguirá chegar onde quer. Lentine Ramalho Pereira, mais conhecido por Baba, é um dos tantos jovens das Ilhas Urok, tchon di budjugu, que saem para continuar a estudar em Bissau. Tem toda a consciência do mundo de que a vida, como para compensar as tantas tristezas, resolveu ser-lhe generosa, por isso luta bravamente para fazer tudo do melhor jeito. Sabe que a sorte
SCOLA, SCOLA, SCOLA, TUDO HORA SCOLA! RECLAMAVA A AVÓ, POIS BABA NÃO IA VIGIAR A LAVOURA E CERCAR OS PÁSSAROS. 60
pode não bater duas vezes na mesma porta. “Não conheço muito bem a minha mãe... Conheço melhor o meu pai, conheço-o muito bem”, conta o jovem, como se eles ainda estivessem vivos. A mãe morreu em 2000, Baba tinha 2 anos, foi morar com a avó. O pai, em 2009, tempo em que veio para Bissau. Deixaram 11 filhos. De Ambo, tabanka onde nasceu, lembra-se das brincadeiras com seus amigos: Nadar no Purto di Metadi ou então no Purto di Cabinhaque; pescar bentanas; tirar foli para vender na tabanca de Abu. “Vendíamos foli, ao administrador ou então aos funcionários da Tiniguena, para comprar algo para comer: pão. Sabes como é, né? Prublema di terra”. Iam cozinhar no mato... tempu di foli... Apesar das dificuldades, gostava daquela vida, dos seus amigos. Tinham quase nada, mas sabiam ser felizes. Por vezes, a fome de bola falava mais alto e se esqueciam do pão. Lá ia Baba e os seus comprarem uma bola, dessas baratinhas, 100 Francos CFA. Seu jogador preferido? “Cristiano Ronaldo!” Diz sem pestanejar. “Em qualquer equipa que ele jogar, essa é a minha equipa”. Foi o tio Abdulai, que o encorajou a se matricular, vendo a curiosidade dele, quando tinha 6 anos, sobre o que era escola. “Ele me disse que a escola é o local onde se aumenta o conhecimento; a vantagem é que este conhecimento ajuda no nosso futuro, além do mais, aquilo que aprendes lá é teu e ninguém te pode tirar!” Começava aí um novo percurso dentro de sua trajetória. O lugar? Escola de Cabinhaque. A primeira palavra que aprendeu a escrever foi “mamãe”, e emenda:
“Fiquei muito feliz quando comecei a escrever o meu nome. Depois foi o do meu pai e o da minha mãe”. Por ser pequeno, em relação aos demais colegas de turma, foi obrigado a repetir, mesmo tendo nota suficiente para passar, a primeira classe duas vezes e a terceira, uma vez. “ Cansaram-me!” Hoje cursa o nono ano do Liceu. Mas a vida, embora toda a vontade, continuava difícil e já não tinha mais dinheiro para permanecer na Escola de Cabinhaque. O projecto EDUCAÇÃO PARA TODOS NAS ILHAS UROK, dinamizado pela Tiniguena, surgiu-lhe como uma nova oportunidade. Por que não tentar? Escreveu uma carta e conseguiu apoio para estudar na Escola de Abu e frequentar a sala de leitura: queria aumentar a experiência de como se deve ler. – Scola, scola, scola, tudo hora scola! Reclamava a avó, pois Baba não ia vigiar a lavoura e cercar os pássaros que arruinavam a plantação. Arrebatava a pasta e fugia. O tio sempre acudia: “Deixa o miúdo ir à escola. Olhe para nós, ficamos aqui parados no tempo. Não temos perspectivas de um futuro melhor; nem podemos entrar noutra sociedade sem sentir vergonha”. A avó não queria, mas convenceram-lhe que Baba deveria ir para Bissau. “Ela gosta muito de mim, queria que eu ficasse ao pé dela”. Ainda se lembra de um conselho que lhe deram, antes de partir, para pegar tesu na escola. “Lembra que não tens mãe nem pai, por isso tens que te esforçar. A escola há de ser a tua mãe e o teu pai.” Hoje, mora no bairro Antula. Seu tio, juntamente com sua esposa, ocupam-se dele.
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DESENRASCA-SE COMO PODE, SUA TIA, PARA AJUDAR NO SUSTENTO DA FAMÍLIA, E ELE, QUANDO PODE, AJUDA-LHE NA VENDA. 62
Não perde aulas. Não gosta. Sua disciplina preferida? Educação Social. Fala bastante da história da Guiné-Bissau, fala do seu herói: Amílcar Cabral. Vinho palma, batata, panguete... Desenrasca-se como pode, sua tia, para ajudar no sustento da família, e ele, quando pode, ajuda-lhe na venda e nos afazeres da casa. Seis horas da manhã: catar água, limpar a casa, lavar os pratos, por vezes fincar a caçarola de arroz... “Os meus colegas dizem que sou mindjerenti, mas eu não me importo. Como posso estar na casa de pessoas que cuidam muito bem de mim e não ajudar? Vou dizer que sou homem e não devo fazer “trabalho de mulher”? Além do mais, ressalta que para ele é bom, afinal, nunca se sabe do dia de amanhã e onde pode vir a estar... “Faço caldo branco e peixe frito!” “No dia em que for um homem importante, vou ajudar a defender os direitos das crianças e das mulheres, principalmente os das crianças. Vejo muitas abandonadas que estão em pior situação do que a minha, nem roupa têm para vestir.” Diz o rapaz com um ar sonhador. Por que mulheres e crianças? “As crianças são o futuro de um país e as mulheres são as mães do futuro de um país, elas são os motores desta terra!” Baba diz que vê como as mulheres lutam para sobreviver e, às vezes, acabam não se dedicando como deveriam ou desejariam a seus filhos. “Mas uma criança precisa de amor, cuidados e, quando fica abandonada, acaba por fazer coisas que até não queria; a falta de amor e de escola leva-a àquilo.”
Despede-se, afinal o futuro não pode esperar. É preciso continuar a luta. Para vir falar comigo, viera a pé. A pé ele segue. Vai com pressa. Deve continuar tecendo os fios de sua vida. Esse é o seu jeito de ser feliz. Fica a admiração por aquele kabaro, de sorriso fácil e convicção de que pode tudo alcançar, basta apenas estudar.
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O MEU BRINQUEDO É MAIS BONITO QUE O TEU, PORQUE FUI EU QUE O FIZ Waldir Araújo Criar brinquedos a partir de materiais aparentemente inúteis, alguns mesmo encontrados no lixo. Esta é a arte de Sinhote Có, que enquanto criança não se conformava com os brinquedos que os pais lhe ofereciam, cobiçando os das crianças mais ricas. Acabou por criar o seu próprio Mundo de Diversão. Nunca mais parou e hoje ensina crianças portu-guesas que o lixo pode virar arte. Era uma vez um menino que não se conformava com os brinquedos que os pais lhe compravam. Queria mais e mais sofisticados, tais como aqueles que via no quintal das crianças estrangeiras que moravam no mesmo bairro. Brinquedos que não podia ter, pois os pais não tinham condições para os comprar. Mas esse menino que vivia no bairro de Cuntum, em Bissau,
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SINHOTE, NO LUGAR DE IMITAR O QUE VIA, USAVA A CRIATIVIDADE PARA DAR UM TOQUE PARTICULAR AOS SEUS INVENTOS. 66
tinha um trunfo: uma imensa dose de criatividade. Juntando a imaginação à criatividade, a criança de seis anos de idade que cobiçava os brinquedos de outros meninos ricos, pôs mãos à obra. Com materiais que encontrava no lixo, como latas, papel, arame, fios de electricidade, pedaços de plástico e esferovite, Sinhote Có começou a construir os seus próprios brinquedos, estimulado pelo incontrolável desejo de brincar, sonhar, viajar para o mundo da fantasia, onde tudo é possível. Convivendo lado a lado com outras crianças estrangeiras e os seus brinquedos, Sinhote, no lugar de imitar o que via, usava a criatividade para dar um toque particular, pessoal, aos seus inventos, criando assim o seu próprio mundo de diversão. “Fazer brinquedos é um impulso, é algo que sinto que já veio comigo, é inato, é um dom natural”, diz, tímido, o jovem que hoje vive em Portugal, onde a sua arte é já conhecida e onde marca presença em diversas iniciativas artísticas e culturais. Apesar de nunca ter estudado electrónica, através da curiosidade e da imaginação, Sinhote consegue criar brinquedos com mobilidade mecânica, como os bonecos que batem palmas, carros com portas automáticas, campos de futebol com jogadores que chutam bolas, mulheres a pilar arroz, homens a tocar instrumentos tradicionais e ainda jogos interactivos. Sorridente, Sinhote Có revela que, no início, “tudo era rudimentar mas, à medida que fui aperfeiçoando as técnicas, comecei a criar brinquedos mais sofisticados”. O “pequeno inventor” começa a dar nas vistas, e muito cedo, os pais das
crianças estrangeiras cujos brinquedos cobiçava, começaram a fazer encomendas. “Pediam-me que construísse brinquedos para os filhos e outros apenas para decoração ”. O pequeno negócio começou a florescer, a ponto de Sinhote, apenas com 12 anos de idade, ter pedido aos pais que lhe deixassem assumir parcialmente as despesas inerentes aos seus estudos. Inicialmente os pais não concordaram, “mas acabamos por chegar a um acordo, eu entregava-lhes todo o dinheiro que fazia com a venda dos brinquedos e quando precisava de comprar materiais, eles davam-me”. Era uma forma da criança ajudar na precária economia doméstica da sua família. Mais tarde, Sinhote começa a contribuir, por iniciativa própria, na educação dos irmãos mais novos. É com brilhos nos olhos que recorda o primeiro brinquedo que construiu no bairro de Cuntum, em Bissau: “ a partir de uma lata de atum, quatro caricas, dois fios de arame e um cordel, fiz o meu primeiro carro que acabei por oferecer a um amigo”. Nos finais da década de noventa, a criatividade do jovem começa a ser cada vez mais reconhecida no seu país. Em 2000, representa a Guiné-Bissau na Expo Hannover, Alemanha. “Tinha apenas dezoito anos e foi importante para mim e para minha carreira”. Depois de Hannover segue para Lisboa, para regressar à Guiné-Bissau, onde aguardava por uma Bolsa de Estudo, mas devido a uma agitação político-militar ocorrida na altura, acaba por ficar em Portugal. Prossegue os estudos na Escola Secundária de Odivelas e mais tarde na
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O MAIS IMPORTANTE PARA MIM É CONTINUAR A CRIAR E AJUDAR OS MAIS NOVOS A DESENVOLVEREM A SUA CRIATIVIDADE. 68
Amadora, enquanto vai aperfeiçoando a sua arte de reciclagem. Em 2002, participa no Concurso “Red Bull Creative Contest”, onde arrecadou o terceiro prémio. Através de entrevistas a alguns órgãos de comunicação social portuguesa, algumas entidades camarárias começaram a convidar o jovem artista a ministrar “ateliês” de construção de brinquedos destinados a crianças e jovens. “O primeiro convite veio de uma Escola Primária de Pendão, logo depois foi a vez das Câmaras de Sintra, de Almada e de Seia”. Em 2006 recebe uma distinção da revista Africa Today, em Angola. Mais tarde, em 2011, foi a vez da Associação de Estudantes Guineenses em Portugal reconhecer o mérito jovem criador que é também artista plástico e poeta. “Seguiram-se outras distinções, mas o mais importante para mim é continuar a criar e ajudar os mais novos a desenvolverem a sua criatividade”. Sinhote Có continua a expor os seus trabalhos em Portugal, onde vai ministrando workshops de construção de brinquedos a partir de materiais reutilizáveis, em festas de crianças, em casas particulares e também nas escolas e museus. Aliás, o Museu de Brinquedos de Seia adquiriu alguns trabalhos de Sinhote Có, com destaque para um elétrico amarelo que é uma homenagem à cidade de Lisboa. No Museu de Etnologia está representado com mais de meia dúzia de peças, adquiridas por aquela instituição. Sempre com uma humildade tocante e um tom sereno na voz, Sinhote Có diz que um dos seus objectivos é “incentivar todos aqueles que têm talento, assim como os que ainda não descobriram o seu potencial, que desistir não é solução”.
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OS TRABALHOS 70
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A HORTA 72
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BABAGALÉ, O TALIBÉ SOBREVIVENTE Nando Coiaté Desde o regresso à casa dos pais, em Tabadjan, a sua terra natal, Babagalé Sané não consegue tirar do pensamento a imagem e o nome de Teresa, a tubabu que o acompanhou ao aeroporto, no dia da viagem de Dacar para Bissau. A funcionária da ONU no Senegal foi um inesperado oásis na aridez dos dois anos passados no país vizinho. Pensou o tempo todo nela, no pouco mais de meia hora do voo. Essa mulher terá um lugar permanente nos recantos da sua memória. É como se duma mãe se tratasse. Lembra-se como se fosse ontem do último encontro de ambos, no djemberem da aldeia, na presença do djarga e de outros notáveis da tabanca. Era a quarta vez que ela vinha. E como nas visitas precedentes, preocupou-se particularmente com o seu estado de saúde e recomendou aos seus familiares que não o deixassem trabalhar, por causa das lesões contraídas numa queda. Inicialmente, nem podia tomar banho sozinho. As recordações remeteram-no para o dia em que se conheceram, pouco depois de ter deixado o hospital, a seguir à queda das escadarias de um prédio de dois pisos
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MENDIGAR DE SOL A SOL, ALIMENTAR-SE POUCO E MAL, DORMIR NO SOLO POEIRENTO SOBRE COLCHÕES DE PAPELÃO. 76
de Benabarac, o bairro dos subúrbios da capital senegalesa onde ficava a sua dara. Foi no Impire des Enfants, porto de abrigo de centenas de rapazinhos da Guiné e de outros países apanhados nas malhas do tráfico e exploração de trabalho infantil, a pretexto da aprendizagem do Alcorão. Fugiu para o “Impire” pouco depois de ter recomeçado a mendigar para os marabus, os seus mestres corânicos. Depois do acidente, custava-lhe mais suportar a vida espartana de talibé. Mendigar de sol a sol, alimentar-se pouco e mal, dormir no solo poeirento sobre colchões de papelão, sofrer o maltrato dos colegas mais velhos e a punição dos mestres corânicos quando não trazia a quota diária de dinheiro. Mais doloroso era o castigo infligido pelo próprio tio, um dos mestres corânicos. Os colegas tiravam-lhe o calção e seguravam-lhe as pernas e os braços, enquanto o próprio irmão da mãe lhe açoitava as nádegas nuas com um fio metálico. Ainda não consegue entender como é um familiar próximo podia ser tão desapiedado com ele. A primeira tentativa de fuga foi mal sucedida. Mas a segunda resultou. Aproveitou o dia da grande reza, às sextas, em que estavam autorizados a mendigar na zona urbana, para se dirigir ao “Impire”. Foi acolhido de braços abertos. Tomou banho, recebeu roupa nova e comeu uma refeição decente. Também lhe curaram as feridas. Desde então, Teresa foi o seu anjo protetor, e tratou das papeladas e despesas para que pudesse regressar à Guiné. Babagalé foi com nove anos. Foram dois anos difíceis. Sete meses a mendigar, a memorizar o Alcorão, e os restantes
a convalescer após o acidente, que lhe inutilizou um braço e lhe deixou cicatrizes na cabeça e nas pernas. Nesse dia, quando deixava um apartamento onde lhe tinham oferecido ½ kg de arroz e 100 francos, surge um outro talibé, que o interpela, por ter ido pedir esmola num sítio onde tinha sido “apadrinhado” pela dona de casa. Babagalé tenta prosseguir o seu caminho, mas sente nas costas a mão do rapaz a tentar empurrá-lo. Já em desequilibro, agarra-se à camisa do agressor, e do cimo das escadas do prédio, precipitam-se ambos no vazio. É na cama do hospital que sabe da morte do outro talibé. Babagalé sobrevive, e só a compaixão de duas médicas senegalesas é que impediram o cirurgião de lhe amputar um braço. Apesar da atenção de Teresa, fervia de impaciência para regressar a Tabadjan. Vem-lhe à memória o frenesim inusitado provocado pela chegada de um carro à sua pacata tabanca. O olhar insistente, quase choroso e o abraço forte, sem uma única palavra, de Djebu, a sua mãe. O mesmo silêncio, enigmático e submisso, tal como no momento da partida, que não permitia saber se aprovou ou não a decisão do pai de mandar-lhe, ainda menino, para o estrangeiro, a fim de aprender a recitar o Alcorão. Na tabanca de Babagalé, um fula das zonas rurais de Gabu, por uma questão de fé e também de prestígio social, as crianças são orientadas para o conhecimento dos livros sagrados. Além disso, recebem noções de moral e ciência, e executam tarefas domésticas, a fim saberem enfrentar as dificuldades da vida adulta. Esta era a tradição, porém, já não é seguida
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A PRIMEIRA TENTATIVA DE FUGA FOI MAL SUCEDIDA. MAS A SEGUNDA RESULTOU. APROVEITOU O DIA DA GRANDE REZA, ÀS SEXTAS. 78
com rigor. No Senegal e noutras paragens, os talibés passam o essencial do tempo a mendigar, para a sua própria alimentação, e para sustentar os seus mestres. A aprendizagem do Corão tornou-se ainda o pretexto para alguns se verem livres de mais uma boca que teriam de alimentar. Os mais penalizados são os órfãos. Não é o caso de Babagalé. O seu problema é outro. Quer estudar, mas em Tabadjan, por falta de professores, não há escola.
FALA DI MININU 79
Mussá Baldé De quem é a responsabilidade pela educação dos jovens guineenses? Dos pais ou da escola? Como incentivar os jovens a irem para escola num país onde das 10 crianças matriculadas apenas cinco terminam o primeiro ciclo? Como desencorajar a delinquência num país onde os jovens estão a perder boas referências fruto da desarticulação da própria sociedade? Questões que três adolescentes de 15, 16 e 17 anos levaram para um apaixonado debate de uma hora na Rádio Jovem, de Bissau. Maua, Aminata e Carlos, os animadores do programa, afiançam que “é ouvido por todas as crianças, pelo menos as de Bissau”. Sabem-no pelo feedback que vão tendo nas escolas. O programa “Fala de Minino” (A Voz das Crianças) retrata os direitos e os deveres das crianças. Está no ar há quatro anos. A Maua, 17 anos e a Aminata, 16, são as produtoras desde que em 2009 a RENAJ (Rede Nacional das Associações Juvenis) criou o programa. O
O DEBATE AQUECE. CARLOS FECHA O CADERNO E FALA DOS JOVENS “QUE ESTÃO A PERDER A CABEÇA”. 80
Carlos, 15 anos, chegou ao programa há pouco mais de um ano mas é quem propõe os temas. Carlos tem cara de miúdo mas parece um estudioso adulto, embora ar de traquinas. Fala com gestos. Sorri muito. As duas raparigas, a Aminata e a Maua, são amigas e ambas querem fazer algo para mudar a condição feminina na Guiné-Bissau. Vestem-se com discrição, o que começa a ser raro nas raparigas da sua idade. Expressam-se com refinamento e têm uma notória familiaridade com o microfone. A Rádio Jovem é das poucas estações da Guiné-Bissau que é captada na Internet, assim a Maua inicia o programa saudando os ouvintes e particularmente as crianças na diáspora, lembrando-as que podem participar no programa através do Facebook. Feitas as apresentações, com a música (Mininu Talibé) do cantor Zé Manel como trilha sonora do programa, o tema é lançado. A Educação. Carlos lê, num caderno que tira da mochila, alguns dados reveladores da situação da Educação. São dados preocupantes. Diz que o futuro das crianças e dos jovens guineenses está comprometido devido às greves sucessivas nas escolas públicas – os professores estão a observar uma greve geral de 30 dias -, diz que dados autenticados pelas Nações Unidas indicam que apenas cinco entre cada 10 crianças matriculadas nas escolas da Guiné-Bissau terminam o primeiro ciclo. Fala depois da fraqueza dos curricula escolar da Guiné-Bissau, diz que os alunos guineenses têm muitas
dificuldades para se afirmarem no estrangeiro, e observa que mesmo com a introdução do 12.º ano as coisas não tendem a melhorar. O programa é aberto aos ouvintes e Carlos quis logo abrir a linha mas a Aminata, com gestos algo teatrais, pede calma. Saúde primeiro as crianças doentes nos hospitais, as crianças da diáspora, as crianças portadoras de deficiência física. Maua, óculos brancos, cabelo apanhado à menina do jardim, abre um diário onde tem anotadas ideias sobre a Educação. Diz que educar não é só mandar uma criança para escola. “Educar é também o comportamento dos pais diante de uma criança. Há pais que não se preocupam nada com o que os seus filhos fazem, em casa ou na escola”, nota, como que a querer dizer aos colegas para terem cuidado com a forma como abordavam o tema. Aminata e o Carlos recentraram o debate à volta da perspetiva de Maua. “É verdade o que a Maua diz. Há pais que não querem saber da educação das suas crianças. Batem nas crianças por tudo e por nada. Dizem palavrões à frente das crianças, brigam entre si, dão maus exemplos aos filhos”, salienta Aminata, citando casos concretos. O debate aquece. Carlos fecha o caderno e fala dos jovens “que estão a perder a cabeça” pela forma como se comportam. Lembra os célebres grupos “Os Como É Que É”, bandos de jovens cuja maioria é deportada de Portugal por atos delinquentes mas que agora se dedicam ao banditismo, assaltando e roubando as pessoas em plena luz do dia. São o terror
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UNS CRITICAM O COMPORTAMENTO ERRANTE DOS JOVENS, OUTROS RESPONSABILIZAM OS PAIS E OUTROS AINDA ATIRAM AS CULPAS AO ESTADO. 82
do momento. A Polícia diz que constituem a principal preocupação em termos de tranquilidade em Bissau. “O problema não está apenas na delinquência dos rapazes”, frisa Maua, entretida com o seu diário onde também tem poemas. Feminista convicta, Maua acha que “o problema” está na forma como as famílias guineenses decidem pela educação dos filhos. Dá-se mais prioridade à educação dos rapazes, deixando as raparigas confinadas às tarefas domésticas, preparando-as para o casamento que muita das vezes é forçado ou precoce, sentencia. “Educar uma menina é o meio caminho andado para se ter uma sociedade forte”, enfatiza Maua, virando-se para o Carlos, como que aguardando o comentário deste. Carlos atira-se de cabeça. Diz que das poucas meninas que são mandadas para a escola pelos pais, quando não são tiradas das salas de aulas cedo demais acabam por perder o ano escolar quando chega a altura da apanha do caju (principal produto agrícola do país e de exportação). Acenadas com promessas de dinheiro fácil no final da safra muitas abandonam definitivamente a escola e vão para as aldeias. Acabam por não regressar, contraindo casamento ou ficando grávidas. Sobe de tom o debate. “É um crime isto do abandono escolar das raparigas por causa da apanha do caju. Devia haver uma lei que proibisse isso”, diz uma das raparigas no meio da confusão. O estúdio parece agora uma sessão Parlamentar. Maua nota que a sociedade devia tomar uma posição porque, diz, “é o futuro do país que está em causa”.
“Se a responsabilidade é da escola e se há uma taxa elevada do abandono escolar o que será do país sem gente preparada?”, interroga Carlos, pedindo que se abra a ‘linha’ aos ouvintes. O primeiro, um senhor, enaltece as “informações preocupantes” enunciadas pelo Carlos e dá a sua opinião: “Têm toda razão quando dizem que o futuro deste país está em causa. Fico ainda muito preocupado com esta onda de greves nas escolas públicas todos os anos. Pergunto-me o que será de vós se isto continuar assim. O que será deste país no futuro?”. Os três jovens animadores acenam com a cabeça em sinal de concordância. Uma outra ouvinte, que diz ser mãe, fala da responsabilidade da família no processo da educação dos jovens. Acusa os pais de se furtarem às suas responsabilidades, deixando para a sociedade essa tarefa “como se não tivessem nada com isso”. O programa continua assim. Uns criticam o comportamento errante dos jovens, outros responsabilizam os pais e outros ainda atiram as culpas ao Estado. E assim continuou até o fecho do programa. Para a semana lá estarão, com outro tema.
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OS MERCADOS 84
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OS TRANSPORTES 86
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AS CASAS 88
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DIREITOS DAS CRIANÇAS NA GUINÉ-BISSAU INSTRUMENTOS DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL E SUA APLICAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU
Laudolino Medina [AMIC] Segundo os Censos de 2009, as crianças (em sentido lato, até aos 18 anos) constituem mais de 50 por cento da população da Guiné-Bissau; elas constituem ainda o grupo sócio-etário mais vulnerável da sociedade em todos os domínios, na medida em que dependem, sobretudo as mais jovens, quase exclusivamente do seu meio envolvente e do apoio de terceiros para a satisfação das suas necessidades e para um adequado desenvolvimento físico, afectivo e mental. Anualmente inúmeros casos de violação dos direitos das crianças ocorrem na Guiné-Bissau. No entanto, muitos destes casos são ignorados por
várias razões: medo de represálias contra quem denuncia, morosidade da justiça, impunidade ou ignorância da lei. É comum enumerar estes atropelos, no entanto, nem sempre se sabe de onde vêm estes direitos e quais os instrumentos que, no domínio internacional, foram elaborados fazer com que os Estado cumpram as suas obrigações nesta matéria. Trataremos, em seguida, de elencar alguns desses instrumentos jurídicos de protecção das crianças, com os quais a Guiné-Bissau se comprometeu, destacando algumas questões que consideramos essenciais e que têm permanecido mais invisíveis, devido à sua dissimulação como prática normal ou pela ampla aceitação social: o tráfico de crianças, o trabalho infantil e os castigos físicos humilhantes. Por fim, sintetizam-se os avanços realizados do ponto de vista legislativo e institucional de protecção da infância na Guiné-Bissau, assim como as lacunas da sua implementação, de acordo com o relatório de monitorização do cumprimento da Convenção dos Direitos da Criança na Guiné-Bissau, realizado pelas ONG que trabalham neste domínio.
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1. VIOLAÇÕES DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS NA GUINÉ-BISSAU Existência / reconhecimento legal
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Todos os anos nascem 79.000 crianças na Guiné-Bissau e em cada 10 nascidos vivos 6 crianças nunca são registadas. Estima-se que existam actualmente 480.000 crianças não registadas na Guiné-Bissau, o que as coloca numa posição de cidadãos invisíveis, sem qualquer documento que prove que elas existem: apenas 24 por cento das crianças com menos de 5 anos foram registadas ao nascer (MICS 2010). Sobrevivência e saúde A taxa de Mortalidade neonatal no período mais recente é de 45 por 1000 nascidos vivos. Esta taxa é maior do que da mortalidade do pós-neonatal, que é de 19 por 1000 nascidos vivos, no mesmo período. Isso mostra que três quartos das mortes infantis na Guiné-Bissau ocorrerem durante o primeiro mês de vida. A taxa de mortalidade infantil é de 63 por mil nascidos vivos e a taxa de mortalidade infanto-juvenil (menores de 5 anos) é de 116 por mil nascidos vivos: o que quer dizer que 1 em cada 16 crianças morrem antes de atingir a idade de um ano, enquanto 1 em cada 9 crianças não sobrevivem ao quinto aniversário (MICS 2010).
Cerca de uma para cada grupo de cinco crianças na Guiné-Bissau (16.000 todos os anos) morre antes dos cinco anos de idade, geralmente por razões que poderiam ser evitadas. Este número tem diminuído, mas permanece elevado. A saúde, o atendimento médico, o acesso a alimentação e água potável são precários na Guiné-Bissau. Ainda segundo os dados do MICS - Inquérito por Amostragem aos Indicadores Múltiplos - de 2010, menos da metade (46%) dos nascidos vivos nos 2 últimos anos foram pesados ao nascer. A percentagem é mais elevada no meio urbano (69% contra 34% no meio rural). Em total, avalia-se que no nível do país 11% dos nascidos vivos nos 2 últimos anos tiveram um peso inferior a 2500 gramas. Essa taxa é ligeiramente mais importante nas províncias do Leste (13%) e do Norte (12%). Também parece decrescer muito ligeiramente com o nível de instrução da mãe. O paludismo, que atinge 37 por cento das crianças de menos de 5 anos, as diarreias e as doenças respiratórias agudas são as principais causas da mortalidade infantil na Guiné-Bissau. Educação Na Guiné-Bissau 40% das mulheres de 15-24 anos são alfabetizadas. Esta taxa é maior no meio urbano (63%), comparativamente com o meio rural com apenas 16%. Quanto às crianças com idade de entrada no ensino primário
(7 anos), a taxa líquida de frequência ajustada é de 46% (MICS 2010). A percentagem das crianças escolarizadas depois da 5ª classe não ultrapassa 43,2 por cento (MICS 2006). O direito de frequentar a escola e ter acesso a educação é uma utopia para muitas crianças na Guiné-Bissau. Só 2 para cada 5 crianças na Guiné-Bissau vão à escola. Porém, muitas abandonam a escola muito cedo, principalmente as meninas por razões de casamento forçado e precoce, trabalho no campo para a família, cerimónias e rituais étnicos, incluindo a excisão (fanado das mulheres). Os grandes atrasos no pagamento dos salários e as consequentes e constantes greves e boicotes às aulas pelos sindicatos e professores das escolas públicas têm comprometido seriamente os anos escolares. A não garantia de um ano escolar normal constitui assim uma grave violação do direito à escola e à educação das crianças na Guiné-Bissau. Condições de vida e bem-estar A maioria das crianças na Guiné-Bissau vive em situação de extrema pobreza, com menos de 456 Francos CFA por dia para viver. Estão portanto excluídas de uma vida condigna com direito a usufruir de condições normais de moradia, alimentação, roupas, educação, atendimento médico e segurança.
As crianças figuram igualmente como as primeiras vítimas da crise social, económica e política. A inoperância e a ineficiência de um mecanismo nacional de protecção da infância, associadas à falta de recursos das instituições públicas vocacionadas para a matéria, fazem com que as crianças vulneráveis fiquem abandonadas à sua sorte e sem apoios concretos em relação aos serviços sociais de base. As carências sentem-se, sobretudo, ao nível do sector da educação, da saúde, da água e saneamento e da protecção jurídica dos seus direitos. Os problemas supracitados forçam e empurram as crianças para o trabalho precoce (57 por cento das crianças com a idade compreendida entre 5-14 anos exercem algum tipo de trabalho na Guiné-Bissau, sendo 65 por cento no meio rural e 45 por cento no meio urbano, ligeiramente mais frequente nas meninas, com 60 por cento contra 55 por cento dos rapazes, segundo o MICS 2010, para a mendicidade na rua, para a delinquência e prostituição, para situações incompatíveis com a sua idade e condição infantil. Apesar de qualquer tipo de trabalho ser proibido para crianças menores, 39,2% de crianças de idades entre 5-14 anos (41,1% para os rapazes e 37,0% para as raparigas) trabalham de alguma forma ou são implicadas nas actividades de trabalho na Guiné-Bissau.
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Quanto às raparigas, reforça-se com a crise a tendência para que os horizontes da sua realização pessoal e outras sejam apenas circunscritas ao campo estrito dos trabalhos domésticos e do matrimónio, tendo crescido consideravelmente nos últimos tempos o fenómeno dos casamentos precoces nos meios rurais, mas também urbanos. Muito para além dos limites do dote, a doação em casamento assume hoje uma verdadeira e permanente fonte de receita, portanto, objecto comerciável (7 por cento das mulheres entre 15-49 conhecem o seu primeiro casamento antes de completarem 15 anos, enquanto que 29 por cento das mulheres com a idade entre 20-49 casaram antes dos 18 anos – MICS 2010). Maus-tratos e violência Somente 19 países no mundo proibiram todas as formas de punição corporal para crianças. Alguns países ainda permitem castigos físicos na escola. A Guiné-Bissau não proibiu formalmente pela lei a punição corporal, mas as orientações pedagógicas modernas do Ministério da Educação proíbem a punição corporal nas escolas públicas. Na comunidade e no seio da família a criança continua a ser vítima de várias formas de violência, incluindo a negligência, os maus-tratos e os abusos. Na Guiné-Bissau, cerca de 80% de crianças entre 2 e 14 anos sofreram punição psicológica ou física por parte das suas mães/tutoras ou outros membros do seu agregado, (MICS 2006).
A prática da mutilação genital feminina atinge cerca de 50 por cento das mulheres no país, com incidência particular nas muçulmanas (MICS 2010).
2. ALGUNS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS
da justiça (art. 40º) e às práticas tradicionais (art.24º). A CDC proíbe a pena de morte para crimes cometidos pelos menores de 18 anos (art. 37º, al. a).
Nos últimos dez anos, o país assistiu ainda a uma vaga de crianças enviadas para a sub-região, principalmente para o Senegal, para o ensino corânico que passou a servir, na maioria dos casos, para encobrir um fenómeno de tráfico de “crianças talibés”, escravizadas pelos próprios mestres corânicos, a quem devem obediência total, sob pena de serem severamente castigadas. Uma vez no país do destino, as crianças são confrontadas com a promiscuidade e insalubridade da habitação, a más condições de higiene e de alimentação, com a exploração física e económica dos “mestres” e finalmente com a decepção. Em relação ao tráfico das crianças, estima-se que na Região de Dakar existem cerca de 7.600 crianças mendigas e desse número 90% são crianças mendigas Talibés e 10% são crianças mendigas não Talibés. Dentre as crianças mendigas Talibés 30% são da Guiné-Bissau, sendo que de crianças mendigas não Talibés 12% são da Guiné-Bissau. Significa que mais de duas mil crianças da Guiné-Bissau mendigam nas ruas de Dakar (Segundo o estudo “Crianças Mendigas na Região de Dakar”de Novembro de 2007 da “Understanding children’s Work – An Inter-Agency Research Cooperation Projet”).
2.1. A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS RELATIVA AOS DIREITOS DA CRIANÇA (CDC)
A CDC estabelece como direitos fundamentais das crianças:
A Convenção das Nações Unidas relativa aos Direitos da Criança (CDC) de 20 de Novembro de 1989 estabelece os princípios de protecção dos direitos civis, sociais, jurídicos, económicos, culturais e políticos das crianças assim como as obrigações dos Estados Parte no respeito pelo o seu conteúdo e aplicação. A finalidade da presente Convenção é de pôr termo a negligências, explorações e abusos dos quais as crianças são muita das vezes vítimas em todo o mundo.
: : Direito à sobrevivência Direito à vida, à satisfação das necessidades fundamentais e à garantia da subsistência (por exemplo: um nível de vida, um alojamento são e seguro, alimentação e cuidados médicos adequados).
De acordo com a CDC, a criança define-se como todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, a maioridade seja alcançada antes (art.1º). Todas as crianças merecem uma consideração e uma protecção adaptáveis aos seus estatutos ou as suas necessidades específicas. Neste sentido a CDC reconhece inúmeras categorias de crianças em risco : crianças refugiadas (art. 22º), crianças portadoras da deficiência (art. 23º), crianças em conflitos armados (art. 38º), crianças trabalhadoras (art. 32º), crianças submetidas a tortura e prisão perpétua (art. 37º), à administração
: : Direito ao desenvolvimento Trata-se aqui do grupo de direitos que devem ser garantidos às crianças de maneira a permitir um melhor desenvolvimento das suas potencialidades (por exemplo: educação, jogos, lazer, actividades culturais e recreativas, acesso à informação, liberdades de pensamento, de consciência e de religião). : : Direito à protecção Trata-se aqui de garantir a protecção necessária contra todas as formas de abusos, negligência e exploração (por exemplo: cuidados especiais para as crianças em situação difícil, crianças em risco, protecção contra a participação num conflito armado, o trabalho infantil, a exploração sexual, a discriminação, a tortura, a prisão arbitrária e o abuso de drogas).
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: : Direito de participação Esta categoria de direitos permite à criança jogar um papel activo nas suas comunidades e sociedades (por exemplo: liberdade de exprimir a sua opinião, de pronunciar-se sobre os assuntos que dizem respeito a sua própria vida e de aderir a associações). 96
A CDC prevê a obrigatoriedade dos Estados Partes divulgarem os princípios e disposições desta Convenção às populações, mediante a utilização de meios apropriados e eficazes (art. 42) e, ainda, a criação de um Comité dos Direitos da Criança (CNUDC) encarregue de vigiar a sua aplicação. Assim, os Estados Partes devem enviar periodicamente (2 anos depois da ratificação e subsequentemente de 5 em 5 anos) os relatórios sobre as medidas tomadas ou adoptadas para a aplicação da CDC e os progressos realizados neste sentido (art.44º). Os Princípios de base da Convenção das Nações Unidas relativa aos Direitos da Criança que devem ser seguidos pelos Estados são: a) Interesse superior da criança Todas as acções relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse superior da criança
(artigo 3º, 1º parágrafo). Na tomada das decisões políticas, é necessário analisar detalhadamente os efeitos que as tais decisões podem ter sobre o interesse superior da criança. Por exemplo, os interesses das crianças não coincidem sempre com os dos adultos e às vezes são mesmo contraditórios. Os Estados devem distinguir cuidadosamente os diferentes interesses em jogo. A expressão «o interesse superior da criança» é muito vasta e deverá ser interpretada variavelmente segundo as circunstâncias próprias de cada caso. Vários factores podem influenciar o interesse superior da criança, tais como a idade, o sexo, o contexto cultural, o ambiente geral e a situação que a criança conheceu no passado. Esta multiplicidade de factores torna difícil uma definição exacta deste princípio. Na realidade este princípio é útil fundamentalmente como aspiração jurídica. b) Não discriminação A CDC interdita a discriminação baseada sobre os elementos que são próprios à criança (sexo, raça, cor da pele, religião, pertença étnica ou social), mas também a discriminação inspirada nos elementos próprios aos pais (opiniões, actividades ou convicção dos pais e encarregados da educação da criança). O princípio da não discriminação reveste-se de importância particular no quadro da protecção da criança em situações difíceis, nomeadamente as crianças
refugiadas. Este princípio reconhece que toda a criança que se encontre sob a jurisdição de um Estado Parte da CDC deve usufruir de todos os direitos prescritos na CDC, independentemente da sua nacionalidade, situação em matéria de imigração ou qualquer outra situação. c) Participação Os Estados Partes assegurarão à criança que for capaz de formular os seus próprios juízos o direito de exprimir suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando devidamente em conta essas opiniões, em função da idade e da maturidade da criança. (art. 12, 1º parágrafo). Para além de um simples direito à liberdade de expressão (art. 13º) e de outros direitos civis tais como a liberdade de pensamento, de consciência religiosa, (art. 14º) e a liberdade de associação (art. 15º), o artigo 12º coloca em relevo o facto de as crianças serem pessoas que gozem dos direitos humanos fundamentais e tendo opiniões e sentimentos que lhes são próprias. Às crianças não somente deve ser acordado o direito de participar na tomada de decisões que têm incidência sobre a sua vida, mas elas também deveriam ter o direito de influenciar as decisões tomadas a seu respeito. d) Direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento.
Os Estados Partes reconhecem que toda a criança tem o direito inerente à vida (art. 6º, 1º parágrafo) e comprometem-se a assegurar a sobrevivência e o desenvolvimento das mesmas (art. 6º, 2º parágrafo). A CDC foi, no início do século XXI, reforçada com o nascimento de dois protocolos facultativos: : : Protocolo facultativo relativo à venda de crianças, à prostituição e à pornografia infantis (adoptado pela Assembleia-Geral das Nações Unidades a 25 de Maio de 2000, entrou em vigor a 18 de Janeiro de 2002). : : Protocolo facultativo relativo à participação de crianças em conflitos armados (adoptado pela Assembleia-Geral das Nações Unidades a 25 de Maio de 2000, entrou em vigor a 12 de Fevereiro de 2002). 2.2. A CARTA AFRICANA RELATIVA AOS DIREITOS E BEM-ESTAR DA CRIANÇA (CADBEC)
A Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança (CADBEC) foi adoptada em Julho de 1990, um ano após a CDC. Esta segue os mesmos princípios e direitos da CDC e sublinha algumas questões importantes para o Continente Africano reforçando a protecção dos direitos da criança nesta região, sendo alguns exemplos: a) A interdição das práticas culturais e sociais nefastas ao bem-estar, à dignidade, ao desenvol-
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vimento normal da criança, inclusive casamento precoce e promessa da criança em casamento; b) A protecção das crianças em deslocação no interior do mesmo país; c) A protecção da criança submetida à discriminação racial, étnica, religiosa, etc. d) A protecção das crianças contra a mendicidade; e) A protecção das mulheres grávidas e das crianças cujas mães estão condenadas com uma pena de prisão; f) A adopção de medidas especiais em matéria de educação das raparigas grávidas no decorrer da sua escolarização.
« tomar medidas, a cada vez quando é possível ou desejável, para abordar tais crianças sem recorrer ao procedimento judiciário», tal como estipulado no artigo 40º da CDC. b) Outros direitos não previstos na CADBEC: o direito de beneficiar da segurança social, inclusive os seguros sociais; o direito a aceder a uma informação e instrumentos provenientes de fontes diversas visando a promover o seu bem-estar social, espiritual e moral, assim como a sua saúde física e mental (artigo 17º da CDC)
: : Preservar e reforçar os valores culturais africanos nas suas relações com outros membros da sociedade, num espírito de tolerância, de diálogo e de concertação, contribuindo para o bem-estar moral da sociedade; : : Preservar e reforçar a independência nacional e a integridade do seu país; : : Contribuir, dando o melhor das suas capacidades em todas as circunstâncias e a todos os níveis, para a promoção e realização da unidade africana.
: : A questão dos deveres ou responsabilidades da criança na CADBEC
Nota sobre castigos físicos humilhantes na CDC e na CADBEC
Tem, no entanto, também limites em relação à CDC, por exemplo: a) no que diz respeito às crianças em conflito com a lei (art. 17º): não há disposições estipulando expressamente que nenhuma criança será privada de liberdade de maneira ilegal ou arbitrária ou ainda que a detenção ou prisão de uma criança deve ser efectuada em conformidade com a lei e, só pode ser uma medida de último recurso e de uma duração tão breve quanto possível, tal como estipulado no artigo 37º, al. b da CDC; e também estão ausentes os princípios chaves da administração da justiça tais como: a legalidade e a não retroactividade das penas e dos delitos; o princípio segundo o qual nenhuma criança será coagida para testemunhar ou confessar-se culpada; ou ainda a necessidade de
Tal como a CDC, também a CADBEC dita um certo número de deveres que toda a criança deveria cumprir em relação à sua família, à sociedade, ao Estado e à comunidade internacional (art.31º da CADBEC). Estes deveres são considerados como derivados dos valores tradicionais e culturais africanos. Assim, segundo a sua idade e capacidades, e sob reserva das restrições contidas na CADBEC, a criança tem o dever de: : : Trabalhar para a coesão da família, respeitar os seus pais, superiores e as pessoas adultas em todas as circunstâncias e de os assistir em caso da necessidade; : : Servir a sua comunidade nacional pondo as suas capacidades físicas e intelectuais à sua disposição; : : Preservar e reforçar a solidariedade da sociedade e da sua nação;
A ideia de que a criança é um ser humano em miniatura com direitos reduzidos é antiga e ultrapassada pela sociedade com o nascimento da CDC e da CADBEC que vieram atribuir às crianças todos os direitos sociais, jurídicos, culturais, políticos e religiosos. Apesar dessas conquistas da CDC, muitas crianças ainda não gozam dos seus direitos de protecção, ficando expostas a castigos físicos e humilhantes. O castigo físico e humilhante é infelizmente um grande problema silencioso que continua a cruzar fronteiras de muitos contextos culturais, económicos e sociais de vários países do mundo. Estes castigos são uma estratégia desnecessária e ineficaz de obter disciplina. Há formas de ensinar, educar, corrigir ou disciplinar as crianças
que são melhores para o seu desenvolvimento e para a sua relação com os pais e a comunidade e que não incluem castigos físicos e humilhantes. Cite-se por exemplo, a educação positiva, pois é necessário que os pais entendam a diferença entre ter a autoridade sobre as crianças e não usar essa autoridade para castigar as crianças mas, sim, as técnicas de disciplina positiva. O castigo físico e humilhante constitui uma violação dos direitos fundamentais da criança no que concerne a sua dignidade humana e integridade física, além do direito à saúde, à educação e ao desenvolvimento harmonioso e completo da sua personalidade. : : O artigo19º da CDC estipula que: Os Estados Partes devem tomar todas as medidas necessárias para proteger as crianças contra todas as formas de violências físicas. : : O artigo 39º da CDC estipula que: Os Estados Partes adoptarão todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física, psicológica e a reintegração social de toda a criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso, tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, ou conflitos armados. Essa recuperação e reintegração serão efectuadas em ambientes que estimule a saúde, o respeito próprio e a personalidade da criança. Mesmo com a desaprovação do conceito de «punição razoável» pelo Comité dos Direitos
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da criança da ONU (CNUSDC), este conceito continua sendo aceite em alguns casos até pela legislação nacional. Essas ideias não contrariam só os princípios da CDC como também abrem um perigoso precedente para outras formas de violência – doméstica, na escola e nas instituições –, além de tornar o limite entre a violência moderada e a violência não moderada extremamente nebuloso e vulnerável a interpretações subjectivas. 2.3. CONVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE TRABALHO (OIT)
A Organização Internacional de Trabalho (OIT) é uma agência especial das Nações Unidas e tem uma estrutura tripartida: governos, empregadores e trabalhadores. A OIT tenta limitar o trabalho da criança deste 1919, ano da sua fundação. Desde então, 9 convenções sectoriais foram adoptadas concernentes a idade mínima de admissão ao emprego. Os 2 instrumentos jurídicos internacionais fundamentais na área dos direitos das crianças são a Convenção n.º138 da OIT sobre a idade mínima de admissão ao emprego, adoptada em 1973 e a Convenção nº.182 da OIT sobre as piores formas de trabalho das crianças, adoptada em 1999.
2.3.1.) A CONVENÇÃO N.º138 DA OIT SOBRE A IDADE MÍNIMA DE ADMISSÃO AO EMPREGO
A Convenção n.º138 foi aprovada em 1973 e obriga os Estados que a ratificaram a: realizar esforços para perseguir uma política nacional concebida para fixar a idade mínima de admissão ao emprego; garantir a abolição efectiva do trabalho das crianças; elevar gradualmente a idade mínima de admissão ao emprego a um nível que permita aos adolescentes atingirem o mais completo desenvolvimento físico e mental. Os princípios da Convenção n.138 da OIT são: a) A idade mínima de base: a idade mínima de admissão ao emprego deve ser fixada pela legislação nacional e não deve ser inferior à idade com a qual se termina a escolarização obrigatória, nem inferior a 15 anos. Para os países cuja economia e as instituições escolares são insuficientemente desenvolvidas, a idade mínima de admissão ao emprego pode ser fixada inicialmente aos 14 anos. b) O trabalho perigoso: Segundo a Convenção n.º138, o trabalho perigoso é aquele que, pela sua natureza ou as condições onde é exercido, é susceptível de comprometer a saúde, a segurança ou a moralidade das crianças e adolescentes. Todo o trabalho que ponha em perigo a saúde física, mental ou moral das crianças não deveria ser realizado por elas.
c) O trabalho ligeiro: é aquele que não é susceptível de acarretar prejuízos à saúde ou ao desenvolvimento das crianças; que não impede a criança de ir à escola, de participar nos programas de orientação em relação a uma vocação ou formação ou de beneficiar de uma instrução. As crianças que tenham entre 13 e 15 anos podem realizar um «trabalho ligeiro» na condição que não ponha em perigo a sua saúde e segurança e que isto não as empeça de ir à escola ou de receber uma formação que lhes permita aceder a uma profissão. A idade mínima pode ser fixada nos 13 anos ou 12 anos nos países cuja economia e as instalações educativas são insuficientemente desenvolvidas. Como se pode constatar, a Convenção n.º 138 da OIT contém as cláusulas flexíveis que permitam aos países em desenvolvimento limitar o campo de certos artigos. A Convenção aceita fixar as diferentes idades mínimas em função do nível de desenvolvimento do país e em função do tipo de trabalho em questão, mesmo se incentiva o estabelecimento de uma única idade mínima. 2.3.2.) A RECOMENDAÇÃO N.º146 DA OIT SOBRE A IDADE MÍNIMA DE ACESSO AO EMPREGO
Esta Recomendação, adoptada em 1973, especifica: : : O conteúdo possível de uma política nacional e, particularmente as suas ligações com a política de emprego;
: : As medidas dirigidas a assegurar às famílias um nível de vida e de rendimento de maneira a que elas não tenham que recorrer a uma actividade económica das crianças: : : O desenvolvimento e a extensão gradual e adequada para a educação e formação; : : O desenvolvimento progressivo de serviços apropriados e encarregados de velar pela protecção e bem-estar das crianças e adolescentes. A Recomendação n.º 146 enumera ainda uma lista de factores que afectam o trabalho das crianças, a saber: : : A política nacional de pleno emprego; : : As medidas económicas de aligeiramento da pobreza; : : A segurança social; : : A política de educação, orientação e formação profissional; : : A política de protecção das crianças. 2.3.3.) A CONVENÇÃO N.º182 DA OIT SOBRE AS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL
A Convenção n.º182, adoptada em 1999, aplica-se a todas as crianças de menos de 18 anos e exige que os Estados Partes tomem medidas imediatas e eficazes para interditar e eliminar as piores formas de trabalho das crianças. Em 2003, 147 Estados tinham ratificado a referida Convenção. A Convenção n.º182 não contém
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as «cláusulas flexíveis». Todavia, a Convenção n.º182 não contradiz a Convenção n.º138, mas veio sim complementá-la. Com efeito, esta Convenção edita um campo de acção prioritária, correspondente perfeitamente ao objectivo da Convenção n.º 138 no que concerne a idade mínima. 102
A Convenção n.º182 define as piores formas de trabalho das crianças como: : : Todas as formas da escravidão, ou práticas análogas, tais como a venda e tráfico das crianças, a servidão devido a dívidas, assim como o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório das crianças em vista da sua utilização nos conflitos armados; : : A utilização, o recrutamento ou a oferta de uma criança para fins de prostituição, de produção de materiais pornográficos ou espectáculos pornográficos; : : A utilização, o recrutamento ou a oferta de uma criança para fins de actividades ilícitas, nomeadamente para a produção e o tráfico de estupefacientes, tais como definidos pelas convenções internacionais pertinentes; : : O trabalho que, pela sua natureza ou condições nas quais é exercido, é susceptível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moralidade da criança.
2.3.4.) RECOMENDAÇÃO Nº190 DA OIT SOBRE AS PIO-
2.4. PROTOCOLO DE PALERMO E OUTRAS DISPOSI-
RES FORMAS DE TRABALHO DAS CRIANÇAS
ÇÕES CONTRA O TRÁFICO DE SERES HUMANOS
A Recomendação nº190 que acompanha a Convenção N.º182, e que foi também ela adoptada em 1999, urge os Estados Parte a considerar as piores formas de trabalhos das crianças como delitos penais e a impor sanções penais às pessoas e instituições que perpetraram tais violações.
O tráfico é um problema que diz respeito aos direitos humanos na medida em que constitui a violação da dignidade e da integridade das pessoas, da sua liberdade de movimentos e até, em certos casos, do seu direito à vida. O tráfico é um processo dinâmico e a configuração dos fluxos pode mudar rapidamente em função do contexto político, económico, social, cultural e jurídico. Segundo o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, conhecido também como Protocolo de Palermo (2000) o tráfico de pessoas é definido como:
A Recomendação nº190 define o trabalho perigoso como: : : O trabalho que expõe as crianças a sevícias físicas, psicológicas, ou sexuais; : : O trabalho subterrâneo ou que se efectua debaixo da água, nos locais extremamente altos e perigosos ou espaços confinados; : : O trabalho que se efectua com as máquinas, material ou instrumentos perigosos, ou que impliquem a manipulação ou transporte de cargas pesadas; : : O trabalho que se efectua num meio podendo, por exemplo, expor as crianças a substâncias perigosas, pessoas e procedimentos perigosos, ou a condições de temperaturas, barulho ou vibrações prejudiciais à sua saúde; : : O trabalho que se efectua nas condições particularmente difíceis, por exemplo durante longas horas, à noite ou quando a criança é retida de uma maneira injustificável nos locais de trabalhos.
« O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coacção, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade, ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extracção de órgãos.» (Art.3º)
Portanto, salienta-se três componentes na definição do tráfico, a saber: ACÇÃO/CONDUTA
: : Recrutamento : : Transporte : : Aliciamento : : Alojamento : : Transferência : : Recepção/Acolhimento de pessoas MEIOS
: : Ameaça : : Uso de força : : Rapto : : Fraude : : Logro : : Abuso de poder : : Abuso de uma posição de vulnerabilidade FINS
: : Exploração sexual : : Exploração laboral ou trabalhos forçados : : Servidão : : Remoção de órgãos Os actores transportam as suas vítimas com o único objectivo de tirar vantagem pessoal, quase sempre para ganhar enormes somas de dinheiro desta exploração ou para obter os serviços/trabalhos gratuitos.
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O crime de tráfico de pessoas está enquadrado pelos seguintes instrumentos internacionais:
3. PONTO DA SITUAÇÃO LEGISLATIVO E INSTITUCIONAL NA GUINÉ-BISSAU
: : Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional (aprovada pela resolução 55/25 Assembleia-Geral das Nações Unidas em Nova Iorque a 15 de Novembro de 2000, entrou em vigor a 29 de Setembro de 2003)
3.1. DO PONTO DE VISTA DA LEI
: : Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças (aprovado pela resolução 55/25 da Assembleia-Geral das Nações Unidas a 15 de Novembro de 2000, entrou em vigor a 25 de Dezembro de 2003) : : Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea (adoptado a 15 de Novembro de 2003, entrou em vigor a 28 de Janeiro de 2004)
a) As fontes do direito Em todos os países do mundo existem leis e normas mais importantes que as outras não podem violar. Na Guiné-Bissau, a lei mais importante chama-se a Constituição da República da Guiné-Bissau (CRGB)[1], ou seja, é a lei fundamental. Ela é a lei sagrada e não pode ser violada, tocada ou revista de qualquer maneira. A CRGB deve ser respeitada por todas as outras leis ou normas que figuram abaixo dela na pirâmide da legalidade, isto é na hierarquia das normas, caso contrário são consideradas inconstitucionais e devem desaparecer. Em segundo lugar da pirâmide da legalidade figuram as leis do Direito Internacional Público (CDC e outros tratados e convenções internacionais). Estas leis também devem respeitar a CRGB, pois isto acontece na medida em que a CDC não viola os preceitos Constitucionais, mas sim veio desenvolver e complementar alguns princípios constitucionais mormente aos menores. Em terceiro lugar da pirâmide da legalidade encontra-se a massa mais volumosa da lei, isto
é a legislação ordinária. A legislação ordinária engloba por sua vez os decretos, as leis que a Assembleia Nacional Popular vai criando, Código Civil (CC), Código Penal (CP), Código do Processo Civil (CPC), Código do Processo Penal (CPP), etc. A legislação ordinária por sua vez deve respeitar as normas do Direito Internacional Público, nomeadamente a CDC, mas o que acontece na realidade é a persistência de várias leis designadamente no CC, CP e CPP que ainda violam o espírito da CDC. Urge então proceder à revisão destes instrumentos técnicos de modo a poder harmonizá-los ao espírito da CDC. Finalmente, na base da pirâmide da legalidade ou hierarquia das normas, figura a tradição, que é a prática social reiterada com o valor de convicção e obrigatoriedade. Só pode ser fonte de Direito quando respeitar as outras leis e normas supracitadas. b) Os documentos assinados e ratificados, sua aplicação e monitorização Até ao momento, a Guiné-Bissau: : : Assinou a CDC a 29/01/1990, aprovou-a internamente a 18/04/1990 e depositou o instrumento da ratificação a 20/08/1990 e a CDC
entrou em vigor no nosso país em Setembro de 1990. : : Assinou ambos os Protocolos a 8 de Setembro de 2000, mas só ratificou o Protocolo Facultativo Relativo à Venda de Crianças, à Prostituição e à Pornografia Infantis, a 1 de Novembro de 2010. : : A Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau ratificou a CADBEC a 19 de Dezembro de 2007. Foi promulgada pelo Presidente da República a 28 de Fevereiro de 2008 (Boletim oficial nº8, 28 de Fevereiro de 2008, 3º suplemento) e depositado o instrumento da ratificação junto da União Africana a 19 de Junho de 2008. : : Assinou os três instrumentos relativos ao tráfico de seres humanos e ratificou a Convenção e o Protocolo de Palermo em Setembro de 2007. No que diz respeito ao processo de monitorização, a Guiné-Bissau enviou o seu relatório inicial ao CNUDC em 2000. Paralelamente, um grupo de ONG que trabalha no domínio dos direitos da criança no país elaborou o Relatório Alternativo da sociedade civil – também conhecido como Relatório Sombra – sobre o estado de cumprimento da CDC na Guiné-Bissau. De 8 a 10 de Fevereiro de 2002, a ONG AMIC representou o grupo de ONG guineenses que trabalham no domínio da infância numa pré-sessão junto do CNUDC. O CNUDC e o Governo da Guiné-Bissau analisaram, numa sessão que decorreu na ONU em Genebra, no dia 22 de Maio de 2002 o relatório inicial da Guiné-Bissau sobre
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a aplicabilidade da CDC no país. Em 2010, o Governo da Guiné-Bissau através do Instituto da Mulher e Criança enviou ao CNUDC o 1º relatório periódico sobre a aplicabilidade da CDC. Em Janeiro de 2011, o grupo das ONG guineenses que trabalham no domínio da infância validou e enviou o Relatório Alternativo ao CNUDC em Genebra. No dia 08 de Fevereiro de 2012, o Secretário Executivo da AMIC em colaboração com o representante da UNICEF na Guiné-Bissau, apresentaram junto do CNUDC o relatório alternativo reagrupado (2º,3º,4º relatório alternativo) sobre o seguimento da CDC num único relatório. Devido ao golpe de Estado que aconteceu no dia 12 de Abril de 2012, a sessão do Estado Guineense com o CNUDC, que estava prevista para Junho de 2012, ficou adiada sem a data marcada. No entanto, no seu relatório, as ONG que trabalham no domínio da infância na Guiné-Bissau constatam que o processo de revisão e de harmonização das leis nacionais à luz e no respeito dos princípios e das disposições da CDC está muito moroso (com anos de atraso). As ONG reconhecem que a situação de instabilidade institucional e militar que se tem verificado no país muito contribuiu para esse atraso, mas também reconhecem que há fraca vontade política e/ou incapacidade para dar prioridade e acelerar esse processo. Em 2011, assistiu-se a aprovação e a entrada em vigor de duas leis específicas muito importantes, a saber:
: : A lei nº12/2011 sobre a prevenção e combate ao tráfico de pessoas, em particular das mulheres e crianças; : : A lei nº14/2011 que visa prevenir, combater, e reprimir a excisão em todo o território nacional. Não obstante a existência desses dois importantes dispositivos legais em matéria da protecção jurídica dos direitos humanos e em particular das crianças, a perda de credibilidade e o disfuncionamento das instituições judiciárias no país continuam à afectar muito o acesso à justiça pelas populações, pelo que uma grande parte continua a recorrer à justiça privada ou tradicional com elevado risco de conflitos sociais. Os demais instrumentos internacionais de protecção das crianças ratificados pelo Estado Guineense ainda carecem de revisão e a consequente harmonização com um catálogo muito desenvolvido da legislação nacional. Por exemplo, o código da Assistência Jurisdicional de menores, em vigor no país, continua a ser um dispositivo da época colonial, ultrapassado e totalmente inadequado à realidade actual da protecção jurídica dos Direitos da Criança. Além disso, as ONG chamam a atenção para o facto de não se registar qualquer disposição para colocar o direito costumeiro em conformidade com as disposições e os princípios da CDC. As ONG consideram ainda, no relatório, que é
importante iniciar-se este processo associando os chefes tradicionais e religiosos das diferentes comunidades étnicas e religiosas, porque, na opinião das ONG, houve uma recrudescência da situação em algumas práticas costumeiras negativas que já estavam a diminuir ou até a desaparecer e que voltaram a ganhar força nos últimos anos. 3.2. A APLICAÇÃO INSTITUCIONAL
Actualmente, na Guiné-Bissau não existe uma estratégia ou política nacional para a infância e o plano de acção elaborado em 1992 pela Comissão Interministerial de Protecção à Infância (CIPI), que foi concebido para cobrir uma década (1992-2002), não foi implementado na íntegra, nomeadamente devido à guerra de 1998/99. Aliás tanto a Comissão Nacional para a Infância (CNI) como o Comité Interministerial de Protecção à Infância (CIPI) veriam a desaparecer por inoperacionalidade (devido a insuficiências de ordem material e financeira) ou por esvaziamento da missão para que foram criados. Mesmo assim, foi criado no período pós-guerra de 1998/99 o Ministério da Solidariedade Social, Família e Luta Contra a Pobreza e o Instituto da Mulher e da Criança (IMC) para assumirem politicamente o papel da protecção social da família, da mulher e da criança. No seio da Assembleia Nacional Popular também foi criada
a Comissão Especializada para os Assuntos da Mulher e da Criança. No quadro do programa de Cooperação entre o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de Portugal e o Ministério de Mulher, Família, Coesão Social e Luta Contra a Pobreza da Guiné Bissau foi celebrado em Dezembro de 2004 um acordo de parceria entre quinze organizações não governamentais que actuam nas diferentes áreas sociais, principalmente das Crianças, Mulheres e Jovens, com objectivo de criar um projecto integrado de desenvolvimento de uma Rede de Protecção Social na República da Guiné Bissau, visando a conjugação de esforços que permitam a criação de condições básicas para as famílias e comunidades carenciadas. Em 2006, através de um despacho conjunto entre o Ministério da Função Pública, Trabalho e Modernização do Estado e o Ministério da Mulher, Família, Coesão Social e Luta contra a Pobreza, foi criada uma Comissão Nacional Tripartida para a abolição do Trabalho Infantil. Esta Comissão integra os parceiros sociais, nomeadamente a Câmara de Comércio, Indústria e Agricultura e a União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau. Todas estas estruturas passaram de facto a trabalhar com as ONG e associações de protecção,
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defesa e desenvolvimento da criança em projectos e acções pontuais, no entanto, sem uma orientação política ou mecanismos de coordenação e monitorização das medidas previstas na CDC.
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Não houve passagem de testemunho do trabalho de seguimento da aplicabilidade da Convenção dos Direitos da Criança realizado pelas Comissão Nacional para a Infância (CNI) e do Comité Interministerial de Protecção à Infância para as novas estruturas entretanto criadas, daí que por exemplo, não houve nenhuma iniciativa para actualização ou concepção de um novo “Plano de Acção para a Infância” que cobrisse o período seguinte (2003-2013). Em consequência são enormes as dificuldades de coordenação e avaliação da aplicabilidade da Convenção na Guiné-Bissau. Embora o Estado da Guiné-Bissau defenda o princípio da não descriminação na Constituição da República (CRGB), este valor não tem sido defendido adequadamente devido ao agravamento da pobreza e das crises cíclicas que a Guiné-Bissau tem vivido. Em consequência, os factores de discriminação tendem a manter-se ou a piorar em alguns aspectos, nomeadamente no que diz respeito a: : : Educação e escolarização: não está garantido o acesso universal e de qualidade por falta de ou
atraso nos pagamento dos salários e subsídios dos professores; pela proliferação de escolas privadas, muitas delas sem a qualidade requerida e com o único objectivo de negócio para obtenção do lucro fácil; porque os custos das matrículas e propinas estão acima da capacidade económica da maior parte das famílias que se vêm confrontadas com dificuldades financeiras. : : Saúde e bem-estar: O sistema de saúde guineense deixou de ser gratuito o que coloca a maioria da população que é pobre fora dele. As principais vítimas são as mulheres e as crianças que são confrontadas ainda com o problema da corrupção activa nos centros hospitalares do país. Quem não tem dinheiro para pagar o atendimento e as análises médicas, para comprar medicamentos e ainda para aliciar os enfermeiros, parteiras e serventes tem poucas hipóteses de receber cuidados médicos condignos e até de sobreviver se o seu problema exige urgência ou atenção especial devido à sua gravidade. Em consequência a maior parte dos guineenses preferem utilizar os serviços dos curandeiros tradicionais para resolver os seus problemas de saúde por ser um atendimento personalizado e mais barato. Os hospitais, nomeadamente as maternidades e a pediatria não têm camas suficientes e as condições de higiene deixam muito a desejar. : : Crianças portadoras de deficiência: são as mais prejudicadas em todos os aspectos - na família, na comunidade e no acesso aos sistemas de saúde, educação e de protecção social, que não têm
em conta as necessidades de atenção e cuidados especiais que requerem. Estão esquecidas sobretudo quando se trata de casos de infanticídios voluntários praticados nas crianças deficientes (ex. crianças atingidas pela trissomia 21). As penas, quando aplicadas, são muito fracas o que acaba por encorajar na realidade esta prática. : : Crianças trabalhadoras e “meninos de criação”: Passam a maior parte do tempo a vender na rua ou a trabalhar nas casas das famílias de acolhimento. A escola é uma realidade muito remota para estas crianças. Frequentemente sofrem maus-tratos, abusos e violação sexual, sobretudo as meninas. Actualmente a protecção alternativa é garantida às crianças órfãs, filhos de pais em pobreza extrema e a crianças abandonadas por algumas instituições, como as igrejas católica e protestantes, pela Aldeia S.O.S, Lar das Crianças Cegas e Casa Emmanuel. As crianças vítimas de tráfico, nomeadamente, as crianças Talibés, são acolhidas em centros provisórios da AMIC e da S.O.S Crianças Talibés, em Bissau e no leste do país. O Estado actualmente não dispõe de nenhum centro de acolhimento (os poucos que existiam estão em total ruína, como por exemplo o Internato de Morés), mas o Ministério da Mulher, Família, Coesão Social e Luta Contra a Pobreza e o Instituto da Mulher da Criança, em colaboração com as ONG, contribuem para a protecção temporária das crianças em situação de vulnerabilidade.
CONCLUSÃO A existência de preciosos instrumentos de protecção dos direitos das crianças ao nível internacional faz-se sentir por toda a parte, graças às acções de mobilização e de difusão activa dos direitos da criança pelos activistas dos direitos humanos de todo o mundo. Com a ratificação da CDC e da CADBEC, a família e o Estado são responsabilizados pela garantia dos direitos das crianças. Nesta perspectiva, vários países do mundo, como a Guiné-Bissau, já redigiram Cartas específicas ou adoptaram leis visando a proteger as crianças. O Governo da Guiné-Bissau institucionalizou órgãos como Instituto da Mulher e Criança e implementou mecanismos visando acordar prioridades especiais às crianças. Também várias comunidades se mobilizaram sobre as questões da educação das raparigas, da exploração sexual dos menores, da mutilação genital feminina, da justiça juvenil, do trabalho infantil, do tráfico e dos direitos das crianças portadoras da deficiência. As ONG de todo o mundo, tal como a AMIC na Guiné-Bissau, têm conduzido ateliês e conferências visando a instruir pais e encarregados de educação, animadores, professores, jornalistas, polícias, magistrados e agentes de saúde e de serviço social, autoridades tradicionais e reli-
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giosas sobre os princípios e artigos da CDC e da CADBEC.
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As próprias crianças exprimiram as suas opiniões aquando da sessão especial das Nações Unidas sobre a criança, nas celebrações dos direitos da criança, nas conferências, nos parlamentos nacionais, nas rádios e televisões nacionais e internacionais. Apesar de todos estes esforços, desenvolvidos ao longo dos vinte e três anos da existência destas Convenções, ainda muita coisa resta por fazer na prática, para que a CDC e a CADBEC possam ajudar milhões de crianças invisíveis, crianças não escolarizadas, crianças vítimas da violência, das práticas tradicionais nefastas atentatórias à sua integridade, de exploração sexual, económica, do tráfico, ou aquelas que se encontram separadas das suas famílias por diversas razões, ou ainda as órfãs de Sida ou as crianças portadoras de deficiência. Ao nosso ver, se a CDC foi ratificada quase universalmente, o que falta na prática é a sua ratificação popular, pois isto passa por uma adesão em massa e construtiva, de toda a sociedade e da população, em geral na dinamização desta importante obra humana em beneficiou de todas as crianças do mundo.
É nesta perspectiva que a iniciativa «Casa dos Direitos» veio congregar organizações da sociedade civil de Portugal e da Guiné-Bissau, galvanizadas numa cooperação também sul-sul, contribuindo com acções concretas, contínuas e deliberadas para a criação de condições favoráveis para uma observância efectiva dos direitos da criança na Guiné-Bissau.
TEXTO ELABORADO A PARTIR DE
[1]
Medina, Laudolino (coord.) (2011), Relatório Alternativo sobre a implementação da Convenção das Nações Unidas relativa aos direitos da criança, Grupo das ONG que trabalha no domínio da infância, Bissau.
A actual Constituição entrou em vigor em 1996, vindo substituir a 1ª Constituição da República da Guiné-Bissau que vigorava desde 1984.
Garcia, Orlando (coord.) (2011), Engenhos de Rua - Modelos de intervenção com crianças em situação de vulnerabilidade/exclusão em Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, Lisboa: ACEP / Okutiuka / AMIC / e Fundação Novo Futuro. Medina, Laudolino (2011), Manual Básico dos Direitos da Criança, Bissau: AMIC / ACEP.
OUTRA BIBLIOGRAFIA 3º Inquérito aos Indicadores Múltiplos: Seguimento da Situação das Crianças e das Mulheres na Guiné-Bissau, Ministério da Economia e Plano da Guiné-Bissau, Junho 2006. 4º Inquérito por amostragem aos Indicadores Múltiplos (MICS) & 1º Inquérito Demográfico de Saúde Reprodutiva (IDSR), Instituto Nacional de Estatística, Dezembro de 2010. Understanding children’s Work – An Inter-Agency Research Cooperation Projet, “Crianças Mendigas na Região de Dakar”, Novembro de 2007.
DOCUMENTOS INTERNACIONAIS MENCIONADOS Convenção sobre os Direitos da Criança Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil Convenção n.º 138 da OIT sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego Convenção n.º 182 da OIT relativa à Interdição das Piores Formas de Trabalho das Crianças e à Acção Imediata com vista à sua Eliminação Declaração da OIT sobre os Princípios e os Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças
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AUTORES DAS HISTÓRIAS 112
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Alain Corbel Nascido na Bretanha, viveu uma década em Portugal onde realizou dezenas de livros ilustrados. Publicou em 2007 o livro “Notícias do Quelele”, resultado da colaboração com duas escolas de Bissau. Coordenou ateliers de ilustração para crianças e jovens, num projecto dinamizado pela ACEP nos países da CPLP, de que resultou o livro “Vozes de Nós”. Reside actualmente nos EUA onde é professor de ilustração no Marylland Institute College of Art, Baltimore.
Laudolino Carlos Medina [1972, Bula]. Estu-
dos superiores em Marrocos. Regressa à Guiné-Bissau em 1994 e ingressa na ONG guineense AMIC – Associação dos Amigos da Criança em 1995, sendo o actual Secretário Executivo. É coordenador Nacional da Rede da África Ocidental para a Protecção das Crianças. É autor de vários artigos de opinião e colaborou em estudos científicos, com destaque para “Engenhos de Rua”, coordenado por Orlando Garcia.
Mussá Baldé [1973, Bissau]. Jornalista com
formação básica nos domínios de rádio, agência e televisão entre Bissau e Lisboa sempre com especialistas do Cenjor (Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas). É jornalista da Lusa, agência de Noticias de Portugal, desde 1999 e correspondente do serviço português da Rádio França Internacional (RFI), desde 2000. É também escritor, poeta e recentemente iniciou-se no cinema como argumentista e guionista.
Nando Coiaté Nome literário do jornalista
Fernando Jorge Lopes Pereira, natural de Canchungo, Guiné-Bissau. Trabalhou no trisemanário público «Nô Pintcha» (1975/1981), e passou pela Radiodifusão Nacional, onde foi director em 1999. Editou o semanário «Banobero» (1994/2001). Antigo colaborador do semanário Expresso é jornalista freelance e correspondente de várias publicações estrangeiras.
AUTORES DAS FOTOGRAFIAS 114
Paula Fortes (1984). Filha de pai guineense e
mãe brasileira, nasceu na cidade de Campina Grande, Nordeste do Brasil. É formada em Jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba. Atualmente trabalha na ONG guineense Tiniguena – Esta Terra é Nossa! Onde exerce a função de Assistente Técnico para Juventude, Cidadania e Comunicação.
Waldir Araújo Nasce na Guiné-Bissau e aos
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14 anos viaja pela primeira vez para Portugal. Na bagagem leva o prémio obtido no concurso literário do Centro Cultural Português em Bissua. Em Lisboa prossegue os estudos secundários e frequenta o curso de Direito. Jornalista desde 1996, integra a redacção da RDP-África desde 2011.
Pedro Rosa Mendes Escritor e académico.
Autor de ficção (‘Baía dos Tigres’ e ‘Peregrinação de Enmanuel Jhesus’, entre vários títulos), reportagem e ensaio. Colaborador de diversas publicações internacionais. Membro do grupo interdisciplinar «Élites africanas na URSS» e investigador da EHESS (Paris) em História e Ciência Política. Reside actualmente em Genebra, Suíça.
Alberto Monteiro Júnior
Alcione Carlos M’badje
Ambaica Joaquim Gomes Badinca
Angela da Silva
Beatriz Indi
Binta Sané
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Braima Mané
Celcio Clorreia
Izária Mário Sá
Marta da Silva
Midana Baldé
Neucese Liga Có
Livigia Monteiro
Malam Sambú
Marcelia Domingos Mango
Sonia Arlete Rodrigues da Silva
Valeria Rodrigues da Silva
Vladimira Cassamá
GLOSSÁRIO 118
ALAJI BAGA BAGA BENTANA BIANDA BISSILON CANETA DI SANTCHO CATORZINHAS DARA DJARGA DJEMBEREM DJUMBAI ERMON FANADO FOLI FULA KABARO MADRASSA MARABUS MATU DI CORANTAS MINDJERENTI MININU PANGUETE PAPI PEGAR TESU PO DI SANGUI PROBLEMA PURTO TABANCA TALIBÉ TCHON DI BUDJUGU TOCA TOCA TUBABU
chefe religioso termiteiras uma espécie de peixe comida tipo de madeira propágulo do mangal adolescentes escola corânica no Senegal maior autoridade tradicional da aldeia lugar de reunião e convívio na aldeia conversa irmãos mutilação genital fruto grupo étnico nome que designa o grupo etário dos jovens escola em língua árabe mestres de ensinamento do Corão Floresta Corantas, é o nome daquela floresta neste caso usado para designar um homem que faz trabalhos considerados como específicos das mulheres , mas o termo significa mulherengo meninos pastel grosso feito com farinha, fermento, água e sal, que depois de frito leva açúcar por cima pais esforçar-se tipo de madeira problema porto aldeia estudante de Corão (aluno, termo de origem árabe) terra dos bijagós transporte colectivo pessoa de raça branca
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