SOCIEDADE CIVIL, COMUNICAÇÃO E ADVOCACIA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos FONG-STP – Federação das ONG em São Tomé e Príncipe
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SOCIEDADE CIVIL, COMUNICAÇÃO E ADVOCACIA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
TÍTULO
Sociedade Civil, Comunicação e Advocacia em São Tomé e Príncipe COORDENAÇÃO
Pedro Rosa Mendes AUTORES
Alexandro Cardoso, Ana Filipa Oliveira, Edson Moniz, Eduardo Elba, José Cardoso, Liadilma Alves, Liliana Azevedo, Olívio Diogo, Paula Medina Fernandes, Pedro Rosa Mendes EDIÇÃO
ACEP e FONG-STP CRIAÇÃO GRÁFICA E ILUSTRAÇÃO
Ana Grave IMPRESSÃO
GUIDE Artes Gráficas DATA
Abril 2014 ISBN
978-989-8625-05-2 DEPÓSITO LEGAL
378516/14 Esta publicação foi elaborada com o apoio da União Europeia e do Camões, I. P. O conteúdo do mesmo é da responsabilidade exclusiva da FONG-STP e da ACEP, e em nenhum caso pode considerar-se como reflectindo o ponto de vista dos financiadores.
ÍNDICE
7/
LISTA DE SIGLAS
8/
LISTA DE AUTORES
11 /
SUMÁRIO EXECUTIVO
19 /
INTRODUÇÃO Pedro Rosa Mendes
29 /
METODOLOGIA Pedro Rosa Mendes
31 /
CONCEITOS-CHAVE Ana Filipa Oliveira
PARTE 1 35 /
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL
37 /
AGENDA DE DESENVOLVIMENTO: MUITAS DIFICULDADES, GRANDES EXPECTATIVAS Eduardo Elba com Edson Moniz e Liadilma Alves
43 /
MONITORIA E GOVERNAÇÃO: QUAL O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL Liliana Azevedo
47 /
PANORAMA DA CORRUPÇÃO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Paula Medina Fernandes
59 / O EXEMPLO DO ARROZ QUE FAZ CAIR GOVERNOS FONG-STP 63 / PETRÓLEO, TRANSPARÊNCIA E DESENVOLVIMENTO José Cardoso e PedroRosa Mendes
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PARTE 2 75 / 77 /
A FONG-STP E OS MEDIA UM DIAGNÓSTICO DOS MEDIA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Pedro Rosa Mendes
PARTE 3 1O1 /
MEDIA, SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS
ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO E INFLUÊNCIA NO ESPAÇO PÚBLICO E NA AGENDA POLÍTICA Pedro Rosa Mendes
85 /
A CAPACIDADE DE INFLUÊNCIA DA FONG-STP Olívio Diogo
PARTE 4 113 /
RECOMENDAÇÕES
A FONG COMO VEÍCULO DE NARRATIVAS HUMANAS Pedro Rosa Mendes
119 /
DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA
119 /
BIBLIOGRAFIA
123 /
ANEXOS
83 /
CONSTRUIR CIDADANIA COM OS MEDIA Alexandro Cardoso
89 /
97 /
UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO DA FONG Eduardo Elba
1O3 /
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LISTA DE SIGLAS
ACD Autoridade Conjunta de Desenvolvimento ACEP Associação para a Cooperação Entre os Povos APD Ajuda Pública ao Desenvolvimento AVP Association Volontaire de Progrès BAFD Banco Africano de Desenvolvimento BCST Banco Central de São Tomé e Príncipe CPP Contrato de Partilha de Produção CFP Comissão de Fiscalização do Petróleo CIP-STP Centro de Integridade Pública de São Tomé e Príncipe ITIE Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas ENRP Estratégia Nacional de Redução da Pobreza EUA Estados Unidos da América FED Federal Reserve Bank FIP Fórum Internacional das Plataformas das ONG FMI Fundo Monetário Internacional FOB Free on Board FONG-STP Federação das Organizações Não-Governamentais de São Tomé e Príncipe GGA Gabinete de Gestão de Ajuda IDE Investimento Directo Estrangeiro IDH Índice de Desenvolvimento Humano IOA Índice do Orçamento Aberto JICS Japanese International Cooperation System MARAPA Mar Ambiente e Pesca Artesanal MLSTP/PSD Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata NEPAD Nova Parceria para o Desenvolvimento da África
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OCB Organizações Comunitárias de Base OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico ODM Objectivos de Desenvolvimento do Milénio OGE Orçamento Geral do Estado ONG Organizações Não-Governamentais ONGIP Organizações Não Governamentais de Interesse Público OSC Organizações da Sociedade Civil PAM Programa Alimentar Mundial PDDAA Pacto Nacional de São Tomé e Príncipe para o Programa Detalhado de Desenvolvimento da Agricultura em África PDSA Projecto Descentralizado de Segurança Alimentar PIB Produto Interno Bruto PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento REPONGAC Réseau des Plateformes Nationales des ONG de l’Afrique Centrale RNSTP Rádio Nacional de São Tomé e Príncipe TIC Tecnologias de Informação e Comunicação TVS Televisão Santomense UCA Unidade de Coordenação da Ajuda UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância UE União Europeia ZEE Zona Económica Exclusiva ZDC Zona de Desenvolvimento Conjunto
LISTA DE AUTORES
ALEXANDRO CARDOSO Técnico de Comunicação da FONG-STP. Natural de Nova-Linda, S. Tomé, trabalhou como Comercial na PT Comunicações (Portugal) e no Ministério da Agricultura, Pescas e Desenvolvimento Rural (São Tomé) como Assessor de Imprensa. É licenciado em Jornalismo e mestre em Política Cultural pela Universidade de Coimbra.
ANA FILIPA OLIVEIRA Licenciada em Jornalismo e mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, integra a equipa da ACEP em 2009, onde desenvolve projectos na área da comunicação e advocacy. Integra também o Grupo de Trabalho Aid Watch, da Plataforma Portuguesa das ONGD e colabora com o Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina, do ISEG/ULisboa.
EDSON MONIZ Natural de Neves, no distrito de Lembá, São Tomé, é licenciado em Ciências Empresariais e Organizacionais pela Escola de Negócios e Governação (ENG) da Universidade de Cabo Verde (UNICV). Desempenhou as funções de presidente do núcleo da associação académica de ENG, e dentre várias outras responsabilidades associativas e voluntárias foi coordenador da bolsa de voluntariado da UNICV. Trabalhou na empresa UNITEL-Tmais telecomunicações em Cabo Verde, e actualmente é assistente administrativo e financeiro da FONG-STP.
EDUARDO ELBA Actualmente Secretário Permanente da FONG-STP. Natural de Fátima, São Tomé, foi professor de História em São Tomé e na Região Autónoma de Príncipe, trabalhou no Gabinete de Estudos e Planificação do Ministério do Equipamento Social e Ambiente, foi Secretário-Geral da Câmara de Comércio, Indústria, Agricultura e Serviços, e integrou a Unidade Técnica de Gestão do Projecto “Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Estatísticos dos PALOP”, financiado pela União Europeia. Licenciado em Gestão de Empresa pelo Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe.
JOSÉ CARDOSO Licenciado em Estudos Europeus e pós-graduado em Estudos Africanos, é actualmente Secretário Permanente da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas (ITIE) em São Tomé e Príncipe e consultor de comunicação. Foi activista no Movimento Mundial para Democracia e membro fundador e do Conselho de Coordenação da Plataforma de Participação e Democracia e na campanha Publish What You Pay. Foi ainda laison officer da Saybolt Internacional BV, multinacional de Inspecção Petrolífera em São Tomé e Príncipe.
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LIADILMA ALVES
PAULA MEDINA FERNANDES
Natural da Conceição, S. Tomé, trabalha como Assistente Técnica na FONG-STP. Exerceu o cargo de Secretária Executiva da Universidade Lusíada de S. Tomé e Príncipe e foi animadora rural na Associação Santomense de Micro Finanças e Desenvolvimento. Prestou serviço de consultoria na ONG Zatona-Adil. É licenciada em Direito pela Universidade Lusíada de S. Tomé e Príncipe.
LILIANA AZEVEDO
Mestre em Gestão Pública pela Universidade de Aveiro, é actualmente Directora Administrativa e Financeira do Ministério do Turismo, Comércio e Indústria em São Tomé e Príncipe. De 2011 a Janeiro de 2014, ocupou o cargo de Chefe da Secção Administrativa e Relações Públicas da Direcção dos Impostos do Ministério de Plano e Finanças em São Tomé e Príncipe.
PEDRO ROSA MENDES
Mestre em Estudos Africanos pelo ISCTE-IUL (Lisboa), integra a equipa da ACEP em Janeiro de 2010, onde desempenha funções de gestão de projectos. É membro da Direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD desde 2012.
OLÍVIO DIOGO Natural de Almas, São Tomé, é professor na Escola de Formação de Professores. Licenciado em Sociologia pela Universidade de Beira Interior, foi consultor em vários projectos e formador nos domínios do desenvolvimento pessoal. Já trabalhou como Assistente de Programas na FONG-STP e foi quadro técnico do INPG (Instituto Nacional para Promoção da Igualdade e Equidade de Género).
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Investigador e consultor independente, é autor de uma extensa obra de ensaio, reportagem e ficção centrada nos temas de conflito e segurança, justiça e direitos humanos, desenvolvimento e cidadania, com ênfase nos contextos africano e lusófono. Publicou os romances Baía dos Tigres e Peregrinação de Enmanuel Jhesus, entre outros títulos em que o papel dos Media e da sociedade civil são temas de fundo, incluindo as reportagens ilustradas Ilhas de Fogo e Timor – Madre Cacau (ambos com o ilustrador Alain Corbel), projectos da iniciativa da ACEP.
SUMÁRIO EXECUTIVO
A articulação das questões de comunicação, governação e transparência é o eixo de uma estratégia que pretende dar à FONG-STP – Federação das Organizações não Governamentais de São Tomé e Príncipe a visibilidade e a capacidade de influência indispensáveis para transformar a plataforma num actor imprescindível do debate sobre as grandes opções para o país. Nesse sentido, a ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos e a FONG-STP lançaram o projecto “Sociedade Civil pelo Desenvolvimento – Comunicação, Capacitação e Advocacia”. O presente estudo surge no âmbito deste projecto e no seguimento de várias actividades anteriores. O estudo está organizado em três módulos temáticos. A Parte I é dedicada à relação da FONG-STP com a sociedade civil. A Parte II aborda a relação da FONG-STP com os Media. Na Parte III são fornecidos alguns instrumentos de comunicação pensados para uso das OSC para estratégias de comunicação e de influência no espaço público e na agenda política. O estudo inclui também, em abertura, um glossário de conceitos-base relacionados com os temas abordados e uma série de recomendações em conclusão. Em anexo, apresenta-se também alguns gráficos e elementos de apoio. Abrindo o estudo, é apresentado um quadro do país em termos de desenvolvimento humano, o que equivale a dizer, das difíceis condições estruturais em que se opera a estratégia de afirmação institucional da FONG-STP. O crescimento registado nos cinco últimos anos não foi suficiente para resolver os desafios sociais e do Desen11
volvimento em São Tomé e Príncipe. Há progressos substanciais, notáveis em certos domínios (ensino primário universal, redução da mortalidade infantil, melhoria da saúde materna, tratamento da Sida e do paludismo), mas outros grandes desafios estão igualmente por superar ao nível das condições de vida das famílias e do desenvolvimento social. As probabilidades de o país realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) relativos à extrema pobreza, à igualdade entre os sexos e à instauração de parcerias para o Desenvolvimento são ainda muito pequenas. Alojamento condigno, acesso à água potável, tratamento de lixo, saneamento da água das chuvas e fornecimento de energia eléctrica são outras áreas em que as populações registam um grande nível de carência e insatisfação. As limitações situam-se também a nível da governação, caracterizada por uma opacidade da prática política e de distanciamento em relação à sociedade civil. O estudo analisa, a esse propósito, o caso do Fundo de Contrapartida criado pelo Japão no âmbito da ajuda alimentar, ou “Fundo do Arroz”. Exemplifica o défice de transparência na gestão de fundos importantes ligados à ajuda externa a São Tomé e Príncipe, que continuam fora do escrutínio da sociedade civil. Neste quadro, qual o papel, as actividades e as estratégias das Organizações da Sociedade Civil (OSC) no que diz respeito à monitoria de políticas públicas? E quais as suas capacidades actuais ou necessidades de reforço? Os actuais desafios no exercício da governação exigem um cada vez maior envolvimento das OSC a todos os níveis, desde a concepção das políticas públicas até à fase de avaliação. Para tal, necessitam de recursos, humanos e financeiros. Sendo este um domínio de trabalho novo para a sociedade civil santomense, é premente o reforço de competências específicas – através de acções de formação, de disponibilização de informação adequada e em português, da criação de espaços de diálogo e de debate sobre opções políticas e de Desenvolvimento. 12
Revela-se, como o estudo indica, necessário reforçar a capacidade institucional (capacidade de negociação, comunicação, mobilização de diversos actores e articulação com outros) bem como a capacidade financeira (infra-estruturas adequadas e recursos para cobrir as necessidades operacionais inerentes às actividades de monitoria). Num contexto de parcos recursos, a colaboração e busca de complementaridades entre as OSC é essencial para conseguirem ganhar voz. O estudo aborda também, entre sonho e realidade, os cenários potenciais de aumento súbito de receitas do Estado ou, pelo contrário, de abandono da opção petróleo. Ambos estão, de facto, no horizonte. A assinatura do primeiro contrato de exploração entre uma petrolífera estrangeira e São Tomé e Príncipe, em 1997, fez surgir a expectativa de uma súbita multiplicação de recursos públicos e do arranque de um processo rápido de Desenvolvimento. Para um país fortemente endividado e dependente da ajuda externa, como São Tomé e Príncipe, esta promessa rapidamente se tornou em sonho, mas há hoje quem avise que esse sonho pode não passar de uma ilusão. O primeiro contributo positivo da FONG-STP, e das OSC em geral, para uma abordagem madura do “dossier petróleo” é, precisamente, contribuir para que a discussão se faça “de pés na terra”. Há século e meio (ver cronologia em anexo) que se fala de petróleo no país mas ainda não se produziu um único barril. O início da produção foi mesmo anunciado pelos responsáveis políticos santomenses para o ano de 2015. É fundamental que a sociedade civil compreenda o “dossier petróleo” e tenha efectiva capacidade técnica de propor e influenciar escolhas informadas. O dossier envolve matérias complexas que exigem um domínio de temas que vão da geologia à economia, do direito internacional às finanças públicas, entre outras. É essencial, por isso, a articulação da FONG-STP com o Comité Nacional da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas (ITIE), cujo mandato passa, também, pela sensibilização e capacitação das OSC, incluindo os Media. 13
O estudo explica em detalhe os procedimentos legais que rodeiam a exploração de recursos naturais, incluindo as regras da Conta-Petróleo. Aborda também o funcionamento da ITIE e a importância da iniciativa para o futuro do país, insistindo em dois pontos cruciais do primeiro relatório de país-membro agendado para este ano. Uma das decisões importantes do Comité Nacional da ITIE diz respeito ao nível de agregação de dados, isto é, sobre a publicação de um relatório com dados agregados (fluxos de receitas que representam o total das empresas) ou desagregados (fluxos de receitas por empresa). Outro ponto que deve merecer a atenção da sociedade civil é o relativo aos pagamentos directos e transferências aos Governos locais, que também devem ser conciliados no Relatório ITIE para 2003-2013, os dez anos que balizam cronologicamente a actividade “petrolífera” em análise. A Parte II inicia-se com um panorama dos Media – sobretudo públicos. As possibilidades de alargar o debate sobre questões de Desenvolvimento em São Tomé e Príncipe e a capacidade de influência das OSC sobre as agendas pública e política estão directamente relacionadas com a situação estrutural da comunicação social no país. A fragilidade dos Media em São Tomé e Príncipe oferece múltiplos constrangimentos às OSC e alguns dos problemas intrínsecos do sector têm consequências nas hipóteses e formas de participação da sociedade civil em questões de interesse público. O quadro actual, no entanto, oferece também espaços de intervenção e oportunidades às OSC. Ao problema de escala do mercado e do público vem acrescentar-se o da fragmentação e divisão no seio das redacções dos órgãos de comunicação – e não apenas públicos. Neste sentido, as redacções e chefias dos Media estatais são permeáveis à bipolarização da vida política santomense, constituindo-se em dois blocos, ou duas “trincheiras”. Na percepção de vários elementos das OSC, esta fragmentação no seio das redacções é um espelho das principais linhas de fractura na política santomense e um reflexo da alternância no poder em ciclos políticos curtos e instáveis. 14
O desafio passa, por isso, por estratégias de construção de cidadania com os Media, acompanhando mudanças que se operam. As ONG santomenses estão numa fase de transição. Uma transição que as está a transportar de meros executores de projectos para agentes activos na construção de uma cidadania participativa. Esta mudança de posição e perspectivas está a ser acompanhada por uma relação cada vez mais estreita com os Media. Uma boa relação com os meios de comunicação social neste momento é fundamental para uma advocacia mais eficaz, promovendo o debate público sobre assuntos de interesse comum. Contudo, para que a relação seja frutífera, necessariamente deve-se apostar na formação dos jornalistas para que estes se apropriem das dinâmicas das ONG para mudança de hábitos, comportamentos e mentalidades e para edificar, assim, os valores da cidadania. Num outro capítulo, aborda-se a questão complementar de afirmação institucional da FONG-STP e do seu espaço de participação política. A concepção neo-republicana de política defende, com efeito, a participação activa dos cidadãos para a transformação da sociedade. É neste modelo de participação, democracia, cidadania e política que se enquadra o objecto da Rede da Sociedade Civil sobre a Boa Governação com o propósito de tentar intervir e influenciar as actividades políticas. A política nunca esteve tão presente nas nossas vidas como agora, mas também nunca esteve tão desacreditada nem tinha, como hoje, gerado tanta frustração nas consciências dos santomenses, sublinha-se. A capacidade da FONG-STP de intervir na esfera pública não é, de forma alguma, um tema consensual ou fácil numa sociedade de democracia jovem, com baixo nível de literacia e a discussão é povoada de nuances que torna complexa a escolha de uma abordagem. A FONG-STP deve, por isso, enveredar pela capacitação que lhe permita discutir tecnicamente as questões essenciais da gestão dos recursos naturais, por exemplo, e das finanças públicas. Deve, aplicando esses novos recursos humanos, transformar as novas capacidades 15
na análise de problemas da governação e da antecipação de constrangimentos a uma agenda orientada pela justiça social. É previsível que os actores e as instituições do Estado reajam inicialmente mal a esta nova ambição da FONG-STP, que por isso terá sempre de pautar o seu projecto com uma atitude de contribuição positiva e não de oposição no sentido corrente. A FONG-STP não se opõe; propõe, discute, contribui. Trata-se também, a outro nível, de encontrar pontos de contacto e abertura com os jornalistas, trazendo-os para a sensibilidade do tratamento de questões de Desenvolvimento. Não sendo iguais, e não sendo os mesmos, os valores do Jornalismo e do Desenvolvimento não são opostos nem são todos diferentes, nota este estudo. Nas muitas “cartas de princípios” do Jornalismo, sob diferentes formas, há pelo menos dois valores que estão sempre presentes: a verdade e o serviço à comunidade são sine qua non. O Jornalismo não existe sem isso. São, também, duas portas de contacto – e, portanto, de entrada também – para o mundo das OSC e de quem trabalha em questões de Desenvolvimento. O primeiro passo para um envolvimento dos jornalistas com temas típicos de uma agenda para o Desenvolvimento é, por isso, a descoberta de valores comuns - e não de objectivos, de métodos ou de meios. O que faz sentido, conforme é defendido, é conseguir encontrar oportunidades de actuação independente e construtiva num quadro de proximidade com os centros do poder e de extrema pessoalização das relações institucionais. Não se trata de conivência nem de vassalagem; trata-se de acesso. Nota-se também que a iniciativa de “falar” com o poder, por outro lado, não pode ser feita com a crispação ou a desconfiança de quem atravessa uma trincheira. A sociedade civil santomense tem, assim, de aceitar o desafio de enveredar por formas de participação que contribuam abertamente para a credibilização da política, devolvendo-lhe o sentido de serviço à comunidade que vem perdendo. 16
Quanto às recomendações apresentadas neste estudo, articulam um triplo desafio para a FONG-STP e as OSC: comunicacional, político e institucional. Entre outras recomendações, salientam-se as seguintes: / Pensar os Media num sentido plural e abrangente, investindo em novos formatos; / Adaptar os suportes e as mensagens à diversidade de públi cos-alvo; / Afirmar-se como “emissoras”, isto é, saber fazer-se ouvir para poder influenciar as agendas pública e política; / Ganhar competências de monitoria e técnicas (p.ex. finanças públicas, gestão dos recursos naturais).
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INTRODUÇÃO Pedro Rosa Mendes
A FONG-STP – Federação das ONG em São Tomé e Príncipe é uma plataforma representativa das ONG que actuam em São Tomé e Príncipe, criada em 2001, reconhecida pela sociedade civil, pelas autoridades e parceiros de desenvolvimento. A quantidade e diversidade de organizações e associações existentes no seio desta plataforma ilustra o esforço de construção de uma sociedade democrática, participativa e solidária e pode mesmo considerar-se um caminho positivo no contexto das muitas fragilidades do Estado e das instituições de uma jovem nação que, em 2015, completará 40 anos de independência. Apesar do dinamismo dos seus membros e da importância do seu trabalho para o quotidiano de milhares de santomenses, num país onde metade da população vive abaixo do limiar da pobreza, a FONG-STP debate-se também com muitas fragilidades e constrangimentos. Por um lado, a plataforma reflecte, naturalmente, as limitações persistentes de um país marcado cumulativamente pelas múltiplas heranças da era colonial (económicas, sociais, culturais), pela insularidade, a descontinuidade territorial e a reduzida dimensão geográfica e demográfica. Por outro, o trabalho da FONG-STP confronta-se com uma arreigada cultura de poder caracterizada pelo centralismo do Estado, a opacidade das estruturas políticas e a desconfiança das instituições públicas à participação cidadã na gestão dos recursos e na definição das estratégias de Desenvolvimento. 19
/ 1 To et asperiae. Ut que cuptus et mod etur, saepudit voluptatent ad quae molor apis del iuudit voluptatent ad quae molor apis del iuntiur, con re etur.
/ 1 Cf. Africa 21,
18/09/2013, “Petróleo deverá financiar educação em São Tomé e Príncipe, defendem especialistas”, www. africa21digital.com/ comportamentos/ver/ 20034191-petroleodeve-financiar-educa cao-em-sao-tome-e1 /-principe-defendemCf. Africa 21, 18/09/2013, especialistas“Petróleo deverá financiar educação em São Tomé e Príncipe, defendem especialistas”, ww.africa21digital.com/ comportamentos/ver/ 20034191-petroleo -deve-financiar-educacao-em-sao-tome-eprincipe-defendemespecialistas cao-emsao-tome-e-principedefendem-especialistas / 2 Cravo Carolina, Londaitzbehere Laure, Diogo Olívio et Sousa Sónia, Estudo Diagnóstico das ONG em São Tomé e Príncipe, ACEP, 2010, 55 p. Disponível em www.acep.pt/portals /0/Documentos/Livros/ FONG_online_.pdf
Pelo contrário, a sociedade civil santomense pode reivindicar justamente uma parte do crédito pela melhoria dos índices de desenvolvimento humano nos últimos anos – a outra parte é, precisamente, das instituições públicas e dos parceiros internacionais, de cujos projectos as Organizações da Sociedade Civil (OSC) foram largamente executoras até aqui. São Tomé e Príncipe está acima da média da África subsaariana no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), onde ocupava, em 2012, a 144ª posição entre 188 países. Grandes progressos foram conseguidos na educação e saúde. A mortalidade infantil foi substancialmente reduzida e a taxa de matrícula do ensino primário atingiu nesse ano 98 por cento das raparigas e 97 por cento dos rapazes. / Em 2009, a FONG-STP, em parceria com a ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos, encetou o projecto “Reforço da FONG-STP e de recursos de apoio às ONG”, desenvolvido com financiamento da Cooperação Portuguesa. O projecto foi norteado pelo objectivo da consolidação institucional da FONG-STP, dotando-a de recursos e estruturas que lhe permitam concretizar as expectativas e responsabilidades inerentes à legitimidade que, sem dúvida, ganhou no seio da sociedade civil santomense. Este trabalho permitiu consolidar áreas como: a capacitação das associadas da FONG-STP através de acções de formação em temas como associativismo e gestão, a comunicação - através da criação de um boletim informativo trimestral, de programas de rádio informativos, um melhor conhecimento das ONG em São Tomé e Príncipe e da sua intervenção, através de um estudo diagnóstico que foi publicado em Janeiro de 2011 / . Uma segunda fase do projecto, iniciada em Janeiro de 2012, permitiu realizar nomeadamente ateliês e uma mesa redonda, lançando o debate sobre boa governação e transparência e abrindo caminho a uma nova fase da intervenção da FONG-STP. A articulação das questões de comunicação, governação e trans1
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parência é, precisamente, o eixo de uma estratégia que pretende dar à FONG-STP a visibilidade e a capacidade de influência indispensáveis para transformar a plataforma num actor imprescindível do debate sobre as grandes opções para o país. Esta consolidação institucional permitirá tornar irreversível o ganho de importância que, inquestionavelmente, foi conseguido pela FONG-STP ao longo da sua primeira década de existência. Nesse sentido, a ACEP e a FONG lançaram o projecto “Sociedade Civil pelo Desenvolvimento – Comunicação, Capacitação e Advocacia”, que visa criar espaços de debates e instrumentos de informação e sensibilização sobre temas relacionados com a boa governação e, por outro lado, reforçar as capacidades de monitoria de políticas públicas e advocacia da FONG-STP e dos seus membros. Existe, entre as associações e organizações que integram a Federação, a consciência de que o processo de afirmação institucional da FONG-STP é ainda frágil e pode em certa medida estagnar se não for consolidado. De certa forma, a FONG-STP atravessa um momento crucial do seu crescimento que corresponde ao período que São Tomé e Príncipe atravessa como Estado e sociedade: um período-charneira em que há condições para amadurecimento institucional, mas também riscos de persistência de práticas e modelos que não aproveitam todo o potencial das oportunidades criadas. Depois da abertura democrática com o multipartidarismo e da abertura económica com o abandono do modelo do Partido-Estado no início dos anos 90, o país está hoje numa fase crítica em que necessita de evoluir para um patamar mais exigente de participação cívica, de responsabilização dos governantes e da abertura do Estado à sociedade civil. Ao mesmo tempo, o desafio é também de formar e sensibilizar a própria sociedade civil para uma atitude proactiva e que privilegia a participação em detrimento de uma cultura de crítica gratuita, no conforto estéril do “treinador de bancada”. Nesse sentido, é interessante acompanhar experiências recentes de trajectórias de pessoas ou grupos que, vindos da sociedade civil, 21
/ 3 Cf. Open Budget Survey 2012, International Budget Partnership p.20. Disponível em http://internationalbudget.org/wp-content/ uploads/OBI2012-Report-English.pdf, e infografia disponível em http://internationalbudget.org/ wp-content/uploads/ OBS2012-infographic. png. Consultados em 1 de Abril de 2014.
se organizaram em projectos políticos e, através das eleições ou de nomeações, chegaram ao centro da arena política e da governação e analisar o seu percurso posterior. A construção de processos de participação cívica faz-se, também, por um questionamento das OSC em relação aos seus próprios métodos e às suas limitações, sobretudo reflectindo sobre a persistência de uma atitude reactiva e uma resistência – apontada por muitos membros da FONG-STP – a trabalho comunitário que não seja visto como actividade de rendimento. E não se compadece com um discurso – e muito menos com uma estratégia – de “nós contra eles” de hostilização, confrontação e diabolização dos “políticos”. A FONG-STP terá de responder a este desafio de amadurecimento em qualquer dos cenários económicos extremos em que é equacionada a evolução do país no médio e longo prazos. No essencial, tais cenários, tão diferentes em termos de disponibilização de recursos, exigem a mesma agenda da sociedade civil no sentido de aprofundamento de mecanismos de controlo e participação e de criação de capacidade humana e técnica para influenciar agendas públicas. Um dado curioso, neste aspecto, é dado pelo Índice do Orçamento Aberto (IOA): os países que registam menos transparência orçamental são os mais dependentes da ajuda internacional e os mais ricos em recursos naturais / . Um cenário, optimista, é o do arranque da produção de petróleo num futuro próximo, com a potencial afluência de riquezas que nunca antes estiveram disponíveis para o Estado realizar os seus objectivos, possibilitando também uma autonomia na escolha das prioridades que agora é balizada pelos doadores e credores internacionais. O outro cenário, pessimista, é o fim precoce da “era do petróleo”, em que o prometido eldorado santomense deixará apenas uma herança pesada de compromissos financeiros e orçamentais, contraídos na expectativa de ganhos que tardam em materializar-se. Os desenvolvimentos mais recentes acentuam esta tendência 3
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preocupante, com o abandono do Bloco 1 da Zona de Desenvolvimento Conjunto (ZDC) pela operadora francesa Total e, poucos meses depois, o anúncio da assinatura de uma linha de crédito com Angola para financiar o Orçamento Geral do Estado (OGE) de São Tomé e Príncipe, crédito esse garantido por receitas futuras da exploração do petróleo com a Guiné Equatorial, segundo noticiado na comunicação social / . Para o conjunto de organizações e associações representadas na FONG-STP, não se trata de competição com o Estado nem de procura de protagonismo. A governação é competência dos representantes democraticamente eleitos, mas estes têm que reconhecer a necessidade – e a vantagem – de abrirem o debate de ideias à sociedade civil e de aprenderem conjuntamente uma cultura de responsabilização e prestação de contas (accountability), por maioria de razão em matérias de importância crucial como a gestão dos recursos naturais de São Tomé e Príncipe. Prevista para 2014, a entrega do primeiro relatório de São Tomé e Príncipe na Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas (ITIE, na sigla em inglês) é um sinal encorajador de uma mudança no sentido de maior transparência e de informação sobre o dossier que, afinal, tem galvanizado o debate sobre opções estratégicas entre dirigentes e elites e as expectativas da sociedade – mas que também tem sido objecto de conflitualidade política. No entanto, no seio dos órgãos de soberania os sinais importantes são ainda tímidos em relação ao compromisso de abertura da governação à sociedade civil e a um paradigma de administração que sirva o bem comum e não apenas os interesses de grupos restritos. Isso mesmo é constatado pela pontuação de São Tomé e Príncipe no IOA de 2012: o resultado de 29 em 100 é um aumento significativo da avaliação anterior, referente a 2010, que registou um índice 0 (zero). Ou seja, é positivo também na medida em que sinaliza o abandono do fundo da tabela por São Tomé e Príncipe. Mas 29 em 100 é um resul4
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/ 4 Cf. Téla Non, 13/12/2013, “OGE-2014 responde às necessidades de infra-estruturação do país”, in Na Imprensa, Recolha de notícias sobre políticas públicas em São Tomé e Príncipe, Junho a Dezembro 2013, FONG-STP. Disponível em http://sociedadecivilstp. blogspot.pt.
/ 5 Cf. International Budget Partnership, Open Budget Index 2012. Disponível em http://international budget.org/whatwe-do/open-budgetsurvey/countryinfo/?country=st. Consultado em 30 de Março de 2014.
/ 6 Idem.
tado que está abaixo do resultado médio de 43 dos 100 países inquiridos. Está igualmente abaixo dos resultados dos vizinhos regionais Gana, Libéria e Serra Leoa / . “Os resultados de São Tomé e Príncipe indicam que o Governo fornece ao público informações mínimas sobre o orçamento do Governo nacional e sobre as actividades financeiras durante o ano orçamental. Isto constitui um desafio para os cidadãos em tornar o Governo responsável pela sua gestão do dinheiro público”, constata o relatório IOA. “O Governo de São Tomé e Príncipe tem potencial para expandir muito mais a transparência orçamental introduzindo várias medidas, algumas das quais poderão ser alcançadas muito rapidamente e quase a custo zero para o Governo”, sublinha também o IOA. Medidas imediatas sugeridas: produção e publicação de um Orçamento Cidadão, de uma Revisão Semestral, de um Relatório de Fim de Ano e de um Relatório de Auditoria, até agora inexistentes. O Orçamento Cidadão “é uma apresentação não técnica que permite a compreensão do público em geral sobre os planos do Governo para aumentar as receitas e gastar as verbas públicas, a fim de cumprir as metas das políticas” / . O acompanhamento da adesão de São Tomé e Príncipe à ITIE e da implementação da Comissão de Fiscalização do Petróleo (CFP, entidade administrativa independente, criada para fiscalizar e auditar actividades relacionadas com o petróleo) são duas das actividades de advocacia importantes a serem desenvolvidas no contexto do projecto “Sociedade Civil para o Desenvolvimento – Comunicação, Capacitação, Advocacia”, iniciado em 2013. A representação da sociedade civil no Comité Nacional da ITIE oferece, neste aspecto, uma oportunidade maior para essa contribuição e aprendizagem mútuas. Com efeito, dos dez elementos que integram o Comité, três são representantes de OSC e um é representante dos Media, o que dá uma base bastante equilibrada na própria estrutura da ITIE para reflectir as ideias e as preocupações da sociedade civil num sentido mais alargado. 5
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Fica claro, após o ainda curto caminho já percorrido no projecto “Sociedade Civil para o Desenvolvimento – Comunicação, Capacitação, Advocacia”, que a qualidade da participação das OSC não depende apenas de uma maior transparência das instituições públicas. Participação exige formação e informação, sobretudo em matérias complexas como a gestão dos recursos naturais. A FONG-STP pretende, por isso, apostar na criação de competências em matérias como a monitoria de finanças públicas, a luta anti-corrupção e a elaboração de relatórios de monitoria orçamental. A falta de informação do público em geral é imensa, especialmente no caso das pessoas que vivem nos distritos. O conjunto de actividades realizadas em parceria com a ACEP – de que este estudo faz parte – aponta para o aumento do nível de informação e o estímulo do debate público nomeadamente em torno da transparência orçamental e da gestão dos recursos provenientes da indústria extractiva, relacionando-o com o Desenvolvimento do país e a utilização desses recursos em acções que visem o bem-estar da população e a redução da pobreza e das desigualdades. Sabemos todos que os recursos naturais podem levar a um forte crescimento do PIB sem contudo se verificar uma diminuição da pobreza. Por outro lado, a exploração das indústrias extractivas, aliada a uma boa governação, pode gerar recursos que beneficiem as populações mais pobres e levar a melhorias concretas na vida das pessoas. A importância da transparência e da prestação de contas resulta também do seu potencial para prevenir conflitos que podem eclodir num contexto de fragilidade que é o de São Tomé e Príncipe / , e que pode ser agudizado pela existência do petróleo. Ora, as questões relacionadas com boa governação apenas recentemente começaram a ser tratadas por ONG santomenses / e a articulação com o processo internacional da Eficácia do Desenvolvimento é incipiente. Torna-se por isso necessário contribuir para criar massa crítica nacional neste domínio e é extremamente pertinente 7
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/ 7 “[T]he country is
rated Fragile State as assessed using the Multilateral Development Bank’s based mainly by economic vulnerability and insularity, and it remains highly vulnerable to unpredictable shocks, such as food shortages, climate change, and the impact of the recent global financial crisis. With limited progress in poverty reduction, unemployment continues to be high, especially among women and youth population, and gaps in terms of chronic malnutrition, infant mortality and secondary education are also high.” Cf. Banco Mundial, www.worldbank.org/en/country/ saotome/overview. Consultado em 30 de Maço de 2014.
/ 8 Uma lacuna
constatável nos resultados obtidos pelo Estudo Diagnóstico das ONG em São Tomé e Príncipe.
/ 9 Cf. Murdock, Janet,
Governação de Recursos Naturais em São Tomé e Príncipe: Um Estudo de Caso sobre a Supervisão e Transparência das Receitas Petrolíferas, International Alert, 2010. Disponível em http://h3006.cwd-web. com/node/11443
um projecto que permita a articulação entre ONG, OSC, jornalistas e outros opinion makers – grupos-alvo do projecto – através de acções ao nível nacional bem como de intercâmbios com organizações e redes internacionais. Um estudo encomendado pela International Alert em 2009 / alerta para a falta de transparência do processo de determinação da utilização dos fundos dos bónus de assinatura dos processos de licenciamento do petróleo, para a necessidade do público em geral ter acesso a essa informação e para a ausência de medidas por parte da sociedade civil nesse sentido. Outro problema é o deficiente diálogo social sobre políticas públicas, sendo as OSC na maior parte dos casos unicamente informadas e não envolvidas na definição das políticas e não sendo ouvida pelas instâncias de monitoria. Por outro lado, a sociedade civil, ainda recente e frágil, carece de capacidades e recursos que lhe permitam não só ser um parceiro activo nos processos de monitoria mas capaz de criar os seus próprios mecanismos de monitoria da governação. Até recentemente, não existiam ONG vocacionadas para as áreas da boa governação e transparência, uma lacuna que a fundação do Centro de Integridade Pública de São Tomé e Príncipe (CIP-STP), membro da FONG-STP, vem colmatar. De referir ainda o défice de oportunidades de formação e a dificuldade de fácil acesso à informação, devido a uma deficiente ligação à internet, à escassez de documentação em língua portuguesa e ao não domínio por parte da maior parte dos santomenses de línguas como o francês e o inglês em temas especializados. As ONG nacionais estão, além disso, pouco em rede e articulam pouco o seu trabalho com ONG internacionais e/ou congéneres de outros países. Estas condições resultam numa dificuldade em acompanhar os debates internacionais sobre estas matérias. Advocacia, governação, transparência são, pois, vectores essenciais 9
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de uma consolidação da FONG-STP como plataforma institucional e como fórum de discussão de opções importantes para o Desenvolvimento de São Tomé e Príncipe. São também áreas essenciais para que a principal federação das OSC santomenses possa servir o seu papel de catalisador de iniciativas que assegurem a gestão responsável e o exercício democrático participado por cidadãos informados. Para alcançar esses objectivos, a FONG-STP necessita de investir numa relação dinâmica com os seus vários públicos, no sentido comunicacional. Ou seja, de afirmar uma capacidade de produzir e analisar informação com a mesma eficácia com que, por exemplo, executa projectos ou capta financiamentos. Informação, entenda-se, não é apenas, nem sobretudo, notícia jornalística: é tudo aquilo que pode transmitir, para dentro e para fora da FONG-STP, o conjunto de valores, de saberes e de propostas que alicerçam a sua identidade no panorama santomense. Na relação da FONG-STP com os Media, isso passa por uma aprendizagem mútua de como um valor essencial – o serviço do bem comum – pode ser afinal uma linguagem de colaboração positiva, sem confundir agendas mas identificando. Na relação com os actores políticos, passa pela afirmação de que a prática governativa tem a ganhar em estar atenta à realidade do país, que a FONG-STP conhece de forma transversal. Se conseguir aprofundar estes dois vectores, a FONG-STP estará, também, a contribuir para uma relação mais aberta entre os Media e os seus interlocutores públicos, num duplo sentido. A nível de conteúdos, estará disponível mais e melhor informação relacionada com as realidades do desenvolvimento de São Tomé e Príncipe. A nível de processos, a produção de informação com rigor, transparência e pertinência será uma contribuição salutar e um exemplo para os outros actores em presença. Esta aprendizagem exige, naturalmente, a busca de novas capacidades no seio da FONG-STP e dos seus membros, justificação principal para a formação em Media e Políticas Públicas e para o estudo que 27
agora apresentamos. Em complementaridade a este estudo, é editado também o Manual de Apoio à Formação realizada, a exemplo com o que vem sendo prática com as outras acções de formação. São um início de reflexão, que a FONG-STP pretende aberta a toda a sociedade (não apenas “civil”), sobre a melhor forma de levar as agendas políticas a ser cada vez mais o reflexo de uma verdadeira agenda de Desenvolvimento.
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METODOLOGIA Pedro Rosa Mendes
Este estudo é o resultado de um trabalho de equipa que teve como ponto de partida uma formação sobre Media, Sociedade e Políticas Públicas, realizada na segunda quinzena de Janeiro de 2014 na sede da FONG-STP, na cidade de São Tomé. A formação, participada por cerca de vinte representantes de organizações que são membros da FONG-STP, foi coordenada por um consultor internacional no âmbito do projecto “Sociedade Civil pelo Desenvolvimento – Comunicação, Capacitação, Advocacia”, numa parceria com a ACEP. As discussões sobre as questões do Desenvolvimento em São Tomé e Príncipe, a análise de casos práticos saídos da realidade santomense e o debate em torno das estratégias de comunicação da sociedade civil informam o estudo que agora se apresenta. Este documento reflecte também as conclusões de uma discussão de grupo focal com elementos da Rede Temática sobre Boa Governação – criada no âmbito do projecto – que precedeu a acção de formação e se realizou também na sede da FONG-STP. Em conjunto com a equipa permanente da FONG-STP e da ACEP, foram também identificadas várias pessoas para a realização de entrevistas individuais, tendo como critério o seu profundo conhecimento do processo de crescimento da Federação e o facto de ocuparem, no passado ou na actualidade, responsabilidades de direcção nas organizações que integram a principal plataforma das ONG em São Tomé e Príncipe ou que com ela estão directamente envolvidos nas questões abordadas pelo estudo, como a transparência e a boa gover29
nação. Outros entrevistados foram escolhidos pelas funções e experiência nos principais órgãos de comunicação social santomenses. As pessoas entrevistadas individualmente foram as seguintes: Deodato Capela, fundador do CIP-STP; Dionísio Amado, dirigente da organização ZATONA-ADIL; Dulce Gomes, empresária, fundadora da Fundação Novo Futuro e ex-presidente da FONG-STP; Jorge Carvalho do Rio, actual presidente da FONG-STP e dirigente da organização MARAPA; Maria Odete Aguiar, ex-presidente da FONG-STP; Olívio Diogo, sociólogo e membro da Rede da Sociedade Civil para Boa Governação; José Cardoso, Secretário do Comité Nacional da ITIE em São Tomé e Príncipe; Conceição Lima, jornalista e escritora; Juvenal Rodrigues, director da Radiotelevisão; e Teotónio Menezes, director da Rádio Nacional. Entrevistas foram também realizadas com a equipa do Secretariado permanente da FONG-STP, incluindo o Secretário Permanente, Eduardo Elba, e Alexandro Cardoso, técnico de comunicação, Edson Moniz, contabilista, e Liadilma Alves, assistente de projecto. O estudo incorporou, por último, as informações recolhidas numa vasta análise de literatura sobre os temas abordados e que está reflectida no final do documento em bibliografia.
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CONCEITOS-CHAVE Ana Filipa Oliveira
‘ACCOUNTABILITY’ Embora não tenha correspondência fiel em português, o conceito pode ser traduzido pela expressão “prestação de contas”, que engloba uma dimensão de responsabilização pelas acções perante outros – seja a montante (a entidades financiadoras, por exemplo), seja a jusante (a organizações congéneres, comunidades locais, entre outros). A expressão “prestação de contas” corre, porém, o risco de transmitir uma versão desactualizada e redutora do conceito e das suas implicações, na medida em que é muitas vezes entendida de forma restrita como prestação de contas no domínio financeiro e de sentido unidireccional, de baixo para cima. Accountability engloba essas dimensões, mas extravasa-as, na medida em que se trata da responsabilização no contexto de uma acção ou programa de Desenvolvimento desde a sua concepção à avaliação final, procurando assim o envolvimento activo de todos os actores e uma partilha conjunta de responsabilidades.
‘ADVOCACY’ Há diversas formas de definir e de exercer acções de advocacy (ou “advocacia” em português, apesar da palavra em inglês estar incorporada e ser amplamente utilizada na língua portuguesa). Em termos gerais, a advocacy refere-se a um conjunto de actividades delineadas para influenciar as políticas e as acções dos decisores políticos, numa perspectiva de mudança positiva e duradoura. Em última instância, a
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advocacy tem também como objectivo fazer com que os processos de decisão política sejam mais inclusivos e participados e garantir que as políticas públicas que dizem respeito às comunidades mais vulneráveis são efectivamente implementadas. O trabalho de advocacy realizado pelas Organizações da Sociedade Civil, por exemplo, parte da consciência de que o direito de participação activa no processo democrático de um país vão muito além do voto eleitoral e que é necessário um maior envolvimento no processo e no debate sobre a gestão das políticas públicas e das estratégias de Desenvolvimento.
AGENDA MEDIÁTICA Entende-se por agenda mediática a capacidade dos Media definirem os temas e assuntos que são tratados e discutidos pela opinião pública. Esta teoria parte do pressuposto de que os jornalistas actuam como gatekeepers (“porteiros”), ao seleccionaram aquilo que é ou não notícia e hierarquizando a informação. As agendas mediática, pública e política influenciam-se mutuamente, uma vez que os Media conseguem, muitas vezes, colocar determinados assuntos na discussão pública e política, porém o sentido contrário de influência também se verifica.
AGENDA POLÍTICA Uma agenda política é um conjunto de programas e de decisões desenvolvidas pelo Governo de um país ou determinados grupos que detêm o poder. A expressão engloba tudo aquilo que constitui matéria de opção do Governo, ou seja, o que decidiu ou não fazer para solucionar determinada questão. Trata-se assim de todas as opções políticas que orientam as acções realizadas pelo Governo e pela administração pública, e que são de conhecimento público e consideradas úteis e necessárias pelos cidadãos em geral (que expressam a sua escolha, por exemplo, através do voto eleitoral).
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AGENDA PÚBLICA Faz parte da agenda pública os anseios, as opiniões e as acções dos cidadãos e das Organizações da Sociedade Civil, enquanto parte integrante de uma sociedade. A agenda pública pode, por vezes, entrar em conflito com a agenda política, nomeadamente em ocasiões em que os cidadãos perspectivam outras opções que são contrários àquelas tomadas pelo Governo.
GOVERNAÇÃO A governação, nomeadamente a “boa governação”, está intimamente relacionada com o compromisso do Governo na gestão das políticas públicas e na promoção do Estado de Direito. Apesar de as múltiplas formas de definir o que é a boa governação, a mais consensual é a que recorre a mecanismos de promoção da transparência e da accountability, da participação dos cidadãos na vida democrática do país, da segurança e do respeito pelos direitos humanos, do Desenvolvimento e do combate à corrupção.
ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL (OSC) As organizações da sociedade civil são entendidas enquanto movimentos organizados de cidadãos no espaço social denominado terceiro sector, que se distingue, por um lado, do Estado e das instituições políticas e, por outro, do sector empresarial. São organizações não estatais, sem fins lucrativos e canais privilegiados de solidariedade, de promoção dos direitos humanos e de voz dos grupos mais vulneráveis e marginalizados. Podem também constituir-se enquanto actores políticos, levando a cabo um trabalho de pesquisa e de advocacy para monitorar e influenciar as políticas públicas. Pela sua natureza e objectivos, estes actores podem ser caracterizados como organizações não-governamentais, organizações comunitárias de base, organizações religiosas, sindicatos, associações de moradores,
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organizações de pesquisa e de determinados tipos de Media, organizações profissionais, entre muitas outras formas.
POLÍTICA PÚBLICA A expressão “política pública” diz respeito ao programa de acções da iniciativa do Estado, em inúmeras áreas da vida em sociedade, como a educação, a saúde, o trabalho, a agricultura, o comércio, a indústria, entre outras dimensões. Em termos gerais, as políticas públicas dependem do envolvimento do Governo e da administração pública, e orientam não só o objectivo como o próprio processo de actuação em determinada área. As políticas públicas podem ser desenvolvidas em parceria com organizações da sociedade civil ou com recurso ao sector privado.
TRANSPARÊNCIA A questão da transparência é central em qualquer processo de monitoria. Sem acesso à informação, de forma clara e atempada, não é possível desenvolver correctamente estratégias de monitoria e de advocacy que permitam exercer influência e contribuir para a mudança das políticas públicas. A promoção da transparência pressupõe a publicação de informação de forma proactiva (e não a sua disponibilização apenas por requerimento), abrangente, prospectiva e em circuito aberto à sociedade. É importante referir que o acesso à informação útil é um direito de qualquer cidadão e um pressuposto basilar do Estado.
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parte 1
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL
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AGENDA DE DESENVOLVIMENTO: MUITAS DIFICULDADES, GRANDES EXPECTATIVAS Eduardo Elba com Edson Moniz e Liadilma Alves
UM CONTEXTO SINGULAR E DIFÍCIL São Tomé e Príncipe, arquipélago constituído por duas ilhas principais e ilhéus adjacentes, é um dos mais pequenos Estados do mundo e o segundo mais pequeno de África, depois das Ilhas Seicheles. Localiza-se ao largo do Golfo da Guiné, a cerca de 240 quilómetros da costa africana e é atravessado pela linha do Equador. No ranking do Índice do Desenvolvimento Humano 2013 / , São Tomé e Príncipe ficou na 144ª posição, entre 186 países, integrando assim a categoria de países de desenvolvimento humano baixo. No entanto, a localização geográfica vem conferindo ao país uma acrescida importância geoestratégica, tendo em conta os novos desafios que se colocam à sub-região. A sua Zona Económica Exclusiva abrange cerca de 160.000 Km² e confina com territórios ricos em hidrocarbonetos, e já em exploração comercial, de países como a Nigéria e a Guiné Equatorial. O Produto Interno Bruto (PIB) é de cerca de 263 milhões de dólares norte-americanos, o que, em termos per capita, representa 1405 dólares / . Contudo, uma taxa de desemprego bastante alta, de 14 por cento / , somada à inflação, têm constituído factores de desequilíbrio e de deterioração do poder de compra das famílias e de consequente agravamento do índice da pobreza / , sendo que mais de metade da população vive em pobreza absoluta. A taxa de crescimento médio do PIB, nos últimos 12 anos, é de aproximadamente 5 por cento, demonstrando uma evolução bastante volátil face à elevada abertura e exposição a choques externos. 1O
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/ 1O Disponível em www.un.cv/files/HDR 2013%20Report%20 Portuguese.pdf. Consultado a 1 de Abril de 2014.
/ 11 Cf. Instituto Nacio-
nal de Estatística (INE) 1 /e Fundo To et Monetário asperiae. Ut que cuptus et mod Internacional (FMI)etur, saepudit voluptatent 12 ad molor apis del / quae Cf. Recenseamento iuudit voluptatent Geral da Populaçãoade da quae molor2012 apis del Habitação iuntiur, con re etur. 13 / De acordo com o Inquérito ao Orçamento Familiar realizado em 2010, cerca de 66,6% da população vive numa situação de pobreza absoluta.
A economia apresenta um elevado nível de vulnerabilidade externa, resultado da conjugação de vários factores, tais como: i. Dívida externa elevada (cerca 220 milhões de dólares, corres pondentes a 77 por cento do PIB) considerada risco de sus tentabilidade elevada; ii. Base de exportação bastante reduzida e concentrada num número muito restrito de produtos agrícolas, sendo que o cacau, o principal produto de exportação, tem vindo a dimi nuir consideravelmente; iii. Dependência de Investimento Directo Estrangeiro (IDE), ajuda externa e empréstimos; iv. Elevado grau de abertura ao exterior, essencialmente devido à elevada taxa de importação; v. Desenvolvimento económico, político e social caracterizado por múltiplos constrangimentos e desafios.
OS GRANDES DESAFIOS Entre os factores que contribuíram para a explicação da desaceleração do crescimento económico no país, pode citar-se o atraso observado nos desembolsos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e, mais ainda, a queda do IDE e das actividades do turismo provocados pela crise internacional. De igual modo, a subida dos preços das importações do petróleo e dos produtos alimentares juntamente com importantes entradas de divisas provenientes da ajuda externa e as actividades de prospecção do petróleo contribuíram para amplificar o nível da inflação, estimada em 19,5 por cento no período de 2004 a 2008, com um pico de 26 por cento em 2008. Desde então, a taxa de inflação diminuiu, atingindo 10,4 por cento em 2012. A repartição sectorial do PIB mostra que a economia nacional é impulsionada principalmente pelos seguintes sectores: comércio, hotéis e restauração, agricultura, exploração florestal, a pesca e a 38
caça, transporte e armazenagem, comunicação, finanças, imobiliário, serviços às empresas e serviços das administrações públicas. O sector agrícola, que representa apenas 17 por cento do PIB, emprega mais de 60 por cento da população activa. O país é também caracterizado pelas infra-estruturas deficientes, os serviços públicos de apoio ao Desenvolvimento são quase inexistentes e com um pequeno número de operadores, o que explica a sua fraca produtividade. Com uma agricultura de subsistência bastante frágil e pouco organizada, São Tomé e Príncipe deve necessariamente importar a maior parte dos bens para o consumo alimentar. O aumento das receitas internas depara-se com três dificuldades principais: a omnipresença das actividades informais, a fuga ao fisco e a degradação das infra-estruturas, principalmente no domínio da energia caracterizada pelos aprovisionamentos irregulares. O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas afecta apenas 20 empresas, entre os quais os bancos comerciais, a principal operadora das telecomunicações, os hotéis e alguns operadores de importação/exportação. Os outros agentes (pequenas empresas de retalho, actividades ligadas ao transporte e aos serviços financeiros), que representam quase 65 por cento do PIB, provêm do sector informal ou beneficiam de isenções fiscais. A introdução, a partir de 2010, de um número de identificação fiscal único para cada particular e cada empresa deverá ter criado condições para a expansão gradual da base fiscal. Os serviços públicos e o sector da construção imobiliária, impulsionados pela construção de infra-estruturas turísticas e de habitações bem como pela manutenção das estradas, constituem, com as principais indústrias de transformação alimentar, uma das partes mais importantes do sector secundário. Quanto à indústria manufactureira, que assegura 7 por cento do PIB, sofre principalmente da pequenez do mercado interno, da falta de capital humano, do custo relativamente elevado da energia e da dependência em relação as matérias primas importadas. A fraqueza e a qualidade pouco competitiva da produção 39
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
local provocam uma procura crescente dos habitantes pelos produtos estrangeiros menos caros e de melhor qualidade. Quanto aos desafios ambientais, estão certamente ligados à pobreza nas zonas rurais. A desflorestação aumenta devido à transformação local das madeiras tropicais em carvão ou a sua venda para o estrangeiro, a falta de meios e de pessoal para preservar a fauna e a flora locais.
A PERSISTÊNCIA DA POBREZA O crescimento registado nestes cinco últimos anos não foi suficiente para resolver os desafios sociais e do Desenvolvimento. Se os progressos substanciais são notáveis em certos domínios (ensino primário universal, redução da mortalidade infantil, melhoria da saúde materna, tratamento do VIH/Sida e do paludismo), outros grandes desafios estão igualmente por superar ao nível das condições de vida das famílias e do Desenvolvimento social. As probabilidades de realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) relativos à extrema pobreza, à igualdade dos sexos e à instauração de parcerias para o Desenvolvimento são ainda muito pequenas. Alojamento condigno, acesso a água potável, tratamento de lixo, saneamento da água das chuvas e fornecimento de energia eléctrica são outras áreas em que as populações registam um grande nível de carência e insatisfação. A baixa oferta e uma precariedade relativamente elevada do emprego são características estruturais da economia santomense. E, apesar de a taxa bruta de escolaridade no ensino primário ser de 136,1 por cento, 10,8 por cento de indivíduos de 5 ou mais anos de idade nunca foram à escola e 29,1 por cento dos jovens entre 15 e 24 anos não estão nem no sistema escolar nem no mercado de trabalho. Esses indicadores caracterizam a amplitude dos problemas do sistema educativo do país. Assim, embora com alguns avanços registados, os indicadores sociais mantêm-se medíocres. O crescimento, pouco diversificado, não 40
permite a criação de empregos para os pobres em geral, em particular para os jovens citadinos e as mulheres. Em resposta a todos os desafios, no curto prazo, os desempenhos económicos do país dependerão da estabilidade política e dos esforços que o Governo fizer para melhorar o modo de vida da população e assegurar uma gestão macroeconómica sólida. De igual modo, o Estado deverá comprometer-se em reforçar a colaboração com o sector privado para o encorajar a retomar os seus investimentos, investindo no Desenvolvimento agrícola de forma a aumentar a produtividade. Outra medida estratégica é o desenvolvimento e alargamento das relações comerciais e diplomáticas com os parceiros emergentes (China, Angola, Nigéria, Índia, Brasil, etc.) para além dos seus parceiros tradicionais. Importantes esforços são necessários para permitir ao Estado definir uma estratégia pertinente para a mobilização de receitas internas mais significativas. O formidável potencial turístico e pedológico do arquipélago explicam todo o interesse manifestado pelas autoridades no sentido de muito brevemente fazer dele não somente um pólo turístico internacional mas também um grande porto de águas profundas. A Boa Governação, Participação e Democracia, o Desenvolvimento Sustentável e a Luta contra a Pobreza, são eixos de actuação prioritários definidos pelo documento “Estratégia Nacional de Redução da Pobreza” (ENRP). Estão também reflectidos nas grandes linhas da cooperação bilateral. Outros eixos importantes a considerar são a coesão nacional e social e o Estado de Direito, com incidência particular no reforço da capacidade da justiça.
O PAPEL DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO Portugal é o maior doador de São Tomé e Príncipe, no contexto dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). No entanto, os novos doadores têm tido um pa41
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
pel cada vez mais importante no desenvolvimento económico e social do país, nomeadamente Taiwan (agricultura, água, infra-estruturas, formação profissional e saúde). Outros doadores bilaterais incluem a África do Sul (comércio e defesa), Angola (assuntos internos e defesa), Brasil (agricultura, educação, petróleo e saúde), Espanha (administração pública, agricultura e sociedade civil), EUA (forças armadas e saúde), França (agricultura, desenvolvimento rural e saneamento), Japão (ambiente, ajuda alimentar, educação, infra-estruturas e saúde) e Nigéria (educação, defesa e petróleo). Índia, Guiné Equatorial e Líbia são outros doadores bilaterais a referir. Os maiores doadores multilaterais são o Banco Mundial (BM) e a União Europeia (UE), esta última com o apoio às infra-estruturas de transportes. Outros doadores multilaterais incluem o Banco Africano de Desenvolvimento (BAfD) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A Ajuda ao Desenvolvimento tem-se concentrado nas acções relacionadas com a dívida, seguindo-se as infra-estruturas e serviços sociais, nomeadamente a educação, saúde e população. O desafio de uma gestão transparente e coordenação eficiente da Ajuda ao Desenvolvimento mantém-se em São Tomé e Príncipe, nomeadamente através da criação e tentativa de operacionalização da Unidade de Coordenação da Ajuda (UCA), com o apoio do PNUD e de Portugal.
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MONITORIA E GOVERNAÇÃO: QUAL O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL? Liliana Azevedo
Qual o papel, as actividades e as estratégias das OSC no que à monitoria de políticas públicas diz respeito? E quais as suas capacidades actuais ou necessidades de reforço? Os actuais desafios no exercício da governação exigem um cada vez maior envolvimento das OSC a todos os níveis, desde a concepção das políticas públicas até à fase de avaliação. Para tal, necessitam de recursos, humanos e financeiros. Sendo este um domínio de trabalho novo para a sociedade civil santomense, é premente o reforço de competências específicas – através de acções de formação, de disponibilização de informação adequada e em português, da criação de espaços de diálogo e de debate sobre opções políticas e de Desenvolvimento. O Orçamento Geral do Estado (OGE), por exemplo, reflecte estratégias políticas e define as prioridades em termos de investimento público e Desenvolvimento do país. Importa à sociedade civil organizada escrutinar a gestão das despesas públicas (saúde, educação, economia, administração, etc.) por forma a garantir que os Governos cumprem com as promessas feitas, mas também que os investimentos realizados são-no em prol da melhoria das condições de vida dos cidadãos. A sociedade civil – em particular OSC e Media – tem por isso um papel importante a desempenhar, desenvolvendo um conjunto de actividades desde a análise orçamental e monitoria das despesas realizadas, ao questionar da pertinência de certas opções de investimento cujo impacto na luta contra a pobreza e Desenvolvimento do país poderá ser questionável. 43
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
/ 14 Cf. Capítulo Conceitos-chave
As organizações da sociedade civil podem e devem desempenhar um papel no processo de monitoria da “coisa pública” de duas formas: i. Através de acções de advocacia (advocacy) / : antes e durante o processo de definição de uma política (aquando da discussão de um ante-projecto de lei, por exemplo) ou do OGE, isto é, no momento em que são discutidas as opções estratégicas. No caso do OGE, as OSC podem influenciar a definição de prioridades de investimento chamando a atenção para questões relacionadas com a luta contra a pobreza, promoção dos direitos, melhoria das condições de trabalho, entre outras. A influência pode ainda ter por objectivo que o OGE integre uma perspectiva de género (em que medida as opções orçamentais têm impactos diferentes nas mulheres e nos homens?) ou de direitos das crianças (em que medida os recursos estão alocados a programas que beneficiam as crianças e em que medida esses programas reflectem as necessidades das crianças?). Fazer advocacia requer competências específicas no domínio político que se pretende influenciar: no caso concreto da monitoria de orçamentos, entre outras coisas, é essencial saber analisar movimentos orçamentais, verificar que as afectações são compatíveis com os compromissos e declarações políticas do Governo. ii. Constituindo-se observador interveniente (watchdog): é o papel de quem observa a aplicação efectiva do orçamento ou de uma determinada política. No caso do OGE, as OSC verificam que as despesas públicas correspondem às afectações previstas e seguem as despesas ao nível dos programas e dos ministérios envolvidos. Ser observador interveniente requer recolher, tratar e analisar a informação, bem como sintetizá-la de forma clara e divulgar os resultados, sendo desejável uma articulação com os Media de modo a ter poder de influência, quer junto da opinião pública quer dos decisores políticos. As OSC estão bem colocadas para desempenhar este papel, pelo seu conhecimento do terreno e pela sua proximidade com as populações mais vulneráveis. 14
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Ambos os papéis implicam uma boa compreensão dos processos políticos e/ou orçamentais e uma boa capacidade comunicacional e de articulação com outros actores, como os Media, por exemplo. Com efeito, o trabalho de monitoria pode ganhar relevância se as OSC trabalharem de forma articulada com os Media, pois estes podem contribuir para dar visibilidade às posições das OSC junto da opinião pública e desta forma criar pressão junto dos decisores políticos, no sentido da adopção de medidas e políticas públicas com impacto na melhoria do bem-estar da população em geral ou de grupos específicos. A monitoria da prática de governação é um domínio novo de intervenção para as OSC santomenses, não havendo ainda uma estratégia comum. Também se compreende que não seja para elas uma prioridade claramente estabelecida, quando a maior parte das organizações se depara com a necessidade de resolver problemas mais prementes e essenciais para assegurar a sua sustentabilidade, condição prévia à participação das OSC no trabalho de monitoria. Contudo as OSC têm muito a ganhar na realização de um trabalho sério e credível de monitoria de políticas públicas, constituindo-se assim como um parceiro efectivo no processo de construção das decisões. Nesse sentido, importa criar condições favoráveis – que passam nomeadamente pela disponibilização de informação acessível e atempada por parte das instituições públicas. Importa, por outro lado, as OSC investirem na capacitação dos seus recursos humanos de modo a aumentarem a sua massa crítica, isto é, a sua capacidade analítica (dispor de técnicos qualificados e em número suficiente, com conhecimentos adequados para fazer recolha, tratamento e análise de dados). Revela-se ainda necessário reforçar a capacidade institucional (capacidade de negociação, comunicação, mobilização de diversos actores e articulação com outros) bem como a capacidade financeira (infra-estruturas adequadas e recursos para cobrir as necessidades operacionais inerentes às actividades de monitoria). Num contexto de 45
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
/ 15 Cf. Capítulo Conceitos-chave
parcos recursos, a colaboração e busca de complementaridades entre as OSC é essencial para conseguirem ganhar voz. Os processos de monitoria são também a oportunidade para os poderes públicos terem um retorno por parte da sociedade civil sobre o impacto das políticas seguidas, constituindo-se como oportunidade para reajustar opções tomadas e adaptar as medidas implementadas. Este trabalho ganhará em legitimidade se as OSC conseguirem mobilizar a opinião pública e envolvê-la através de mecanismos de retorno de opinião (feedback) criando, por exemplo, espaços de informação e debate. Essa legitimidade passa também pela capacidade de penetrar a agenda mediática / e envolver jornalistas e fazedores de opinião nestes debates. Os mecanismos de monitoria das políticas públicas e de monitoria orçamental de iniciativa das OSC contribuem para a qualidade da governação, na medida em que permitem um debate público sobre as opções de Desenvolvimento, bem como a apropriação destas questões por parte dos cidadãos. 15
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PANORAMA DA CORRUPÇÃO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Paula Medina Fernandes
Entre os grandes desafios com que deparamos em São Tomé e Príncipe está a luta contra a corrupção. Segundo Ian Senior (2006: 29) / , para que se possa determinar o que é um caso ou uma situação de corrupção, existem cinco elementos que devem ser contemplados simultaneamente: “A corrupção ocorre quando o corrupto (1) dá secretamente (2) um bem material ou concede um favor a um terceiro, (pessoa ou empresa com certas responsabilidades nas transacções monetárias) para que estes possam influenciar (3) determinadas acções, que (4) beneficiam ao corrupto ou a um terceiro ou ainda aos dois, e para as quais o corrupto tem (5) autoridade”. Note-se que a corrupção é um mal, com muitos sintomas, que pode ser observado nos actos e processos do Estado, mas também no sector privado. Mal que muitas vezes é conotado como: banho / , amiguismo, facilidades, clientelismo / , esquema / , luvas / , etc. Tentaremos observar como o Governo, as diferentes instituições, a sociedade civil santomense têm lidado com a questão da corrupção; como tem sido feito o controlo por parte dos diferentes sectores da sociedade; o nível de independência e liberdade para denunciar e participar na luta contra a corrupção; em que medida o aparelho do Estado está equipado e preparado para enfrentar este fenómeno, bem como, que medidas poderão ser adoptadas para melhor afinar toda a máquina à disposição para o combate à corrupção. Embora os sintomas não sejam explícitos isso não quer dizer que a questão não preocupe os governantes. Por exemplo em 1991, o pri16
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A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
NOTA: Este artigo é
uma adaptação da tese “Corrupção: definição, prevenção e combate - o caso de S. Tomé e Príncipe” para obtenção do grau de Mestre em Gestão Pública na Universidade de Aveiro
/ 16 Senior, Ian (2006), Corruption- The World’s Big C , Editora Great Britain
/ 17 Banho é um fenó-
meno que corrói gravemente a democracia e que tem ganho dimensão em São Tomé e Príncipe. Muitos eleitores não são movidos por convicção pessoal ou pela lealdade partidária, mas sim pelo dinheiro. Os partidos não se limitam a divulgar as suas ideias, a exibir os slogans e a fazer promessa, empenham-se também a distribuir dinheiro, à boca da urna, a fazer compra de consciências. O eleitor mesmo sabendo em quem votar, quer receber uma
compensação para o fazer. O partido sabe que mesmo tratando-se de um militante seu, se não fizer o gesto, perde-o. Se não for feito à boca de urna, aumenta automaticamente a abstenção. E isso acontece porque ninguém quer fazer seja o que for, sem receber uma compensação, ainda que mísera, porque são elevados os índices de pobreza, de frustração, e de desilusão e, por sua vez, muito baixos de confiança e esperança.
/ 18 Essas três palavras
estão de certa forma relacionadas. Em São Tomé e Príncipe a dimensão do país determina de certa forma para a elevada ocorrência desses “fenómenos”. Permite uma terrível rede de dependências cruzada que com faz que as pessoas, elas todas, dependam umas das outras e devam favores umas às outras. Os laços de amizade, vizinhança, de parentesco, cruzam-se e fazem com que grande parte das vezes as pessoas não sigam os procedimentos e regras estabelecidas, ao contrário, criam facilidades.
/ 19 Um plano, toda uma situação criada, montada, por um agente ou vários agentes para conseguir algum benefício em proveito próprio, ou a favor de uma terceira pessoa. / 2O Subornos, recompensas.
meiro Governo democraticamente eleito prometeu que iria publicar um Livro Branco que serviria para informar a sociedade sobre a má gestão, a desorganização generalizada do anterior Governo, tencionando, dessa forma, coibir acções do género no mandato do então Governo. Um livro nunca editado, apesar das promessas dos dois primeiros Chefes de Estado da era democrática. Com ou sem o Livro Branco, certo é que o país deverá desencadear esforços no sentido de conhecer o nível de corrupção que o assola. Em todo o caso, vale ressaltar que o país deverá estar consciente de quão ardilosa será esta tarefa. Pois medir a corrupção não é fácil. Não há dúvida que uma das dificuldades metodológicas mais importante que enfrenta a ciência social é a medição. Medir variáveis que tenham a ver com o ser humano é sempre complexo, principalmente quando se trata de opiniões ou comportamentos que quase sempre não são legítimos. Os actos tidos como corruptos, ao contrário de outros crimes em que as provas são mais evidentes ou inocultáveis, sobretudo porque pode haver alguém disposto a torná-lo público, pode-se assim dizer que é um crime dissimulado, em que tanto o corruptor como o corrupto actuam normalmente com todo o cuidado. Saber exactamente onde, como e em que nível há prevalência de actos corruptos no interior do aparelho de Estado, ou mesmo na sociedade em geral, é uma tarefa, decerto, impossível. Daí as dificuldades dos pesquisadores dessa área. Não havendo dados em quantidade necessária e fiáveis, leva a resultados inconclusivos baseados em explicações pouco seguras. No entanto, felizmente, apesar dos obstáculos, tem havido cada vez mais reflexões e trabalhos científicos sobre a corrupção. No caso de São Tomé e Príncipe, para além de todas as considerações acima, a condição de micro-Estado permite um sem número de situações nem sempre fáceis de gerir. Há condicionalismos de ordem económica, psico-cultural, que muitas vezes têm a ver com o isolamento, que trazem consigo uma certa vulnerabilidade, perante o ambiente e o mundo externo. Não é por acaso que se utiliza constantemente no 48
país a expressão “ S.T.P., Lda”, insinuando que a governação no país processa-se como se tratasse de uma empresa de capital limitado. Por outro lado, o S.T.P. é “visto” (por nacionais, até mesmo por alguns estrangeiros residentes) como: Somos Todos Primos ou Somos Todos Parentes, que embora seja uma forma divertida de se referir à sigla, descreve em grande medida a verdadeira condição das relações existentes dentro do país. O parentesco que surge não só na sigla como na prática, promove grandes constrangimentos na gestão pública, pois fomenta o clientelismo, o nepotismo, o tráfico de influências, etc. O que leva a reconhecer que a combinação do parentesco presente no país, um nível elevado de pobreza, que se associa a um elevado grau de burocracia e ineficácia do aparelho do Estado concorrem para que não se tome as medidas necessárias mesmo quando a situação o exige. Quantas vezes os dirigentes não se encontram entre a espada e a parede ao tomar uma decisão, uma vez que esta afectaria, condicionaria certos privilégios de amigos e/ou parentes? E essa questão estende-se do Executivo ao Legislativo, na medida que até mesmo ao legislar, muitas vezes depara-se com choques de interesses. Embora a baixa condição socio-económica concorra para o favorecimento da corrupção, como o caso da prática do suborno, sabemos que este fenómeno não é específico de países pobres, logo, embora a relação entre esse fenómeno e a pobreza se coloque em termos de situação de precariedade ou privação, o certo é que a prática desse acto se deve também ao quadro de valores defendido pelo indivíduo e pela sociedade. Em São Tomé e Príncipe a assunção de cargo público de relevo pode resultar em uma melhoria significativa de condições de vida. Como o país possui uma economia muito frágil e vive, constantemente, num clima de instabilidade política, as pessoas quando assumem cargos de direcção entram numa corrida desenfreada para conseguir em tempo recorde alguns privilégios, antes de haver uma outra queda do Governo, que acarreta, na maioria das vezes, a queda da grande parte de pessoas que ocupam cargos de chefia e de direcção. 49
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
/ 21 Seibert, Gerhard
(2001), Camaradas, Clientes e Compadres: Colonialismo, Socialismo e Democratização em S. Tomé e Príncipe, Lisboa, Editora Vega
Esse cenário pode levar as pessoas a aceitarem certos subornos e aproveitar toda a sua influência de função para conseguir benefícios pessoais na tentativa de encontrar uma forma fácil de enriquecimento, tendo em conta que cessando as suas funções, certamente, as “oportunidades” deixarão de aparecer. Por vezes os detentores de cargos públicos monopolizam pessoalmente informações e contactos relevantes, visto que isso poderá facilitar a apropriação ilícita de “fundos”. A realidade do país exige uma governação muito habilidosa. Mas sabe-se que governar é uma arte que poucos dominam. É um jogo de inteligência em que a conciliação de interesses é relevante em qualquer sector, seja ele público ou privado. Sempre que esse critério for violado, surgirá uma reacção. O sucesso de um administrador depende de uma visão conjugada em que cada factor seja avaliado à luz da razão e de circunstâncias peculiares. Não é por acaso, que tanto Maquiavel como Marx, profundos estudiosos das estruturas sociais e sensíveis conhecedores da natureza humana, abordaram a questão relacionada com os riscos que correm os governantes egoístas e inábeis. O egoísmo dos governantes santomenses tem-nos levado a tirar o proveito até mesmo das ajudas externas (do Banco Mundial, da União Europeia, do Japão, etc.) que chegam ao país (uma ajuda da qual o país depende em grande medida), numa tentativa de acumularem riqueza e poderio político. Tudo isso concorre para o aumento da prática de corrupção no país. Como se pode constatar com a exposição de Seibert (2001: 203204) / , “a disponibilidade de fundos externos e o estabelecimento de joint-ventures com capital estrangeiro, fizeram aumentar os níveis de corrupção e de outras mal versões. Vários políticos estiveram envolvidos no escândalo da compra de casas pré-fabricadas, que adquiriu sérias proporções, embora não fosse um caso único. O facto deu-se em 1989. O Primeiro-Ministro e outros membros do Governo foram 21
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subornados pela companhia italiana Technosystem de Cremona. A companhia vendeu ao país 120 casas e três clínicas prefabricadas financiadas por um empréstimo do Governo italiano no valor de 13,8 milhões de dólares, na altura, mais do que o dobro das receitas anuais de exportação do país. O verdadeiro valor da aquisição estava estimado em apenas cinco milhões de dólares”. Posteriormente o então Ministro dos Negócios Estrangeiros revelou de que modo foi feito o acordo: “Não sabíamos que teríamos de pagar. Quando nos foi feita a oferta, telefonámos ao Ministro da Economia da Guiné-Bissau, para obter pormenores porque eles haviam recebido idêntica oferta. E o ministro guineense disse: Não há problemas. Oficialmente o preço é muito superior ao valor real das casas, mas vocês não pagam nada. Assinam e um ano depois informam ao Governo italiano de que não podem pagar”. Como consequência da transacção, o Fundo Monetário Internacional (FMI) suspendeu todos os créditos a São Tomé e Príncipe, porque qualquer acordo que ultrapassasse os 500.000 dólares requeria prévia autorização daquela instituição. Em 1990, o Primeiro-Ministro viu-se obrigado a viajar para Washington para justificar as vantagens do dispendioso projecto. Todo o cenário descrito demonstra uma elevada falta de controlo. Uma falta de controlo de verbas públicas que poderá estar ligada à inexistência, durante largos anos, de um Tribunal de Contas no país (pois esse órgão só foi instituído em 2003, com a Lei n.º 3/99, Lei Orgânica do Tribunal de Contas de São Tomé e Príncipe), e a desistência, nos primeiros anos pós-independência, de se prestar contas anualmente a um Tribunal Administrativo, o que proporcionou o incumprimento da Lei sobre o Sistema de Administração Financeira do Estado, consequentemente, facilitou, a prática de corrupção. Nesse período, quando não existia o Tribunal de Contas, o controlo e as auditorias eram feitos ao nível do Ministério das Finanças, pela Inspecção-Geral das Finanças. Era um controlo 51
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/ 22 Essa prática era feita
através do famoso saco azul, um bolo orçamental sem discriminação exacta de despesas a serem afectadas. Um bolo ao qual as autoridades recorriam à medida que surgisse qualquer eventualidade, seja ela de interesse público ou não.
bastante deficiente, tanto que as regras orçamentais foram repetidamente violadas e muitas operações financeiras eram feitas à margem do Orçamento / . A falta de controlo está relacionada com a falta de autoridade do Estado que se tem verificado no país, que por sua vez, tem provocado o aceleramento da evasão fiscal, práticas de suborno e facilidades, contribuindo desta forma para o aumento da corrupção. Verifica-se também a falta de controlo por parte dos cidadãos. Esses não têm sido nem vigilantes nem participativos. A sociedade civil não possui armas à altura para seguir, controlar e cobrar, porque até mesmo a comunicação social nem sempre tem desempenhado o seu papel de informador e formador, que seria de grande valia. Pois trata-se de uma sociedade onde um número considerável da população ainda precisa de ser instruída e capacitada para reivindicar e discutir os interesses da nação (está-se a referir a uma sociedade onde o número de analfabetos, em 2006, ainda atingia os 29,3% conforme os dados do Instituto Nacional de Estatística, embora tenha havido nos últimos anos avanços significativos). Caso contrário, persistirá o que se tem verificado, uma onda do comodismo e medo de marginalização, que dá origem a uma sociedade refém. 22
AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO JURÍDICO SOBRE CORRUPÇÃO A ausência de sanções legais é um factor que tem favorecido a corrupção. Dados relativamente ao crime de corrupção em São Tomé e Príncipe, nos últimos 38 anos (período pós-independência) no que toca a julgamentos e condenações são praticamente nulos, de acordo com informações obtidas junto ao Ministério Público. No entanto, a comunicação social através da rádio, televisão, bem como dos jornais impressos pontualmente, falam dos alegados casos de corrupção, como tem sido com o caso de desvios de fundo no Gabinete de Gestão de Ajuda (GGA), que envolveu a figura da então Primeira-Ministra, além do Ministro de Comércio, directores e outros 52
agentes públicos. Um caso que se foi arrastando ao longo de vários anos e com desfecho meio dúbio. Embora as normas existentes no país prevejam um sistema judicial independente, os agentes judiciais convivem com intimidações e peso de influências que lhes dificultam o trabalho e de certa forma impede que os mesmos sejam imparciais. A morosidade e precariedade do sistema judicial concorrem de igual modo, para que alegados casos de corrupção levados à justiça não conheçam um julgamento. Muitos foram os inquéritos parlamentares de casos de corrupção que não culminaram em processos judiciais. Isso acontece, provavelmente, devido à falta de uma efectiva independência dos tribunais, que permite interferências de familiares, de amigos, dos partidos, etc. Esses, normalmente, utilizam todo e qualquer tipo de influências para impedir o andamento do processo. Devemos relembrar a força da sigla S.T.P. – Somos Todos Parentes – que nessas alturas impõe sobremaneira, sejam laços parentescos, laços partidários, ou por se tratar da classe de elite (da pequena elite), sempre na defesa de interesses do grupo e com o pensamento: não deixar afundar para não nos afundarmos juntos. A outra questão tem a ver com a ausência, durante largos anos, de normas que regulassem a criminalidade económica e o branqueamento de capitais. Só em 2008, a Assembleia Nacional aprovou a Lei Contra o Branqueamento de Capitais, em 18 de Abril, e a Lei do Regime Jurídico Contra a Criminalidade Económica, em 29 de Janeiro. A ausência ou inoperância de normas que regulam as elegibilidades também tem contribuído para a proliferação da corrupção. Ao invés de se instituir mecanismos que coíbam o exercício das actividades políticas por aqueles que infringiram a lei (por exemplo, os políticos denunciados por crime de corrupção) e puni-los, ao contrário, muitas vezes esses políticos são promovidos a ocuparem cargos bens numerados dentro ou fora do país. A ausência ou inoperância de normas que regulem o mercado 53
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/ 23 Actualmente o salário mínimo praticado na função pública é de Dbs: 975.000,00, o que corresponde a € 39,80 (trinta e nove euros e oitenta cêntimos) e, como não existe norma que regule o salário mínimo no país, muitas vezes o salário praticado chega a ser mais baixo ainda noutros sectores.
/ 24 Está-se a referir
a um Estado que se diz liberal, e pode-se dizer que seja apenas pela necessidade de designação formal ou de tipificação. Uma vez que na prática, não aderiu nem aos paradigmas do Estado liberal moderno, muito menos aos valores defendidos por ele. Conforme defende Varela (2007:3) “Vivemos num Estado Predador. Não é novidade para ninguém que uma parte não negligenciável dos recursos de todos nós é colocada ao serviço de interesses partidários e particulares. Não são raras as vezes em que o património público
financeiro, que promovam a concorrência e a atracção de investimentos também tem sido um terreno fértil para a corrupção. Por exemplo, as leis que compõem o pacote da Reforma Fiscal só foram aprovadas a partir de 2008, mas muitas delas já carecem de alterações de fundo. O baixo nível do rendimento no país, que se traduz num baixo salário mínimo na função pública / , concorre sobremaneira para que haja corrupção, uma vez que os funcionários públicos vêem-se forçados a buscar fontes alternativas de rendimento e, alguns buscam alternativas não propriamente lícitas, como troca de favores e/ou outras vantagens. Também cabe falar da estrutura da máquina governativa que é extremamente pesada e ainda por cima, conta com um elevado grau de burocracia e um baixo nível de eficiência e eficácia. Por outro lado, o Governo e as Câmaras não têm a sua missão devidamente definidas e tendem a chamar para si toda e qualquer atribuição, desde a organização de limpeza de rios, construção de latrinas, etc. A realidade brinda-nos com um Governo sem capacidade para impor a ordem, garantir a segurança de pessoas e bens, aplicar a lei e modernizar a economia do país, resultando num Estado Predador / . O mesmo acontece ao nível dos outros Órgãos. No caso particular da Assembleia Nacional, há um elevado número dos deputados comparativamente aos outros países (se fizermos a relação dos deputados versus a dimensão do país e sua população). Entretanto, é preciso que se diga que a estrutura da função pública tende a aumentar e não reduzir, isto porque muitos temem as consequências políticas que uma redução da máquina estatal e da burocracia podem trazer. Por outro lado, após cada período eleitoral, como forma de cumprir promessas feitas, são garantidos postos para alguns eleitores/militantes dos partidos. Isso tudo concorre para que não haja a valorização e a promoção de competência, do profissionalismo e das normas deontológicas. O projecto de Reforma Administrativa (1993-1997), financiado 23
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pelo PNUD e pelo Banco Mundial, criado para garantir a qualificação adequada dos funcionários, o reforço da gestão dos recursos humanos, a reorganização da Administração Pública e a adopção de um estatuto da função pública, bem como a redução significativa da burocracia, teve resultado aquém do esperado/estabelecido, segundo a avaliação do próprio PNUD. Se este projecto resultasse e as medidas fossem postas em prática, não haveria brechas para apadrinhagem mas sim a promoção de competência e, por outro lado, a redução da estrutura do Estado. Talvez por isso o projecto se deparou com constantes adiamentos das suas variadas acções e entraves em vários níveis, tanto dos agentes como dos governantes públicos. Por fim, parece-nos pertinente falar do segundo órgão de soberania – a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe – que tem a competência de fiscalizar a acção do Executivo e não o tem feito devidamente. A Assembleia Nacional é composta por 55 deputados, dos quais cerca de 70% não trabalham a tempo inteiro, de acordo com informação obtida junto ao Assessor de Imprensa desse Órgão. Na perspectiva de uma maior e melhor fiscalização da acção do Executivo pelos parlamentares, tem havido nos últimos tempos várias iniciativas visando a redução e profissionalização dos deputados, como, por exemplo, a jornada para a Reforma Parlamentar em 2001. O argumento que tem servido de base para se pensar na Reforma Parlamentar tem sido de que a independência e a isenção dos deputados estariam sempre em causa a partir do momento em que continuassem a trabalhar nos organismos da administração central do Estado, estando hierarquicamente subordinados a diferentes Ministros e outros dirigentes. Tem-se indagado, como poderiam cumprir as suas tarefas, que é o controlo e fiscalização da actividade governativa do Estado, nesse cenário?
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A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
é pura e simplesmente apropriado por um “corajoso” detentor do poder ou até por um pacato funcionário público, farto de curvar-se e fazer a ponte”.
MEDIDAS PREVENTIVAS PARA O COMBATE À CORRUPÇÃO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Uma vez detectadas as principais causas de corrupção no país e tendo em conta o contexto social, cultural e económico, julgamos pertinente apresentarmos algumas medidas, tanto preventivas, como repressivas, capazes de reduzir a prática da corrupção, principalmente ao nível governamental. / Formar os servidores públicos, inclusive em questões ligadas ao decoro administrativo; / Aprovar um código de conduta cívica que ajude na moraliza ção da sociedade em todos os sectores e níveis, através da educação (um projecto que vem sendo falado no país e possi velmente, em breve, será remetido à Assembleia Nacional); / Dotar os órgãos de controlo de ferramentas e pessoal de alto nível e promover a integração e o desenvolvimento desses órgãos de forma contínua; / Avaliar os possíveis serviços que podem ser privatizados, reduzindo a intervenção do Estado, melhorando-se o seu papel de regulação, prevendo-se assim a redução do campo de incidência da corrupção pública; / Criar uma estrutura formada por entidades não-governa mentais que possa analisar os casos de denúncia de corrup ção quando o sistema judiciário se mostrar inoperante; / Adoptar medidas que inibam a eleição de dirigentes desones tos, adoptando por exemplo, normas de elegibilidade; / Lançar e adoptar uma campanha de mobilização geral contra a corrupção. De forma um pouco mais profunda e tentando preservar a lógica interna desta reflexão, julgamos pertinente apresentarmos e sugerirmos medidas destinadas a contra-atacar o crescimento e a sofisticação da corrupção. Essas medidas deverão ser adoptadas dentro de um pla-
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no de combate permanente, vigoroso e amplo. Amplo no sentido de não ser algo apenas do Governo, mas sim do Estado e com alto grau de envolvimento da sociedade civil. Concluindo, torna-se necessário apostar na mudança de valores, crenças, hábitos e práticas, através de um aprimorado processo de consciencialização e educação cívica. Deve-se ter presente que essa mudança de valor não é algo a ser imposta, pelo contrário, é necessário que a própria sociedade sinta a necessidade dessa mudança. O empurrão e contribuição de vários grupos organizados, como organizações não-governamentais, igrejas, pedagogos, críticos, intelectuais, professores e formadores de opinião pública, far-se-ão necessários. E é nessa linha de raciocínio que julgamos que: / Não se pode ditar transparência na Administração Pública sem combater a causa da falta de transparência; / Não se pode apontar medidas políticas nas áreas educacio nais, económicas, judiciais, em termos de organização do Estado, para o combate à corrupção, etc., sem indicarmos medidas que anulem as causas impeditivas da tomada das decisões políticas. É imperativo que se criem as bases em São Tomé e Príncipe, para que a sociedade possa vir a participar mais nas tomadas de decisão política, de modo a impedir que os políticos continuem a tomar decisões, tendo em conta os seus interesses, que, por azar, quase sempre não coincidem com os interesses do povo. No entanto, estes, os cidadãos, aparentam nem saber quais são os seus próprios interesses.
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A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
O EXEMPLO DO ARROZ QUE FAZ CAIR GOVERNOS FONG-STP
Um dos temas “quentes” do ano 2013 em São Tomé e Príncipe foi o alegado desvio, em 2011, de mais de meio milhão de euros do Fundo de Contrapartida criado pelo Japão no âmbito da ajuda alimentar / . O “Fundo do Arroz”, como é vulgarmente conhecido, é um assunto de importância vital para a vida da maior parte dos santomenses. É, apesar disso, um tema rodeado de constante desinformação e cujos contornos são pouco conhecidos do cidadão comum. Exemplifica, nesse sentido, o défice de transparência na gestão de fundos importantes ligados à ajuda externa a São Tomé e Príncipe, que continuam fora do escrutínio da sociedade civil. Costuma, ao mesmo tempo, ouvir-se em São Tomé e Príncipe que o arroz “faz cair” Governos. Vale a pena olhar para este tema e tentar clarificar alguma desinformação que tem complicado o debate 25
/ 25 Cf. Téla Nón, 7 de Novembro de 2013, www.telanon.info.
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sobre uma questão de Desenvolvimento que toca o quotidiano de todos. Os Governos de São Tomé e Príncipe e do Japão assinaram em 1999 uma Convenção de Ajuda Alimentar no âmbito da Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Este acordo de cooperação económica tem sido renovado todos os anos desde então, com a excepção dos anos 2004, 2005 e 2006. Os dois países acordaram numa doação, cujo envelope em Yen japonês é acordado para cada ano. O Governo do Japão designou o Sistema de Cooperação Internacional do Japão (JICS) como uma terceira parte independente para se ocupar do processo de aquisição e da compra do arroz a ser adquirido no Japão, Tailândia ou nos EUA. O Governo de São Tomé e Príncipe deve vender o produto aos comerciantes grossistas nacionais e constituir no Banco Central de São Tomé e Príncipe
(BCSTP), para cada ano, um fundo onde é canalizada a totalidade da receita, designado Fundo de Contrapartida. À luz do referido acordo, o Governo santomense está autorizado a depositar somente 2/3 do valor FOB da venda / , caso seja doado um terço às instituições sociais no país. Entretanto, cada doação feita às instituições sociais deve ser devidamente justificada. Os lucros da venda do arroz devem ser usados nos financiamentos dos projectos do sector social, tal como acordado entre os dois países. O Governo de São Tomé e Príncipe vende o produto ao maior número possível de comerciantes para evitar qualquer situação de monopólio. No passado, havia até cerca de seis comerciantes. Hoje, há mais de dez actores elegíveis. A estrutura da cadeia do arroz é peculiar. O actor principal que abastece o mercado interno é o Governo de São Tomé e Príncipe. A doação japonesa fornece (importa) entre metade e dois terços do arroz consumido no mercado santomense. De acordo com a Direcção do Comércio, há cerca de 180 vendedores registados. Contudo, o número de vendedores informais é desconhecido. 26
/ 26 FOB - “Free On Board”, ou seja,
o custo do produto sem incluir os custos de transporte e seguros (que é
O Governo garante ainda subsídios para o transporte de arroz e outros bens essenciais ao Príncipe. Segundo alguns comerciantes inquiridos para o Estudo de Mercado realizado em 2011 para o Programa Alimentar Mundial (PAM), o arroz importado em São Tomé e Príncipe é um negócio de risco. O Governo usa a Ajuda Alimentar do Japão para estabilizar a disponibilidade do arroz no mercado e consequentemente, o seu preço. Parece claro que o Governo usa o arroz como uma alavanca estratégica para alcançar a segurança alimentar; quando o arroz japonês acaba, o mercado sofre uma quebra de abastecimento que imediatamente se repercute no aumento do preço. Quando isto acontece, o mercado acompanha a especulação nos preços. Os actores privados que teriam a capacidade de importar, têm de ponderar antes de entrar neste negócio de alto risco por causa da reduzida margem do lucro depois do desalfandegamento e devido à presença de um competidor embaraçoso que pode, de repente, inundar o mercado. A intervenção do Governo visa estabelecer o preço. O nível dos preços que resulta da intervenção estatal permite a uma larga
designado por preço CIF - “Cost with Insurance and Freight”).
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parte da população, com limitado poder de compra, ter acesso a um abastecimento razoável de arroz. No entanto, de entre os que beneficiam desta estabilização, há grupos com maior poder de compra que não necessitam dessa ajuda. Eventualmente, também há grupos que permanecem fora do mercado por falta do poder de compra. O nível actual do preço do arroz pode ter sido induzido, ou contribuiu para um efeito de substituição dos produtos locais por produtos importados, que no caso do arroz está de algum modo subsidiado, o que resulta numa mudança das preferências dos consumidores. Encontram-se actualmente em falta, nas contas de 2007 e 2008 do Fundo de Contrapartida, quase 40 mil milhões de dobras, tendo em conta que a totalidade das receitas das vendas do arroz importado do Japão não foi depositada nem justificada. É da incumbência da Direcção do Comércio, na qualidade de entidade responsável pela venda do arroz, regularizar a situação em causa. Salienta-se ainda que a conta de 2009 tem um saldo deficitário de mais de seis mil milhões de dobras, montante que tam-
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bém carece de justificação. De igual modo, não foram ainda restituídos mais de 12 mil milhões de dobras – retirados compulsivamente em 2011 pelo Tribunal da (na altura) conta de passagem de 2009 – e de quase 15 mil milhões – retirados da mesma conta para o aprovisionamento do mercado com arroz e açúcar. O secretismo que tem rodeado a gestão do Fundo de Contrapartida e as dúvidas quanto à sua boa gestão e aplicação ilustra bem o leque de consequências de distorções aos princípios de transparência e boa governação. Como foi amplamente noticiado, a suspensão temporária, pelo Japão, da ajuda alimentar a São Tomé e Príncipe ameaçou pôr em causa a realização das eleições em 2014, uma vez que o recenseamento e as eleições são financiados pelo Fundo de Contrapartida. O “fundo do arroz” não é apenas uma questão de bem comer; é também uma questão de bem votar.
PETRÓLEO, TRANSPARÊNCIA E DESENVOLVIMENTO José Cardoso e Pedro Rosa Mendes
DA EUFORIA AO REALISMO A assinatura do primeiro contrato de exploração entre uma petrolífera estrangeira (a ERHC, em conjunto com a PFC) e São Tomé e Príncipe, em 1997, fez surgir a expectativa de uma súbita multiplicação das receitas do Estado e do arranque de um processo rápido de Desenvolvimento. Para um país fortemente endividado e dependente da ajuda exterior, como São Tomé e Príncipe, esta promessa rapidamente se tornou em sonho mas há hoje quem avise que esse sonho pode não passar de uma ilusão. Na última década, quatro grandes companhias petrolíferas internacionais desistiram sucessivamente dos seus direitos de exploração, alegando, no essencial, que as jazidas identificadas não justificam o investimento necessário para concretizar o seu potencial. A última foi a companhia francesa Total, que em Julho de 2013 confirmou o abandono do Bloco 1 da Zona de Desenvolvimento Conjunto (ZDC). As OSC podem e devem ter um papel crucial no acompanhamento do “dossier petróleo”. Por um lado, como actores de monitorização e garantia de transparência. Por outro, como agentes de informação fiável sobre um assunto vital para o futuro dos santomenses, que tem sido rodeado de secretismo e frequente motivo de desinformação. O petróleo é, efectivamente, um factor-chave para a evolução do país, haja ou não produção num futuro próximo. Havendo produção, São Tomé e Príncipe terá recursos para concretizar infraestruturas e assegurar investimentos em áreas como a educação, a saúde e a justiça 63
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
/ 1 To et asperiae. Ut que cuptus et mod etur, saepudit voluptatent ad quae molor apis del iuudit voluptatent ad quae molor apis del iuntiur, con re etur.
/ 27 Fonte: www.
anp-stp.gov.st/pt/sobre/ jdz/. Consultado em 28 de Março de 2014.
A ZONA DE DESENVOLVIMENTO CONJUNTO STP/NIGÉRIA / 27
Block No.
Area (sq.kms)
Block 1
704
Block 2
692
Block 3
666
Block 4
857
Block 5
1091
Block 6
588
Block 7
1286
Block 8
822
Block 9
1123
Port Harcourt
NIGERIA
CAMEROON
BOI
ISOBO
ZAFIRO
SEKHI IKIJA AGBAMI
NNWA DORO
UKOT
CHOTA BOLJA
Bioko
AKPO 01
03 06
04
09
07
EQUATORIAL GUINEA
02 05 08
Príncipe
JOINT DEVELOPMENT ZONE
SÃO TOMÉ AND PRÍNCIPE O
Malabo
USAN
NGOLO
BILHA
ALBA
APPROXIMATE SCALE 1OO KM
que, no quadro actual, estão bastante limitados à disponibilidade e às agendas dos doadores e das instituições internacionais. Ao mesmo tempo, são conhecidos os riscos associados a uma afluência súbita de receitas petrolíferas, desde a corrupção e inflação até à atrofia de outros sectores económicos, nomeadamente da agricultura. No caso contrário, o de não chegar afinal a haver produção petrolífera, São Tomé e Príncipe terá, por maioria de razão, que alicerçar as suas políticas de Desenvolvimento em sectores onde os resultados podem ser menos imediatos mas onde podem ser também mais consistentes e sustentáveis, como a agricultura e as pescas. Será também das OSC que terá certamente de vir o apelo para a atenção a
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estes sectores, digamos, mais convencionais e que exigem estratégias políticas continuadas. À semelhança do que tem acontecido invariavelmente em Países em Desenvolvimento ricos em recursos naturais, a distribuição da renda petrolífera é desequilibrada e toca pouco a maioria da população. O primeiro contributo positivo da FONG-STP, e das OSC em geral, para uma abordagem madura do “dossier petróleo” é, precisamente, contribuir para que a discussão se faça “de pés na terra”. Há século e meio (ver cronologia no final deste capítulo) que se fala de petróleo no país mas ainda não se produziu um único barril. O início da produção foi mesmo anunciado pelos responsáveis políticos santomenses para o ano de 2015, marco até simbólico por coincidir com os 40 anos da independência do país. Mas o abandono do Bloco 1 da ZDC pela Total veio suspender esse calendário optimista e adiar a esperança sine die. Antes da Total, desde 2007, outras três grandes companhias internacionais cederam sucessivamente os seus interesses no Bloco 1: as americanas Exxon e Chevron e a chinesa Sinopec. Em campo ficaram companhias sem estatura global, até então parceiras minoritária das majors, mas que não têm capacidade técnica nem financeira para, sozinhas, colocar o Bloco 1 em produção. Estão neste caso as companhias nigerianas ERHC e DEER. Há, por isso, quem ponha em dúvida a capacidade de a ZDC encontrar novos operadores que substituam as quatro majors desistentes (Seibert, 2013: 2) / . A deserção das majors da ZDC tem também consequências negativas no interesse potencial pela Zona Económica Exclusiva (ZEE) de São Tomé e Príncipe – que não tem sido muito marcado. Assim, em 2010, a primeira ronda de concessões para a ZEE foi “um fracasso completo” (idem). Apenas apareceram propostas de seis companhias de média dimensão e nenhuma major participou. Em Maio de 2011, uma concessão foi finalmente atribuída à companhia nigeriana Oranto Petroleum, para o Bloco 3 (a assinatura do 28
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A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
/ 28 Seibert Gerhard,
“ São Tomé and Príncipe: The End of the Oil Dream? ”, IPRIS Viewpoints, no 134, Setembro 2013, pp. 1‑3
/ 29 Pereira Adelino Amado, Estudo do sector petrolífero de São Tomé e Príncipe - Quadro histórico e legal, ITIE, 2013
contrato em Outubro desse ano deu lugar ao pagamento de um bónus de 2 milhões de dólares). Os blocos 4 e 11 foram atribuídos à ERHC e os blocos 5 e 12 à Equator Exploration em 2010. Instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) continuam a publicar previsões verdadeiramente espectaculares para São Tomé e Príncipe, com base no anúncio de produção para 2015. No seu último relatório sobre o país, o FMI anunciou em Julho de 2013 que o crescimento do PIB seria de 5,5 por cento em 2014 para 38,7 por cento em 2015 – o maior salto no PIB em todo o mundo. Uma publicação especializada americana anunciou também que São Tomé e Príncipe seria a economia com crescimento mais rápido entre 2013 e 2017. As OSC, e a FONG-STP em particular, podem ter um papel importante de manter o debate em bases realistas, contrariando o discurso vitorioso que reduz a estratégia de Desenvolvimento à abertura da torneira do petróleo. O momento e o valor de futuros bónus de assinatura, bem como as potenciais receitas do petróleo, não são previsíveis, como apontam os especialistas. Os riscos da exploração são vários. Por um lado, como tem acontecido até agora, “o petróleo pode não estar presente em quantidades comercialmente viáveis”. Até Abril de 2013, nenhuma das operadoras dos blocos da ZDC e ZEE declarou qualquer descoberta comercial. Por outro, “o interesse do investidor poderia mudar para outras alternativas fora de São Tomé e Príncipe” e as “royalties de extração podem não ser suficientes para suportar a posição fiscal do governo por muitos anos” (Pereira, 2013: 5) / . O maior risco, no entanto, é o desfasamento entre a descoberta de campos viáveis e a eventual exploração. Há que considerar que, por regra, os acordos de produção de petróleo atribuem a maior parte das receitas às companhias petrolíferas durante os primeiros anos. Mesmo num cenário optimista de início de produção, podem passar muitos anos até a renda petrolífera recolhida pelo Estado atingir o nível da fartura anunciada. Em 2013, houve licitação do Bloco 2 da ZEE à Sinoangol, uma 29
66
empresa de interesses angolanos e chineses. O contrato com Estado santomense ficou celebrado em 4 de Outubro de 2013, tendo entrado em vigor a 22 de Janeiro de 2014. A empresa terá pago o valor de 5 milhões de dólares como bónus de assinatura. ZEE. É importante recordar também que, mesmo sem haver ainda produção, tem havido receitas – e despesas. Apesar dos resultados frustrantes das prospecções na ZDC, a administração desta estrutura tem um orçamento anual de 12 milhões de dólares (um montante equivalente a cerca de dez por cento do OGE santomense), dos quais o Estado de São Tomé e Príncipe tem de assegurar 40 por cento. A necessidade de maior transparência em torno do petróleo santomense é, desde já, exigida a nível das negociações de concessão, da assinatura ou rescisão de contratos, da aprovação ou verificação do quadro legislativo e, obviamente, do controlo democrático sobre o montante e o destino dos fundos que o Estado vem recebendo dos operadores envolvidos. É fundamental que a sociedade civil compreenda o “dossier petróleo” e tenha efectiva capacidade técnica de propor e influenciar escolhas informadas. O dossier envolve matérias complexas que exigem um domínio de temas que vão da geologia à economia, do direito internacional às finanças públicas, entre outras. É essencial, por isso, um maior dinamismo da FONG-STP enquanto membro do Comité Nacional da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas (ITIE), cujo mandato passa, também, pela sensibilização e capacitação das OSC, incluindo os Media. A sociedade civil santomense tem, também, uma responsabilidade particular de estar à altura dos próprios critérios de transparência e responsabilização que, em princípio, exigirá cada vez mais às instituições públicas e ao sector petrolífero. Com efeito, vários têm sido os projectos que, durante a última década, beneficiaram directamente dos chamados pagamentos sociais como contrapartidas de concessões a operadores do off-shore santomense (ver Quadro 1). 67
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
LISTA DE PROJECTOS SOCIAIS EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 2OO3-2O12
BLOCOS BLOCO 1
S/N
ANO
PROJECTO SOCIAL
1
2OO5
Financiamento para estudantes de STP no Brasil
1OO.OOO
Projecto social redireccionado para bolsas de estudos
Concluído
2
2OO6
Escola de São João da Vargem
1OO.OOO
Concluído
2OO7
Financiamento para estudantes em Portugal e Marrocos
1OO.OOO
Construção e montagem de cozinha e cantina Projecto social redireccionado para bolsas de estudos
4
2OO8
Infantário na Vila de Bom-Bom 2008/2009/2010/2011
1OO.OOO
Construção e equipamentos
Em curso
5
2OO9
Infantário na Vila de Bom-Bom 2008/2009/2010/2011
1OO.OOO
Construção e equipamentos
Em curso
6
2O1O
Infantário na Vila de Bom-Bom 2008/2009/2010/2011
1OO.OOO
Construção e equipamentos
Em curso
7
2O11
Infantário na Vila de Bom-Bom 2008/2009/2010/2011
1OO.OOO
Construção e equipamentos
Em curso
8
2O12
Não definido
1OO.OOO
Não definido
Não definido
8O.OOO
Fornecimento de alimentos para a cantina
Concluído
8O.OOO
Fornecimento de alimentos para a cantina
Concluído
Construção de um muro de vedação
Concluído
Construção de estrada
3
BLOCO 2
9
1O
2OO6 2OO7
Escola Patrice Lumumba Escola Patrice Lumumba
MONTANTE USD
DESCRIÇÃO
OBSERVAÇÕES
Concluído
11
2OO8
São João dos Angolares
8O.OOO
12
2OO9
Pavimentação de Ribeira Formiga e construção de depósito de água no hospital
8O.OOO
13
2O11
Pagamento propinas Lusíadas/IUCAI
8O.OOO
Projecto social redireccionado para bolsas de estudos
Em curso
BLOCO 3
14
2OO6
Escolas de Guadalupe e Neves
8O.OOO
Reabilitação do edifício e da cantina
Concluído
15
2OO7
Escolas de Guadalupe e Neves
8O.OOO
Reabilitação do edifício e da cantina
Concluído
16
2OO8
Escola na Vila de Bom-Bom
8O.OOO
Reabilitação de escolas
Concluído
17
2OO9
Infantário do hospital velho no Príncipe
8O.OOO
Construção do hospital
Concluído
18
2O11
Infantário do hospital velho no Príncipe
8O.OOO
Construção do hospital
Concluído com 45.000 USD
19
2OO6
Praia Gamboa, Praia Cruz e Praia Loxinga
4OO.OOO
Reabilitação da rede de água
Concluído
2O
2OO7
Praia Gamboa, Praia Cruz e Praia Loxinga
4OO.OOO
Reabilitação da rede de água
Concluído
21
2OO8
Ferry Boat de São Tomé e Príncipe
4OO.OOO
Barco para transporte entre São Tomé e o Príncipe
Concluído
22
2OO9
Ferry Boat de São Tomé e Príncipe
4OO.OOO
Barco para transporte entre São Tomé e o Príncipe
Concluído
23
2O11
Escola de São Joaquim no Príncipe
4OO.OOO
Construção da escola
Em curso
BLOCO 4
68
As OSC não estarão em condições de exigir transparência na gestão dos recursos petrolíferos se não aplicarem com rigor mecanismos de accountability do quanto e como recebem e, talvez mais importante, da avaliação dos projectos em que os pagamentos sociais são aplicados. Uma gestão opaca e feita com critérios que não sejam os do bem comum colocará a sociedade civil no papel de cúmplice potencial de esbanjamento, desvio ou má gestão de recursos que, em última análise, são de todos e para o bem de todos. Este risco aumentará na mesma proporção das receitas petrolíferas. A FONG-STP tem, portanto, interesse em sensibilizar desde já os seus membros para uma estratégia – interna – que assegure que organizações e associações podem no futuro ser parceiros de desenvolvimento do sector petrolífero e não cúmplices de práticas alheias ao interesse público e à aplicação sustentável das riquezas do país.
AS RECEITAS E A CONTA PETRÓLEO A Constituição da República de 2003, no artigo 4º, reafirma o direito de propriedade do Estado sobre os recursos naturais, incluindo o petrolífero. Segundo a alínea 2 do mesmo artigo, “o Estado santomense exerce a sua soberania sobre todo o território nacional, o subsolo do espaço terrestre, o fundo e o subsolo do território aquático formado pelo mar territorial e as águas arquipelágicas, bem como sobre os recursos naturais vivos e não vivos que se encontram em todos os espaços supramencionados e os existentes nas águas suprajacentes imediatas às costas, fora do mar territorial, na extensão que fixa a lei, em conformidade com o Direito Internacional.” Neste sentido, as companhias petrolíferas não poderão ser proprietárias dos recursos petrolíferos, embora sejam pagas pelos seus serviços e reembolsados pelos seus investimentos com o petróleo extraído na base de um CPP. A República Democrática de São Tomé e Príncipe auferiu um total de USD 81.800.000 (oitenta e um milhões e oitocentos mil 69
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
/ 3O Cf. Lei-Quadro das
Receitas Petrolíferas; Lei Orgânica da Comissão de Fiscalização do Petróleo e Lei sobre o Gabinete de Registo e Informação Pública.
/ 31 Cf. www.anp-stp.
gov.st/pt/wp-content/ uploads/2009/11/ Lei-quadro-dasreceitas.pdf
dólares norte-americanos) a título de receitas petrolíferas-bónus de assinatura no período de 2003 a Setembro de 2012, provenientes da ZEE e da ZDC. Sucessivas fracções desse montante foram desembolsadas para sucessivos OGE a partir do banco de depósito dos Estados Unidos da América, o Federal Reserve Bank (FED), em conformidade com as Leis do Petróleo de São Tomé e Príncipe / . No que diz respeito às receitas provenientes de operações petrolíferas na ZDC, as transferências para o FED chegam através de dois bancos nigerianos. Em conformidade com a Lei-Quadro das Receitas Petrolíferas (Lei n.º8/2004, de 30 de Dezembro) / , os desembolsos necessitam de inscrição prévia do montante no Orçamento Geral do Estado e de quatro assinaturas: as do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, do director do Tesouro e Património e do director das Operações Exteriores do Banco Central de São Tomé e Príncipe. A utilização anual no Orçamento de Estado tem sido de 20 por cento do saldo líquido da conta no FED, um limite legal imposto à movimentação da Conta Nacional de Petróleo. Do saldo líquido no FED, sete por cento são reservados anualmente a despesas públicas da Região Autónoma do Príncipe e dez por cento são reservados à participação do Estado no orçamento das autarquias locais. Um outro procedimento obrigatório é a inscrição ou previsão do montante no OGE anual ou no orçamento rectificativo do OGE no decurso do ano fiscal, caso as previsões de receitas não se verifiquem ou os donativos externos previstos não se concretizem. Cabe ao Banco Central de São Tomé e Príncipe indicar ao Governo as suas contas junto dos seus correspondentes onde todas as receitas provenientes de operações petrolíferas deverão ser depositadas. “São Tomé e Príncipe tem outorgado – e em várias ocasiões, depois emendado – direitos para exploração e desenvolvimento de várias empresas desde 1997. As emendas aconteceram depois de críticas de importantes interessados nacionais e internacionais sobre possíveis 3O
31
70
perdas económicas e financeiras consequência dos termos acordados. Embora as emendas geralmente resultem em melhores termos, em vários casos os desequilíbrios da distribuição de rendas nunca foram revertidos a favor de São Tomé e Príncipe” (Pereira, 2013: 4).
ITIE: OS CAMINHOS DA TRANSPARÊNCIA A ITIE é uma iniciativa voluntária, apoiada por uma coligação de empresas, Governos, investidores e Organizações da Sociedade Civil, cujo principal objectivo é promover a publicação das receitas do Estado resultantes dos pagamentos provenientes das empresas das indústrias extractivas (petróleo, gás natural e minerais). A publicação destes relatórios tem como finalidade promover a transparência das receitas que os Governos recebem dessas empresas, contribuindo, em última análise, para o Desenvolvimento e bem-estar das populações de países detentores de recursos naturais extractivos. O primeiro critério da ITIE exige a publicação regular de todos os pagamentos materiais das empresas extractivas ao Governo, “bem como a publicação de todas as receitas recebidas pelo Governo, provenientes destas indústrias, pois o fluxo de receitas é um critério material. Isto deve-se ao facto de a sua omissão ou declaração errónea poder afectar materialmente o Relatório Final da ITIE” (Pereira, 2013: 8). No caso de São Tomé e Príncipe, estes fluxos de receitas resumem-se aos bónus de assinaturas e pagamentos de licenças de locação da geografia dos blocos (uma vez que não há extracção), provenientes de um universo de 14 empresas / . São Tomé e Príncipe endossou os princípios da ITIE em Junho de 2004 e tornou-se país candidato em 2008, apesar de ainda não ser considerado um país produtor de petróleo. É, aliás, o único país não produtor envolvido na Iniciativa. Não obstante, o Governo santomense estabeleceu o Comité Nacional da ITIE composto por representantes do Governo, da Indústria Petrolífera e da Sociedade Civil, para gerir o processo ITIE em São Tomé e Príncipe. 32
71
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
/ 32 As empresas consideradas na ITIE/STP são para a ZDC: A. & Hartman; ADAX EER; Amber Production; ANADARKO; Conoil; Dana Gás; Daugote/ EER; DNO / EER; ICC / OEOC; Foby Engineering; Ophir; SINOPEC/ ERHC/ADDAX; Total; para a ZEE: Equatorial Oil; Oranto; Sinoangol.
Em Abril de 2010, São Tomé e Príncipe solicitou ao Conselho de Administração da ITIE a suspensão voluntária da Iniciativa, com o objectivo de sanar as dificuldades e os impedimentos à sua implementação. No entanto, o Conselho decidiu pelo afastamento de São Tomé e Príncipe da lista de países candidatos. O Conselho concluiu que o atraso na implementação se devia sobretudo a circunstâncias relacionadas com a gestão conjunta com a Nigéria da ZDC, tendo, no entanto, considerado a possibilidade de São Tomé e Príncipe voltar a candidatar-se quando as circunstâncias para uma implementação rápida forem mais favoráveis e um maior compromisso pudesse ser manifestado e assumido pelo país. Este compromisso devia ser demonstrado de forma clara e fundamentado com uma descrição clara da identificação das anteriores barreiras à implementação eficaz da ITIE e acções concretas da sua superação. Em Agosto de 2011, o Governo expressou a intenção de solicitar a recandidatura de São Tomé e Príncipe à ITIE. Em Dezembro do mesmo ano, foi reconstituído o Comité Nacional da ITIE – São Tomé e Príncipe, assim como o Comité tripartido da ZDC, Subcomité Nigéria-São Tomé e Príncipe, o que permitiu iniciar os trabalhos relacionados com a preparação do Relatório da ITIE na ZDC e na ZEE. Em Outubro de 2012, após o cumprimento dos requisitos necessários, São Tomé e Príncipe foi aceite, na Reunião do Conselho de Administração da ITIE em Lusaca, Zâmbia, como país candidato. Enquanto país candidato, São Tomé e Príncipe está vinculado ao cumprimento das regras e dos padrões da ITIE, tendo, entre as demais obrigações decorrentes deste estatuto, o prazo de publicação do primeiro relatório em 26 de Outubro de 2014 e o início do processo de validação para ser considerado país cumpridor marcado para 1 de Outubro de 2015. Igualmente, São Tomé e Príncipe deverá publicar o relatório anual das actividades do Comité Nacional em 1 de Julho do corrente ano. 72
Para o efeito, existe um plano de trabalho que foi elaborado e aprovado pelo Comité Nacional, o qual congrega todas as acções a serem desenvolvidas, bem como os responsáveis e parceiros de Desenvolvimento de cada uma delas, assim como o orçamento a elas afecto. Os órgãos e estruturas de funcionamento da Iniciativa são: o Comité Nacional, presidido pelo Ministro do Plano e Finanças, e o Secretariado Permanente. Existe também o Subcomité Nigéria–São Tomé e Príncipe, composto por membros de ambos os países e representantes das empresas e da Autoridade Conjunta Nigéria–São Tomé e Príncipe. O funcionamento destes órgãos é regido por um regulamento interno aprovado pelo Comité Nacional. As regras da ITIE indicam que o período de tempo que o Relatório deve cobrir não pode ser superior ao ano anterior ao último ano fiscal completo. No caso de São Tomé e Príncipe, o Secretariado Internacional da ITIE definiu os últimos dez anos como o período de pagamento de bónus, pelo que o primeiro Relatório deveria cobrir o período de 2003 a 2013. Uma das decisões importantes do Comité Nacional da ITIE diz respeito ao nível de agregação de dados, isto é, sobre a publicação de um relatório com dados agregados (fluxos de receitas que representam o total das empresas) ou desagregados (fluxos de receitas por empresa). O comité deve debater sobre as vantagens e as desvantagens da desagregação. “No caso de São Tomé e Príncipe fica claro que com poucos pagamentos e poucas empresas envolvidas, a sociedade civil deveria escolher o relatório com dados desagregados” (Pereira, 2013: 39). Outro ponto importante do primeiro Relatório que deve merecer a atenção da sociedade civil é o relativo aos pagamentos directos e transferências aos Governos locais. Estes pagamentos incluem royalties específicas e transferências importantes do Estado aos Governos locais, que também devem ser conciliadas no Relatório ITIE para 2003-2013. 73
A FONG-STP E A SOCIEDADE CIVIL / parte 1
Abordou-se anteriormente a questão dos pagamentos em espécie e pagamentos sociais. O Comité Nacional deve estabelecer um mecanismo para incorporar esses fluxos de benefícios nos processos do Relatório da ITIE com o objectivo de alcançar um nível de transparência proporcional a outros pagamentos e fluxos de renda. O trabalho do Comité Nacional em 2014-2015 orienta-se pelo objectivo central de promover uma gestão transparente e efectiva do sector petrolífero como forma de se criar um clima adequado de investimentos capaz de atrair o interesse de empresas competentes para o desenvolvimento do sector e reforçar as capacidades de supervisão dos contratos vigentes. É importante que as OSC aproveitem da melhor forma as iniciativas previstas no plano de trabalho da ITIE–São Tomé e Príncipe e lancem os alicerces para processos participativos de controlo dos recursos do país que, se tiverem sucesso, produzirão reflexos na consolidação de uma cultura de transparência na própria sociedade civil santomense.
74
parte 2
A FONG-STP E OS MEDIA
75
UM DIAGNÓSTICO DOS MEDIA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Pedro Rosa Mendes
RÁDIO E TELEVISÃO PÚBLICAS As possibilidades de alargar o debate sobre questões de Desenvolvimento em São Tomé e Príncipe e a capacidade de influência das OSC sobre as agendas pública e política estão directamente relacionadas com a situação estrutural da comunicação social no país. A fragilidade dos Media em São Tomé e Príncipe oferece múltiplos constrangimentos às OSC e alguns dos problemas intrínsecos do sector têm consequências nas hipóteses e formas de participação da sociedade civil em questões de interesse público. O quadro actual, no entanto, oferece também espaços de intervenção e oportunidades às OSC. Este capítulo analisa a articulação de constrangimentos e de possibilidades através de um diagnóstico dos Media. O primeiro elemento a ter em conta sobre o panorama dos Media santomenses é a sua exiguidade. São Tomé e Príncipe é um micro–Estado, com uma população equivalente à de uma pequena cidade europeia, e isso reflecte-se – também – na comunicação social. O mercado publicitário é muito restrito e o universo de leitores duplamente limitado pelo analfabetismo e pelos níveis de pobreza da população. Este contexto diminui drasticamente duas potenciais fontes de financiamento de uma imprensa independente. Outras fontes alternativas de financiamento do serviço público foram travadas pela impopularidade política, como aconteceu com uma proposta de taxa radiofónica, que chegou ao Parlamento mas que o XIV Governo deixou cair da agenda. 77
A FONG-STP E A OS MEDIA / parte 2
Há também “uma ideia errada do que é o próprio serviço público, começando nas instituições do Estado”, refere o director da Rádio Nacional de São Tomé e Príncipe (RNSTP), Teotónio Menezes. “O espaço de antena não é cobrado pela Rádio, mesmo quando são lidas duas ou três páginas de anúncios num boletim”. Uma solução referida mas ainda não aplicada, e que depende da aprovação da tutela, é a criação de um orçamento de divulgação e comunicação, pago com parâmetros diferentes dos usados para a divulgação de informação oficial por telefone ou Internet. Ao problema de escala do mercado e do público vem acrescentar-se um outro, de fragmentação e divisão no seio das redacções dos órgãos de comunicação – e não apenas públicos. Neste sentido, as redacções e chefias dos Media estatais são permeáveis à bipolarização da vida política santomense, constituindo-se em dois blocos, ou duas “trincheiras” como é referido por vezes, cuja gestão é uma das preocupações quotidianas das administrações e direcções. Na percepção de vários elementos das OSC, esta fragmentação no seio das redacções é um espelho das principais linhas de fractura na política santomense e um reflexo da alternância no poder em ciclos políticos curtos e instáveis. A fragilidade económica dos Media – incluindo da comunicação social pública – encontra eco interno nas dificuldades financeiras de muitos jornalistas. Esta realidade deixa os profissionais da comunicação social expostos a uma dupla influência, directa e indirecta, de grupos ou interesses que dispõem de meios para limitar opiniões e construir alianças e fidelidades alheias aos padrões de uma imprensa independente. A um outro nível, esta situação expõe os jornalistas santomenses a um risco permanente e real de serem, como se diz na gíria, “lesionados”. É relativamente fácil isolar um jornalista do seu meio profissional e social, desertificando as suas relações com os colegas e as fontes, limitando o seu acesso à informação e fazendo até “pagar” na vida pessoal o preço da independência – do desalinhamento – profissional. 78
No meio social santomense, este tipo de “lesão” é relativamente fácil de operar e tem-se revelado uma forma eficaz de interesses políticos e económicos manterem um controlo efectivo sobre os Media, uma vez que há uma ameaça implícita de bloqueio à informação reconhecida, por exemplo, pelos responsáveis dos Media públicos. Juvenal Rodrigues, director da TVS, identifica “um problema sério, um vício derivado de um conjunto de factores, que inclui as formas de trabalhar e uma falta de recursos materiais”. O director da televisão pública acrescenta que “os Media não têm a sua própria agenda”, o que os limita a “correr sempre atrás do que as instituições e organizações fizerem. Corre-se atrás da cobertura e mesmo essa cobertura não é feita da forma mais correcta”. A televisão pública trabalha apenas com três câmaras, o que tem como consequência que uma equipa de reportagem não pode estar muito tempo no terreno. “Vai ouvir-se o que se diz num atelier, por exemplo, mas não se vai ver o exemplo concreto em causa. Cobre-se o atelier mas não se liga ao assunto. Falta o pulsar da vida” na informação produzida. A pauperização de meios é também notória na Rádio Nacional, que até recentemente dispunha apenas de um computador e que opera apenas com um estúdio. Até ao final de 2013, a Rádio tinha apenas uma viatura para toda a instituição. As próprias instalações carecem de reabilitação urgente, não apenas para os serviços técnicos e redacção mas também para salvar o velho arquivo analógico, onde centenas de bobines correm o risco de se degradarem irremediavelmente. “A imagem da Rádio não é a que nós queríamos e a Rádio não é a que o público quer”, resume o director. Não existem noticiários de hora a hora e a emissão ao longo das 24 horas do dia, por exemplo, foi recentemente retomada. A escassez de meios é conjugada, na Rádio Nacional, com excesso de pessoas. “Temos gente a mais” e a necessitar de formação profissional, que a direcção da RNSTP tem repetidamente solicitado a diferentes doadores e parceiros. 79
A FONG-STP E A OS MEDIA / parte 2
Uma recente listagem de programas na Rádio Nacional indicou que apenas 25 a 30 por cento são produzidos efectivamente na casa. O resto são emissões da responsabilidade externa, gravados normalmente no estúdio da Rádio mas feitos por instituições e organizações tão diversas como a FONG-STP, os Médicos do Mundo, o Ministério da Agricultura e várias igrejas. Abordaremos mais à frente o lado positivo desta situação: a realidade é que a RNSTP possibilita espaços de antena às OSC santomenses que são excepcionais noutros contextos. Um outro nível de constrangimento à actividade dos Media identificado por responsáveis da rádio e televisão públicas é a falta de especialização temática dos jornalistas, o que impede uma “cobertura de sequência”. Um reflexo concreto no acompanhamento das questões de Desenvolvimento é que as recomendações produzidas em inúmeros encontros, conferências ou ateliers são noticiadas mas não verificadas posteriormente. Este nível de condições é um obstáculo à cobertura de “boas práticas” no universo das OSC que, desse modo, não passam para o grande público. “Queremos trazer para a programação o que está a fazer-se de positivo”, diz o responsável da TVS, mas os impedimentos são vários, incluindo a “má percepção dos Media nas instituições em geral. Isso afecta o relacionamento dos Media com as OSC”. Isso não afecta, porém, o “bom relacionamento das OSC com a televisão, numa relação pacífica”. Um quadro deste tipo poderá ser alterado a partir de uma colaboração mais estreita entre Media e OSC, diz o mesmo responsável, que tem ele próprio uma carreira de jornalista em São Tomé e Príncipe e de correspondente internacional. “É preciso que, ao nível dos responsáveis intermédios ou da tutela, haja alguém que faça a ponte e que sirva como ponto focal para a troca de informações”. Não apenas a troca de informação, mas também o acesso, é uma questão colocada do lado dos jornalistas, que se interrogam sobre a capacidade de as OSC terem mais acesso do que os Media a dossiers 80
estruturantes para o país – como a central hidroeléctrica ou o porto de águas profundas – sobre os quais pouco ou nada é veiculado. No caso afirmativo – o que não tem acontecido –, as OSC poderiam afirmar-se como fontes importantes dos Media, garantindo acesso a informações eventualmente sonegadas pelas instituições e os responsáveis políticos. Por enquanto, a realidade é que as OSC “têm um acesso muito limitado à informação e têm, por isso, um interesse reduzido para os Media como fonte”, constata um responsável editorial. Este ponto ilustra a forma como uma mudança na qualidade da relação entre os Media e as OSC pode(rá) de imediato produzir um efeito positivo tanto na relação das OSC com o poder político como com a margem de manobra dos Media perante as instituições e os centros de poder. As influências mútuas dentro deste triângulo de relações, sem excluir outros públicos e outros actores, deve ser tida em consideração quando se equaciona a evolução das OSC na sociedade santomense. “O que funciona aqui é a relação pessoal de confiança”, acrescenta o director da TVS. Outra constatação: “Tudo aqui é politizado. O acesso à informação é concentrado no ministro e nos dirigentes dos partidos políticos e nem sempre há a ousadia necessária para quebrar essa limitação. Com raras excepções, fica-se por um low-profile dos Media santomenses”. Um exemplo é a dificuldade de ter comentadores idóneos e independentes para comentar temas quentes da actualidade, por exemplo de economia. Por regra, as pessoas habilitadas para um nível aceitável de comentário estão enquadradas na hierarquia da função pública e, por isso, limitadas na escolha e no tipo de intervenção. Há, por isso, pouca amplitude na análise de temas importantes, nomeadamente os que integram a agenda das OSC. Mesmo as universidades não têm quadros autónomos que alimentem a reflexão pública, queixam-se os responsáveis dos Media estatais. 81
A FONG-STP E A OS MEDIA / parte 2
/ 33 Rádio Comunitária de Neves / 34 Rádio Comunitária
de Angolares
Outra dificuldade dos Media santomenses que se reflecte no tratamento de temas propostos pela sociedade civil é a relativa rigidez de abordagem e a repetição de formas convencionais de tratamento de informação. Por exemplo, os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio são considerados por vários responsáveis editoriais “muito apelativos”, mas estes mesmos jornalistas admitem que é difícil tratar em concreto um tema importante como o sucesso da extensão da educação básica a todas as crianças. Os constrangimentos dos Media estatais e as dificuldades da sua recepção no interior de São Tomé e do Príncipe podem vir a ser em parte colmatados pelas rádios comunitárias. Existem actualmente cinco destas rádios no país, mas apenas uma está a emitir / ; uma está inoperante / e três estão por inaugurar (no Príncipe, Guadalupe e Santa Catarina). De referir ainda que está em fase de instalação, no quadro do projecto “Sociedade Civil pelo Desenvolvimento – Comunicação, Capacitação, Advocacia” uma rádio comunitária na zona sul, em Porto Alegre. Uma questão legal por resolver é a ligação de algumas rádios comunitárias às Câmaras Municipais, apesar de a Lei de Imprensa interditar as rádios aos municípios. 33
34
82
CONSTRUIR CIDADANIA COM OS MEDIA Alexandro Cardoso
As ONG santomenses estão numa fase de transição. Uma transição que as está a transportar de meras executoras de projectos para agentes activos na construção de uma cidadania participativa. Esta mudança de posição e perspectivas está a ser acompanhada por uma relação cada vez mais estreita com os Media. Uma boa relação com os meios de comunicação social neste momento é fundamental para uma advocacia mais eficaz, promovendo o debate público sobre assuntos de interesse comum. Contudo, para que a relação seja frutífera, necessariamente se deve apostar na formação dos jornalistas para que estes se apropriem das dinâmicas das ONG para mudança de hábitos, comportamentos e mentalidades e para edificar, assim, os valores da cidadania. Os meios de comunicação social públicos servem para o poder fazer propaganda das suas acções e é para aí que estão viradas as atenções dos jornalistas. Muitas vezes as acções da sociedade civil passam despercebidas porque os Media estão mais virados para a divulgação das acções do poder e dos partidos políticos. Ainda não há um verdadeiro comprometimento dos jornalistas com a causa pública ou com as verdadeiras aspirações da sociedade civil. Em parte, isso é justificado pela falta de liberdade profissional, pelo défice de formação dos fazedores de comunicação e a própria falta de condições técnicas e materiais com que os meios de comunicação se deparam. As ONG em São Tomé e Príncipe têm conseguido, ao longo do tempo, maior visibilidade nos meios de comunicação, embora essa vi83
A FONG-STP E A OS MEDIA / parte 2
sibilidade ainda não tenha atingido o patamar desejado. Essa visibilidade acontece com mais frequência na Televisão santomense e depois nas rádios. Na imprensa escrita, é muito diminuta. As maiores ONG, pelas suas acções, são as que marcam mais a agenda dos Media. A FONG-STP tem priorizado a relação com a rádio e televisão estatais pelo facto de serem mais penetrantes e terem maior audiência. O relacionamento entre a FONG-STP e os Media é saudável, mas com alguns defeitos. Pouca aposta na formação e na especialização dos jornalistas dificulta a identificação de acções desenvolvidas pela sociedade civil e a sua colocação nas suas agendas. As relações pessoais com jornalistas facilitam, em todo o caso, o acesso às agendas dos Media por parte da sociedade civil.
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A CAPACIDADE DE INFLUÊNCIA DA FONG-STP Olívio Diogo
A concepção neo-republicana de política defende a participação activa dos cidadãos para a transformação da sociedade. É neste modelo de participação, democracia, cidadania e política que se enquadra o objecto da Rede da Sociedade Civil para Boa Governação com o propósito de tentar intervir e influenciar as actividades políticas. A política nunca esteve tão presente nas nossas vidas como agora mas também nunca esteve tão desacreditada nem gerou, como hoje, tanta frustração nas consciências dos santomenses. Um dos eixos de discussão e de intervenção da Rede da Sociedade Civil para Boa Governação é, naturalmente, a capacidade da FONG-STP de intervir na esfera pública. Este não é, de forma alguma, um tema consensual ou fácil numa sociedade de democracia jovem, com baixo nível de literacia e a discussão é povoada de nuances que torna complexa a escolha de uma abordagem. A questão de partida é uma análise do lugar da FONG-STP junto das ONG nela integradas e perante o poder político instituído no país. Perante as características da FONG-STP, necessário se torna promover uma campanha de maior reconhecimento público da organização, estabelecer rupturas e dinamizar uma transformação interna da sua estrutura. Por outro lado, é preciso perceber que práticas, discursos e agendas devem orientar o trabalho da FONG-STP e como elas devem articular-se com o chamado ciclo político instituído e os seus programas. A maneira de agir da FONG-STP deve contar com um conjunto de novos instrumentos e de oportunidades sem receio dos 85
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constrangimentos políticos e das suas abordagens. Privilegiando a velocidade galopante da globalização, ancorada nas novas tecnologias de informação e comunicação como a Internet, os telemóveis e meios de comunicação de massa, etc. Assim, a FONG-STP deve ter definido os diferentes elementos, incluindo: os actores, agendas e discursos, práticas de acção, campos de acção, organização interna e parceria com outras sociedades como elementos-chave de actuação. Não se pode esperar que a FONG-STP tenha sucesso total nas suas primeiras tentativas de intervenção. Há, no entanto, toda uma conjugação das oportunidades políticas, associada ao reconhecimento das ONG como parceiros fundamentais para as acções das Nações Unidas e outros parceiros internacionais e bilaterais no país que representa, no meu entender, uma vitória e uma grande conquista para as aspirações da FONG-STP. De tudo isso, a FONG-STP deve instaurar-se como o terceiro pilar da sociedade e da política, ao lado do Mercado e do Estado, isto é, o emergir de uma comunidade com actores activos e interventivos que exige, em pé de igualdade, participar na definição do passado, do presente e do futuro do país. Este caminho da FONG-STP na busca de nova cidadania como forma de promover a boa governação e a transparência poderá ajudar a desvelar formas de gestão de bens pouco transparentes por estarem demasiado camuflados. É também a via de crescimento natural da própria plataforma, que, se não for trilhado, poderá deixar a FONG-STP num impasse institucional, isto é, como conjunto de organizações com capacidade de execução de projectos definidos por agendas de terceiros (Estado ou doadores) mas sem o sinal de maioridade inerente à participação na definição de quais os projectos, para que objectivos, devem ser privilegiados. Este amadurecimento corresponde à evolução da FONG-STP desde a sua criação. Podemos analisar três grandes períodos da 86
Federação: a década inicial, até 2009, caracterizada pela execução de projectos a partir da FONG-STP pelos seus membros, sem ganhos de visibilidade para a própria FONG-STP; uma segunda fase marcada por um trabalho de crescimento institucional e de reconhecimento da FONG-STP nos Media e nos meios políticos, incluindo nos órgãos de soberania; e a fase actual, em que a FONG-STP ainda não transformou a visibilidade mediática e a coerência do trabalho feito em ganhos de influência das agendas públicas. Para evitar o bloqueio ou a estagnação nesta última fase, a FONG-STP deve enveredar pela capacitação que lhe permita discutir tecnicamente as questões essenciais da gestão dos recursos naturais, por exemplo, e das finanças públicas. Deve, aplicando esses novos recursos humanos, transformar as novas capacidades na análise de problemas da governação e da antecipação de constrangimentos a uma agenda orientada pela justiça social. Um exemplo de uma oportunidade para reclamar e testar este novo papel da FONG-STP teria sido o da reforma do Sistema Judicial. Como sabemos, houve uma proposta do Governo que foi rejeitada pelos magistrados. A sociedade civil perdeu, talvez, uma oportunidade de servir de fórum de debate e de terreno para a emergência de propostas concretas e que integrassem ideais vindas claramente das OSC e não dos dois grupos afinal em confronto. A FONG-STP poderia ter sido, porventura, o catalisador dessa discussão e o promotor da reforma. Em conclusão, pode referir-se que as críticas serão muitas, bem como a negação deste fenómeno emergente e tentativas de o contrariar por diversas formas. Parece-me importante elencar uma delas: a que se prende com a possível conotação da FONG-STP como um grupo na simples busca de poder convencional ou como parte dos partidos políticos da oposição. É previsível que os actores e as instituições do Estado reajam inicialmente mal a esta nova ambição da FONG-STP, que por isso terá 87
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sempre de pautar o seu projecto com uma atitude de contribuição positiva e não de oposição no sentido corrente. A FONG-STP não se opõe; propõe, discute, contribui. Mesmo com o risco dos mal-entendidos, a FONG-STP necessita de imprimir uma dinâmica de não-retorno no lugar que conquistou entre os actores de Desenvolvimento do país. O risco de não o fazer é o de cair no esquecimento e na invisibilidade, ou seja, a prazo, da irrelevância. O crescimento como plataforma de influência deve, aliás, fazer-se numa lógica nova de abertura a outras forças da sociedade santomense, onde estão as parcerias naturais da FONG-STP, de que são exemplo as igrejas, fundações e associações de base profissional que têm, hoje, o seu próprio poder de intervenção. Considero, por isso, de grande potencial esta nova forma de intervir nas acções governativas com primazia para o valor fundamental das parcerias e redes para atingir o sucesso no objectivo comum de melhor desenhar e concretizar políticas de Desenvolvimento em São Tomé e Príncipe. Este é o momento para aproveitar o trabalho feito pela FONG-STP como plataforma de acção e de debate livre, colocando a fasquia na contribuição directa para escolher que políticas públicas vão definir o futuro do país. Há instrumentos para isso que estão ao alcance da FONG-STP e da Rede da Sociedade Civil para Boa Governação, incluindo as acções mediáticas ligadas a questões de actualidade, a tomadas de posição informada, a valorização externa dos conhecimentos no universo dos membros da plataforma, as petições e as reuniões com comissões parlamentares. Não é uma luta, já, por mais recursos humanos (embora eles continuem a ser necessários, como referimos), nem por competência técnica. É, sobretudo, uma exigência de espaço e de dignidade institucional.
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A FONG-STP COMO VEÍCULO DE NARRATIVAS HUMANAS Pedro Rosa Mendes
A questão fundamental do Jornalismo é a mesma que a do Desenvolvimento: agarrar o pulso de uma dignidade individual através de uma história de interesse comum. Que não haja equívoco: os dois campos têm códigos e programas próprios e confundir agendas não é bom nem sai bem. Porém, as duas áreas são – ou deviam ser – essencialmente guiadas por valores. Sem serem um sacerdócio, implicam uma entrega pessoal. Não constituindo uma fé, exigem uma deontologia. Não sendo iguais, e não sendo os mesmos, os valores do Jornalismo e do Desenvolvimento não são opostos nem são todos diferentes. Nas muitas “cartas de princípios” do Jornalismo, sob diferentes formas, há pelo menos dois valores que estão sempre presentes: a verdade e o serviço à comunidade são sine qua non. O Jornalismo não existe sem isso. São, também, duas portas de contacto – e, portanto, de entrada também – para o mundo das OSC e de quem trabalha em questões de Desenvolvimento. O primeiro passo para um envolvimento dos jornalistas com temas típicos de uma Agenda para o Desenvolvimento é, por isso, a descoberta de valores comuns – e não de objectivos, de métodos ou de meios. Um bom profissional de comunicação não gosta de ser evangelizado e reage mal a catecismos, mesmo os bem-intencionados. Procura, contudo, aprender e compreender sempre mais e melhor e agradece a quem o ajude nessa metodologia de curiosidade. É a este nível que a FONG-STP deve situar o desafio que se apresenta ao seu crescimento como actor interveniente no debate e 89
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na construção do futuro de São Tomé e Príncipe. As organizações membros da FONG-STP já provaram deter as capacidades ao nível da execução de projectos, mesmo aqueles que foram definidos por outrem (doadores ou instituições públicas). Estão hoje em condições de afirmar que têm uma palavra a dizer sobre a escolha desses projectos e, talvez mais importante, de participar na discussão do que vai ser feito por outros, pelo menos em termos de priorizar objectivos, definir estratégias e avaliar resultados. O primeiro passo tem de ser dado pela própria FONG-STP e, aliás, já começou. A Federação dispõe hoje de uma série de condições estruturais e institucionais que possibilitam uma presença e visibilidade inexistentes há poucos anos. A sede própria e o Centro de Recursos deram um impulso físico, directo, à possibilidade de sinergias e de contactos a nível interno, importantes para catalisar e dar uma unidade orgânica à variedade sectorial e à dispersão geográfica dos seus membros. A produção de diversos instrumentos de comunicação veio acrescentar indispensáveis utensílios de contacto, de informação e de advocacia à infra-estrutura. A FONG-STP começa a ter uma voz – na Rádio Nacional, nas redes sociais, no seu Boletim. Precisa, como nota a ex-presidente, Maria Odete Aguiar, “de aprender uma linguagem comum” em torno de conceitos como agendas públicas e agendas políticas e as novas questões de boa governação, de transparência e de participação cidadã no escrutínio do poder. No seio da FONG-STP existe, com efeito, um consenso sobre a ainda escassa capacidade de influência da plataforma junto dos actores políticos, das elites santomenses em geral e dos meios de comunicação, que “não compreendem”, “não têm interesse nenhum” nas questões de Desenvolvimento ou, pior, “apenas se preocupam com a agenda dos governantes”, como é possível ouvir a membros da plataforma. Como agir para ganhar esse espaço de influência participativa na agenda nacional? No passado, a questão prendia-se 90
sobretudo com a capacidade de gestão ou de organização e com a aquisição de competência técnica. Desta vez, a FONG-STP tem um desafio comunicacional. Uma premissa de acção que ajudará a definir a estratégia de afirmação da FONG-STP é, em palavras cruas, aceitar desde o início que as boas intenções não funcionam por si. Ou seja, a sustentabilidade das acções de Desenvolvimento não depende apenas de condições intrínsecas e dos nobres objectivos por que são norteadas mas também do seu conhecimento por outros actores sociais. Informação, neste sentido, não é protagonismo, ou seja, não é mera divulgação; é participação e troca. Dito ainda de outro modo, a informação não é um fim em si, mas um meio, uma oportunidade de diálogo de que resultará algo mais tangível. Esta ideia é bastante simples mas a comunidade humanitária internacional e, em geral, a da Cooperação para o Desenvolvimento demorou cerca de duas décadas a compreendê-la. As boas intenções têm o direito, mas também o dever, de combater as hipóteses de serem condenadas à irrelevância. “São Tomé e Príncipe tem a complexidade resultante da sua pequenez”, nas palavras do actual presidente da organização ZATONA-ADIL, Cândido Rodrigues. A exiguidade e insularidade do território e a escala demográfica criaram uma intrincada rede de relações de parentesco, de amizade e de conhecimento, que supõe ou possibilita também uma rede de entreajudas, de favores, de dependências e de receios. Esta é uma condição estrutural do país e não vai mudar. O que faz sentido, sem dúvida, é conseguir encontrar oportunidades de actuação independentes e construtivas neste quadro de proximidade com os centros do poder e de extrema pessoalização das relações institucionais. Também aqui, não se trata de conivência nem de vassalagem, trata-se de acesso. A FONG-STP, e as OSC em geral, dispõem em São Tomé e Príncipe de um conhecimento directo, pessoal, dos titulares públicos, desde os mais altos magistrados da Nação até aos escalões intermédios dos Ministérios, das Comissões 91
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Parlamentares e dos organismos públicos. Este nível de acesso imediato deve ser bem usado e, sobretudo, não deve ser olhado de esguelha: as OSC em muitos países não sonham sequer com estas condições e a sua interlocução com os actores públicos é feita num quadro de enorme distância. A iniciativa de “falar” com o poder, por outro lado, não pode ser feita com a crispação ou a desconfiança de quem atravessa uma trincheira. Ouvindo membros das OSC santomenses falar dos desafios e possibilidades do relacionamento com os titulares públicos, detecta-se uma contradição recorrente: por um lado, “tudo é política em São Tomé e Príncipe e toda a sociedade está partidarizada”; por outro, o “político” é alguém outro, espécie de estrangeiro interior, de quem se espera indiferença ou oposição. Este quadro mental e de discurso, a persistir, é uma garantia prévia de fracasso de qualquer esforço da FONG-STP no sentido de construir o seu lugar de actor de políticas públicas. A sociedade civil santomense tem, assim, de aceitar o desafio de enveredar por formas de participação que contribuam abertamente para a credibilização da política, devolvendo-lhe o sentido de serviço à comunidade que vem perdendo. Aos “políticos” interessa perceber que têm tudo a ganhar com esta agenda, sendo que a continuação do distanciamento entre elites e sociedade criará, a prazo, clivagens e conflitos potencialmente perigosos. Existem, também neste ponto, oportunidades que podem ser exploradas com clareza de discurso. A sociedade civil santomense tem hoje como interlocutores no poder, em responsabilidades e funções de Estado, pessoas que fizeram o seu percurso no associativismo ou que chegaram à governação impulsionados por movimentos cívicos que ganharam eleições. A monitoria do comportamento destes novos actores é, aliás, uma obrigação da FONG-STP, com um valor pedagógico externo e interno que não deve ser desprezado, no que pode ensinar sobre novas formas (mais inclusivas?, mais justas?, mais transparentes?) de participação democrática no país. 92
Uma outra premissa, esta de natureza técnica, é que as estratégias de comunicação da FONG-STP não podem ser reduzidas à sua relação com jornalistas. Dito de outro modo, nem toda a comunicação é jornalismo e nem toda a informação é – ou merece – notícia. A FONG-STP atingiu, na última década, uma corpulência institucional (quase uma centena de organizações) que lhe possibilitam articular públicos internos e externos. O equilíbrio e a dinâmica entre uns e outros resultará em ganhos duradouros de participação e em avanços irreversíveis do lugar da FONG-STP tanto como interlocutor privilegiado da sociedade civil como da sociedade “política”. Dois casos, em momentos diferentes, ilustram o potencial de uma boa gestão da informação – da sua produção, da sua colocação e da sua utilização. A análise do processo de advocacia que precedeu a Lei das ONG de São Tomé e Príncipe – realizada com um grupo de elementos da FONG-STP este ano / – permitiu identificar que o sucesso da iniciativa dependeu, num momento crucial, de factores que correspondem a variantes de uma estratégia comunicacional. Isso incluiu a escolha do público-alvo (uma comissão parlamentar) e a compreensão fina de quando era necessário agir na informação de massa ou, pelo contrário, de quando era obrigatório circunscrever a informação. A outra situação, mais recente, foi o caso Agripalma, de cujos contornos se recorda o essencial: no final de 2013, um movimento cívico reagiu ao abate abusivo de uma extensa área florestal em torno de Alto Douro, no Sul de São Tomé, por uma companhia estrangeira, mas num empreendimento participado pelo Estado (que entregou terras com dono em concessão). O desfecho do caso, como é sabido, não foi ditado pelos centros de poder tradicionais mas por uma acção da sociedade civil – incluindo de forma relevante vários membros da FONG-STP. O caso Agripalma foi desencadeado por informação nas redes sociais, informação essa que tinha a credibilidade da competência 35
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/ 35 Formação “Media, Sociedade e Políticas Públicas” realizada por FONG-STP e ACEP, Janeiro de 2014, São Tomé.
técnico-profissional do seu emissor em matéria de gestão florestal, ecologia e ambiente. Foi, depois, como bem descreveu o presidente da FONG-STP, Jorge Carvalho do Rio, avantajada “por uma coincidência de interesses entre grupos sociais diferentes e que normalmente não comunicam entre si, incluindo agricultores locais e gente importante da cidade cujos terrenos tinham sido desbravados pela Agripalma”. Importante foi, também, a conjugação da informação do terreno com o quadro legal subjacente – e o contexto do abuso da desmatação – fornecido sem apelo por alguns dos juristas mais conhecidos do país. Todos estes elementos correspondem a uma cadeia de comunicação eficaz, tão mais espantosa quanto o resultado produzido não teve, na origem, um plano prévio. Ilustra, também por isso, o potencial que existe quando, na perspectiva da FONG-STP, uma boa causa é bem servida pela aliança correcta de públicos e pelo uso certeiro de recursos humanos e de capacidades que já existem no seio da plataforma. Regressando ao binómio do início deste capítulo, a ponte entre Jornalismo e Desenvolvimento pode fazer-se, como nos casos aqui analisados, através de uma presença narrativa das realidades humanas no espaço público. A FONG-STP aumentará a sua capacidade de intervenção se, olhando para dentro – para o universo social, económico e cultural que a plataforma tem no seu seio – conseguir dar expressão a realidades que são tão persistentes quanto continuam invisíveis. No caso dos Media tradicionais, terão a beneficiar se partilharem desse amadurecimento. Caso contrário, tornar-se-ão, a prazo, irrelevantes, numa paisagem mediática onde as plataformas digitais e as rádios comunitárias serão os meios privilegiados de interacção da sociedade civil santomense. Em conclusão, o posicionamento político – sem aspas, sem complexos e sem receio – da FONG-STP passa por uma afirmação comunicacional que reclama uma experiência democrática vivida a partir da realidade do país e não a partir das suas potencialidades. As 94
potencialidades apenas são concretizáveis agindo com persistência sobre a realidade, sobre o dia-a-dia – um facto que a política tradicional muitas vezes gosta de esquecer. É significativo, mesmo que seja irónico, que uma das lições mais significativas de democracia participativa em São Tomé e Príncipe tenha surgido nos campos buldorizados de Alto Douro e Vanhá: no país do petróleo adiado, foi preciso perder as árvores para ver a floresta.
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UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO DA FONG-STP Eduardo Elba
É cada vez mais notório o contributo das OSC no processo de Desenvolvimento do país, na redução da pobreza e no combate à exclusão social. É relativamente complexo medir esses contributos. Em São Tomé e Príncipe, as acções das OSC remontam ao período anterior à independência mas foi a partir de 1990 que se registou uma explosão das ONG, com novas áreas de abordagem. De facto, com a democratização da vida política, criaram-se condições institucionais e legais para o surgimento de diversas organizações ao nível do chamado terceiro sector. Em 2001, é criada a Federação das Organizações Não Governamentais de São Tomé e Príncipe (FONG-STP), organização sem fins lucrativos que alberga ONG que actuam em São Tomé e Príncipe e visa promover uma maior cooperação e coordenação entre as ONG nacionais, ONG estrangeiras, Governo, doadores e outras instituições envolvidas nos processos de Desenvolvimento do país. Tem ainda por objectivo promover o fortalecimento das ONG nacionais e facilitar a sua sustentabilidade a longo prazo. Em 2006, a FONG-STP elaborou e aprovou o seu primeiro Plano Estratégico, para o período 2006/2011, que veio a ser implementado, embora não tenha sido objecto de uma avaliação final. Um estudo diagnóstico realizado em 2010, pela FONG-STP e pela ACEP / , apontava para a existência de 72 organizações activas das 98 filiadas na Federação. Neste momento, o número de organizações activas subiu para 82, contando-se com cerca de uma vintena delas considera36
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/ 36 Cravo Carolina,
Londaitzbehere Laure, Diogo Olívio e Sousa Sónia, Estudo Diagnóstico das ONG em São Tomé e Príncipe, Lisboa, ACEP, 2010, 55 p.
das de “ONG-chapéu”, que se profissionalizaram em diferentes áreas. Em 2010/11, a FONG-STP lançou o seu primeiro Boletim Informativo, com edição trimestral, e iniciou uma parceria com a Rádio Nacional inaugurando assim um programa radiofónico regular, espaço que permitiu às OSC darem visibilidade ao seu trabalho.
ENQUADRAMENTO INSTITUCIONAL E LEGAL O quadro institucional das OSC, nomeadamente das ONG, tem um momento marcante na publicação da Lei das ONG. A FONG-STP elaborou em 2004 um anteprojecto de lei das ONG, visando o enquadramento jurídico das ONG no que concerne a sua constituição e funcionamento, bem como o estabelecimento de regras que determinam as condições para o reconhecimento das Organizações Não Governamentais de Interesse Público (ONGIP). Em 2011, o anteprojecto teve um salto qualitativo em termos da sua actualização tendo tido um grande apoio da UNICEF e a colaboração de uma então voluntária da Association Volontaire de Progrès (AVP), como assistente técnica da Federação, Laure Londaitzbehere. A lei foi finalmente aprovada pela Assembleia Nacional, promulgada pelo Presidente da República a 11 de Julho de 2012 e publicada em Diário da República a 12 de Setembro (Lei 08/2012). A FONG-STP, enquanto plataforma representativa das ONG, construiu, em parceria com a ACEP, uma sede própria no Bairro da Quinta de Santo António, na cidade de São Tomé, conferindo à instituição e às ONG que representa uma melhor visibilidade física e melhores condições de trabalho. As instalações dispõem de um Centro de Recursos de apoio às ONG filiadas com acesso à Internet (banda larga). Apoiaram a construção dessas instalações três instituições, começando pela Cooperação Portuguesa, com o financiamento principal, a que se juntaram co-financiamentos da Embaixada de França em São Tomé e Príncipe e da União Europeia, através do Projecto Descentralizado de Segurança Alimentar (PDSA). 98
Em 2012, a FONG-STP aderiu ao Fórum Internacional das Plataformas das ONG (FIP) com sede em Bruxelas (Bélgica) e, em 2014, integrou a Rede das Plataformas Nacionais das ONG da África Central (REPONGAC), baseada em Kinshasa (Congo Democrático). Ainda em 2013, o XV Governo atribuiu à FONG-STP o Diploma de Mérito pela sua valiosa contribuição no combate à pobreza através da redução para metade, até 2015, do número de pessoas que sofrem de subnutrição em São Tomé e Príncipe, meta relacionada com o Desenvolvimento agrícola e rural do país. Em 2013, a FONG-STP rubricou, por parte da sociedade civil, conjuntamente com a Federação Nacional de Pequenos Agricultores (FENAPA), o Pacto Nacional de São Tomé e Príncipe para o Programa Detalhado de Desenvolvimento da Agricultura em África (PDDAA), da iniciativa da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD), também assinado pelo Governo e os parceiros de cooperação.
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MEDIA, SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS
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MEDIA, SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS Pedro Rosa Mendes
Comunicar é essencial em Desenvolvimento, seja para informar, fundamentar ou acompanhar políticas públicas, seja para melhor garantir a transparência da governação e a qualidade da participação cívica e democrática. Para as OSC, a comunicação surge constantemente sob a forma de recomendações, de advocacia, de consultas, de mediação, de propostas, de divulgação, educação e outras actividades comuns em torno de programas de Desenvolvimento. A questão é, muitas vezes, a de como obter os melhores resultados, tanto em termos de compreensão dessas actividades como da multiplicação do seu impacto através de uma comunicação adequada. Uma boa comunicação, com efeito, deve fazer parte integrante de um projecto e ser considerada de pleno direito entre os seus objectivos e as suas condicionantes – e não apenas como algo lateral ou de menor importância. Este capítulo destina-se a fornecer algumas ferramentas práticas para uma estratégia de comunicação do ponto de vista das OSC. Está organizado em três temas genéricos: planificar a comunicação; comunicação e públicos; e metodologias de influência. As ferramentas sugeridas neste capítulo integram um conjunto de materiais usado numa formação sobre “Media, Sociedade Civil e Políticas Públicas” realizada na sede da FONG-STP em Janeiro de 2014. O ponto de partida é uma questão simples: porquê comunicar, afinal?
PLANIFICAR A COMUNICAÇÃO Um erro comum em muitas estratégias de comunicação, e não 103
MEDIA, SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS / parte 3
apenas entre as OSC, é reduzir e identificar comunicação com visibilidade na comunicação social, digamos, com a obtenção de tempo de antena (ou de cobertura) para uma organização ou para um projecto. Pelo contrário, a imprensa (em sentido genérico) não é sempre o melhor veículo da visão e dos objectivos de uma organização nem o melhor aliado das suas aspirações. Uma estratégia de comunicação bem-sucedida deve evitar a procura de visibilidade como fim em si mesmo e evitar confundir a realização dos objectivos da organização com, por exemplo, o número de artigos ou o tempo de rádio ou televisão que a ela foram dedicados. Pelo contrário, uma comunicação bem feita leva a uma melhor compreensão da agenda de uma organização e da sua importância para a comunidade, o que se traduzirá certamente em ganhos – também – de visibilidade e de importância pública. Em consequência, é necessário que as OSC pensem os Media num sentido plural e abrangente, incluindo a produção e difusão independente da sua própria informação em novos formatos como as redes sociais, os blogues, as páginas na Internet, o mailing e os boletins digitais (e a articulação de todos estes formatos de forma que uns potenciem os outros). Ao colocar a questão de porquê comunicar, cada organização deve compreender também a questão que lhe está implícita, ou seja, quais são os riscos de não o fazer? De facto, outro erro comum é acreditar que os valores intrínsecos da Agenda para o Desenvolvimento, partilhados pelas OSC, são por si suficientes para um reconhecimento público e merecedores de atenção política. Na realidade, as coisas não funcionam dessa forma mecânica. Uma organização sem estratégia de comunicação corre, por isso, um grande risco de irrelevância. Dito de outra forma, o fracasso comunicacional pode implicar, a prazo, um fracasso dos objectivos considerados nucleares de uma organização ou projecto. Dito ainda de outra maneira, os objectivos comunicacionais não se confundem com os objectivos organizacionais ou progra104
máticos, mas são essenciais para atingir estes últimos. Uma estratégia de comunicação permite, por outro lado, uma optimização dos recursos financeiros e humanos disponíveis, que são limitados. Uma estratégia de comunicação tem como alicerce três elementos de base: / Definir o parâmetro do êxito/concretização; / Conhecer o contexto interno e externo; / Fazer chegar a mensagem certa ao destinatário certo, muitas vezes. Este último ponto sublinha a necessidade de escolher um leque bastante reduzido de mensagens (duas, três no máximo) para concentrar nelas o esforço de comunicação da organização, sem dispersão de conteúdos, de objectivos e, inerente a isso, sem dispersão de recursos. Em resumo: contenção e força. O que é, então, um plano de comunicação? Em termos simples, é uma declaração escrita que inclui a clarificação de objectivos, dos recursos disponíveis, da calendarização para a implementação, com base numa análise de contexto e estabelecendo a medida a partir da qual se irão aferir (avaliar) os resultados. Outro ponto importante é a diversidade do público das OSC. Os Media (no sentido de órgãos de comunicação social, ou mais genericamente de “imprensa”) são apenas um dos públicos, ou destinatários. Há outros, entre os quais podemos incluir as empresas, as comunidades, o Governo e outras instituições públicas, os doadores, entre outros. A diversidade de públicos permite compreender, ao mesmo tempo, os ganhos de uma boa estratégia de comunicação, ao nível do impacto comunicacional, pois a comunicação: / fortalece a reputação da OSC: relações públicas; / realça o perfil da OSC: relações comunitárias; / melhora a relação com os Media: relações mediáticas; / aumenta a importância junto do Governo: relações governamentais; 105
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/ influencia os técnicos: relações internas; / aumenta a capacidade de atracção de apoios e fundos: relações com doadores; / potencia o patrocínio e financiamento por empresas: relações empresariais; / fortalece a direcção: relações direcção-técnicos; / amplifica a visibilidade de programas e iniciativas: relações de serviço. Um plano de comunicação deve também ser entendido como algo orgânico, um documento vivo resultante de um processo evolutivo, adaptado e actualizado periodicamente tendo em atenção os seguintes parâmetros: i. Objectivos: / da organização; / de comunicação; / análise de contexto; / análise de ambiente externo; ii. Públicos e mensagens; iii. Estratégias e tácticas; iv. Avaliação de ideias para implementação, calendarização e agendamento; v. Implementação e avaliação. Embora se confunda muitas vezes os conceitos de intenção, objectivo, estratégia e táctica, identificando-os como sinónimos ou equivalentes, em termos de planeamento de projecto é necessário distingui-los como diferentes níveis de concretização de uma visão essencial que orienta e justifica a própria existência da organização. Assim, a visão que inspira uma organização implica a ideia de concretizar algumas intenções essenciais a longo prazo, ao longo de uma sucessão coerente de passos concretos que podem ser aferidos e medidos. Cada um desses passos tenta alcançar alguns objectivos, através de aborda-
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gens específicas – as estratégias –, servidas por sua vez por uma série variável e adaptável de mecanismos e instrumentos – as tácticas. Quanto à análise de contexto, permite aferir a situação da organização, incluindo a sua história, os serviços que tem prestado à comunidade, os seus beneficiários, as funções que tem assegurado e a sua concorrência; os desafios e potencialidades da comunicação interna, em termos de acesso a audiências várias, a eficácia de campanhas de informação anteriores, as competências identificadas, as possibilidades de divulgação, etc.; um mapeamento da paisagem mediática externa (Media, políticas na área em que actua a organização ou em que se desenvolve o seu programa, diferentes públicos); e uma análise tão completa quanto possível de possíveis aliados e de potenciais concorrentes ou adversários. Qual é a mensagem correcta? É possível indicar algumas regras para qualquer tipo de mensagem, procurando torná-la mais eficaz. As mensagens escolhidas no plano de comunicação devem: / Ser simples e claras; / Ser breves; / Ser credíveis; / Ser arrebatadoras; / Acentuar elementos positivos e conquistas anteriores; / Credibilizar a mensagem com elementos de prova; / Procurar o “slogan”, a frase que fica; / Pensar em títulos; / Ter um conteúdo funcional; / Ter um conteúdo emocional; / Ser emitidas pelo mensageiro certo (o mensageiro é tão importante como a mensagem); / Ser veiculadas pelos canais de informação certos: públicos diferentes consomem informação por meios diferentes (TV, rádio, imprensa; blogues, Internet; newsletter, boletins; publi cações académicas, relatórios especializados, etc.). 107
MEDIA, SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS / parte 3
A mensagem pode e deve ser uma forma narrativa de enquadrar uma experiência humana. Em geral, as pessoas são receptivas a mensagens que carregam um elemento de esperança, de possibilidade e de optimismo. São esses os elementos essenciais do Desenvolvimento: a possibilidade de cada um poder escolher o seu futuro.
COMUNICAÇÃO E PÚBLICOS Um princípio essencial da boa comunicação é a clareza de intenções. As mensagens devem ser desenhadas segundo o(s) objectivo(s) que pretendem servir, por exemplo: / Informar a audiência (dar a conhecer algo novo pela primeira vez); / Aumentar o seu conhecimento (sobre um assunto ou problemática); / Influenciar (por ex. atitudes); ou / Mudar (por ex. comportamentos). Da intenção, por sua vez, depende a orientação da pesquisa e da informação. Da mesma forma, a transparência de conteúdo é outro princípio fundamental. A informação deve conter, logo no início, elementos claros e simples sobre o nível do conteúdo, a autoria, o(s) destinatário(s) e o objectivo. É importante, sobretudo tendo em conta a diversidade potencial de audiências para um mesmo tipo de mensagem, que o receptor tenha uma indicação dos níveis de conhecimento implícito, da origem/autoria da mensagem, o que indica o tipo de experiências tratadas na informação, e de qual a motivação principal do documento. Será com base nesta introdução que o destinatário decide continuar a ler/ver/ouvir a mensagem, abandoná-la ou transmitir a informação a outra pessoa. Comunicar não é apenas transmitir. É também uma aprendizagem que funciona nos dois sentidos: o plano de comunicação implica por isso o estudo prévio da audiência, pensando em indivíduos 108
concretos e no que eles sabem ou ignoram do tema que interessa à organização. Uma forma de abordar este ponto é pensar o que é que ele/a sabe sobre o assunto, o que podemos contar-lhe de novo e qual o seu canal preferencial de acesso à informação? Comunicar supõe compreender as necessidades da informação. O tipo de informação de diferentes audiências depende de diversos factores, por exemplo das actividades em que estão envolvidas, da intenção que rege essas actividades e do nível de conhecimento prévio. A compreensão faz-se também em relação às expectativas. Existe com efeito um padrão de expectativas dos interlocutores, que procuram factos e provas, abordagens inovadoras testadas com sucesso noutros sítios/países/contextos para velhos problemas e informação reflectindo realidades locais e de referência prática. Algumas sugestões para melhor abordar a(s) audiência(s): / Segmentar a(s) audiência(s); / Desenhar fluxos de informação adaptáveis ao longo do tempo, consoante a evolução das necessidades; / Compreender a vantagem de responder à necessidade implícita ou latente (o que nós pensamos que as pessoas querem) e à necessidade expressa ou verbalizada (o que as pessoas dizem querer); / Assegurar mecanismos de “escuta” das necessidades latentes. É importante, ao mesmo tempo, levar em consideração os diferentes filtros da informação e a sua influência determinante no resultado da comunicação. Diversos filtros determinam a relação da audiência com a informação que lhe é dirigida: / Visibilidade e acessibilidade; / Credibilidade (reputação da organização); / Fiabilidade (rigor e objectividade dos dados); / Integridade (a fonte foi usada antes?); / Confiança; / Oportunidade (resposta no momento certo); 109
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/ / /
Interactividade da fonte (feedback possível?); Autoria (o anonimato gera desconfiança); Linguagem (comum ou técnica; atenção ao nível prévio de entendimento/ preparação dos interlocutores).
METODOLOGIA DE INFLUÊNCIA A possibilidade de as OSC influenciarem as agendas políticas e de marcarem a agenda pública depende tanto de se fazerem ouvir – como emissoras – como de se tornarem imprescindíveis – no sentido de se afirmarem como fontes. É necessário analisar a importância relativa que diferentes públicos poderão dar a informação diversa de uma determinada organização. Nesse sentido, é importante elaborar um mapa de audiências-alvo, que pode incluir: / Media; / Opinião pública; / Parlamentares, políticos, dirigentes; / Líderes de opinião; / Doadores e organizações internacionais; / Parceiros e instituições; / Académicos; / Agentes económicos. Alguns especialistas organizam a segmentação dos públicos das OSC seguindo um critério funcional (na perspectiva da contribuição que as OSC podem recolher de diferentes círculos): / Os construtores Especialistas técnicos Instituições associadas Líderes de equipa Gestores de projecto / Os compradores Partidos políticos
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Cidadãos Comunidades (religiosas, solidárias, etc.) Redes temáticas / Os influenciadores Líderes comunitários Figuras carismáticas Comentadores, fazedores de opinião Intelectuais / Os financiadores Multilaterais (UE, UA, etc.) Bilaterais PNUD UNICEF Fundações … A comunicação supõe ainda uma consideração de diversos formatos e técnicas. Como foi dito, é arriscado – e pode revelar-se frustrante – canalizar para os Media tradicionais e generalistas uma estratégia de comunicação das OSC. Por um lado, cria uma dependência da própria agenda dos mass media, que pode estar mais orientada pela agenda dos titulares do poder do que pelos temas que fazem a agenda da sociedade civil em geral. A sensibilidade da imprensa para os temas do Desenvolvimento, por outro lado, não pode ser um dado adquirido para as OSC. Daí que seja vantajoso investir também em meios e canais próprios e em estratégias de comunicação que sejam, literalmente, criadoras de actualidade (no sentido jornalístico da palavra). É conveniente, por isso, orientar o plano de comunicação não apenas por uma lógica de formatos mas sobretudo de perspectivar, antecipar e criar oportunidades comunicacionais. A paleta é grande: / Press release; / Internet (blogue, site, redes sociais); 111
MEDIA, SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS / parte 3
/ Eventos, parcerias, sponsoring, etc.; / Seminários e simpósios; / Conferências: oportunidades de tribuna, etc.; / Boletim; / Discursos; / Inquéritos; / Alertas; / Artigo de opinião; / Artigos de fundo; / Coligações, alianças, plataformas; / Manifestações. Vale a pena repetir, em conclusão, a ideia-base deste capítulo: comunicar não é falar para dentro da audiência já conquistada mas, pelo contrário, levar outros públicos a compreender a importância do que fazemos e a razão por que o fazemos. Essa compreensão é uma aprendizagem, na medida em que implica uma interacção. Ganhar margem de influência não passa necessariamente por ganhar tempo de antena mas por ganhar espaço de intervenção e de troca. Comunicar é sempre uma rua de dois sentidos. Um bom plano de comunicação pode evitar a repetição da mensagem errada, ou para o alvo errado.
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parte 4
RECOMENDAÇÕES
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RECOMENDAÇÕES
São vários os desafios que se colocam às Organizações da Sociedade Civil santomenses e designadamente à FONG-STP. Destacamos entre outros:
DESAFIO COMUNICACIONAL / / / /
Desenhar uma estratégia de comunicação coerente com os objectivos da organização que se traduza em relevância social e política, para além da visibilidade mediática (a comunicação não deve ser reduzida à relação com jornalistas, ou seja, ao tempo de antena ou de cobertura), uma estratégia baseada numa análise de contexto, com objectivos, recursos e calendarização claros e realistas. Pensar os Media num sentido plural e abrangente, investindo em novos formatos (como as redes sociais e os blogues, por exemplo) e articular todos os formatos de forma que uns potenciem os outros. Adaptar os suportes e as mensagens à diversidade de públicos-alvo: comunicação social, Governo, parlamentares, instituições públicas, doadores, OSC, comunidades, fundações, etc. Afirmar-se como fonte credível de informação, potenciando a utilização de recursos humanos e competências técnicas já existentes no universo dos membros e funcionando como plataforma de troca de conhecimento entre os públicos internos e externos da FONG-STP. 115
RECOMENDAÇÕES / parte 4
/
Criar oportunidades comunicacionais, apostando em mecanismos próprios e independentes de produção e difusão de informação, aproveitando nomeadamente as potencialidades das TIC, nomeadamente através um incremento qualitativo da presença na Internet.
DESAFIO POLÍTICO (AFIRMAÇÃO NO ESPAÇO POLÍTICO) /
Afirmar-se como “emissoras”, isto é, saber fazer-se ouvir para poder influenciar as agendas pública e política, e serem reco- nhecidas como actores políticos e actores relevantes no De senvolvimento do país. / Criar oportunidades de diálogo com outros actores em torno de preocupações e valores comuns, criando/reforçando par cerias e redes como forma de aumentar a (ainda escassa) capacidade de influência junto dos actores políticos. / Encontrar oportunidades de actuação independentes e construtivas que lhes permita ganhar espaço de influência na agenda pública e na definição de políticas públicas. / Tirar partido das condições de proximidade na interlocução com os actores públicos, num contexto de proximidade com os centros do poder e de extrema pessoalização das relações institucionais. / Envolver fazedores de opiniões (jornalistas) e decisores (parla- mentares) com os temas da Agenda para o Desenvolvimento. / Ganhar competências de monitoria e técnicas (p.ex. finanças públicas, gestão dos recursos naturais) que lhes permitam acompanhar e discutir as questões essenciais e crescer como actores intervenientes e relevantes no debate e construção do futuro de São Tomé e Príncipe. / Construir um discurso e uma imagem de solidez e realismo no espaço público, alicerçado nas condições objectivas do
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país e dos seus recursos, em contraponto a um discurso de facilitismo e de promessas contrário ao amadurecimento da participação cívica em questões cruciais para as gerações futuras. / Procurar novas instâncias de participação democrática no seio da sociedade civil com impacto na cultura cidadã dos vários sectores da população abrangido pela FONG-STP, o que se traduziria indirectamente em ganhos de legitimidade na interlocução com os poderes instituídos.
DESAFIO INSTITUCIONAL / /
/ /
/
Optimizar os recursos financeiros e humanos disponíveis. Consolidar e aprofundar a produção de diversos instrumentos de comunicação, indispensáveis utensílios de contacto, informação e advocacia. Transformar a visibilidade mediática e a coerência do trabalho feito em ganhos de influência das agendas públicas. Criar espaços de oportunidades, servindo de fórum de debate e de terreno para a emergência de propostas concretas e que integrem ideais vindas claramente das OSC. Afirmar, aperfeiçoar e divulgar mecanismos e padrões de transparência, integridade e responsabilização no seio da FONG-STP que sirvam de modelo e inspiração a novas formas e exigências de exercício do poder político e, em geral, de serviço público.
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RECOMENDAÇÕES / parte 4
DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA
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ANEXOS
CRONOLOGIA DO PETRÓLEO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 1856 / Vestígios superficiais da existência do petróleo (Uba Budo e Morro Peixe). Um almirante americano escreve ao Governador da Colónia, Adriano Maria Passalaqua, solicitando autorização para pesquisar e avaliar o potencial de hidrocarbonetos nas ilhas. 1876 / O 1º Governador do Banco Nacional Ultramarino dirige uma carta ao Ministro e Secretário dos Negócios da Marinha e Ultramar propondo uma prospecção de petróleo na Ilha de São Tomé, com base nos mesmos vestígios. 1928 / O Governador Sebastião José Barbosa decreta a proibição de toda a actividade de pesquisa petrolífera nas ilhas. 1969 / Contrato com a empresa anglo-americana Ball&Collins.
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1972 / O Governo Colonial concedeu autorização especial à companhia Texas Pacific para executar dois furos de pesquisa em Uba Budo e Pinheira. 1974 / O contrato com a Ball & Collins é abandonado em virtude do quadro político que culminou com a independência do país em 12 de Julho de 1975. 1982 / Após a independência, as autoridades nacionais retomam o processo com a Ball & Collins, além de receberem nesse período propostas de outras empresas, incluindo Amoco, Braspetro, Premiere e Consolidate. 1989 / É assinado um acordo de concessão com a empresa Island Oil Corporation, do empresário Christian Hellinger; realiza-se alguma actividade de perfuração em terra (Morro Peixe e Uba Budo), sem suporte de qualquer informação sísmica; o contrato expira em 1995 sem resultados positivos.
1997 / A ERHC, empresa americana, conjuntamente com a empresa sul-africana Procura Financial Consultant (PFC) submetem uma proposta de exploração petrolífera ao Governo, da qual resulta a assinatura, a 27 de Maio de um Memorando de Acordo: São Tomé e Príncipe entra na “era do petróleo”. 1998 / O Governo, representado pela STPETRO (Sociedade Nacional de Petróleos de São Tomé e Príncipe, S.A., constituída entre o Governo e a ERHC/PFC), assina em Outubro com a Mobil (hoje ExxonMobil) um Acordo de Assistência Técnica. 1999 / Aquisição dos primeiros dados sísmicos 2D na Zona Económica Exclusiva (ZEE) pela Mobil, através da empresa sísmica Schumberger, nos meses de Fevereiro e Março; em Março, a Assembleia Nacional estabelece as fronteiras marítimas do país e uma ZEE de 200 milhas; em Maio, São Tomé
e Príncipe apresentou um pedido de delimitação marítima na Convenção de Limites da Plataforma Continental da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e na Comissão do Golfo da Guiné para o reconhecimento de suas fronteiras marítimas. 2OO1 / São Tomé e Príncipe e a Nigéria assinam o Tratado Sobre a Exploração Conjunta dos Recursos Petrolíferos e Outros, Existentes na Zona Conjunta dos dois Estados (ZDC), através da Autoridade de Desenvolvimento Conjunto (ADC),com sede em Abuja (Nigéria). 2OOO / Em Fevereiro, a ExxonMobil, em cumprimento das obrigações derivadas do acordo de assistência técnica, apresenta oficialmente o relatório técnico completo da ZEE ao Governo santomense. 2OOO / A 23 de Setembro entra em vigor a Lei-Quadro da Actividade Petrolífera, para
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a ZEE, a primeira lei reguladora do sector (foi posteriormente revogada). 2OO4 / Em Abril, a pequena companhia Environmental Remediation Holding Corporation (“ERHC”) exerce o seu direito preferencial na aquisição de 30 por cento do Bloco 2, 20 por cento do Bloco 3, 25 por cento do Bloco 4, e 15 por cento do Bloco 6, dos quais, diferentemente da ExxonMobil, fica isenta de pagar um bónus de assinatura. A ERHC também decide adquirir 15 por cento e 20 por cento dos Blocos 5 e 9, respectivamente, pelos quais são pagos bónus de assinatura. 2OO4 / São promulgados dois decretos-lei que institucionalizam o Conselho Nacional do Petróleo (Decreto-Lei nº 3/2004) e a Agência Nacional do Petróleo de São Tomé e Príncipe (Decreto-Lei nº 5/2004). Em 30 de Dezembro, a Assembleia Nacional aprova e promulga a Lei – Quadro das Receitas / 37 Relatório de Investigação e Avaliação do Segundo Leilão da Zona de Desenvolvimento Conjunto, Procuradoria-Geral da República, São
Tomé e Príncipe 2005. Disponível em www.juristep.com/relatorios/PGR.pdf. Consultado em 28 de Março de 2014.
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Petrolíferas (Lei nº 8/2004). O CNP é o órgão competente para a definição das políticas nacionais de energia. A ANP é um organismo público dotado de meios e recursos suficientes para a gestão e controlo de todo o processo de pesquisa, exploração e produção do petróleo e gás. 2OO4 e 2OO5 / A JDA realiza duas rondas de licitação para nove blocos, de que resultou a adjudicação de seis blocos. 2OO5 / Em Dezembro, a Procuradoria-geral da República conclui que a segunda ronda “sofreu sérias deficiências processuais e manipulação política, incluindo a concessão de participações para muitas empresas não-qualificadas ou com qualificações inferiores em termos técnicos e financeiros / ”. 2OO6 / A 26 de Maio, a Chevron anuncia a descoberta de hidrocarbonetos no poço de exploração Obo-1 no Bloco 1 da ZDC, loca37
lizado a cerca de 300 quilómetros a norte da cidade de São Tomé e a cerca de 200 quilómetros da cidade de Port Harcourt, Nigéria. 2OO7 / A 11 de Setembro é promulgada a Lei-base de Segurança Marítima e de Prevenção contra a Poluição do Mar (Lei nº 13/2007). 2OO9 / A 31 de Dezembro são promulgadas a Lei de Tributação do Petróleo (Lei nº 15/2009) e a Lei-Quadro das Operações Petrolíferas (Lei nº 16/2009). A primeira debruça-se sobre o regime fiscal do sector petrolífero e a segunda estabelece as regras de acesso, execução e realização de operações petrolíferas em todo o território nacional. A 30 de Dezembro é também promulgado o Decreto-lei nº 57/2009 que delimita os blocos da ZEE.
2O11 / Primeira ronda de licenciamento para a ZEE. 2O14 / Apresentação do primeiro Relatório ITIE/STP.
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ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA (ZEE, CINZENTO CLARO) E ZONA DE DESENVOLVIMENTO CONJUNTO (ZDC, CINZENTO ESCURO).
NIGERIA
JOINT DEVELOPMENT ZONE
SÃO TOMÉ AND PRÍNCIPE
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/ 38 PEREIRA, 2013.
BLOCOS E CONTRATOS NA ZEE
/ 38
BLOCO
ZONA
ÁREA (KM)
CONSÓRCIO / EMPRESAS
PART (%)
2
A
4.969
Sinoangol STP Bloco 2 Ltd / ANP STP
9O/1O
3
A
4.228
Oranto Petroleum / ANP STP
9O/1O
4
A
5.8O9
ERHC / ANP STP
85/15
5
A
2.844
Equator Exploration LLTD / ANP STP
85/15
11
B
8.941
ERHC / ANP STP
12
B
7.O32
Equator Exploration LTD / ANP STP
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OPERADORA FUROS
ORANTO
EEL
FINANCIAMENTO:
CO-FINANCIAMENTO:
132