Folha de sala "E Agora?"

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A partir de textos de Gonรงalo M. Tavares


VAMOS

Tem sido permanente em todo o percurso criativo do Trigo Limpo teatro ACERT a colaboração com autores de língua portuguesa. O projeto “interiores”, desenvolvido de 2006 a 2008, visava essencialmente contribuir para o desenvolvimento da dramaturgia em língua portuguesa e ao mesmo tempo levar à descoberta de personagens que ajudassem a refletir sobre os distintos sinais da portugalidade contemporânea. Nesse projeto um dos seis autores convidados foi Gonçalo M. Tavares que escreveu “as conferências do Sr. Eliot”, texto integrado no espetáculo “circOnferências”. Dessa colaboração ficou a vontade de nos voltarmos a encontrar. Esse desejo é agora concretizado.

Quando, o ano passado, pedimos ao Gonçalo M. Tavares um texto que servisse de base a uma nova peça do Trigo Limpo, estávamos longe de imaginar o que seria essa peça. Na conversa que então tivemos falámos do desemprego, da crise, da Europa e de um pequeno texto que ele tinha escrito, e ele ficou de remoer ideias e escrever o que quisesse. Em junho deste ano, recebemos um conjunto de belíssimos textos a que ele chamou “os cansados, os animais, os suicidas”, e demos início à construção do espetáculo. Passámos nós a remoer ideias, mas ainda sem saber onde iríamos parar. Lemos, relemos, cortámos, acrescentámos pedaços de outros textos dele, até termos uma história, já nossa também, fruto da poética caótica do autor.


Ricardo Chaves®

Temos por método de trabalho procurar, depois da história, o local teatral onde se vai desenrolar a ação. A partir daí fez-se luz. Facilmente se definiu o cenário. Uma primeira foto dos atores deu o pontapé de partida para a construção das personagens. A partir daí foi trabalho, porque isto da criatividade tem muita mãode-obra, quem corre por gosto não cansa mas se queremos concretizar os nossos sonhos temos fazer por isso e trabalhar.

Chegámos a um espetáculo que nos surpreendeu. Penso que criámos uma peça “três em um”. Um conjunto de três quadros (10 cenas) que estranhamente se unem e dão forma a uma história que estava escondida nas palavras do autor. Partilhamos agora esta nossa criação com o público, conversando com ele do desemprego, da crise, da Europa, na tentativa de que no final do espetáculo alguém se levante e nos questione: E agora? Pompeu José



Nos textos que deram origem a E Agora?, Gonçalo M. Tavares olha para a aparente perfeição de um sistema económico-financeiro baseado na ilusão de valor e mostra como o seu bom funcionamento tem um equivalente perverso, e oposto, no quotidiano da maioria das pessoas que vivem sob a sua orientação. Não é a perfeição que interessa à escrita do autor, mas antes a sucessão de causas e consequências que, quando percebidas, criam os espaços possíveis para a a pedrinha que pode (ou não) parar a engrenagem.

Ricardo Chaves®

Gonçalo M. Tavares é um dos mais prolíficos autores da literatura portuguesa dos nossos dias, contando, entre as mais de trinta de obras publicadas, com vários prémios e distinções. A sua escrita traz para as páginas dos livros um mundo que reconhecemos nosso contemporâneo, sempre descrito, encenado e trabalhado a partir de uma certa ideia de intemporalidade. Os mecanismos desse mundo, o modo como funciona ou o pomos a funcionar e a reflexão sobre esse funcionamento e as falhas que afectam qualquer mecanismo são alguns dos temas recorrentes nesta escrita.


No seu último livro, Uma História da Curiosidade, o argentino Alberto Manguel descreve uma conversa com um amigo versado em economia e finanças e o modo como este lhe explicou claramente que “as quantias fabulosas mencionadas nas transacções nacionais e internacionais na verdade não existem: são meras cifras aceites em boa-fé, baseadas em estatísticas abstrusas e previsões semelhantes às dos videntes” (Uma História da Curiosidade, ed. Tinta da China, pg. 258-259). Os objectos que chamamos de artísticos são tanto mais interessantes e provocadores quanto conseguem fazer-nos pensar, muitas vezes convocando relações com outros objectos mais ou menos aparentados. Na primeira cena

de E Agora?, o espectáculo que o Trigo Limpo teatro Acert leva à cena a partir de textos de Gonçalo M. Tavares, o texto de Alberto Manguel ecoará na cabeça de quem o leu (e, agora, talvez ecoe também, pelo menos como vontade, na de quem ainda não leu). As quantias que diariamente se referem, nem sempre com grande rigor, nos serviços noticiosos do nosso descontentamento são, afinal, uma ficção, e nem por isso deixam de decidir-nos os dias. Governos, bancos, instituições financeiras de toda a espécie, afirmam as suas decisões, aquelas que hão-de reflectir-se sem dó nem piedade nos nossos serviços públicos, no nosso dia a dia, na nossa carteira, baseando-se em coisas que não existem. No


Ricardo Chaves®

palco, quatro actores hão-de mostrar isso mesmo, desfilando papéis e números que seriam apenas símbolos, convenções semânticas para explicar o mundo, e que transformámos em valores absolutos. Não é sobre dinheiro, real ou virtual, o espectáculo E Agora?, mas daí parte a sua deambulação pelos modos que fomos escolhendo (ou abstendo-nos de escolher) para nos organizarmos enquanto comunidade(s). E entre dedos apontados a um “outro” que nunca queremos saber quem é, até chegar a nossa vez de o ser, e soluções que são sempre talhadas para cumprirem um novo e maior problema, o espectáculo do Trigo Limpo a partir de Gonçalo M. Tavares dará razão a Alberto Manguel até à última cena:

“O meu amigo explicou-me a coisa de tal maneira, que me pareceu que a ciência da economia era um ramo mais ou menos bem-sucedido da literatura fantástica.” Entre dragões e máquinas impossíveis, talvez ainda haja uns quantos modos de encontrarmos uma saída – nos textos, nos palcos e no que vamos fazendo com eles, pelo menos. Sara Figueiredo Costa


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA Texto a partir de “Os cansados, os animais, os suicidas” “hotel, as cabeças rapadas” e “Matteo perdeu o emprego” de Gonçalo M. Tavares Dramaturgia e Encenação: Pompeu José Assistência de encenação: Raquel Costa Interpretação: António Rebelo, Ilda Teixeira, José Rui Martins e Sandra Santos Cenografia: Pompeu José e Zétavares Desenho de luz: Paulo Neto Música: Miguel Cardoso / Sonoplastia: Luís Viegas Figurinos: Coletivo / Costureira: Sandra Rodrigues Desenho gráfico: Zétavares / Edição vídeo: Zito Marques Assistência Cenográfica: Carlos Fernandes, João Silva, José Pereira e Pedro Sousa Fotografia de cena: Carlos Fernandes, Carlos Teles e Ricardo Chaves Construção: Carmosserra e Tondagro, Lda Produção: Marta Costa / Apoio à produção: Rui Coimbra e Pedro Sousa Agradecimentos: Ana Bastos, Ana Isabel Carvalho, António Sá Pinto, Beiratoldos, Carlos Silva, Casa da Boneca (Viseu), Francisca Gomes, Jorge Almeida, José Carlos Coimbra, Lisete Lemos, Madalena Silva, Madalena Sousa, Magda Escada, Margarida Loureiro, Maria de Lurdes Quintano, Matos Silva, Mónica Veiga, Rita Mamede, Sílvia Leão e Victor Midões. 108ª Produção do Trigo Limpo teatro ACERT Estreia a 18 de dezembro de 2015, no Novo Ciclo ACERT Maiores de 12 anos / Duração 70 minutos Apoio

Trigo Limpo teatro ACERT Rua Dr. Ricardo Mota, 18 3460-613 Tondela www.acert.pt/trigolimpo

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