INSTRUMENTOS DE LENTIDÃO Exposição de desenhos de José Paiva

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© Cristina Ferreira

instrumentos de lentidão josé paiva exposição de desenho 18 set. a 20 out. 2021 ACERT, Tondela


rita rainho (i2ADS) Mindelo, setembro de 2021

Desenho na lentidão – árvores. Embora sejam cor sépia, eu só vejo verdes. São pequenos pontos de mãos dadas em linhas, mas na minha perceção são manchas. O suporte é papel aquecido pelos mimos da caneta incansável, mas eu sinto fresco. Fecho os olhos. Repete-se Árvore nessa língua de palavra, imagem e sentir. Sou assaltada por memórias que sou. E inspiro... expiro... esse oxigénio que me dá. Já vi pessoas ridicularizando: “ele conversa com árvore, abraça árvore, conversa com o rio, contempla a montanha”, como se isso fosse uma espécie de alienação. Essa é a minha experiência de vida. Se é alienação, sou alienado. Ailton Krenaki A minha experiência de vida com o algodão tem-me feito aprender. Primeiro conheci a história de criação do quilombo de Conceição das Crioulasiiii, no Brasil. Depois, na neve insular colhemos ‘sementes da resistência’ nos algodoeiros selvagens no deserto desta ilha de São Vicente, Cabo Verde. Aqui não houve plantação de algodão nos séculos da ganância da escravatura, mas para aqui voaram as sementes, levadas pelo vento, ou no bolso de alguém que fugia. Hoje resistem sem cuidados, sem ninguém. A chuva teima em vir 2 dias por ano. Em 2021 ainda. Os agricultores repetem – Txuva ta bem, poc ô txeu [A chuva virá, pouca ou muitaiiiiii]. Mais parece Marte, com apenas 0,9% de superfície terrestre da ilha cultivada, o resto é mar e são montanhas nuas, desvelando o futuro de Gaiaiv. Engolimos essa resiliência das sementes que colhemos e plantamos algodão, com mandioca e feijão para desaprender a i

Krenak, Ailton (2020). ‘O amanhã não está à venda’. Companhia das Letras Loc 68.

ii O quilombo de Conceição das Crioulas no estado de Pernambuco Brasil, conta a sua génese com a história de um rebelado e seis negras que cultivaram e fiaram algodão, vendendo na cidade de Flores e comprando o seu território de resistência. iii

Tradução livre de crioulo da ilha de São Vicente, Cabo Verde.

iv Na década de 70, James Lovelock e Lynn Margulis formularam a Hipótese Gaia pensando uma visão holística do planeta Terra de co-evolução e regulação, um sistema ecológico global que funciona organicamente, em que fica patente que aquilo que se vinha tratando de modo separado (seres vivos, oceanos, atmosfera, solos), formam uma realidade indivisível.

escravidão antiga, mas também a de hoje no computador e no consumo, no alheamento. Colhemos algodão, colhemos pragas, colhemos a esperança de chuva. Estamos a aprender a semear, cuidar a terra, a cardar e a fiar o algodão e aos poucos a tecer. No silêncio da montanha que se debate com a turbulência das nossas vidas capitalistas, colonialistas, patriarcais, estamos também a aprender a lentidão. O Paiva sabe que venho dos meus pais, da juventude agrária e revolucionária. Também com a Acert se cruzaram nas lutas do desenvolvimento local em Portugal. Talvez pela árvore, talvez por Tondela, desde que veio o convite para o texto, a minha mente não sossega, já com medo do parto que ainda não chegou. O Paiva pediu-me um texto – sobre o que quiseres, eu estou à procura da lentidão. E com este convite, fiquei grávida de saudade do meu pai. há uma arvore que fala todas as línguas há uma árvore com quem todos falam há uma árvore que gostava de soltar as suas raízes e inventar um pouquinho do elo prateado que percorre todo o universo “Árvore, templo vegetal” Oriana Brás Alongo-me em asana da árvore – uma postura de equilíbrio, que promove o aterramento, o enraizamento. Sento-me de novo de madrugada a escrever, o que me ocupa a mente é o movimento do meu pai, plantando a placenta do meu filho Sami, estrumando a oliveira mais nova do terreno, plantando tantas árvores com a minha mãe em Sangalhos, em Santo Tirso, no Couto Esteves e no Vale da Rosa. Hoje ela come os frutos que a terra lhe dá, sussurrando que o pai plantou, mas já não comeu. Estou lavada em lágrimas. Relembro a lentidão do próprio crescimento dessas árvores, dos vinhos com que regámos árvores mensageiras dos antepassados em Moçambique. Lembro-me das árvores que entre muitos abraçamos, em


josé paiva Porto, setembro de 2021

Tarrafal de Monte Trigo, o mais antigo baobá em Santo Antão, ou a caminho do estádio em Delfos, Grécia, onde abraçamos juntos uma árvore e ao encostarmos o ouvido, ouvimo-la ranger. Conheço a voz, mas que língua é essa de nossos antepassados que não chegamos a compreender? “Antes que qualquer árvore seja plantada ou qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma.” Rubem Alves A árvore é esse barco de memória que se entranhou no corpo de plantar. A obra de Paiva, tem esse ritmo balançante de quem procura e conecta nas geografias da cumplicidade, estrumando raízes que se aprofundam e lançam em ramos firmes de pensar e fazer junto. Dentro da sua alma, nasceu há muito este desejo de construir Identidades. Plante-se a árvore.

Com as canetas que uso, faz tempo, as Pilot sépia, ganhei o vício de ir desenhando, amiúde sem pensar o que desenhava, por dotar toda a atenção à escuta e à interlocução. Esse não pensamento fazia acontecer formas de árvore, entrelaçados de riscos inúteis que no papel configuravam imagens marcadas pela dedicada atenção contemplativa ao modo com uma árvore é sempre, em si, um bom desenho, e merece nosso respeito e atenção. Forjei com as árvores uma espécie de amizade silenciosa, sabendo-as essenciais, e imunes ao desgaste do tempo que a vida esquizofrénica em que vivemos anula. Esta amizade secreta com as árvores contribui para a procura da lentidão, como modo de resistência ao desgaste do tempo, que nos força a evitar a escuta e pela pressa nos embriaga a vida. Os desenhos apresentados nesta exposição, misturam na vontade de voltar à ACERT, com o resultado lento destes tempos de afastamento forçado, tornando-se em abraços camaradas e lentos. Na vida política de acção que me move, estes desenhos apenas se apresentam para sua fruição, sem outra pretensão que não seja a sua dádiva.

desenho a esferofgráfica Pit G-TEC -C4 sobre papel — série a, formato 70 x 50 cm — série b, formato 46 x 37 cm — série c, formato 42 x 30 cm — séria d, formato 14,8 x 21 cm

obra gráfica, impresso pelo autor — série e, serigrafia, 40 x 30 cm — série f, gravura (água forte), 28,5 x 20 cm


José Paiva

Nascido no Porto em 1950. Doutor em Pintura, Mestre em Arte Multimédia e Licenciado em Artes Plásticas – Pintura, pela Universidade do Porto — Faculdade de Belas Artes, Portugal. Professor Jubilado da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Investigador Integrado do i2ADS (Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade). Integra a plataforma de investigação IDENTIDADES_Colectivo de Acção e Investigação (ID_CAI), instigando um forte envolvimento em acções interculturais, de índole educativo, artístico e cultural com comunidades, em Moçambique, Brasil, Cabo Verde e Portugal.

Exposições individuais,

Campina Grande e Recife BRASIL Cabo Verde MINDELO Maputo MOÇAMBIQUE Caminha, Celorico de Basto, Coimbra, Lisboa, Porto, S. João da Madeira, Tondela, Trofa e Viseu PORTUGAL

desde 1983

Exposições colectivas

Recife, Conceição das Crioulas e Salvador da Bahia BRASIL Mindelo CABO VERDE Salamanca ESPANHA Pau FRANÇA Beira e Maputo MOÇAMBIQUE Alfândega da Fé, Aveiro, Baião, Beja, Braga, Castro Verde, Chaves, Cinfães, Coimbra, Ermesinde, Lamego, Leiria, Lisboa, Marco de Canaveses, Matosinhos, Mértola, Peso da Régua, Porto, Paços de Ferreira, SantoTirso, Tondela, Trofa, Viana do Castelo, Vila Flor, Vila Nova de Gaia, Vila Real, Viseu PORTUGAL

ACERT É UMA ESTRUTURA FINANCIAD A POR


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