A Viagem do Elefante por Viseu Dão Lafões

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A VIAGEM DO ELEFANTE POR VISEU DÃO LAFÕES Um relato que cruza 14 localidades com a digressão do espectáculo do Trigo Limpo teatro Acert


Título

A Viagem do Elefante por Viseu Dão Lafões Um relato que cruza 14 localidades com a digressão do espectáculo do Trigo Limpo teatro Acert

Autoria e Produção

Associação Cultural e Recreativa de Tondela (ACERT)

Textos

Ricardo Viel e Sara Figueiredo Costa

Fotografias

Carlos Teles e Ricardo Chaves

Design e ilustração

Zétavares

Coordenação da Edição

Miguel Torres

Produção Gráfica Esferagráfica Isbn 978-989-20-5220-5 Depósito Legal 384783/14 Tiragem

1.500 exemplares,

1.ª Edição

Dezembro de 2014

Impressão

Rainho & Neves, Lda.

Edição

Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões Rua Dr. Ricardo Mota, 16; 3460-613 Tondela

Direitos reservados © Cim Viseu Dão Lafões, Acert, Carlos Teles, Ricardo Chaves, Ricardo Viel, Sara Figueiredo Costa e Zétavares Agradecimentos à edição Aos interlocutores locais junto de cada autarquia. Ao António Manuel Guerra, Carlos AA Silva, João Luís Oliva, José Carlos Almeida, Nuno Martinho, Paula Torres, Paulo Torres Bento, Pilar del Rio, Sérgio Letria, Sara Figueiredo Costa, Stageland e Transportes Fernando Pinheiro. E a todos os que contribuíram para a presente edição. Promotor


Ao territ贸rio, os lugares aonde sempre chegamos quando nos esperam.



JOSÉ MORGADO RIBEIRO

Num tempo em que o imaterial está em voga é com profunda satisfação que a Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões edita um álbum gráfico relativo a um projeto tão emblemático, e marcante para o território Viseu Dão Lafões, como foi A Viagem do Elefante, nessa adaptação fantástica que a Acert fez do livro do nosso Nobel da Literatura José Saramago. Em boa hora o Conselho Intermunicipal, percebendo a importância da cultura no desenvolvimento do nosso território, decidiu apoiar a realização de A Viagem do Elefante, um espetáculo de teatro de rua que, envolvendo as diversas comunidades que constituem a nossa região, permitiu revisitar a jornada do elefante Salomão, celebrando um território singular como é Viseu Dão Lafões e as suas gentes. Mas, não menos importante, foi a decisão de proceder à produção e edição de um álbum gráfico do espetáculo, no qual se relata esta experiência de criação artística pelas gentes dos municípios de Viseu Dão Lafões, guardando, para memória futura, uma viagem de promoção e reforço de uma identidade cultural regional, bem como para a valorização dos espaços culturais e urbanos dos municípios envolvidos. De facto, hoje, mais do que nunca, o sector cultural e das indústrias criativas tem um espaço e importância acrescida nos territórios. Por um lado, de um modo inovador, recriam e reinventam as histórias dos povos, lendas e tradições, perpetuando a sua história. Por outro lado, tem um forte impacto na promoção de valores de partilha e solidariedade humana, valorizando as pessoas e a sua identidade, dando-lhes a conhecer a autenticidade do seu território. E foi isso que aconteceu no território Viseu Dão Lafões entre 24 de maio e 27 de setembro. Momentos de partilha humana entre atores, com elevado brio profissional, e gentes simples, mas com uma generosidade e alegria em participar. As nossas ruas, praças e edifícios foram palco de grandes atuações, de grandes atores. As populações vestiram- se de gala para aplaudir Reis e

Rainhas, Mestres e Contra Mestres, Curas e Bruxas. E, na sua plenitude, o elefante Salomão, tornou-se “Cidadão de Viseu Dão Lafões.” Prestou a sua homenagem às gentes da Beira e exerceu o seu papel de cidadania, contribuindo, decisivamente, para a coesão territorial, social e cultural deste território. Este projeto é um bom exemplo deixado pela CIM Viseu Dão Lafões de verdadeira solidariedade e de forte coesão territorial. Contudo, queremos ir muito mais longe e dar continuidade ao trabalho que tem sido desenvolvido na Região Viseu Dão Lafões, de mobilização dos (fortes) agentes culturais da região e de valorização da cultura no âmbito do “Portugal 2020.” Pensar numa estratégia de promoção e afirmação do território baseado nas artes, e na diversidade de projetos artísticos existentes, e como esses projetos se articulam em processos coletivos de trabalho, pode ser um elemento altamente diferenciador de um território que privilegia os seus recursos imateriais como ferramentas essenciais de desenvolvimento. Contudo, importa, agora, propor uma abordagem às atividades culturais que, valorizando a cultura de per si, valorize, também, as suas ligações com outras atividades e recursos do território. Pretende-se, pois, trabalhar a forma como a cultura e as atividades culturais, através da projeção de uma imagem qualificada e específica/identitária de um território, podem gerar um contexto particularmente favorável ao surgimento e/ou crescimento de atividades económicas com capacidade de aceder a espaços de valorização, nacionais e internacionais e, simultaneamente, contribuir para o aumento da qualidade de vida na região (como bem sugere a Estratégia Europa 2020). À Comissão Diretiva do Programa Mais Centro, na pessoa da Senhora Presidente, Professora Doutora Ana Abrunhosa, o nosso sincero agradecimento. A todos os colaboradores da Acert, o nosso bem haja.

PRESIDENTE DO CONSELHO INTERMUNICIPAL DA CIM VISEU DÃO LAFÕES —5—


— ‘A VIAGEM DO ELEFANTE’ POR VISEU DÃO LAFÕES —


T E R R I TÓ R I O E C U LT U R A SÃO FAC E S DA M E S M A M O E DA ANA ABRUNHOSA* Quando há 30 anos José Saramago escreveu o livro Viagem a Portugal deu a oportunidade aos seus leitores de serem “levados a conhecer o autêntico rosto duma terra inesgotável, por caminhos humanos e naturais cuja beleza e força surpreendem.” Muitos foram os lugares da Região Centro que foram calcorreados pelo livro. Lugares no Portugal profundo visto de uma forma profunda. Com A Viagem do Elefante Saramago transporta-nos e guia-nos, novamente, por terras do Centro. O elefante Salomão, no caminho para Viena, partindo da cerca de Belém em Lisboa, passa por Constância, terra de Camões, Castelo Novo, Belmonte, Sortelha, Cidadelhe e Figueira de Castelo Rodrigo, marcos da viagem que agora foi feita ainda mais cultura, através do projecto teatral comunitário onde a partilha humana se transformou em espectáculo. Só tendo visto se percebe o alcance do que aqui está escrito, já que estas palavras não têm o cinzel de Saramago para as moldar e, dessa forma, poder dispensar o seu visionamento. Território e cultura são faces da mesma moeda. Cruzamento de coisas que a história não apaga. E não se entrecruzam de forma superficial. Tal como Saramago soube captar profundamente o profundo de Portugal e do seu território interior, também o espectáculo A Viagem do Elefante teve essa ambição. A nós, entes públicos e outros agentes, cabe-nos a missão de ajudar a aprofundar esse entrecruzamento entre cultura e território, entre memória e identidades, entre pessoas e suas raízes, entre o que somos e aquilo que queremos ser. O Elefante Salomão percorreu, de Maio a Setembro, os 14 municípios que constituem a Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões, integrado no Plano Estratégico da Rede Urbana para a Competitividade e Inovação Viseu Dão Lafões. E se território e cultura são faces da mesma moeda, assumindo a cultura uma importância crescente no desenvolvimento dos territórios, o facto do espectáculo ter percorrido os 14 concelhos da Comunidade Intermunicipal é algo que merece ser assinalado. O facto do espectáculo ter integrado, enquanto iniciativa prevista no

programa de acção, o Plano Estratégico da Rede Urbana para a Competitividade e Inovação Viseu Dão Lafões, remete-nos para uma problemática para a qual a Região e o seu Programa Operacional têm dispensado grande atenção. Procurou-se abrir um novo ciclo de intervenção urbana que contribuísse significativamente para tornar as cidades da região territórios de inovação e competitividade, de cidadania e coesão social, de qualidade de ambiente e de vida, a que se associa um bom planeamento e governo. A Política de Cidades que o Mais Centro promoveu no âmbito do Qren é um sinal inequívoco da importância que colocamos nesta problemática. Não as cidades tomadas cada uma de per si, mas antes o que com o conjunto delas se pode fazer para promover a coesão dos territórios, torná-los mais competitivos e inovadores, onde dê gosto viver pela qualidade de vida e ambiente que têm e possibilitam. Contrariando a pouca tradição de organização formal da sociedade portuguesa, este tipo de políticas que concentram a sua ambição no trabalho em rede, desta feita em torno da cultura, é algo que nos tem de deixar a todos orgulhosos. A prioridade dada na implementação de projectos que consubstanciam e reforçam uma lógica de rede, apesar da natureza imaterial à qual está associada uma grande complexidade na sua execução, merece o nosso aplauso e estímulo para que prossigam. Mas se isto é presente e passado, o que nos reserva o futuro? A estratégia associada ao Portugal 2020 e ao Programa Operacional Centro 2020, prevê que se venha a apoiar a concretização de estratégias de desenvolvimento urbano integrado, através da regeneração e revitalização dos centros urbanos. O reforço da rede urbana passará por: apoio à mobilidade urbana sustentável e à descarbonização; promoção da qualidade ambiental, urbanística e paisagística; promoção da inclusão social em territórios urbanos desfavorecidos. São grandes os desafios que todos temos pela frente. Mas tal como o elefante Salomão, estamos disponíveis e prontos para fazer essa viagem…

* PRESIDENTE DA COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO CENTRO

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PILAR DEL RIO

Temos de concordar que os reis sabiam o que faziam quando inventaram a diplomacia com animais exóticos. Dizem que a girafa, que o vice-rei do Egipto, Mehmet Ali Pasha, ofereceu ao rei Carlos x, que percorreu França e chegou a Paris em 1827, inspirou Eiffel quando, anos mais tarde, teve de escolher um símbolo para fazer a sua magnífica torre. A memória popular que a girafa deixou acabou por cristalizar no monumento que define hoje a capital da França e a própria França. E o nosso Salomão? Que memória ficou daquela viagem que o levou a Viena depois de ter percorrido parte de Portugal? Sabêmo-lo agora – e da melhor maneira – pois contamos com a visão literária de José Saramago e com o impulso do Trigo Limpo teatro Acert. Um padre e uns aldeões. Um rio de águas cristalinas. Uns trabalhadores rudes e honestos. Um capitão culto, que lê e viaja com uma edição de Amadis de Gaula amorosamente protegida. Um alcaide que percebe de pombos-correio. Um cornaca que conhece lendas e debilidades. Um homem perdido no nevoeiro. Uns barritos de elefante, um mapa, uns sonhos: quem disse que isto não é o Portugal real, e que bem poderia ser o símbolo de uma maneira de estar no mundo? Salomão não é apenas um bicho, é uma ponte que aproximou seres humanos e conseguiu revelar sonhos que os homens e as mulheres daquele tempo nem sequer sabiam que tinham. O elefante veio de longe com essa missão, mostrar que o inesperado é possível e que o mundo é grande mas cabe nos nossos corações se decidimos oferecer o melhor que temos. Então, anos mais tarde, o Trigo Limpo teatro Acert retomou o testemunho que alguns pensavam irremediavelmente perdido e demonstrou, de forma luminosa, que se pode conviver com a literatura na rua e representar uma obra que é também a história das pessoas mais próximas.

O caminho de Salomão tornou-se um lugar tão real como os lugares de Don Quixote de la Mancha ou o caminho que conduz os peregrinos até Santiago, esse que se alcança quando se segue a boa estrela. As cidades unidas pelo elefante terão a textura do literário que todas as geografias desejam para si e que algumas conseguem, aquelas que têm a sorte de ser visitadas por um paquiderme que emociona e surpreende com a sua leveza e incrível ternura. Os homens e as mulheres que viajaram com Salomão no Verão de 2014 têm a virtude de ter interligado Tondela, Aguiar da Beira, Canas de Senhorim, Castro Daire, Carregal do Sal, Mangualde, Oliveira de Frades,Penalva do Castelo, Santa Comba Dão, São Pedro do Sul, Sátão, Vila Nova de Paiva, Viseu e Vouzela, com o rasto da magia. Não vão ser precisos muitos anos para que alguém venha e erga uma nova torre Eiffel comemorativa da façanha de Salomão, porque já temos as suas pegadas nas praças e na memória colectiva. José Saramago escreveu A Viagem do Elefante porque a façanha de Salomão tinha de ser contada, e contar é a forma que os escritores têm de erigir monumentos. Depois, os homens e mulheres do Trigo Limpo teatro Acert com Luis Pastor e os voluntários de cada lugar coroaram a obra e deixaram que nela tomassem lugar todos os que gozámos a passagem de Salomão e a sua capacidade de provocar emoções. Talvez tenhamos de rectificar o que dissemos antes, talvez os reis não tivessem consciência do que faziam quando utilizavam animais para fazer a diplomacia, mas nós, séculos depois, sabêmo-lo, por isso nos acolhemos à sombra do elefante nestas terras portuguesas assim como em Paris se visita a girafa de ferro. Para ver mais longe e sentir a humanidade de outra maneira. Talvez palma com palma, coração com coração.

PRESIDENTA DA FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO —9—


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A V I AG E M CO M O E L E FA N T E ACERT - ASSOCIAÇÃO CULTURAL E RECREATIVA DE TONDELA

A leitura do conto A Viagem do Elefante, por alguns elementos do Trigo Limpo teatro Acert, em 2008, foi uma descoberta. Uma descoberta que nos alimentou os sonhos por muito tempo. — Como vamos ser capazes de contar aquela magnífica história que nos deixou Saramago, e que parece escrita para nós… – conversávamos. Durante os anos seguintes, difíceis, fomos fazendo outros projectos, mas mantendo sempre a companhia de um elefante imaginário que, a cada dia que passava, mais presente se tornava. — Algum dia terá de ser! Os anos foram passando, as dificuldades de trabalho na área cultural foram-se agravando e o nosso projecto, como sempre fez ao longo dos seus 38 anos de história, foi resistindo. Em final de 2012, sentados à mesa (de reuniões), olhando para as dificuldades que tínhamos vivido e para as que se avizinhavam, voltámos a conversar: — Pouca gente partilhou connosco ideias, como as da importância da resistência, como José Saramago. É o momento de darmos esse sinal de inconformismo. — É agora! Ouviu-se em uníssono! Este relato supostamente imaginário (que tem muito mais de real do que se imagina) podia resumir o que sentimos perante o desafio de levar à cena A Viagem do Elefante. O sonho era enorme, a vontade incomensurável, o desafio estimulante. O que nos faltava? Os parceiros indicados para o fazer. A Fundação José Saramago – Ficámos verdadeiramente emocionados quando, no primeiro contacto, percebemos que do outro lado tínhamos alguém que nos confiava esta tarefa gigantesca de trazer Saramago para junto das comunidades do interior. A confiança que demonstraram ter em nós foi inacreditável. A forma como fomos acarinhados por todos, foi o primeiro e decisivo sinal de que era possível! Luis Pastor / Flor de Jara — Companheiro já de outras lutas, visitante regular do Novo Ciclo Acert, era um sonho tê-lo connosco a trabalhar num projecto como este. Ele, que já tinha musicado parte da obra poética de Saramago, era o parceiro ideal. O Luis não se revelou um parceiro, o Luis é da Acert. Nico Nubiola — Quando pensamos em cenografia de rua, no Trigo

Limpo, a referência a Nico Nubiola é obrigatória. O Nico é a pessoa que melhor é capaz de transformar escultoricamente os sonhos que com ele partilhamos em cada projecto. Digamos que o Nico nos materializa os sonhos. Construído o sonho, era necessário partilhá-lo. Mas o que queríamos partilhar não era a circulação de uma escultura de um elefante asiático pelo interior do país. Partilhar era juntar a nós pessoas para contar essa magnifica história em cada local. Era chegar a cada local e mobilizar a comunidade para connosco ser protagonista desta história. Era sermos, todos, Saramago. DIGRESSÃO DE 2013 Depois de materializado o sonho, e de ensaiado num “laboratório” (sem ratinhos mas com pessoas), era necessário circular. Nada fazia mais sentido que começar esta viagem por percorrer o percurso que aquela incrível caravana percorreu no conto de Saramago. Aqui entraram as restantes parcerias fundamentais para que tal se realizasse: a Associação Territórios do Côa é a promotora do “Caminho de Salomão” rota turística que vai de Lisboa a Figueira de Castelo Rodrigo e tem por objectivo promover estes territórios a partir do conto. Com o seu apoio realizaram-se apresentações em Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Sortelha (Sabugal). Nada, aliás, fazia para nós mais sentido do que estrear este espectáculo em Figueira, local onde José Saramago, exactamente um ano antes da sua morte, terminou pessoalmente esse fantástico percurso pela rota do seu conto; o Turismo Centro de Portugal, que tal como nós se apaixonou pelo projecto e que com o seu envolvimento o ajudou a viabilizar; as Câmaras Municipais de Castelo Branco, Lisboa, São João da Pesqueira (em parceria com o Museu do Douro), Rivas Vacia Madrid (Espanha); a empresa Stageland, que foi o nosso parceiro técnico para a realização e circulação desta aventura; a Direcção Geral das Artes, que sendo o principal financiador público da Acert tem, ao longo dos últimos anos, viabilizado os nossos sonhos. A Câmara Municipal e o Concelho de Tondela, são a “nossa casa,” mais do que um local de apresentação do espectáculo. Foram 9 locais de apresentação, 11 espectáculos, milhares de espectadores (19.000) e centenas de participantes (430). Um sonho construído por muita gente, e com muita gente dentro. — 11 —


DIGRESSÃO POR VISEU DÃO LAFÕES - 2014 Salomão, o primeiro cidadão de Viseu Dão Lafões. Ao sonho de 2013, outro sonho se somava agora. Um sonho antigo da Acert, diga-se. Afirmar a cultura como factor essencial do desenvolvimento do território. Salomão parecia-nos o actor chave para essa demonstração. O desafio foi lançado à Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões, que imediatamente o percebeu e abraçou. A Comunidade Intermunicipal teve a ousadia de assumir, dentro dos seus eixos estratégicos, a cultura como elemento essencial da estratégia de desenvolvimento do território e esta era uma primeira oportunidade de convencer, mesmo os mais incrédulos, da bondade deste argumento. Apoiada na Rede Urbana para a Competitividade e Inovação, e com a parceria do Mais Centro, levou a cabo uma iniciativa marcante a nível regional, nacional e internacional. Era também uma oportunidade para o Trigo Limpo teatro Acert, através da circulação de um objecto artístico, desenvolver o conceito de comunidade no território. Foram mobilizados os municípios e o Teatro Viriato (promotor em Viseu) e, por sua vez, estes mobilizaram as suas comunidades, e a aventura foi demasiado grande para ser contada nestas linhas introdutórias. Assim surge o último sonho deste entrelaçar permanente duns sonhos nos noutros, a edição deste livro. Por esta altura o leitor pergunta-se: — Estes tipos não fazem nada senão sonhar? Para este último sonho (último antes do próximo), era necessário juntar novos construtores. Assim se juntaram o Carlos Teles e o Ricardo Chaves, captadores de imagens reais dos sonhos (outras vez os sonhos), e que durante toda a digressão de 2014 captaram imagens do espectáculo, das pessoas, dos territórios; em suma, foram fazendo um diário visual deste processo. Depois foi necessário encontrar alguém que, à nossa cabeceira, conseguisse passar à escrita todo este processo. E esta não era somente sobre o espectáculo e as suas vivências em cada comunidade, mas era também sobre as comunidades, as suas histórias, as suas memórias, os seus presentes e futuros. A ambição era, sim, produzir um álbum da nossa circulação pelo território, guiados por um elefante e pelos seus tratadores, mas aproveitando para mostrar muito do que existe e merece ser conhecido ou visitado. Entram então nesta história a Sara Figueiredo Costa e o Ricardo Viel, que connosco percorreram todo o território e foram (d)escrevendo o que a seguir se lerá. Se o Carlos Teles e o Ricardo Chaves já eram “acertinos” dos sete costados, e portanto uns de nós, devem ser valorizados pelo magnífico trabalho que aqui se apresenta. A Sara Figueiredo Costa e o Ricardo Viel foram dois novos elementos que entraram na equipa da Acert; e daqui não saem mais. A forma como estas quatro pessoas trabalharam

em equipa para a produção deste trabalho fica à vista com a passagem pelas páginas que se seguem. Mas as páginas não surgem sozinhas, foi necessária a magia gráfica do Zétavares para coser todas estas emoções visíveis entre imagens e textos. Este relato escrito/visual da digressão por Viseu Dão Lafões em 2014 não pretende ser um relato sobre o espectáculo; pretende, isso sim, ser um apelo à visita a um território de uma riqueza incrível, pela geografia, património, gastronomia, etc. Mas a grande riqueza deste território, como fica aliás bem expresso neste relato, é o seu doc. Não, não estamos a referir aqui os extraordinários vinhos do Dão, mas doc enquanto Denominação de Origem Cidadã. As pessoas, as comunidades, as suas estruturas associativas, a forma como se é recebido em Viseu Dão Lafões é única. Em 2014 foram 14 espectáculos, 14 comunidades envolvidas, 70 dias e 630 horas de formação, 8.722 horas de trabalho, 712 participantes locais, o mais velho com 85 anos de idade, mais de 16.400 espectadores, mais de 1.200 fotografias publicadas nas redes sociais, mais de 1.250.000 de visualizações no facebook do projecto. Foram consumidas mais de 1.400 refeições, 430 dormidas e percorridos 15.212 kms na região. Foi sobretudo uma experiência única, em que fica demonstrado o poder das parcerias locais e regionais. Muito actores se envolveram neste processo para o tornar possível, mas é também hoje possível dizer que Viseu Dão Lafões é mais região do que antes. A partilha de recursos entre municípios e outros parceiros é a melhor demonstração deste argumento. Este trabalho, mais do que relatar uma experiência, pretende chamar a atenção para essa região que ousou usar um objecto artístico como afirmação de pertença a um território comum, mas muito diverso, e que tem na afirmação dessa diversidade a sua fundamental característica de perspectivar o futuro. Que a leitura destes textos vos apele à visita. Sigam os passos deste elefante que, como diz Sara Figueiredo Costa num dos textos mais à frente, “de um certo modo, Salomão ganhou direito de cidadania em toda esta região, unindo-lhe os pontos com os seus passos pesados e partilhando saberes de uma terra com gentes de outra, ao mesmo tempo que ajudava a confirmar aquilo que parece ser comum a todas elas: a hospitalidade e o coração aberto contra todos os isolamentos geográficos.” Por fim, respondendo à pergunta feita um pouco mais acima, se não fazemos mais nada senão sonhar: — Não, não fazemos. Sonhamos muito e aos nossos sonhos, outros sonhadores se vão juntando numa fúria de pensar (concretizar) melhor o nosso futuro colectivo. Tondela, Dezembro de 2014


N A E S T R A DA , CO M O E L E FA N T E Dois escribas e dois fotógrafos encontram-se num bar… Não é o início de uma daquelas anedotas intermináveis, mas serve para descrever o começo desta jornada: o bar era o do Novo Ciclo Acert, em Tondela, os escribas vinham de Lisboa e os fotógrafos eram da casa, Acertinos de ginjeira e prontos para acolherem dois forasteiros à beira de serem adoptados por uma equipa, um elefante e uma região. O desafio feito pela Acert era o de acompanhar a digressão de 2014 de A Viagem do Elefante, registando momentos, conhecendo e dando a conhecer as terras e as gentes que as habitam, procurando perceber a relação que um elefante e uma equipa teatral estabelecem com um território — e de que modo conseguem transformá-lo. Assim foi. Ao longo de quatro meses, viajámos por terras de Viseu Dão Lafões, integrámos a equipa do Trigo Limpo teatro Acert, acompanhámos ensaios, montagens, deslocações, visitámos tascas, museus e aldeias, fomos recebidos por gente generosa que nos mostrou o melhor de cada terra. Entre a grandeza de um elefante e a agitação que acompanhou a preparação de cada espectáculo, fomos trabalhando uns com os outros, escribas e fotógrafos. Parece pouco, dito assim, mas parte importante da realização deste livro passou por esse encontro, uma aprendizagem mútua, algumas discussões sempre amigáveis, a oportunidade de ir imaginando modos de textos e imagens serem gestos complementares de um mesmo olhar, sempre sem perder a respiração própria de cada um. No final, é seguro dizer que somos uma quadrilha, e não de malfeitores. Entre bolos regionais, caminhos de cabras e ensaios em colectividades de toda a espécie, encontrámo-nos como equipa. Não haverá melhor recompensa para uma jornada tão inesquecível.

CARLOS TELES, RICARDO CHAVES, RICARDO VIEL E SARA FIGUEIREDO COSTA

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D I G R E SSÃO 2 0 1 4 VISEU · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 20 A 24 DE MAIO PENALVA DO CASTELO · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 3 A 7 DE JUNHO CANAS DE SENHORIM, NELAS · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 10 A 14 DE JUNHO OLIVEIRA DE FRADES · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 17 A 21 DE JUNHO VOUZELA · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 24 A 28 DE JUNHO CARAMULO, TONDELA · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 8 A 12 DE JULHO VILA NOVA DE PAIVA · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 22 A 26 DE JULHO SÁTÃO · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 12 A 16 DE AGOSTO SANTA COMBA DÃO · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 19 A 23 DE AGOSTO CASTRO DAIRE · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 26 A 30 DE AGOSTO CARREGAL DO SAL · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 2 A 6 DE SETEMBRO MANGUALDE · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 9 A 13 DE SETEMBRO SÃO PEDRO DO SUL · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 16 A 20 DE SETEMBRO AGUIAR DA BEIRA· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 23 A 27 DE SETEMBRO

— ‘A VIAGEM DO ELEFANTE’ POR VISEU DÃO LAFÕES —


U M E L E FA N T E P O R T E R R AS D E V I S E U DÃO L A FÕ E S Em 2013, a Acert levou A Viagem do Elefante, espectáculo criado a partir do conto homónimo de José Saramago, pela rota do Vale do Côa. O espectáculo foi levado à cena em cidades e vilas por onde o elefante passou na história que Saramago conta no livro, e que entretanto criaram a Rota portuguesa do Caminho de Salomão, recriando a verdadeira viagem de um paquiderme real entre Lisboa e Viena no reinado de Dom João iii. Em 2014, um novo percurso foi cumprido por Salomão e pela equipa da Acert, desta vez em terras de Viseu Dão Lafões, sempre com a participação de gente de cada localidade, aumentando a família da Acert e a do próprio Salomão. Do alto dos seus quase seis metros, o elefante é um bicho que parece ter o condão de despertar afectos e memórias nos sítios por onde passa, tal como contam actores, técnicos e participantes da digressão anterior. O desafio lançado pela Acert à Comunidade Intermunicipal de Viseu Dão Lafões voltou a colocar na estrada uma equipa de mais de vinte pessoas, entre actores, técnicos e músicos, aos quais se juntaram mais de setecentos participantes das diversas localidades. Ao longo de quatro meses, entre Maio e Setembro, Salomão calcorreou caminhos, conheceu gente, foi acolhido em vilas e cidades que se engalanaram para o receber. Associações, colectividades, bandas de música, restaurantes, hotéis, cooperativas e toda a espécie de organizações alteraram as suas rotinas para garantir que os espectáculos se realizavam nas melhores condições. Regressado a Tondela, Salomão continua a ser o bicho de ferro e vime que Nico Nubiola idealizou com a equipa da Acert para dar corpo à narrativa de José Saramago, mas quem o veja no seu refúgio actual, o enorme armazém dos estaleiros da Câmara Municipal de Tondela, talvez lhe descubra um pouco mais de volume. O espaço que ocupa é o mesmo que sempre ocupou, mas como a Blimunda de Memorial do Convento, Salomão passou estes quatro meses recolhendo sonhos e vontades nas terras por onde passou. Se actores, técnicos, participantes e público deste espectáculo não voltarão a ser os mesmos depois da digressão por Viseu Dão Lafões, Salomão não podia ter chegado ao fim da viagem igual ao que era no início.


VISEU, 20 A 24 DE MAIO DE 2014

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VISEU No centro de Tondela, à sombra de um toldo, um elefante asiático com as dimensões que se esperam de um paquiderme aguarda o início da viagem. O seu nome é Salomão e o facto de ter sido construído em ferro e vime pela equipa da Acert não lhe retira a imponência animal nem acalma o burburinho que a sua presença desperta. Os alunos das escolas do concelho visitam-no na sede da Acert como quem visita um animal de verdade, afagando-lhe a tromba e contando-lhe histórias, mas Salomão não ficará aqui por muito tempo. Na primeira paragem da digressão de A Viagem do Elefante, espectáculo criado e levado à cena pela Acert a partir da obra homónima de José Saramago, o animal já é aguardado com ansiedade pelos que se inscreveram para participarem neste espectáculo e pelo público. Viseu, a poucos quilómetros de Tondela, será o marco inicial desta viagem, com um espectáculo inserido no festival Viseu A, promovido pelo Teatro Viriato. É preciso, portanto, que o elefante se faça ao caminho. Salomão devia ter iniciado a sua caminhada para Viseu na terça-feira, mas a meteorologia estragou os planos da viagem. Com a chuva a cair sem abertas, o elefante terá de esperar por quinta-feira à tarde para sair de Tondela. Entre dois aguaceiros e a ameaça constante das nuvens que vêm da Serra do Caramulo, os membros da Acert iniciam o processo de desmontar a parte superior de Salomão, reduzindo-o a um imenso esqueleto que terá de viajar num daqueles veículos longos, tão longos que parecem uma rua e fazem desconfiar da sua capacidade de avançar por estrada. Na zorra, nome que a equipa utiliza para se referir ao dito veículo, está tudo a pos-

tos para carregar o elefante, logo depois dos estrados, dos ferros e de outros materiais que hão-de compor um palco no chão de pedra de Viseu. Pompeu José, que será um dos velhos da aldeia e o magnificente Arquiduque Maximiliano da Áustria, faz agora as vezes de cornaca improvisado, dando indicações para que a carga seja colocada na zorra da melhor maneira, evitando qualquer mazela em Salomão. Com a ajuda de todos, actores, técnicos e outros membros da Acert, o elefante instala-se, enfim, e ruma a Viseu, com a promessa de ficar a descansar num armazém protegido da chuva até poder ser instalado no seu lugar de destino.

VISEU RECEBE SALOMÃO Sexta-feira, pela manhã, o centro da cidade está suspenso pela chegada de Salomão. Apesar de reduzido ao seu esqueleto, a imponência do animal não desapareceu e a caminhada lenta pelas ruas do centro até ao Adro da Sé (1) é acompanhada de perto pela população local. Instalado no ponto de partida do percurso que fará durante o espectáculo, o elefante terá no senhor Victor Guedes, sacristão da Sé de Viseu, um dos seus mais fiéis guardadores. Natural da Figueira da Foz e a viver em Viseu há 18 anos, o senhor Victor confessou que gostaria de ter sido padre, coisa que a mãe não permitiu, acabando por pertencer à igreja de um outro modo, como sacristão e vigilante da Sé. E como é que um homem da Igreja vê a chegada de um espectáculo feito a partir do texto de José Saramago, escritor pouco dado às lides eclesiásticas, mesmo à frente da Sé? “Muito bem. Devo dizer que, de um certo modo, ajudei a que este espectáculo aqui chegasse. Quando mudou o cónego responsável pelo Cabido da Sé falou-se na hipótese de alguns espectáculos decorrerem aqui no largo, mas havia algum receio por causa das mentalidades e das pessoas que frequentam a igreja. Depois de algumas conversas com a Sandra Correia, do Teatro Viriato, fiz força para que isto pudesse aqui acontecer. É muito importante que coisas destas tenham espaço, porque envolvem a cidade, as pessoas da terra e a cultura.” Deixamos o senhor Victor com a equipa técnica, para que nada falhe nas marcações e nos momentos em que determinada porta tem de se abrir para que o Arquiduque aceda ao telhado da Sé, ou para que o Rei alcance a Varanda dos Cónegos. Em frente à Igreja da Misericórdia, começam a surgir alguns dos partici-

( ) No Adro da Sé, em Viseu, ficam situados a Sé Catedral de Viseu, o Museu Grão Vasco e a Igreja da Misericórdia; Gps: 40°39’36”N 07°54’41”W

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PAUSA

pantes do espectáculo, pouco antes de se reunirem com os actores no Pavilhão Multiusos onde decorrem os ensaios. Observam Salomão de perto, tirando-lhe as medidas, e talvez comecem a imaginar como será contracenar com um bicho de tais dimensões. Desde o início da semana que três dezenas de participantes ensaiam com a equipa de encenação da Acert. Aprendem movimentos, falas e marcações para o espectáculo que há-de encher o Adro da Sé no sábado à noite. Alguns já conhecem o ofício, porque participaram, há um ano, no mesmo espectáculo, levado à cena em Tondela, mas a maioria é estreante nas lides do palco. Sandra Santos e Ilda Teixeira ensaiam com os dois grupos, o primeiro manuseando enormes bambus com uma perícia que surpreende, o segundo ensaiando coros e movimentos de leque. João Silva e Pompeu José juntam-se aos trabalhos, coordenando os cavaleiros portugueses que hão-de acompanhar Salomão, os cavaleiros austríacos que quererão disputá-lo e o grupo que receberá o elefante e dele se despedirá numa das passagens mais comoventes da peça, compondo as cenas que decorrem numa aldeia. No sábado à noite, cumprirão a função para a qual se voluntariaram como se sempre tivessem estado em cima de um palco. VISEU, 20 A 24 DE MAIO DE 2014

A meio da tarde, impõe-se um intervalo no ritmo acelerado com que se prepara o Adro da Sé para o espectáculo. É assim que chegamos à Casa Bóquinhas,(2) uma taberna recatada na Rua Escura por onde os anos parecem não ter passado e onde o acolhimento é tão generoso que nos sentimos visitas em casa de família. Atrás do balcão, o Senhor Raul e a Dona Elisa servem bebidas e petiscos. Não há presunções gourmet, nem vontade de transformar uma velha taberna num falso lugar genuíno como agora há tantos. As moelas são moelas, o bacalhau vende-se à posta e o chouriço cozido em vinho, que não se chegou a provar porque era preciso retomar os trabalhos, não se disfarçam sob a capa de nomes moderninhos. Aqui não é preciso fingir uma suposta tradição porque cada canto desta casa é a própria tradição. As minis bebidas directamente da garrafa (ainda que o Senhor Raul tenha feito sempre questão de perguntar se “a senhora queria um copo”), os favaios despejados da garrafinha com carica ou as sandes de presunto tenro e sem conservantes para além dos naturais, são o lado degustativo da verdadeira vocação da Casa Bóquinhas, que é a de juntar gente, à volta de uma das mesas corridas ou de pé frente ao balcão, e deixar correr as conversas. Os dois anfitriões colaboram na missão, com o equilíbrio de quem já faz isto há muitos anos, ouvindo quando é para ouvir, participando sempre que a oportunidade se impõe. “Talvez a gente consiga dar um salto lá acima no sábado, para vermos o elefante,” diz o Senhor Raul, mesmo sabendo que é difícil fechar a porta de um estabelecimento que todas as noites se enche de gente. É assim que actores, equipa técnica e jornalista ficam a conhecer os licores caseiros feitos pela Dona Elisa e oferecidos num brinde que celebra o facto de estarmos aqui, neste presente que nunca temos como adquirido, mas que assinala também o aniversário de Pompeu José e os 40 anos de casamento da dupla que faz da Casa Bóquinhas um dos lugares mais acolhedores de Viseu.

ENTRE A IGREJA E O MUSEU O Adro da Sé é um enorme espaço quadrangular cujas pedras reflectem uma luz amena sempre que o fim da tarde chega com sol. Em frente, a Catedral, uma estratigrafia de estilos arquitectónicos que começam no século viii, com um templo paleo-cristão que lhe serviu de fundação, prosseguindo no século xiii e atravessando tempos e regimes com firmeza pétrea. De uma das duas torres se conta que terá saltado um certo João Torto, lá por meados do século xvi, equipado com um zingarelho que continha asas e engrenagens onde se guardava

(1) Casa Boquinhas, Rua Escura, Viseu - Gps: 40°39’36”N 7°54’36”W 18


o sonho ingénuo de voar como os pássaros. Como Ícaro, acabou por estatelar-se, não porque o sol lhe tenha derretido as asas, mas porque o invento não podia cumprir o fim a que se destinava — faltavam ainda alguns séculos para que o ser humano alcançasse as nuvens sentado confortavelmente dentro de uma máquina voadora, mas João Torto não tinha como sabê-lo. À direita, a Varanda dos Cónegos e o edifício que a complementa, que serão a casa do padre e os aposentos reais logo que o espectáculo comece. À esquerda, instalado no antigo Paço dos Três Escalões, o Museu Grão Vasco, ex-libris cultural da cidade e guardião de uma colecção onde se destacam as obras de Vasco Fernandes, que dá nome ao museu, e várias peças de arte sacra. Enquanto as luzes e o som para A Viagem do Elefante vão sendo montados, numa confusão de cabos que em breve desaparecerá naquele passe de mágica que só os técnicos sabem executar, o silêncio impera nas salas do Museu, por onde deambulam alguns visitantes. Numa das salas onde se expõe a arte sacra, um enorme Cristo articulado destaca-se na parede. O rosto de madeira tem as marcas esperadas do sofrimento, mas o corpo de marioneta causa estranheza, como se a solenidade iconográfica de um Cristo não coubesse no gesto teatral revelado pelas articulações dos seus membros. A legenda esclarece a origem da peça: construído no século xiii, este era o Cristo que se utilizava nas representações do Auto do Descimento da 19

Atrás do balcão, o Senhor Raul e a Dona Elisa servem bebidas e petiscos. Não há presunções gourmet, nem vontade de transformar uma velha taberna num falso lugar genuíno como agora há tantos. As moelas são moelas, o bacalhau vende-se à posta e o chouriço cozido em vinho, que não se chegou a provar porque era preciso retomar os trabalhos, não se disfarçam sob a capa de nomes moderninhos.


Cruz, encenadas durante a semana da Páscoa. Lá em baixo, em frente à Sé onde os músicos já ensaiam as canções que acompanham A Viagem do Elefante, o cornaca há-de proferir, sentado no cucuruto de Salomão, a frase que lhe valerá uma ameaça quando responde à acusação de estar a contar histórias da carochinha sobre o panteão do hinduísmo: “Como aquele que tendo morrido, ressuscitou ao terceiro dia…” O Cristo articulado do Museu Grão Vasco entra, então, neste espectáculo sem nunca se afastar da parede onde repousa. A história que se contaria no Auto do Descimento da Cruz cruza-se com a fala do cornaca, com a linhagem dos deuses hindus que este invoca para falar de um outro elefante, com a eterna necessidade que o ser humano tem de contar histórias, reais, imaginadas, simbólicas. Não é outra a vocação desta viagem, a de Salomão e a da companhia teatral que lhe dá vida.

lojas alinham-se com cuidados de casa arrumada. Drogarias, mercearias, vendas de sementes e bolbos para a agricultura, tudo aprumado no desejo de revitalizar uma das artérias mais emblemáticas da cidade. Continuando a descida, com um desvio pela antiga Rua das Bocas para ver de perto as gárgulas que ninguém sabe de onde vieram e que rematam o telhado de uma casa agora em franca ruína, alcança-se a Rua D. Francisco Alexandre Lobo. Na montra da Confeitaria Amaral(4) exibem-se broas, bôlas e fogaças numa espécie de resistência gulosa à normalização do pão e à sua transformação em pedaços de farinha cozida e sem graça, com toda a espécie de aditivos que nunca fizeram parte de qualquer receita original. Aqui, pelo contrário, cada pão de azeite, broa ou bolo oferece ao olhar a certeza de uma massa batida por quem sabe do ofício. Paula Seabra, uma das trabalhadoras da casa que abriu as portas em 1955 para nunca mais apagar os fornos, gaba tudo o que está na montra, mas recomenda a fogaça de mel: “Isto dura uma semana sem perder a consistência nem o sabor.” Com o detalhe de quem conhece bem aquilo que vende, explica o processo de fabrico: “A fogaça de mel é feita com a mesma massa do pão de azeite, mas a meio da cozedura é tirada do forno, leva uns cortes em cima e é regada com mel fervido. Depois volta ao forno.” O resultado é uma massa consistente onde o salgado e o doce convivem e concorrem para a felicidade geral das papilas gustativas. Viriatos, castanhas de ovo ou pastéis de feijão também são tentadores, mas é a fogaça de mel que ruma a Lisboa na bagagem, prolongando por mais uns dias a viagem por Viseu. E não há desilusão: cinco dias depois, a massa está como no primeiro dia, tão boa que fica por descobrir se aguentaria uma semana.

UM ESPECTÁCULO À BEIRA DE NASCER

Abandonando o Adro da Sé por algumas horas, deixando cada membro da Acert entregue às suas tarefas de montagem e preparação, desço ao centro da cidade pelas ruas que conduzem à Câmara Municipal. Na Rua Direita,(3) que é toda curvas e contra-curvas, as

Poucas horas antes do espectáculo, o Adro da Sé já tem o aspecto de um palco. Estacionado no canto onde iniciará a sua viagem desta noite, Salomão parece observar a azáfama de actores e técnicos com a mansidão preguiçosa dos justos. Talvez já conheça o seu fim e espere apenas que os homens e mulheres que com ele hão-de contracenar guardem a experiência para o resto das suas vidas. A mesma esperança têm os participantes do espectáculo que por aqui andam, esperando o momento de serem caracterizados e vestidos com os figurinos da peça. Elisa, que integrará o grupo das espanholas que recebem Salomão em festa, confessa que no primeiro dia de ensaios estava um pouco receosa: “Nunca tinha feito teatro e fiquei com algum medo, sem saber se estaria a fazer as coisas bem, mas depois passou tudo e

( ) Rua Direita, Viseu; Gps: 40º39’31.4”N 7º54’38.8”W

( ) Confeitaria Amaral; Gps: 40°39’23.6”N 07°54’41.6”W

NAS RUAS DE VISEU

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agora estou a adorar.” No mesmo grupo, Célia e Liliana antecipam o fim do espectáculo com alguma tristeza, confessando que depois do fim vão sentir falta das suas personagens, e sobretudo de Salomão. “A parte que mexeu mais com toda a gente durante os ensaios foi a morte do elefante. A gente apega-se a ele e depois é uma tristeza,” diz Liliana, já com os olhos a adivinharem as lágrimas que depois se verão, quando as luzes do Adro da Sé se apagarem e Salomão fizer as suas despedidas de Viseu. Já sem público nem participantes no Adro da Sé, a equipa da Acert inicia a desmontagem do palco de rua. Peça por peça, Salomão regressa à sua condição de animal pela metade, de modo a regressar à zorra por entre os estrados e os ferros que só voltarão a ser usados dentro de duas semanas, em Penalva do Castelo. Por entre o barulho das marretas e o arrastar de estrados, não se vê qualquer diferença entre actores e técnicos: cada um tem o seu par de luvas de trabalho e todos contribuem para o regresso à normalidade do largo onde Salomão já não está. De madrugada, não restarão vestígios visíveis da passagem do paquiderme e da sua comitiva por Viseu, mas tudo indica que Salomão tão cedo não será esquecido pela cidade. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS 21

Estacionado no canto onde iniciará a sua viagem, Salomão parece observar a azáfama de actores e técnicos com a mansidão preguiçosa dos justos.


PENALVA DO CASTELO, 3 A 7 DE JUNHO DE 2014

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P E N A LVA D O C AS T E LO

A Casa da Ínsua (1) domina a entrada de Penalva do Castelo. Construída no século xviii por Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, governador de Cuiabá e Mato Grosso, no Brasil, a Casa da Ínsua é um enorme solar beirão que ocupa o local onde um outro edifício já havia vivido a sua imponência, esse construído por João de Albuquerque e Castro, alcaide-mor de Sabugal. O peso senhorial e a distinção arquitectónica são visíveis de onde quer que se observe o complexo, actualmente ocupado por uma unidade hoteleira, mas mantendo as suas características e permitindo visitas a quem queira conhecer um pouco da história local. Entre a arrumação floral do jardim francês e o pomar de maçãs Bravo de Esmolfe, o passeio revela a imponência senhorial da Casa da Ínsua e a beleza dos terrenos que a rodeiam, mas há mais para ver nesta localidade. À volta de Penalva, deixando para trás a Ínsua e o núcleo urbano, importa não esquecer o património megalítico que se espalha pelo território, nem os vestígios das eras que se foram sucedendo, deixados para o presente que nos coube. Os ensaios da tarde já decorrem no centro da vila, na sede da Filarmónica, mas por agora deixemo-nos ficar com os fotógrafos neste périplo pelo concelho, conhecendo a terra e as gentes que a habitam e percebendo as relações possíveis entre A Viagem do Elefante, o quotidiano e a história de cada sítio por onde passa Salomão. Se há característica deste espectáculo, e do trabalho da Acert em particular, é a certeza de que nada é linear nem feito de apenas um gesto e A Viagem do Elefante é a peça que decorrerá no sábado à noite, no Largo da Misericórdia,(2) mas igualmente a montagem do espaço cénico, os ensaios com actores e participantes e os outros objectos que vão sendo criados à medida que Salomão avança por terras de Viseu Dão Lafões: fotografias, desafios que envolvem associações, Câmaras Municipais e outras instituições, anotações para um livro que dará a ver um pouco desta viagem. Chegar aos locais que queremos visitar nem sempre é fácil e, se para alcançarmos a Anta do Penedo do Com (3) basta ignorar o pó de uma estrada de terra batida, chegar ao Mosteiro do Santo Sepulcro (4), um complexo monástico cujas origens se confundem com as da ( ) Casa da Ínsua; Gps: 40°40’34”N 7°42’22”W ( ) Largo da Misericórdia; Gps: 40°40’26.9”N 07°42’02.3”W ( ) O acesso a este sítio faz-se através de um estradão com início entre o 2.º e 3.º Km da Estrada Municipal 570, que dirigindo-se para a “Tapada do Monte” passa pela “Quinta da Ribeira Oronho” e ribeira de Sezures. ( ) A 4,2km de Penalva do Castelo seguindo a en 329 em direcção à Rua do Casainho - Mosteiro do Santo Sepulcro - Trancozelos,

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nacionalidade, é uma autêntica jornada silvestre. Deixado o carro à beira da estrada, um pouco adiante da ponte medieval que cruza o Dão, é preciso atravessar corajosamente um matagal onde se mistura feno, erva alta e algumas silvas (e onde a ameaça de uma ou outra aranha de tamanho invulgar começa a fazer tremer quem escreve). Uma catana seria a ferramenta mais apropriada para chegar a bom porto, mas connosco só levamos as máquinas fotográficas. Belíssimo exemplar da arquitectura monástica da época, o Mosteiro do Santo Sepulcro resiste de pé, ainda que com parte do telhado desfeita e com as paredes de pedra a ameaçarem esboroar-se. Em frente à porta, um espaço que terá sido um adro e que hoje é apenas a continuação do matagal envolvente, algumas casas resistem ao passar do tempo, mas o estado de ruína é notório. De regresso ao pomar de maçãs Bravo de Esmolfe cultivado na Casa da Ínsua, o cenário é o oposto. Cuidadosamente alinhadas e tratadas, as macieiras exibem os seus frutos ainda em desenvolvimento, uma espécie de miniaturas das maçãs que hão-de estar no seu apogeu em Setembro, mas onde já se adivinham o aroma e o sabor característico desta espécie. Como explica o Sr. Rogério da Silva Craveiro, Presidente da Junta de Freguesia de Esmolfe, “estas maçãs surgiram pela primeira vez em Esmolfe, não se sabe bem há quanto tempo, e distinguem-se das outras pelo sabor e pelo cheiro, estando provado que


são as maçãs com maior quantidade de anti-oxidantes que se conhecem. Por outro lado, são maçãs que pedem paciência, porque quando chegam ao estado de maturação, começam a cair e têm de ser colhidas com muito cuidado, para não as estragar.” Como todas as coisas realmente boas, as maçãs Bravo de Esmolfe pedem tempo, dedicação e cuidado, gestos que serão recompensados lá para Setembro. Antes disso, resta-nos antecipar o sabor inconfundível e invejar Salomão por ter podido trincar algumas maçãs extemporâneas, ainda que só para a fotografia.

CASTIGO DO CÉU? A chuva que começou de mansinho pela manhã instalou-se em força à hora do almoço de sexta-feira, comprometendo a realização do ensaio geral marcado para a noite e ameaçando o espectáculo do dia seguinte. Durante toda a tarde, a equipa da Acert atarefou-se em telefonemas e resoluções, tentando minimizar os estragos e chegando a pensar na hipótese de adiar a função para domingo. Ao fim da tarde, com o espaço da Filarmónica ocupado, o Presidente da Câmara Municipal de Penalva do Castelo disponibilizou o átrio dos Paços do Concelho para o ensaio e a decisão da equipa, com esperança nas informações da meteorologia, foi a de manter a data de sábado, pedindo aos participantes o esforço suplementar de fazerem o ensaio geral à tarde, no largo da igreja, poucas horas antes do espectáculo. As palavras de incentivo de José Rui Martins são notoriamente bem acolhidas pelos participantes: “Era o que faltava que o trabalho de uma semana fosse prejudicado por causa de uma chuvita.” A chuva não é assim tão pouca, mas percebe-se o gesto colectivo de a ignorar; afinal, desde terça-feira que os participantes locais, em conjunto com a equipa da Acert, gas-

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tam parte do seu dia na preparação e nos ensaios de A Viagem do Elefante. O entusiasmo e a dedicação postas em cada ensaio são óbvios e seria devastador assumir, com o padre desta história, que um “castigo do céu” pudesse aparecer para destruir tanta generosidade. O esforço também será a dobrar para a equipa técnica, que terá de montar os equipamentos durante a noite, assim que a chuva amainar, para depois fazer a afinação das luzes. Será uma jornada hercúlea, mas Salomão não há-de ficar sem a sua viagem por Penalva do Castelo. Por volta da meia-noite de sexta-feira, e tal como os serviços meteorológicos haviam previsto, as nuvens começam a dissipar-se. Apesar disso, a equipa técnica não poderá fazer o ajuste das luzes durante a noite, como acontece sempre, porque o risco de estragar o material com a chegada de mais chuva é grande. As luzes terão de ser desenhadas sábado de manhã, tarefa inglória para os técnicos, porque a concorrência da luz do sol é desleal. Salomão e os actores terão de ser iluminados de improviso, tarefa que acaba por sair bem, tendo em conta as contingências e graças à persistência sabedora de Paulo Neto, Luís Viegas e a equipa da Stageland que acompanha esta viagem.

MEMÓRIA DE ELEFANTE Nas paredes dos Paços do Concelho, uma exposição recolhe fotografias dos habitantes das diferentes freguesias de Penalva do Castelo desde o início do século xx até hoje. Para além das imagens que estão nas paredes, cujas legendas revelam gente que vai sendo reconhecida por vizinhos e descendentes de várias gerações, dois cavaletes exibem com destaque uma série de retratos de soldados na Guerra Colonial. São fotografias enviadas por dezenas de homens para uma única madrinha de guerra, Dona Arminda Campos. Um dos participantes do espectáculo, César Carvalho, que será cavaleiro do exército português durante A Viagem do Elefante, conta a história de Dona Arminda. Nascida numa família de escassos recursos económicos e sofrendo de paraplegia, Arminda Campos passou parte considerável da sua vida internada numa instituição que lhe assegurava os cuidados básicos. A história que a tornou conhecida para lá das fronteiras do concelho foi a do milagre que, numa ida a Fátima, lhe terá devolvido a locomoção, novamente perdida uns anos mais tarde na sequência de uma queda. Se o milagre só fará sentido para quem partilhe a mesma fé de Dona Arminda, já o modo como dedicou a sua vida a ajudar quem precisava tornou-se elemento da memória colectiva das gentes de Penalva e arredores. Os soldados a quem dirigiu palavras de apoio, sabendo-os atirados para uma guerra dura e sem sentido, as pessoas que procuraram o seu apoio moral em momentos difíceis, as que lhe escreveram ou telefonaram para que ouvisse as suas histórias e lhes desse, em troca, um conselho amigo, todas elas guardaram a imagem e a força de uma senhora que, sem poder levantar-se da 24


Chegar aos locais que queremos visitar nem sempre é fácil e, se para alcançarmos a Anta do Penedo do Com basta ignorar o pó de uma estrada de terra batida, chegar ao Mosteiro do Santo Sepulcro, um complexo monástico cujas origens se confundem com as da nacionalidade, é uma autêntica jornada silvestre.

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guesias nos ensaios diários de A Viagem do Elefante, as que aceleram o trabalho dos canteiros da Câmara Municipal no arranjo das pedras do coreto e dos degraus da igreja (que estarão novos em folha a tempo da Viagem), as que garantem que a chuva não há-de interromper o processo de montar um espectáculo na praça central da vila contando, para isso, com o trabalho comum de todos quantos queiram dar uma mão. E são muitos a fazê-lo.

QUE COMECE O ESPECTÁCULO

cama onde passou cerca de meio século, evitava os queixumes e ocupava o tempo com o bem-estar alheio. Falecida há pouco mais de uma década, Dona Arminda integrou a memória local com aquela presença constante que se reserva para as pessoas muito acarinhadas, aquelas que mesmo depois de desaparecerem continuam a estar presentes à volta da mesa ou nos momentos extraordinários que a comunidade partilha. De um certo modo, a memória de Dona Arminda guarda-se por estas terras com o mesmo afecto com que os soldados portugueses de A Viagem do Elefante guardaram a sua viagem com Salomão e o cornaca Subhro de Lisboa até Valladolid, sabendo que não voltará a repetir-se mas tendo a certeza de que não seriam os mesmos depois da despedida.

UM ELEFANTE NO MEIO DA PRAÇA Penalva do Castelo é uma terra pequena, dois mil habitantes espalhados pela vila e cerca de oito mil no total das suas freguesias. Quando procuro a ajuda de duas senhoras que conversam à porta de uma sapataria para encontrar o caminho para a feira semanal, sou imediatamente identificada como alguém que “deve estar com o elefante,” frase que ouço quando já estou a caminho do Fundo da Vila, uns passos depois da conversa. Não há nenhuma crítica neste comentário e da simpatia das duas senhoras vou lembrar-me sempre, mas as palavras deixam adivinhar que será difícil um forasteiro passar despercebido nestas paragens onde toda a gente conhece os vizinhos e os cumprimenta. Mais do que isso, são palavras que confirmam que a presença de Salomão no largo da igreja se faz notar e que o paquiderme de ferro e vimes entrelaçados configura um momento extraordinário no quotidiano de Penalva e das suas gentes, não porque nada mais aconteça por aqui, ao contrário da ideia feita e tantas vezes sustentada por terras maiores e com mais oferta cultural, mas antes porque em Salomão se reúnem muitas forças, as que fazem convergir gente de várias frePENALVA DO CASTELO, 3 A 7 DE JUNHO DE 2014

No dia do espectáculo, actores e participantes reúnem-se depois do almoço para o ensaio geral possível. Tudo corre bem, mas a ansiedade é visível nos membros da equipa. Os detalhes que costumam estar resolvidos logo na sexta-feira à noite ainda estão por fazer no sábado à tarde: a torcida que fará arder o elefante à passagem do Arquiduque Maximiliano por Trento está por colocar, bem como o fogo de artifício e outros adereços. O desafio é grande e o tempo está a esgotar-se, mas a contra-regra, Adriana Ventura, com a ajuda de Pompeu José, tratará de tudo em tempo recorde enquanto actores e participantes se preparam. No espaço da Filarmónica, dividido entre uma sala para figurinos e caracterização e outra para uma refeição volante, o burburinho é o costumeiro nas horas que antecedem o espectáculo. Os participantes locais, que aguardam a sua vez de serem caracterizados, vão fazendo comentários sobre os que já têm a cara pintada e os figurinos vestidos. O facto de saberem que dentro de poucos minutos estarão, também eles, pintados e vestidos com roupas que não são as suas não impede a brincadeira. À porta da Filarmónica, quem está pronto para entrar em cena procura descontrair. É aí que encontramos António Pereira, da freguesia de Trancozelos, um dos mais dedicados participantes desta passagem de A Viagem do Elefante por Penalva do Castelo. A traba-

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lhar na construção civil desde os 12 anos, António decidiu retomar os estudos, tendo concluído o 9.º ano e estando, agora, a caminho de terminar o 12.°. Foi a professora Elisabete Cancelas que lhe falou de A Viagem do Elefante, cuja história nem sequer conhecia. “Participar está a ser uma aventura e daqui por uns anos também gostava que os meus filhos e os meus netos quisessem participar numa coisa assim, dinamizar o concelho, que é um bocadinho pobre. Temos de fazer coisas em conjunto, porque um sozinho não faz nada; por isso é que estou aqui. Estou a gostar muito e a fazer o melhor que posso. Não quero deixar mal os que nos estão a ajudar a participar, nem quero fazer figura triste. A gente há-de aprender até morrer.” Quando o bombo de Rui Lúcio assinala o início da função, tudo está no seu devido lugar. Rodeado por aqueles que irão lavá-lo a uma ordem do Rei de Portugal, Salomão não tem vestígios da desolação ensopada em que passou o dia anterior e nenhum dos intervenientes parece afectado pela correria e as decisões urgentes que ocuparam toda a gente nas últimas horas. O desenho das luzes ao longo do espectáculo não será o habitual, preciso, cuidadosamente pensado e tirando partido da volumetria do elefante e da sua conjugação com os edifícios que o rodeiam, mas o público espalhado pelo espaço do Largo da Misericórdia não dará por nada. O espanto de ver Salomão deslocar-se pela primeira vez, os risos no momento em que o padre leva um coice e é arrastado para a casa da bruxa que o há-de curar, a tristeza suspirada colectivamente quando as patas e a tromba de Salomão são cortadas para satisfazer os capri27

Salomão não tem vestígios da desolação ensopada em que passou o dia anterior e nenhum dos intervenientes parece afectado pela correria e as decisões urgentes que ocuparam toda a gente nas últimas horas. chos de quem achou boa ideia manter um elefante fora do seu ambiente natural, tudo é vivido sem suspeitas de que este espectáculo esteve quase a ser adiado. Um só imprevisto acontece no decorrer da viagem de Salomão, e nem esse impede a chegada da equipa e dos participantes a bom porto: a burra Boneca, tão mansa e meiga como o seu tratador a apresentou, não está habituada a transportar pessoas na garupa, por isso estranha o momento em que o cornaca se senta no seu dorso à espera de ser levado de regresso a Lisboa. Uma burra de patas fincadas no solo e cabeça baixa é um obstáculo tão difícil de contornar como uma chuvada torrencial caindo sobre o espaço de cena e respectivos equipamentos, mas nem aqui o espectáculo vacila. Com a intervenção sabedora (e musculada) do Luís Mirtilos, o actor que conduz a burra, Boneca acabará por cumprir o seu papel, atravessando a cena com o cornaca às costas em direcção ao final de uma história que voltará a ser contada dentro de uma semana, num outro espaço e com novos participantes. Nem que chovam canivetes. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO CARLOS TELES E RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS


CANAS DE SENHORIM, NELAS, 10 A 14 DE JUNHO DE 2014

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C A N AS D E S E N H O R I M N E L AS Na estrada de Nelas para as Caldas da Felgueira, a paisagem vai acrescentando elementos essenciais à aula de Geografia que os percursos desta digressão têm oferecido. Com as montanhas da Serra da Estrela ao fundo, o caminho atravessa vales de onde sobressaem os relevos de enormes pedras, como se a terra as fizesse nascer à semelhança das árvores e de outras plantas numa produção infindável. O planalto beirão que Orlando Ribeiro descreveu na obra-prima que é Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico tem nestes caminhos a sua ilustração, mas porque o geógrafo que nos ensinou a olhar para o mundo sem ver apenas água, terra e ar sabia que as pessoas pertencem à terra onde nasceram, ou àquela que as acolhe, com a mesma determinação das árvores e das pedras, o caminho leva-nos ao encontro de gente que nos receberá de braços abertos e com vontade de partilhar as histórias e os segredos destes lugares. Entre campos de cultivo e as margens de vegetação bravia do Mondego, o edifício das Caldas da Felgueira (1) e o Grande Hotel compõem um espaço onde reina o sossego. As termas oferecem tra-

( ) Av. António Marques, Caldas da Felgueira, Canas de Senhorim; Gps: 40°29’19.7”N 7°51’46.6”W

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tamentos para o reumático e os problemas respiratórios, estes últimos ganhando um sentido mais intenso numa área onde as doenças pulmonares que afectaram tantos mineiros são, ainda hoje, um drama por resolver. Talvez estes homens, com os pulmões tão massacrados pelas poeiras das minas, não tenham tido muitas oportunidades de experimentar as terapias da Felgueira, mas se o tivessem podido fazer teriam encontrado um cenário cinematográfico. Nos corredores do edifício das termas, as imagens do filme Charlot nas Termas ganham corpo e não é difícil imaginar a personagem do grande Charlot em acção, acrescentando um pouco de licor às águas dos tratamentos e garantindo um divertimento, digamos, mais intenso aos pacientes… Mas descansem os utentes da Felgueira, que a imagem de Charlot é apenas um delírio momentâneo. Aqui, tudo está devidamente organizado para que a água seja apenas termal e o descanso silencioso.

MUITAS MÃOS, O MESMO GESTO Na sede da Associação Cultural Canto e Encanto, José Rui Martins ensaia teatralmente com o grupo coral coordenado por Cristovão Ramalho, que participará no espectáculo. Homens e mulheres habituados à harmonia de vozes aceitam o desafio de aprender, em muito pouco tempo, as duas canções que interpretarão em conjunto com os músicos do elenco. Afinadas as vozes, os membros do coro vão saindo, preparando-se para o regresso a casa, e a muitos metros da sede ainda se encontram pequenos grupos de pessoas que caminham pela noite trauteando as músicas que acabaram de aprender. No sábado, não haverá falhas. Os ensaios com os participantes locais decorrem num espaço do quartel dos Bombeiros Voluntários de Canas de Senhorim. À semelhança do que tem acontecido em todos os lugares por onde Salomão vai passando, entre os muitos que participam nesta viagem há gente de todas as idades, trabalhadores agrícolas e empregados de escritório, gente que nunca experimentou fazer teatro e gente que sempre quis pisar um palco, voluntários dos bombeiros, integrantes do Teatro Hábitos, do rancho folclórico Rosas do Mondego, de Vale de Madeiros, e até um vereador da Câmara Municipal de Nelas, que há-de ser um dos cavaleiros austríacos quando o elefante começar a sua viagem.


liza quem cá vive e quem está fora, todos juntos no despique dos carros alegóricos, todos contribuindo para dar vida a uma das passagens obrigatórias do ciclo anual da terra. De um certo modo, será com um contributo colectivo semelhante que Salomão poderá iniciar o seu caminho entre Lisboa e Viena quando a noite de sábado cair sobre a vila.

UM GIGANTE NA PAISAGEM Nos terrenos à volta da Minas da Urgeiriça,(3) as casinhas do bairro dos mineiros guardam memórias da dureza do trabalho, mas também muitas histórias de amizade, crescimento, aprendizagem, paixões. Na Casa do Pessoal, um grupo de antigos mineiros recebe-nos generosamente na sala de reuniões, sem levar a mal a interrupção da ordem de trabalhos. António Minhoto, ex-trabalhador da mina e dirigente sindical, explica que não é a melhor altura para nos levar a conhecer o espaço, mas logo nos convida a integrar uma visita guiada que decorrerá no sábado e será nesse dia que a mina vai revelar alguns segredos. Longe do núcleo de casas baixas e ruas empedradas do centro, um vulto parece crescer na paisagem. É uma das torres das minas da Urgeiriça, uma espécie de sombra que só revela a sua estrutura quando fugimos do contra-luz. Aqui se extraiu minério ao longo de parte considerável do século xx, começando com o rádio, a partir de 1913, e prosseguindo com o urânio, a partir de 1991. Gerações de mineiros No percurso entre o Largo Abreu Madeira,(2) onde decorrerá o espectáculo, e a sede dos Bombeiros as muitas caminhadas diárias para acompanhar os ensaios e a montagem do espaço cénico permitem perceber que o centro histórico da vila é uma pequena maravilha patrimonial, resguardada entre campos de cultivo e a zona urbanística moderna. As ruas empedradas lembram as vias romanas, que também por aqui passaram, e arrumam nas suas margens um belo núcleo de casas de granito, algumas humildes, outras revelando a origem senhorial que, em muitos casos, se mantém. Veja-se a Casa Abreu Madeira, um solar que dá nome ao largo fronteiro, cujo complexo inclui o enorme edifício central, com um pátio que só se vislumbra quando os grandes portões exteriores estão abertos, a capela, as antigas cavalariças e várias outras construções que ocupam todo o espaço do largo. À noite, no convívio à volta da mesa num dos muitos cafés da vila, alguns dos participantes locais falarão do Largo Abreu Madeira com orgulho de quem reconhece a beleza do conjunto e o potencial que tem como ex-libris da terra. Confirmando que a solenidade e a festa são igualmente importantes na vida de qualquer comunidade, é o mesmo orgulho que assumem quando falam sobre o Carnaval de Canas de Senhorim, um momento que mobi-

( ) Largo Abreu Madeira, onde fica situada a casa com o mesmo nome;

Gps: 40°30’12.3”N 07°54’13.9”W

CANAS DE SENHORIM, NELAS, 10 A 14 DE JUNHO DE 2014

Gerações de mineiros trabalharam entre estas torres e muitos deixaram aqui a sua saúde, com os pulmões armadilhados pelas poeiras tóxicas e pelo desconhecimento

( )

Minas da Urgeiriça; Gps: 40° 29’ 24.9”N 07° 54’ 20.3”W

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ros se debatiam com a escuridão dos túneis. Tempos passados, claro, mas de certo modo ainda ecoando as histórias que nos trouxeram até aqui.

O TESOURO DA SERRA

trabalharam entre estas torres e muitos deixaram aqui a sua saúde, com os pulmões armadilhados pelas poeiras tóxicas e pelo desconhecimento generalizado que impediu medidas de segurança adequadas durante tanto tempo. O espaço tem sido objecto de um processo de descontaminação e agora prevê-se a musealização de parte do complexo, de modo a que os visitantes possam conhecer um dos espaços mais relevantes do nosso património industrial. Olhando para a beleza da paisagem envolvente e para a melancolia de ferro destas torres, resta-nos esperar que a descontaminação seja total e que aqui nasça um lugar capaz de acolher as memórias dos que por cá passaram. A poucos metros da mina, ergue-se o monumental Hotel Urgeiriça ,(4) onde a equipa do Trigo Limpo teatro Acert está instalada por estes dias. O edifício, cuja construção se iniciou, pela mão de Charles Harbord (oficial do exército inglês), nos anos 30 do século passado, guarda uma história onde cabem personalidades da política, da finança e dos negócios. A decoração inglesa contrasta com a visão do maciço florestal, criando a estranha sensação de estarmos a dormir numa casa senhorial de outras paragens, mas com a porta aberta para os penedos beirões. Mais estranho é saber que dormimos no mesmo sítio onde descansavam os ingleses que negociavam com urânio enquanto os minei-

( ) Hotel Urgeiriça, Canas de Senhorim; Gps: 40°30’48.0”N 7°53’31.9”W 31

“O queijo da Serra da Estrela deve comer-se à fatia, e não à colher.” Esta é a primeira lição que recebemos do Senhor Jorge Armando, queijeiro apaixonado e conhecedor profundo de uma arte que implica dedicação e paciência: “O queijo é um ser vivo, com as suas bactérias, é um trabalho de descoberta e paciência. Com quem aprendi muito sobre a arte do queijo foi com os pastores e com as queijeiras da Serra, porque, pouco tempo depois de começar a fazer queijo, acabei a dirigir uma pequena cooperativa de produtores.” Antes de criar a queijaria Quinta da Lagoa,(5) onde nos recebeu, Jorge Armando tinha outra profissão: “Fui metalúrgico durante 28 anos, aqui em Canas, nos fornos eléctricos. Quando os fornos fecharam, passei a ser ovinicultor, porque os meus pais já tinham um pequeno rebanho e faziam queijo, mas só para consumo doméstico.” Apesar de não estarmos nas aldeias serranas que nos habituámos a associar à produção de queijo, a Serra da Estrela está aqui mesmo ao lado e Nelas é um dos concelhos que integra a zona de Denominação de Origem Protegida deste tesouro da gastronomia nacional. Seguindo os ensinamentos de quem sabe, provamos o queijo à fatia. O centro, cremoso, ordena imediatamente ao cérebro que coloque as papilas gustativas em funcionamento pleno, deixando-nos a pensar nos maus motivos que nos levarão a comer queijos sem sabor quando temos estes aqui tão perto. A acompanhar o queijo, vinho tinto. É que não estamos apenas em terras do queijo serrano, mas igualmente do vinho do Dão, facto comprovado pela visão regular de vinhas que defi-

( ) Rua da Escola, 107, Vale de Madeiros, Canas de Senhorim; Gps: 40° 29’ 26.1”N 7° 52’ 51.4”W


Entre campos de cultivo e as margens de vegetação bravia do Mondego, o edifício das Caldas da Felgueira e o Grande Hotel compõem um espaço onde reina o sossego.

nem a paisagem, pelas cooperativas vinícolas que vamos encontrando entre Nelas e Canas de Senhorim, mas sobretudo pelo copo cheio de um néctar encorpado e aromático que acompanha quase todas as refeições da equipa. Se os cardiologistas já reconheceram o benefício do consumo moderado de vinho, a nós resta-nos reconhecer a felicidade de esse consumo moderado se fazer com um vinho tão saboroso. Antes do queijo amanteigado e do vinho, experimentámos o requeijão, primeiro a solo, depois com um pouco de doce de framboesa, em ambos os momentos confirmando que nenhum dos sucedâneos de supermercado merece, sequer, o nome de requeijão. A calma com que o Senhor Jorge nos explica o processo que transforma o leite em queijo é a mesma com que comentará A Viagem do Elefante no sábado à noite, depois do espectáculo. “O elefante é, de facto, uma máquina imponente,” diz-nos, antes de apresentar o seu filho, criador de cavalos, que atesta a boa interpretação de Pedro Sousa quando, na pele de mensageiro do rei, atravessa o espaço cénico cavalgando sem animal: “Anda como um verdadeiro cavalo, sim senhor.”

UM CENÁRIO SEM IGUAL O problema de acompanhar uma companhia como a Acert numa viagem como esta é sentir que o estreitar dos laços ameaçam a CANAS DE SENHORIM, NELAS, 10 A 14 DE JUNHO DE 2014

objectividade que se impõe ao trabalho de repórter. Alguns sinais já tinham feito soar o alarme, logo em Viseu, quando a equipa se juntou para celebrar o aniversário do cornaca de Salomão, António Rebelo, assim como nas viagens de carro entre Viseu e Tondela com membros da equipa ou na partilha de várias conversas à volta de uma mesa de café. Em Canas de Senhorim, no momento em que o gerador rebenta deixando o ensaio geral no mais completo breu, a jornalista tropeça na ansiedade e fica tão desesperada como a equipa da Acert e os participantes locais. É nesse mesmo momento que se decide, a bem da deontologia e da respiração afectiva que esta viagem exige, que o melhor é assumir o registo cronístico. Mantém-se o rigor no relato dos acontecimentos e no contacto com as pessoas que irão compondo este livro, mas liberta-se a mão e o coração para o resto. E o resto é, por agora, o gesto colectivo e dedicado de continuar o ensaio às escuras. As luzes do espectáculo não funcionam sem gerador e a iluminação pública está desligada para não interferir com o ensaio, pelo que a escuridão é quase total. Também não há microfones, nem qualquer espécie de amplificação sonora, pelo que as falas dos actores e as canções acontecem apenas com o auxílio da boa e velha caixa torácica. Ainda assim, ninguém pára. Luis Pastor instala-se com o seu timple (parente do cavaquinho nas Canárias) num degrau junto à cena, de modo a que a música seja audível, 32


e logo os outros músicos se lhe juntam. Carlos Peninha, com a guitarra, e Miguel Cardoso, com o baixo, sentam-se nos estrados onde Rui Lúcio improvisa a percussão. Luísa Vieira tem a vida facilitada pela leveza da flauta, mas até o violoncelo de Lydia Pinho é deslocado para o novo espaço da orquestra. Na noite do espectáculo, já com um novo gerador a assegurar a energia necessária, o Largo Abreu Madeira enche-se de gente da terra e arredores. Visto do portão das cavalariças, o cenário que acolhe Salomão e os que com ele viajam é espantoso. Com cerca de três séculos

de história e várias gerações de habitantes, dir-se-ia que a Casa Abreu Madeira foi erguida também a pensar neste momento, tal é a harmonia que as suas formas, volumes e elementos decorativos assumem perante o texto e a encenação desta Viagem do Elefante. O trabalho que a equipa técnica fez durante a noite de sexta-feira, afinando luzes e focos de acordo com os momentos da narrativa, mostra que valeu a pena o serão. Junto às cavalariças, poucos minutos antes de a função se iniciar, um cão branco surge por entre a multidão e deita-se aos meus pés. Não sairá até que Salomão chegue à Áustria e se despeça da vã glória que quiseram dar-lhe por algum tempo. Sem interromper o espectáculo, parece vir confirmar que em todas as terras por onde passa o elefante, há um cão a zelar pela sua viagem. Tudo será coincidência, claro, até porque cães à solta em terras pequenas não é exactamente algo que se estranhe, mas não deixa de ser curioso lembrar o quanto José Saramago gostava de cães. Depois dos aplausos finais, uma senhora aproxima-se da contra-regra, Adriana Ventura, e com a voz emocionada agradece o facto de “terem trazido este espectáculo tão bonito aqui a Canas.” Salomão ainda não partiu para o próximo destino e já parece deixar saudades. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS

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OLIVEIRA DE FRADES, 17 A 21 DE JUNHO DE 2014

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OLIVEIRA DE FRADES

No caminho entre a paragem das camionetas e o Largo da Feira, Oliveira de Frades começa por surgir como uma vila de contrastes. Numa rua, os prédios que se alinham podiam ser os de qualquer outro lugar do país, em vários tons de castanho, com as janelas arrumadas em caixilhos de alumínio, sem identidade que os defina. Assim que se curva em direcção ao Largo da Feira,(1) o cenário é já outro e a vista que se oferece a quem chega é a de uma vila do interior, com as casas baixas, os cafés e o arvoredo que aconchega Salomão, imponente e mudo num dos cantos do largo. Mais tarde, visitando o Museu Municipal,(2) há-de confirmar-se que identidade e história não são coisas que faltem a este concelho. Os prédios à chegada foram só uma distracção, porque o que agora se oferece ao olhar é um centro histórico pequeno mas bem reconhecível, com a igreja, as casas de granito e um pequeno largo. No museu, os artefactos encontrados em escavações nos muitos monumentos megalíticos, os vestígios romanos ou as alfaias dos diferentes ofícios que foram moldando a terra e quem nela vivia oferecem ao visitante um percurso completo e bem informado sobre a história local. Numa velha Renault 4l, Filipe Soares, da Câmara Municipal, leva-me a visitar o Dólmen de Antelas ,(3) um monumento único pelo facto de manter a sua estrutura completa e de guardar, no interior, pinturas geométricas com representações abstractas e figurativas. A visita obriga a trazer a chave da porta do monumento que se guarda no Museu Municipal e a caminhar com as costas dobradas, porque a câmara do dólmen é baixa. Pior do que isso, há que vencer o medo das aranhas, habitantes naturais de recantos de pedra entre o verde do bosque. Tudo isso vale a pena, porque não haverá outro monumento como este em Portugal, algo que se confirma pelo número de turistas que vêm de vários pontos do país, e até do estrangeiro, para o conhecer. No regresso ao centro de Oliveira de Frades, ainda há tempo para estacionar por alguns minutos junto à igreja de Pinheiro,(4) lugar de onde se avista a Linha do Vale do Vouga e a Estrada Nacional 16, duas vias de comunicação essenciais na história deste concelho. Mais adiante, a Ponte Luís Bandeira descansa à espera do destino que lhe traçaram. Foi a primeira ponte em betão armado do país, algo que, na altura da sua construção, mereceu elogios e ovações; agora, pouco

( ) Largo da Feira; Gps: 40°43’43.4”N 8°10’17.5”W ( ) Museu Municipal de Oliveira de Frades; Gps: 40°43’56.5”N 8°10’34.8”W ( ) Este monumento do megalitismo nacional localiza-se entre as

povoações de Pereiras e Antelas, a cerca de 5 km da vila de Oliveira de Frades.

( ) Igreja de Pinheiro de Lafões; Gps: 40°43’33.6”N 8°12’41.2”W 35

mais de cem anos passados sobre a sua construção, será afundada pelas águas de uma barragem quase a nascer. Dentro de pouco tempo, cumprirá as palavras do cornaca de Salomão: “irão dar-lhe muitas palmas, irá sair muita gente à rua, e depois esquecem-se dele, assim é a lei da vida, triunfo e olvido.”

AO RITMO DA PROCISSÃO O grupo dos ‘trombudos’ ensaia no Cineteatro Municipal, coordenado por Ilda Teixeira. O nome explica-se pela fisionomia que se espera dos participantes quando reagem à chegada dos austríacos, ou ao alcaide de Castelo Rodrigo, sempre pronto a bajular qualquer autoridade que visite a sua terra, mas a verdade é que, durante o espectáculo, estes trombudos hão-de ser também santinhos, e até espanholas.. Antes do ensaio, caminhando pelas ruas da vila, cruzamo-nos com a procissão do Corpo de Deus, que se dirige para a Igreja Matriz. O modo como os devotos caminham chama a atenção de Ilda, que observa os passos cadenciados e no compasso certo, mesmo por parte das pessoas que estão longe da banda e que talvez não lhe escutem os tempos marcados no tambor. Já no ensaio, Ilda há-de usar esse exemplo para explicar a velocidade a que o grupo deve caminhar, respeitando um determinado compasso ao mesmo tempo que respeita o ritmo geral do grupo. E o exemplo é eficaz, porque não há quem desconheça como se caminha atrás de um andor. Para quem assiste aos


cipantes procura a melhor maneira de expressar deslumbramento, usando para isso o olhar e o corpo, perante Salomão e toda a acção que o rodeia, Ricardo Marques, utente da Assol (Associação de Solidariedade Social de Lafões), está realmente deslumbrado com o paquiderme e os seus acompanhantes durante todo o espectáculo. Visto da plateia, é como se o seu olhar confirmasse aos incrédulos que aquela viagem de um elefante à Áustria está realmente a acontecer aqui, no Largo da Feira, sem cenário nem encenação. O que o deslumbramento de Ricardo provoca é o quebrar do delicado pacto ficcional entre a cena e o espectador e o resultado dessa quebra é um momento feliz em que a verosimilhança se transforma, mesmo que brevemente, em realidade.

DEUS É UM ELEFANTE?

A Associação de Solidariedade Social de Lafões foi um das organizações que se juntou ao espectáculo com a participação de alguns dos seus membros

ensaios, este é um pequeno pormenor que rapidamente se revela um passo gigantesco no processo de moldar este espectáculo, colocando pessoas que não estão habituadas ao espaço de um palco a moverem-se de um determinado modo, em harmonia com o grupo e de acordo com a postura cénica prevista. Aliás, os ensaios são talvez um dos momentos em que melhor se ilumina este processo comunitário de integrar o teatro no quotidiano de uma comunidade nem sempre muito habituada a vê-lo e, sobretudo, nada habituada a praticá-lo. É espantoso como se transforma um grupo de voluntários, certamente entusiasmados com a hipótese de integrarem uma peça de teatro de rua, num grupo de actores. É certo que a experiência não fará deles actores profissionais, mas a Acert parece comungar da ideia feliz do aprender fazendo e o resultado está à vista. Ou estará, no sábado à noite. E será nesse momento que um dos participantes cumprirá como nenhum outro as indicações da Ilda sobre o modo de reagir aos movimentos de Salomão, aos seus acenos de cabeça e, finalmente, à desolação final de o saber desmembrado. Enquanto a maioria dos partiOLIVEIRA DE FRADES, 17 A 21 DE JUNHO DE 2014

Na manhã de sexta-feira, dia do ensaio geral, Salomão acorda na companhia de dois turistas que deambulam pelo Largo da Feira. Sue e Rob Fryer, um casal de ingleses, estão em Oliveira de Frades em busca de cursos de água onde seja possível nadar. O tempo ainda não está para banhos ao ar livre, mas Sue explica-me que o marido se dedica a escrever sobre rios do mundo inteiro, elaborando guias dedicados àqueles onde se pode mergulhar e nadar sem demasiados perigos. A viagem que os trouxe aqui já passou por Espanha e por outras localidades portuguesas mais a norte, estando o sul à espera de ser visitado pelo casal de nadadores fluviais. Depois de aproveitarem a conversa para me pedirem indicações de lugares bonitos e com rio no Alentejo, perguntam-me pelo elefante. Querem saber se vai haver uma representação teatral, algo que se adivinha pela presença do paquiderme, mas igualmente pelas cadeiras que começam a ser dispostas no largo, e estão curiosos quanto à história. Explico-lhes do que se trata e Sue mostra satisfação por conhecer o autor do conto que deu origem à peça. “A Viagem do Elefante nunca li, infelizmente, mas li outros. Será que podemos assistir ao espectáculo?” A desilusão quando lhes digo que o espectáculo é apenas na noite seguinte, altura em que já não estarão aqui, só se atenua quando descobrem que podem assistir ao ensaio geral. Aviso que não será a mesma coisa, sem figurinos, sem luzes, mas o facto de poderem vir a conhecer um bocadinho da viagem de Salomão já não lhes retira a alegria. Durante o ensaio geral, muitos habitantes da terra ocupam as cadeiras para assistirem a tudo em primeira mão. Na cena em que o cornaca conta a história da deusa Ganesha, cuja cabeça veio de um elefante que estava moribundo, os habitantes da aldeia fictícia mostram-se baralhados, acreditando ter o cornaca dito que Deus seria um elefante (ou que aquele elefante particular seria Deus). É uma das cenas 36


onde o humor se intromete nas reflexões sobre a natureza humana que este texto permite, fazendo-nos rir com a confusão instalada entre os aldeãos ao mesmo tempo que nos leva a questionar sobre a religião e os conflitos que esta gera. De qualquer modo, outras leituras seriam possíveis, como confirma o comentário de uma das espectadoras deste ensaio para a sua vizinha: “Mas, então, o elefante é Deus?” Ao que a vizinha responde: “Ai, valha-me Deus. As coisas que o Saramago escrevia…” Nesta altura, talvez não valha a pena dar tanto crédito ao tal pacto ficcional, porque mais interessante é presenciar os momentos – muitos mais do que seria de imaginar – em que esse pacto se esboroa sem complexos, deixando os espectadores literalmente dentro da cena que decorre à nossa frente.

gamos ao curral, avistamos Burlé, uma burra de raça mirandesa que, assim que nos vê entrar no seu espaço, desata a correr e a escoicear o ar, espantando, pelo caminho, o rebanho de ovelhas e cabras com quem divide o espaço. Depois de algumas horas, e já com os intrusos fora do curral, o tratador da Burlé convenceu-a a entrar na carrinha que a levaria até ao lugar do espectáculo, mas não há garantias de como será a sua performance mais logo. Deixando a burra para trás, seguimos até à casa do Sr. Manuel Fernandes, um artesão que constrói crivos e peneiras, ofício com poucos sobreviventes nos dias que correm. Enquanto coloca a rede de arame no aro de madeira que dará forma ao crivo, o Sr. Manuel explica

PROVAS DE RESISTÊNCIA Depois do ensaio geral, Salomão passa parte da noite na companhia dos técnicos cuja missão é desenhar a luz do espectáculo. O trabalho é árduo, até porque o frio aperta, mas percebe-se que várias noites de sexta-feira com esta tarefa para cumprir resultam numa camaradagem óbvia. Luís Viegas, Pompeu José, António Gonçalves e todos os elementos da Stageland, empresa de luz e som que tem realizado todos os espectáculos, acompanham Paulo Neto no desenho da luz. É preciso deslocar o elefante ao longo do espaço de cena e tomar nota dos momentos do texto, de modo a criar a luz adequada, trabalho que só se encerra às quatro da manhã. No dia seguinte, é preciso ir buscar a burra Burlé ao curral onde habita, fora do centro urbano, e trazê-la para o Largo da Feira. Os fotógrafos e a jornalista decidem integrar a comitiva, esperando encontrar uma burra mansa pastando entre ervinhas bucólicas. Quando che37

Já com os intrusos fora do curral, o tratador da Burlé convenceu-a a entrar na carrinha que a levaria até ao lugar do espectáculo, mas não há garantias de como será a sua performance mais logo


O Dólmen de Antelas, um monumento único pelo facto de manter a sua estrutura completa e de guardar, no interior, pinturas geométricas com representações abstractas e figurativas

OLIVEIRA DE FRADES, 17 A 21 DE JUNHO DE 2014

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que as peneiras se usam para a farinha e os crivos, com uma malha muito mais larga, para escolher o feijão e o milho. “Aprendi isto com o meu pai, para aí com dez anos, e durante toda a vida não fiz outra coisa.” A madeira, de pinho, é comprada em rolos que depois se adaptam ao tamanho pretendido. As redes para as peneiras também se compram ao metro, bastando depois cortar e aplicar. Já os crivos implicam a construção de uma teia a partir do zero, com arame que se vai cruzando e dobrando. “Mas isto vai-se perder tudo, que já não há quem queira aprender a fazer. E olhe que até se vai vendendo, nas feiras.” No regresso ao centro, pensando no que será de todos nós quando já não houver quem construa crivos e peneiras, mas também ferramentas, alfaias agrícolas, capotes ou casas de pedra, passamos pela estrada

romana (5) que ligava Oliveira de Frades a Viseu, a mesma estrada que integrou, séculos depois da construção, um dos caminhos da peregrinação a Santiago de Compostela. O piso foi-se gastando, mas as encruzilhadas não diferem assim tanto: entre memória e interrogações sobre o futuro, caminhamos em passo semelhante, nós como os romanos, os peregrinos e os descrentes, Salomão e os que o acompanham. À noite, o espectáculo será ameaçado por um aguaceiro, algures a meio da viagem. Apesar do desconforto da roupa e das cadeiras molhadas, o público manteve-se, tal como os actores e os músicos, sem interromper a função. Os técnicos taparam os projectores mais sensíveis com sacos de plástico, houve quem abrisse os guarda-chuvas e vários exemplares do programa serviram de protecção às cabeças. Depois desta prova de resistência, perante a qual a chuva acabou por se afastar, restava esperar para ver como se portaria Burlé. É certo que o cornaca não se atreveu a sentar-se no seu dorso quando se despediu de Viena e regressou a Lisboa, mas quem viu aquela burra no curral ainda está para acreditar que era o mesmo animal… O aplauso final, esse, terá sido dos mais sentidos desta digressão, como se público, actores e músicos se agradecessem mutuamente o facto de ninguém ter desistido de acompanhar Salomão. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO CARLOS TELES E RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS

( ) Estrada Romana de Postasneiros, S. Vicente de Lafões; Gps: 40°42’21.9”N 8°09’25.8”W

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VOUZELA, 24 A 28 DE JUNHO DE 2014

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VO U Z E L A Já há décadas que o comboio não cruza os quase 170 metros da ponte sobre o Rio Zela,(1) mas ela mantém-se lá, imponente, bela e bem cuidada. Continua a ser o cartão de visita de Vouzela e foi por isso que o Trigo Limpo teatro Acert propôs aos representantes da Câmara Municipal um “passeio” diferente. O convite foi aceite de imediato e na quinta-feira, dia 26 de Julho, por volta das 16 horas, o elefante Salomão “caminhou” até ao meio da ponte e ali permaneceu por mais de meia hora para que as fotos pudessem ser feitas e os moradores pudessem admirá-lo. E também, e por que não, para que ele, o elefante, pudesse de lá de cima apreciar a localidade e o Largo da Feira,(2) lugar onde, dois dias depois, A Viagem do Elefante seria apresentada tendo-o como personagem principal do espectáculo. O carro dos bombeiros foi posto à disposição da companhia teatral de Tondela e o fotógrafo Ricardo Chaves, em nome de uma boa foto, aceitou o desafio de entrar no cesto e ser alçado às alturas. Voltou depois de um quarto de hora, um pouco pálido, dizendo que aquilo era “um bocado alto,” mas que as imagens captadas tinham ficado boas. Não longe dali, a escassos metros de onde o comboio um dia passou, vive António Correia Amaral que dedicou mais da metade da sua vida às locomotivas. O senhor elegante e simpático trabalhou durante 38 anos e 11 meses (como faz questão de mencionar) nos Caminhos de Ferro de Portugal. Foi chefe de várias estações, inclusive a de Vouzela, onde, por mais de dez anos, zelou pelo chegar e partir das cargas e das pessoas. “Minha mãe conta que desde que eu era miúdo, quase ainda não sabia andar, ia para perto da janela para espreitar o comboio passar,” recorda António. Em Vouzela, há décadas que o comboio já não passa. A antiga estação (3) foi transformada em local de paragem dos autocarros. Restou o relógio, e muitas histórias e recordações. Foi no começo do século passado que os caminhos-de-ferro chegaram à região. No dia 5 de Fevereiro de 1914 foi oficialmente inaugurada a ligação a Viseu da linha do Vale do Vouga. Uns meses antes, o comboio havia cruzado pela pri-

O elefante Salomão “caminhou” até ao meio da ponte e ali permaneceu por mais de meia hora para que as fotos pudessem ser feitas e os moradores pudessem admirá-lo ( ) Antiga ponte da Linha do Vouga; Gps: 40°43’18.1”N 8°06’34.3”W ( ) Largo da Feira; Gps: 40°43’16.6”N 8°06’30.7”W ( ) Antiga estação da Linha do Vouga; Gps: 40°43’21.4”N 8°06’32.6”W 41

meira vez aquela ponte que, para espanto de muitos moradores que assistiam ao espectáculo, resistiu às toneladas da enorme máquina movida a carvão que entrou na vila. “Do outro lado, junto à estação, o povo apinhado, olhando, admirado e incrédulo, aquela massa de ferro preto que avançava com um som cadenciado por entre nuvens de fumo branco. Finalmente, o comboio chegou,” relata uma crónica escrita à época e recuperada em 2013, quando se completou um século da chegada do primeiro comboio à vila. A exposição 100 Anos da Chegada do Comboio a Vouzela foi feita para recordar a data, e um dos intervenientes no dia da inauguração foi António Amaral, que se lembra – com a sua impecável memória – da última vez que o comboio passou por ali. Foi no dia 1 de Janeiro de 1990. Conta que nas semanas anteriores circulava o boato entre os funcionários da empresa de que a


Durante uma hora e meia, em silêncio, as centenas de espectadores assistem à saga do elefante Salomão na sua histórica viagem de Lisboa a Viena

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linha seria desactivada, até que no primeiro dia daquele ano o boato se transformou em facto. O primeiro comboio do dia, o das 9h30, passou, mas nunca mais passaram outros. “Não há comboio hoje, o transporte dos passageiros será feito por autocarro,” foi a informação que deram, recorda o ex-chefe da estação, que diz que lhe “custa um pouco” ver os carris sobre a ponte tão tranquila, sem movimentação. E não é só saudosismo, assegura. “Agora os transportes estão pior do que naquela época. Se vou a Viseu pela manhã, à tarde não tenho como voltar.” Na época áurea da estação de Vouzela, a movimentação era constante e variada. “Transportava-se tudo: cimento, sal, alimentos, adubo,” e centenas de passageiros, claro. A chegada do caminho de ferro trouxe vida à vila e permitiu a ligação entre a costa e o interior. A estação chegou a receber 16 comboios diários e durante vários anos era uma das (senão a) mais bonitas que havia. Na época de António Machado o edifício de Vouzela ganhou por oito vezes o prémio de estação mais florida, conta com orgulho. “Eu e o ajudante cuidávamos do jardim. Às vezes, nas minhas folgas, eu vinha regar as plantas,” recorda e aponta onde ficavam as flores que tão bem cuidava. O cargo que exercia em Vouzela era de responsabilidade e prestígio, explica o hoje reformado funcionário dos Caminhos de Ferro Portugueses. “Era o professor, o padre, o chefe dos Correios, quando havia, e o chefe da estação. Na sua época, foi um cargo de importância na vila.” A nossa conversa termina com o ex-chefe da estação a mostrar-nos detalhes do funcionamento das antigas locomotivas. Ainda restou uma, que está exposta num dos extremos da ponte. Despedimo-nos com a sensação de que, se não fosse a falta de tempo, poderíamos passar várias horas a escutar aquele senhor contar, com a sua invejável memória, as histórias dos seus muitos anos vividos ao pé dos comboios. “Quando se acaba um Caminho de Ferro destrói-se uma parte, importante, do nosso imaginário colectivo,” escreveu o historiador Manuel Barros Mouro sobre o fim dos comboios em Vouzela. Com outras palavras, António Machado acabou por dizer-nos o mesmo.

A PEQUENA ESTRELA Como é o teu nome completo, pergunto. A pequena de nove anos respira fundo e diz: “O meu nome é Carlota Gavino Marques Ferreira Castanheira.” Será, no espectáculo de Vouzela, a criança austríaca que se desprende dos braços do avô e é resgatada de Salomão, uma cena importantíssima que praticamente fecha a adaptação do livro de José Saramago. Ainda assim, Carlota não parece preocupada. Já decorou o que tem de dizer, parece uma veterana na sua estreia como actriz. O que não sabe muito bem é se é “austriana” ou “austraica” na obra que representa. Diz que nunca havia visto um elefante, e parece não 43

se importar que aquele não seja de carne e osso, mas de ferro e vime. Embora hiperactiva, como a maioria das crianças, fica em absoluto silêncio e atenta no momento em que o animal, graças à engenharia criada pela companhia, se ajoelha. “Não consigo perceber como pode baixar assim se é feito de madeira,” diz ela. Durante o ensaio, ficou impressionada também com o grito de Ilda Teixeira, a actriz que faz o papel da bruxa que aparece para curar o padre que levara um coice do Salomão. “É um bocadinho assustador,” comenta. Enquanto os demais participantes ensaiam, ela brinca, alheada, com o irmão e uma amiga. Apenas no final do ensaio geral é chamada por Hugo Gonzalez, o actor que faz o papel de avô, para ensaiar a cena que protagoniza. Fazem-na duas vezes, tudo corre perfeitamente. Em cada localidade é assim, procuram uma criança – menino ou menina – que possa fazer o papel e preparam-no(a). Embora a sua actuação seja a mais fugaz de entre os participantes de cada localidade – ou seja, os que não são actores da companhia –, é das (senão a) mais importantes, porque todas as atenções estão voltadas para a criança que, após perguntas ao avô do porquê de o elefante se chamar desse modo, se escapa dos braços dele e corre em direcção a Salomão, sendo por ele “abraçada.” A cena requer treino e não pode falhar, mas para Carlota parece-lhe algo extremamente fácil. Entendeu rapidamente as indicações passadas e, no ensaio, fez exactamente como lhe haviam pedido. Agora é esperar que chegue o sábado, e o espectáculo comece.

OS PASTÉIS DE VOUZELA Há mais de meio século que no rés-do-chão da casa da família Castanheira se produzem, diariamente, centenas de deliciosas maravilhas. São os famosos Pastéis de Vouzela. A receita passou de geração em gera-


ção. “A minha mãe andava grávida de mim quando aprendeu a fazê-los. E eu tenho 66 anos; portanto…,” conta Ermelinda Castanheira, que ao lado do marido e do filho continua o fabrico dos mais conhecidos pastéis de Vouzela. O trabalho começa muito cedo, às 6 horas, e prolonga-se até às 18h, com uma pausa para o almoço. O clima altera a confecção dos doces e também a quantidade que se produz, mas normalmente num dia de trabalho a família faz um pouco menos de 500 Pastéis de Vouzela. “Isto é muito demorado, não dá para aumentar muito a produção se queremos fazer desta maneira. Não há hipótese de se fazer mais,” explica Joaquim, o marido de Ermelinda. Enumeram os ingredientes que o doce leva: ovo, açúcar, canela, água. Mas o segredo para que a massa folhada fique fina e estaladiça, esse está bem guardado. Todos os doces fabricados pela família são entregues no mesmo café, o Café Central (4), o único lugar onde é possível comprar os pastéis feitos pelos Castanheira. Há muito tempo que é assim. Desde que a senhora Teresa Castanheira aprendeu a fazer estas maravilhas ela centralizou a venda num único local, o café que fica na mesma rua da casa, a menos de 50 metros. A geração seguinte deu continuidade à tradição e manteve como cliente exclusivo o café do outro lado da rua. Algumas vezes por dia eles atravessam a estrada com as bandejas nas mãos, protegidas por um pano, e entregam no café. “A minha mãe aprendeu a fazê-los com uma senhora chamada Zezinha. Ensinou-a depois de um pedido de um tio meu, que lhe tinha feito um favor e disse-lhe que, se queria retribuir, ensinasse a minha mãe a fazer os pastéis. Foi assim que a minha mãe aprendeu, e depois ensinou-me a mim, ao meu marido e ao meu filho,” explica Ermelinda. Em Vouzela há apenas três famílias que fabricam os típicos pastéis. A Castanheira é a mais conhecida, embora seja a que menos produz. É a única que não industrializou a produção. Continuam a fazer o doce praticamente do mesmo modo como se fazia há pelo menos dois séculos, quando esta delícia foi inventada num convento, sem que se saiba exactamente por quem e em que data. A família não expande o negócio por dois motivos: primeiro porque não conseguiria garantir a qualidade, e uma produção maior obrigaria a que contratassem funcionários, que acabariam por conhecer a receita. É um trabalho duro, exige esforço físico e muitas horas de pé; que o digam as costas de Joaquim. Ainda assim, ele não se queixa: “É duro, mas temos muito gosto no que fazemos,” conta, antes de exibir os recortes de jornais onde já apareceram – também já estiveram num conhecido programa de televisão que fala de culinária. Ainda hoje, a senhora Teresa Castanheira ajuda na confecção dos pastéis. Não faz o trabalho mais pesado, mas auxilia na produção e supervisiona tudo. E o neto, filho de Ermelinda, também já con-

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Café Central, Praça da Republica; Gps: 40°43’23.7”N 8°06’40.4”W

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trola todo o processo. Ou seja, pelo menos por mais uma geração está garantida a produção dessas delícias típicas da vila de Vouzela.

O ESPECTÁCULO VAI COMEÇAR Passa das nove da noite. Os músicos e actores já estão devidamente alimentados, vestidos e maquilhados para o espectáculo. Conversam, ajustam os últimos detalhes e esperam que o público chegue e se acomode. Atrás do palco, com a sua guitarra, Luis Pastor cantarola uma canção sua que fala sobre o céu da sua aldeia da Extremadura. Brinca com os colegas, convida-os a dançar, e deixa o ambiente mais descontraído. José Rui Martins espreita o público, vê as cadeiras todas ocupadas, assim como a bancada, e faz uma constatação: “Parece um estádio de futebol,” diz orgulhoso e sorridente. Últimas fumadelas no cigarro e os músicos já se vão colocando nos seus lugares à espera do sinal do técnico de som Luís Viegas para começarem a tocar. Alguém passa pela pequena Carlota: “Estás preparada?,” e estende-lhe a mão. Ela responde ao cumprimento, palma com palma, e diz com o seu sorriso que se faz também com os olhinhos: “Estou.” Há ainda alguma claridade no céu quando o músico Flávio Martins faz soar o bombo da sua bateria, num toque ritmado, sinal de que o espectáculo vai começar. Pouco a pouco, outros instrumentos juntam-se ao bombo e António Rebelo, o Tozé, no seu papel de cornaca, aparece em cena. Caminha a passos lentos até aos púcaros de barro e acende-os um a um, até se colocar no meio do espaço para dizer a sua primeira frase: “Minhas senhores e meus senhores, o primeiro passo desta extraordinária viagem…” Durante uma hora e meia, em silêncio, as centenas de espectadores assistem à saga do elefante Salomão na sua histórica viagem de Lisboa a Viena. Carlota assiste a todo o espectáculo do lado de trás do palco, atrás dos músicos, escondida e na companhia da contra-regra 44


A bruxa que há-de curar o padre de um coice de Salomão e cujos gritos assustaram a participante mais nova do espectáculo

Adriana Ventura. Assistem com atenção ao desenrolar da obra, dançam e aguardam o momento da entrada em cena da pequena estrela. Até que o actor Hugo Gonzalez vem buscá-la e a leva pela mão até próximo de Salomão. Como era esperado, Carlota faz a sua parte com perfeição. Diz a frase tantas vezes ensaiada e corre em direcção ao elefante. Depois, continua em cena e participa na dança final e nos agradecimentos com todos os participantes. Acabado o espectáculo, a pequena actriz recebe os cumprimentos dos outros actores e do público e posa para as fotografias. Está radiante ao lado da mãe, que também participou na apresentação. Numa mesma semana Carlota viu um elefante pela primeira vez e estreou-se como actriz. Tem motivos de sobra para estar contente, e tem histórias para contar aos colegas quando recomeçarem as aulas na escola. RICARDO VIEL TEXTO RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS

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C A R A M U LO TO N D E L A Chega-se ao Caramulo já com a certeza de ser este um outro mundo. A partir de Tondela, sempre a subir em direcção à serra, os ouvidos começam a dar sinal ao fim de poucos quilómetros. Quando o carro estaciona em frente ao Hotel do Caramulo,  (1) é como se tivéssemos chegado de avião, sem o incómodo de esperar pelas malas, mas com a cabeça mergulhada numa espécie de aquário que confirma que a altitude é algo mais do que uma nota nos livros de geografia. Passado o incómodo inicial, a paisagem compensa qualquer zumbido que ainda sobre nos tímpanos. Da janela do quarto, no Hotel, avista-se a Serra da Estrela e a extensão fulgurante do planalto beirão. A partir da estrada que atravessa a vila chega-se a um caminho de terra batida que serpenteia por entre montes de difícil acesso e campos de cultivo, confirmando-se, a cada inspiração, os bons ares que fizeram da localidade uma estância para doentes pulmonares. Tal como a serra oferece obstáculos naturais ao progresso de quem nela se aventure, também o palco escolhido para mais uma etapa de A Viagem do Elefante cria uma série de desafios à equipa técnica e aos actores. A zona cénica espalha-se pela escadaria do Museu, seus patamares e pela rua frontal, criando uma espécie de socalcos que, se por um lado tornam mais exigentes os movimentos de todos os grupos, por outro criam uma série de níveis de cena em profundidade que darão ao espectáculo uma riqueza ainda não experimentada nesta digressão. É aí que Pompeu José vai discutindo com toda a equipa propostas para adaptar cada cena a este novo espaço. É preciso avaliar os detalhes, pesar as dificuldades e decidir a melhor maneira de garantir que actores e adereços se inseriram de modo harmonioso no espaço cénico. Antes da primeira reunião com todos os que se inscreveram para participar no espectáculo, a equipa ruma à aldeia da Bezerreira (2) para jantar. No alto da serra, a Dona Maria Evangelina recebe-nos na sala do restaurante como nos receberia em sua casa e coloca-nos no prato uns rojões à Caramulo que são o resultado de anos de experiência própria e da sabedoria de muitas gerações que aprenderam a conservar

( ) O Hotel e o Museu do Caramulo situam-se na Avenida Dr. Abel de Lacerda; Gps: 40°34’10.4”N 8°10’17.9”W

( ) Aldeia da Bezerreira, Serra do Caramulo; Gps: 40°34’22.4”N 8°11’56.0”W 47

a carne de porco na sua própria gordura, salgada depois de levar uma entaladela no lume e pronta para durar o Inverno inteiro se a gula não acabar com ela entretanto… Depois do repasto, começa a reunião da equipa e dos participantes. Na escola EB23 do Caramulo, cerca de quarenta pessoas, entre elas algumas vindas de Tondela e outras da Associação Desportiva, Cultural e Recreativa de São João do Monte, ouvem José Rui Martins resumir a narrativa de Saramago, enquadrando-a na versão cénica proposta pelo Trigo Limpo: “Não escolhemos José Saramago por ser um autor premiado com o Nobel; lemos o livro, apaixonámo-nos pela história e começámos logo a imaginar tudo aquilo a mexer em cena.” Ouvir esta apresentação torna mais claro o trabalho que a Acert tem desenvolvido em cada terra por onde passa com Salomão. O que José Rui Martins faz, com a colaboração dos restantes actores, é destacar as passagens onde, na versão teatral, os participan-

Tal como a serra oferece obstáculos naturais, também o palco escolhido para mais uma etapa de A Viagem do Elefante cria uma série de desafios à equipa técnica e aos actores


tes locais terão um papel essencial, envolvendo-os imediatamente no processo e criando ligações, entre as pessoas, sim, e entre elas e Salomão: “o elefante começa como um engenho cénico, mas o que queremos é que ao longo do espectáculo as pessoas ganhem afinidade com ele.” Tendo em conta as lágrimas que se verão no rosto de tantos participantes no sábado à noite, quando o espectáculo chegar ao fim, a afinidade está conquistada.

A HERANÇA DO SANATÓRIO Nas ruas da vila, a pacatez de lugar com pouco mais de mil habitantes contrasta com a quantidade de gente que circula pela manhã. É a hora da carrinha do pão, do café com os vizinhos, da ida à igreja (3) que aqui é dedicada a Santa Margarida, tão pequena que se imagina que os devotos tenham de esperar a vez na missa e com um sino tão potente que se ouve já a caminho da serra. Entre espigueiros e casas de granito, jardins cheios de castanheiros, caminhos ladeados por muros e pequenas hortas, a herança do tempo em que o Caramulo era um enorme sanatório continua bem presente. Para além das referências abundantes à família Lacerda, os edifícios que compunham as uni-

( ) Igreja de Santa Margarida; Gps: 40°34’15.5”N

8°10’02.2”W

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dades de tratamento de doenças respiratórias espalham-se pela vila. Algumas continuam vivas, ainda que com outras funções, como é o caso do Hotel, mas há muitos edifícios abandonados que se reconhecem antigas unidades de saúde com a ajuda do livro de António José de Barros Veloso, Caramulo. Ascensão e queda de uma estância de tuberculosos. No início do século xx, numa altura em que a tuberculose era doença comum e causadora de grande mortalidade, Jerónimo Lacerda ergueu nas faldas do Caramulo o enorme complexo de tratamento e convalescença que haveria de tornar-se um império familiar, de tal maneira que Salazar, o ditador nascido em Santa Comba Dão e apreciador dos bons ares da serra, terá proferido a frase que ainda hoje circula como anedota: “Em Portugal mando eu, no Caramulo manda o Dr. Lacerda!.” O episódio vem registado no livro de Barros Veloso, que logo explica: “Embora não pareça que desabafos destes (…) fossem muito ao estilo do ditador, a verdade é que a frase sobreviveu, talvez porque sintetizava (…) aquilo que muita gente pensava da estância: um pequeno agregado social, dominado por uma estrutura hierárquica que não admitia discussão e no topo da qual o seu Director ditava as regras do jogo.” (p. 131) Já sem o peso dessa hierarquia que dominou a vila durante décadas, mas ainda assim com a marca do passado bem presente, o Museu do Caramulo (1) acolhe um espólio vasto que começa nos últimos sécu48


los antes de Cristo e se estende até aos nossos dias. Entre as muitas peças expostas, uma tapeçaria do século xvi intitulada “À maneira de Portugal e da Índia” merece atenção especial, porque nela se encontram os equívocos e as realidades que algumas passagens de A Viagem do Elefante iluminam. Olhando para a imagem de um grupo de ricos homens portugueses negociando com indianos, rodeados de animais que seriam exóticos para os ocidentais, e que por isso mesmo são representados com detalhes anatómicos pouco exactos, confirma-se que o comércio sempre antecedeu a vontade de conhecer o outro e que o mesmo desconhecimento que alguns personagens exibem relativamente aos hábitos do cornaca talvez se explique por essa urgência de negociar antes mesmo de procurar perceber.

costura, juntando o capelo, parte que protege a cabeça, à capa. Daí a pouco temos nas mãos uma capuchinha, com a medida adequada a uma boneca, mas ainda assim reconhecendo-se a forma e a função. Pensávamos que o ofício de Dona Adelaide seria coisa de família, mas afinal a tarefa começou de modo auto-didacta: “As minhas filhas andavam na escola e iam daqui para Jueus com as capuchas, que era o que se usava para o frio e a chuva. Um dia resolvi fazer uma para experimentar, copiei o modelo, ficou bem, e pronto, comecei a fazer para vender a outras pessoas.” E clientes, continua a haver? “Ainda faço muita capucha. Isto não há melhor para andar aqui na serra, porque na capucha não passa o frio e a chuva só passa ao fim de muito tempo.” É o marido de Dona Adelaide, o Senhor Cardoso, que nos conta outros benefícios das capuchas: “No tempo dos namoricos, a pastora levava a capucha e punha a ponta da capa de lado para o namorado se sentar. Mas também servia para esconder certas coisas, que quando se tapavam com a capucha, não se viam, pelo menos ao longe…” No regresso, paramos em Jueus,(5) pequena aldeia com ruas de pedra de onde se avista o Vale de Besteiros e o planalto beirão. À nossa passagem, perturbamos o percurso diário de um pastor e do seu pequeno rebanho, meia dúzia de cabras e três enormes bois. A tentação de sugerir que dois destes bois possam formar a junta que o cornaca reclama pouco depois da saída de Salomão e da sua escolta de Lisboa some-se assim que os animais passam junto a nós. Já basta que o espectáculo conte com a aparição de um burro verdadeiro cujo humor é tão imprevisível como o tempo; se a isso juntássemos um

NAS ALDEIAS DA SERRA, APRENDENDO A FAZER CAPUCHAS Depois de atravessarmos várias estradas cheias de curvas, entre a beleza da paisagem e os vestígios do trágico incêndio que há um ano arrasou parte da serra, levando a vida de oito bombeiros que tentavam extingui-lo, chegamos à aldeia de Malhapão de Cima. (4) É aqui que encontramos a Dona Adelaide, ao balcão do pequeno restaurante onde se come cabrito assado e broa de milho cozinhados no mesmo forno de pedra. Há trinta anos que Dona Adelaide domina as manhas do burel com uma tesoura certeira, esculpindo nas fibras a forma única da capucha. Em poucos minutos, marca uma pequena peça de burel negro, corta-a com a forma adequada e senta-se à máquina de

( ) Aldeia de Malhapão de Cima, Serra do Caramulo; Gps: 40°32’05.4”N 8°13’15.9”W

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( ) Aldeia de Jueus, Serra do Caramulo; Gps: 40°32’15.8”N 8°12’12.5”W


Do alto da Serra do Caramulo, avista-se a Serra da Estrela e a extensão fulgurante do planalto beirão

par de bois com esta dimensão, não havia marcações que resistissem à pouca disponibilidade dos bichos para fazerem aquilo que os humanos deles esperam. Melhor será vê-los na sua rotina, desfilando calma e indiferença sobre as pedras da rua, unicamente preocupados com o estado da erva que encontrarão na próxima paragem.

UM ELEFANTE NA SERRA De regresso ao largo fronteiro ao Museu, a agitação que costuma anteceder os espectáculos já se instalou. Parte das bancadas montadas para acolherem o público já está ocupada, apesar de ainda faltar um bom bocado para o início da função. No espaço cénico, a equipa técnica vai conferindo elementos essenciais para a peça, do fogo que terá de fazer arder um enorme elefante à passagem do Arquiduque Maximiliano ii da Áustria aos púcaros com petróleo que serão acendidos pelo cornaca CARAMULO, TONDELA, 8 A 12 DE JULHO DE 2014

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no início da narrativa. Entre o público, um grupo de ingleses que vive perto de Santa Comba Dão veio assistir ao espectáculo. Pergunto-lhes se percebem português e a resposta é negativa, mas estão tão entusiasmados com o elefante Salomão que não se importam com a dificuldade que terão no acompanhar do texto. “Percebemos algumas palavras, porque já vivemos em Portugal há uns anos, mas não conseguiremos perceber o texto. Apesar disso, vai valer a pena.” Mais adiante, guardando lugar numa das filas da frente, Helena Freitas e Valentina Veiga trocam impressões sobre o elefante, “tão grande,” quando as interrompo para saber o que pensam deste animal estacionado em frente ao Museu, quase em coro, respondem que o bicho “havia de vir cá mais vezes.” Depois, corrigem: “Podia ser o elefante ou outros espectáculos. Ainda agora estávamos a comentar que temos tantos espaços tão bons para espectáculos e outras actividades e é pena que tão poucas vezes se utilizem. Aqui no Caramulo, a única coisa que temos são espaços bonitos e isso não se aproveita.” Quando lhes pergunto pelas memórias do Caramulo no tempo dos sanatórios, sorriem como quem garante que vim falar com as pessoas certas. Diz 51

Helena Freitas: “Só aquele sanatório ali ao pé da igreja levava 400 doentes! Aqui onde agora é o Hotel era só tropa. Outro, ali mais adiante, era só para mulheres. No Natal saiam daqui mais de cem camionetas de doentes para irem visitar a família. E muitos casamentos se fizeram aqui. Eu, por exemplo, casei com um doente que era de Arcos de Valdevez e acabou por ficar cá, a viver comigo. Hoje está enterrado aqui no cemitério, que nem depois de morto quis sair daqui.” Valentina Veiga veio de Bragança há quarenta e cinco anos e também adoptou a terra como sua: “Vim para cá com o meu marido, que na altura estava doente, e também cá ficámos, e aqui criámos os filhos e fizemos a vida.” Não conhecem a história de A Viagem do Elefante, mas alguém lhes terá recomendado que não perdessem o espectáculo e assim fizeram. Quando os projectores se acendem para impedir o público de ver o que se passa na área de cena, calam-se imediatamente e eu retiro-me. Não quero que por minha causa percam qualquer momento desta “extraordinária viagem de um elefante à Áustria,” como dirá o cornaca daqui a poucos minutos. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS


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V I L A N OVA D E PA I VA É sexta-feira, está calor, os cães estiram-se à sombra dos edifícios e as pessoas escondem-se em suas casas ou nos cafés. Até que o silêncio e a calmaria habituais em Vila Nova de Paiva são quebrados pela chegada de um camião tir e de uma carrinha da empresa contratada pela companhia teatral. Rapidamente, os seis componentes da equipa descarregam toneladas de equipamentos e começam, de maneira organizada e um pouco barulhenta, a montar as estruturas diante do Auditório Carlos Paredes. (1) Só tentar enumerar a quantidade de material trazido por eles, cansa: muitos projectores de vários tipos, além das mesas de som e luz e da potente aparelhagem de sonora. E não acaba aqui. Quem quiser ter uma real ideia da estrutura que envolve uma apresentação de A Viagem do Elefante precisa somar, ao que já foi dito, os equipamentos e materiais trazidos pela companhia de teatro: figurinos para mais de 70 actores, adereços e objectos cenográficos, o enorme elefante, tochas e fogos de artifício e muita coisa mais. São outras três carrinhas e mais umas dezenas de braços. Os trabalhadores da empresa contratada já estão acostumados à dinâmica do espectáculo. Alguns deles já fizeram essa montagem na digressão do ano passado. De tantas vezes que assistiram ao espectáculo já conhecem as falas dos actores. Além de montar e desmontar a

parte da iluminação e som, são eles que dirigem e cuidam de outros detalhes técnicos durante a encenação, e por isso é importante que saibam bem o que acontecerá em cena. Em duas horas o largo em frente ao auditório já tem outra cara. Com a ajuda dos actores da companhia, a iluminação e a aparelhagem de som está montada, e o cenário também. O passo seguinte é a passagem de som com os músicos. Por ser um espectáculo de rua, a companhia tem de adaptar-se aos obstáculos arquitectónicos ou naturais de cada local escolhido para a realização do espectáculo. Quem costuma sofrer com isso são os músicos, que muitas vezes não conseguem ter uma visão total do mesmo, o que é um problema: é a partir das cenas e falas dos actores que sabem o momento de começar e terminar as canções. Se o baterista não vê alguma parte do espectáculo, terá de ser outro músico a dar-lhe o sinal para entrar. E é por isso que precisam estar ensaiados e entrosados. “É um espectáculo que exige uma hora e meia de plena concentração,” conta Flávio Martins, que nesta digressão revezou Rui Lúcio na bateria. Apesar da concentração exigida, há espaço para risadas e improvisações. Finda a passagem de som, e ainda antes do ensaio geral, há uma pausa para a merecida janta.

EXPECTATIVA

( ) Auditório Municipal Carlos Paredes,Vila Nova de Paiva; Gps: 40°51’02.4”N 7°43’42.5”W

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Às nove da noite, enquanto os actores (profissionais e amadores), na companhia dos músicos, ensaiam, ao pé do Auditório Carlos Paredes, os meninos jogam à bola. Algumas pessoas passeiam os seus cães, caminham ou conversam sentadas nos bancos e na bancada já montada para o que se verá no dia seguinte. A estrutura de madeira e metal vai sendo ocupada e, às onze da noite, já são mais de cinquenta os que assistem ao ensaio geral de A Viagem do Elefante em Vila Nova de Paiva. “Já estou a preparar isso, vou reforçar a carga das arcas para amanhã. Tenho a expectativa de que passará muita gente por cá,” dizia José Coelho, 56 anos, e 40 dedicados ao bar/restaurante que mantém a poucos metros da Câmara Municipal e do auditório. José Coelho começou a trabalhar ainda miúdo com o pai e, pouco a pouco, tomou conta do negócio familiar que já viveu momentos mais gloriosos. “Cheguei a ter mais de cinquenta funcionários aqui, em Agosto. Eram três turnos de trabalho, quase não fechava, isto era outra coisa. Hoje tenho dois funcionários e a família,” explicou o comerciante. Conta que a região é, tradicionalmente, de emigrantes (Alemanha, França, Brasil e Suíça são os desti-


Trata-se de uma construção de dois andares em que se destacam as pedras e os vitrais grandes e coloridos. Tem de ter sido a casa mais linda da vila, sem dúvida, mas hoje parece abandonada nos mais comuns), que nos meses de Julho e Agosto regressam para ver a família e deixam dinheiro no comércio. Ultimamente, segundo ele, as gerações de emigrantes já não têm tanto contacto com a terra dos antepassados, preferem ir passar as férias a outros lados. A vila já não se enche tanto nas férias de Verão como no passado. “Antigamente vinham e traziam amigos, compravam imóveis, queriam mostrar que estavam bem. Hoje já não é assim. Isto está uma desertificação doida,” diz.

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Em frente ao auditório, todos os integrantes estão reunidos numa roda para escutar as últimas instruções de Ilda Teixeira e Sandra Santos para o grande dia (a que horas cada grupo deve chegar, que tipo de calçado deve usar, onde se encontrarão para serem caracterizados, lanchar e esperar pela hora da apresentação). Enquanto isso, Coelho recolhe as cadeiras da esplanada e planeia o dia seguinte. Sabe que dormirá pouco, porque logo pela manhã tem de abastecer o frigorífico e a cozinha. “É uma pena, mas não vou poder ver o espectáculo, tenho de fazer dinheiro. A situação não está para desperdiçar trabalho. A minha mulher e o meu filho vão assistir.” O grupo de participantes locais de Vila Nova de Paiva é dos mais “experientes,” ou seja, de mais idade, desta digressão. Águeda Guedes Vougo, 77 anos (“em breve 78,” como reforça) é a mais antiga, e uma das mais animadas. “Sou a mais velha, mas não aparento,” diz e abre os braços como quem mostra o corpo. Sorri o tempo todo e conta que quando trabalhava no colégio, como educadora, participou muitas vezes em teatros. Mas nada assim “profissional,” diz apontando para a iluminação que começava a ser testada pela equipa da companhia. “Isso é mesmo à grande,” divertia-se outra senhora que se junta à conversa. Não só a menor agilidade, mas o pouco contacto dos figurantes com teatro foram dificuldades adicionais durante os ensaios, conta Ilda Teixeira, uma das responsá54


veis pelo processo de ensaio dos participantes. “Elas demoravam um pouco mais do que outros grupos para aprender os movimentos e perceber as instruções, mas superaram com bom humor e muita disposição,” acrescenta a actriz. Entre elas, a conversa era sobre a família. “A minha neta diz que vem cá filmar,” contava uma. A outra apontava para um grupo de pessoas que assistia ao ensaio e dizia com orgulho: “Aquela é a minha filha.”

O CASARÃO DOS CALDEIRINHA Zona de emigração, Vila Nova de Paiva mais do que duplica a sua população durante o Verão, em especial entre a segunda quinzena de Julho e o mês de Agosto. Não é à toa que as principais festas e eventos acontecem nessa época. A feira de roupas e alimentos que ocupava a praça por detrás da Câmara Municipal naquele sábado só acontece nessa altura do ano, quando os emigrados regressam para passar as férias e trazem dinheiro. O movimento do comércio não atrapalha Zétavares, encarregado, entre outras tarefas na Acert, da parte gráfica do espectáculo. Depois do almoço senta-se num banco do outro lado da estrada, agarra num caderno de desenhos, nuns quantos lápis e durante meia hora só tem olhos para o imponente casarão de portões enferrujados e em cuja placa se lê: Vila Antónia, 24.

Trata-se de uma construção de dois andares em que se destacam as pedras e os vitrais grandes e coloridos. Tem de ter sido a casa mais linda da vila, sem dúvida, mas hoje parece abandonada. O mato tomou conta do jardim, a pintura das paredes há muitos anos não recebe um retoque, a ferrugem torna menos belo o enorme portão da entrada. Não parece, mas a casa tem moradores. “As pessoas tentam ajudá-los, mas eles não querem ajuda,” comenta Cármen Almeida Nunes, 74 anos. “Eles” são uma senhora e um senhor de idade, irmãos, que saem muito pouco de casa. O homem é visto às vezes cruzando a rua para ir ao mercado. Nos dias em Vila Nova de Paiva, ouvi várias versões sobre o Casarão dos Caldeirinha(2) e seus moradores, mas uma delas repetia-se: eram os descendentes de um homem que emigrou no começo do século passado (alguns dizem que foi para o Brasil, outros dizem que para Angola) e fez fortuna. Voltou depois de algum tempo rico e “comprou” meia vila. “Naquela época não valiam nada os terrenos, chegava-se aqui com um saco de dinheiro e comprava-se tudo,” dizia o José Coelho, que explica que toda a zona onde está hoje o seu bar e outros comércios pertenceu um dia aos Caldeirinha, a família dona do casarão. O facto é que a família foi perdendo o dinheiro, e a casa beleza. Não querem vendê-la, nem pensam em mudar-se dali, relatam os vizinhos. E também não têm descendentes, segundo se comenta em Vila Nova de Paiva. “Foi a família mais rica da cidade, hoje não têm nada. Dizem que tiveram até que vender o jazigo da família,” diz como quem conta um segredo outra das participantes da A Viagem do Elefante. É difícil saber o que é verdade e o que é lenda nos relatos colhidos, mas é fácil imaginar o quão bonito deve ter sido aquele edifício de dois andares na época em que, em Vila Nova de Paiva, o bar de José Coelho estava sempre aberto e cheio de gente.

ARBUTUS DO DEMO Nas famosas “Terras do Demo” de Aquilino Ribeiro, numa área de 12 hectares que pertenceu às Estradas de Portugal e foi usada como viveiro, surgiu o Parque Botânico Arbutus do Demo.(3) Durante a década de 1990 a área ficou abandonada até que, em 2002, começou a ser reflorestada. Depois de anos de transporte de plantas e árvores, construção das estruturas – como estrada e edifício –, o parque foi aberto ao público em 2008. Entre espécies de plantas minúsculas e árvores de quase cem anos e algumas toneladas, pequenas formas de vida, fontes de água e um lago, “são mais de 800 espécies botânicas diferentes que procuram reproduzir a paisagem natural e antropogénica das terras altas do Paiva,” explica a engenheira florestal Alexandra Campos, responsável,

( ) Casarão dos Caldeirinha, Vila Nova de Paiva; Gps: 40°51’04.8”N 7°43’46.5”W

( ) Parque Botânico Arbutus do Demo, Vila Nova de Paiva; Gps: 40°49’21.2”N 7°45’46.4”W

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São mais de 800 espécies botânicas diferentes que procuram reproduzir a paisagem natural e antropogénica das terras altas do Paiva

juntamente com duas funcionárias mais, pelos cuidados, manutenção e organização das actividades desenvolvidas no parque. O objectivo do espaço é ser multidisciplinar, servir tanto para a educação como para o lazer, e tentar conciliar natureza, ciência, cultura e turismo. Há uma atenção especial aos mais pequenos, que são incentivados, durante as visitas escolares ou familiares, a ter contacto com a Natureza e a preservá-la. No parque há diversos equipamentos, incluindo um laboratório, atelier, área de merendas, horta, pomar e viveiro.

UM BOCADINHO DE TRABALHO, MAS QUE VALE A PENA Terminado o ensaio geral alguns voltam para casa, outros procuram um bar para beber uma cerveja, mas para os técnicos de som e operadores de luz há ainda muito trabalho. Durante o ensaio eles fazem a marcação de luz de cada cena, e depois precisam de fazer afinação durante a madrugada. E precisam de simular o espectáculo todo, sem actores, mas com o andar do Salomão em cena. Precisam testar cada VILA NOVA DE PAIVA, 22 A 26 DE JULHO DE 2014

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quadro, programar cada mudança de luz. E de nada serve já terem sido feito outros espectáculos; cada espaço é diferente, tem exigências e dificuldades próprias. “É como começar do zero,” explica o técnico de luz Paulo Neto. Se tudo correr bem, em quatro horas terão terminado o serviço e poderão descansar até à tarde do dia seguinte. “Fica bonito, mas dá um bocadinho de trabalho,” diz Paulo, sem tirar a mão das centenas de botões que tem na mesa diante de si. E ficou bonito mesmo, que o diga José Coelho, que, embora com o bar aberto, conseguiu espreitar um pouco do espectáculo — havia poucos clientes. Ficou impressionado com a iluminação e feliz por ver tanta gente no centro da vila. A senhora que dizia que aquilo era “em grande” tinha razão. Todos foram ver o elefante. Até a carrinha de farturas se instalou em frente ao Auditório Carlos Paredes. No final do espectáculo, contentes da vida, as experientes senhoras do grupo da “terceira idade” já planeavam repetir a experiência, mas como espectadoras. “Já falámos com a Câmara para fretar um autocarro, queremos ver o espectáculo no Sátão. Queremos assistir sentadas, na plateia.” Finalizado a sessão, o bar do Coelho encheu-se de gente, como nos bons tempos… RICARDO VIEL TEXTO CARLOS TELES E RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS ZÉTAVARES ILUSTRAÇÃO 57


SÁTÃO, 12 A 16 DE AGOSTO DE 2014

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SÁTÃO Um dos Municípios mais antigos de Portugal (senão o mais antigo), com Foral dado por Dom Henrique e Dona Teresa de Leão em 1111, o Concelho de Sátão tem como fama o bom vinho (está integrado na Região Demarcada dos Vinhos do Dão), os deliciosos míscaros e também o facto de ser “a terra mais francesa de Portugal.” A emigração, especialmente para França e Suíça, é uma realidade na zona há décadas e algo facilmente comprovável com uma simples caminhada pela vila. Uma rápida vista de olhos nos carros estacionados na rua dão ideia da proporção de emigrantes que nessas épocas regressam para ver os familiares. Mais da metade dos automóveis têm matricula estrangeira. Por estas zonas é difícil encontrar alguém que não tenha um parente emigrado. Seria de imaginar que entre os participantes locais de A Viagem do Elefante no Sátão houvesse alguém que vivesse fora de Portugal e estivesse a passar as férias no Concelho. Menos provável era que essa pessoa viesse de terras tão distantes e desconhecidas como a Namíbia. Roberto Gomes, de 19 anos, veio de muito longe para participar no espectáculo teatral. “As pessoas não têm ideia do que é a Namíbia. Perguntam-me coisas e pensam que é uma socie-

dade desorganizada. Eu vivo numa cidade tão moderna quanto Lisboa,” explica o jovem. Filho de pai português que emigrou em busca de melhores condições de trabalho, Roberto nasceu no país africano e viveu lá toda a vida. Fala só um pouco de português. Costuma passar as férias no Sátão, onde tem familiares, e foi assim que soube do espectáculo baseado no livro de José Saramago. Foi o seu primo André Gomes, de 15 anos, inscrito como figurante pela mãe, que o trouxe. “Ela inscreveu-me sem que eu soubesse. Vim no primeiro dia e convenci o meu primo a vir comigo,” conta o rapaz. Roberto Gomes figurou como cavaleiro austríaco e comunicou em inglês com o actor Pedro Sousa, responsável por ensaiar com esse grupo. “No primeiro dia foi difícil, mas agora já percebi o que tenho de fazer, não é complicado,” contava o jovem antes do ensaio geral. Ajudado pelo primo, integrou-se rapidamente com os jovens que participavam como figurantes no espectáculo. Aceitar o desafio serviu, também, para que ele tivesse mais contacto com o idioma português. Com o primo fala inglês — por ser mais fácil, dizem — mas sabe que precisa rapidamente aprender a língua falada nas terras do pai. Tem como meta, depois das férias, inscrever-se em aulas de português na Namíbia. Precisa de aprender rapidamente porque tem programado regressar em 2015. Assim que terminar a escola quer vir para Portugal, para estudar engenharia na Universidade de Aveiro. Por enquanto, as suas estadias nas terras do pai resumem-se a um mês por ano, quando se diverte na companhia dos parentes e depois regressa com histórias para contar aos amigos de lá. Desta vez terá muito para dizer, poderá contar que foi um cavaleiro austríaco e que ajudou um elefante a cruzar os Alpes até chegar são e salvo a Viena, depois de encantar pessoas e fazer milagres.

UM GRUPO ESPECIAL O cenário do espectáculo A Viagem do Elefante no Sátão sofreu uma alteração de última hora por causa de um grupo de 15 pessoas – a grande maioria mulheres – vindas de São Miguel de Vila Boa,(1) uma aldeia da freguesia de Ferreira de Aves, do concelho de Sátão. As senhoras, na faixa etária dos 70 anos, não podiam fazer o espectáculo todo de pé. A solução encontrada pela companhia de teatro foi colocar uns bancos compridos no palco para que esse grupo pudesse participar em toda a obra sem se cansar em excesso.

( ) Aldeia de São Miguel de Vila Boa, Sátão; Gps: 40°42’02.2”N 7°45’13.4”W 59


Algumas delas nunca tinham visto teatro na vida, muito menos participado. “São mais mulheres do que homens porque muitas são viúvas, e os homens da aldeia preferem ficar no café”

A responsável por trazer essas actrizes especiais foi Maria do Carmo Loureiro, fundadora de uma associação de terceira idade na aldeia. A professora reformada criou a entidade em 2009 com o intuito de dar à mãe e aos outros idosos uma melhor qualidade de vida. Na associação, elas ocupam o tempo e desenvolvem actividades físicas e mentais. Foi Carmo quem as convenceu a participar no espectáculo — algumas delas nunca tinham visto teatro na vida, muito menos participado. “São mais mulheres do que homens porque muitas são viúvas, e os homens da aldeia preferem ficar no café. Eu disse-lhes que era uma oportunidade única,” conta. “Essas pessoas mais velhas não podem ficar abandonadas, foi por isso que criámos essa associação,” completa a professora. No primeiro dia de ensaio, essas participantes especiais chegaram um bocado desconfiadas e inseguras. Pareciam duvidar de que seriam capazes de integrar um espectáculo teatral. Segundo a professora reformada, elas tinham algum receio, mas quando perSÁTÃO, 12 A 16 DE AGOSTO DE 2014

ceberam melhor do que se tratava encheram-se de boa disposição. “Agora estão animadíssimas em participar.” A confiança e a descontração foram aumentando durante a semana e na sexta-feira, notava-se nas risadas que trocavam entre si que estavam a divertir-se. “E então, como é que estão as minhas amigas,” perguntava José Rui Martins, encantado com a presença daquelas mulheres. “Precisas de ver a mudança do primeiro dia para agora. Parecem outras pessoas,” comentava antes do ensaio geral. Maria Isabel Plácido Gonçalves, mãe de 11 filhos (entre eles a Carmo, fundadora da associação de Vila Boa), era a participante mais velha do espectáculo no Sátão: 83 anos. Normalmente consegue juntar os filhos no final do ano, para as festas. Mas desta vez alguns deles viriam de longe para vê-la em cena, trazendo os netos e bisnetos. Concentradas, as senhoras prestavam atenção às indicações durante o ensaio. “Quando o cornaca diz que cortaram as patas do elefante nós ficamos assim com uma cara de mau,” dizia Ilda Teixeira, actriz responsável por preparar o grupo. A careta feita por ela foi imitada pelas demais, que se divertiam com a cena. “Isso mesmo,” reforçava a actriz. Foram instruídas a agir com naturalidade durante a peça teatral, não precisavam decorar as cenas todas e os passos que tinham de dar, mas actuar como se de verdade estivessem a acompanhar a viagem de um elefante. 60


SOLAR DOS ALBUQUERQUES É sábado depois do almoço e na Biblioteca Municipal passa-se o tempo. Alguns miúdos nos computadores, adultos folheiam os jornais e as revistas e consultam a programação das festas da cidade. Trata-se de um edifício amplo e renovado, o antigo Solar dos Albuquerques.(2) Um imponente casarão do século xviii, com uma larga fachada com seis janelas de avental e um destacado brasão dos Albuquerques. Pertenceu à família de D. João Afonso de Albuquerque, descendente das casas reais de Portugal e Castela. A poucos metros do solar — logo atrás da Igreja Matriz — está a antiga cadeia do Sátão, hoje um museu. Também recuperado e bem cuidado, o antigo cárcere preserva ainda o portão principal — que se abre com uma enorme chave — , as grades por onde os detidos viam a rua e os ferros onde os mais perigosos eram presos. As argolas onde os prisioneiros eram atados ainda continuam à vista. Os do andar de cima, considerados menos perigosos, tinham a chave da cadeia e saíam durante dia para trabalhar. Alguns cuidavam do Solar dos Albuquerques, tratavam do jardim e da manutenção da fonte. Hoje, a antiga cadeia é o Museu Camila Loureiro, que entre outras peças exibe obras da pintora que

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Solar dos Albuquerques, Sátão; Gps: 40°44’27.7”N 7°44’11.0”W

dá nome ao equipamento cultural e que doou parte do seu acervo à Câmara Municipal.

UMA NOITE PARA A HISTÓRIA Enquanto na praça em frente à Câmara alguns homens jogam às cartas e do outro lado da estrada os trabalhadores dão os últimos ajustes nas estruturas do parque para as festas da vila — que têm como momento inicial o espectáculo de A Viagem do Elefante —, os participantes começam a chegar para a caracterização. As senhoras do grupo da terceira idade divertem-se com a maquilhagem. Uma delas resiste a ser pintada. Argumenta que não precisa daquilo, que vestindo figurino já estará suficientemente preparada para o teatro. Com jeito, as actrizes convencem-na de que é necessário. Olha-se no espelho e não se acha tão mal. Uma hora antes do espectáculo todas estão prontas, e aguardam que os demais também passem pela transformação. Enquanto a hora não chega, conversam e trocam sorrisos. “Nem a reconheci,” dizia uma delas a outro participante. “Está mesmo diferente.” Divertiam-se com a aventura de participar numa peça de teatro. Às 21h30, em frente aos Paços do Concelho, um grupo de dez pessoas, entre elas algumas crianças e um bebé, aguardam com uma


O antigo cárcere preserva ainda o portão principal,que se abre com uma enorme chave, as grades por onde os detidos viam a rua e os ferros onde os mais perigosos eram presos câmara de vídeo na mão o início do espectáculo. Os adultos falam em francês. Descubro que são portugueses que emigraram e que nas férias trouxeram um casal de amigos para conhecer as terras de onde partiram. Toda a atenção deles está voltada para o grupo das quinze senhoras. “A minha mãe vai participar, mas não quis contar nada sobre o espectáculo, não disse qual era o seu papel na obra, o que é que fazia, em que momento aparecia… Disse que era surpresa, que tínhamos de aguardar,” contava uma das assistentes. Demorou quase um quarto de hora até encontrar a familiar entre as figurantes. Orgulhosa, mostrou aos amigos franceses onde estava a mãe. Até ao final do espectáculo não tiraram os olhos dela, e depois foram todos abraçá-la. Mesmo estando a maior parte do tempo sentadas, as senhoras participaram em todo o espectáculo. Faziam cara de espanto, levantavam os braços, abanavam-se com os leques, assustavam-se com a aparição da bruxa e emocionavam-se com o surgimento do burrinho. Terminaram o espectáculo aplaudidas pelos actores e músicos da companhia. Conseguiram um feito, dividiram as atenções do público com o carismático elefante Salomão. Foi a noite delas, e todos souberam reconhecer isso. Terminado o espectáculo e a merecida confraternização com os participantes locais chega a hora de desmontar o cenário, o elefante e SÁTÃO, 12 A 16 DE AGOSTO DE 2014

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guardar equipamentos e figurinos. Pelo menos mais três horas de trabalho para os actores e para a equipa da empresa que aluga o equipamento de iluminação e som para o espectáculo. A companhia de teatro só terá descanso na segunda-feira. Na terça estará novamente na estrada rumo a Santa Comba Dão, a próxima paragem da digressão de A Viagem do Elefante. Outro recomeço os espera. Mais uma montagem do elefante, muitos ensaios, preparativos, surpresas e a certeza de que farão novos amigos. O espectáculo não pode parar. O Salomão diz adeus ao Sátão, mas deixará marcas que se juntarão aos vestígios pré-históricos e românicos e às tantas histórias guardadas nos santuários, conventos, pelourinhos, ermidas, dólmens, solares e edifícios desta antiga vila. Às muitas histórias que o Sátão guarda, agora outra mais se vem juntar, a da passagem de um enorme paquiderme que, durante uma semana, alegrou a vida dos moradores da vila, incluídas umas simpáticas senhoras que se tornaram actrizes depois dos 70 anos de idade. RICARDO VIEL TEXTO CARLOS TELES E RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS

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SANTA COMBA Dテグ, 19 A 23 DE AGOSTO DE 2014

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SA N TA CO M BA DÃO Não é apenas o enorme elefante estacionado em frente à Câmara Municipal que altera a rotina de Santa Comba Dão. A poucos passos do largo onde decorrerá o espectáculo, as festas da cidade espalham barraquinhas de comes e bebes pela praça em frente aos bombeiros, e nem sequer falta um palco para o bailarico que anima qualquer festa de Verão que se preze. Entre os dois espaços, nenhuma competição. Não só A Viagem do Elefante integra o cartaz das festas (e até o ensaio geral tem direito a referência no anúncio) como a equipa do Trigo Limpo teatro Acert há-de passar algum tempo nas barraquinhas, à hora das refeições e nos momentos de convívio após os ensaios. O espaço reservado para o espectáculo é o belo Largo do Município , (1) uma pequena área ladeada por casas baixas e pelo edifício da Câmara rasgada pela ribeira, com uma ponte a unir as duas margens. Se o quadro geral é inegavelmente bonito, a disposição dos elementos cria novos problemas, confirmando que este espectáculo é diferente em cada localidade onde se apresenta. Salomão terminará a sua viagem sobre a ponte, o que há-de criar um efeito visual inesquecível, mas essa decisão impede que os dois grupos de actores e participantes que se encontram na cena final possam cruzar-se como fazem habitualmente, distribuindo e recebendo as coroas de flores que comemoram a chegada do elefante à Áustria. Nos dias que antecedem o espectáculo, actores e técnicos hão-de discutir o problema até encontrarem a melhor solução. Na esplanada do largo, há quem discuta a possibilidade de alguém conseguir alcançar o dorso do elefante. À roda do paquiderme, um grupo de cinco homens faz as suas apostas. Apenas um deles acredita que haverá alguém lá no cimo, quando chegar o momento, argumentando com a almofada branca que se vislumbra no cocuruto de Salomão. Os restantes não crêem que alguém fosse suficientemente louco para se colocar num sítio tão alto e só quando o cornaca se instalar entre as orelhas do elefante confirmarão o quanto estavam errados. Entretanto, chega o enorme camião com o material de luz e som, trazido pela equipa da Stageland, e todos se dedicam a despejar a preciosa carga e a arrumar aquilo que por ora é um largo, mas que daqui a uns dias será um palco. A praça é agora um enorme puzzle a céu aberto, um tabuleiro de jogo com as peças arrumadas por categorias que daqui a pouco serão distribuídas pelos seus locais de destino com a precisão de quem sabe a função exacta de cada coisa, luzes de um

( ) Largo do Município, Santa Comba Dão; Gps: 40°23’48.0”N 8°07’56.9”W 65

lado, estrados do outro, cabos prontos para se ligarem, adereços, tudo o que faz falta ao espectáculo para além da energia humana.

GRANITO EM FORMA DE CASA Para o resto do país, talvez Santa Comba Dão seja imediatamente lembrada como a terra onde nasceu Salazar, mas aqui a memória do ditador não é propriamente uma atracção turística. Como no resto do país, há quem recuse qualquer simpatia pelo ex-governante e há saudosistas capazes de rumarem à campa do doutor sempre que se cumpre um aniversário, mas certo é que Santa Comba Dão é muito mais do que um ponto geográfico na biografia do homem que tomou conta da mais longa ditadura europeia. No centro da cidade, ruas e casas conservam o traçado original, quase todas desembocando à beira rio. Entre os cafés com as esplanadas cheias de gente da terra, parte dela regressada dos vários destinos da emigração portuguesa para visitar a família, algumas tascas que parecem ter parado no tempo, retrosarias, mercearias, lojas que foram desaparecendo com o advento das grandes superfícies e que, aqui, resistem com dignidade. Junto ao Largo do Município, uma escadaria permite iniciar a inclinada subida à colina que parece guardar o centro da cidade, uma série de casas empoleiradas entre enormes pedregulhos que compõem, afinal, o núcleo urbano mais antigo de Santa Comba Dão. Conhecido como Bairro Alto, não é apenas o nome


que traz ressonâncias lisboetas. Um passeio pelas ruas e vielas lembra Alfama ou a Mouraria, com pequenos pátios surgindo onde menos se espera, recantos improvisados, estendais que quase tocam na casa do lado. Em algumas casas, o maldito alumínio já substituiu portas e janelas, descaracterizando o local com o prateado doloroso de todas as marquises. Apesar disso, uma caminhada no Bairro Alto ainda é uma boa forma de conhecer a cidade banhada pelas águas do Dão, assim as pernas aguentem a inclinação granítica e os olhos consigam ignorar as desfeitas arquitectónicas. Atravessando o Largo do Rossio,(2) uma reunião de casas de granito primorosamente arrumadas sobre chão de pedra, uma espécie de bilhete postal que bem podia ser o cenário de A Viagem do Elefante se o paquiderme não exigisse mais espaço, chega-se às ruas que levam à saída da cidade. Antes disso, a Casa da Cultura abre as suas portas aos ensaios deste espectáculo. É lá que Ilda Teixeira e Sandra Santos ensaiam com os participantes locais, passando por todo o texto e concentrando energias nos momentos em que as personagens colectivas entram em cena. No palco, o grupo que manuseará os bambus pratica os movimentos, ganha noção dos gestos colectivos e aprende as cenas em que participará sob a orientação atenta de Sandra Santos, Dona Catarina de Áustria e mulher do rei Dom João iii que há-de enviar um elefante para Viena, Sandrinha para todos os que com ela trabalham e convivem. Na sexta-feira à noite, os participantes que saírem daqui para o ensaio geral já conhecerão sem hesitar o destino de Salomão e as inúmeras provações que irá enfrentar pelo caminho.

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Largo do Rossio, Santa Comba Dão; Gps: 40°23’49.6”N 8°07’53.3”W

SANTA COMBA DÃO, 19 A 23 DE AGOSTO DE 2014

BROINHAS DOCES Santa Comba Dão é uma das poucas localidades desta região onde é possível chegar de comboio. Com horários reduzidos e muitos atrasos em cada viagem, isso sim, mas apesar de tudo alcançável por carris, mesmo que a estação seja no Vimieiro, e não exactamente no centro da cidade.

Aquilo que até 1988 era uma linha férrea que ligava Santa Comba Dão a Viseu é hoje a Ecopista do Dão.(3) O aproveitamento do percurso da antiga ferrovia é louvável, ainda que dificilmente se compreenda

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Ecopista do Dão, Estação Treixedo; Gps: 40°25’17.9”N 8°05’04.5”W

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O Largo do Rossio, reunião de casas de granito primorosamente arrumadas sobre chão de pedra, uma espécie de bilhete postal que bem podia ser o cenário de A Viagem do Elefante se o paquiderme não exigisse mais espaço

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o desmantelamento de linhas férreas e a sua substituição por auto-estradas, mais poluentes, mais perigosas e mais caras para quem paga as respectivas portagens. Apesar da incompreensão, o passeio pela Ecopista só pode recomendar-se. A pé ou de bicicleta, o caminho faz-se por entre densa vegetação e alguns campos de cultivo, num piso que vai mudando de cor à medida que mudam os concelhos até Viseu. De regresso ao centro de Santa Comba Dão, com a hora do lanche a reclamar cumprimento, cronista e fotógrafo decidem averiguar a saúde de uma velha tradição local, quase caída em desuso, que dá pelo nome de broinhas doces. Para isso, visitamos a casa de Dona Conceição, guardiã de uma receita que continua a cumprir com esmero e alguns segredos. As broinhas doces, típicas de Santa Comba Dão, eram feitas tradicionalmente na semana da Páscoa e trocadas entre familiares e amigos. Cozidas num forno comunitário que já não existe, ou nalguma padaria que cedesse os seus fornos, eram também guardadas nos arcazes que havia em quase todas as casas e depois consumidas ao longo das semanas e meses seguintes, conforme a resistência de cada um à gula. Com o fim do forno comunitário, a tradição das broinhas é agora um pouco menos visível, ainda que continue a haver muita gente a prepará-las assim que se aproxima a Semana Santa. Depois de alguns testemunhos sobre as ditas broinhas, esperávamos uma massa doce cozida em formato pequeno, de modo a fazer jus ao nome. Grande engano. As broinhas são, afinal, broas de tamanho grande e comem-se à fatia, simples ou com um pouco de compota. As que a Dona Conceição faz são o resultado de muitas experiências, depois de ver algumas pessoas a fazerem a massa e a tratarem do forno. “Fui experimentando, estraguei algumas fornadas, até que lá SANTA COMBA DÃO, 19 A 23 DE AGOSTO DE 2014

descobri o ponto certo e passei a fazê-las assim, até hoje.” Chegada do Minho com catorze anos, Dona Conceição ainda se lembra do forno comunitário e lamenta a sua destruição: “Foi uma pena. Aquilo era uma festa, cheio de gente com as masseiras debaixo do braço, a cozerem broas umas atrás das outras.” Agora, coze as broinhas no forno que construiu em casa, com o marido, e garante que para o resultado ser satisfatório é preciso ter muita atenção à temperatura e à força do lume. O segredo, esse, não vem na receita, antes nasce nas mãos e nos gestos de quem amassa broinhas há muitos anos, já sem recorrer a medidas. Podemos seguir os ingredientes e o processo, mas o melhor é provarmos o resultado do saber de Dona Conceição. Agora que uma das suas filhas já aprendeu a fazer as broinhas, pode ser que não se perca a mais apetitosa das tradições de Santa Comba Dão. Cronista e fotógrafo não se esquecerão do sabor das fatias que comeram, com e sem compota, para não jurarem falso. Mas guardarão sobretudo a conversa animada com Dona Conceição e alguns elementos da sua família, sendo de elementar justiça destacar a participação primeiro tímida, depois expansiva, de Dona Maria José que, do alto das suas tantas décadas de vida (mais de oito, registe-se assim) fez desfilar quadras, romances, cantigas de trabalho, adivinhas e algumas lenga-lengas quase brejeiras enquanto apreciávamos as broinhas e aprendíamos o que podíamos sobre a sua feitura. “Se Lisboa fosse minha, eu mandava-a ladrilhar, com pedrinhas de alfinete, para o ministro passar,” canta Dona Maria José. Será isto a tradição, cruzar tempos e formas poéticas populares de tal modo que não sabemos se aqui se canta o passado — e que passado? — ou o presente. Talvez não faça diferença.

PEGADAS DE PAQUIDERME Na Casa da Cultura,(4) onde também funciona o Conservatório de Música e Artes do Dão, a agitação habitual nos dias de espectáculo já se instalou. Entre cadeiras desemparelhadas e alguns instrumentos musicais do conservatório, Ilda Teixeira, Sandra Santos e Adriana Ventura vão maquilhando actores e participantes enquanto asseguram que toda a gente tem o respectivo figurino. No Largo do Município, as bancadas estão cheias de gente que espera pelo início da viagem. Quando o bombo de Rui Lúcio marca os primeiros compassos do espectáculo, seguido pelas vozes de Luis Pastor e Lourdes Guerra, o espaço do largo já não parece tão pequeno. Se lá cabem um elefante asiático, oito actores e quarenta e quatro participantes locais, seis músicos do elenco e os onze do conservatório, para além dos técnicos, do material e dos adereços, e se para além disso cabe o mais importante, uma história sobre as alegrias e misé-

( ) Casa da Cultura, Santa Comba Dão; Gps: 40°23’55.4”N 8°07’50.3”W 68


Se as pessoas que, em cada localidade, se envolvem no espectáculo e nele participam parecem guardar uma marca profunda depois da experiência, também os sítios se alteram com a visita de Salomão

rias da condição humana contada com nervo e alma e tudo, então não há limites que definam o Largo do Município. Mais adiante na peça, o grupo de alunos do Conservatório de Música e Artes do Dão interpretará algumas canções do espectáculo com o grupo de músicos que compõe o elenco. Percebe-se o entusiasmo, tão notório como o sentido de responsabilidade por estarem a actuar perante um público seu conhecido. Mário Cruz, o maestro desta banda formada por alunos da terra, explica que para os miúdos “esta é uma experiência muito diferente daquilo a que estão habituados e é, sem dúvida, especial para eles.” Trabalhar com as pessoas de cada comunidade por onde passa Salomão é um dos objectivos da Acert neste processo, algo que já se confirmara noutros locais e que agora se reafirma em Santa Comba Dão. Terminado o espectáculo, resta-nos deambular por entre o público que vai regressando a casa para ouvir opiniões. Nestas coisas, escolhem-se as pessoas um pouco ao acaso e às vezes acerta-se sem 69

fazer pontaria. Daniel afirma ser um fã da obra de José Saramago, e não apenas do livro que deu origem ao espectáculo. Depois de assistir a esta versão de A Viagem do Elefante, o seu veredicto é claro: “Acho que a adaptação foi absolutamente fabulosa, desde a música à interpretação, passando pela selecção dos conteúdos do conto que foi feita para esta representação.” José António, que o acompanha, destaca igualmente a adaptação do trabalho da equipa ao espaço: “o enquadramento neste largo, nas fachadas dos edifícios da Câmara e dos outros, foi fenomenal.” Registados os elogios, importa destacar aquilo que neles se torna mais relevante para compreender o impacto do paquiderme e dos seus acompanhantes nas terras por onde passam. É que se as pessoas que, em cada localidade, se envolvem no espectáculo e nele participam parecem guardar uma marca profunda depois da experiência, também os sítios se alteram com a visita de Salomão. Para Daniel e José, e talvez para outros habitantes de Santa Comba Dão, o largo que conhecem de toda a vida não voltará a ser o mesmo agora que A Viagem do Elefante por aqui passou. Fica uma espécie de pegada, ficam os abalos sísmicos que essa pegada parece provocar na comunidade e no espaço que ela habita. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO CARLOS TELES E RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS


CASTRO DAIRE, 26 A 30 DE AGOSTO DE 2014

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C AS T RO DA I R E Últimos minutos do dia 30 de agosto de 2014 e no Parque Urbano de Castro Daire (1) come-se bolo, conversa-se, celebra-se o sucesso de mais um espectáculo. A chuva que ameaçou vir, não veio. O público, cuja presença era duvidosa, devido à mudança de última hora do local do espectáculo, apareceu e ocupou todas as cadeiras, sentou-se no chão ou ficou de pé, e tomou conta do amplo espaço destinado à representação. Tudo correu bem, e mais relaxados os participantes confraternizam e repetem aquilo que já vimos após todas as apresentações da digressão de A Viagem do Elefante: as últimas fotos, as trocas de número de telefone, os abraços e beijinhos finais, as promessas de voltarem a encontrar-se, as despedidas. Até que alguém tem a ideia. Pede uma caneta emprestada, aproxima-se de José Rui Martins e pede-lhe um autógrafo no desdobrável de A Viagem do Elefante onde constam os nomes de todos os participantes no espectáculo daquele sábado. Em seguida vai a outro actor, e depois a outro, e outra, e aos músicos, e em minutos tem todo o desdobrável preenchido. Mostra-o a um amigo, que repete o gesto. E de repente são dezenas as pessoas com canetas e desdobráveis na mão em busca dos actores e dos músicos. “É para guardar de lembrança e recordar este dia,” dizia uma das participantes locais, orgulhosa, com o seu flyer na mão. O final de cada espectáculo desta digressão do Trigo Limpo teatro Acert com o elefante Salomão convoca à celebração, mas em Castro Daire houve qualquer coisa mais, que começou com um demoradíssimo aplauso – mais longo do que o habitual – no final da apresentação, e teve continuidade na confraternização final (com direito a repartirem alguns bolos podres, famosa iguaria da região) e que ficará representada por aquele gesto de carinho dos participantes locais a pediram uma assinatura aos que agora, depois de cinco dias de convívio, já podiam ser chamados de amigos. Queriam eternizar aquele momento de alguma maneira, e foi esse o instrumento que encontraram. Sofia Melhorado, de 31 anos, é das que guardará em casa essa lembrança física da experiência como actriz. Trabalha na Câmara Municipal, e foi lá que ficou a saber da realização do espectáculo e da necessidade de participantes locais. Inscreveu-se de imediato e participou no grupo que, por ter papel fundamental em vários momentos da obra, ensaia por mais tempo. “Sou um pouco tímida e acho que o teatro também ajuda nisso,” dizia um dia antes do espectáculo. “Eu não conhecia a história do Saramago e fui atrás. Li o livro e gostei muito.” Sobre o processo de preparação, Sofia diz que pensou que seria

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Parque Urbano, Castro Daire; Gps: 40°54’11.0”N 7°55’56.2”W

mais difícil. “Achei bastante divertidos os ensaios e não fico preocupada, acho que vai correr tudo bem.” No final, era só contentamento e terminou a confraternização junto aos novos amigos num dos dos bares da localidade.

UM PADRE ENTRE NÓS “Quando me contaram, não acreditei,” diz João Silva, actor que faz de comandante das tropas portuguesas que têm como tarefa levar Salomão até Valladolid. Encarregado da preparação de seus “subordinados,” João não acreditou quando lhe disseram que entre os jovens que participariam no espectáculo em Castro Daire havia um quase padre. Paulo Vicente, 22 anos, um dos figurantes, é estudante de ciências religiosas e teologia na Universidade Católica de Braga. Está no quinto ano e dentro de pouco tempo terminará o curso. Tem muito claro que se ordenará padre assim que atingir a idade mínima, os 24 anos. “É um


O espectáculo estava previsto para o Jardim Municipal, mas dificuldades logísticas mudaram-no para o Parque Urbano de Castro Daire

curso de cinco anos onde estudamos muita coisa, como a história das religiões, por exemplo,” conta o jovem, que diz ser normal o espanto das pessoas ao saberem que se prepara para a vida religiosa. “Pensam que os jovens que estudam teologia não se divertem, que passam o dia trancados a lerem a bíblia. Não é assim, temos festivais da juventude, fazemos festas como qualquer um nesta idade.” Quanto ao facto de o autor da obra que ele representava ser um ateu bastante crítico da religião, Vicente não vê problemas, embora confesse não ter nenhuma simpatia pelo escritor. “Eu sabia que era um texto dele [Saramago], mas não foi impedimento para participar. Isso aqui é teatro, é uma encenação, não me incomoda. Só acho que ele não sabia do que estava a falar.” A incredulidade de João Silva em relação a Vicente tinha sentido. Não é todos os dias que se conhece um jovem que estuda para ser padre. É mais raro ainda se se conhece num ambiente que não seja o da igreja. E se esse encontro se dá num teatro onde se encena uma obra escrita por um ateu e com passagens de certa ironia pela religião CASTRO DAIRE, 26 A 30 DE AGOSTO DE 2014

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católica, então é ainda mais incomum. Vicente desfrutou da semana, divertiu-se e não colocou nenhum problema em relação à participação no teatro. Era um participante mais. Para João, a única diferença era o ímpeto que colocava na interpretação no momento em que o cornaca era repreendido ao fazer um comentário um pouco ácido sobre a figura de Jesus Cristo. Os cavaleiros deviam avançar, demonstrar reprovação. “Ele era logo o primeiro a avançar,” diverte-se João Silva, que depois, no bar, brindou com o futuro padre pelo encontro pouco provável que o espectáculo permitiu que acontecesse. Os futuros padres também podem tomar uma cerveja, explicou Vicente.

O SEGREDO DO BOLO PODRE António Pinto cresceu entre farinha, ovos e leite. Quando nasceu, há 39 anos, já a família era dona de uma padaria em Castro Daire. O negócio familiar foi crescendo e ele, aos poucos, foi-se encarregando da administração. Hoje emprega 28 pessoas e distribui para mercados 73

e padarias da região cerca de 20 mil pães diariamente. Além da panificadora a família administra duas padarias/pastelarias. Uma delas,(2) localizada no centro de Castro Daire, é ponto obrigatório para quem quer comer o bolo podre, típica iguaria da região. A origem desse pão doce é desconhecida, explica António Pinto. “Não há dados concretos nem da origem nem do porquê do nome em si.” Sabe-se que era um bolo característico da Páscoa, e por isso parecido com os folares. “O que nós sabemos é que era um bolo que os padrinhos davam aos seus afilhados na época da Páscoa. Há vinte anos, quando os meus pais começaram a montar as padarias, eles começaram a fazer bolo podre durante todo o ano. E houve procura pelo produto, e agora todos os dias se pode comprar bolo podre aqui.” Sobre o peculiar nome dado ao bolo, António Pinto tem um palpite. “Eu pedi a historiadores que pesquisassem a origem do nome, mas nunca me deram uma resposta. Eu atribuo às características da massa em si. Antes de ir ao forno, ela

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Celeiro do Pão, Castro Daire; Gps: 40°53’58.4”N 7°56’02.8”W


tem uma cor acastanhada escura, devido à canela, e nós agarramos aquilo e parece mesmo que está podre. Parece que não vai dar a nada, que alguma coisa foi mal feita. E depois, quando vai ao forno, resulta,” conta Pinto. Há dois anos que António Pinto faz parte da Confraria do Bolo Podre, que hoje conta com mais de 30 confrades. A entidade, que já conseguiu a certificação do nome Bolo Podre de Castro Daire, tem como objectivo divulgar o bolo típico da região e preservar as suas características. Nos últimos anos, a empresa familiar descobriu um novo nicho de mercado. Além de distribuírem para todo o concelho e também em Viseu, começam a entrar naquilo a que António Pinto chama “mercado da saudade,” os emigrantes, maioritariamente localizados em França e na Suíça, que encomendam bolo podre – sobretudo na altura da Páscoa – já que não podem comê-lo em Portugal. “Como o bolo leva muito azeite, e o azeite conserva bem, dá até para ser consumido depois de 20 dias de produzido. Na realidade, ele até fica mais gostoso se esperar uns dois, três dias para consumir,” explica António Pinto. O bolo podre, que pesa 550 gramas tem como ingredientes ovos, azeite, farinha, açúcar e banha de porco. A Empresa Lamelas, da família António Pinto, fabrica cerca de cem bolos ao dia. Na altura da Páscoa, esse número sobe para mil. Muitos deles cruzam a fronteira e ajudam a matar um pouco da saudade que os emigrantes têm.

O SEGREDO DAS ÁGUAS “Vem gente do país todo tratar-se aqui,” conta, orgulhosa, a auxiliar de enfermagem Maria João, 44 anos, 18 deles dedicados ao trabalho nas termas do Carvalhal.(3) “Eu já faço parte do mobiliário,” brinca.

( ) Termas do Carvalhal, Castro Daire; Gps: 40°51’07.0”N 7°55’55.1”W CASTRO DAIRE, 26 A 30 DE AGOSTO DE 2014

O grande tesouro do lugar, localizado ao sul da vila de Castro Daire, é a água sulfurosa que nasce a uma temperatura de mais de 40 graus. A água de cheiro estranho tem propriedades medicinais e é recomendada para quem tem problemas de pele (como psoríase, por exemplo), ossos, articulações, intestinos e vias respiratórias. As opções de tratamento são muitas, desde massagens e banhos em banheiras ou a jacto, passando por inalação e ingestão da água – sob supervisão de médicos –, e podem durar desde algumas horas a semanas. O balneário foi construído em 1970, embora já desde o começo do século passado haja registo de referência à propriedade daquelas águas e de doentes que eram levados até às fontes em busca de cura. Em 1992 o complexo passou por uma reforma e ampliação, e tornou-se um dos centros de referência do país no tratamento de saúde e relaxamento, o que movimenta a vila de Carvalhal. Além da parte medicinal, há também nas termas tratamentos anti-stress. Massagens, hidromassagens, tratamentos de beleza, etc., o que faz com que o público que procura o local seja diverso, explica Maria João. “Há muita gente mais velha, há crianças com problemas respiratórios e também há muita gente jovem que só quer relaxar um pouco do trabalho. Também temos tratamento para casais.”

O BURRINHO CHICO Quando preparavam a adaptação de A Viagem do Elefante, José Rui Martins e Pompeu José chegaram à conclusão de que no final da obra era importante que o animal que entrasse em cena fosse real. Trata-se do emotivo momento em que o cornaca, após a morte de Salomão, decide usar parte da soldada que lhe era devida para comprar um burro e voltar a Lisboa. Ao contrário do que acontece durante todo o espectáculo, o bicho que aparece nesse momento é real. Logo no início da peça, Pompeu José faz – sem caracterização especial – de cavalo do rei, levando às costas o monarca do palácio até ao local onde está o elefante. Os comandantes dos exércitos português e austríaco movimentam-se em bicicletas que simulam cavalos, enquanto os soldados vestem uma estrutura de metal e madeira que cumpre a mesma função. Porquê então, no final da obra, um bicho real? “O elefante da história do Saramago pedia uma escultura, parecia-nos óbvio. E nós na Acert já havíamos trabalhado com grandes esculturas, tínhamos experiência nisso. Mas pensámos que seria interessante que no final, como contraste, aparecesse um bicho mesmo, e é verdade que resulta muito bem,” explica Pompeu José, e com razão: a aparição do burrinho gera uma reacção de empatia instantânea no público. “Pensávamos que se aparecesse um animal de verdade, seria como repor a humanidade, seria uma imagem de esperança, era a procura de uma pureza qualquer,” conclui. 74


A paisagem árida e os relevos abruptos dos maciços da Gralheira e do Montemuro definem a vista A decisão de incluir na obra um animal real foi, sem dúvida, acertada, mas representa um trabalho adicional à companhia. Em cada localidade era preciso encontrar algum morador disposto a emprestar por algumas horas o seu animal. Em Castro Daire o burrinho cedido foi o Chico, que já havia participado em Santa Comba Dão. “Tivemos também o Badaró, a Chica, a Brulé, e outros nomes de que já não me lembro,” conta Luís Mirtilos, encarregado no espectáculo de levar o burro até ao cornaca e ajudá-lo a subir para o dorso. Em Castro Daire, o Chico chegou cedo e ficou escondido num canto, atado a uma árvore, alheio à movimentação das pessoas que 75

chegavam para ver o espectáculo. Minutos antes de entrar em cena foi alimentado. “Ele está a lanchar espigas de milho,” disse Mirtilos. Esperou que o burro acabasse de comer e trouxe-o para perto do cenário. Assim que o cornaca pendurou ao pescoço o par de sapatos que representava o momento de deixar Viena, o Chico, guiado por Mirtilos, entrou em cena com os seus passos lentos. Recebeu uma carícia de António José Rebelo, o actor que faz de cornaca, e depois deu-lhe uma boleia. Passearam por todo o cenário arrancando da plateia aplausos e dando-lhes, em troca, beleza e esperança.

RICARDO VIEL TEXTO RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS ZÉTAVARES ILUSTRAÇÃO


CARREGAL DO SAL, 2 A 6 DE SETEMBRO DE 2014

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C A R R EGA L D O SA L Estas são as terras de Aristides de Sousa Mendes, o diplomata português que salvou milhares de pessoas dos campos de concentração nazis na altura da Segunda Guerra Mundial. Cônsul em Bordéus, Sousa Mendes começou a ver as ruas da cidade francesa a encherem-se de pessoas que fugiam do avanço das tropas alemãs. Necessitavam de auxílio para fugir do extermínio e muitas delas procuravam os consulados, entre eles o português, em busca da salvação. Após meditar durante dias sobre a situação que testemunhava, o cônsul decidiu então desobedecer à circular assinada por Salazar que proibia a concessão de vistos a refugiados judeus, exilados políticos e cidadãos provenientes do Leste. O diplomata passou por cima da ordem do ditador e abriu as portas do consulado a milhares de pessoas. Assinou, durante dias e noites sem parar, quantos vistos foi capaz, sem perguntar quem eram aquelas pessoas. A maioria, após passar por Portugal rumou para o continente americano e lá recomeçou a nova vida. Sousa Mendes sofreu um processo disciplinar pelo acto de insubordinação e foi aposentado compulsivamente, além de ser impedido de exercer a advocacia. Morreu pobre em 1954, aos 68 anos. Por décadas seu nome ficou esquecido. “Só depois do 25 de Abril começaram a recuperar essa história,” conta Paula Teles, funcionária do Museu Municipal de Carregal do Sal. Estamos diante da fachada da Casa do Passal (1) que, depois de estar em ruínas e graças à mobilização popular, agora está a ser recuperada pela Direcção Regional de Cultura do Centro. “Está abandonada desde os anos 50, há quem diga que dentro da casa andavam galinhas,” relata Paula Teles. Construída no século xix, na Quinta de São Cristovão, Cabanas de Viriato, distrito de Carregal do Sal, aquele imponente casarão de três pisos e generoso quintal foi a residência de férias da família Sousa Mendes. Estamos a escutar as histórias do lugar quando um carro se aproxima devagar, passa por nós e em seguida pára. Do interior um homem diz que somos o terceiro grupo que ele vê, só naquele dia, a tirar fotos do lugar, e manifesta assim sua felicidade. “Imagina como será quando isso estiver recuperado,” acrescenta. Estabelece-se uma conversa, e ele aponta para uma senhora bastante idosa dentro do carro e diz: “A minha mãe frequentava essa casa.” A mãe é Maria Lúcia Simões de Azevedo Monteiro, 86 anos, que acabou por se integrar na família Sousa Mendes. “Minha mãe conta que esta casa servia um pouco como

( ) Casa do Passal, casa de Aristides de Sousa Mendes, Cabanas de Viriato; Gps: 40°28’31.5”N 7°58’22.5”W

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a sopa dos pobres daqui da zona. Para muita gente ele foi um santo.” Segundo relatos, algumas famílias que receberam visto do Cônsul em Bordéus ficaram hospedadas na Casa do Passal durante o Verão de 1940, o que demostra a grandeza do gesto do “Schindler português,” como Sousa Mendes foi chamado por alguns. Maria Lúcia tinha onze anos quando entrou pela primeira vez neste casarão. “Recordo um quarto azul que ficava do lado esquerdo subindo uma escada,” diz. Aceita o convite para posar para uma fotografia, e enquanto caminha lentamente até o portão de entrada vai-nos contado um pouco das memórias que guarda daquele lugar e daquele homem. “Ele desobedeceu a uma ordem por humanidade. Fiquei muito feliz quando soube que vão recuperar a casa. Antes tarde do que nunca.” O filho já prometeu que trará a mãe a visitar o edifício assim que estiver aberto ao público. Lá no alto da colina o Cristo Rei, de braços abertos, vigia a casa. É de 1933, foi esculpido na Bélgica e trazido de comboio em três blocos para ser instalado na Quinta. A estátua impressiona tanto quanto o casarão que, em 2011, foi classificado como Monumento Nacional e agora se prepara para abrir as portas ao público e ajudar a que a história desse herói português não seja esquecida.


“É um poema épico, faz alusão aos Lusíadas e chama-se Carregalíadas,” conta o homem que faz questão de dizer que não é um historiador nem um escritor, é apenas um curioso que escreve - também já dedicou um livro de seiscentos poemas à vida de Aristides de Sousa Mendes. Esse senhor de memória intacta é, também, uma espécie de guardião das recordações do Concelho. “Quando as pessoas querem saber alguma história, às vezes histórias que aconteceram com elas e já não se lembram, vêm ter comigo,” diz o homem cuja vitalidade e memória são de invejar. Além de escrever sobre a sua terra natal de que tanto gosta e de onde nunca saiu (e nem pretende sair), Hermínio Cunha também se dedicou a contar as suas memórias pessoais no livro As Finanças que eu Vivi, que relata as décadas que dedicou ao trabalho nas Finanças. Nos seus oitenta anos de vida acumulou amigos, histórias, medalhas e muitas lembranças. E não perdeu a curiosidade. Continua a interessar-se pelas coisas, como, por exemplo, pelo espectáculo de A Viagem do Elefante. “Gostava de assistir, mas infelizmente não posso ficar para ver porque tenho que cuidar da minha senhora. Mas o meu filho virá com os netos,” conta antes de entrar no carro, abanar com a mão e arrancar vagarosamente rua abaixo, levando consigo uma quantidade incalculável de histórias.

OS 11 DO DÃO A ENCICLOPÉDIA DE CARREGAL DO SAL “Ele é a nossa enciclopédia,” diz José Sousa Batista, vereador de Educação de Carregal do Sal. Fala de Hermínio Cunha Marques, 80 anos, escritor, poeta, jornalista e funcionário da repartição de finanças durante 46 anos. Parte da memória do concelho passa por esse senhor elegante e atencioso que chega para a conversa ao volante do seu carro. Desde os 16 anos escreve crónicas para o jornal Defesa da Beira e continua a fazê-lo até hoje, “Escrevo sobre vários assuntos, actualidades, política e também versos…” É autor de “vinte e tal livros – já nem se recorda o número certo – e actualmente tem mais três a caminho de serem editados. É uma figura respeitada na zona e um grande conhecedor da história do concelho, porque, além de ser pesquisador, Hermínio Cunha viveu muitas das histórias que conta. Tem, como se costuma chamar, uma vida plena. “Joguei à bola, fiz atletismo, fiz natação, salvei mais de uma vida, compus marchas para o carnaval, fui voluntário dos Bombeiros, fundei tunas. Fiz muita coisa,” conta. Dizer que Hermínio Cunha é a enciclopédia de Carregal do Sal não é de todo exagerado. Já escreveu muito sobre o lugar, compôs canções que contam histórias da terra e tem um livro em versos decassílabos sobre personalidades, lendas e momentos importantes da vila. CARREGAL DO SAL, 2 A 6 DE SETEMBRO DE 2014

São alunos do Conservatório de Música e Artes do Dão e já haviam entrado no espectáculo de Santa Comba Dão. A experiência foi tão boa que resolveram repetir a dose em Carregal do Sal. “Temos uma relação muito forte com o Conservatório e em especial com o maestro Mário Cruz, que é um músico muito receptivo aos novos desafios,”

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explicou José Rui Martins. Como em todas as localidades a ideia da Acert era envolver músicos locais. Em Santa Comba e depois em Carregal do Sal, em vez dos músicos tocarem uma só canção foi proposto ao maestro que o grupo participasse no espectáculo todo. “Reuni-me com o maestro e dei-lhe as maquetas das música para que ele seleccionasse as que achava que poderiam ficar interessantes com novos arranjos,” conta o director da Acert. Depois de alguns encontros optaram por cinco canções. No Carregal, os músicos já estavam mais relaxados porque a apresentação em Santa Comba correra bastante bem. Os alunos do maestro Mário Cruz até deram um nome ao grupo: Os 11 do Dão. São dez músicos mais o maestro e trazem clarinetes, saxofone, fagote, trompetes, bombardino e percussão. Durante o ensaio geral vão acertando os detalhes dos arranjos. Divertem-se, improvisam e deixam uma boa imagem, que será repetida no sábado. Os instrumentos de sopro enchem as canções com um arranjo bonito e agradável de escutar. O grupo também foi convidado para o espéctaculo final desta digressão, em Aguiar da Beira, mas tiveram de recusar o convite porque a maioria dos integrantes se apresentava no mesmo dia noutro projecto. “Eu sei que guardam essa experiência como um bom momento, porque quando me encontram perguntam-me sempre: Como é para o ano? Não te esqueças, queremos continuar a participar,” conta José Rui Mar79

Alunos do Conservatório, de Santa Comba Dão, participaram no espectáculo em Carregal do Sal, à semelhança do que aconteceu em vários sítios, onde gente de algumas localidades repetiu a participação noutras


Começou a chover e o padre da história, José Rui Martins, improvisou um pedido: “Que pare de chover.” Minutos depois, a chuva diminuiu e logo cessou

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tins.

O MILAGRE DO PADRE O céu era um negrume só para os lados da Serra do Caramulo, e o assunto entre os integrantes do Trigo Limpo, que almoçavam em Tondela, não podia ser outro. Aquelas nuvens, para onde vão? Choverá em Carregal do Sal? A que horas? É sábado e a preocupação é justificada: a chuva pode atrapalhar a apresentação em Carregal do Sal. A chegada à vila traz algo que pode ser uma boa notícia: pela manhã já tinha caído água. Uma chuva ligeira, que não afectou os equipamentos montados durante a madrugada. A tarde foi de olhos para o céu, na tentativa de prever o que aconteceria. Os participantes começaram a chegar, foram caracterizados, lancharam e nada de o céu abrir, ou desabar. E aquilo ficou assim mesmo até ao início do espectáculo. Mas foi só o cornaca dizer as primeiras palavras e as primeiras gotas caíram. A temperatura era agradável, o que fazia daquela fina chuva algo sem importância. E assim permaneceu por alguns minutos, até que a água começou a chegar com mais força. Algumas pessoas cobriram-se com os desdobráveis de A Viagem do Elefante, distribuídos pela equipa de apoio (Rui Coimbra, Marta Costa e Raquel Costa) outras procuraram abrigo 81

debaixo das árvores ou edifícios. E houve aqueles, mais prevenidos, que correram até aos carros estacionados próximos da Praça do Município,(2) e voltaram com guarda-chuvas e blusas. Com o passar do tempo, o que era uma chuva fina começou a tornar-se algo incómodo e entre o público havia alguma apreensão e expectativa: seria a obra interrompida? Não foi preciso. O padre da história, José Rui Martins, cuidou do assunto. Aproximou-se do elefante Salomão e, na habitual reza que faz durante o espectáculo, entre as palavras ditas em latim, o actor improvisou um pedido: “Que pare de chover.” Riu o público, riram os participantes, e a peça seguiu com o elefante a dar um coice ao padre após ser benzido por ele. E minutos depois a chuva diminuiu e logo cessou. No final do espectáculo, o assunto entre os participantes era um só: o “milagre” operado por José Rui. “Olha, agora precisas de saber o nib do São Pedro para pagar o serviço,” brincou Pompeu José. “Agora já pode chover,” decretou José Rui. E foi o que aconteceu durante toda a madrugada.

RICARDO VIEL TEXTO RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS

( ) Praça do Município Carregal do Sal; Gps: 40°26’09.0”N 8°00’07.5”W


MANGUALDE, 9 A 13 DE SETEMBRO DE 2014

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M A N G UA L D E Os ensaios do Trigo Limpo com os participantes locais decorrem na Associação Mangualde Azurara, um edifício por acabar, situado por trás dos dois estádios da localidade, onde a falta de reboco em algumas paredes não apaga os vestígios de actividades associativas regulares. No salão principal, o mesmo onde se encontra um pequeno bar agora parado e uma mesa de matraquilhos que há-de ter uso frequente nos intervalos do trabalho teatral, ensaia-se mais uma apresentação de A Viagem do Elefante. Sandra Santos coordena os trabalhos do grupo que manuseará os bambus, com a participação de António Rebelo, o cornaca, Pedro Sousa, o capitão austríaco, e João Silva, o comandante português. Manter a firmeza nos movimentos das canas e garantir que todas se deslocam ao mesmo tempo é uma das tarefas difíceis deste grupo de participantes, mas talvez mais complexo seja absorver em tão pouco tempo uma narrativa como esta, perceber o que acontece em cada cena e que

tipo de intervenção se espera de quem participa, aprender gestos, marcações, falas colectivas, tudo em três ou quatro dias. Curiosamente, há cenas que parecem construir o seu sentido sem grande trabalho, como aquela que quase encerra a narrativa, quando o cornaca anuncia que “a Salomão cortaram-lhe as patas, para que após as necessárias operações de limpeza e curtimento servissem de recipientes à entrada do palácio, para depositar as bengalas, os bastões, os guarda-chuvas e as sombrinhas de Verão.” Ainda antes de Sandrinha explicar as reacções corporais e fisionómicas que o grupo deveria representar neste momento, já os participantes dos bambus estão a reagir exactamente como era esperado. É uma reacção sincera, não uma interpretação, o que ajuda a explicar o porquê do envolvimento emocional que esta viagem tem provocado em todos os que nela vão participando. No exterior, o tempo continua a passar sem querer saber de ensaios. As últimas amoras do ano ainda resistem nas silvas, mesmo que o céu pareça igual ao do início do Verão. Subindo os penedos graníticos junto à Associação Mangualde Azurara, avista-se a Serra da Estrela contornando em meia-lua a linha do horizonte e consegue identificar-se Celorico da Beira e Gouveia, aqui tão perto. Também se avista Quico, surgindo de repente no meio das silvas. Como tem sido hábito nesta digressão, há sempre um cão que acompanha os trabalhos, sem convite mas com o acolhimento merecido por parte da equipa. Em Mangualde, o cão responde pelo nome e, aprendendo depressa as manhas que pode usar para contrariar as vontades dos humanos, recusa regressar ao espaço confinado do pátio da associação quando, à noite, tentamos fechar o portão. Agora que descobriu o prazer de deambular por aí, será difícil convencê-lo a regressar aos velhos hábitos, o que só ajuda a confirmar algo que Salomão também nos ensina: nisto das manias e das vontades, somos mais parecidos com os bichos do que aquilo que queremos imaginar.

A ARTE DO BORDADO DE TIBALDINHO Para chegar a Tibaldinho,(1) terra onde se fazem os bordados com o mesmo nome, é preciso passar pelas Termas de Alcafache,(2) uma estância à beira rio, e atravessar uma ponte cujas fundações datam do período romano. Já em Tibaldinho, encontramos Dona Cidália sentada a bordar, à porta da casa que lhe serve de oficina. Somos bem recebi-

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Aldeia de Tibaldinho; Gps: 40°36’06.2”N 7°50’40.0”W Termas de Alcafache; Gps: 40°36’21.8”N 7°52’10.6”W


dos, como sempre tem acontecido nas visitas que Salomão nos tem proporcionado, e Dona Cidália nem sequer reclama quando o fotógrafo lhe pede para posar no sítio onde a encontrámos, mas agora simulando a tarefa de bordar com a consciência da objectiva metediça que lhe quer fixar a imagem. Guardiã de uma tradição com pergaminhos, a bordadeira conta-nos o que se sabe sobre a história desta arte, que começou a aprender quando tinha apenas sete anos, com a mãe da sua madrinha: “É o bordado português mais antigo que se conhece e sabe-se que quando a corte portuguesa regressou do Brasil encontrou aqui várias bordadeiras a quem encomendou trabalhos para serem levados para as casas reais, nomeadamente de Santar, Viseu e Mangualde.” Quanto mais recortado for o tecido, e quanto maior for a variedade de pontos, mais bonito fica o trabalho final, uma espécie de filigrana em fibras vegetais onde cada ponto revela a mestria de quem o executa. “O bordado de Tibaldinho é branco sobre branco, fio de algodão em tecido de algodão, tecido de linho com linha branca fininha ou tecido de linho bordado com linho. Antigamente até se cultivava aqui o linho, mas para as bordadeiras mais pobres, era uma matéria muito cara, por isso usavam mais o algodão sobre algodão.” As encomendas continuam a aparecer, sobretudo para casamentos e enxovais, mas Dona Cidália não se fica pela realização dos bordados, sendo igualmente formadora nesta arte, com aulas que decorrem na Sociedade Filarmónica de Tibaldinho, aqui bem perto. Espera-se, agora, a certificação do bordado de Tibaldinho, de modo a tornar mais conhecida esta herança tão viva. Dona Cidália sonha com uma Casa do Bordado, criando emprego para uma mão cheia de bordadeiras que trabalhassem a tempo inteiro na arte. Era um modo de dinamizar a terra e de dar a conhecer o seu património: “Não queria morrer sem que isso ficasse resolvido.” Esperemos que lhe

dêem ouvidos porque, como diz o Alcaide de Castelo Rodrigo, “nem tudo na vida são alabardas, alabardas, espingardas, espingardas.”

BOLOS NA IGREJA Sabendo que a gula é um dos sete pecados mortais elencados no Antigo Testamento, espanta-nos encontrar uma pastelaria onde tudo o que se vê na montra desperta a vontade de comer. É assim na igreja do Complexo Paroquial de Mangualde,(3) onde a Pastelaria do Patronato ocupa um dos espaços do claustro que rodeia a entrada principal do templo. Fundada com o objectivo de assegurar algum financiamento para as obras sociais da paróquia, a pastelaria encontra-se neste lugar há vinte e sete anos, elaborando com esmero os pastéis de feijão cuja receita, de origem conventual, remonta a 1936. Talvez para evitar confrontos interiores no momento de decidir onde se vai, a pastelaria encerra antes da missa da tarde… Os pastéis, cuja receita, obviamente secreta, inclui feijão branco em pó, são tudo aquilo que poderia servir de matéria a uma divagação sobre a gula. O aspecto lembra um pastel de nata, mais amarelo no recheio e sem as manchas escuras produzidas pelo calor. Estaladiça e ainda morna, a massa produz aquele som que atesta a qualidade da matéria-prima, deixando o sabor do recheio espalhar-se na boca com volúpia, de tal modo que não é preciso sermos crentes para termos a certeza de estarmos à beirinha da escorregadela moral no que à gula diz respeito. E só para confirmarmos que não será um bolo a abalar-nos as convicções, comemos mais do que um, regressando no dia seguinte para repetir a façanha. Cá fora, aproveita-se a tarde para conhecer a terra que nos acolhe. No alto de uma colina que marca a vista da cidade, avista-se a Ermida da Senhora do Castelo,(4) igreja do século xix erguida sobre uma outra, mais antiga, construída no século xv. Sem pernas para a subida, porque isto de comer bolos com objectivos meramente de investigação jornalística rouba muita energia, segue-se o caminho em direcção à quinta do Palácio dos Condes de Anadia,(5) que finalmente dará aos habitantes da aldeia de A Viagem do Elefante um bom motivo para dizer que o feitor “deve estar lá para a Quinta do Palácio.” No Largo Doutor Couto,(6) onde decorrerá o espectáculo, os estrados que definirão certas cenas já se alinham perto de Salomão, mesmo em frente ao edifício da Câmara Municipal, o antigo Solar dos Rebelos Leitões, cuja capela será utilizada como casa do Padre na cena em que os aldeãos vão indagar sobre a possibilidade de o elefante que por

( ) ( ) ( ) ( ) MANGUALDE, 9 A 13 DE SETEMBRO DE 2014

Complexo Paroquial de Mangualde; Gps: 40°36’20.9”N 7°45’56.4”W Senhora do Castelo, Mangualde; Gps: 40°36’45.7”N 7°44’36.2”W Palácio Condes da Anadia, Mangualde; Gps: 40°36’16.0”N 7°45’55.9”W O Largo Dr. Couto é onde se situam a Câmara Municipal de Mangualde e o Solar dos Rebelos Leitões; Gps: 40°36’17.0”N 7°45’41.3”W

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ali anda ser um deus (ou, pior, simplesmente Deus). No café do largo, já se ouvem palpites sobre o que acontecerá na noite de sábado. Há quem garanta que o elefante se move e quem não acredite nessa possibilidade. Há também um homem sentado numa mesa, sozinho, que lê as últimas páginas do conto de José Saramago que esteve na origem deste espectáculo. Contenho a urgência de ir falar com ele, porque não quero interromper-lhe a leitura quando a narrativa está tão perto do fim, mas quando volto a dirigir o olhar para a mesa, convicta de que já terá acabado o livro, o homem desapareceu. Ficará por saber se lia A Viagem do Elefante por causa do espectáculo, se era leitor habitual de Saramago e o que achou do conto. Às vezes, aquilo que não se chega a saber também merece ser registado.

TRIUNFO, SEM OLVIDO Antes de começar o ensaio geral, actores e participantes passeiam pelo espaço e vão reconhecendo lugares e marcações das cenas que interpretarão. Depois de assistir a tantas representações nas terras por onde Salomão já passou, o burburinho destes momentos que antecedem o ensaio geral começa a ser familiar. De um certo modo, este é o momento em que a cena se transforma numa espécie de navio de loucos, com cada actor, músico, técnico a fazer uma coisa diferente num mesmo espaço 85

Sabendo que a gula é um dos sete pecados mortais elencados no Antigo Testamento, espanta‑nos encontrar uma pastelaria onde tudo o que se vê na montra desperta a vontade de comer. É assim na igreja do Complexo Paroquial de Mangualde, onde a Pastelaria do Patronato ocupa um dos espaços do claustro que rodeia a entrada principal do templo


e ao mesmo tempo. A voz dos cavaleiros português e austríaco pode sobrepor-se aos acordes soltos de alguma canção ensaiada pelos músicos, competindo, ainda, com as luzes que acendem e apagam sem aviso prévio, testadas por Paulo Neto, por um ou dois guinchos do feedback enquanto Luís Viegas ajusta o som, e talvez com o roncar do motor que faz mover Salomão, guiado por Filipe de Jesus (ou por António Gonçalves, também contra-regra). Visto de fora, é a imagem do caos, mesmo que já se saiba que daqui a instantes tudo e todos estarão no seu devido lugar. Com o espaço de cena quase às escuras, poucos minutos antes de começar o ensaio geral, Pompeu José aparece na zona da régie e pede a Paulo Neto que dê um bocadinho de luz ao elefante. O técnico reclama, porque isso interferirá com os últimos acertos da iluminação, mas logo cede quando Pompeu explica a urgência do pedido: “Vá lá, que estão ali uma série de meninos, todos à espera para verem o elefante.” As luzes iluminam, então, o paquiderme, ouve-se um suspiro colectivo de admiração e Pompeu sorri, satisfeito, explicando que estas coisas são importantes, porque reforçam os laços de afecto que Salomão vai criando em cada terra. No dia seguinte, a praça enche-se de gente muito antes de o MANGUALDE, 9 A 13 DE SETEMBRO DE 2014

espectáculo começar. Esgotadas as cadeiras e as bancadas, resta ao público mais tardio ficar de pé ou sentar-se no chão, mas nem isso causa desistências. Se todos os espectáculos desta digressão têm corrido da melhor maneira, este parece ter sido especialmente bem sucedido. Por algum motivo difícil de apurar, os actores pareciam estar numa sintonia que se pressentia a cada cena e os participantes souberam integrar-se nesse movimento colectivo como se nunca tivessem

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feito outra coisa. Não fosse Carriça, a burra que há-de levar o cornaca de volta a Lisboa, ter decidido zurrar no preciso momento em que a rainha diz ao rei que “temos o Salomão,” substituindo o esperado barrito pela rudeza do zurro, e o espectáculo de Mangualde mereceria ser registado de uma ponta à outra, tal como foi sendo feito por Rui Sérgio Henriques nesta digressão, permitindo a memória futura que todos desejam para esta viagem. Felizmente, esse registo aconteceu e tudo foi devidamente filmado com várias câmaras e, até, um drone (terá sido isso que assustou a burra?). Melhor ainda, o zurro de Carriça naquele preciso momento não criou, afinal, qualquer espécie de mácula nesta representação, garantindo, pelo contrário, que os imprevistos fazem parte do teatro como da vida, confirmando que o humor é sempre matéria que ajuda a pensarmos de modo mais lúcido, assegurando um episódio que ajudará a que ninguém se esqueça deste espectáculo em particular. Ao contrário de Salomão, Carriça talvez se salve do olvido a que todos os seres parecem destinados. Pelo menos, enquanto houver quem lembre a sua passagem por Mangualde. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS 87

Antes de começar o ensaio geral, actores e participantes passeiam pelo espaço e vão reconhecendo lugares e marcações. Depois de assistir a tantas representações, o burburinho destes momentos que antecedem o ensaio geral começa a ser familiar. Este é o momento em que a cena se transforma numa espécie de navio de loucos, com cada actor, músico, técnico a fazer uma coisa diferente num mesmo espaço e ao mesmo tempo ZÉTAVARES ILUSTRAÇÃO


Sテグ PEDRO DO SUL, 16 A 20 DE SETEMBRO DE 2014

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SÃO P E D RO D O S U L Quase no fim da viagem, a meteorologia volta a ameaçar Salomão. Os primeiros três dias de montagem e ensaios em São Pedro do Sul têm decorrido ao ritmo dos aguaceiros fortes e sob a ameaça das previsões, que não auguram nada de bom para o fim de semana. Apesar disso, os trabalhos prosseguem. No salão dos Bombeiros Voluntários e no Cineteatro Municipal Jaime Gralheiro ,(1) os participantes ensaiam cada cena com esperança de que as nuvens não arruinem tudo. Entre antigas viaturas de combate ao fogo, o grupo dos bambus aprende movimentos e marcações, aproveitando os intervalos para, à janela, perscrutar o céu procurando uma aberta que insiste em não aparecer. No Cineteatro Municipal Jaime Gralheiro, o grupo dos “trombudos” faz o mesmo, aqui com o privilégio de um palco numa sala absolutamente maravilhosa. Construído em 1925, o teatro foi inaugurado por Amélia Rey Colaço, cujo nome pode ler-se numa inscrição pintada no tecto trabalhado da sala. Encerrado durante mais de vinte anos, reabriu em 2006 depois de obras de restauro que lhe devolveram a grandeza dos interiores, dourado sobre madeira pintada, veludo vermelho nos assentos e no pano de boca. Actualmente leva o nome de Jaime Gralheiro, dramaturgo e encenador natural de São Pedro do Sul que faleceu há poucos meses, já Salomão andava em digressão por terras de Viseu Dão Lafões. Ensaiar para este espectáculo na sala com o seu nome é, também, um modo de prestar a merecida homenagem a este homem do teatro.

NAS TERMAS Acordar cedo e deambular pelas ruas das Termas de São Pedro do Sul (2) é uma experiência quase cinematográfica. Aquilo que parece a névoa da manhã é, afinal, o vapor que se liberta das águas medicinais em certas zonas do complexo termal, sobretudo perto da nascente, onde se reúnem várias pessoas que molham os braços, as pernas ou o rosto, conforme a maleita que as aflige. As esplanadas em frente ao Balneário Rainha Dona Amélia começam a encher-se de gente que se prepara para os tratamentos do dia, não sem antes passar pelo ritual do cafézinho e do jornal. A média de idades destes termalistas e o facto de muitos aparentarem ser estrangeiros transforma o espaço num cenário que podia ter saído de um romance de Thomas Mann. Nem falta

( ) Cineteatro Jaime Gralheiro, São Pedro do Sul; Gps: 40°45’39.1”N 8°03’49.6”W ( ) Termas de São Pedro do Sul; Gps: 40°44’23.1”N 8°05’29.9”W 89

o verde, talvez mais selvagem do que o suíço, e por isso mesmo mais belo. A poucos metros do centro da vila termal, uma ruína assinala o local onde as termas começaram. Na origem, um balneário romano, construído algures na primeira metade do primeiro milénio da nossa era. Mais adiante, Dom Afonso Henriques há-de conceder carta de foral a esta terra, na altura chamada de Vila do Banho, e aqui há-de fazer um longo tratamento para curar a perna ferida durante uma batalha. É nesse lugar que surge, vinda da margem do rio, uma senhora que se mostra curiosa com o meu interesse pelas ruínas e, sobretudo, com o caderno de notas onde escrevo. Dona Olinda dos Santos conhece bem esta ruína, já que aqui ficava a Escola Primária onde estudou, construída mesmo ao lado das ruínas do balneário romano. “Quando passo aqui fico com muita pena de ver a escola assim, em ruínas.” Depois da escola, trabalhou durante cinquenta anos nas termas, primeiro no Balneário da Rainha Dona Amélia, mais tarde, pouco antes da reforma, no novo balneário, apropriadamente baptizado com o nome de Afonso Henriques. “Guardo muito boas memórias desses anos a trabalhar nas termas. E a menina não pode sair daqui sem ir visitar o balneário, que é muito bonito.” Agradeço a Dona Olinda pela conversa e sigo para o balneário


Assim que entramos nas estradas serranas, a beleza da paisagem impõe diversas paragens. Descendo para Covas do Monte, surge a primeira visão de cabras pastando nas encostas

da Rainha Dona Amélia, que reservou uma ala do edifício para exibir um pouco da sua história. Ali se encontram instrumentos de auxílio aos tratamentos termais, de torneiras a termómetros, duches escoceses, banheiras para diferentes tipos de banhos e uma parafernália de objectos que ajudam a perceber a evolução dos tratamentos e da tecnologia a eles associada, bem como a história deste balneário, fundado em 1894. Cá fora, as esplanadas continuam cheias e o corrupio de gente que entra e sai dos tratamentos não pára.

PELAS ESTRADAS DA SERRA Em São Pedro do Sul, poucos quilómetros adiante da vila termal, Salomão aguarda pacientemente em frente à Câmara Municipal. A chuva persiste, o que obrigou os técnicos a adiarem a montagem do material de luz e som que, ao contrário do elefante, não pode apanhar água. Com o avançar dos ponteiros do relógio desta sexta-feira cinzenta, a equipa percebe que terá de anunciar o inevitável: o ensaio geral marcado para esta noite será cancelado. Apesar disso, ninguém desarma, nem no esforço, nem na esperança. Actores e participantes ensaiam debaixo de tecto, entre os Bombeiros e o Cineteatro, e à noitinha ainda farão um ensaio no lugar do espectáculo, aproveiSÃO PEDRO DO SUL, 16 A 20 DE SETEMBRO DE 2014

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tando uma aberta no céu. Não é o ensaio geral, porque não há som, nem luz, nem músicos, essa parte do elenco absolutamente essencial para o espectáculo e a sua preparação, mas ajuda a definir algumas marcações. Com a chuva parada por alguns instantes, cronista e fotógrafo (que desta vez é Ricardo Chaves) rumam a Covas do Monte,(3) aldeia encaixada num vale da Serra de São Macário. Assim que entramos nas estradas serranas, a beleza da paisagem impõe diversas paragens para fotografar e ver, ver com os sentidos todos. Já no alto, com os ouvidos a acusarem a subida acentuada, paramos à beira de uma estrada de onde se avista a sobreposição de cordilheiras do maciço da Gralheira, unindo as serras de São Macário, da Arada e da Freita. Com o céu inesperadamente limpo, pelo menos durante algum tempo, o que a visão alcança torna-se quase ilusão de óptica e as montanhas desalinhadas umas atrás das outras lembram, de repente, o mar, com a linha do horizonte lá ao fundo, enganadora como sempre. Sem tempo para subirmos até S. Macário,(4) local de romaria anual, iniciamos a descida para Covas do Monte, onde o meu companheiro de viagem asse-

( ) Covas do Monte, Serra de S. Macário; Gps: 40°53’11.7”N 8°05’59”W ( ) Ermida de S. Macário, Serra de S. Macário; Gps: 40°52’00.8”N 8°05’00.1”W

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gura um cenário de cabras pastando livremente e alcançando todos os cimos que não imaginaríamos possíveis. Alguns quilómetros antes do nosso destino, a primeira visão de cabras surge no meio da estrada. Acompanhadas por um pastor, que nos cumprimenta e explica que aquele é um rebanho comunitário, sendo hoje o seu dia de levar os animais a pastar, as cabras parecem invadir toda a área à nossa volta. Com o ar benevolente de quem não decidiu ainda se a visita de dois estranhos num automóvel é uma coisa boa ou má, os bichos lá se afastam pacientemente, deixando-nos seguir viagem. Em Covas do Monte, a primeira coisa que notamos é o sossego, para logo depois repararmos no ‘Espaço Internet, criado pela Associação Amigos de Covas do Monte e instalado num espigueiro recuperado para o efeito. Avançando por caminhos de terra e pedras, atravessando lameiros e cruzando pequenos cursos de água, vamos entrando pela aldeia até encontrarmos as primeiras pessoas. Uma mulher, vestida de negro da cabeça aos pés, conduz meia dúzia de bois pelas ruas enlameadas entre casas de xisto, onde ainda se distinguem os espaços reservados aos animais. Recebe-nos bem, mas não quer ser fotografada nem responder a perguntas. Mais adiante, outra mulher avança na nossa direcção transportando um fardo de canas de milho preso à cabeça, e parece não reparar na nossa presença. Perto do ribeiro que atravessa a aldeia, e onde ainda resiste um moinho de água com a estrutura relativamente preservada, lá estão as cabras pastando livremente, espalhadas pelos socalcos que se arrumam de ambos os lados da rua. Ricardo Chaves assegura que não estão aqui nem metade das cabras que costumam deambular pela aldeia habitualmente e quando encontramos uma mulher que recolhe o seu gado num curral, percebemos o motivo. Explica-nos que está quase a cair uma carga de água e que, por isso, os animais começaram a ser recolhidos mais cedo, e alguns nem saíram para pastar longe. Fica prometido um regresso, para ver a quantidade inusitada de animais que por aqui costumam


andar e, também, para provar o cabrito assado no forno de lenha que é servido no restaurante da Associação Amigos de Covas do Monte. No regresso a São Pedro do Sul, fugindo da chuva que cai no vale, aproveitamos o céu ainda limpo das alturas e paramos no Portal do Inferno, zona de interesse geológico, guardando no olhar uma última visão desta paisagem absoluta. A viagem é curta, mas regressa-se outra pessoa depois de cruzar as serras e descer à aldeia.

PROMESSAS E AUSÊNCIAS No dia do espectáculo caem alguns aguaceiros à hora do almoço, mas à tarde a chuva pára e o ensaio geral pode decorrer sem sobressaltos. Será um esforço duplo para todos, equipa e participantes locais, mas há-de ser recompensado mais logo, quando o largo frente à Câmara Municipal se encher de gente, alguma vinda das termas e de outras terras mais longe, para assistir a mais uma viagem de Salomão. Entre os muitos participantes locais, um grupo destaca-se precisamente pelo facto de ser grupo. São alunos do primeiro ano do Curso Técnico de Artes e Espectáculo/Interpretação, da Escola Profissional de Oliveira do Hospital, Tábua e Arganil, e vêm todos os dias de Tábua para os ensaios. Um desses estudantes, Leandro Araújo, de 15 anos, confessa o entusiasmo: “a única experiência de teatro que tive foi na Escola da Cordinha, onde estudei até ao 9.ºano, e não era nem metade disto que estamos a viver agora, porque uma coisa é fazermos um teatro para os pais, amigos e pessoas ali da terra, outra coisa é representarmos para tanta gente que não conhecemos.” Quando soube que ia participar neste espectáculo, Leandro foi atrás do livro que deu origem à peça. Requisitou-o na biblioteca e leu-o antes de começar os ensaios. “Sabia que o espectáculo não ia ser só a história, mas queria conhecer o livro. Ler é muito diferente de representar, porque quando estamos a fazer uma peça estamos a viver o que aquela personagem sentiu.” Durante os ensaios do grupo dos “trombudos,” onde Leandro está inserido, percebe-se a atenção constante e o esforço deste miúdo que quer ser actor. Não há vocação ou talento que resultem sem trabalho, muito trabalho, e o que se vê ao observar Leandro durante os exercícios que Ilda Teixeira propõe ao grupo é a vontade de agarrar ambas as coisas, vocação e esforço. “Se não fôssemos puxados ao máximo, como estamos a ser, podíamos estar aqui como que numa brincadeira; mas assim, não, estamos mesmo a trabalhar como se fossemos actores e isso é muito bom.” Talvez daqui a poucos anos se possa ver o trabalho de Leandro Araújo num palco com a regularidade que a sua dedicação parece anunciar. Era sinal de que continuaria a ser possível ser actor profissional neste país e era, de certo modo, uma das continuações naturais desta viaSÃO PEDRO DO SUL, 16 A 20 DE SETEMBRO DE 2014

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gem que promete não terminar quando Salomão pisar o último palco desta digressão. Poderíamos encher muitas páginas com os pequenos episódios que fizeram desta digressão uma viagem colectiva e muito especial para todos quantos nela participaram. Em São Pedro do Sul, no final do espectáculo, assistimos a mais um deles. No momento em que um burro deveria entrar em cena para conduzir o cornaca de volta a Lisboa, nem sombras do animal. Junto ao elefante, apenas Luís Mirtilos, que sempre tem conduzido os muitos burros que vão participando nestes espectáculos, se vislumbrava. Aproximando-se do cornaca, Luís baixou a cabeça num movimento que foi, simultaneamente, a representação do gesto animal e a confirmação da sua generosidade e dedicação a este projecto, que tem acompanhado desde o início. Curvando-se ligeiramente, permitiu que o cornaca se sentasse às suas costas e, caminhando com a mesma elegância com que caminharia um burro manso mas decidido, dirigiu-se para o lado oposto da cena, levando o tratador de Salomão para a Lisboa aonde queria regressar. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO CARLOS TELES E RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS

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No momento em que um burro deveria entrar em cena para conduzir o cornaca de volta a Lisboa, nem sombras do animal. Junto ao elefante, apenas Luís Mirtilos, de cabeça baixa, num movimento que foi, simultaneamente, a representação do gesto animal e a confirmação da sua generosidade e dedicação a este projecto


AGUIAR DA BEIRA, 23 A 27 DE SETEMBRO DE 2014

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AG U I A R DA B E I R A

A última paragem desta digressão é também a mais distante de Tondela, casa da Acert, e obriga-nos a cruzar a fronteira entre o distrito de Viseu e o da Guarda, onde se localiza Aguiar da Beira. Depois de várias horas de viagem de camioneta, a chegada à vila beirã acontece quase em cima da hora do almoço, o que permitirá comprovar as boas recomendações sobre a gastronomia local. Ainda antes do restaurante, volta a haver um cão a acompanhar-nos. Desta vez é uma cadela, de raça pequena, que ficará perto da equipa até ao dia do espectáculo, ganhando, até, o direito a utilizar um cobertor instalado por um dos actores à porta do local de ensaios. O centro de Aguiar da Beira cresce em torno de um largo que merecia figurar em qualquer bilhete-postal. Num largo com chão de pedra, o chamado Largo dos Monumentos,(1) ergue-se a torre do relógio e, logo em frente, uma estrutura que parece um castelo em miniatura e que era, afinal, o tribunal onde se reuniam os juízes de fora que vinham, entre os séculos xv e xvi, exercer a sua autoridade. A prisão temporária era no piso inferior dessa estrutura, e as grades de ferro lá estão para o confirmar, pelo que o assunto se resolveria logo ali. Se fosse caso mais grave, também lá estava o pelourinho, que persiste. No mesmo largo, a Casa dos Magistrados albergava os juízes, que não tinham de andar muito para poderem trabalhar. Num café com esplanada sobre o largo, o senhor Amílcar vai apontando cada monumento e referindo a sua história. Lamenta que a torre esteja fechada ao público, por não ter a escadaria restaurada com a segurança necessária, e percebe-se que gosta de mostrar a terra onde vive àqueles que a visitam. Diz que talvez vá ver o elefante, mas assegura que já passou lá perto e ficou admirado com o tamanho do animal. Caminhando uns metros em direcção à entrada da vila, chega-se a uma rua que sobe em direcção a um miradouro. Lá em cima, uma estátua da Senhora do Castelo(2) e uma vista assombrosa em todas as direcções. Daqui se alcança parte das Terras do Demo que Aquilino Ribeiro imortalizou, o chão árido semeado de pedregulhos e com vegetação rasteira, a sombra do isolamento a pairar sobre quem vive na terra e dela tira o seu sustento. No regresso ao centro, algumas pessoas juntam-se à porta do restaurante Cabicanca, nome dado aos habitantes de Aguiar da Beira por conta de uma ave lendária que terá merecido de alguém o comentá-

( ) Largo do Monumentos, Aguiar da Beira; Gps: 40°48’59.4”N 7°32’43.5”W ( ) Estátua Sra. do Castelo; Gps: 40°48’55.1”N 7°32’46.4”W 95

rio “que bicanca, meu Deus, que bicanca!.” Ali se comenta o cartaz que anuncia o espectáculo de sábado e que alguém terá colado no vidro. Parece haver consenso na vontade de assistir à peça, mas a discussão sobre o desenho está acesa. Há quem goste da imagem e quem não a ache muito realista. A chegada de duas cozinheiras resolve a questão, quando uma delas aponta para o cartaz e remata: “É tal e qual o elefante que está ali, só lhe falta o homem sentado lá em cima.” E acaba-se a discussão, mesmo a tempo de entrarmos e provarmos umas papas de milho que têm tudo para destronar o arroz doce de sempre. Um dos males desta digressão, a par com a quantidade de horas passadas na estrada entre o medo de andar de carro e os comprimidos para o enjôo, é a oferta gastronómica. É um mal a médio prazo, porque no momento em que se provam as iguarias que em cada terra se cozinham, e esta não é excepção, tudo parece e é celestial, dos torresmos à broa de milho, do bolo de azeite à vitela assada na púcara. Seria


Em frente à Câmara Municipal de Aguiar da Beira, uma pegada em bronze assinala a passagem do elefante por esta localidade, que cresceu em torno de um largo que merecia figurar em qualquer bilhete-postal

preciso atravessar o planalto beirão a pé, pelo menos duas vezes, para o corpo se esquecer de tanta experiência gastronómica…

VIAGEM RELÂMPAGO

os municípios houve tempo para parar, tirar uma fotografia com os responsáveis pela autarquia e assinalar, desse modo, a passagem de Salomão por cada um desses lugares. Houve episódios caricatos, tantos que não caberão neste texto, mas dois merecem destaque. Primeiro, o momento em que Pedro Sousa, levado, talvez, pela personagem de feitor que interpretava, decidiu que a melhor forma de surgir na fotografia com o presidente da Câmara de Castro Daire e com o comandante português era sentado ao colo do autarca. Diga-se que este não mostrou qualquer perturbação com o facto e até sorriu para a objectiva de Carlos Teles. Depois, o encontro com o presidente da Câmara Municipal de Tondela, José António de Jesus, na estrada nacional 228, porque a hora já ia avançada e o presidente tinha de estar mais a norte daí a pouco. O ponto de encontro foi a estela-menir da Caparrosa e a fotografia, feita a correr para que não houvesse mais atrasos, incluiu o comandante português e o feitor. Mais tarde, cruzámo-nos com a segunda caravana, que percorreu os restantes municípios levando o cornaca, o rei de Portugal e o alcaide de Castelo Rodrigo. Houve gente apeada numa rotunda, com malas e bagagens, desencontros entre Tondela e Santa Comba Dão, e o avistamento, enfim, do outro carro, guiado por um cornaca de turbante e cara maquilhada que fazia parar o trânsito sempre que outros motoristas reparavam na figura. Nem Salomão, com o seu porte de elefante asiático a destoar no meio dos carros, terá criado tanta agitação pelas estradas do distrito e arredores.

A ÚLTIMA VIAGEM A chuva voltou a ameaçar o espectáculo, Salomão voltou a levar a melhor. Poucas horas antes do início da função, enquanto a Câmara Municipal de Aguiar da Beira acolhia a sessão solene de encerramento

Para encerrar a digressão de A Viagem do Elefante com os devidos agradecimentos a todos os municípios que integraram esta aventura, parte do elenco do Trigo Limpo faz uma outra digressão, muito mais rápida, por todas as terras onde Salomão foi recebido desde Maio até Setembro. Dois carros partiram de Aguiar da Beira com paragem marcada para os catorze municípios. O carro onde segui, guiado por Miguel Torres, da Acert, era aquele onde viajavam João Silva e Pedro Sousa, equipados com os figurinos de comandantes dos exércitos português e austríaco, respectivamente, e o figurino extra do senhor feitor, que Pedro foi vestindo em alternância com o de austríaco. A bordo seguia também Carlos Teles, um dos fotógrafos da digressão, pronto para escalar paredes ou deitar-se no meio da estrada de modo a garantir a melhor imagem. De Sátão a Viseu, passando por Vila Nova de Paiva, Castro Daire, Vouzela, São Pedro do Sul, Oliveira de Frades e Tondela, em todos AGUIAR DA BEIRA, 23 A 27 DE SETEMBRO DE 2014

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desta digressão, com a presença da equipa da Acert, de autarcas dos diferentes municípios por onde passou o elefante e de Pilar del Rio, presidente da Fundação José Saramago, os aguaceiros regressaram. À hora marcada, no entanto, só uma ligeira poalha caiu do céu e quase ninguém deu por ela. Salomão cumpriu a sua última viagem desta digressão, de Lisboa até Viena sempre sem sair da rua principal de Aguiar da Beira. Despediram-se dele em Lisboa, saudaram-no em Castelo Rodrigo, domaram-no para que fizesse um milagre em Pádua e acabaram por deixá-lo morrer em Viena, cortando-lhe as patas para gáudio dos seus proprietários. Somos tão estúpidos, às vezes, e ainda assim também somos capazes dos gestos mais grandiosos, e parece que nesse contraste está a centelha que nos faz humanos. Em frente à Câmara Municipal de Aguiar da Beira, uma pegada em bronze assinala a passagem do elefante por esta localidade. Lá ficará, enquanto o tempo que tudo corrói não a levar. Quem se cruzou com Salomão nesta viagem guardará, certamente, uma memória muito forte de tudo o que viveu e aí não há tempo que intervenha. Somos o que somos enquanto por cá 97

andamos e deixamos aos que ficam um pouco do que recordamos. Se soubermos fazer isto, não será preciso muito mais. A fechar A Viagem do Elefante, escreveu José Saramago que “sempre chegaremos ao lugar onde nos esperam.” Isso mesmo se ouviu pela voz do próprio autor no fim de cada um destes catorze espectáculos. Tropeçamos vezes sem conta, sim, e às vezes não sabemos bem o caminho, mas terá razão o escritor e isso mesmo se verificou nestes quatro meses. Andando pelas terras de Viseu Dão Lafões, Salomão foi sempre esperado e sempre chegou. Renasceu e voltou a morrer em cada lugar pelas mãos de uma companhia teatral e dos muitos participantes que a ela se juntaram, para além de todas as pessoas que quiseram vê-lo de perto, fazer-lhe festas, assistir ao seu percurso nunca repetido. De um certo modo, Salomão ganhou direito de cidadania em toda esta região, unindo-lhe os pontos com os seus passos pesados e partilhando saberes de uma terra com gentes de outra, ao mesmo tempo que ajudava a confirmar aquilo que parece ser comum a todas elas: a hospitalidade e o coração aberto contra todos os isolamentos geográficos.


Quem se cruzou com Salomão nesta viagem guardará, certamente, uma memória muito forte de tudo o que viveu e aí não há tempo que intervenha. Somos o que somos enquanto por cá andamos e deixamos aos que ficam um pouco do que recordamos. Se soubermos fazer isto, não será preciso muito mais

RETOMAR CAMINHOS A última viagem de Salomão, pelo menos este ano, não foi a que aconteceu sábado à noite perante uma plateia tão entusiasmada quanto melancólica com a partida do animal. É na manhã de domingo que essa outra viagem final se prepara, com a arrumação dos materiais utilizados no espectáculo e a desmontagem do paquiderme, sonhado por Saramago a partir de uma história verídica e erguido em ferro e vime pelo engenho de Nico Nubiola e pela equipa da Acert. Peça a peça, cabeça, patas, dorso, cauda, Salomão é desmanchado e cuidadosamente arrumado na enorme carrinha que transporta o equipamento desta digressão. O que sobra do seu corpanzil é a barriga e a estrutura de ferro erguida sobre a carroçaria de uma velha camioneta e é esse AGUIAR DA BEIRA, 23 A 27 DE SETEMBRO DE 2014

último pedaço que é guiado até à zorra, o atrelado gigante que há-de levar as várias partes de Salomão e muitos quilos de estrados até Tondela, ao armazém onde tudo ficará guardado. Olha-se para tudo isto, espalhado em montes organizados na rua frente à Câmara Municipal, e a primeira imagem é a de um monte de destroços. Depois pára-se um segundo, descobre-se uma certa alegria por entre a melancolia inevitável no final de uma viagem como esta, percebe-se o trabalho colectivo de uma equipa que vai arrumando aos poucos o trabalho de muitos meses, os quatro da digressão e todos os anteriores, desde a criação da peça à digressão de 2013, passando pelos ensaios, os acertos, as viagens entre uma terra e outra. Afinal, não são destroços o que se espalha pela rua, mas antes pedaços de um quebra-cabeças que só encontra a sua unidade na voz, no corpo e no trabalho dedicado destas pessoas. E também deste elefante, uma besta de ferro e vime que se transforma, uma e outra vez, em símbolo de uma viagem maior, aquela que a literatura e o teatro sabem fazer aos recantos da natureza humana e a tudo o que carregamos de vocação para o desastre, a fraqueza, o medo, mas também para a generosidade, a esperança, a liberdade. SARA FIGUEIREDO COSTA TEXTO CARLOS TELES E RICARDO CHAVES FOTOGRAFIAS 98



FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA DO ESPECTÁCULO “A VIAGEM DO ELEFANTE” 101.ª Produção do Trigo Limpo teatro Acert Texto criado a partir da adaptação livre do conto de José Saramago “A Viagem do Elefante” Criação: Trigo Limpo teatro Acert

Equipa técnica Stageland: Alfredo Luís, António Cunha, Carlos Santos, Cláudio Matias, Cláudio Rocha, Cláudio Santos, David Gaspar, Ivan Strilchuk, Jorge Lopes, Manuel Jaime, Marco Costa, Mário Borges, Miguel Cruz, Miguel Gomes, Nelson Simões, Pedro Simões e Rui Silva

Adaptação dramatúrgica e encenação: José Rui Martins e Pompeu José

Pirotecnia: Pirotécnica do Dão

Assistência de encenação: Ilda Teixeira e Sandra Santos Criação e direcção musical: Luis Pastor Arranjos musicais: A Cor da Língua Acert e Luis Pastor Cenografia e desenho gráfico: Zétavares Escultura de cena: Nico Nubiola Actores do Trigo Limpo Teatro Acert: António Rebelo, Hugo Gonzalez, Ilda Teixeira, João Silva, José Rui Martins, Pedro Sousa, Pompeu José e Sandra Santos Músicos: André Cardoso, Carlos Borges, Carlos Peninha, Flávio Martins, Lourdes Guerra, Luísa Vieira, Lydia Pinho, Miguel Cardoso e Rui Lúcio Direcção de produção: Miguel Torres Mecanismos cénicos e técnico de som: Luís Viegas Desenho e operação de luz: Paulo Neto Condução de engenho cénico: Filipe de Jesus Homem do Burro: Luís Mirtilos Contra-regra: Adriana Ventura e António Gonçalves Engenharia mecânica: David Pinheiro com apoio do Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial do Instituto Politécnico de Viseu- Escola Sup. de Tecnologia Ajudantes de cenografia: Xus Góngora, Adriana Ventura e Cláudio Lima

Vídeo: Fragmenesis, Option+ e Rui Sérgio Henriques Assistente de produção: Rui Coimbra Estagiária: Natália Rodrigues Secretariado: Marta Costa e Rui Vale Apoio ao secretariado: Paula Pereira Serviço de Limpeza: Efigénia Arede Produção: Trigo Limpo Teatro Acert Agradecimentos na construção: Gialmar, Tojaltec, Alumetal Sanchez, IPV, Transportes Fernando Pinheiro, Bombeiros Voluntários de Tondela, Multifusivel, Promotujau, Tondagro, Engenheiros Ângela Neves e José Salgueiro Marques Laboratório de interpretação: Alberto Gonçalves, Alexandra Monteiro, Ana Galamba, Ana Margarida André, Daniel Nunes, Eva Marques, Gustavo Marques, Jorge Martins, Jorge Nascimento, Luís Henriques, Márcia Leite, Margarida Quintal, Margarida Carvalho, Margarida Oliveira, Maria Helena Figueiredo, Nelson Dias, Paulo Matos, Rosa Simão, Samuel de Almeida, Susana Alves, Tatiana Duarte, Vanessa Santos e Vera Ermida. … e todos os voluntários que connosco construíram este espectáculo. Estreado a 29 junho de 2013, em Figueira de Castelo Rodrigo Duração 90 minutos; classificação etária M/6 anos

Figurinos: Rafaela Mapril Assistente de figurinos: José Abrantes

Apoios

Costureiras: Sandra Rodrigues, Pesponto Moderno, Alice Martins e Fernanda Abrantes

Turismo Centro de Portugal

Serralharia: Jorge Almeida e Rui Ribeiro

Promotores da digressão 2014

Carpintaria de cena: Carmoserra

Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões

Equipamento de som e luz: Stageland

Câmara Municipal de Tondela Teatro Viritato (Viseu A, Festival de Artes)

Co-produção musical

Parceria

O Trigo Limpo teatro Acert é uma estrutura financiada por


LISTAGEM DE PARTICIPANTES DA DIGRESSÃO DE 2014

VISEU

PENALVA DO CASTELO

Ana Castro, Ana Mota, Ana Peixoto, André Ferreira, Andreia Figueiredo, Andreia Rodrigues, Ângela Antunes, Ângela Lisboa, Aurora Batista, Bruno Pereira, Carla Gomes, Carlos Cruchinho, Catarina Ferreira, Célia Lopes, Daniela Fernandes, Eliana Ferreira, Elisa Melo, Evelina Nabais, Filomena Vaz, Gabriel Pinto, Gina Carvalho, Isabel Fonseca, João Almiro, Manuela Antunes, Manuela Lisboa, Marco Silva, Margarida Oliveira, Margarida Quintal, Maria Ferreira, Maria Figueiredo, Maria Silva, Maria Sousa, Miguel Pinto, Neuza Martins, Nuno Loureiro, Pedro Gomes, Rosa Simão, Rute Castro, Rute Figueiredo, Samuel Almeida e Sónia Rodrigues.

Ana Albuquerque, Ana Laires, Ana Martins, Ana Rodrigues, Ana Santos, André Ferreira, António Pereira, Barbara Ferreira, Bárbara Laires, Beatriz Correia, Carla Ventura, César Carvalho, Constantino Rodrigues, Cristina Carvalho, Dário Matos, Débora Cabral, Francisco Policarpo, Gabriel Fernandes, Isabel Melo, João Carvalho, João Pereira, José Batista, José Rodrigues, Luís Almeida, Magda Correia, Manuel Almeida, Manuel Melo, Manuel Vitória, Marcelo Santos, Maria Cancelas, Maria Costa, Maria dos Prazeres Ferreira, Maria Ermelinda Costa, Maria Ferreira, Maria Gouveia, Maria Mendes, Marta Loureiro, Otílio da Costa, Rafael Martins, Ricardo Carvalho, Ricardo Melo Rodrigues, Ricardo Rodrigues, Rosa Vaz, Sara Almeida, Sara Gomes, Sónia Monteiro e Tiago Martins.

CANAS DE SENHORIM, NELAS

OLIVEIRA DE FRADES

Alexandra Henriques, Alexandre Borges, Alexandre Marques, Amadeu Soeiro, Ana André, Ana Fidalgo, Ana Henriques, Ana Maria Pinto, Ana Morais, Ana Ramos, André Teixeira, António Figueiredo, António Henriques, António Santos, Arménio Ribeiro, Augusto Silva, Avelino Marques, Bernardo Faria, Carina Povoas, Carlos Abrantes, Carlos Rodrigues, Carlos Silva, Cátia Marques, Cátia Rodrigues, Cátia Soeiro, Daniel Amaral, Daniela Gonçalves, David Almeida, Diogo Augusto, Eduardo Paiva, Elisa Santos, Esmeralda Quintas, Eugénia Cunha, Félix Teixeira, Fernanda Ramos, Francisco Castela, Helena Direito, Helena Silva, Inelina Batista, Joana Gonçalves, Joana Santos, João Almeida, João Rodrigues, Joaquim Cardoso, Joaquim Pinto, Joel Amaral, Jorge Justo, Jorge Pereira, José Marques, José Pratas, José Silva, Luana Rodrigues, Manuel Figueiredo, Margarida Henriques, Maria Amaral, Maria André, Maria Borges, Maria Cardoso, Maria Fernandes, Maria Figueiredo, Maria Figueiredo, Maria Marques, Maria Marques Pinto, Maria Matias, Maria Moreira, Maria Nelas Pinto, Maria Pais, Maria Pinto, Maria Sampaio, Maria Santos, Marlene Ramos, Marlene Tiago, Rafael Teixeira, Ricardo Almeida, Rita Viegas, Rodrigo Augusto, Rui Henriques, Rui Marques, Sebastião Fonseca, Sofia Matias e Susana Ramos. Participação musical, Grupo Coral Canto e Encanto.

Ana Henriques, Ana Martinho, Ana Pereira, Andreia Aidos, Anja Masteleinq, Carla Martinho, Clara Vieira, Cristina Almeida, Cristina Marques, Eugénia Ribeiro, Fábio Ferreira, Filipe Soares, Gonçalo Henriques, Guilherme Ferreira, Irene Simões, João Pereira, Leonor Meneses, Lúcia Diogo, Luís Ferreira, Luís Vieira, Luísa Fernandes, Mafalda Albuquerque, Márcia Almeida, Maria Albuquerque, Marta Dias, Nuno Ferreira, Nuno Silva, Paulo Teixeira, Rafaela Rocha, Ricardo Marques, Rosa Bouza, Rui Castanheira, Sandra Ferreira, Sara Gonçalves, Sara Serrano e Sónia Ferreira.

— 101 —


VOUZELA

CARAMULO, TONDELA

Alexandra Carvalho, Álvaro Acácio Gomes, Ana Beatriz Ferreira, Ana Clara de Almeida, Ana Isabel Henriques, Andreia Patrícia Sousa, António Manuel Almeida, Aurora Matos, Bárbara Alexandrino, Benedita Maria Barros, Bernardo Pereira, Bruno Filipe Ferreira, Carlos Jorge Gonçalves, Carolina Rebelo, Célia Maria Almeida, Eva Cristina Martinho, Gabriela Matos, Helena Isabel Maximiano, Henrique Manuel Serrano, José Manuel Correia, Leonor Ferreira Lopes, Marco Rafael Santos, Margarida Maria Oliveira, Maria Alexandra Ferreira, Maria Celeste Torres, Maria de Lurdes Pereira, Maria de Lurdes Sá, Maria do Rosário Amaral, Maria Dolores Tavares, Maria Francisca Ferreira, Maria Gumercinda Matos, Maria Helena Torres, Maria Leonor Ferreira, Maria Luísa Maia, Maria Raquel Ferreira, Maria Simões Torres, Mariana Fernandes, Natália Almeida, Nuno Miguel Neves, Patrícia Andreia Lopes, Paula Cristina Lobo, Paulo Jorge Ferreira, Pedro Manuel Pinto, Sandra Andrade, Sandra Cristina Pereira, Sónia Alexandra Ferreira, Sónia Marisa Ferreira e Susana Patrícia Rocha. Participação musical:, Banda Filarmónica da Sociedade Musical Cultura e Recreio de Paços de Vilharigues.

Ana Castro, Ana Marques, Ana Pereira, Ana Porto, Ana Soares, Ângela Antunes, António Dias, António Ferreira, António Júnior, António Lomba, Bruno Maneira, Bruno Pereira, Carla Laborim, Carlos Ribeiro, Cátia Fernandes, Cidália Alves, Clara Cabaças, Daniel Nunes, Daniela Martins, Diana Costa, Diogo Coimbra, Elsa Ribeiro, Elsa Sousa, Fátima Santos, Gustavo Cunha, Inês Martins, José Ferreira, Mafalda Almeida, Margarida Matos, Maria Ferreira, Maria Gouveia, Maria Monteiro, Maria Rodrigues, Maria Silva, Mário Filipe, Marta Baptista, Nuno Loureiro, Nuno Pereira, Pedro Monteiro, Pedro Pereira, Rui Ribeiro, Rute Castro, Sandra Correia, Sandra Ferreira, Sara Trindade, Susana Alves, Susana Luís, Teresa Feliciano e Vasco Sousa.

VILA NOVA DE PAIVA

SÁTÃO

Adelaide Sebastião, Adelina Carvalho, Adelina Reis, Agueda Vougo, Alcídia Jesus, Ana Lages, Araújo Teles, Bárbara Ferreira, Beatriz Silva, Cármen Nunes, Cidália Lisboa, Clara Teles, Edite, Edna Afonso, Emília Alves, Ernestina Seixas, Fernanda Loureiro, Fernanda Sousa, Inês Lopes, Joana Teles, João Lopes, João Santos, João Silva, Jorge Sousa, Lucas Rebelo, Luis Silva, Manuel Ferreira, Maria Afonso, Maria Alcina Ferreira, Maria Andrade, Maria Basílio, Maria Freire, Maria José Ferreira, Maria Mota, Maria Odália Ferreira, Maria Ramos, Maria Sá, Maria Tupete, Marina Pinto, Miguel Almeida, Olinda Dias, Rosa Capela, Soraia Reis. Participação musical, Grupo de Concertinas Terras do Demo.

Alexandra Pina, Álvaro Cerdeiras, Amândio Santos, André Ferreira, André Gomes, Ângela Bártolo, António Almeida Ferreira, António Cardoso, António Ferreira, António Pereira, António Pinto, Artur Cardoso, Bruno Pereira, Cacilda Morgado, Carolina Pereira de Sousa, Carolina Reis, Cátia Jesus, Diana Freitas, Dominique Rey, Élia Lopes Figueiredo, Elisabete Rey, Ema Figueiredo, Fausto Faro, Filipa Ferreira, Filipa Soares, Hermínio Almeida, Hugo Batista, Hugo Silva, Inês Fernandes, João Pedro Pereira, José Silva, Juliana Santos, Laura Morais, Leandro Amaro, Lucília Nogueira, Luís Morais, Márcio Matos, Margarida Ribeiro, Maria Albuquerque, Maria Augusta Ferreira, Maria Beatriz Frias, Maria Coelho, Maria de Fátima Ferreira, Maria do Céu Monteiro, Maria dos Anjos Ferreira, Maria dos Anjos Frias, Maria Gonçalves, Maria Loureiro, Maria Morgado, Maria Natália Monteiro, Maria Pais, Maria Santos, Mariana Marinho Ribeiro, Mercedes Reis, Palmira Ferreira, Roberto Gomes, Rosa Almeida, Rui Ferreira, Sandra Campos, São Santos e Sara Pinto.

— ‘A VIAGEM DO ELEFANTE’ POR VISEU DÃO LAFÕES —


SANTA COMBA DÃO

CASTRO DAIRE

Adriana Maia, Ana Brinca, Ana Durães, Ana Patricia Santos, Ascensão Borges, Bernardino Andrade, Bruno Santos, Carla Costa, Carlos Cruchinho, Carlos Martins, Dalila Gomes, Daniel Nunes, David Ferreira, Elizabete Almeida, Emília Lage, Esmeralda Sousa, Esmeralda Tomás, Filipa Lhorca, Filipe Pereira, Gustavo Marques, Hélder Onofre, Helena Dias, Joana Camões, Joana Ferreira, João Bruno, João Carvalho, João Morais, Leandra Mateus, Lia Bruno, Liliana Gonçalves, Luísa Piedade, Madalena Lopes, Maria Pinto, Mimi Fontes, Natália Rodrigues, Patricia Santos, Pedro Calu, Piedade Chaves, Ricardo Costa, Rita Cordeiro, Roberto Sousa, Rosa Santos, Sérgio Ramos, Sílvia Santos, Teresa Brinca, Urbana Sousa, Vânia Viana e Zélia Morais. Participação musical, Ana Beatriz Martins, João Neves e Maria Gomes (Clarinetes), António Neves (Saxofone), Ricardo Rocha (Fagote), Marco Correia e Rafael Mendes (Trompete), Ângelo Santos e Mariana Silva (Bombardinos), Bruno Cordeiro (Percussão) e Mário Cruz (Maestro).

Aarão Coelho, Albino Almeida, Alexandra Ventura, Amaro Lemos, Ana Coelho, Ana Matias, Anabela Ribeiro, António Rodrigues, Carla Oliveira, Carlos Silva, Catarina Pinto, Catarina Soares, Cátia Silva, Cristele Pinto, Cristina Sousa, Daniela Santos, Filipe Ferreira, Georgina Ferreira, Graça Silva, Hália Pereira, Helena Pereira, Hermínia Paiva, Ida Almeida, Inês Almeida, João Monteiro, José Fernandes, José Loureiro, José Pereira, Júlia Sampaio, Liane Esteves, Lino Silva, Luciana Duarte, Luís Costa, Mafalda Andrade, Manuel Almeida, Manuel Pinto, Márcio Pereira, Maria Costa, Maria Esteves, Maria Ferreira, Maria Paiva, Maria Ribeiro, Maria Silva, Mariana Ferreira, Marta Ferreira, Olga Andrade, Paula Fernandes, Paulo Vicente, Raquel Almeida, Rui Rodrigues, Sandra Silva, Sara Silva, Sofia Melhorado, Tânia Gonçalves, Tatiana Monteiro, Tiago Dias e Tiago Ferreira.

CARREGAL DO SAL

MANGUALDE

Ana Figueiredo, Ana Pinto, António Figueiredo, Beatriz Abreu, Bruno Sousa, Cármen Cristo, Carolina Baptista, Catarina Borges, Cremilde Figueiredo, Cristina Ferrão, Cristina Lopes, Cristina Lopes, Daniel Duarte, Davide Elias de Sousa, Eduarda Filipa Figueiredo, Francisca Baptista, Francisca Barroso, Helena Abreu, Helena Monteiro, Inês Vasco, João Gil, Jorge Figueiredo, José Batista, José Feio, José Figueiredo, Júlio Paiva, Laura Marques, Márcia Silvério, Maria Abreu, Maria Assunção Nunes, Maria do Carmo Carvalho, Maria dos Santos Batista, Maria Figueiredo, Maria Inês Nunes, Maria Monteiro, Maria Silva, Marta Gomes, Marta Monteiro, Micaela correia, Paula Ribeiro, Rafaela Loureiro, Sara Ferreira, Sara Neves, Susana Duarte e Tatiana Patinha. Participação dos músicos de Santa Comba Dão, Anaísa Melo, João Neves e Maria Gomes (Clarinetes), António Neves (Saxofone), Ricardo Rocha (Fagote), Marco Correia e Rafael Mendes (Trompetes), Ângelo Santos (Bombardino), Bruno Cordeiro (Percussão) e Mário Cruz (Maestro).

Ana Amaral, Ana de Jesus Martins, Ana Henriques, Ana Martins, Ana Sena, Ana Tomás, Andreia Cardoso, Aurora Gomes, Beatriz Lopes, Carina Lopes, Carla Saraiva, Carlos Henriques, Cláudia Lopes, Cristina Matos, Daniela Gonçalves, Deolinda Fonseca, Eduarda Marques, Élio Figueiredo, Francisco Magalhães, Inês Abrantes, Joana Melo, Joana Oliveira, Joana Rodrigues, João Madeira, João Tomás, Jorge Ferreira, José Ferreira, Lúcio Balula, Luis Henriques, Marcelo Lopes, Maria Abrantes, Maria Cardoso, Maria Figueiredo, Mariana Lopes, Natasha Augusto, Paulo Melo, Raquel Rodrigues, Ricardo Lopes, Rui Rodrigues, Rute Augusto, Sara Henriques, Sílvia Melo, Susana Rodrigues, Tiago Lopes e Victor Gonçalves.

— 103 —


SÃO PEDRO SUL

AGUIAR DA BEIRA

Ana Garcia, Ana Gomes, Ana Mendes, Ana Morais, Ana Nunes, Ana Santos, Ana Silva, André Bizarro, António Dias, António Lima, Anya Sporman, Bruno Cunha, Cátia Correia, Clara Almeida, Cristiana Ladeira, Daniela Marques, Diamatino Batista, Eva Tanque, Fernanda Barros, Gonçalo Rodrigues, Ilda Silva, Joana Nunes, João Fernandes, José Bernardo, José Correia, José Duarte, Laura Ferreira, Leandro Araújo, Lena Carvalho, Licínio Jorge, Luciana Pinto, Luísa Mendonça, Marco Carmo, Maria Carvalho, Maria Figueiredo, Maria Pereira, Maria Santos, Mariana Almeida, Mário Almeida, Martina Oliveira, Melanie Oliveira, Mónica Almeida, Neuza Martins, Olga Soares, Rosária Correia, Sérgio Dias, Susana Rocha e Tiago Santos.

Ana Gomes, Ana Maria Lopes, Ana Rita Lopes, Ana Silva, Ana Vaz, Aníbal Elvas, Antónia Cardoso, António Andrade, Aristides Santos, Beatriz Martins, Carla Rodrigues, Carlos Campos, Carolina Figueiredo, Cristina Lopes, Daniel Morgado, Daniela Costa, Dina Andrade, Elisabete Lopes, Fabiana Cardoso, Filipa Coelho, Gina Fonseca, Inês E Morgado, Israel Araújo, João Andrade, João Jacinto, João Santos, Joaquim Lopes, José Amaral, José Frias, Manuel Barranha, Margarida Coelho, Margarida Ferreira, Maria Barranha, Maria Carlos Valverde, Maria Duarte, Maria Marques, Maria Mendes, Maria Pinto, Maria Rodrigues, Maria Valente, Maria Valverde, Marina Bento, Natalina Cunha, Paula Vaz, Ricardo Santos, Rita Mendes, Rosa Moutinho, Rosa Pedro, Sandra Gonçalves, Teresa Campos e Vasco Costa.

— ‘A VIAGEM DO ELEFANTE’ POR VISEU DÃO LAFÕES —


ÍNDICE REMISSIVO Acert, 15, 17, 18, 20, 21, 23, 24, 31, 32, 36, 41, 47, 55, 65, 69, 74, 79, 95, 96, 97, 98 Adro da Sé, 17, 18, 20, 21 Aguaceiros, 17, 89, 92, 97 Aguiar da Beira, 79, 95, 96, 97 Alcaide de Castelo Rodrigo, 35, 84, 96

Biblioteca Municipal do Sátão, 61

Cardoso, Senhor, 49

Blimunda, 15

Carregal do Sal, 77, 78, 79, 81

Bôlas, 20

Carvalho, César, 24

Bolo de azeite, 95

Casa Abreu Madeira, 30, 33

Bolo podre, 73, 74

Casa Bóquinhas, 18

Bolo, 20, 71, 84

Casa da Cultura de Santa Comba Dão, 66, 68

Comunidade Intermunicipal de Viseu Dão Lafões, 15 Confeitaria Amaral, 20 Confraria do Bolo Podre, 74 Conservatório de Música e Artes do Dão, 68, 69, 78, 79

Casa da família Castanheira, 43

Cornaca, 17, 20, 26, 27, 32, 35, 36, 39, 44, 49, 50, 51, 60, 65, 73, 74, 75, 81, 83, 86, 93, 96

Bordéus, 77

Casa da Ínsua, 23

Correia, Sandra, 17

Alfama, 66

Bragança, 51

Casa do Bordado, 84

Costa, Marta, 81

Alpes, 59

Brasil, 23, 53, 55, 84,

Casa do Passal, 77

Amaral, António Correia, 41

Broa de milho, 49, 95

Casa dos Magistrados, 95

Costa, Sara Figueiredo, 21, 27, 33, 39, 51, 69, 87, 93, 98

Amílcar, Senhor, 95

Broas, 20, 68

Casarão dos Caldeirinha, 55

Angola, 55

Broinhas doces, 66, 68

Castanhas de ovo, 20

Anta do Penedo do Com, 25

Burel, 49

Antelas, 38

Burra, 27, 37, 39, 86, 87

Castanheira, Carlota Gavino Marques Ferreira, 43, 44, 45

António, José, 69

Burrinho, 62, 74, 75

Arada, 91

Burro, 49, 74, 75, 93

Bombeiros, 29, 41, 49, 65, 78, 89, 90

Alemanha, 53

Bordado de Tibaldinho, 83, 84

Alentejo, 36

Castanheira, Ermelinda, 44 Castanheira, Teresa, 44 Castela, 61

Araújo, Leandro, 92 Arcos de Valdevez, 51 Armando, Jorge, 31 Arquiduque Maximiliano ii da Áustria, 17, 26, 50 Associação de Solidarie­dade Social de Lafões, 36 Associação Desportiva, Cultural e Recreativa de São João do Monte, 47 Associação Mangualde Azu­rara, 83 Auditório Carlos Paredes, 53, 57 Avenida Dr. Abel de Lacerda, 47

Castro Daire, 71, 72, 73, 74, 75 Cabanas de Viriato, 77

Castro, João de Albuquerque e, 23

Cabicanca, 95

Celeiro do Pão, 73

Cabrito assado, 49, 91

Célia, 21

Cáceres, Luís de Albuquerque de Mello Pereira e, 23

Celorico da Beira, 83 Charlot, 29

Café Central, 44

Chaves, Ricardo, 21, 27, 33, 39, 41, 45, 51, 57, 63, 69, 75, 87, 91, 93, 98

Caldas da Felgueira, 29 Câmara Municipal de Tondela, 15, 96 Caminhos de Ferro de Portu­gal, 43 Campos, Alexandra, 55 Campos, Arminda, 24 Canas de Senhorim, 29, 30, 31, 32

Bairro Alto, 65, 66

Cancelas, Elisabete, 27

Balneário Rainha Dona Amé­lia, 89

Cão, 33, 53, 83, 95

Batista, José Sousa, 78

Capuchas, 49

Bélgica, 77

Caramulo, 47, 48, 49, 50, 51

Bezerreira, 47

Cardoso, Miguel, 32

Chuva, 17, 24, 26, 27, 39, 49, 71, 80, 81, 90, 91, 92, 96 Cineteatro Municipal Jaime Gralheiro, 89 Cineteatro Teatro Municipal Oliveira de Frades, 35, 87 Coelho, José, 53, 55, 57 Coimbra, Rui, 81 Colaço. Amélia Rey, 89 Complexo Paroquial de Man­gualde, 84, 85

— 105 —

Covas do Monte, 90, 91 Covas do Monte, Associação Amigos de, 91 Craveiro, Rogério da Silva, 23 Cristo Rei, 77 Cristo, 19, 20, 48, 73 Crivos, 37, 39 Cruz, Mário, 69, 78, 79 Cuiabá, 23

D. João Afonso de Albuquer­que, 61 Daniel, 69 Dão, 23, 59, 66 Deus, 36, 85, 95 Direcção Regional de Cultura do Centro, 77 Dólmen de Antelas, 35, 38 Dom Afonso Henriques, 89 Dom Henrique, 59 Dona Adelaide, 49 Dona Catarina de Áustria, 66 Dona Cidália, 83, 84 Dona Conceição, 68 Dona Elisa, 18, 19 Dona Maria José, 68


Dr. Lacerda, 48

Ecopista do Dão, 66, 68 Elisa, 20 Empresa Lamelas, 74 Ermida da Senhora do Castelo, 84

Gralheira, 75, 91

Leão, Teresa de, 59

Neto, Paulo, 24, 37, 57, 86

Gralheiro, Jaime, 89

Licores caseiros, 18

Nobel, 47

Grande Hotel, 29, 32

Liliana, 21

Nubiola, Nico, 15, 98

Grupo Coral Canto e Encanto, 29

Linha do Vale do Vouga, 35, 41

Nunes, Cármen Almeida, 55

Guarda, 93

Lisboa, 15, 20, 26, 27, 30, 39, 42, 44, 49, 59, 68, 74, 87, 93, 97

Nuvens, 17, 19, 24, 41, 81, 89

Guedes, Victor, 17

Loureiro, Maria do Carmo, 60

Escola da Cordinha, 92

Lúcio, Rui, 27, 32, 53, 68

Escola EB23 do Caramulo, 47

Harbord, Charles, 31

Escola Profissional de Oliveira do Hospital, Tábua e Arga­nil, 92

Henriques, Rui Sérgio, 87

Esmolfe, 23 Espanha, 36

Lurdes Guerra, 68 Paço dos Três Escalões, 19

Hotel do Caramulo, 47, 51 Hotel Urgeiriça, 31

Maçãs Bravo de Esmolfe, 23, 24 Malhapão de Cima, 49

Estela-menir da Caparrosa, 96

Mangualde, 83, 84, 85, 87

Estrada Romana de Postasneiros. 39

Ícaro, 19

Evangelina, Maria, 47

Igreja da Misericórdia, 17, 18 Igreja de Pinheiro de Lafões, 35

Oliveira de Frades, 35, 36, 39, 96

Pádua, 97 Palácio dos Condes de Anadia, 84 Pão de azeite, 20

Maria, João, 74

Parque Botânico Arbutus do Demo, 55

Marques, Hermínio Cunha, 78

Parque Urbano de Castro Daire, 71, 72

Marques, Ricardo, 36

Pastéis de feijão, 20, 84

Fátima, 24

Igreja Matriz de Oliveira de Fra­ des, 35

Martins, Flávio, 44, 53

Pastéis de Vouzela, 43

Fernandes, Manuel, 37

Igreja Matriz de Sátão, 61

Pastelaria do Patronato, 84, 85

Fernandes, Vasco, 19

Martins, José Rui, 24, 29, 44, 47, 60, 71, 74, 79, 80, 81, 85

Igreja Santa Margarida, 48

Ferreira de Aves, 59

Mato Grosso, 23

Índia, 48

Pavilhão Multi-Usos, 18

Melhorado, Sofia, 71

Penalva do Castelo, 21, 23, 24, 26

Mendes, Aristides de Sousa, 77, 78

Peneiras, 37, 39

Jesus, Filipe de, 86

Minas da Urgeiriça, 30

Peninha, Carlos, 32

Jesus, José António de, 96

Minhoto, António, 30

Pereira, António, 26

Joaquim, 44

Mirtilos, Luís, 27, 75, 93,

Pereiras, 35

Jornal Defesa da Beira, 78

Mondego, 29, 32

Pinho, Lydia, 33

Freitas, Helena, 51

José, Pompeu, 17, 18, 26, 37, 47, 74, 81, 86

Monteiro, Maria Lúcia Simões de Azevedo, 77

Pinto, António, 73, 74

Fryer, Rob, 36

Jueus, 49

Mosteiro do Santo Sepulcro, 23, 25

Festival Viseu A, 17 Figueira da Foz, 17 Fogaça de mel, 20 Fogaças, 20 França, 53, 59, 74 Freita, 91

Fundação José Saramago, 97 Fundo da Vila, 26

Mouraria, 66 Largo Abreu Madeira, 29, 33

Museu Camila Loureiro, 61 Museu do Caramulo, 47, 48, 50, 51

Pastor, Luis, 32, 44, 68

Planalto beirão, 29, 47, 49, 50, 96 Ponte Luís Bandeira, 35 Portal do Inferno, 92 Portugal, 35, 48, 51, 59, 61, 74, 77, 96

Ganesha, 36

Largo da Feira de Oliveira de Fra­des, 35, 36, 37

Gomes, André, 59

Largo da Feira de Vouzela, 41

Museu Municipal de Carregal do Sal, 77

Gomes, Roberto, 59

Largo da Misericórdia, 23, 27

Gonçalves, António, 37, 86

Largo do Município, 65, 68, 69

Museu Municipal de Oliveira de Frades, 35

Gonçal­ves, Maria Isabel Plácido, 60

Largo do Rossio, 66, 67

Gonzalez, Hugo, 43, 45,

Largo dos Monumentos, 95

Namíbia, 59

Quico, 83

Gouveia, 83

Largo Doutor Couto, 84

Nelas, 29, 31

Quinta de São Cristóvão, 77

Museu Grão Vasco, 17, 19, 20

Praça da Republica, 44 Praça do Município, 81

Queijaria Quinta da Lagoa, 31 Queijo, 31, 32,

— ‘A VIAGEM DO ELEFANTE’ POR VISEU DÃO LAFÕES —


Rancho Folclórico Rosas do Mondego, 29

Senhora do Castelo de Aguiar da Beira, 95

Raquel Costa, 81

Senhora do Castelo de Man­gualde, 84

Raul, Senhor, 18, 19

Serra da Estrela, 29, 31, 47, 50, 83,

Rebelo, António, 32, 44, 83

Serra de São Macário, 91

Região Demarcada dos Vinhos do Dão, 59

Serra do Caramulo, 17, 47, 49, 50, 81

Rei Dom João iii, 15, 17, 27, 66, 87, 96 Restaurante da Associação Ami­gos de Covas do Monte, 91

Silva, João, 18, 71, 72, 73, 83, 96 Soares, Filipe, 35 Solar dos Albuquerques, 61

Ribeiro, Aquilino, 55, 95

Solar dos Rebelos Leitões, 84

Ribeiro, Orlando, 29

Sousa, Pedro, 32, 59, 83, 96

Rio, Pilar del, 97

Stageland, 24, 37, 65

Rota de Salomão, 15

Subhro, 26

Rua das Bocas, 20

Sue, 36

Rua Direita, 20

Suíça, 53, 59, 74

Rua D. Francisco Alexandre Lobo, 20

S. Vicente de Lafões, 39 Sabugal, 23 Salazar, 48, 65, 77 Salomão, 15, 17, 18, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 29, 30, 32, 33, 35, 36, 37, 39, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 56, 62, 63, 65, 66, 69, 71, 74, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 89, 90, 92, 93, 96, 97, 98 Sandra Santos, 18, 54, 66, 68, 83 Santa Comba Dão, 48, 50, 63, 65, 66, 68, 69, 75, 78, 79, 96

Vale do Côa, 15, Valladolid, 26, 71 Varanda dos Cónegos, 17, 19 Veiga, Valentina, 51 Veloso, António José de Barros, 48 Ventura, Adriana, 26, 33, 44, 68 Vicente, Paulo, 71, 72, 73 Viegas, Luís, 24, 37, 44, 86 Vieira, Luísa, 32 Viel, Ricardo, 45, 57, 63, 75, 81

Teatro Viriato, 17

Vila do Banho, 89

Teixeira, Ilda, 18, 35, 43, 54, 60, 66, 68, 92

Vila Nova de Paiva, 53, 54, 55, 96

Teles, Carlos, 27, 39, 57, 69, 75, 87, 93, 96, 98

Vinho, 18, 19, 31, 32, 59,

Teles, Paula, 77 Termas de Alcafache, 83 Termas de São Pedro do Sul, 89, 92 Termas do Carvalhal, 74

Vimieiro, 66

Viriatos, 20 Viseu Dão Lafões, 15, 23, 89, 97 Vitela assada na púcara, 97 Vougo, Águeda Guedes, 54 Vouzela, 41, 43, 44, 96

Terras do Demo, 55, 95

Tibaldinho, 83, 84

Santos, Olinda dos, 89 São Miguel de Vila Boa, 59

Tondela, 15, 17, 18, 32, 41, 47, 81, 95, 96, 98

São Pedro do Sul, 89, 90, 91, 93, 96

Torres, Miguel, 96

Saramago, José, 15, 17, 33, 37, 43, 47, 59, 69, 71, 72, 74, 85, 97, 98

Torresmos, 95

Sátão, 57, 59, 60, 61, 63, 96

Trancozelos, 26

Segunda Guerra Mundial, 77

Vale de Madeiros, 29, 31

Vila Antónia, 55

Santiago de Compostela, 39

Seabra, Paula, 20

Vale de Besteiros, 49

Tábua, 92

Thomas Mann, 89

Sé Catedral de Viseu, 17, 18, 20,

Universidade de Aveiro, 59

Viena, 15, 30, 39, 42, 44, 59, 66, 75, 97

Santar, 84

Schindler, 77

Universidade Católica de Braga, 71

Zela, 41 Zétavares, 55, 57, 75, 87 Zezinha, 44 Zorra, 17, 21, 98

Torto, João, 18, 19

Treixedo, 66 Trento, 26 Trigo Limpo teatro Acert, 31, 41, 47, 65, 71, 81, 83, 96

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Este livro foi composto em caracteres Mafra, Mafra Deck, Estilo e Estilo Bold de Dino dos Santos, com arranjo gráfico de Zétavares. O miolo foi impresso a quatro cores sobre papel couché mate de 200 gr/m2. O acabamento em cartão com 2,5 mm de espessura forrado a papel couché de 150 gr/m2, impresso a quatro cores com plastificação mate. As guardas, em papel Pop Set de 140 gr/m2. Acabou de imprimir-se em Dezembro de 2014 na Raínho & Neves, Lda., em São João de Ver, numa tiragem de 1.500 ex.



Entre Maio e Setembro de 2014, a Acert levou A Viagem do Elefante num périplo por terras de Viseu Dão Lafões. O desafio de levar às praças e largos da região o espectáculo criado a partir da obra homónima de José Saramago, lançado pela Acert à Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões, voltou a colocar na estrada uma equipa de mais de vinte pessoas. Aos acto‑ res, técnicos e músicos juntaram‑se mais de setecentos participantes das diversas localidades e, ao fim de quatro meses, o elefante Salo‑ mão ganhou direito de cidadania em toda a região, unindo-lhe os pontos e alterando‑lhe indelevelmente a paisagem humana.


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