DIREÇÃO DE ARTE EDIÇÃO DE IMAGENS Lázaro Paz Fanfa ILUSTRAÇÕES Felipe Eick Martins Vieira Giusepe Fontanari CAPA Giusepe Fontanari Turma de Direção de Arte I Professor Rudinei Kopp
PUBLICIDADE Turma de Campanha Publicitária I Professor Fábio Hansen FOTOGRAFIA Monitores do professor Alexandre Borges IMPRESSÃO Graphoset Ano 02, 1o semestre de 2007 Tiragem: 500 exemplares
REVISTA EXCEÇÃO Produzida na disciplina de Jornalismo Impresso III do curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul. Coordenadora do curso: Mônica Pons Chefe de departamento: Rudinei Kopp 2007/01
UNISC - UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL Av. Independência, 2293, Bairro Universitário, CEP:96815-900 Fone: (51) 3717-7300 Santa Cruz do Sul - RS
Os anônimos da “Big” casa contam o que rola nos bastidores da noite.
Facilitar o transporte e encurtar distâncias, este era o objetivo da estrada, mas ela também escreveu histórias.
Em busca de sossego ele decidiu se despedir da civilização e viver sozinho. Há 50 anos sua história é assim.
O dia em que o Periquito e o Galo defenderam o mesmo dinstintivo.
De patricinha a moradora do Bom Jesus. Essa foi a opção da jornalista Melissa.
Contra todos os tabus da sociedade, ele encarou o preconceito e realizou seu sonho: mudar de sexo.
Entre uma cerveja e outra, a idéia de construir um avião em Santa Cruz parecia ser algo impossível. Parecia.
Lado A: a profissão. Lado B: o hobbye.
No interior a caça é liberada. Com uma dança ou uma troca de olhares, o resultado pode ser fatal.
Uma cidade ligada subterraneamente. Os túneis de Rio Pardo, lenda ou verdade?
Ele é um rapaz loiro, alegre e divertido que gosta de orkut, msn e de ir a bailes. Ah, e ele é padre também!
O tempo em que era preciso pular do trem em movimento porque ele não parava na estação.
É tempo de plantar e de E colher
is que chega às suas mãos o segundo número de sua revista Exceção. Mais que um exercício acadêmico, o que você lerá nas próximas páginas são demonstrações claras de que a reportagem não apenas está viva como vai muito bem obrigado. O que soaria como um exagero nestes dias de formatos repetitivos se materializa na vitalidade jornalística de cada um dos textos aqui dispostos, o que também quer dizer que há vida – e ela é fértil, porque gera frutos – já a partir dos bancos acadêmicos. Mas isso não chega a ser novidade, haja vista a repercussão que a Exceção alcançou quando de seu primeiro número; e que, com certeza, há de se ampliar a partir deste. Para além de seu conteúdo; diferenciado, criativo, esta Exceção radicaliza o diálogo interdisciplinar que estabelecemos ainda quando do primeiro número. Coube às turmas capitaneadas pelo professor Rudinei Kopp, da Publicidade e Propaganda (PP), novamente, a confecção da capa, que por sinal ficou muito bacana. O que complicou por demais a escolha, diga-se, na medida em que todas as propostas resultaram em trabalhos criativos e de qualidade, conforme vocês mesmos puderam observar na mostra exposta em nosso centro de convivência recentemente.
O mesmo pode ser dito em relação à inserção de anúncio publicitários, desta vez sob a responsabilidade das turmas do professor Fábio Hansen, também da PP. Nós, da disciplina de Impresso III, sentimo-nos honrados com os esforços dispendidos não apenas para criar os reclames, mas, sobretudo, para fazê-los em consonância com o perfil editorial da Exceção e a partir de um diálogo muito afinado. O resultado, claro, ficou bom. Muito bom. Outro passo importante para a consolidação deste projeto foi o diálogo que mantivemos, desde o início, com o pessoal do professor Alexandre Borges, da fotografia, que trabalhou junto com nossos repórteres, editores e subeditores no sentido de garantir as imagens fotográficas, sempre tão necessárias a qualquer projeto jornalístico-editorial. Com isso, traduzimos em aula uma realidade que se repete no mercado e, sobretudo, aprendemos a trabalhar em equipe. Com isso; com o exercício da interdisciplinaridade, pensamos ter avançado um pouco mais em direção a um caminho que comum a todos: a construção do conhecimento, por meio de sua materialização, que sugere novas perspectivas de futuro, cuja fertilidade está fundamentalmente em nossas mãos. Uma boa leitura a todos.
Um dia o trem foi sinônimo de progresso. Hoje, além das estradas de ferro e de estações completamente abandonadas, restam as histórias. Histórias como a de pessoas que saltavam do trem em movimento. “O trem não parava e eu tinha que descer”, afirma um deles, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E, de certa forma, era.
Gelson Pereira
GELSON PEREIRA
João Pedro
“Eu vi que o trem não iria parar e não pensei duas vezes”
João Pedro volta ao local onde saltou do trem há mais de 30 anos
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ra domingo, dia 13 de novembro de 1977, quase 1h da madrugada. João Pedro Pereira viajava num dos vagões do trem que havia saído às 20h, ainda do dia anterior, de Porto Alegre rumo à fronteira oeste do estado. O trem estava se aproximando de Pederneiras, interior de Rio Pardo, destino de João Pedro. Quando já era possível avistar o prédio da estação, ele se preparou para descer. Sentiu a velocidade diminuir e colocou-se junto à porta. Viu, em meio à escuridão total, uma luz se aproximando. Era a luz que iluminava a plataforma. De repente, notou que a velocidade diminuiu, mas o trem não parou, apenas pegou a licença no arco e prosseguiu. Quando percebeu já estava de fronte à luz. Menos de um segundo depois a claridade já havia ficado para trás e ele estava mais uma vez diante da escuridão. Olhando para o lado, viu uma pessoa em cima da plataforma, de quatro, refazendo-se de uma queda. Alguém havia saltado. O trem começou a aumentar a velocidade. E então, o que fazer? O maquinista não tinha sido avisado para parar em Pederneiras?
Se já não havia mais a possibilidade de desembarcar do modo convencional, a solução era um modo alternativo, um plano B. Outras vezes, na mesma estação, João Pedro já havia descido do trem em movimento. Saltar do trem? Como, se a plataforma já havia ficado para trás? Não havia outra solução. Não podia perder tempo. Quanto mais o trem se distanciava, pior ficava a situação. Pensou nisso tudo, ou melhor, nem pensou, pois isso não precisava ser pensado. Era lógico: ele precisava descer, o trem não parou. E assim João Pedro saltou, rumo ao nada. Pelo menos ele não via nada. Mas certamente alguma coisa havia na sua frente. Poderia ter a sorte de ser um gramado macio que amortecesse a sua queda, ou então uma pedra, que... Bom, não precisa nem concluir. O que importa é que ele saltou! Hoje, voltando ao local onde tudo aconteceu, ele diz ser impossível explicar em palavras o que sentiu, foi rápido demais. Por sorte não era uma pedra que havia na sua frente. Mas naquelas circunstâncias, pela velocidade que o trem já havia alcançado, de nada adiantava um gramado macio. Quando tocou no chão a lei da inércia fez seu trabalho. “Todo corpo em movimento tende a permanecer em movimento.” E assim aconteceu. A idéia era cair de pé, mas a velocidade que estava lhe desequilibrou e ele foi de encontro ao solo com o lado direito do corpo. Na hora sentiu que tinha se ferido, mas ficou feliz por estar vivo e acreditou ser possível caminhar os 10 Km até a casa dos pais. Na metade
Urbano Machado
“O cara tinha que se largar na sorte”
OS SALTADORES – João Pedro não foi o único a pular de um trem em movimento. A história dos saltadores é uma, dentre as inúmeras escondidas por trás dos 100 anos em que o trem de passageiros cortou o pampa gaúcho. Nas noites de sexta-feira e sábado, o trem saía de Porto Alegre lotado de trabalhadores rumo ao interior do estado. Eram, na maioria, jovens solteiros que largaram a enxada e o arado e partiram para cidade grande sonhando com dias melhores. Quando sobrava um tempo, em meio a inúmeras horas extras, nos finais de semana, eles aproveitavam para visitar a família. Viajar de ônibus não era possível. Primeiro pelo alto custo da passagem. Segundo, porque não havia linhas para algumas localidades do interior, já que saíam do trabalho no final da tarde. Esperar para o outro dia, pela manhã, não valia a pena, pois o tempo que passariam junto à família não compensaria a locomoção e o gasto com a passagem. Assim, aproveitavam o “Trem Noturno”, como era chamado o trem que saía às 20h de Porto Alegre, para viajar durante a madrugada e chegar ao destino já no amanhecer. Contudo, esse trem noturno não parava em todas as estações. Onde havia alguma concentração urbana um pouco maior, sempre havia alguém para embarcar ou desembarcar. Já em estações mais
TÉCNICAS – Quando o trem se aproximava da estação ele diminuía a velocidade para pegar a licença. Essa licença consistia num arco, feito com uma espécie de cipó, onde era preso um papel, que o chefe-da-estação erguia em cima da plataforma. Dentro da locomotiva o maquinista mirava o arco, enfiava o braço e levava preso o papel contendo as informações necessárias para prosseguir a viagem. Esse era o momento que os saltadores aproveitavam para pular. Porém, alguns fatores devem ser levados em conta. Em primeiro luGELSON PEREIRA
do caminho foi vencido pela dor e precisou pedir ajuda numa casa da beira na estrada. Resultado da aventura: duas costelas quebradas e uma hemorragia interna.
isoladas, como no caso de Pederneiras, não era freqüente a presença de passageiros, ainda mais à noite. Assim, para não atrasar mais uma viagem que já era longa, de quatro a cinco horas até Rio Pardo, o trem só parava nas estações de maior movimento. Para muitos desses trabalhadores, a estação mais próxima do seu destino era justamente uma que não estava dentre as paradas do trem. Desembarcar na estação principal de cada cidade não era possível, porque ônibus para as áreas rurais também não rodavam durante a madrugada. Portanto, a única solução era descer mesmo sem o trem parar.
Destruição na antiga Estação de Pederneiras
LÁZARO FANFA
João Pedro
“Na época eu não tinha consciência do risco que corria”
Estação de Rio Pardo: o prédio reformado permanece sem ocupação
gões, tomar o impulso no momento certo, e ter força para segurar as barras de ferro presentes próximo às portas. Urbano Machado fala com naturalidade sobre o risco de saltar de um trem em movimento: “O cara tinha que se largar na sorte”. Dos inúmeros saltos da sua vida, para fora ou para dentro do trem, ele conta que caiu apenas uma vez, na estação de Professor Parreira. Segundo ele foi por falta de atenção e não chegou a se ferir. Falta de atenção. Esse era o principal motivo dos acidentes segundo os próprios saltadores. O excesso de confiança também atrapalhava, pois levava à imprudência. Às vezes, muitos queriam saltar e a plataforma era pequena para todos. A inércia,
ARQUIVO HISTÓRICO DE RIO PARDO
gar, isso acontecia à noite, em lugares onde não havia iluminação. A única forma de se guiar era uma luz posicionada em cima da plataforma, a mesma luz que João Pedro viu passar diante de si e sentiu que havia alguma coisa errada. Quando chegasse em frente à claridade era o momento do salto. Em segundo lugar, o trem não parava por completo, apenas diminuía a velocidade para em torno de 20 Km/h, considerável para os propósitos dos saltadores. Não apenas os passageiros saltavam dos trens em movimento. Os próprios trabalhadores da linha férrea e das estações eram os que mais usavam desse método. Urbano Machado, que trabalhou durante décadas na RFFSA, estatal proprietária das estradas férreas gaúchas até 1996, conta que os funcionários saltavam porque estavam sempre transitando entre as estações. Para eles não bastava descer do trem, eles também subiam. Isso mesmo! Subir em um trem em movimento. Segundo Urbano, era necessário se concentrar num dos va-
Até a Estação de Rio Pardo foi atingida pela famosa enchente de 1941
como no caso de João Pedro, era o principal inimigo. Urbano diz ainda que é mais perigoso saltar para cima da plataforma, pois há o risco de desequilibrar-se, cair para trás e ser atingido pelos vagões.
A primeira estrada de ferro do Brasil foi empreendida pelo gaúcho Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, em 1854. No Rio Grande do Sul a linha férrea só chegou em 1874 e foi construída ligando Porto Alegre e São Leopoldo, com pouco mais de 30 Km de extensão. O primeiro trecho da estrada de ferro Porto Alegre - Uruguaiana foi inaugurada em 1883 e chegava apenas até Cachoeira do Sul. Mais tarde, a linha atingiria Santa Maria, que se tornou depois o eixo ferroviário do estado, pois era ali o encontro das linhas férreas construídas a partir do norte e do sul. Com o tempo foram surgindo pequenos ramais, como o que ligava Rio Pardo a Santa Cruz do Sul, cidade em ascensão econômica no início do século 20. A última viagem de um trem de passageiros no estado ocorreu em 1996 Hoje as linhas férreas gaúchas e brasileiras estão sobre o poder de multinacionais. No caso do estado, a ALL (América Latina Logística) é proprietária de quase toda a malha ferroviária e trabalha apenas com trens de carga. Grande parte das antigas estações está abandonada. Em alguns casos, como Santa Cruz e Rio Pardo, os prédios foram restaurados por iniciativa da comunidade e do poder público.
GELSON PEREIRA
RECORDAÇÃO – Hoje, um ônibus não demora mais do que duas horas para fazer o trajeto Porto Alegre - Rio Pardo. Trinta anos se passaram desde que João Pedro conheceu de perto a sarjeta de uma linha férrea do interior gaúcho. Há mais de dez anos o último vagão transportou passageiros no estado. Ao que parece, nunca mais alguém precisou pular de um trem em movimento. O acidente de João Pedro não saiu nos jornais. Talvez porque não tenha valor noticioso, o que é verdade. Mas é de inúmeros desses pequenos fatos que é construída a história dos tens de passageiros. Trens que, por mais de um século, cruzaram planícies e serras, atravessando o Rio Grande de ponta a ponta. Os saltos continuam vivos apenas na memória dos antigos saltadores. Todos relembram com saudade as aventuras da juventude. Quanto a contar sua história em uma reportagem, João Pedro só faz uma “exigência”: “Não esquece de colocar que era muito divertido a viagem de trem. Eu gostava!”
150 anos
Hoje restam apenas os trens de carga transitando na linha férrea Porto AlegreUruguaiana
Ele se diz diferente. Na verdade, todos são diferentes, segundo ele. A sua diferença é ser igual a maioria dos jovens. É ter orkut, msn, google talk, gostar de ir à bailes e de praticar esportes. Ele é o padre José Renato Back, o Zé. Um rapaz de 43 anos, loiro, alegre, divertido, aventureiro e comunicativo. Mas há muitas outras coisas além da fé, debaixo da batina deste padre...
Silvana Sehnem
Por que você escolheu ser padre? Não se trata de escolher, é vocação. Acho que toda pessoa quer e escolhe a felicidade. Então se eu fosse dizer, o que me determinou para ser padre, não sei, as coisas foram se encaminhando pra isso. Tanto é que, se eu descobrisse, ou se eu descobrir agora que eu não me sinto feliz como padre, eu não teria problema em largar. E quantos anos tinha quando decidiu ser padre? Eu estou decidindo hoje.
eu não posso refazer o caminho, o caminho é um só. Ai eu parei em Passo do Sobrado um ano, e ali sim eu descobri que eu queria ser padre. Quando eu fui pro estágio, a maioria me dizia o seguinte: “O Zé vai pro estágio, é uma forma indireta de dizer que ele quer sair”. Por que eles achavam isso? Sei lá, porque quando você está tão longe do seminário, faltando três anos e meio pra ser padre, ai você para um ano, e sai. E aí eles (seminaristas) pensaram que eu iria parar um ano, porque era uma maneira mais amena pra sair sem dar aquele choque. Mas pra mim foi muito tranqüilo, podia até ser que no fim eu pudesse sair, mas não aconteceu.
Quando você disse “mãe, pai, eu quero ser padre”? Não, ah, acho que são decisões que a gente vai amadurecendo. Tinha momentos na vida que eu até pensava: “Opa acho que não Qual a profissão que é por ai”, mas depois você seguiria se não Se você olhar retomava as decisões. fosse padre? Tem Lembro que eu queria pras gurias, você alguma paixão? ser padre pra andar de é mulherengo, se Ah eu tenho sim, eu jipe, porque lá onde eu assim várias painão olhar, você é tenho morava, em Boa Vista, xões. Se eu não fosse cheio o nosso padre andava padre, por exemplo, eu de jipe, e nós nunca gosto muito e já trabaandávamos de carro, sempre só à lhei com educação, fui professor. pé e, a única forma, eu pensava de A psicologia me fascina e a área da eu andar de carro era sendo padre. saúde também. Quando eu tenho Então é evidente se hoje eu olho, tempo eu estou no hospital. não teria nenhum fundamento, mas de repente era uma forma que Deus Mas fazendo o quê? usou para me dizer. Mas depois ele Conversando com os doentes, não foi substituindo, porque a gente não como médico, mas pra ser solidário. pode ficar nestas motivações ingênuAgora a comunicação evidente que as, infantis. eu gosto. Talvez também por que nossa função como padres a gente E quando entrou na parte dos estrabalha em muitas áreas, nós somos tudos, na parte séria mesmo, você pessoas públicas, então tu é médico, nunca pensou em desistir? tu é professor, tu é comunicador, tu Pensei, tanto é que quando eu estava é conselheiro, tu é psicólogo, tu é no 1º ano da Faculdade de Teologia orientador. eu parei um ano, claro, motivado também pela questão da saúde. Você se acha um padre diferente Existem várias formas de Deus dos outros? manifestar se estamos no caminho Eu acho que todos são diferentes, eu certo. Se eu acerto, eu sou feliz, se acho que não existem pessoas iguais, eu não descubro, eu perdi a chance, e todos são especiais. Cada um tem porque eu não tenho duas vidas, coisas diferentes.
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E quais são as suas diferenças? Depende, acho que o tipo de trabalho traz algumas caracterizações diferentes. Eu não sei, eu não me vejo tão diferente, agora acho que o meu trabalho com a juventude também faz com que traz algumas exigências.
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Já sabe quase de tudo? Não, tudo não, mas a gente vai aprendendo, quer dizer, tu navegar nisso ali, é um mundo que é muito, não digo complicado, mas é um mundo que a cada dia tu vai aprendendo, evoluindo...
As pessoas o buscam na internet pra dar conselhos? Você está na internet há quanto Não, poderia até ser, mas nunca tempo? aconteceu. (risos) Desde que eu tenho computador, não é muito tempo, agora fazem dois Imagina começar a anos que eu comprei o Quando criança fazer confissões pela computador. internet. eu queria ser (risos) Não, mas uma Fez algum curso? padre para poder orientação poderia ser, Não, eu nunca fiz curso. Aliás, como em tudo. andar de jipe, já não teria problema.. mas o que aconteEu nunca fiz curso de que nunca tinha Não, ce muito é as reuniões violão. Aprendi ao ver andado de carro de um grupo de estudo, os outros tocar. Meu no qual, através da injeito é assim, fazer as ternet nós fizemos uma coisas por conta, e assim foi no comsíntese dos cursos e até por causa putador também. disso vai sair agora um livro. Mas você aprendeu a lidar com E na internet você não recebeu orkut, msn como? Por meio de ainda nenhuma cantada? parentes? (Neste momento, pela primeira vez Não, isto eu aprendi agora em deele fica ruborizado). Não, bom, não, zembro, eu nem sabia, como. Veio vem mensagens. Mas isto se vem, é um colega que fez o curso de jovens vírus. (risos) comigo, e ele me apresentou. Nem sabia como é que funcionava. Aí ele Ah, então quer dizer que nenhuma me disse: “Tu quer que instale?”. mulher tentou passar uma Daí eu disse: “Instala ali, como é que cantada? funciona?”. Aí eu falei com o meu Não, isto não. Cantada não... sobrinho, ele disse: “Não, é assim... daí tu vai adicionando, vai adicioNem na igreja? nando, e tal”. E ai eu fui... mexe aqui, Não sei, cantada isso o pessoal canta. mexe ali. Aí foi indo.
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(risos) Isto é coisa pequena, não me esquento. E você nunca se apaixonou por ninguém? Ah, sim, muito já. Eu vivo apaixonado. Na época que era leigo? Sim, graças a Deus.. E não deu certo o namoro... Não, namorar não, mas paixões eu tive.. Nunca namorou? Não, mas o que você entende por namoro? Aí que tá, a gente tem que discernir a função do namoro. Mas antes de entrar pro seminário? Mas é que eu entrei com 13 anos pro seminário. E nessa época você nunca se apaixonou por alguma mulher? Não, gostar sim. Eu até gostava. E tinha até gente que gostava de mim, outros talvez que eu nem sabia, pode
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ser. Mas a gente também não quer sofrer de graça. Eu tive momentos assim que tava em dificuldade, mas eu nunca estive indeciso quanto a ser padre. E essas dificuldades envolviam outras pessoas? Não nesse sentido. Mas é que às vezes tu tá desanimado, tu tá afim de chutar o balde mesmo. Não é uma profissão muito sozinha, a de padre? Sim, só que eu sempre digo que tem pessoas que fogem da multidão pra ir pra solidão. Aí se vê que a solução é a felicidade. Mas, às vezes também em busca da felicidade, as pessoas fazem de tudo, largam família, largam casa, largam carro, abandonam tudo. Já que mora sozinho, você não sente falta de ter alguém para conversar? Isto certamente é uma das carências que a gente sente. Mas com essa minha vida agitada, o momento
FOTO 1 - Tá me olhando por quê??? Eu tbém tô.... Sentadinho na casa de um amigo lá nas “Alemanhas”. FOTO 2 - Que tal o traje que os colombianos trouxeram!!! E o sorriso do Camilo, da Colômbia... FOTO 3 - Essa é a Mamãe, que gerou 15 filhos (13 ainda vivos). Obrigado Dª Suzanna FOTO 4 - Eu, entre 1 jovem da Itália e da Irlanda, durante a Jornada Mundial da Juventude na Alemanha/2005
que eu consigo ficar sozinho, é um momento único, que todo mundo precisa, que é fazer as tuas coisas e ficar no seu cantinho. Agora, mas a bem da verdade a gente sente, sente sim, tem momentos nessas datas especiais em que as famílias se reúnem, que a gente sente mais.
sozinho, você não vai, sozinho você não vai, porque não se lembra. Mas quando você lembra, você vai com amigos? Às vezes, que nem no ano passado na Oktoberfest eu fui praticamente todos os dias.
Há muitas discussões que abordam Você aprendeu a dançar como? a questão do casamento entre reliDisseram-me que você dança muito giosos. Qual é a sua opinião? bem... Eu acho que deveria de ser repenNão sei. Mas eu gosto de dançar, sada essa questão e deixar uma dancei muito já. Mas a gente aprende alternativa. Mas no inicio da Igreja na prática, né. É que eu danço muito, não foi sempre assim como é agora. desde o tempo do seminário eu fui Chegou o momento muito em festas, em em que a Igreja penEu já gostei de baile, desses de comusou que pastoralmente nidade. Mas que nem mulher sim, e seria mais convenienem Santa Clara, que te os padres viverem tinha até gente tem o famoso Carnaval no celibato. Eu acho com 16 mil pessoas. Eu que gostava que eu não sou radical ia lá, porque lá estavam de mim nisso, minha opinião todas as pessoas que iam pessoal, não como um na missa. Então porque padre mas como pessoa, eu acho que que eu não iria? Eu ia lá como padre, poderia ser repensado. Eu sempre e eles me viam como padre. Eu fui acho que poderia se oferecer essa e me diverti também, pronto. Acho alternativa. que muitas vezes nós nos retiramos, não ocupamos o nosso lugar. Você teria esposa, se fosse autorizado, ou continuaria solteiro? Há gente que condena esse seu lado É que quando eu fiquei padre eu de ir em festas? sabia que não poderia casar. Agora No dia que eu fiquei padre a minha eu não sei se casaria, poderia ser, irmã leu um poema, e pra mim ou não. Porque hoje em dia, tantos aquilo foi um marco, ela disse assim: leigos que não são padres também “Lembre, se você for numa festa eles não casam. Tantos optam pela vida vão reclamar que você vai. Se você de solteiro e que poderiam casar. não for eles vão reclamar que você Então os padres também talvez não não vai. Se você dançar, eles vão dicasariam. zer que você é dançarino e festeiro. Agora se você não dançar, eles vão Voltando ao assunto, o que você faz reclamar que você é exibido. Se você nas horas de folga? olhar pras gurias, pras mulheres eles Eu gostava muito de futebol, mas vão dizer que você é mulherengo. Se por causa da coluna escolhi agora o não olhar eles vão dizer que você é vôlei, então duas ou três vezes por cheio. Seja Zé Renato como Deus te semana. E, é claro, eu gosto muito fez e seja Padre como Deus hoje te de ir em festa, então eu vou, aí um consagrou, o resto é o que as pessoas pouco essa dificuldade pelo fato de falam.” Porque sempre vai haver estar sozinho, porque se você está gente que vai falar.
Letícia Pacheco
Rio Pardo, “Cidade Histórica”. Mais do que isso, uma cidade cheia de histórias. Lendas, mitos, assombrações, maldições, promessas, o imaginário e o mistério pairam pela cidade. Os túneis de Rio Pardo são apenas mais uma lenda perdida entre tantas outras? Essa é uma das histórias mais conhecidas e intrigantes para moradores e historiadores da cidade.
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isteriosos túneis que ligam diversos pontos da cidade. Essa é uma das lendas de Rio Pardo. Lenda? Ou história escondida pelo tempo? Há quem garanta sua existência. Há quem afirme sua improbabilidade. Quem está com a razão? Remover o que cobre essa história, esse é meu objetivo. Trazer à luz o que por muito tempo permaneceu nas profundezas dos porões e em sombrias lembranças quase esquecidas. Primeiro passo: conhecer o terreno. Hora de ir ao trabalho. Sílvia Barros, professora de História. Mais do que isso, ela respira e convive com a história. Uma das poucas riopardenses que não se limitaram a apenas ouvir e divulgar uma lenda. Ela foi além, pesquisou, vasculhou porões de Igrejas, apesar do pânico de aranhas. Foi em busca de respostas concretas. Ela possuía as ferramentas que eu necessitava para prosseguir minha missão. Primeira pedra: o medo. Quando cheguei a casa de Sílvia, hesitei, des-
confiei, desacreditei de que houvesse alguém capaz de viver ali. Uma grande casa antiga, intrigante e sombria. Mas vivia, ou melhor, vive. Silvia é uma mulher decidida, de coragem, embora não durma após assistir um filme trash dos mais baratos. Sempre pronta para uma conversa com quem quer que tenha disposição para ouvi-la e um bom papo para acompanhá-la. Foi numa dessas conversas, em meio a livros, quadros antigos e inúmeras fotos que descobri grande parte da história de Rio Pardo. Eu, que me julgava amante de História, percebi que nada sei. Uma tampa difícil de remover. Os argumentos levantados por Sílvia para a não existência dos túneis são muitos: o relevo da cidade, que dificultaria as escavações, a falta de vestígios, a precariedade de ferramentas da época e por fim, a falta de necessidade de construir-se um túnel. Um sonho de infância de Sílvia: a tampa fica mais pesada. “Sonhava que embaixo do porão da minha casa havia uma outra casa e eu abria o alçapão e entrava por esses caminhos, e hoje voltei a ter este sonho. Acredito que túneis são os porões que não encontramos em nossas casas.” Silvia diz acreditar que esse mistério, assim como tantos outros, faz parte de uma necessidade das pessoas de criarem histórias para tudo. “São o nosso imaginário”. Finalmente retiro a primeira pedra: encontro um pequeno facho de luz. Comento com Sílvia sobre o homem que afirma ter entrado em
Sílvia Barros
“O homem quando não sabe explicar um fato ele cria histórias”
LÁZARO FANFA
Colégio Auxiliadora, o possível início do túnel
LETÍCIA PACHECO
um túnel. Os olhos de Sílvia vacilam. O olhar fixo, decidido, não é mais o mesmo. Ela solta o cigarro sobre a poltrona. Olha para o lado. Respira, pensa. Seus olhos agora brilham. E finalmente consegue falar: “Improváveis, mas não impossíveis. Quem sabe você encontre o que eu sempre procurei?”, completa ela. Não, ela já não tem mais certeza. Hora de partir em busca de novas pistas. O esconderijo. Onde encontrar o único homem que relata ter conhecido os túneis? Buscas, novas pedras, solo rígido demais. Sumira sem vestígios. Parecia fugir. A luz ressurge. Surpresas fazem parte da vida de Beromildt Rodrigues de Lara.
Surge, na farmácia onde trabalho, uma figura inconfundível: chapéu largo, cabelos grisalhos, inúmeros papéis embaixo do braço, procurando um produto para empalhamento de animais. Não acreditei. Impossível errar. Beromildt é o único que ainda preserva esse hábito na cidade. Em meio as suas pastas de arquivos históricos, que exibe orgulhoso, ele fala sobre muitas histórias. O brilho dos olhos, os gestos exagerados, as falas teatrais demonstram a emoção que ele sente ao reviver aquelas histórias. O pipeiro da cidade, o homem mais rico que ficou mais pobre, os tesouros escondidos. A memória não falha. E se falha, a criatividade supera qualquer esquecimento. A tampa se abre: iniciam-se os primeiros passos. “Quando eu era garoto me escondia no túnel junto com meus amigos, ele saia do portão do colégio e ia dar lá na São Francisco. Era por onde os militares passavam para ver o rio, para se proteger dos LÁZARO FANFA
Sílvia Barros
“Toda lenda de Rio Pardo tem uma história real em sua origem”
Sílvia em seu lugar preferido na casa
O início: a surpreendente casa de Sílvia
inimigos. Como podem dizer que não existe túnel, se ele sempre esteve lá para todo mundo ver e entrar quando quisesse?”. O caminho é escuro. “Tem gente que critica diz que é história, mas como pode se eles também entravam no túnel quando eram crianças?”. As tochas de pouco serviam, mas já era possível ver algo. “Tinha quase um metro e meio de altura por um metro de largura, era estreito, todo escorado com madeiras e pedras, mas muitos morcegos faziam ninho lá, isso dificultava a entrada. Percorri uns quinze metros, mas era escuro e sujo demais”. De volta à luz. Embora não existam vestígios que comprovem sua história, a certeza com que ele afirma isso, faz crer que na década de 40 alguma coisa existia naquele lugar. A tampa se fecha. Em cada esquina um sussurro de histórias do passado recontadas pela imaginação dos presentes. Essa é a cidade de Rio Pardo. OUTROS TÚNEIS – Assim como em Rio Pardo, muitas outras cidades do país possuem lendas sobre túneis. Esses geralmente estão ligados a antigos postos de militares, ou possuem alguma ligação com fugas e guerras. Blumenau(SC): Existe na cidade a história de um túnel que ligaria o
Colégio Sagrada Família, o Colégio Pedro II, o Bom Jesus Santo Antônio (antiga Escola Alemã Franciscana), o Parque São Francisco e o Teatro Carlos Gomes. Uma das hipóteses da existência dos túneis é por causa da 2ª guerra mundial. Como os habitantes de Blumenau eram todos alemães, seria um bom lugar para refugiados da guerra. Até hoje o mistério é comentado pelos jovens, assim como uma suposta vinda de Hitler à Blumenau, caso fosse necessária sua fuga da Alemanha. Porto Alegre: Existe no Palácio Piratini dois túneis com cerca de dois metros de altura e um metro de largura.. Mesmo assim, o imaginário deu versões inusitadas para a
Além da entrada Muitos riopardenses cresceram ouvindo histórias sobre um suposto túnel que ligaria as igrejas da cidade, embora ninguém afirme ao certo quais igrejas. A lenda perpassa décadas e hoje continua viva, não só entre os antigos moradores, pois muitos jovens conhecem e muitos acreditam na lenda, embora nunca tenham pesquisado nada sobre o tema. São inúmeras as versões de trajetos: Igreja Matriz à São Francisco, Igreja dos Passos à São Francisco. Forte Jesus Maria José à Igreja Matriz e até mesmo Igreja dos Passos, São Francisco, Matriz e Forte Jesus Maria José. As explicações para existência são muitas: esconder tesouros jesuítas, embora esses nunca tenham chegado a cidade e passassem por tempos de miséria, esconderijo de militares, fugas, encontros amorosos, entre outros. Embora escavações, construções, calçamentos, já tenham sido feitos e nunca tenha se encontrado vestígios que comprovem que os túneis existem ou existiram um dia, a lenda persiste.
Beromildt Lara
“Quando eu era garoto me escondi no túnel com meus amigos”
LETÍCIA PACHECO
Contar histórias é a especialidade de Beromildt
LÁZARO FANFA
finalidade e extensão desses túneis. O folclore que envolve as duas construções afirma que existiriam ligações desses subterrâneos com a Catedral. Durante a Campanha da Legalidade, o Piratini foi utilizado por Brizola, líder do movimento, e esses canais serviriam para o abastecimento de alimentos e possibilitariam uma fuga ao político. Ainda assim, até hoje, só foi comprovada a existência dos túneis dentro do Palácio e esses não passariam de cem metros de extensão. Santa Cruz do Sul: Conta a história que existe uma ligação subterrânea entre a Faculdade Dom Alberto (antigo Colégio Sagrado Coração de Jesus) a antigos quartos na Catedral que serviam como alojamento para os padres antigamente. Este “túnel” estaria localizado em uma área que seria um porão da escola. Também existem histórias de um túnel que ligaria o Sagrado Coração direto ao Colégio São Luís. No São Luís esse túnel estaria em baixo do palco do auditório. Santo Amaro: Distrito pertencente a General Câmara, no Vale do Rio Pardo. Diz a lenda que embaixo da Igreja Matriz passaria um túnel, esse seguiria até o Rio Taquari. Segundo os moradores, teria sido usado pelos escravos para fugas e existiriam esqueletos em toda a extensão do túnel.
Igreja São Francisco: final do trajeto
Final de semana é período de caça nas colônias. Entre estradas dignas de um rali, os predadores se espalham pelos salões do interior, atraídos pela fartura das mulheres locais. Cerveja, automóvel, dança, troca de olhares e até drogas servem como auxílio para derrubar a vítima. A atração sexual dá o tom dessa empreitada embalada pelos sucessos de Cesar Menotti, San Marino, Brilhasom e outros. Nessa reportagem, a trajetória, os métodos e as aventuras dos caçadores de bailão.
Guilherme Mazui
Entre um bote e outro, o intervalo do lanche
é só aproveitar.” Esse é o diferencial desse tipo de festa. Para os homens, balada sem o sexo oposto não serve. Caçando apenas pelo prazer do ato, os machos passam por estradas de chão, chegam a minifúndios e entram nos pavilhões perdidos pelas zonas rurais das cidades. No encalço deles, migram junto as fêmeas da cidade. “A gente entra no baile atrás de um ficante. Caso não dê certo, vale ao menos as risadas”, afirma Gabriela Vasconcellos. Sob o assoalho repleto de frestas, entre casais dançando e homens MORGANA ROHDE
E
xiste uma modalidade de caça que pouca gente conhece: os caçadores de bailão. Como toda a caça, essa especialidade exige suas armas e técnicas. Para ser letal em um bailão, é preciso no mínimo saber dançar. Junto, o guerreiro deve empunhar sua garrafa de cerveja, ter as fichas guardadas na cartucheira e a chave do carro sempre a mão. Pronto. Depois, dependerá apenas da perícia do indivíduo. Com talento, até o final da noite os bancos do seu automóvel poderão estar reclinados. Palavras ditas por um especialista nesse assunto, chamado por seus amigos de “artilheiro do amor”. Vestindo Reef, Billabong, Quicksilver, Júlio Cesar Drescher, 19 anos, troca todos os finais de semana o ar magrão de Porto Alegre, pelo interiorano da sua Candelária. Faminto por um contato com as fêmeas, ele não hesita: “Se vejo que a noite não terá mulher, vou direto para o bailão. Lá elas vão cheias do veneno,
Júlio César Drescher
“Se vejo que a noite não terá mulher, vou direto para o bailão”
GUILHERME MAZUI
Cerveja: arma básica no kit de sobrevivência de qualquer caçador
GUILHERME MAZUI
Gabriela Vasconcellos
“A gente entra no baile atrás de um ficante. Caso não dê certo, vale as risadas”
O bom caçador não falha: mata sempre
brigando, começa o real processo do bote. Eles com os olhos bem atentos, sorrateiros, escolhendo as vítimas e analisando o momento do abate. As interioranas ficam soltas, monitoradas de perto pelas cosmopolitas. Ainda estudando o espaço, os homens tomam baldes de cerveja no gargalo. Copo é perfumaria. Três garrafas por R$ 10,00. Caso o álcool tire a mobilidade do predador, uma pratada de lingüiça cozida, um pedaço possante de cuca ou alguns pastéis fritos, servidos no refeitório, devolvem a perícia dos caçadores. Primeiro eles miram as suas vizinhas de rua. “Se tu tiveres um filtro fica difícil de pegar mulher em bailão. Então se tenta as da cidade que estão por lá. Se não der, o nível de exigência diminui conforme a bebedeira cresce. Daí é hora de chegar nas pratas da casa”, explica Júlio. Nessa hora, um velho ditado tem a ordem alterada, ganhando um novo sentido: antes mal acompanhado do que sozinho. EMBALOS – As bandas nos bailões possuem até fã-clubes. Portanto, os músicos têm garantia de mesa farta no final da noite. Os demais seguem na luta, mas auxiliados pelo pessoal da trilha sonora. O momento de encantar a presa é a dança. “No interior, a paquera rola durante uma volta no salão. Você fica mais próxima da pessoa, tem um contato
mais forte”, conta Luana Rodrigues, 21 anos, universitária, apreciadora de Juanes e Marisa Monte. Essa bailada facilita a definição do alvo, afirma Julio. Após ter a vítima em potencial bem definida, ele explica que o caçador de bailão aponta suas armas e põe a estratégia em prática. Alguns se aproximam e dopam a presa. As interioranas ficam pela cerveja, já as cosmopolitas se apegam a drogas como maconha e cocaína. Dependendo do alvo, a técnica tem êxito garantido. Outros predadores são mais brutos, atacam logo. Júlio prefere o observar, cercar e abater em um momento de descuido. “Sendo pé de valsa é meio caminho até a taça (sexo). Só daí é preciso estar por dentro dos sucessos do momento,
15 segundos A falta de timidez das moças do interior cativa o pessoal da cidade. Saber escolher a presa certa diferencia o bom do mau caçador. Júlio explica. “No bailão, a mulherada ataca sem vergonha nenhuma. Então, tem que cuidar com a turma do local, que não curte ver os “forasteiros” levando as fêmeas deles.” Por isso ele aconselha cuidado. Se ela estiver acompanhada, saia de perto. Se estiver sendo cuidada por um cara da casa, mantenha distância. Do contrário, você poderá estar no meio do evento chamado “15 segundos mágicos”. “Cerca de 90% das brigas acontecem no final da festa, e por causa de mulher! São os 15 segundos mágicos, quando a briga começa de vez. É lindo de ver – se tu não tá no meio. É aquele tumulto no centro, seguranças correndo, derrubando gente, é mulher gritando, homens urrando, até a banda pára. São 15 segundos. E depois, tudo volta ao normal.”
OS CAÇADORES – Na savana, muitos tipos de caçadores dividem o mesmo espaço. Assim como nos bailões. Eis alguns dos exemplares encontrados em maior abundância na natureza. O observador: este se inspira na classe dos felinos. Além de observar, Uma dança bem sucedida pode valer a noite
Júlio César Drescher
“No interior é na raça. É jogo de Gauchão na chuva e no barro”
estuda bem a presa antes do bote. Chega de mansinho, lança charme, oferece cerveja, dá as costas, volta, faz seu jogo de sedução. Conforme a abertura da vítima, dá o bote. Nessa hora, o golpe é violento. Aí é só apanhar o corpo. O predador: não possui um vasto repertório de métodos, simplesmente ataca. Muitas vezes ganha pela insistência. São tantos tiros, que em algum momento ele acerta. A qualidade da carne abatida é discutível, mas a fome é tamanha que vale qualquer carcaça. O falador: esse mal aprendeu a segurar a espingarda e já se considera atirador profissional. Diz que coleciona a pele das presas em uma sala especial da sua casa. No bailão canta, ri, dança com todas, mas dificilmente tem êxito na missão. Às vezes, compra a carne no açougue e vende a história de uma caçada bem sucedida. O perdido: tem a mesma dificuldade do exemplar citado acima, porém é humilde. Admite ser um desastre na arte de caçar. Assim reúne colaboradores em potencial, que, em atos de generosidade, seguram a presa para ele apenas ter o prazer de abater. MORGANA ROHDE
como “Os Atuais”, “César Menotti e Fabiano”, “San Marino”. Assim você se aproxima e consegue aquela brecha que te levará a outra mais carnuda.” Na busca dessa brecha, um dos obstáculos é a claridade. A penumbra das baladas da cidade não existe no bailão. Nada de canhões de laser, gelo seco ou luzes que tonteiam. “No interior é na raça. É jogo de Gauchão na chuva e no barro”, brinca o rapaz. Como em toda caçada, aparecem presas mais interessantes ao longo da noite. São as meninas da cidade, tentando ganhar terreno. Elas também são caçadoras. “A gente vai no bailão pra se divertir, rir, mas ataca os guris da cidade”, relata Natália Machado, 21 anos. Mais discretas, elas optam pela técnica do encontro marcado. “Combinamos com o guri de nos acharmos lá. Como a energia do local é forte, facilita as coisas.” Quando essa estratégia falha, o jeito é ficar por perto. “Dar umas olhadas, marcar território, sempre é válido. Você demonstra estar interessada, mas caso não role, o jeito é trocar. Nada de barraco”, afirma. Dentro de todo o processo da procura, azaração e abate, tanto os machos quanto as fêmeas ficam preparados para eventuais frustrações. Afinal, nem sempre o dia é de caça. Nesse caso, o remédio é simples – rir e seguir a festa.
Greice Guilhermano
Um é analista de sistemas e curte voar de paraglider. Outro é bombeiro e cultiva orquídeas nas horas vagas. Um outro trabalha em uma biblioteca e laça bois nos finais de semana. Mais do que hobbyes, são formas que encontraram para fugir do estresse.
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V
ivemos todos os dias, de segunda a sexta, às vezes aos sábados e domingos também, rotinas extenuantes de trabalho. Todos os dias levantamos às 7 h, almoçamos ao meio-dia e batemos o cartão às 17h ou 18 h da tarde. Outros, ainda seguem até bem mais tarde. Chegamos em casa e cuidamos um pouquinho do lar, nos organizamos para o dia posterior e nos preparamos para dormir. O sono, muitas vezes, é a única “válvula de escape” que nos resta. E com razão: sem ele, não teremos energia suficiente para o dia seguinte. Isso tanto é verdade que há muitas pessoas que sofrem de insônia em decorrência da ansiedade, por não conseguirem relaxar totalmente, ou simplesmente por não terem um antídoto contra o estresse. Para algumas pessoas, no entanto, a fuga da rotina e o equilíbrio necessário, são encontrados por meio da prática de hobbyes que pouco têm a ver com a profissão descrita em suas carteiras de trabalho. É o c a s o de Francisco Ramazzini, Robson Vicente, Tiago Baggiotto e Valdir de Castro, que tentam compensar o estresse do dia-a-dia plantando orquídeas, voando de paraglider, laçando bois ou cantando e tocando baixo. “Tarefas” que nada têm a ver com suas rotina usuais. São oito atividades diferentes, mas com algo em comum: a busca por momentos de lazer e prazer, além, claro, de
descarregar as tensões do dia-a-dia. Mas, parando pra pensar: o que leva pessoas tão centradas em seu trabalho a se aventurar em hobbyes tão peculiares? Eles garantem que as escolhas foram feitas por acaso, mas quem visualiza um indivíduo que passa o dia na frente do computador e depois do expediente sai para voar, só pode pensar em uma coisa: essa pessoa está em busca do equilíbrio do corpo e da mente. PLENITUDE – Francisco Carlos Ramazzini, o Chico, tem 43 anos. Gosta da função que exerce diariamente. Ele faz parte do suporte técnico da empresa de softwares HGM System, em Montenegro. Desde 2002 ele passa os dias sentado em frente a um microcomputador, prestando assistência técnica às mais variadas empresas que optaram por utilizar os programas da HGM. Porém, muito antes de ser analista de sistemas, Chico optou por um hobby um tanto quanto diferente: ele voa de paraglider. E essa aventura já tem 13 anos. ARQUIVO PESSOAL
Francisco Carlos Ramazzini
“Quando estou voando procuro desligar e ficar curtindo lá de cima”
Novos ares
Chico analisa sistemas, literalmente
Robson Lemes
“A orquídea é fascinante, algumas possuem um perfume inédito”
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Trabalho gratificante...
APTIDÃO – O bombeiro Robson Marcelo Vicente Lemes, 34 anos, faz plantões de 24 horas no Corpo de Bombeiros de Santa Cruz do Sul, onde atende a qualquer tipo de emergência – de gatinho preso na árvore até incêndios. Robson começou nesta função pela oportunidade de emprego, fez o concurso e passou. Hoje, ele diz que sabe a importância da profissão: “O fato de ajudar as pessoas em perigo,
ou quase à beira da morte, me fez passar a trabalhar mais por idealismo e amor a profissão”. Porém, a vida do bombeiro não é um “mar-de-rosas”. Ocorrências desagradáveis já deixaram Robson bem chateado. Existem muitos casos em que a equipe se empenhou em salvar pessoas, mas não obteve êxito. Para superar isso, Robson escolheu cultivar orquídeas. Quase que diariamente, ele cuida das 60 espécies que possui em casa. A escolha por esse hobby se deu por acaso: possuía apenas algumas orquídeas, até o dia que comprou uma espécie amarela “linda”. Mas foi no início do ano passado que ele passou a estudar as plantas para cuidá-las de maneira adequada. Então, dia sim, dia não, Robson se concentra em adubar, controlar as pragas, observar se as plantas estão no ambiente certo, checar a lumino-
...em dose dupla
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Chico diz que, de todos os esportes que já praticou, foi com o paraglider que mais se identificou, “devido ao prazer que a gente sente ao praticá-lo, a liberdade que sentimos estando lá no alto e sozinhos, podendo ir onde quisermos”, destaca. Há dois motivos que fazem Chico voar todos os finais de semana. O primeiro é mais óbvio para quem entende de paragliders: não se deve ficar muito tempo sem praticar. O ideal é pelo menos uma vez ao mês. O segundo é de ordem subjetiva: “A emoção de voar é muito boa”. Chico diz que quando está voando procura desligar-se, não pensar em nada, só “curtir” o momento. Quando alguém pergunta o que aconteceria se, por um acaso, ele não pudesse mais voar, Ramazzini é taxativo: “Não gosto nem de pensar nessa hipótese, certamente eu daria um jeitinho de voar”.
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sidade, entre ouras tantas tarefas de um orquidófilo. “Cuidar de orquídeas é algo muito gratificante. Você aprende a ter paciência, disciplina e sente-se vitorioso quando a flor desabrocha, o que ocorre somente uma vez ao ano.” IDEAL – Tiago Baggiotto tem 27 anos, é formado em Direito e trabalha como assistente administrativo da biblioteca da Universidade de Santa Cruz do Sul desde 2001. No dia-a-dia, auxilia a coordenação do setor em suas rotinas administrativas, ou seja, ele faz parte do trabalho interno e burocrático da biblioteca. Baggiotto considera o trabalho bastante dinâmico e curte o ambiente, mas, para preencher seus finais de semana, ele optou por um hobby
bem diferente da sua rotina: Tiago é laçador e narrador de rodeios. O bibliotecário/laçador considera o hobby uma “válvula de escape” contra o stress e a correria do dia-adia, mas, mais do que isso, Baggiotto diz que o esporte que pratica é uma paixão desde os tempos de criança. “É um ciclo todo, um ritual, desde as vestimentas, a afinidade com os cavalos, que são nossos grandes companheiros, o culto às nossas tradições.” Mesmo essa atividade exigindo bastante preparo físico de Tiago, ele garante que por ser algo que faz com muito prazer torna-se renovador ao invés de cansativo. E se, de alguma maneira, ele não pudesse fazer mais isso? “De certa forma seria uma frustração. Mesmo assim, não deixaria de acompanhar”. SATISFAÇÃO – Valdir de Castro, 30 anos. Eletricista e músico. Curte ambas as atividades. Aliás, diz-se privilegiado por fazer coisas ARQUIVO PESSOAL
Tiago Baggiotto
“O rodeio, além de um esporte, é uma paixão”
Concentração no trabalho...
...e nos fins de semana também.
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de que gosta muito. Apesar de gostar, reconhece que o dia-a-dia é tenso e desgastante. Ele faz parte de uma equipe que é responsável por toda a parte elétrica do campus da Universidade de Santa Cruz do Sul. Seu trabalho consiste em desde a simples troca de lâmpadas até a instalação de alarmes ou telefones. Na Unisc ele está desde 2002, mas faz 10 anos que toca baixo e canta. Embora considere essa atividade uma segunda profissão, Valdir diz que ela também serve como alívio para o estresse. “No momento em que eu subo no palco e apresento meu trabalho é uma válvula de escape”, diz isso frisando o “é”. Para ele, o contato com o público é uma maneira de liberar energia acumulada durante a semana, pois “ver as pessoas cantando junto, se divertindo, é muito prazeroso”. Valdir começou a tocar por influência, cresceu ouvindo a família do pai “viver” a música. Talvez por isso ele diga que se ocorresse algo que o impedisse de continuar com essa atividade, estaria sempre envolvido “seja num barzinho, som mecânico ou numa rádio, envolvido com a música vou estar sempre”.
O prazer de divertir as pessoas
Daniele Horta Sancler Ebert
A década de 30 foi particularmente importante para a história da humanidade. O filme “Luzes da Cidade”, de Charles Chaplin estréia em 1931, em 1932, o dirigível Graf Zeppelin faz seu primeiro vôo comercial regular para a América do Sul e no ano seguinte, Hitler é nomeado chanceler alemão. Já em Santa Cruz do Sul, uma cidade situada entre o nada e lugar nenhum, no mesmo ano, sem nenhum suporte técnico, glamour ou aprovação, um grupo de rapazes decide construir um avião.
Nossos heróis descansando do trabalho
Ottmar Reichert
“A gente pegava as madeiras, ia cortando e montando como achava que era”
U
ma balada num sábado à noite na Sociedade Ginástica, centro de Santa Cruz. Papo rolando solto, muita paquera e bebida. Entre um trago e outro, um grupo de amigos começa a discutir sobre a fotografia de um avião, encontrada numa enciclopédia trazida da Alemanha. No meio da conversa, alguém resolve tirar sarro da idéia de construir a tal máquina na cidade. Os engraçadinhos do grupo não perdem a oportunidade e começam a desafiar os amigos a concretizar a idéia. Com a cerveja fazendo efeito, os caras topam. Poucas horas depois, enquanto as famílias da cidade se preparavam para a missa do domingo, seis jovens ressacados, carregando consigo olheiras profundas, uma noite mal dormida e um gosto de “guarda-chuva” na boca, colocavam em prática o plano mirabolante da noite anterior. Estes jovens se chamavam Rodolfo Stahl, Willy Stahl, Ottmar Reichert, Hugo Reichert, João Carlos Kolberg e Lauro João Host. A empreitada proposta já não seria fácil nos dias de hoje, com todo aparato tecnológico e informações ao clique de um mouse. Entretanto, essa
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Reunião de fundação do ASC
história se passou no ano de 1933 e os nossos seis personagens tinham entre 17 e 21 anos. E mais: moravam numa Santa Cruz essencialmente agrícola, que não possuía nem um terço da atual população. O automóvel sequer era um veículo popular e os caras ainda queriam construir um avião! Isso sim que era missão impossível... Exceto para eles. O local escolhido para a construção da tal “máquina de voar” foi um galpão abandonado que se situava na rua Gaspar Silveira Martins, próximo à casa de Ottmar Reichert, líder do grupo. Com a tal fotografia em mãos, eles começam a desenhar o projeto do avião, que se chamaria Santa Cruz 1, ou SC1. O material escolhido para a construção (ou melhor, a única opção que possuíam na época) foi madeira para a estrutura e tecido para o revestimento. Todo material era doado por amigos empresários que apoiavam a idéia, ou simplesmente queriam ver no que ia dar. Um ano se passou enquanto nossos aventureiros se encontravam todo final de semana para concluir o invento. Sem nenhuma noção de aeronáutica, os comandos foram arquitetados na base do “achômetro”, e na prática funcionavam totalmente ao contrário do utilizado na aviação. Além disso, a “capa” para impermeabilizar a aeronave foi
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Ottmar Reichert
“A gente puxava com um carro para levantar, só que o primeiro não deu, caiu”
Fundação do antigo prédio
fabricada utilizando “Pó Pelotense” e ovo de galinha. Não caro leitor, você não leu errado. “Pó Pelotense” e ovo mesmo! Misture tudo e passe uma fina camada sobre o tecido. Impermeabilidade certa! Quando o avião ficou pronto, surgiu então a questão crucial não cogitada até então: onde, como e quem faria o vôo inaugural? Ninguém ali havia sequer andado de avião na vida, eles não possuíam uma pista para decolagem e o avião, por ser do tipo planador, não possuía motor para realizar a façanha. Começam então as presepadas. Várias tentativas frustradas e uma surpresa que muda para sempre a história da cidade. As conquistas alcançadas na época trazem suas conseqüências até os dias de hoje, porém, como tudo começou, já foi apagado pela história. DESVENTURAS – O local escolhido para ser utilizado como “pista de decolagem” ficava nas proximidades de onde hoje se situa a sede da Metalúrgica MOR, no distrito industrial da cidade. Como não possuíam um avião a motor para
rebocar a aeronave recém construída, um automóvel da FORD fazia as vezes de rebocador, usando um cabo de aço para puxar e colocá-la no ar... ou pelo menos tentar. A escolha do piloto quase aconteceu no par ou ímpar “Era todo mundo medroso, queriam construir mas tinham medo de testar, daí eu fui. Tinha medo também, mas não queria passar por medroso.”, confessa Reichert, hoje com 93 anos de idade e uma memória impecável. O avião era levado até o campo de decolagem carregado nas costas. Seus construtores o fizeram desmontável, e as asas podiam ser destacadas do corpo da aeronave. Os seis amigos se revezavam na tarefa de carregar a pé o material por cerca de 10km! E realizavam o percurso quase todo final de semana após seu primogênito ficar pronto. Porém, apesar de todo o esforço dispensado na aventura de construir um avião sem ter noção alguma do que se estava fazendo, nossos amigos se depararam com a parte óbvia: o SC1 jamais sairia do chão! Mesmo após inúmeras tentativas, não tinha jeito, a aerodinâmica do novíssimo
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MÃOZINHA – Mas nem todo o esforço foi em vão. Desde 1929 a VARIG já realizava vôos para a cidade, onde em 1933 já possuíam inclusive um campo de pouso com linha comercial freqüente entre Porto Alegre e Santa Cruz. Como a pista da VARIG ficava próxima ao campo escolhido por nossos aventureiros para os testes com seu avião, os pilotos que para cá vinham realizar a rota comercial muitas vezes viam o “bando de malucos” tentando fazer um avião levantar vôo. Eles então comunicaram para o fundador da empresa, o imigrante alemão Otto Ernst Meyer, o que estava acontecendo em Santa Cruz, e este solicitou que um representante do grupo fosse a Porto Alegre para realizar um curso de pilotagem. E lá se foi o jovem Reichert realizar os primeiros vôos de sua vida, e de brinde, receber a proposta para
fundação de um aeroclube na cidade de Santa Cruz do Sul, com a ajuda da recém criada VARIG Aero Sport. O objetivo era que o grupo de amigos pudesse receber um material que viria da Alemanha para construção de um planador. Junto deste “kit”, viriam outros dois destinados às cidades de Osório e Rio Grande. O resultado foi a fundação do primeiro aeroclube do interior do Estado, e o mais interesseiro também. Deixem-me explicar, não que nossos personagens o fossem, mas no final das contas, o único motivo pelo qual existe hoje o aeroclube na cidade, é porque um dia um grupo de rapazes queria ganhar um kit para construir um planador e para isso teriam que obrigatoriamente fundar o nosso aero. “Não tinha diretoria nem nada, a gente montou só pra ganhar o kit mesmo” orgulha-se Reichert. E assim, em agosto de 1934, era
Mesmo com ajuda o transporte não era fácil
Ottmar Reichert
planador não se adequava às requeridas para que ele conseguisse alçar vôo. A empreitada não foi bem sucedida.
“O carro mais quebrava do que andava para ir, mas era divertido”
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Aeronave era montada no local dos testes
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Ottmar Reichert
“Não sobrou nada além de fotos e um modelo igual só que pequeno”
A criação alcança os ares
realizada a reunião que fundou oficialmente o Aeroclube de Santa Cruz do Sul, popularmente denominado ASC. Com a oficialização, começa a arrecadação de verbas para a construção de um hangar próprio e também a construção do SC2, bem mais demorada que a do primeiro, porém desta vez com o kit e instruções específicas, o que resultou em um vôo bem sucedido, mas nem tanto assim.
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SC2 – As primeiras tentativas de vôo do Santa Cruz 2 – SC2, também não deram muito certo, mas no mesmo dia da primeira tentativa, passava por ali um senhor em um novíssimo Ford com motor mais potente, que se ofereceu para rebocar o planador com seu carro. Lá se foi o jovem Ottmar pilotar novamente sua criação, pela primeira vez levantando do chão e chegando a uma altura de aproximadamente dois metros do solo, sentindo o vento em seu rosto, toda a liberdade de estar pairando no ar... sentindo a emoção de conquistar os ares... e então PUFT! O avião está no chão. “O avião quebrou, mas daí a gente montou de novo. Caiu um monte de vezes, mas sempre a gente
chamava a Varig e eles mandavam mais coisas e a gente montava de novo. Por isso que deu certo, porque muita gente tentava construir na época, mas sempre quando não dava certo, desistiam. A gente não, a gente não parava. Caía e a gente montava de novo (risos).”, conta Reichert. Isto é que é persistência. Só dois anos após a conclusão do SC2, um dos membros do fabuloso grupo teve a “genial” idéia de construir um carrinho para transporte da aeronave. Sim, até então eles ainda realizavam religiosamente a tarefa de, aos finais de semana, carregar nas costas as partes montáveis do avião. Mas não que isto tivesse facilitado muito a vida do grupo. O carro comprado para o aeroclube e que servia de reboque do “carrinho” não costumava funcionar por muito tempo, e agora, ao invés de carregar as partes do avião, eles tinham que empurrar um automóvel bem mais pesado. O “troféu” feito com tanto empenho é esquecido pela história.
E o Vento Levou No ano de 1959, um temporal fortíssimo atingiu a cidade de Santa Cruz do Sul. Muitas casas foram atingidas, mas para nossa história aconteceu um fato marcante. O primeiro prédio construído do Aeroclube de Santa Cruz foi abaixo e com ele todas as aeronaves e documentos que se encontravam em seu interior. Foi este o motivo que levou à transferência do ASC para o local onde se encontra hoje, em linha Santa Cruz. Quanto aos planadores, SC1 e SC2, bom, certamente eles deveriam estar em um museu construído especialmente para esta história na cidade, mas o fato é que com a chegada dos novos aviões à motor, eles foram considerados ultrapassados, e para dar espaço ao novo, deixados ao relento do lado de fora dos hangares. Com o tempo e sua deteriorização, um belo dia uma das diretorias decidiu atear fogo às aeronaves, e delas resta apenas a história e algumas poucas fotografias.
A TRADIÇÃO – Com os vôos bem sucedidos, o ASC passa a ser freqüentado pelas famílias dos jovens aviadores, que realizam piqueniques enquanto observam o decolar e aterrissar da aeronave. Logo são seguidos por outras famílias, e aí começa uma tradição que dura até hoje na cidade. Outras aeronaves são adquiridas pela entidade, e logo aviões movidos a motor são doados para o ASC através de campanhas de empresas nacionais incentivadoras da aviação. O “aero” cresce e até uma diretoria é formada, presidida pelo atual patrono da entidade, Luiz Beck da Silva, que por sinal, segundo nossos pioneiros, sequer voava de avião, mas esta já é outra história. O aeroclube pioneiro no interior do Estado conquista seu espaço, e os jovens festeiros que em uma noite de balada receberam um desafio desacreditado, conquistam seu espaço definitivo nos ares. Porém, não conquistaram o mesmo merecido espaço na história, e pouco se encontra sobre o que realmente aconteceu na época. São seus protagonistas as únicas fontes que ainda restam sobre esta incrível façanha pouco registrada e da qual apenas o nome ASC ainda persiste.
Fernanda Almeida
FOTOS FERNANDA ALMEIDA
Não, nós não esquecemos um A no final do título. O nome dela é mesmo, Manuel. Depois de 18 anos vivendo como homem, Manuela (nome fictício), hoje feliz com a identidade que tanto sonhou, mostra a sua cara e o seu belo corpo, como tantas mulheres não possuem. Apesar de ainda conviver com as mágoas do passado, ela reúne forças para o acréscimo da letra A no final do seu nome.
Como foi fazer a cirurgia? Eu fui atrás, informei-me com umas amigas travestis que eu tinha. Para poder fazer a cirurgia tem que passar dois anos fazendo terapia com uma psicóloga, e é totalmente de graça.
meu problema psicológico mesmo é morar nessa cidade. As pessoas não me respeitam, não me vêem como eu deveria ser. E como você queria que elas te vissem? Como uma pessoa normal, sou igual a todos, não é porque eu troquei de sexo e fugi dos padrões que devo ser ignorada como uma selvagem. Quero ser respeitada, mas os homens não me respeitam muito (risos).
Não têm nenhum gasto para fazer a cirurgia? Não, só os hormônios. Eles te dão um monte de hormônio, tem as reuniões com travestis que tu conversa, daí é marcado o dia da cirurgia. No dia chegou a me dar um negócio, Tem alguma situação chata que aquele dia foi muito estranho. A já passou por causa da sua opção cirurgia durou quatro horas e fiquei sexual? dois dias de repouso, tive que ficar Antes da cirurgia, tinham os caras duas semanas usando absorvente. Eu que se apaixonavam e me senti castrada, na hora me deu até uma Eu acho que se eu eu fugia, porque eles crise: meu Deus, será tivesse uma arma não sabiam que eu ainda era homem. A que vou ter prazer de eu matava umas situação chata mesnovo? mo é que eles me pessoas. Sabe Quanto tempo tem aquele filme, “Tiros tratam de uma forma muito estranha, mas que ficar sem relação em Columbine”? não deixam de ficar sexual? comigo, só que por Tem que ficar três debaixo dos panos. meses sem fazer nada, mas eu estava de namorado, não esperei bem o E já teve algum cara que quis te tempo certo. bater? Já, uma vez só, porque aqui em Santa Não deu problema? Cruz eu evito ficar com alguém. Não, dói um pouco e sangra muito. E por que resolveu trocar de sexo? Foi uma coisa que eu sempre quis, estava sempre com as gurias, a única coisa de guri que eu gosto é de jogar videogame. Gosto muito, mas o resto é uma coisa que tava sempre dentro de mim, eu já sabia desde criança, por isso que quando a gente vê essas crianças meio afeminadas, já é um indício muito grande. Eu comparo como eu era, quando a gente é criança não dá bola. Como você se sente depois da cirurgia? É uma coisa que eu fiz pra mim e me sinto realizada por isso, mas o
Por que ele quis te bater? Porque eu não quis ficar com ele, e no final da festa contaram para ele que na verdade eu era homem. Não entendo por que ficou tão bravo, saiu correndo atrás de mim com uma garrafa de cerveja na mão, pois não fiquei justamente porque ele não sabia. Será que ele queria que eu chegasse nele e falasse: Olha, na verdade eu não sou bem isso que você tá vendo.... Ele deve é me agradecer que eu ainda não fiquei com ele. Como foi enfrentar essa tua opção em ser mulher? No colégio eu enfrentei muitas
barreiras. Quando eu estudei em colégio público não era tanto quanto no particular, era um repúdio muito grande, eu deixava as pessoas pisarem em cima de mim e quando eu mais precisava de ajuda eu não tive, (pausa para poder falar)... Eu acho que dentro da tua cabeça é bem difícil, tu sofre bastante. Muitas mágoas? Eu acho que se eu tivesse uma arma eu matava umas pessoas. Sabe aquele filme, “Tiros em Columbine”? Onde dois alunos mataram outros alunos? Às vezes eu entrava dentro do colégio e sentia uma raiva, dava vontade de fazer a mesma coisa.
nuel”, isso não mudou (risos). Mas meus parentes todos aceitaram, família, não tenho nenhum pouco com o que me revoltar, por isso que eles ficam revoltados comigo se eu faço alguma coisa de errado, porque em questão de aceitação, eles me deram todo apoio.
Com o que a sua família se preocupa? Com questão de drogas e violência, como todo pai tem essa preocupação normal. Por isso que a minha cabeça é mais aberta, eu sinto a necessidade de carregar uma responsabilidade Tinha amigos no colégio? de ter uma personalidade boa. Pra Não. As gurias pensavam: Não vou ser a pessoa que eu sou, não é fácil, ficar aqui com esse “putinho”, vou ninguém escolhe, e eu também sou ficar com as minhas realista, penso se sou asamigas... Me tiravam As gurias sim, seja uma pessoa boa pra chato, grudento, eu de cabeça e que o único pensavam: não tinha ninguém para mal é que faça para si Não vou ficar mesmo e assim tu vai te conversar. Eu era muito carente, então as pessoas aqui com esse reciclando, é isso que eu me tiravam pra chato. penso.
putinho
Quando se descobriu e assumiu essa identidade? Quando eu fui morar em Porto Alegre eu me liberei. Aqui era uma coisa mais enrustida, fui pra lá, alisei o meu cabelo, era uma coisa mais de transformação. Usava umas roupas mais justinhas, foi bem aos pouquinhos. Foi tão fácil que eu nem sei te explicar. Quando vi, aconteceu. E a reação dos teus pais? Considero eles uma família muito neutra para tudo. A minha mãe expõe os sentimentos muito seco, ela não é de sentar e conversar, tipo: Tu faz o que tu quer. Quem aceitou mais foi o meu pai, em geral me deram tudo o que eu quis, todo o apoio, me tratam super bem, apesar de que aqui dentro de casa eles me tratam “o Ma-
Quanto à cirurgia, eles reagiram como? Bem, eles agiram normalmente, só se preocuparam com a operação e foi uma coisa que eu quis, são escolhas, eu abracei, hoje eu estou muito bem, até na hora do ato. (risos) Dá para notar diferença no órgão sexual? Até hoje dois homens viram que é diferente e os outros não viram nada. Tem os retoques que tu faz, para deixar maior, menor, mais profundo, ou menos profundo. É colocado uma prótese para não fechar, vai diminuindo aos pouquinhos e o clitóris é super sensível,
agora tá melhor, por isso que eu pergunto, porque eu não sei pra mulher, pode me responder eu nunca perguntei (risos). Claro, pergunta, aproveita essa chance, já que sou mulher. O clitóris é bem sensível no começo e depois como fica? Porque no começo pra mim dói horrores. (risos) E na relação sexual como é a sensação? Antes eu era virgem, nunca tinha feito nada. É bom, claro que no começo foi doloroso, eu dizia: “Aí não quero”, mas depois foi indo Só que eu não tenho lubrificação, sempre levo um gel, daí vai,...vai bem normal.
Quanto custam os programas? (Risos), Ah geralmente é na base de R$80,00, R$100,00, R$150,00, depende do cliente, do lugar, de quem tu vai fazer, do momento é uma coisa muito abrangente. Eu faço por R$50,00 às vezes, só oral faço por R$30,00, esse tipo de coisa. Tem alguma situação com algum cliente que você mais repudiou? A ignorância de não querer usar preservativo, a maioria, 80% não usa. E vocês o que fazem quanto a isso? Tem que pedir para usar, a maioria das gurias tem AIDS, esse é o meu medo. E se olha não diz, são chiquérrimas, tem carro.
Já teve que fazer sem camisinha? Já fiz sim, às vezes pinta uns corpinhos né, (risos) que não dá para Nunca tinha tido relaresistir, mas foi coisa que ção sexual antes de Eles me tratam eu estava bêbada e me fazer a cirurgia? arrependi depois. Mas de uma forma eu sou enjoada, tenho Nunca. muito estranha, muito orgulho de ser Nunca chegou a ficar mas não deixam nojenta quanto a exigir com mulher? preservativo. Estou num Já fiquei, já tentei ex- de ficar comigo grupo de risco, fazer exaperimentar, porque mes periódicos, essa é a eu sou super liberal, já tentei, até responsabilidade. mesmo hoje em dia, foi uma coisa que eu nunca quis, só de brincadeira Quer parar de fazer programa? mesmo, mas nunca cheguei a tranPretendo. Primeiro eu estou me sar, mas eu tentei, foi uma coisa de desintoxicando. Quero parar de beinterpretar uma artista. ber, quero investir em mim, no meu corpo, na minha beleza. Tem muita E você faz programas? coisa que eu quero melhorar, por Faço por fora, é uma grana peito, quero estar de bem comigo, rápida, mas tudo que vem tendo o meu dinheiro, tendo as mifácil, vai fácil também. nhas coisas, seguir o meu caminho. Quero ter o que é meu primeiro para Você faz só por causa da ser independente. grana? Deixa eu só vê o horáComo é viver em uma cidade como rio, desculpa é que eu to Santa Cruz do Sul? preocupada com o meu Pra minha pessoa é horrível, não ônibus.... sei a palavra certa... Revoltante e Só por causa do dinheienclausurante, sabe aquele lugar que ro. te sufoca?
Aquele lugar que tu ficas louca para sair? Exatamente esta a palavra, até hoje em qualquer lugar que eu saio aqui para me sentir bem eu tenho que beber umas, porque sempre tem alguém que vai te fazer um comentário, e parece que eu sinto. Qual foi o pior comentário que já escutou? “A não, àquilo ali já foi homem”. E esse corpão? Eu tomo vários anticoncepcionais, tenho que parar um pouco, e agora eu dei uma engordada, antes eu tinha uma cinturinha bem fininha e não tinha tanta bunda.
Mas você ainda tem cinturinha. Mas tu não viu antes, era bem menor Não colocou silicone? Não, nada além da cirurgia, sou original de fábrica (risos). E essa pele maravilhosa? Eu cuido, fiz um curso de estética facial, a questão genética também influencia, pode olhar para minha mãe, hoje ela está meio enjoada, mas ela é simpática, ela tem uma pele super boa, eu cuido, ainda mais quando a gente estuda sobre isso, passa uns cremes, acho que era isso... o meu tempo está estourado, vou viajar pra Porto Alegre e depois pra Florianópolis fazer uns shows, tenho que tirar umas notas.
Daiane Balardim Luciana Mandler
Possuir um diploma acadêmico é ter em mãos um passaporte para uma vida melhor. É uma chance de seguir uma carreira bem sucedida que lhe renda bons frutos. Não para todos. Há também quem resolva interromper essa viagem e trocar as salas de redação por um trabalho inteiramente social. Esse é o caso da jornalista Melissa Braga, 28 anos.
ARQUIVO PESSOAL
Melissa Braga
“É uma luta de grandes contra pequenos, é uma guerra”
Antes de conhecer o mundo real da periferia, Melissa no seu “mundinho” onde tudo é perfeito e fácil
M
elissa Braga é formada em jornalismo em 2004 na Unisc, ela teve muitas oportunidades em sua trajetória acadêmica. Trabalhou como voluntária na Unisc TV, estagiou por um ano e meio na RBS TV e foi Assessora de Imprensa do Riovale Jornal. Durante o curso a jovem descobriu uma grande paixão: a fotografia, que lhe rendeu um estágio na Zero Hora. Já formada e há três anos trabalhando neste veículo, prestes a ser contratada como repórter, Melissa largou a carreira profissional para trabalhar em prol da comunidade. A jovem, que produzia uma revista voltada para a alta sociedade da região, hoje ensina as crianças da periferia a produzirem o próprio jornal do bairro. Depois de formada continuou trabalhando para a Zero Hora, mas como o trabalho de fotógrafa lhe exigia tempo integral, não foi possível conciliar com seus projetos no centro comunitário. Ela não teve dúvidas. Decidiu abrir mão do emprego. Em novembro de 2005 seu projeto começou a sair do papel. Sua intenção era reunir as crianças do bairro para participarem de oficinas, onde aprendem a fazer reportagens, buscar pautas e diagramar o jornal.
Deixar de lado a carreira profissional não foi à única transformação que Melissa enfrentou. A partir do seu trabalho, ela foi criando vínculos com a comunidade, que a levou a fixar residência na periferia. Para concretizar seu objetivo de se incluir junto a eles, Melissa teve que se desfazer de alguns bens materiais que possuía. Por conta disso, trocou seu duplex por uma pequena casa no bairro Bom Jesus. A jovem investiu todo seu dinheiro na compra de um terreno e na construção de um galpão, que sedia as oficinas. MILITÂNCIA – Melissa conheceu o movimento de luta popular por meio do convite de um colega de faculdade, que mais tarde se tornou seu marido. Sua primeira participação nessas causas foi trabalhar com o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). “Eu era de classe média, não conhecia comunidades pobres. Não me envolvia muito com esses projetos, eu sempre me indignava em ver como o país era desigual e tinha muita pobreza, mas não lutava para mudar isso”, relata Melissa. A jovem considera muito importante todo conhecimento que adquiriu em seus trabalhos profissionais, mas diz que somente agora está fazendo uma comunicação social. Começou ajudando em alguns projetos para ganhar experiência, trabalhando a comunicação nos bairros e logo se inseriu no movimento da Resistência Popular. “O nosso objetivo é organizar os moradores da periferia, que são excluídos da sociedade, para lutar pelos seus direitos”, ressalta.
GELSON PEREIRA
críticas referentes à sua aparência, pois emagreceu muito. Entretanto, ela atribuiu seu aspecto abatido e seu emagrecimento a uma vida de sofrimento, de luta e não uma vida de prazer e alegrias. Obstáculos são para serem enfrentados. Ela afirma que não vai desistir de lutar por uma sociedade melhor, para os seus filhos, e os de todas as mulheres. Para ela o mundo todo é uma grande família que precisa lutar junta. A mudança de Melissa não agradou a todos. Muito menos a sua mãe. Dona Liane Glória Braga, teve seu sonho interrompido. Ver sua filha trilhando um caminho de sucesso era seu desejo. Para dona Liane essa atitude foi uma grande frustração. “Agora olho para trás e vejo a carreira que ela poderia ter. A Melissa poderia se dedicar a essas causas, mas sem abrir mão da sua profissão e das realizações financeiras”, comentou dona Liane. A mãe conta que Melissa se desfez até mesmo de suas roupas. “Minha filha só usava roupas das lojas mais conceituadas da cidade, e acabou trocando todas em um brechó, por roupas mais simples”. E diz também que Melissa não parece A entrega do Jornal na comunidade
Melissa Braga
Hoje Melissa é uma militante social, que optou em morar na vila e não tem vergonha disso. Ela conta que foi uma decisão muito difícil, até mesmo por conta da sobrevivência e diz: “Eu perdi tudo. Até pastel na rua eu vendi, fiz um monte de coisa que eu nunca imaginei fazer como jornalista”. Apesar das dificuldades não deixa de defender seu bairro, que tem a fama de ser muito perigoso e violento. “Claro é muito diferente da realidade que eu vivia antes, não tenho mais o mesmo conforto. Quando eu morava no centro, eu ia ao cinema, passeava de carro e agora saio pra rua e vejo cachorro morto, criança de pé descalça, não é uma vidinha fácil”. Melissa conta que muitas vezes sente falta da sua vida de antes, principalmente quando a questão é financeira. Chora quando algo não dá certo, mas que jamais se arrepende. Acredita que o tempo vai ser o melhor remédio para superar os desafios. Além do preconceito, a militante sofre ainda com as
“Não tenho vergonha de morar na vila, coloco meu pé no barro”
GELSON PEREIRA
Voluntários trabalhando duro no Projeto
GELSON PEREIRA
Melissa Braga
“Acho que eu vivo em um mundo mais real”
Melissa, hoje ao lado do maior símbolo de um sonho sendo alcançado
ser mais a mesma pessoa. “Ela não se cuida, não se arruma mais”, desabafa. A mãe julga ainda, que ela está desperdiçando a capacidade que tem. “A Melissa é inteligente, tem um dom, ela tem todas as ferramentas, só falta trabalhar”. COMPANHERISMO – A jornalista se deparou com o outro lado da moeda quando começou a namorar Fagner Antonio Jandrey. Ele é um militante político-social e trabalha como catador de material reciclável. Ao ser perguntado sobre a transformação de Melissa, ele diz com certa impaciência: “A essência dela é a mesma, porque antes de participar do movimento de luta, ela já possuía sua personalidade e caráter próprio”. Fagner acredita que hoje Melissa está comprometida não só com sua vida, mas também com um sonho que se concretiza pouco a pouco. E afirma que não existe nada mais gratificante do que realizar suas alegrias e rebeldias. O casal conta com o apoio da família de Fagner, mas sofre a repressão por parte da mãe de Melissa. “A questão não é de ser contra ou a favor, e sim de entender as opções que as pessoas tomam em suas vidas. Algumas pessoas preferem ter vidas cômodas e adestradas, outras preferem se libertar”, destaca o catador.
Apesar de o movimento popular demandar muito tempo e dedicação, eles não deixam de curtir a vida. Tomar chimarrão no parque gruta é um dos passatempos preferidos. A base da relação é o companheirismo, já que ambos lutam pelo mesmo ideal. “De nada vale uma carreira profissional que vise apenas se integrar no mercado capitalista”, salienta Fagner. Para ele, optar em manter sonhos coletivos e utopias é uma construção diária de uma alternativa libertaria e de uma cultura solidária. E diz ainda : “A mudança parte de dentro para fora, e ao se relacionar com as pessoas cria-se uma teia cada vez maior e essa é uma das chaves do poder adormecido nas consciências humanas”. O informativo popular “A Comunicação faz a Força” teve sua primeira edição em novembro de 2005. Ainda em formato tablete. Após dois anos de oficinas e com a ajuda da Fundação Luterana de Diaconia o projeto pode lançar seu primeiro exemplar em formato tablóide. As oficinas são mensais e realizadas na sede da Resistência Popular, no Bairro Bom Jesus. O informativo é bimestral e tem uma tiragem de três mil exemplares. A distribuição do jornal é por conta dos voluntários. O repórter popular aprende a fazer reportagens, entrevistas, fotos e programas de rádio. Enquanto os voluntários adquirem experiência, a diagramação e as principais matérias ficam a cargo da jornalista. Melissa
conta que os moradores se emocionam quando são procurados para dar entrevistas. Pois muitas vezes eles são procurados apenas para falarem de seus problemas “A mídia só vai ouvir a periferia quando se trata de roubos, crimes ou quando tem uma enchente lá no bairro”. Para ela é muito gratificante o reconhecimento que a comunidade tem pelo seu trabalho. Mas tem algo que a deixa triste. “Só não gosto quando eles falam, olha a jornalista, isso me distancia um pouco deles. Então eles falam a repórter, aí eu digo repórter somos todos nós”. Melissa considera uma construção lenta, pois é muito difícil mudar uma realidade e fazer com que as pessoas participem. O seu objetivo não é só a inclusão social e sim a transformação social, para que ninguém mais precise ser incluído em algum grupo, e sim que todos tenham a mesma oportunidade. Como jornalista já fez muitos trabalhos, mas segundo ela nenhum foi tão sofrido e ao mesmo tempo tão realizante. “Quando eu vi o jornal, quase chorei, foi muito bom ver as fotos das pessoas, as matérias, ele completamente pronto”, finaliza Melissa. O jornal conta com a participação de dois voluntários. Amarildo Laerte Rodrigues, 30 anos, é operário e trabalha como repórter na Resistência Popular. Para o jovem, conhecer as histórias dos moradores é uma forma de enriquecer sua cultura. Amarildo fala também que: “A Melissa é muito corajosa e batalhadora, por ter largado tudo para se dedicar ao movimento”. Márcia Santos, 30 anos, estudante de jornalismo, foi indicada pela faculdade para contribuir com o projeto. Quando questionada se pensa em seguir o mesmo caminho de Melissa ela é objetiva: “Meu sonho é terminar a faculdade e ter um bom emprego. Até porque não tenho condições financeiras de viver apenas para o projeto”.
Crônica Dinheiro é 100%
Cláudio Froemming
Dizem que o dinheiro não traz felicidade. Mas em muitos casos manda buscar! Dizem que o dinheiro não compra as amizades. Porém a maioria prefere ter amigos ricos! Dizem que o dinheiro não garante saúde e vida longa. No entanto quem é pobre adoece também e morre bem mais rápido! Dizem que o dinheiro não é tudo. Mas é quase! Vivemos, estudamos e trabalhamos sempre pensando no dinheiro, pois sem ele, o que é possível fazer? Sem grana, daria para passear no parque, conversar com os amigos, tomar um banho de chuva e pegar um sol, mas não no horário do meio dia, pois com a destruição da camada de ozônio, você poderia provocar um câncer de pele, que necessitaria de muito dinheiro para curá-lo. Tudo funciona em torno do dinheiro, pois é ele quem faz o mundo acontecer. Eu só estudo jornalismo, porque pago uma mensalidade bem cara, e também porque gasto com transporte, xerox e alimentação. Em contra partida, tenho professores competentes por conta de sua formação, que exigiu altos investimentos e que agora, requerem altos salários para dar aulas. E é claro, eu estudo para poder ganhar mais dinheiro, que não é tudo na minha vida, mas é muito importante! Quem tem dinheiro faz dinheiro, principalmente em um regime capitalista, como é o nosso. Nós seres humanos temos uma necessidade de poder sonhar, comprar e realizar, e isso só com “money”, “bufunfa”, “dólares”, ou como queira chamá-lo. Para termos algum tipo de posse, como um carro novo, casa própria com piscina, viajar e até mesmo para construir uma família com dignidade, temos que ter o tal do dinheiro. Por isso dedicamos 70% do nosso tempo útil em busca dele, o realizador de sonhos e fantasias, o idolatrável e tão almejado dinheiro. Eu vivo fazendo contas, pois afinal de contas, preciso saber o quanto posso gastar com o que ganho mensalmente, para pagar minhas contas. Se puder, ainda quero comprar um carro novo, viajar aos Estados Unidos e ter uma vida com algumas mordomias, mas isso só se eu conquistar o tal do real. O dinheiro, moeda de compra inventada no início do século XIX aqui no Brasil, até os dias de hoje, é realmente uma das grandes invenções do homem, mesmo que uma parcela da população possua pouco dele, pois alguns não obtiveram as mínimas chances necessárias para tentar ganhá-lo dignamente. Mas mesmo assim, ainda é uma forma democrática de dar condições de livre arbítrio às pessoas, para que as mesmas escolham o que querem fazer para ganhar muito ou pouco dinheiro. Por isso digo e repito: dinheiro não é tudo, mas é 100%.
Filipe Faleiro Thiago Maurique
Imaginem os jogadores de Grêmio e Inter atuando juntos, pelo mesmo clube. Imaginem, então, os torcedores dos dois times juntos na arquibancada, sem grades ou policiais entre eles. Impossível? Em santa Cruz do Sul aconteceu. Os dois times da cidade, Avenida e Santa Cruz, se uniram e formaram uma única equipe, em uma tentativa mal sucedida de transformar o clube em uma potência do futebol gaúcho.
E
m 1972 o Avenida Futebol Clube e o Futebol Clube Santa Cruz fizeram campanhas medíocres no Campeonato Gaúcho e estavam à beira da bancarrota. A idéia salvadora, defendida por lideranças políticas e pela imprensa local, prometia ser uma “luz no fim do túnel” para o futebol santa-cruzense: unir o patrimônio dos dois times e formar uma única equipe. Foi assim que surgiu a Associação Santa Cruz do Futebol. “A própria federação gaúcha apoiava a idéia das associações em todo Estado, porque acreditava que as cidades do interior deveriam ter apenas um time”, explica o Dalton Luiz Melo, gerente do departamento do futebol amador do Juventude e ex-jogador da Associação. Conhecido por Foguinho, ele foi o capitão de 1975, ano da melhor campanha da curta história da Associação. Com fortes investimentos e a contratação do experiente técnico Daltro Menezes, a equipe montada era uma verdadeira seleção de craques do interior gaúcho. “Os dois melhores ponteiros que eu vi jogar estavam naquele time”, lembra Sérgio Machado; ex-líder da torcida Ala Jovem. Com o apoio maciço da torcida a Associação fez jogos memoráveis naquele ano, terminando em terceiro lugar da primeira divisão do Campeonato Gaúcho.
Se tornar a terceira força do futebol gaúcho era o objetivo principal do clube. Mesmo antes da primeira temporada, em 1973, a diretoria recém formada projetava a futura equipe pensando em rivalizar com a dupla grenal. Para isto contava com apoio financeiro da prefeitura e de diversas empresas. “Era um tempo em que não havia leis que impediam o investimento público no futebol”, explica Hélio Almeida, dirigente do Futebol Clube Santa Cruz, na época, conselheiro da Associação. Porém, mesmo nos primeiros anos, a idéia tinha resistência de ambos os lados. Se a rivalidade entre os clubes gerava desconfiança, os bons resultados obtidos logo na primeira temporada maquiaram as desavenças. “A ascensão da Associação foi muito rápida, a equipe passou por todas as etapas e chegou com força na elite do futebol gaúcho”, afirma Sérgio Machado. Os números confirmavam as boas expectativas. Num total de 40 jogos, foram 21 vitórias, 11 empates e apenas 8 derrotas, campanha que classificou a equipe para a divisão principal. “Em 73 perdemos apenas uma partida em casa, para o Encantado, nos Eucaliptos”, afirma Gabriel Porto, o Cuca, ex-ponteiro direito que jogou em todos os anos da associação. Mesmo que Avenida e Santa Cruz fossem clubes acostumados a disputar a primeira divisão do Gaúchão, a Associação passou por dificuldades típicas de time estreante. Perdeu jogos importantes e acabou não se classificando para o quadrangular final. A velha disputa entre os rivais também atrapalhava. Começavam a
Hélio Almeida
“A rivalidade entre Avenida e Santa Cruz era mais forte que grenal”
ARQUIVO PESSOAL
Em 75 o time de Santa Cruz beliscou o título comandado por Daltro Menezes
ARQUIVO PESSOAL
Hélio Almeida
“Se tivessem fundido os patrimônios, a Associação estaria viva até hoje”
Cuca pretende escrever um livro sobre sua carreira
aparecer na imprensa notícias sobre desentendimentos na diretoria da associação, que eram prontamente desmentidas em notas oficiais, divulgadas com um certo ar solene. Porém com a chegada do ano seguinte tudo foi esquecido e os bons resultados ajudaram a botar panos quentes nos problemas.
ARQUIVO PESSOAL
Torcedores tinham de conseguir ônibus em cidades vizinhas
NOVA TORCIDA – Um dos motivos para a rápida ascensão da equipe foi a presença do torcedor. Empolgados com a idéia da fusão, a juventude da cidade se organizou e criou a Ala Jovem, que acompanhava a ASCF em todas as partidas. Sérgio Machado traduz o espírito da nova fase do futebol na terra do fumo; em matéria do jornal Gazeta do Sul no mês de fevereiro no ano de 73. “Se a outra parte da torcida quiser vaiar, mas nós nunca. Só incentivamos. A Associação merece. Vamos tocar com força”. Esta postura da torcida embalou o novo clube no torneio classificatório para o Gaúchão de 74. “A Ala Jovem aterrorizava”, relembra Sérgio. A torcida ficou
conhecida no estado pelo fanatismo, pela quantidade de pessoas que acompanhava a equipe e, principalmente, pelo barulho inconfundível das buzinas de caminhão. “Alguns diretores cederam tubos de ar. Então nós pegamos as buzinas, montamos um teclado e estava pronta a zuera”, conta o ex-líder. Os dirigentes da época argumentavam que no ano de 72 a dupla Ave-Cruz perdia pontos preciosos em casa por falta de apoio da torcida, o que não ocorria mais com a Associação. Com o estádio sempre cheio, muitos jogadores sentiram a pressão. O ex-atacante Palito, formado nas categorias de base do Santa; e que jogou na ASCF em 75, lembra da cobrança dos torcedores: “A torcida era uma loucura. Os caras acompanhavam o time onde fosse. Por causa da pressão da torcida tinha jogadores que passavam mal; sentiam dor de estômago”. A proximidade dos torcedores com os atletas acentuavam as cobranças por resultados. Sérgio conta que a relação entre torcida, diretoria e atletas era familiar. INVASÃO – Com a rivalidade entre os times da cidade encerrada, os municípios vizinhos passaram a ser o alvo dos torcedores. No dia 18 de fevereiro a Associação disputaria a
A equipe da ASCF em 1972
Gabriel Porto, o Cuca
“A cidade inteira se uniu para torcer pela associação”
Naquele dia ele não assistiu ao jogo. Quando o portão foi derrubado ele estava à frente, junto dele uma torcedora caiu e foi pisoteada. “Eu levei ela ao Pronto Socorro, fiquei lá até o fim do jogo. Eu não sabia o que estava acontecendo no estádio, sabia apenas que o resultado era bom para nós. Quando saímos do PS o taxista contou que tinha ocorrido a invasão, que a torcida da Associação tinha bagunçado. Mas essa não foi nossa intenção”. O jogo sem gols favoreceu a Associação que seguiu para o melhor resultado de sua história. O FIM – Depois de uma temporada como a de 75, todos esperavam que o ano seguinte fosse de vôos mais altos. Porém uma forte crise financeira abalou os cofres do clube, o que fez com que as desavenças ficassem mais fortes. As tratativas para a união dos patrimônios sociais cessaram de vez e junto com elas promessa de construção de estádio municipal. Os dirigentes e associados do Avenida também se incomodavam com um fato que foi determinante para a ruptura com a Associação. “Em todos os lugares onde a Associação jogava, falavam no nome Santa Cruz, e o pessoal do Avenida não gostava nada disso por que parecia que era o Futebol Clube Santa Cruz que estava ARQUIVO PESSOAL
liderança. O adversário: Associação Lajeado – outra equipe fruto de fusão. Comentarista esportivo do jornal Gazeta do Sul na época, Ernani Aloísio, destacava o que entrava em jogo numa partida de cidade vizinhas: “Não tenho bronca com eles. Todavia, no futebol, como no esporte em geral, eles têm uma cisma contra nós e; porque esconder o leite, nós contra eles também”. Com estes ingredientes fervia o caldeirão do futebol no interior em 73. Encarado como o grande clássico da região, a rivalidade entre Santa Cruz e Lajeado mobilizou a população das duas cidades. Sérgio Machado lembra deste jogo como a “1º grande invasão”. Segundo ele, foram 17 ônibus com torcedores de Santa Cruz. “Nós provocamos, pelas rádios e jornais, os torcedores de lá para um desafio. Ao chegar em Lajeado, os torcedores da casa contavam os ônibus. Quando chegou no 12º carro eles calaram”. O jogo de 12 de julho de 1975, contra o São José de Porto Alegre ficou marcado na vida da Associação. Todos jogadores e dirigentes guardam na memória esta data, principalmente os torcedores. Naquela ocasião o time de Santa Cruz precisava do empate para se classificar. Em uma manhã chuvosa partiram 46 ônibus com destino ao estádio Passo d’Areia. “Quando aquela multidão chegou, os portões do estádio estavam fechados. Os funcionários do Zequinha, responsáveis pela bilheteria, faziam corpo mole para repassar os ingressos. A Brigada Militar também tentava impedir uma possível invasão. Mas quando a massa desceu dos ônibus foi impossível segurar; o portão que dava acesso às arquibancadas foi derrubado”, conta Sérgio.
Sérgio Machado
“Em dias de jogos os bares da cidade fechavam por causa das brigas”
As divergências entre os dirigentes provocava mudanças constantes no uniforme da equipe
GELSON PEREIRA
jogando”, explica Sérgio Machado. As dificuldades em 76 se refletiram em campo e os maus resultados diminuíram a empolgação da torcida. O Avenida reabriu o departamento de futebol amador e ameaçava se desligar da Associação. A torcida do periquito abandonou os jogos da Associação e passou a freqüentar os jogos do campeonato amador. Finalmente, no dia (12 de dezembro) de 1976, foi realizada uma assembléia no clube para acertar a ruptura. Depois disso a associação jogou por mais dois anos. Porém, sem o apoio dos avenidenses ficou difícil manter nível do futebol. Oficialmente a Associação do Futebol de Santa Cruz do Sul foi fundada em uma Assembléia Geral em dezembro de 72. Na ocasião foi eleita a diretoria e escolhido o nome e o uniforme do novo clube. A des-
confiança diante da rivalidade histórica entre eles fez com que apenas o departamento de futebol ficasse unido, diferente do projeto original, idealizado pelo então gerente do banco do Brasil João Gouveia. “A idéia era unir os dois patrimônios, se isso fosse feito talvez a associação ia estar viva até hoje”, acredita Hélio Almeida. Em 1978 a Associação Santa Cruz do Futebol jogou seu último campeonato, já em tom de despedida. O Esporte Clube Avenida já havia reaberto as atividades profissionais no futebol e jogava a divisão de acesso do campeonato gaúcho daquele ano. O último jogo da equipe foi uma derrota melancólica em casa contra o Cruzeiro de Porto Alegre. Em 1979 o Futebol Clube Santa Cruz voltou a disputar o campeonato gaúcho, voltando à primeira divisão em 1982, mas sem o brilho dos velhos tempos. O Avenida voltou a disputar a primeira divisão apenas em 1999, e foi rebaixado novamente em 2000. Da Associação sobraram apenas as histórias de pessoas que participaram da época de ouro do futebol santacruzense. Sérgio Machado comandava as provocações aos clubes das outras cidades
Cláudio Froemming
Um homem, com 83 anos de idade, vive há mais de 50 anos à beira de uma lagoa do Rio Jacuí, próximo à Vale Verde, município do Vale do Rio Pardo. Solitário por opção, essa figura ganhava a vida catando conchinhas no passado e vendia-as em Porto Alegre, onde remava de canoa pelo rio, por vários dias, até chegar à capital. Não tem cachorro, nem gato ou papagaio. Nunca visitou um médico, nem dentista, além de não precisar de tecnologia ou luxo algum para ser feliz.
Geib
“Sem endereço e sem patrão é assim que gosto de viver”
CLÁUDIO FROEMMING
U
m homem chamado Siegfried Helmut Geib, saiu de São Leopoldo quando tinha aproximadamente 30 anos de idade, década de 1950 e se aventurou pelo Rio Jacuí, em busca de conchas, mais conhecidas como madre-pérola, que eram muito usadas na época para confecção de botão para camisas, casacos e ternos, entre outros. Ele enchia sua canoa e remava até Porto Alegre, uns 120 km de distância para vender seu produto. A jornada levava em média uma semana, isso com tempo bom. Quando chovia, a canoa era atracada em uma barranca e um acampamento era montado pelo navegador solitário. Quando a chuva parava, era hora de prosseguir a viagem, que nestes casos levava o dobro do tempo. Outro empecilho era o vento, que muitas vezes soprava ao contrário, impedindo a navegação e fazendo com que o aventureiro parasse com sua viagem novamente. Ao chegar em Porto Alegre se dirigia a uma fábrica que comprava suas conchinhas, que eram pagas por quilo. O material, muito valioso na época, não era só uma peça decorativa, e sim, fonte de renda para o sustento de um homem solitário por opção, que não gostava de ter chefe e nem obedecer a ordens.
A solidão como parceira no meio da mata
Já a volta para casa, muitas vezes era mais rápida, pois Siegfried geralmente conseguia uma carona, ou seja, era rebocado por uma embarcação a vapor, que o deixava no seu destino em menos de um dia. Atualmente, as conchas não servem mais, pois a indústria já produz a matéria-prima para confecção de botões. Hoje em dia, as conchinhas ainda são encontradas à beira do Rio Jacuí, mas não chamam mais a atenção, pois não possuem mais valor comercial. SEM ENDEREÇO – Em pleno século 21, o que mais atrai as pessoas é a facilidade de acesso às tecnologias, que estão presentes na vida da grande maioria da população. Internet, celular, carros importados e robôs são evoluções humanas que fazem a cabeça de homens e mulheres, pela questão da comodidade que podem oferecer, e, até mesmo, pela vaidade de possuí-los. A concepção de felicidade nos dias de hoje é ter uma bela casa, com um lindo carro, ter um emprego de status, ter contatos influentes e viajar pelo mundo. Você pode até concordar que esse é o caminho para ser feliz de verdade. Porém Siegfried é muito diferente e não concorda com isso, pois mora em um local totalmente isolado, em frente à uma lagoa que sai do Rio Jacuí, sozinho, há mais de 50 anos, sem ninguém. Nem cachorro, nem gato, nem papagaio. Somente a mata no jardim do quintal, o céu azul como um cartão postal e as águas que cruzam em frente a sua casa. Geib, como é mais conhecido, resolveu viver uma vida diferente, sem endereço, sem carteira assinada e sem patrão e muito menos mulher e filhos. Construiu uma casinha
CLÁUDIO FROEMMING
simples, de tábua, com dois andares por causa das enchentes. Para se chegar ao local, não existe uma referência concreta, pois o rio é sua rodovia estadual e uma lagoa é sua estrada vicinal, que leva à moradia deste homem, que vive de modo muito simples, mas feliz. A única localização que serve como ponto referencial é o trajeto do Rio Jacuí que corta o município de Vale Verde, nas proximidades do Balneário Monte Alegre. Seu único meio de transporte é uma canoa, que há pouco tempo recebeu um motorzinho. Seus braços, cansados de muitas remadas, já não suportam mais distâncias longas. Em seu paradeiro no meio do mato, os únicos vizinhos são os animais silvestres, que se aproximam de vez em quando, como os graxains, capivaras, tatus e os chatos dos mosquitos, que são capazes de afugentar até os passarinhos em determinadas épocas, mas que não chegam a chatear esse velho homem. Conchinhas à beira do Rio Jacuí já foram o principal sustento por vários anos
Sua rotina de vida é pescar, descansar, dormir, comer, meditar e não se preocupar com o que acontece no planeta. Sabe exatamente os lugares onde sempre dá peixes, pois já conhece cada pedaço do rio e das lagoas. Mesmo quando liga seu radinho a pilhas e houve algum noticiário, Geib sabe que não há crise mundial que o afete, pois ele não tem investimentos na bolsa de valores, nem emprego para perder, muito menos conta telefônica, luz, água e IPTU para pagar e nem família e filhos para sustentar. Sua única preocupação é não ser chateado por algumas visitas indesejadas de pessoas que querem saber um pouco mais sobre esse seu estilo de vida pouco comum. Para sua sorte, quem aparece só de vez em quando são alguns pescadores, que moram na redondeza e são velhos conhecidos seus. Além deles, muito raramente aparece alguém, a não ser uns poucos amigos que querem prosear com o morador solitário. AMIGOS – Hilberto Kellermann é um mecânico de Vale Verde que o visita regularmente, pois gosta muito de conversar com o Geib e ouvir CLÁUDIO FROEMMING
Geib
“Minha rotina é pescar e depois descansar, olhando o tempo passar”
Pescaria é o melhor passatempo e ainda rende o jantar preferido
Geib na sacada do seu rancho no meio da mata e rodeado por muita água e solidão
CLÁUDIO FROEMMING
debater assuntos dos mais diversos, pois durante esta entrevista, demonstrou ter um conhecimento bem amplo e até aprofundado em alguns assuntos, mas principalmente sobrevivência e solidão. Mesmo enxergando com um olho só, não usa óculos e consegue colocar uma linha em uma agulha. Sua saúde é muito boa, pois nunca visitou um médico e quando aparece algum incômodo, ele se cura com chás e ervas que aprendeu a usar. Adora fumar cigarros além de tomar cerveja e cachaça.
O visual do rio Jacuí no anoitecer é sisplesmente deslumbrante
SEM PRESSA – Geib se diz muito feliz com o modo de vida que leva, sendo que não pretende mudar em nada sua rotina, quer continuar vendo os dias amanhecerem e anoiCLÁUDIO FROEMMING
dele histórias do passado e das vantagens e dificuldades de morar sozinho no meio do nada. Outro amigo que o visitou recentemente, e isso depois de 15 anos sem terem tido algum contato, se chama Dalmeci Teixeira, um agricultor que mora em Monte Alegre, interior do município a aproximadamente dez quilômetros de distância. Os dois viveram muitas histórias juntos e tem vários amigos em comum. Outro parceiro seu é um pescador chamado Podolirio Manoel de Souza que mora em uma ilha do Jacuí a aproximadamente três quilômetros de distância e leva um estilo de vida parecido em alguns aspectos. Porém, este tem família, animais de criação e convive com um número maior de pessoas. De temperamento forte, esse velhinho tem uma lucidez incrível e é capaz de falar sobre qualquer assunto. Porém, usa o método da tolerância zero para perguntas ou afirmações que considera inúteis ou idiotas, como por exemplo: Ao ser perguntado por um visitante sobre quais espécies de peixes poderia pescar na lagoa em frente a sua casa, respondeu: “– O senhor não vai querer que eu mergulhe para saber quais peixinhos estão nadando aqui por perto? Vai?” Geib fala alemão e espanhol, além do português e é um ótimo cozinheiro, pois aprendeu a arte da cozinha enquanto serviu o quartel. Seu prato predileto é o ensopado de peixe com pirão. Também adora comer banana. Mesmo não convivendo com os acontecimentos mundiais diariamente, ele não se aperta para
Curiosidades: -Banho de corpo, até alguns meses atrás, só de vez em quando, nas águas do Rio Jacuí. Agora tem um poço artesiano e um chuveiro aquecido por um gerador. -Sua ligação com os acontecimentos locais e mundiais chegam por meio de um radinho a pilhas e também por uma TV movida a bateria. -Serviu no quartel no ano de 1941, ano em que a região foi atingida pela maior enchente já registrada. -Participou da Segunda Guerra Mundial na Itália, época em que era um dos cozinheiros do exército brasileiro. -Se um dia precisar de socorro médico, terá que torcer para que consiga navegar por aproximadamente três quilômetros, até encontrar um vizinho que possa lhe ajudar. -Foi assaltado uma vez em sua casa, por um grupo de pessoas que o amarraram e fugiram levando alguns pertences. -Durante estes anos todos, nunca teve contato com algum familiar seu. tecerem, sempre do mesmo jeito, sem novidades, sem compromissos e sem surpresas desagradáveis. Para ele o tempo passa muito lentamente, tanto que um ano parece três, e isso o deixa feliz. Afirma que não tem pressa nenhuma de envelhecer e muito menos de morrer, pois se sente um velho jovem. Acordar e dormir sem o barulho dos vizinhos, sem a zoeira do trânsito e sem as sirenes da polícia são fatores que fazem com que Siegfried viva convicto de que escolheu o lugar certo para morar. Para ele não tem sentido viver em meio à ganância, mentira e maldade só para conquistar bens materiais. Estresse é uma palavra que não faz parte do vocabulário deste homem, que tem uma riqueza interior maior do que se possa imaginar. Enquanto o mundo ferve com acontecimentos dos mais variados, um homem de 83 anos vive em um elo perdido, onde a ganância não existe, em que a paz ainda é uma bênção e a natureza um paraíso. Se viver assim é certo ou errado, ninguém poderá julgar, porque a única coisa que se leva da vida, é a vida que se leva.
A saga do Leiro
Crônica
Rodrigo Nascimento
Leiro é um cara bacana, acomodado, mas bacana. Dizem os “outros” que o Leiro é muito faceiro, inteligente e festeiro. Leiro é grande, bonito, mas não tem autoconfiança. Porém, tem muita gente por aí que confia nele. Nem ele mesmo sabe disso. Leiro é um cara que trabalha pra caramba. Sai todo dia, às 5 da manhã, toma duas, às vezes três conduções e chega sorridente ao trabalho, na hora marcada. Quando chega o meio-dia, às vezes almoça, de vez em quando faz de conta. O Leiro é bóiafria, mas nem sempre. Já existe o microondas que salva o Leiro. Quando já escuro, assim como na partida, o Leiro volta pra casa, sorrindo por mais um dia que passou. Que respirou. Chega em casa vê os filhos estudando. Lembra de quando era criança. Lembra do tempo em que devia ter estudado mais. Do pai, que se esforçava como ele para dar uma vida melhor aos seus. Chora. As lagrimas escorrem de felicidade e de frustração. Felicidade porque, assim como o pai, sua existência sub-existe em função dos filhos. Frustração porque o tempo passa, ele sabe que os filhos precisam crescer e daqui a pouco estarão voando sozinhos. Leiro precisa descansar, porque amanhã tudo acontece de novo. Vai ao banheiro, toma o rápido banho. Rápido porque além de escassa a água é cara. Não só a água como a luz. Lembra das faturas que nunca erram o endereço e a data do vencimento. Deixa que as poucas e preciosas gotas o refresquem da fadiga da maratona do dia. A Leira, esposa do Leiro, esforça-se também. Trabalhou o dia todo, apanhou as crianças na creche, limpou a casa e fez aquele jantar especial: arroz, feijão e bife. Às vezes não tem bife, mas tem ovo, tem amor. O casal é feliz na condição que lhes foi imposta desde que existem e que se conhecem por “gente”. O Leiro deita e dorme. Não por que seja bom de cama. Dorme porque o corpo precisa, mas a cabeça fica a mil. Essa nuca dorme, dentro dela, Leiro imagina uma vida um pouco menos corrida. Com menos compromisso. Com mais amor, mais respeito, menos despeito. Mas de onde vem o Leiro? Nem ele mesmo sabe ao certo. Seu povo foi “descoberto” e (de)formado a partir dos “outros”. Aqueles que mudaram até a cor do Leiro. Hoje ele não é mais puro, nem tão branco, nem tão preto. Aqueles que tinham inveja da terra do Leiro. Uma terra, que tinha uma madeira cor de brasa. Vermelha, da qual vem o sobrenome do Leiro, Brasi.
Henrique Lindner
Helmuth Lindner, 94 anos, quando entrou para o Exército Brasileiro não imaginou que logo iria para uma operação de guerra. Nem que fosse usar pás e picaretas no lugar dos fuzis e granadas. O campo de batalha seria uma estrada.
V
oltar ao passado pode ser uma tarefa dolorosa, emocionante. Ainda mais se as lembranças estão muito vivas. Mas o que dizer se nesse regresso o que se quer rever está totalmente transformado, encoberto? Foi assim que um agricultor de 94 anos, ex-soldado do exército, encontrou o lugar onde passou um ano inesquecível de sua juventude. Seria apenas uma história pessoal se não tivesse a ver com as milhares de pessoas que cruzam diariamente a fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, entre Vacaria e Lages, pela BR 116. Os motoristas que passam por lá não imaginam a riqueza de fatos que o local guarda. Se soubessem, talvez rendessem uma homenagem a quem derramou seu suor e até perdeu a vida pela construção desta rodovia. Os bonitos campos da região serrana foram o cenário do trabalho de verdadeiros heróis operários, muito antes de o asfalto cobrir o caminho que cruza o Rio Pelotas, no nordeste gaúcho. Eles eram soldados e uma de suas armas era a sapa, uma espécie de pá. Essa história é de 1934, quando uma fração do 3º Batalhão de Engenharia do Exército Brasileiro foi transferido Seu Helmut, com 94 anos, exibe o certificado de reservista
HENRIQUE LINDNER
ARQUIVO PESSOAL
“...eram soldados e uma de suas armas era a sapa”
A única proteção contra o frio eram pequenas barracas
de Cachoeira do Sul para Vacaria. Objetivo: abrir a estrada que ligaria a cidade até Passo do Socorro, na divisa. Mais tarde, este trecho faria parte da BR 116, uma das estradas mais importantes do país, que atravessa o território brasileiro de Norte a Sul. Naquele tempo não existiam máquinas pesadas para este tipo de serviço. Era no braço mesmo, na base do picão, da enxada e da sapa. Por isso, o grupo também era chamada de Batalhão de Sapadores. Civis também foram contratados pelo exército para o trabalho, a partir de 1935, lembra o advogado e historiador de Vacaria Adhemar Pinotti. Ele cita o livro “Vacaria dos Pinhais”, escrito por Fidélis Dalcin, em 1978, um dos poucos registros que falam dessa historia. Nele consta ainda que, além da BR 116, os Sapadores ajudaram a construir a BR 285, na mesma região. A obra, na divisa com Santa Catarina, serviria para aproximar o Sul e o Centro do país, já que esta ligação dependia basicamente das ferrovias. Também para o exército seria uma via importante, conta o coronel da reserva Cláudio Moreira Bento, presidente do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul.
Helmuth Lindner
“Chegamos a construir aterros de até cinco metros de altura”
ARQUIVO PESSOAL
Civis também trabalharam na abertura da estrada
FRIO – Já em Vacaria, uma das cidades mais frias do Estado, o recruta logo percebeu que marchar e instruções para a guerra ficariam em segundo plano. A ordem era trabalhar na abertura da estrada. Como se não bastasse o serviço pesado, alguns dos integrantes da unidade iriam passar por mais uma prova de resistência. Não havia lugar para todos no alojamento e alguns teriam
HENRIQUE LINDNER
O Brasil vivia uma época conturbada. Getúlio Vargas monitorava os passos dos comunistas, que esperavam contar com a ajuda de oficiais rebeldes do exército para derrubar o governo. Deslocamento de tropas para controlar motins era sempre uma possibilidade presente. Entre os sapadores estava Helmuth Germano Lindner, um jovem que havia deixado a roça no interior de Agudo – que na época não passava de um povoado pertencente à Cachoeira do Sul - para prestar o serviço militar. Nascido em 1912, seu Helmuth conta que foi de caminhão para Cachoeira se apresentar ao exército, em abril de 1935. Lá ficou sabendo que seu destino seria outro. A viagem agora seria de trem até Caxias do Sul e de lá até os Campos de Cima da Serra novamente de caminhão, já que ônibus ainda era algo raro naquele tempo.
de dormir em barracas perto do local de trabalho. Hemuth e outros cinco colegas estavam entre eles. Quatro eram conterrâneos seus. Para enfrentar as temperaturas negativas durante o inverno as condições eram precárias. Nada além de uma cama feita de algumas estacas, capim e lona, e um cobertor para cada soldado. Era comum dormir de farda para enfrentar as noites geladas. O frio era tanto que em alguns dias formava-se geada nos bonés que os soldados usavam durante o trajeto entre a barraca e a frente de trabalho, conta o velhinho, dono de uma memória de dar inveja. Eles passaram cerca de meio ano assim. Apesar de tanto sofrimento, esta é uma das histórias que o aposentado, descendente de imigrantes alemães, mais gosta de contar nos encontros de sua família, em que já comparecem trinetos. Higiene não era o forte daquele batalhão. Os banheiros eram improvisados para os mais de 400 homens da tropa. Meio envergonhado, Helmuth lembra que tomou banho apenas uma vez naquele ano. A remuneração dos milicos era
Helmut na estrada que ajudou a construir
A SAUDADE – A vida de soldado-operário durou um ano e dez dias para seu Helmuth. Durante este período ele não foi para casa nenhuma vez. “Era muito longe, o prazo de dispensa era curto e o dinheiro, pouco”. E para matar a saudade da namorada? Cartas. Elas eram escritas por um de seus colegas já que ele só sabia desenhar o nome. Além de um bandonion de um soldado, uma das diversões nos dias de folga era caçar tatu, que servia para incrementar o cardápio, sempre a base de feijão, arroz e carne. Também era comum ver javalis e cervos em meio aqueles campos. “Até onças diziam que tinha, mas eu nuca vi uma”, conta o ex-soldado. Seu Lindner é um homem forte, embora tenha de se apoiar sobre duas bengalas para andar. Mesmo com a idade avançada e seu corpo arcado, ainda ajuda na lida com o fumo, na propriedade de um de seus filhos, em
ARQUIVO PESSOAL
Helmuth Lindner
“Até onça diziam que tinha, mas eu nunca vi uma”
dividida em duas partes. Uma fixa e outra variável, de acordo com a produção. Além das ferramentas manuais, havia também as galeotas - um tipo de carroça puxada por mulas - usada para carregar terra. “Chegamos a construir aterros de até cinco metros de altura”, conta o veterano. Para remover as rochas era usada dinamite. Foi o explosivo que levou a vida de um dos sapadores. Velório e enterro foram ali mesmo, em meio às araucárias que predominavam naquela região. Era o próprio treinamento para a guerra. Outros poderiam ter morrido durante um desentendimento quando um dos soldados chegou a disparar alguns tiros. Ele não acertou ninguém.
Linha Teutônia, mesma localidade onde nasceu. Corpo calejado, mas não os sentimentos. O velho colono se emociona e seus olhos se enchem de lágrimas quando ele lembra do dia em que teve de se despedir de seus colegas. Depois de cumprir um ano de serviço eles voltavam para casa. Ele ainda ficaria alguns dias. Lembranças que emocionam, mas nada de saudosismo. Helmuth não ficou triste ao ver o asfalto que agora cobre toda essa história. Em 2000 ele voltou ao local que nunca vai esquecer. Achou bonita a paisagem, a rodovia. A cidade não reconheceu, mas apontou para um gramado nas margens do Pelotas: “Lá ficava nosso acampamento”, disse ele a seus familiares que o levaram para uma espécie de viagem no tempo. Hoje
Seu Helmut (segundo da direita para a esquerda) em momento de confraternização
o ex-soldado do Exército Brasileiro diz que não queria passar por tudo aquilo novamente. Mas pela forma entusiasmada com que fala daquela época, seu Helmuth não consegue esconder que esta foi uma das experiências mais marcantes de sua vida. A antiga unidade dos sapadores ainda existe, mas com outra denominação, e claro, outras ferramentas. Em 1950 passou a ser o 3º Batalhão Rodoviário e mudava de sede de acordo com suas obras. Hoje, está sediado em Cuiabá, Mato Grosso. É o 9º Batalhão de Engenharia de Construção.
Daniele Horta Marisa Lorenzoni
Invadimos a boate de shows eróticos mais famosa de Santa Cruz do Sul, para que pudéssemos ver além das garotas de programa que lá trabalham. Fomos descobrir quem são as pessoas comuns que ganham a vida com o trabalho que torna possível o funcionamento da “Grande Casa”.
MARISA LORENZONI
DJ Zé
“Muitos pensam que trabalhar aqui nos faça perder o respeito”
N
oite de quinta feira, 19h. Estacionamos o carro em um local discreto para não chamar a atenção, afinal não seria muito agradável ser vista entrando em uma casa de prostituição, especialmente a mais conhecida da cidade. Na portaria, um simpático senhor nos recebe desconfiado, mas logo abre um sorriso confirmando se éramos esperadas para permitir nossa entrada. Os passos trêmulos de mulheres desacompanhadas entrando em território proibido nos levam até um grande salão bem iluminado, com muitos espelhos, sofás e um bar que divide o ambiente. Portas enormes do outro lado do recinto indicam que existe muito mais espaço pela frente. Tudo limpo, organizado, parecendo até um ambiente familiar, não fossem pelos palcos e mastros espalhados pelo salão. No pátio interno, estátuas ornamentam o corredor que leva até um quiosque com churrasqueiras e outro bar. Árvores e diferentes flores emolduram a piscina, o aquário natural de
proporções gigantescas, com carpas chinesas e uma cascata artificial. No palco externo, as colunas gregas contrastam com a modernidade dos holofotes coloridos e do globo espelhado. A casa, que promete satisfazer os mais íntimos desejos masculinos, nos surpreendeu por sua beleza; à luz do dia, passaria tranquilamente por um clube social. Um local para ser curtido com a família. A maior casa de comércio do sexo é o sonho de noitada dos “festeiros” de plantão. Rapazes cheios de testosterona economizam dinheiro para pagar os R$ 30,00 reais cobrados apenas para entrar no local. A competição é grande quando lá se encontram muitos estrangeiros à procura de diversão na cidade e com os bolsos cheios de dinheiro para bancar a folia. Mas a engrenagem que faz a casa manter-se em funcionamento vai muito além das meninas e seus shows de strip-tease. Existem outras pessoas que fazem a parte de suporte, muitas vezes sem sequer serem vistas. São os anônimos da noite. Essas pessoas da retaguarda vivem ali experiências não tão distintas da realidade de outro trabalhador qualquer. E ficou claro ao conhecer
Tia Nina é uma das responsáveis pelo almoço
Chico
“Aqui a gente vê de tudo, um cara é sério lá fora e aqui dentro se libera”
DONAS DE CASA – A “tia” Nina, como é conhecida e carinhosamente chamada, se reveza durante o dia com outra funcionária na tarefa de alimentar as meninas, já que elas, na sua maioria, moram ali e, também em vários serviços de limpeza. Aos 45 anos, Nina é das antigas, trabalha na Big House há seis anos, destes, mais da metade foi durante a noite. Foi logo nos convidando para sentar em umas das aconchegantes salas do recinto. A “tia” não nega que quando começou ficou bastante preocupada, afinal, não sabia o que esperar desta nova experiência. Chegou a passar por sua cabeça que só encontraria ali mulheres loucas e agressivas, mas passada a insegurança inicial, Nina percebeu que seria um trabalho como outro qualquer. “Eu logo vi que é um ambiente bom aonde vêm pessoas de bem.” Entretanto, a perfeição não existe, e lá, nos anos em trabalhou à noite, precisou lidar com alguns percalços causados pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas entre as meninas.
SERVIÇOS GERAIS – Na manutenção, encontramos o Paulo e o Gerson. São eles que cuidam do jardim, da piscina, do aquário, trocam lâmpadas, enfim, serviços que fazem parte do dia a dia de uma casa comum. Paulo, 29 anos, também tem um bom tempo de casa, são oito anos de trabalho, muito à vontade, abriu logo a guarda e contou que foi um início contrastante com o que estava habituado: antes trabalhava na construção civil. No princípio ele precisava trabalhar algumas noites no atendimento, ou seja, acompanhar de perto os shows das garotas. “Eu via as meninas dançando, fazendo strip-tease, aquele movimento todo. No início é novidade. Aquilo pra ti é a sétima maravilha do mundo, mas com o passar do tempo tu te acostumas, se torna natural.” Quem nunca gostou muito do trabalho de Paulo é a sua mulher. Situação perfeitamente compreensível, afinal durante alguns anos ele precisou dormir nos alojamentos ali disponíveis, pois fazia parte de suas obrigações abrir o portão para as meninas que voltavam de seus programas. Dos anos em que esteve no atendimento, traz apenas uma lembrança MARISA LORENZONI
esses funcionários, que, para eles, o local não possui o tom extraordinário dado por quem o vê de fora, com olhos famintos. É um trabalho comum, que garante o sustento de famílias que dão o apoio para estes trabalhadores assumirem com orgulho: eu trabalho na Big House sim, algum problema? Com a chegada de clientes, decidimos nos recolher para um ponto mais discreto (difícil de encontrar ali, mas tudo bem) e conhecer melhor a vida de quem passa as noites em claro para garantir que o show continue. Começamos a missão de saber, afinal, como é trabalhar na noite mais famosa da cidade.
DIVULGAÇÃO
ruim. Foi quando um cliente gringo, desconfiado do valor que Paulo o cobrara sobre uma bebida, lhe dirigiu ofensas verbais, que o magoaram muito. O jovem Gerson, 20 anos, na época da entrevista, trabalhava há pouco mais de três meses na casa. É de Encruzilhada e lá deixou uma namorada, porém, sequer sabia se continuava comprometido ou não. Algumas noites ele também precisa trabalhar, e teve oportunidade de presenciar shows ao vivo que antes nem imaginava. Apesar de encabulado, contou que em alguns momentos perdeu um pouco da concentração no trabalho, mas sem nunca perder “a classe”. VAI ENTRAR? – Boate que é boate precisa ter um porteiro, e na Big House não é diferente. Ninguém entra sem passar antes pela portaria do seu Calmo. Homem, como diz ele “de pouco estudo, mas muita vivência”, afinal, já são 72 anos de muita luta e trabalho. Sempre sorridente e solícito ao bombardeio de perguntas, o já aposentado Calmo fala com prazer sobre seu trabalho, que começou praticamente desde o início das atividades da casa. Paulo limpa tudo, inclusive o aquário
Em todo esse tempo, ele presenciou diferentes momentos da Big House, que já passou por épocas de vacas magras a áureos anos onde os gringos esbanjavam muita grana lá dentro. Seu serviço consiste em entregar uma comanda ao cliente que chega e verificar se a mesma foi paga quando o mesmo sai, e claro, controlar a entrada de mulheres no local, permitidas apenas com acompanhante. Perguntado se assistia aos shows, foi categórico “Fico lá na minha portaria. De lá olho, mas já passei dessas coisas todas... Deixo isso para a juventude e vou cuidar do que tenho em casa com a mulher. Não vou desrespeitar.” Calmo conta que, no passado, viu passar por ali muitas gurias mal educadas, ao ponto de se tornar difícil lidar com elas. Ele revela que as meninas ficavam muito estressadas quando não conseguiam fazer um programa, e sem programa, ficavam logo sem dinheiro. Calmo, nos confessa nunca ter visto uma situação que não pudesse MARISA LORENZONI
Chico
“No início me chocava, mas hoje em dia não me causa mais espanto”
Zé escolhe o repertório junto com as meninas
Chico é o que tudo sabe e tudo vê
ele mesmo se diz, Zé tem um filho de 7 anos do primeiro casamento. Sua atual esposa sofreu um pouco no início, mas acostumada com o companheiro trabalhando sempre na noite, se acostumou logo com a idéia. Já para ele, trabalhar em um local tão diferente impactou no início “Não mudou muito do que eu fazia, mas os shows em si, pra mim foi bem diferente... eu não freqüentava boates desse tipo, vontade até tinha, mas não dava tempo. Em questão de uma semana e meia, eu já estava adaptado.” DRINKS E HISTÓRIAS – Chico foi uma das figuras mais marcantes a se sentar em nossa mesa inquisitória. Com um jeito inocente e vocabulário simples, encanta pelas histórias e aprendizados adquiridos lá. Nascido
Curiosidades -Grande parte do público da Big House é formado por estrangeiros que vem para a cidade a trabalho. Mas como pessoas tão simples se comunicam com a clientela de fora? A resposta é até óbvia: os clientes trazem tradutores, mas mesmo assim os funcionários “arranham” um inglês para facilitar o entendimento quando algum deles resolve aparecer sozinho. -E como fica a relação com os clientes fora da Big House? Seu Calmo explica que jamais cumprimenta algum cliente sem que antes este se manifeste, e o mesmo garantem os outros funcionários. Discrição é a palavra- chave para quem trabalha em um local como este, mesmo que lá dentro se crie uma amizade grande, como eles afirmam existir com alguns clientes mais freqüentes, fora a história é outra. -No pátio interno, em meio à perfeita ornamentação algo grita aos nossos olhos: um grotesco orelhão telefônico verde limão ao lado da piscina é desajeitadamente oferecido a quem está no local e, provavelmente sem outra opção mais discreta, precise usá-lo. -Apesar de termos sido informadas sobre o grande consumo de drogas entre clientes e as garotas, a Big House possui uma política rígida quanto ao consumo no recinto. Segundo a responsável pela administração do local, a menina que for pega tendo uma atitude não condizente à esta política proibitiva recebe uma multa, o que segundo ela é castigo suficiente para inibir as atitudes incorretas. -Todos os funcionários solicitaram que seus apelidos reais fossem utilizados na matéria. Segundo eles, é apenas desta forma que seriam reconhecidos, e não por seus nomes próprios.
Paulo
“No início era difícil se concentrar 100% no trabalho”
NAS PICK-UPS – A música é algo imprescindível em locais como este, e ela precisa ser de qualidade. De instalador de parabólica a DJ, “Zé”, como é conhecido, é o grande responsável por animar as noitadas do recinto. Aos 29 anos ainda é vítima do impacto recente de começar a trabalhar em um local tão diferente. Ele relata que o som que toca na noite é bastante variado, indo do dance, passando pelo hip hop, pagode, até o bailão e as animadas músicas tradicionalistas. Esporadicamente, para agradar os clientes de fora, toca alguma música específica de países estrangeiros. O show das meninas é um caso à parte. Quando são feitas performances de strip-tease, Zé vai cedo para a “Big” preparar o repertório, escolhido juntamente com as garotas. Cada uma possui uma pasta no computador, com as músicas de sua preferência, tudo muito organizado e profissional. Informalmente casado, como
DIVULGAÇÃO
ser controlada dentro da casa, inclusive se quando alguma esposa ou namorada aparece. Calmo também ajuda a controlar a situação, “mas é raro isso acontecer” alivia-se ele.
Tia Nina
“O que se vê aqui, vê em qualquer outra festa. Às vezes lá fora é pior”
na localidade de Sinimbu, aos 36 anos de idade, Chico é responsável pelo bar da Big House, e juntamente com Calmo, é um dos veteranos do local, trabalhando na “Big” há 9 anos. Afirma que trabalhar ali fez com que ele amadurecesse bastante “Eu tenho certa facilidade de lidar com o público, mas aqui eu aprendi muita coisa porque a noite te ensina muito.” Por ser um dos funcionários que mais lida diretamente com o público do local, mesmo com seu jeito simples, Chico demonstra muito jogo de cintura com as situações que acontecem lá dentro. Ele se diverte relatando alguns fatos engraçados “Faz poucos dias que uma mulher apareceu por aqui procurando pelo marido. Quando ele a viu, pagou a conta rapidinho e foi embora com ela. Não houve escândalo... mas não sei o que aconteceu depois.” Entre uma pausa e outra para atender os clientes que começam a chegar na casa, Chico, com seu jeito um tanto inquieto e curioso, nos conta sobre a experiência na noite “A noite não é o que muita gente pensa que é. Se não houvesse show ninguém veria nada... é uma opção de quem vem na Big House. E não é para qualquer um, ela se torna cara.” Referindo-se aos valores astronômicos cobrados pelas bebidas. Para o barman e sua família, o trabalho na Big House é algo comum, inclusive trazendo durante o dia a esposa, e os filhos, de 5 e 13 anos, para conhecer o lugar. “Aos domingos usamos o local tipo como um clube. Fazemos churrasco... usamos a piscina.” gaba-se. Terminadas as perguntas, nos despedimos. Passando pelos cômodos do lugar, agradecemos a cada um dos simpáticos funcionários, que gentilmente nos abriram suas vidas para quebrar o tabu de trabalhar em uma casa de prostituição.
Crônica Perigo
Guilherme Mazui
Cuidado. Elas são perigosas. Trazem essa característica no DNA. Caso um dia você se envolva com uma delas, fuja. Sua vida estará a perigo. Digo pela experiência do meu vizinho. Após a realização da leitura scanner (rosto, peito, bunda e pernas),virá o momento crucial. A primeira frase bastará. “Olá, tu gostarias de me acompanhar em uma xícara de café?” Corra! Corra muito! Ou seus dias de cão sem dono, de cabelos e unhas por cortar, arrotos na mesa, pés em cima do sofá, estarão contados. Mulheres que falam conjugado são uma ameaça. Carregam o complexo da governanta nas veias. Nos primeiros encontros elas mostram cultura e finesse. Legítimas ladies. Até entrarem na sua casa. Fim da linha. O lobão estará domesticado. “Tadeu! Por obséquio, não molhe tanto o banheiro. Não és filho de pato.” Não há flagelo e tortura maior do que ser xingado em bom e correto português. E não existe coisa mais “brochante”. Na hora do calor, Camões que se f.! No entanto essa língua parece atrair. Cuidado. Tape os ouvidos. Caso o contrário, esta cena poderá se tornar realidade. Após horas de conversas sobre história da arte, filosofia; após devorar o almoço e a sobremesa; após agüentar mais conversas, finalmente chega a hora desejada. - Gostei de você. Quer dá uma volta? - Ok. Poderíamos ir no seu apartamento. Não! Faça de conta que não ouviu. Porém você não dá bola. As coisas avançam. Os dois estão perto do apê, sobem as escadas, param, e nada da chave. - Perdeste a chave? Você pensa: “cala a boa Aurélio ambulante”, mas prefere se calar. Afinal, o objetivo está próximo. A porta abre, as roupas somem. O ato evolui. E o português derruba o tesão. - Oh, iremos, iremos juntos, iremos... Só ela foi. Mas você gostou. Esse tipo de mulher fica leve como um anjo e possui um apetite singular. Apesar da aparente decepção, o casal marca mais um encontro. Não dá certo. Os mesmos problemas se repetem. Mais uma tentativa, e mais uma, e mais uma. Sem saída. Assim está você. Os xingamentos, as palavras corretas nas horas erradas, não são suficiente para afastar seu corpo do dela. Por mais que as mulheres que falam conjugado sejam chatas, que os verbos matematicamente empregados doam nos ouvidos, um homem precisa deste tipo de fêmea. Precisa receber ordens. Andar na linha. A vida boêmia não pode ser eterna. O juízo já passou da época de chegar. O jeito é se entregar, usar tampões de ouvidos... e gozar!
Crônica
...e a vaca foi pro brejo
Filipe Faleiro Nosso churrasco, tradição da cultura gaúcha, entra numa sinuca de bico. Segundo um relatório por ora chamado de Picanha’s Protocol, o consumo de carne assada é um dos vilões do processo de aquecimento global. O estudo parte de cientistas ingleses e olhar incisivo na realidade posta: Ocupação americanos que freqüentaram, casas, chádo Iraque (por petróleo), investimentos em caras, sítios e condomínios. países como Venezuela e Angola, onde há Eles perceberam o fenômeno da queima necessidade de capital estrangeiro para exde carvão e de lenha; o consumo de carne plorar o combustível fóssil. Nada mudou na de gado, além do número elevado de piz“terra do nunca”. zarias e churrascarias no país. Esta notícia Dia 25 de fevereiro, o New York Times saiu na revista CartaCapital, texto de Marcio exibia em sua primeira página: “A Goldman Alemão e destaca que Tony Blair e Al Gore Sachs é uma das empresas que estão toestão de posse deste relatório. Nosso assado mando as medidas mais enérgicas contra está queimando! as mudanças climáticas; à noite, a compaA atual situação do planeta inspira prenhia manda seus banqueiros para casa em ocupação. Os relatórios da ONU culpam os limusines de combustível híbrido”. Destaco países ricos pelos estragos na o “enérgicas” para expor como Acho mais fácil terra, que por sua vez, numa a hipocrisia venceu a conscitentativa de defesa, financiam cientistas criarem uma ência. Enquanto Leonardo Dimáquina do tempo, estudos e pagam pesquisadoCaprio e Al Gore discursavam do que os Estados res para encontrarem outros sobre o aquecimento global Unidos aceitar motivos do efeito estufa e, durante a entrega do Oscar e a assim, dividir a culpa e poder abandonar o petróleo Academy Awards divulgava ter dormir um pouco mais tranadquirido créditos de carbono qüilos. (que nada mais é do que negociar com um Para reverter esta “crise ambiental”, a “corretor de carbono”, que após ficar com ONU afirma que teríamos de plantar uma sua fatia, promete diminuir em algum lugar nova floresta amazônica nos próximos anos do planeta a emissão de gás carbônico), mais - além de forçar a economia dos países dee mais geleiras derretiam na Antártida. senvolvidos para uma mudança de rumo, A bem da verdade é que como nosso boi substituindo o uso de derivados do petróleo. “ta na chapa”, ainda não pelo relatório citado A união européia mostra preocupação com no início do texto; mas pela desvalorização estas questões, mas parece impossível criar da atividade de criação e pela diminuição um novo modelo econômico mundial, pelo da área de pasto pelo programa de refloresqual a substituição do petróleo por fontes retamento implementado por multinacionais nováveis de energia, como a cana-de-açúcar de celulose. Ainda assim, sabemos que não e o milho, teoricamente, beneficiariam o Brairão acabar com nosso churrasco do fim de sil. É uma revolução Industrial às avessas. semana, nem que tenhamos de começar Acho mais fácil cientistas criarem uma uma guerra, pois a identidade de homem máquina do tempo, do que os Estados do campo, peão de estância criador de gado, Unidos aceitar abandonar o petróleo. E ultrapassa gerações e sempre foi motivo de para chegar a essa conclusão não precisa orgulho. E Se a vaca for pro brejo, monto no ser analista econômico ou gênio, basta um meu pingo e vou atrás!