Unicom, junho de 2019 | Volume 38, número 1

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VOLUME 38 | Nº 01 | SEGUNDA-FEIRA, 03 DE JUNHO DE 2019

EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA ESCOLA NA FAMÍLIA

NA COMUNIDADE

NA IDADE ADULTA

A filha que aprendeu com o pai a amar os cavalos e a produção de cucas que é tradição há três gerações

Uma escola, por meio de projeto cultural, aproxima estudantes, pais e população de bairro em Santa Cruz do Sul

Duas mulheres contam sobre as motivações, as experiências e os obstáculos de voltar às salas de aula

Páginas 2 e 3

Páginas 6 e 7

Página 9


FOTOS: MILENA KONZEN

EXPERIÊNCIA DE VIDA

Em Cerro Alegre Baixo, lida campeira é transmitida de pai para filhas

DE GERAÇÃO PARA GERAÇÃO Ensinamentos do círculo familiar têm influência direta na formação cultural, pessoal e profissional MILENA KONZEN milenakonzen@gmail.com

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que você aprendeu com os seus antepassados? O conhecimento trocado entre os mais jovens e os mais velhos são laços de conexão entre as gerações. AMOR E LIDA COM CAVALOS Quem nunca teve de ficar com os avós porque os pais precisavam trabalhar? Quando criança, essa era a realidade de Charles Lopes, de 46 anos. Em Cerro Alegre Baixo, interior de Santa Cruz do Sul, o convívio fortaleceu as raízes campeiras, com os primeiros passos ensinados pelo avô Mario. Em tempos onde não se tinha carro e os cavalos eram o único meio de transporte disponível, além de necessário para o cultivo da terra e para a distribuição das mercadorias, Mario Lopes era referência no assunto. Carreteiro, carneador e domador, era a ele que os conhecidos recorriam. Junto ao avô nos afazeres do campo, o contato despertou o interesse pela atividade. “Gosto de lidar com os cavalos desde pequeno. Não foi algo forçado”, destaca Charles. Mas, por um período, a história do gaúcho rumou por caminhos diferentes. Já casado, teve de deixar os arreios - toda a estrutura que se veste em um cavalo - um pouco de lado,

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para trabalhar com a fumicultura, fonte de renda da família. Durante sete anos, porém, o desejo de voltar a lida campeira nunca ficou de lado. “Quando comecei disse para mim mesmo que não tinha barreira, que ia superar, que ia fazer e hoje eu faço”, afirma. O primeiro passo para o retorno de Charles aos ensinamentos do avô foi abrir uma hotelaria para cavalos, com quatro estábulos. O início, em 2003, que foi de incerteza, progrediu para o lado profissional nos anos seguintes. Com a experiência de domador profissional há 15 anos, hoje o negócio, que leva seu próprio nome, atende em média 20 cavalos da raça crioula, vindos de todo o estado gaúcho. “Pode vim totalmente chucro, eu domo, treino e o torno um atleta”, afirma. A base da doma, que é o adestramento de equinos, aprendeu ainda criança com o ancestral. “Muita coisa que eu estou aplicando hoje, ele me falava antigamente”, explica. Além disso, buscou aprimorar seus conhecimentos por meio de cursos, como a doma racional e o treinamento. A paciência, o cuidado e a recompensa, respeitando a individualidade de cada animal, são as principais

ações para um resultado de qualidade. “O cavalo aprende por repetição, mas é preciso conciliar, se ele estiver cansado, ele não aprende”, explica. Além disso, se o movimento estiver correto, é necessário recompensar o animal. “É igual o cachorro, se ele fizer certo, para e deixa ele descansar”, complementa a esposa Angela Lopes, de 39 anos. De meio de transporte à fonte de trabalho e de entretenimento, o animal acompanhou as mudanças das gerações seguintes desta família. Para Charles, a principal diferença em relação ao seu avô está na maneira em que o cavalo é utilizado. “Naquele tempo era por necessidade lidar com animais, porque eles precisavam. Hoje já virou um hobby”, destaca. Criadas ‘no lombo do cavalo’, as filhas do casal, Luana Carine Lopes, de 22 anos, e Luiza Caroline Lopes, de 15, seguem cultivando os laços das gerações anteriores. Assim como o pai, o contato influenciou no desenvolvimento como indivíduo e no desejo de continuar no meio. No entanto, as irmãs rumam por percursos diferentes. Tecnóloga em Logística e estudante de Administração, a primogênita, Luana, leva a atividade como hobby,

laçando aos finais de semana em rodeios, por exemplo. “A Luana gosta, tem a raiz, conhece toda a história, toda a base, mas não é o foco dela. Diferente da Luiza que conhece, vem praticando e quer seguir profissionalmente”, destaca o pai. Apesar de jovem, a caçula do casal, Luiza, já carrega em sua bagagem uma série de prêmios, ao total são 25. Somente no Freio de Ouro, prova vinculada à Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) e principal competição da raça, a ginete já conquistou dois de ouro (2015) e (2017), um de prata (2016) e um de alpaca (2018), nas categorias de base. “É a competição máxima do cavalo. É como um piloto ganhar a Fórmula 1, um jogador de futebol ganhar a Copa do Mundo”, destaca a irmã. Até chegar na competição, onde haviam pessoas de todo o Brasil, além de outros países como Uruguai, Chile e Argentina, a preparação para o evento veio de casa, com o pai. Mesmo transmitindo ensinamentos, que vão desde a maneira de conduzir a partir das rédeas, até a forma de ordenar com a voz, para Charles a arte e o mérito da conquista vem da herdeira. “Não é porque ela é minha filha, ou porque eu treino, ela tem o


Renata, Marina e Ingrid: produção de cucas é uma tradição de família

dom, nasceu com ela”, destaca. Habilidade essa que é percebida desde ‘piá’. A primeira conquista da gaúcha foi com apenas 11 anos de idade, na categoria laço prendinha, em 2015. Dali em diante as vitórias só aumentaram. “Em tudo que ela participa ela sempre traz alguma coisa para casa. Tá sempre na ponta”, completa Angela. Cavalos, arreios, lida campeira, rodeios, tiros de laço e paleteadas, atividades que vieram de ‘berço’ e que fazem parte do cotidiano, iniciaram por prazer, mas hoje, tornaram-se uma carreira. “Quando ela começou era mais brincadeira, agora é profissional”, ressalta a mãe. Estudante do primeiro ano do ensino médio, a jovem concilia a rotina entre os estudos e os treinos. Para o futuro, pretende cursar Medicina Veterinária. “Eu amo os animais, eu quero continuar no ramo dos cavalos, cuidando e competindo”, afirma Luiza. Modificada pelas gerações, a educação transmitida entre o círculo familiar depende do tempo, do carinho e do amor. “A sensação é de missão cumprida, porque não é uma coisa que acontece de um dia para o outro”, finaliza Charles. AVÓ, MÃE E FILHA Quem nunca gostou de comer um bolo preparado pela vovó? Ou então ficou fascinado ao vê-la tirando um doce do forno? Foi assim que Renata Waechter, de 75 anos, se interessou pela culinária. Herdou da avó o gosto pela cozinha. Quando moravam no interior de Sinimbu, a família não tinha acesso a padaria, a solução então era a produção caseira de pães,

cucas e bolachas, assados em forno sucesso, que hoje é a Casa das Cucas” de barro. O convívio que marcou sua e surgiu assim, “no fundo do quininfância, permitiu a neta observar e tal, sem planejamento, sem nada”, aprender de perto a preparação das relembra Renata. iguarias. A história teve início quando a Aos nove anos de idade, a menina família presenteou uma conhecida deixou de ser apenas uma obser- com um prato de cuca. Participante vadora e passou a botar a mão na do krenzier - expressão alemã que massa. A primeira receita que colo- significa uma coroa de amigas -, a cou em prática foi de pão, que, sem mulher decidiu encomendar a iguasucesso, acabou queimando. Mas, ria para o chá das mulheres. o erro serviu de estímulo. “Depois Como esse encontro ocorria toda disso eu queria saber cada vez mais”, semana, aos poucos os pedidos foafirma Renata. ram aumentando e o conhecimento Em gerações passadas, os finais sobre a produção se espalhando “de de semana signifiboca em boca”, cavam casa cheia, conta a filha, com familiares e Ingrid. Comeamigos reunidos çaram então, a frequentemente, “Nós mantemos a tradição trabalhar sob hábito que vem se encomenda. das cucas, aquilo que perdendo com o Devido ao minha mãe aprendeu, passar dos anos. sucesso dos ela me ensinou” Na família Waetcpedidos, anos ther não era difedepois, passaINGRID TRINDADE rente. Anfitriões, ram a fazer os aguardavam as visábados abertos sitas com pratos do ao público. O doce. “Com a cuca espaço estava tu recebia bem as ficando pequepessoas”, destaca Renata. Além no e a produção só aumentava. “A disso, era possível fazer o alimento gente trabalhava noites adentro, de com ingredientes locais e da estação, madrugada, de tanta cuca que fazia. como a uva e a laranja. E nós sempre dizíamos, aonde isso Já casada, continuou a aprender vai parar?”, recorda Renata. e aperfeiçoar seus conhecimentos, “Nós mantemos a tradição das agora com a sogra. Neste período, cucas, aquilo que minha mãe aprensurgiu o primeiro pedido de enco- deu, ela me ensinou”, destaca Ingrid menda. A novidade deixou a cuquei- Trindade, de 54 anos. Segunda gerara receosa, com medo de errar e en- ção da família, a filha não pretendia tregar um produto de má qualidade. seguir os passos da mãe, pelo conMesmo assim, o desafio de fazer uma trário, chegou a trabalhar fora por fornada de cucas foi aceito. um período. De volta ao negócio “Aquelas quatro cucas fizeram um da família, o gosto pela produção

foi surgindo aos poucos e crescendo gradativamente. “Agora não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Eu gosto daqui”, destaca Ingrid. Hoje, na terceira geração, trechos da história se repetem. Assim como a avó, Marina Trindade, de 24 anos, também cresceu “embaixo do forno”. Como o sustento da família vem da empresa, que consequentemente necessita de horas de dedicação, a menina passava boa parte dos dias no local. Porém, diferente da matriarca, o convívio não fez com que a neta herdasse o dom e o gosto pela culinária. Mas, engana-se quem pensa que esse elo se limita apenas aos ensinamentos passados das gerações mais velhas para as mais novas. Mesmo não colocando a mão na massa, a neta traz contribuições para as criações das iguarias. A cuca sem lactose, por exemplo, foi desenvolvida devido a intolerância da jovem aos derivados do leite, além da demanda dos consumidores. “Naquela época não tinham os problemas que têm hoje” ressalta Renata, que fez uma série de experiências até chegar na receita especial. Agora, a nova sugestão é a criação da cuca vegana. Segundo Marina, é preciso modernizar. “Essa receita da minha avó é a mesma de anos. Podemos criar outras coisas, adaptar ela”, ressalta. Perpassando gerações, o principal ensinamento não é a forma como a cuca é feita, mas sim de que cozinhar é um ato de amor. “Desde muito pequena a avó sempre falava ‘tem que ter muito carinho, muito afeto pela comida, porque cozinhar é uma arte’”, completa a neta. 3


ACESSIBILIDADE

SINAIS DA INCLUSÃO Escola de Santa Cruz do Sul é referência no ensino de surdos na região e inclui Libras na grade curricular KELVIN AZZI kelvinalves61@gmail.com FOTOS: RAÍSSA SCHEIDT

Leandro Duarte, de 9 anos, é estudante do 5º ano

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odos têm o direito de receber um ensino de qualidade e igualitário, com professores qualificados e escolas capacitadas. No entanto, alunos com deficiência, em muitos casos, encontram dificuldades no aprendizado durante os primeiros anos de ensino fundamental. Você já pensou como é a estrutura das escolas que recebem alunos surdos? Há preparação por parte dos professores para um ensino de qualidade para atender as necessidades especiais? Estes questionamentos ganharam força em 2017, quando o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi os Desafios para a Formação Educacional de Surdos. Na região do Vale do Rio Pardo, a Escola Nossa Senhora do Rosário de Santa Cruz do Sul é referência no ensino de alunos surdos há quase 10 anos e recebe crianças e adolescentes das cidades de Venâncio Aires, Vera Cruz, Vale do Sol, Passo do Sobrado, Rio Pardo e Sobradinho. Entre os mais de 400 estudantes, 10% são surdos ou com algum grau de deficiência auditiva. No ensino fundamental, do primeiro ao nono ano, existem salas específicas para o ensino de surdos. Já o intérprete de Libras, se faz presente nas turmas de ensino médio, nas quais há alunos ouvintes e surdos na mesma sala. Professora há 18 anos no ensino de estudantes surdos, Ivanice Ferreira, explica que a convivência entre estudantes ouvintes e surdos é ótima, e salienta que o conhecimento da linguagem de Libras é fundamental. “É muito tranquilo, os ouvintes que se dão bem com os alunos surdos e que conhecem um pouco da língua, ficam amigos e acabam realizando mais trocas”, destaca. A professora conta ainda que os surdos buscam estar com outros surdos. “Eles buscam estar com aqueles que 4

entendem sua língua e que podem conversar sobre todo e qualquer assunto”, ressalta. Ivanice diz que sempre se interessou pela língua de sinais e fez curso de Libras há anos atrás. Segundo ela, além do conhecimento teórico da língua, a convivência com pessoas surdas é fundamental para aprender e expandir a compreensão da linguagem de Libras. Antes da Nossa Senhora do Rosário virar referência na região, o ensino para alunos surdos se concentrava na Escola Gaspar Bartholomay, também em Santa Cruz do Sul, porém, somente no ensino fundamental. Em 2008, iniciaram os acordos com a Coordenação Municipal de Educação para centralizar os ensinos fundamental e médio para estudantes surdos em uma única instituição. Em virtude da Gaspar Bartholomay ter apenas o ensino fundamental, foi iniciada a transferência no início de 2010 das turmas de fundamental para a Escola Nossa Senhora do Rosário e assim, seguir até o ensino médio. De acordo com Ivanice Ferreira, há uma necessidade dos surdos terem contato com outros pares para poder desenvolver sua língua e ter acesso aos conteúdos de estudos. “Separados um em cada lugar, não haveriam recursos humanos para trabalhar, pois também tem a dificuldade de compreensão. Não há com quem compartilhar, aprender e estudar sem outras pessoas que saibam a língua de sinais. Então, esses são os motivos para a educação de surdos ficar concentrada em uma escola de Santa Cruz do Sul”, salienta. A diretora da Escola Nossa Senhora do Rosário, Gláucia Maria Etges, conta como foi o processo de transferência das turmas e a chegada de novos docentes. “Todos os professores capacitados para trabalhar com alunos surdos da Gaspar Bartholomay vieram juntos com os alunos para a Escola Rosário.

ESPAÇO ESCOLAR Logo na entrada da instituição, percebe-se o capricho, a valorização de culturas e o ambiente pluralizado. Os muros no entorno da escola, ao invés de cinzentos ou com uma simples pintura, têm frases de efeito e imagens de culturas de outros países. O primeiro bloco de salas de aula, à direita de quem entra, está o alfabeto gramatical e o de Libras, tudo pensado para atrair a atenção dos estudantes. Se o ambiente da Escola é plural, a didática também é. “Assim que os surdos foram incluídos na nossa escola, nós modificamos a grade curricular”, destaca a diretora. Em um primeiro momento, a Libras foi inserida do sexto ao nono ano no ensino fundamental e no primeiro e segundo ano do ensino médio. Após algum tempo, ocorreram algumas mudanças e adaptações. “Hoje, por questão do corte de recursos humanos do governo, nós não temos a oficina de Libras no fundamental, entretanto, nossas sete turmas de ensino médio têm a Libras na grade dentro da área de linguagens”, explica a diretora. A Política Nacional de Educação Especial, criada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2008, tem como objetivo assegurar que estudantes com alguma deficiência tenham acesso ao ensino regular escolar. Mas será que é necessário para o aluno surdo frequentar uma sala de aula com colegas ouvintes? A diretora explica que a diferença está na formação dos estudantes surdos durante a fase de ensino fundamental. Se o aluno, por exemplo, fez do primeiro ao nono ano na escola, com o ensino de Libras, a inclusão se torna mais viável. Desse modo, com a “bagagem” escolar adquirida desde cedo, a inclusão já no ensino médio, quando há intérprete, pode ser mais efetiva.


APRENDIZADO NO CAMPO

EDUCAÇÃO ENTRE ESCOLA E PROPRIEDADE A pedagogia da alternância em instituições de ensino agrícolas, transforma a vida de muitos jovens JULIA ABICH juliaagostine10@gmail.com FOTOS: JULIA ABICH

Grazieli foi aluna da primeira turma da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul

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er estudante não é uma tarefa fácil. São muitas as dúvidas de um jovem nesta fase da vida. E a escola tem o papel fundamental de ajudar e guiar seus alunos para que tenham uma visão mais clara do que querem para o futuro. Hoje, além da faculdade, estudantes têm a opção de realizar cursos técnicos. Com as transformações no ensino e aprendizagem, surgiu em 2009, a primeira Escola Família Agrícola (EFA) do Rio Grande do Sul. Com base na pedagogia da alternância, método que permite a troca de conhecimentos entre a escola e a realidade do aluno que vive no campo, estas instituições possibilitam ao aluno frequentar o ensino médio e durante este período realizar curso técnico agrícola. Com isso, os jovens podem colocar em prática na propriedade da família o que aprendeu na rotina escolar. Assim, a escola cria vínculos com a família e com a comunidade ao seu redor. Hoje, no estado, são quatro EFAs que atendem cerca de 45 municípios da região. Sem condições de fazer uma faculdade, Grazieli Holschu, 24 anos, viu na escola família agrícola a oportunidade de ter um curso técnico e assim, melhorar a qualidade de vida de sua família e agregar renda à propriedade. A jovem estudava na escola em sistema de internato, ou seja, por uma semana ela permanecia na escola e na outra, ficava em casa para colocar em prática na propriedade da família os conhecimentos e técnicas adquiridos. “Quando surgiu

a EFA, logo disse que para lá eu ia, por que era a única oportunidade que eu tinha”, afirma. Para Grazieli, os três anos que ela permaneceu na escola foram fundamentais para aprender como a propriedade pode ser rentável e como o trabalho no campo pode ser gratificante. “Nós começamos a olhar a propriedade de uma forma diferenciada”, salienta a jovem. Formada há sete anos, Grazieli fez parte da primeira turma da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc). A escola foi tão importante em sua vida, que foi lá que ela conheceu seu atual companheiro, Ezequiel Christann. Hoje, eles trabalham juntos na propriedade onde produzem de tudo, desde a criação de animais até o cultivo de verduras, legumes, tabaco e produção de frutas totalmente orgânicas, atividade que gera a principal renda do casal. Além disso, com o curso de agroecologia aberto em Santa Cruz do Sul, ela voltou a estudar. O que antes era quase impossível, fazer faculdade virou um sonho realizado, aliás, estes dois cursos dão a ela a oportunidade de crescer cada vez mais dentro da própria propriedade. Conhecida por sua importante participação na agroindústria fumageira do Sul do Brasil, o município de Santa Cruz do Sul, que pertence à região do Vale do Rio Pardo, exporta 85% do fumo produzido, segundo dados da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). A produção de fumo em Santa Cruz costuma

Taís refez o primeiro ano do ensino médio com o objetivo de obter uma formação técnica

permanecer como atividade de uma mesma família ao longo de diferentes gerações, o que não significa que essa tradição não se reinvente por meio de novas tecnologias. Mudanças sugeridas pela indústria e por produtores se tornam soluções para diferentes problemas econômicos, produtivos e socioambientais. ESCOLA QUE TRANSFORMA Natural de Ibarama, Taís Oliveira, de 18 anos, é aluna do terceiro ano da Escola Família Agrícola de Vale do Sol (Efasol). Antes de ir estudar na EFA, Taís foi selecionada para o Instituto Federal de São Vicente do Sul, mas, por conta da distância, acabou permanecendo na escola de sua cidade. Mas algo surpreendente estava por acontecer na vida de Taís. A jovem estava no segundo ano do ensino médio quando ficou sabendo da escola localizada em Vale do Sol. Percebendo seu interesse, prontamente sua família a acompanhou para conhecer a escola. Admirados com a estrutura e a pedagogia da instituição, Taís tinha apenas que tomar uma decisão, talvez a mais difícil de sua vida até então. Concluir o ensino médio é o desejo da maioria dos estudantes. Mas Taís pensava diferente, via na Efasol um diferencial na sua vida. Desta forma, ela decidiu abdicar dos dois anos que já havia cursado na escola de Ibarama para fazer parte do educandário. No início, a maior dificuldade da estudante era a distância, de aproximadamente 87 km entre Ibarama e Vale do Sol. Mas com tantas ativida-

des desenvolvidas na escola, rapidamente se acostumou. “No primeiro ano você conhece a sua propriedade e a si mesmo, e com o tempo você se acostuma. A Efasol é uma segunda família, minha segunda casa, é uma vida que tu vive aqui dentro ”, destaca Taís. Durante os três anos que Taís frequentou a escola, aprendeu diversas coisas, inclusive, muitas delas já colocou em prática. Mas para realizar estes trabalhos, a jovem conta tanto com o apoio dos pais, quanto dos avós, que segundo ela, sempre a apoiam em suas iniciativas. “Ajudei muito meus avós, eles são muito companheiros”, declara. Além disso, a estudante vende na sua cidade verduras, doces e chimias que ela mesma cultiva e produz. Hoje, no terceiro ano do ensino médio, Taís vê a escola como uma oportunidade de crescimento profissional e pessoal, uma vez que a escola enfatiza o empoderamento feminino, que nela já é bem visível. “A Efa me ajudou muito e melhorou muitas coisa, aqui dentro tenho uma família, me fazem sentir que sou uma pessoa especial, se não tivesse a EFA, não seria a mesma Taís,” conclui. Além da independência, a EFA mudou sua visão sobre a propriedade, que definia como “muito mato e sem futuro”. Agora, quando sair da escola, pretende seguir os estudos, mas sem deixar de ter vínculo com a propriedade. “Penso em sair dela, mas não a propriedade sair de mim”, ressalta a jovem. 5


FOTOS: CAROLINE MOREIRA

ESCOLA ABERTA

EDUCAÇÃO QUE ABRE PORTAS PARA A TRANSFORMAÇÃO Instituição assume papel fundamental na melhoria da qualidade de vida de alunos, pais e comunidade nos finais de semana CAROLINE MOREIRA caroldorneles94@gmail.com

A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. A frase de Nelson Mandela é inspiração para um educandário de Santa Cruz do Sul. Localizada em um dos bairros com maior vulnerabilidade social do Município, a Escola Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora da Esperança, vem promovendo a diferença na vida de crianças e adolescentes e tem evidenciado a importância da escola como agente transformador. A palavra “esperança” não está somente no nome da instituição, está também vinculada ao propósito da escola: tornar-se um espaço referência para a comunidade em que está inserida. Essa ideia é pincelada já há alguns anos, quando a Nossa Senhora da Esperança decidiu abarcar o projeto “Escola Aberta”, que prevê que educandários abram suas portas aos sábados e domingos para alunos, pais e comunidade, promovendo atividades sociais, culturais e esportivas. O objetivo de tornar-se referência virou realidade. Isso porque, o educandário é a única instituição de Santa Cruz do Sul a desenvolver ações em horários que tradicionalmente estaria de portas fechadas. Além disso, a escola tem visto no projeto a força para tentar mudar a realidade de seus jovens, que está, muitas vezes, estampada em jornais e carrega um lado obscuro, de violência, drogas e tráfico. Com a Escola Aberta, o objetivo é justamente reduzir os índices de violência e promover a integração daqueles que fazem parte da comunidade escolar. Mas para que o projeto criasse raízes, foram necessários o envolvimento e a participação de pessoas que acreditassem no potencial da Escola Aberta, e nesse quesito não faltaram adeptos. A dona de casa Maria Cristina Coelho, de 39 anos, é uma das que acredita no programa. Ela é mãe dos gêmeos Kalita e Kaleb, de 8 anos e Ivanina, de 15 anos, participantes do projeto e da jovem Esther, de 16

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anos, todos alunos da Nossa Senhora da Esperança. Moradora do bairro há mais de 10 anos, Maria Cristina vê na abertura dos portões nos finais de semana uma oportunidade de tirar crianças e jovens das ruas. “A escola é o melhor lugar para as nossas crianças. Hoje, é muito difícil encontrar um espaço de ensino que abre aos sábados e domingos e ter um lugar assim para os meus filhos é simplesmente maravilhoso”, salienta. Maria Cristina conta que soube do projeto através dos filhos. “Eles me falaram sobre a Escola Aberta e sobre a sua importância. Eu fico extremamente feliz em saber que eles participam e que estão aprendendo coisas novas”, declara.

“É muito difícil encontrar um espaço de ensino que abre aos sábados e domingos e ter um lugar assim para os meus filhos é simplesmente maravilhoso ”

MARIA CRISTINA A diretora da instituição, Cristiane Rosa, reconhece que a Escola Aberta contribui para a melhoria da qualidade da educação, proporcionando um ambiente de muito aprendizado e de diversão aos alunos, unindo as atividades dos finais de semana com as da rotina escolar. “Além do projeto ser um espaço de convivência, ele auxilia na construção de conhecimento e de diálogos, dentro e fora da sala de aula”, pontua. A mãe recorda que o filho mais novo tinha dificuldades na execução das tarefas da grade curricular e após a vivência no projeto, evoluiu muito como aluno. “Agora ele está indo muito bem nas matérias e as professoras estão o elogiando também”, relata a mãe orgulhosa.

UMA ESCOLA PARA TODOS O fortalecimento da relação entre pais e escola é fundamental para alcançar uma educação transformadora. E é nesta perspectiva que a Escola Nossa Senhora da Esperança se dedica. A diretora avalia o quanto é importante a participação dos pais para dentro dos muros do educandário. “A nossa escola é hoje um dos ambientes mais propícios de integração, por isso, o projeto consiste em estreitar a relação entre instituição, pais e comunidade, a fim de contribuir na infância e na juventude”, frisa. A instituição trabalha diariamente sob o olhar de que o muro da escola é apenas uma demarcação do pátio e não uma divisa entre o educandário e a comunidade. A mãe reforça que o programa é valoroso tanto para os alunos, quanto para a família. “Esse projeto é muito relevante para os pais também, pois podem utilizar de seu tempo livre para acompanhar seus filhos em atividades que vai além das salas de aula”, ressalta Maria Cristina. A diretora acrescenta que a escola é um espaço público e que por isso, a comunidade pode utilizar desse ambiente para realizar atividades recreativas e de lazer. Ao longo dos anos, o projeto Escola Aberta assume o papel de suprir a falta

Ao abrir os portões, Nossa Senhora da Esperança dá vida às atividades culturais e criativas e aproxima escola e comunidade

de espaços recreativos para a comunidade, que muitas vezes não dispõem de locais públicos, como praças, por exemplo. “Queremos que a nossa escola, a cada final de semana se torne um espaço de convívio, de aproximação e de inclusão”, espera a diretora. Para a mãe dos alunos, não restam dúvidas de que o programa é um espaço para ser muito bem aproveitado pelos estudantes e pelas pessoas que vivem no bairro. “Eu digo para todos os meus vizinhos sobre a importância da escola estar aberta e do quanto pode ser proveitosa para todos nós”, considera. ESPAÇO TRANSFORMADOR Diversas crianças e jovens vivem em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes sem oportunidades de estudar e de ter acesso à outras possibilidades, como por exemplo, a de frequentar uma escola. Com esta realidade batendo à porta, a equipe diretiva não se restringe apenas em cumprir as atividades curriculares obrigatórias, mas vem desenvolvendo ao longo dos anos oportunidades extremamente gratificantes com a Escola Aberta. “Nós vestimos a camisa e estamos fazendo de tudo para oportunizar uma realidade cobiçada por nossos alunos, uma realidade transformadora”, enfatiza a diretora. O projeto é a chance para que adolescentes não sejam expostos à violência e às drogas, problemas que, em sua grande maioria, ocorrem nos finais de semana, justamente pela falta de opções e de atividades encontradas na comunidade em que vivem. “Por isso abrimos nossas portas, para tentar barrar casos de violência”, acrescenta Cristiane. Uma das justificativas do programa é estabelecer um conjunto de ações incessantes para reverter o cenário de violência introduzido na sociedade, pondo em risco as vidas juvenis. A dona de casa Maria Cristina também vê no projeto, um grande estímulo para tirar crianças e adolescentes de vícios com as drogas. “Infelizmente é uma realidade que vivemos em nosso bairro, mas está mudando. Aos poucos, tenho certeza que a escola vai conseguir afastar este problema deixando suas portas abertas de segunda a segunda”, analisa. Além disso, por ser um bairro com mais fragilidades, a mãe salienta a importância de acompanhar os filhos tanto dentro como fora do ambiente escolar. “É preciso observar nossas crianças. É importante conversar, perguntar, man-

ter um diálogo com eles e falar sobre o uso de drogas, o quão prejudicial é para a vida. É preciso dedicar tempo a eles, falar do que é certo e errado”, destaca. OPORTUNIDADE PARA CRIANÇAS E JOVENS Mas se de um lado ainda há um cenário de violência, do outro, há aulas de futebol, de capoeira, de dança, entre outras. E é a partir destas atividades que a Escola Aberta visa oportunizar uma educação diferenciada. Uma educação de encher os olhos de quem a vê. Realizar atividades recreativas e que produzem saberes e conhecimento ativa nos participantes a valorização pela vida. E a Escola Aberta trabalha por meio desta ação. “Dentro das oficinas, o programa busca propor a reflexão dos estudantes de forma criativa, seja através de uma aula de informática ou de violão, por exemplo”, salienta a diretora. Atualmente, a Escola Nossa Senhora da Esperança possui seis oficinas: futebol, capoeira, violão, artes, danças gaúchas e informática, ministradas por professores e monitores, que concedem o seu tempo nos finais de semana para promover trabalhos educativos, culturais e esportivos. E as atividades possuem algo em comum: incentivam crianças e adolescentes a respeitarem o outro e a conviverem em grupo, tornando a escola um espaço permeado pelos ensinamentos que perpassam os finais de semana. Além das noções básicas que os estudantes desenvolvem em cada atividade, eles aprendem a respeitar regras, a ouvir a opinião do colega e principalmente, a de reconhecer seus potenciais e talentos. A dona de casa Maria Cristina evidencia que os filhos reconhecem a oportunidade de participar do programa e se orgulha do entusiasmo deles em retornar ao ambiente escolar. “Eles sabem o horário que a escola abre aos finais de semana e eu não preciso chamá-los, pois já acordam animados. E ao voltarem para casa ficam mais animados ainda em contar tudo o que aprenderam”, diz. A mãe se emociona ao contar o quanto os filhos amam estudar na Nossa Senhora da Esperança e fala que a educação é a principal herança que quer deixar a eles. “Aprendi com a minha mãe que a educação é uma herança que carregamos conosco. Por isso passo para os meus filhos a importância de valorizar o estudo, o valor de aprender e de adquirir conhecimento. Isso ninguém jamais vai tirar deles”, ressalta. “Desejamos que o nosso projeto Escola Aberta seja parâmetro para outras instituições. Para que mais crianças e jovens tenham a oportunidade de aprender e de desenvolver aptidões fora da escola, aumentando as suas oportunidades de acesso à educação, como já ocorre em alguns casos na Nossa Senhora da Esperança”, reforça Cristiane Rosa. A mãe destaca que a escola é o local em que muitas famílias depositam suas esperanças. “Principalmente as famílias que moram em áreas de vulnerabilidade social. E é na escola que confiamos o futuro de nossos filhos”, reconhece. “São em projetos como a Escola Aberta que muitas famílias creem em um amanhã promissor e oportuno”, completa a diretora Cristiane. 7


FOTOS: CAROLINE MOREIRA

ESCOLA ABERTA

EDUCAÇÃO QUE ABRE PORTAS PARA A TRANSFORMAÇÃO Instituição assume papel fundamental na melhoria da qualidade de vida de alunos, pais e comunidade nos finais de semana CAROLINE MOREIRA caroldorneles94@gmail.com

A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. A frase de Nelson Mandela é inspiração para um educandário de Santa Cruz do Sul. Localizada em um dos bairros com maior vulnerabilidade social do Município, a Escola Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora da Esperança, vem promovendo a diferença na vida de crianças e adolescentes e tem evidenciado a importância da escola como agente transformador. A palavra “esperança” não está somente no nome da instituição, está também vinculada ao propósito da escola: tornar-se um espaço referência para a comunidade em que está inserida. Essa ideia é pincelada já há alguns anos, quando a Nossa Senhora da Esperança decidiu abarcar o projeto “Escola Aberta”, que prevê que educandários abram suas portas aos sábados e domingos para alunos, pais e comunidade, promovendo atividades sociais, culturais e esportivas. O objetivo de tornar-se referência virou realidade. Isso porque, o educandário é a única instituição de Santa Cruz do Sul a desenvolver ações em horários que tradicionalmente estaria de portas fechadas. Além disso, a escola tem visto no projeto a força para tentar mudar a realidade de seus jovens, que está, muitas vezes, estampada em jornais e carrega um lado obscuro, de violência, drogas e tráfico. Com a Escola Aberta, o objetivo é justamente reduzir os índices de violência e promover a integração daqueles que fazem parte da comunidade escolar. Mas para que o projeto criasse raízes, foram necessários o envolvimento e a participação de pessoas que acreditassem no potencial da Escola Aberta, e nesse quesito não faltaram adeptos. A dona de casa Maria Cristina Coelho, de 39 anos, é uma das que acredita no programa. Ela é mãe dos gêmeos Kalita e Kaleb, de 8 anos e Ivanina, de 15 anos, participantes do projeto e da jovem Esther, de 16 6

anos, todos alunos da Nossa Senhora da Esperança. Moradora do bairro há mais de 10 anos, Maria Cristina vê na abertura dos portões nos finais de semana uma oportunidade de tirar crianças e jovens das ruas. “A escola é o melhor lugar para as nossas crianças. Hoje, é muito difícil encontrar um espaço de ensino que abre aos sábados e domingos e ter um lugar assim para os meus filhos é simplesmente maravilhoso”, salienta. Maria Cristina conta que soube do projeto através dos filhos. “Eles me falaram sobre a Escola Aberta e sobre a sua importância. Eu fico extremamente feliz em saber que eles participam e que estão aprendendo coisas novas”, declara.

“É muito difícil encontrar um espaço de ensino que abre aos sábados e domingos e ter um lugar assim para os meus filhos é simplesmente maravilhoso ”

MARIA CRISTINA A diretora da instituição, Cristiane Rosa, reconhece que a Escola Aberta contribui para a melhoria da qualidade da educação, proporcionando um ambiente de muito aprendizado e de diversão aos alunos, unindo as atividades dos finais de semana com as da rotina escolar. “Além do projeto ser um espaço de convivência, ele auxilia na construção de conhecimento e de diálogos, dentro e fora da sala de aula”, pontua. A mãe recorda que o filho mais novo tinha dificuldades na execução das tarefas da grade curricular e após a vivência no projeto, evoluiu muito como aluno. “Agora ele está indo muito bem nas matérias e as professoras estão o elogiando também”, relata a mãe orgulhosa.

UMA ESCOLA PARA TODOS O fortalecimento da relação entre pais e escola é fundamental para alcançar uma educação transformadora. E é nesta perspectiva que a Escola Nossa Senhora da Esperança se dedica. A diretora avalia o quanto é importante a participação dos pais para dentro dos muros do educandário. “A nossa escola é hoje um dos ambientes mais propícios de integração, por isso, o projeto consiste em estreitar a relação entre instituição, pais e comunidade, a fim de contribuir na infância e na juventude”, frisa. A instituição trabalha diariamente sob o olhar de que o muro da escola é apenas uma demarcação do pátio e não uma divisa entre o educandário e a comunidade. A mãe reforça que o programa é valoroso tanto para os alunos, quanto para a família. “Esse projeto é muito relevante para os pais também, pois podem utilizar de seu tempo livre para acompanhar seus filhos em atividades que vai além das salas de aula”, ressalta Maria Cristina. A diretora acrescenta que a escola é um espaço público e que por isso, a comunidade pode utilizar desse ambiente para realizar atividades recreativas e de lazer. Ao longo dos anos, o projeto Escola Aberta assume o papel de suprir a falta

Ao abrir os portões, Nossa Senhora da Esperança dá vida às atividades culturais e criativas e aproxima escola e comunidade

de espaços recreativos para a comunidade, que muitas vezes não dispõem de locais públicos, como praças, por exemplo. “Queremos que a nossa escola, a cada final de semana se torne um espaço de convívio, de aproximação e de inclusão”, espera a diretora. Para a mãe dos alunos, não restam dúvidas de que o programa é um espaço para ser muito bem aproveitado pelos estudantes e pelas pessoas que vivem no bairro. “Eu digo para todos os meus vizinhos sobre a importância da escola estar aberta e do quanto pode ser proveitosa para todos nós”, considera. ESPAÇO TRANSFORMADOR Diversas crianças e jovens vivem em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes sem oportunidades de estudar e de ter acesso à outras possibilidades, como por exemplo, a de frequentar uma escola. Com esta realidade batendo à porta, a equipe diretiva não se restringe apenas em cumprir as atividades curriculares obrigatórias, mas vem desenvolvendo ao longo dos anos oportunidades extremamente gratificantes com a Escola Aberta. “Nós vestimos a camisa e estamos fazendo de tudo para oportunizar uma realidade cobiçada por nossos alunos, uma realidade transformadora”, enfatiza a diretora. O projeto é a chance para que adolescentes não sejam expostos à violência e às drogas, problemas que, em sua grande maioria, ocorrem nos finais de semana, justamente pela falta de opções e de atividades encontradas na comunidade em que vivem. “Por isso abrimos nossas portas, para tentar barrar casos de violência”, acrescenta Cristiane. Uma das justificativas do programa é estabelecer um conjunto de ações incessantes para reverter o cenário de violência introduzido na sociedade, pondo em risco as vidas juvenis. A dona de casa Maria Cristina também vê no projeto, um grande estímulo para tirar crianças e adolescentes de vícios com as drogas. “Infelizmente é uma realidade que vivemos em nosso bairro, mas está mudando. Aos poucos, tenho certeza que a escola vai conseguir afastar este problema deixando suas portas abertas de segunda a segunda”, analisa. Além disso, por ser um bairro com mais fragilidades, a mãe salienta a importância de acompanhar os filhos tanto dentro como fora do ambiente escolar. “É preciso observar nossas crianças. É importante conversar, perguntar, man-

ter um diálogo com eles e falar sobre o uso de drogas, o quão prejudicial é para a vida. É preciso dedicar tempo a eles, falar do que é certo e errado”, destaca. OPORTUNIDADE PARA CRIANÇAS E JOVENS Mas se de um lado ainda há um cenário de violência, do outro, há aulas de futebol, de capoeira, de dança, entre outras. E é a partir destas atividades que a Escola Aberta visa oportunizar uma educação diferenciada. Uma educação de encher os olhos de quem a vê. Realizar atividades recreativas e que produzem saberes e conhecimento ativa nos participantes a valorização pela vida. E a Escola Aberta trabalha por meio desta ação. “Dentro das oficinas, o programa busca propor a reflexão dos estudantes de forma criativa, seja através de uma aula de informática ou de violão, por exemplo”, salienta a diretora. Atualmente, a Escola Nossa Senhora da Esperança possui seis oficinas: futebol, capoeira, violão, artes, danças gaúchas e informática, ministradas por professores e monitores, que concedem o seu tempo nos finais de semana para promover trabalhos educativos, culturais e esportivos. E as atividades possuem algo em comum: incentivam crianças e adolescentes a respeitarem o outro e a conviverem em grupo, tornando a escola um espaço permeado pelos ensinamentos que perpassam os finais de semana. Além das noções básicas que os estudantes desenvolvem em cada atividade, eles aprendem a respeitar regras, a ouvir a opinião do colega e principalmente, a de reconhecer seus potenciais e talentos. A dona de casa Maria Cristina evidencia que os filhos reconhecem a oportunidade de participar do programa e se orgulha do entusiasmo deles em retornar ao ambiente escolar. “Eles sabem o horário que a escola abre aos finais de semana e eu não preciso chamá-los, pois já acordam animados. E ao voltarem para casa ficam mais animados ainda em contar tudo o que aprenderam”, diz. A mãe se emociona ao contar o quanto os filhos amam estudar na Nossa Senhora da Esperança e fala que a educação é a principal herança que quer deixar a eles. “Aprendi com a minha mãe que a educação é uma herança que carregamos conosco. Por isso passo para os meus filhos a importância de valorizar o estudo, o valor de aprender e de adquirir conhecimento. Isso ninguém jamais vai tirar deles”, ressalta. “Desejamos que o nosso projeto Escola Aberta seja parâmetro para outras instituições. Para que mais crianças e jovens tenham a oportunidade de aprender e de desenvolver aptidões fora da escola, aumentando as suas oportunidades de acesso à educação, como já ocorre em alguns casos na Nossa Senhora da Esperança”, reforça Cristiane Rosa. A mãe destaca que a escola é o local em que muitas famílias depositam suas esperanças. “Principalmente as famílias que moram em áreas de vulnerabilidade social. E é na escola que confiamos o futuro de nossos filhos”, reconhece. “São em projetos como a Escola Aberta que muitas famílias creem em um amanhã promissor e oportuno”, completa a diretora Cristiane. 7


FOTO: LEONARDO PEREIRA

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

UMA REALIDADE DIFERENTE DE APRENDIZADO A câmera é uma nova “versão dos alunos”

O EAD está modificando a maneira como a sociedade busca o conhecimento, alterando a vida de alunos e professores LEONARDO PEREIRA leonardod.pp@hotmail.com

N

a educação, a evolução tecnológica modificou as relações entre professor e aluno, sala de aula e aprendizado. Com o acesso à internet, o estudante pode buscar o conhecimento por conta própria como, por exemplo, em videoaulas. O docente precisa aprender a utilizar esse meio de ensino, que abre novas maneiras de divulgar seu trabalho, como a apresentação de conteúdos em redes sociais. Outro fator é que o Ensino a Distância (EAD) por meio da internet tirou parte dos alunos da sala de aula, principalmente quando o assunto é graduação, por ser mais acessível. Devido a sua facilidade de horários e custos mais baixos, o EAD tornou-se a chance de inúmeros estudantes conquistarem o tão sonhado curso superior. Segundo o Ministério da Educação (MEC), de 2017 a 2018 houve um crescimento de 133% nos polos dessa modalidade de educação no Brasil. Essa maneira de aprendizado depende principalmente da adaptação do estudante com a metodologia de ensino e suas mudanças. A acadêmica de História do Centro Universitário Internacional (Uninter), Rochelle Pires, de 20 anos, comenta sobre as motivações da escolha pelo EAD. “Foi a comodidade de conciliar o tempo. Tudo exige demais no meu curso, por exemplo, é preciso ter muita leitura e concentração. Isto facilitou para organizar uma rotina e

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distribuir horários para ler, para ver as aulas, para vida pessoal e trabalho”, destaca. Segundo a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), em 2017, a porcentagem de alunos que trabalhavam durante os cursos foi de 70%. “Com os estágios e emprego, consigo ficar alterando meus horários, no início tirava três horas diárias para videoaulas e uns 20 minutos para ler, depois passei a realizar as aulas a noite e ler a tarde, isso vai alterando”, afirma Rochelle. Rochelle confirma a preocupação de alguns estudantes que pensam em iniciar cursos na modalidade. “O EAD te torna mais independente, mesmo tendo várias pessoas para auxiliar, ainda é tudo por tua conta”, salienta. Segundo os alunos, isso foge do senso comum de acreditar que o ensino é mais fácil. Mesmo que exista essa independência, o EAD presa pelo auxílio frequente do professor com o aluno. Há o uso de e-mails, videoconferências, fóruns e ambientes de discussão virtuais para findar qualquer dúvida do estudante. Entra nesse momento o papel dos tutores, responsáveis por ajudar em situações em que o professor não tem disponibilidade. São eles que repassam as perguntas ao docente, ou seja, servem como uma ponte entre aluno e educador em alguns casos. Para aumentar e facilitar essa interação, algumas faculdades realizam avaliações e trabalhos de maneira presencial.

O VIÉS DO PROFESSOR No outro lado da moeda, essa forma de aprendizado interessa aos docentes. “Os alunos não têm o contato físico com o professor, então a procura é feita pelas redes sociais, e os vídeos e as dicas acabam fomentando a participação desse acadêmico, que acaba divulgando o trabalho do professor, compartilhando o conhecimento”, comenta o educador de Direito do Centro de Ensino Integrado Santa Cruz (Ceisc), Felipe Dalenogare. Para ele, há uma participação maior dos estudantes que não tem preocupação ou vergonha de fazer perguntas. Arnaldo Quaresma, professor do Ceisc, da Faculdade Dom Alberto e da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do RS (Fesdep) salienta como é ensinar a distância. “É uma aula normal, a mesma do presencial. Acredito que o ideal para a educação a distância seja buscar sempre a maior interação entre alunos e professor, o mais próximo do que seria visto no presencial”. As diferenças, segundo Dalenogare, passam apenas por estar sendo gravado e falando para uma câmera ao invés de uma turma de estudantes, enquanto centenas lhe acompanham pela internet. Diferente dos alunos, que tem um motivo específico para buscar a modalidade, os professores normalmente acabam se aproximando do ensino de forma inesperada. “Efeti-

vamente não procurei, a oportunidade apareceu e uni o útil ao agradável”, comenta Dalenogare. “Já tinha dado aula na Fesdep e prontamente aceitei, era mais uma maneira de ensinar”, complementa Quaresma. O ATUAL MOMENTO Os cursos mais procurados, segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), são Administração, Pedagogia e Recursos Humanos. Graduações, como as de licenciatura, estão perdendo força a cada semestre nas universidades presenciais e acabam sendo destaques no ensino a distância. Com a facilidade para realizar estágios durante a graduação, a opção EAD ganhou enorme força no ramo. “Os professores em EAD recém-formados, principalmente aqueles entre 20 e 30 anos, são maioria em escolas. E aqueles que estão atuando ou decidem fazer uma especialização, acabam escolhendo o ensino a distância por ser a única maneira de encaixar os horários”, destaca Rochelle. O que é contrário a formação dos profissionais mais experientes. A ABMES prevê que até 2023 serão mais de dois milhões de estudantes matriculados em EAD, o que resultaria em 51% de todas as matrículas em graduação no país. A educação a distância busca romper inúmeras barreiras existentes no desenvolvimento educacional profissionalizante no país.


RETORNO AOS ESTUDOS

DESAFIOS E CONQUISTAS DE VOLTAR À SALA DE AULA NA IDADE ADULTA Estudar é uma necessidade, mas muito mais do que isso, é o gosto pelo conhecimento que move as personagens desta história JOÃO VALTER PASSOS jvspassos0208@hotmail.com FOTO: ARQUIVO PESSOAL

FOTO: JOÃO VALTER PASSOS

Vânia: “O estudo nunca ninguém vai me tirar”

O

s acontecimentos da vida não ocorrem necessariamente dentro de uma escala pré-determinada. Alguns sonhos só são alcançados bem além do que seria previsto pela linearidade do tempo. Quando o assunto é educação, inúmeras pessoas conseguem voltar a estudar já na fase adulta. JORNALISMO NO SANGUE Ao levantar da cadeira e seguir até o palco para receber o diploma, um filme passou pela cabeça de Vânia Soares. A menina da roça subiu com ela. A menina que brincava de rádio na cama da mãe e a que sonhava. Agora, aos 51 anos, é radialista e jornalista. Na década de 1970, nas primeiras séries do ensino fundamental, estudou em sala de aula que abrigava alunos de primeira a quarta séries. A escola ficava no interior de Rio Pardo e a professora também fazia a merenda e cuidava da limpeza da escola. Tempos em que computador e internet eram coisas de filme de ficção científica. Os materiais para estudo eram caderno, lápis, borracha e caneta. Livros eram poucos. Situação que poderia desanimá-la. No entanto, a paixão por estudar só fez crescer. O tempo passa. A família muda-se para a sede do município. Aos 14 anos, na sexta série, uma parada. Precisava trabalhar. Retornou dois anos depois já no turno da noite. Na oitava, aos 18 anos, parou devido à gravidez. Outro sonho realizado. Ser mãe. Em 1991, aos 23 anos, concluiu o ensino médio no supletivo na Escola Fortaleza em Rio Pardo. Três anos em um ano e meio. Estudar, trabalhar, cuidar dos afazeres domésticos e dos filhos passou a ser a rotina dela. Vinte anos se passaram até ela se matricular no curso de jornalismo na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Tempos de desafios, alegrias, dificuldades e por fim de conquista ao receber o diploma da graduação. O gosto pela comunicação iniciou cedo. Em uma época em que a maioria dos locutores era homem, Vânia, aos 18 anos, já estava na grade de programação da Rádio Rio Pardo.

Clarice: “Eu vou estudar muito ainda”

Era o começo. O objetivo: chegar à universidade. “Sempre tive o sonho de ser jornalista”, relata. Quando criança, ela acompanhava os noticiários pela televisão. Sabia o nome de todos os repórteres, conhecia-os pela voz. “Aquilo me fascinava”, ressalta. O rádio era outra paixão. Ela mesma, em imaginação infantil, fazia a programação. De jornais e revistas tirava as notícias. O sonho estava sempre ali, guardado. Sabia que um dia iria cursar jornalismo. O ano era 2010. Aos 42 anos, iniciava mais uma etapa na vida de estudante de Vânia Soares. Com emoção, relata a chegada, o andar pelos corredores, as primeiras aulas da universidade. Misto de medo, ansiedade e alegria. Durante os cinco anos que passou na universidade a certeza de que estava no caminho certo só aumentou. O último dia de aula foi difícil. Sensação de realização e a de não querer ir embora. Queria agarrar-se e ficar. Durante o curso, o envolvimento e a maneira de ser a tornaram um exemplo. “De todas as disciplinas, de todos os colegas, funcionários e professores, nunca houve preconceito. Sentia-me uma adolescente”, conta. Houve algumas críticas fora da universidade de pessoas mais afastadas que questionavam o porquê de voltar a estudar depois dos 40 anos. Não deu atenção. Seguiu firme. Os planos estavam traçados e nada mudaria isso. Formou-se em 2015. Muito do que sabe, aprendeu na prática, mas considera fundamental a base teórica da universidade. “Eu tenho orgulho de ser uma jornalista com diploma. O estudo nunca ninguém vai me tirar”, finaliza. IDAS E VOLTAS Outro exemplo de que estudar vale a pena é o de Clarice Januário de Lima. Ela começou e parou por diversas vezes. Mas, voltou. “Agora pra ficar”, frisa. Hoje com 42 anos está no segundo ano do ensino médio, no turno da tarde na Escola Ernesto Alves de Oliveira, em Santa Cruz do Sul. O colega mais velho deve ter no máximo 18 anos. Mas ela se sente muito bem e mais do que isso, conta com a

ajuda de todos da sala, especialmente quando tem trabalho para fazer no computador. É uma rede de ajuda. Colegas, professores e, claro, a família. Sem isso talvez não conseguisse continuar. “Pelo próprio esforço ficaria difícil”, explica. E, quem vive essa situação de voltar a estudar em uma realidade nova, essencialmente tecnológica, entende e sabe que essa colaboração é fundamental. Aos 40 anos concluiu o primeiro grau no Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos (Cemeja). Uma correria. Hoje, considera essa rotina mais fácil, pois trabalhava a noite, estudava a tarde e ainda trabalhava como cuidadora de uma senhora aos finais de semana. Estava complicado conciliar toda esta atividade, optou por estudar e manter o trabalho de cuidadora. Ainda assim, levanta antes das seis horas, prepara o café para o marido e a filha, limpa a casa e faz o almoço, depois vai para a aula. Clarice tem um objetivo claro: terminar o segundo grau e partir para o curso de Técnico em Enfermagem, pois gosta muito da área da saúde. Pensa até em cursar Fisioterapia. Pela motivação que demonstra, essa possibilidade é muito real. Críticas? Sim. Alguns conhecidos até disseram que ela não conseguiria. Isso não foi suficiente para que ela desistisse. A maturidade a tornou uma mulher forte e decidida. As palavras dela deixam transparecer o sentimento de alguém que sabe exatamente aonde quer chegar. A dúvida se daria conta de todos os afazeres foi dissipada com a declaração do marido. “Faz o que dá e deixa o resto comigo”, disse ele, que, inclusive, vai buscá-la na escola. Todo esse apoio é que dá suporte para ela não desanimar. “Eu vou estudar muito ainda”, declara Clarice Lima feliz e confiante. Contar histórias é uma arte nada fácil. A trajetória de Vânia e Clarice é maior do que esse texto. De tudo, porém, fica evidenciado o poder transformador da educação e a certeza de que estudar é bom. Necessário. Não importam a idade e o momento. 9


FOTOS: FERNANDA NUNES DA SILVEIRA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Terezinha e Ana Luiza analisam a realidade dos professores

CARREIRA QUE VEM DE FAMÍLIA Mãe e filha têm a mesma profissão: são professoras. No seu cotidiano, enfrentam os prazeres e os desafios dessa carreira. Aqui, elas contam sua trajetória e fazem uma análise do seu trabalho como educadoras FERNANDA NUNES DA SILVEIRA fernandandsilveira@gmail.com

Sempre pensei: e eu vou fazer o quê? Porque se eu não fosse professora, eu seria professora”, é o que Terezinha de Jesus Lopes Ferreira conta a respeito da sua escolha de carreira, a qual nunca pensou em desistir. Hoje, com 57 anos, lembra que sua mãe tinha a mesma profissão e que na infância brincava de ser professora. Devido ao seu interesse pelo português, especialmente pela gramática, se formou no curso de Letras na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 1989 e, quatro anos depois, já iniciou sua trajetória a frente de salas de aula. Atualmente, Terezinha atua como professora e vice-diretora de uma escola de ensino fundamental em Rio Pardo. Em comparação ao início de sua carreira, ela acredita que cresceu muito e se modificou ao longo do tempo. “A experiência me dá um alicerce e uma segurança maiores”, explica. Apesar disso, considera que perdeu um pouco da dinâmica para conseguir acompanhar os jovens estudantes. O cenário de desvalorização do professor tanto financeiramente quanto socialmente desanima Terezinha. Porém, o amor pela profissão e o 10

vínculo pessoal de carinho e de afeto zendo janta, via tudo acontecendo estabelecido com os alunos é o que e dizia: ‘eu quero muito ser profesa faz sentir-se motivada e realizada. sora’”, recorda. Mas, foi apenas no “Mesmo que seja com conflitos, isso Ensino Médio que decidiu seguir a me dá vida”, relata. mesma carreira de seus familiares. SEGUINDO OS PASSOS Porém, Ana nunca se sentiu presDA FAMÍLIA sionada a seguir essa profissão. Pelo “É uma profissão gratificante, mui- contrário, seus parentes a alertaram to bonita, de muita emoção e entrega, sobre as dificuldades enfrentadas mas não é fácil, não é bem remune- pelos professores. “Só que eu não dei rada, não é respeitada e nem valori- ouvidos”, conta. Depois da decisão zada”, diz Ana Luiza Ferreira Lopes, tomada, a família a apoiou e quando filha de Terezifoi escolher qual nha. Em uma facurso realizaria, mília na qual mãe, ela tinha duas oppai, avó e tias são ções que lhe inte“Nós temos escolas professores, desressavam: ser prodo século XIX, professores fessora de Letras de criança, ela se do século XX e viu rodeada de como sua mãe ou alunos do século XXI” materiais e conde História como cepções relacioseu pai. nados à profisHo j e , a o s 2 1 ANA LUIZA LOPES são. “Eu via tudo anos, é estudante isso acontecendo de licenciatura em dentro da minha Letras/Espanhol casa, caderno de na Universidade chamada, livro, planejamento de de Santa Cruz do Sul (Unisc) e trabaaula, e eu achava o máximo, lindo e lha em uma instituição de educação maravilhoso”, lembra. infantil em Rio Pardo e em uma escola Também, brincava de “aulinha” de idiomas em Santa Cruz do Sul. “O com suas amigas. “Via os alunos da que me fez escolher ser professora é minha mãe vindo aqui em casa, fa- a vida que eu tenho e a experiência

que eu adquiri desde os meus 17 anos como professora, de alunos que me encontram na rua, me cumprimentam, me abraçam e me beijam e eu acho que esse carinho, para além do conteúdo que ensino, da gramática e dos textos, é o que me faz querer seguir, porque é uma profissão muito difícil”, relata. Desde seu segundo semestre de faculdade exerce essa profissão e já trabalhou com crianças, adolescentes, adultos e idosos. “Foram experiências de medo de não saber o que fazer e o que trabalhar, de não dar conta, de ser julgada como uma professora ruim e da falta de respeito dos alunos, porque eles sentem quando tu estás despreparada e é inexperiente”, conta sobre as primeiras vezes que atuou como professora. Apesar de sua paixão pela profissão, Ana Luiza já pensou em desistir tanto pela dificuldade de alguns conteúdos durante a graduação quanto pelas primeiras experiências em sala de aula. “Eu tive alguns momentos que me deu vontade de trancar, de parar, de não dar mais aula, de pensar ‘não é isso que eu quero para mim’, mas é bem aquilo assim, às vezes, o amor fala mais alto”, explica.


O TRABALHO DO PROFESSOR HOJE “Nós temos escolas do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI”, diz a estudante Ana Luiza. Para mãe e filha, atualmente algumas instituições não apresentam a estrutura adequada para atender as necessidades dos alunos e muitos profissionais não estão preparados para lidar com as mudanças que vêm acontecendo. “A educação é o que forma um cidadão sociável com o mundo e com as pessoas”, considera Ana. Para as duas, é um processo que vai além da transmissão de conteúdo nas disciplinas escolares e do auxílio aos sujeitos a conseguirem seus empregos, porque é a construção de uma base para o desenvolvimento humano. “Sem educação não prosseguimos no sentido do conhecimento tampouco do próprio interior da pessoa”, explica Terezinha. Hoje, existem discussões sobre o papel da escola na formação dos alunos e em relação a ser um lugar apenas para aprender disciplinas como Português e Matemática. “A escola não é apenas um lugar de aprendizagem de conteúdo, mas de aprender a conviver, a socializar e a viver com as pessoas, a respeitar e a aprimorar o respeito com o outro”, entende Terezinha. Segundo mãe e filha, a educação é compreender o contexto e a sociedade a fim de que o estudante possa pensar e refletir criticamente a respeito de sua realidade. “Ninguém está obrigando ninguém a concordar ou a discordar, nós só queremos poder expressar a opinião que temos e os alunos poderem expressar as suas opiniões, aquilo que eles acreditam e veem em casa”, observa Ana. Segundo dados do Censo Escolar de 2018, 51,2% das escolas do Brasil têm biblioteca e/ou sala de leitura. No entanto, algumas delas estão fechadas por falta de profissional capacitado para trabalhar nesses espaços. “A biblioteca é o lugar onde está inserida a cultura e não serve só para aula de

Português para ler um livro, porque é ele que faz pensar e forma um cidadão crítico com opinião”, pondera Ana Luiza a respeito da importância de ambientes de leitura nas escolas. Apesar dos avanços tecnológicos, existe uma grande dificuldade para a inserção de ferramentas digitais nas práticas pedagógicas. “Se eu tivesse mais preparo e mais agilidade para lidar com isso, talvez conseguisse inovar e buscar novas didáticas”, explica Terezinha. De acordo com o Censo Escolar de 2018, 63,4% das escolas públicas brasileiras têm rede de internet, mas grande parte não permite o acesso dos alunos. Além disso, 44,3% das instituições de Ensino Fundamental e 78,1% das de Ensino Médio apresentam uma sala de informática nas dependências. Entretanto, algumas escolas não têm profissionais aptos a trabalhar com a informática e, por isso, os laboratórios ficam fechados. Nesse sentido, Terezinha e Ana Luiza observam que falta apoio governamental tanto no incentivo a uma formação continuada para os profissionais quanto para subsidiar uma estrutura tecnológica que possibilite aos alunos e aos professores qualificar os conhecimentos transmitidos. “Dar um tablet aos professores não vai resolver o problema da educação tecnológica”, explica Ana Luiza. Além disso, outra mudança sentida pelas profissionais é o respeito que os alunos e os pais têm com o professor. Para Terezinha, antes, a escola ocupava um lugar fundamental na sociedade. “Hoje, nós enfrentamos batalhas não só com os alunos, mas com os pais também”, reflete ela acerca da desvalorização social da instituição escolar. Atualmente, o número de casos de violência contra os docentes por parte dos estudantes e dos pais estão aumentando. O Brasil ocupa a primeira posição no ranking de 34 países sobre relatos de agressão contra os professores, conforme o levantamento de 2013 realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE). Terezinha e Ana Luiza contam que nunca chegaram a sentir medo de serem agredidas por exercerem sua profissão, mas pontuam que é preciso ter alguns cuidados. “Vai muito do preparo do professor para segurar a onda, porque, às vezes, nos deparamos com um aluno cheio de problemas e eles partem para cima e não querem nem saber”, diz Ana Luiza. Por isso, é necessário conhecer a realidade que ele enfrenta. “Muitas vezes, conhecendo o histórico daquele aluno, já se sabe que tem que chegar com outro jeitinho, porque a história dele não é legal e se sabe que existe uma revolta grande e um descontrole”, explica Terezinha. Em relação aos jovens professores, Ana acredita que o respeito depende da postura do profissional e da faixa etária dos estudantes. Ao trabalhar com adultos, ela teve uma relação mais tranquila do que com os adolescentes e considera que é necessário criar uma boa relação com os alunos. “Eu sei que se eu me rebaixar e não me impor como professora, eles vão pisar em cima de mim, então, para não perderem o respeito comigo, eu falo a língua e as gírias deles, brinco com eles e os estudantes acabam gostando de mim, mas sabem que quando eu quero atenção há duas opções: gritar ou falar com calma, o que eles preferirem”, relata Ana Luiza. Apesar do baixo investimento para estimular a formação de novos docentes, Terezinha considera que os jovens podem ser incentivados ao saber das vivências do profissional no exercício das suas atividades. Já Ana observa que os problemas enfrentados pela classe, como, por exemplo, a violência e o parcelamento de salários, são constantemente retratados pela mídia. “Que valor tem um professor na sociedade, se dizem aos pais que eles podem ensinar seus filhos em casa?”, questiona Ana Luiza. “A escola é um velhinho com Alzheimer”, consideram as profissionais. As duas concordam que o

formato tradicional da escola pública está com os anos contados. “Ela só tem tendência a crescer se houver uma reviravolta muito grande na educação, porque senão, a tendência é que existam cada vez mais o ensino à distância, em casa ou com um professor particular, mas a escola como instituição tradicional que nós conhecemos vai morrer e bem rápido”, completa Ana Luiza. ARTE: FERNANDA NUNES DA SILVEIRA

O QUE É SER PROFESSOR? “É uma segunda mãe, lida com a essência das pessoas, busca compreender os porquês daquela rebeldia ou entender o porquê daquele interesse e dedicação de uma criança”, explica Terezinha. Para mãe e filha, a função do professor vai além da transmissão de conhecimentos relacionados aos conteúdos das disciplinas. “É um apaziguador de situações, um psicólogo, uma mãe, uma família, um abraço que uma criança não recebe em casa, muitas vezes, é o único que incentiva, é transformar uma vida”, diz Ana Luiza. Ela considera que o professor tem o olhar exigente e crítico, mas também carinhoso e de afeto. “Se não fossem a minha mãe e os meus familiares professores, não sei o que eu seria hoje, porque tudo que aprendi de vida e de comportamento foi com a minha mãe e minha professora”, finaliza Ana. 11


EXPEDIENTE

EDUCAÇÃO s.f. Ação ou efeito de educar para a construção de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades.

EDUCAÇÃO Um dos principais pilares para o desenvolvimento sociocultural, é a educação. É no ambiente educacional, seja dentro ou fora das salas de aula, que crianças e jovens constroem sua bagagem cultural e seus valores, respeitando as diferenças e tornando-se seres críticos e reflexivos. A educação é o poder de transformação nas sociedades, incentivando indivíduos a tornarem-se instrumentos de mudança nas comunidades em que vivem. Nos últimos anos, pudemos acompanhar profundas transformações nas tecnologias e nas relações humanas. E esta transformação pode ser vista em diferentes histórias, desde a formação de professores, ensinamentos passados de geração para geração, até em uma escola que fica aberta para a comunidade aos finais de semana visando ser referência. Como esta edição do Unicom busca mostrar, educação não ocorre apenas dentro das escolas. Marshal McLuhan, filósofo canadense, já dizia que “a maior parte do ensino acontece fora da escola”. E ele tem razão. Qualquer interação de aprendizagem desperta em crianças, jovens e adultos o reconhecimento de suas potencialidades, inteligência e autonomia. Compreender esses aspectos, é constatar que a educação acontece em meio à vida e em todos os momentos.

O OLHAR JORNALÍSTICO Compreendendo o valor imensurável da educação, esta primeira edição do Unicom em 2019, produzida por nós, alunos da disciplina de Produção em Mídia Impressa, do curso de Jornalismo da Unisc, traz consigo a ideia de pluralizar o debate sobre educação. Através da pergunta “O que você lê sobre educação?”, o jornal-laboratório identificou que apesar da cobertura jornalística em educação estar crescendo nos últimos anos, continua sem ocupar um espaço de grande destaque nos veículos de comunicação da nossa região. E é essa curiosidade que nos motivou a ir em busca de narrativas especiais e de protagonistas desconhecidos, para contar as suas histórias. Por isso, produzimos uma edição inteira com esse tema, evidenciando conteúdos com maior perenidade e aprofundamento, dando voz àqueles que veem na educação um agente transformador. É nesta perspectiva que queremos destacar que a educação perpassa em todas as esferas e está inserida em todos os lugares. Quando falamos em educação, pensamos em ações hoje, que terão resultados amanhã. Da editora e dos repórteres.

O que é? O Unicom é o jornal-laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), desenvolvido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, da habilitação de Jornalismo.

Quem fez? Edição Caroline Moreira Revisão Caroline Moreira e Fernanda Nunes da Silveira Editor de Multimídia Larissa de Oliveira Tomaz Diagramação Fernanda Nunes da Silveira Reportagem Caroline Moreira, Fernanda Nunes da Silveira, João Valter Passos, Julia Abich, Kelvin Azzi, Leonardo Pereira e Milena Konzen Foto de capa Raíssa Scheidt Coordenação Willian Fernandes Araújo


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