VOLUME 37 | Nº 02 | DEZEMBRO DE 2018
O CAMPO E SUA PLURALIDADE Da mulher que se tornou empreendedora; do homem que se obrigou a largar a produção depois de um acidente; das escolas que ameaçam fechar; das tecnologias que o meio rural ganhou nos últimos anos AS HISTÓRIAS DO INTERIOR DA NOSSA REGIÃO
EDITORIAL
EXPEDIENTE
A vida no campo
O que é? O Unicom é o jornal-laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), desenvolvido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, da habilitação de Jornalismo.
Há milhares de pessoas que fazem do campo o seu próprio meio de subsistência. Algumas produzem alimentos orgânicos em suas propriedades, porque os consideram mais saudáveis, enquanto outras famílias enfrentam dificuldades para garantir educação aos filhos pelo fechamento de escolas nas suas regiões. No meio disso tudo, há também a situação das mulheres que trabalham arduamente na lavoura, mas são desvalorizadas, devido ao sistema machista entranhado em nossa sociedade. São muitas as realidades que permeiam o universo rural. Contudo, a relação de tempoespaço no campo ganha outras dimensões. Lá, o despertar para um novo dia representa a volta ao trabalho, porém, sem horários fixos, como na cidade. A natureza, o clima e outros fenômenos são atribuídos ao sagrado. O envelhecimento do corpo pouco importa, pois faz parte do tempo que passa. No campo, trabalhar é viver. As pessoas cuidam da sua propriedade rural, da criação de animais, do plantio e colheita dos alimentos, dos filhos, entre outras tarefas. O fato é que o campo tem um papel fundamental para o desenvolvimento nacional do nosso país, seja do ponto de vista das relações sociais ou econômicas. A nossa agricultura, por exemplo, só é forte por causa do empenho
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dos trabalhadores rurais. Ela gera milhões de empregos – em especial a agricultura familiar, responsável por grande parte do pessoal ocupado no campo, através de uma corrente que vai da roça, passa pela agroindústria e encerra numa prateleira de supermercado. O OLHAR JORNALÍSTICO Compreendendo a importância do meio rural, esta segunda edição do Unicom em 2018, produzida por nós, alunos da disciplina de Produção em Mídia Impressa, do curso de jornalismo da Unisc, e aspirantes a repórteres, vem com uma proposta inovadora. Produzimos um jornal totalmente rural, com a mesma intenção de sempre: contar para você, caro leitor, através das páginas, histórias, de pessoas que vivem na nossa localidade, que inspiram e trazem reflexões. A região do Vale do Rio Pardo respira agricultura. É justamente por isso que este Unicom – Edição Rural ganha vida. Em uma edição dinâmica, que traduz o jeito universitário de ser – e, neste caso, de escrever -, onde as cores flertam com as palavras, o jornal-laboratório oferece a você, prezado leitor, a possibilidade de entender e viver nesta realidade – principalmente para quem não faz parte dela diretamente. Boa leitura. Dos editores.
Quem fez? Edição Dalvan Batista da Luz e Marília Schuh Revisão Dalvan Batista da Luz, Lucas Batista e Madhiele Scopel Projeto gráfico Thales Hohl Diagramação Alisson Francieli Reportagem Gabriel Rodrigues, Karolaine Pereira, Lucas Batista, Lurian Schultz, Madhiele Salazar Scopel, Marcela Schild, Martina Ferreira Sturm, Matheus Prestes, Rosana Wessling Foto de capa Justine Maia Coordenação William Fernandes Araújo
INOVAÇÃO NO CAMPO
TECNOLOGIA QUE AJUDA O FUMICULTOR Surgimento de novos equipamentos, como maquinas de irrigação, tem favorecido pequenos agricultores no interior gaúcho MATHEUS PRESTES matheusprestes95@gmail.com FOTO: MATHEUS PRESTES
O sistema de irrigação auxilia no controle durante todo o processo.
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e pedissem para você imaginar uma plantação de fumo, provavelmente pensaria em algo meio rudimentar, com uma pessoa trabalhando num sol escaldante de verão. Esse estereótipo está mudando com o mercado de máquinas automatizadas. Os desafios postos à agricultura serão superados com a aceitação de tecnologias bastante modernas, já que a chance do produto final sair conforme o previsto é maior do que o trabalho manual. Essas técnicas deverão garantir a segurança alimentar em perfeita sintonia com a conservação ambiental. Conhecida por sua importante participação na agroindústria fumageira do Sul do Brasil, o município de Santa Cruz do Sul, que pertence à região do Vale do Rio Pardo, exporta 85% do fumo produzido, segundo dados da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). A produção de fumo em Santa Cruz costuma permanecer como atividade de uma mesma família ao longo de diferentes gerações, o que não significa que essa tradição não se reinvente por meio de novas tecnologias. Mudanças sugeridas pela indústria e por produtores se tornam soluções para diferentes problemas econômicos, produtivos e socioambientais. Em uma cultura tradicional, como
a do tabaco, o uso destas inovações tecnológicas pode parecer bastante distante para os dias de hoje. No entanto, a falta de mão de obra, por evasão no campo, torna esse tipo de apoio cada vez mais necessário. Diferentes modelos de mecanização do setor estão em teste nos centros de pesquisa das fumageiras, principalmente aqueles que auxiliam na colheita das folhas de fumo- etapa de produção considerada a mais trabalhosa. O divisor de águas ainda é o preço. O compartilhamento de uma mesma máquina por diversos agricultores ou o aluguel do equipamento estão entre as tendências e alternativas adotadas. A tecnologia que ganhou força, em 2007, pelo governo Yeda Crusius, e já tem espaço garantido nas lavouras é a irrigação automática. Na propriedade de Joel Junkherr, em São José da Reserva, interior de Santa Cruz, por exemplo, há um açude e uma cisterna para captar água da chuva. Com canos e bicos de borrifamento móveis, ele tem autonomia de levar água para as áreas carentes cultivadas com tabaco. “Quando as máquinas estão funcionando, a gente ganha tempo para fazer outro trabalho”, afirma Joel sobre a importância da tecnologia no campo. Ele também conta com um sistema
de ar forçado que é destinado para a secagem das folhas originárias do cigarro com controle preciso da temperatura e homogeneidade da câmara, bem como a troca constante do ar, a qual é realizada através dos aeradores situados na parte inferior e superior da estufa. A escolha desta tecnologia proporciona aos produtores maior agilidade e facilidade no carregamento da máquina, além de garantir uma secagem mais uniforme e com menor consumo de lenha por quilograma de tabaco curado. A propriedade de José Martins Kuhn, localizada em Cerro Alegre Alto, conta com três estufas, sendo uma de ar forçado. O principal diferencial destes equipamentos está na redução da mão de obra, que vem diminuindo cada vez mais no campo. Em relação ao conceito tradicional, José estima uma redução de 50%. “O processo é mais seguro, rápido e confortável. A colheita pode ser levada direto para a cura e depois direto ao paiol”, explica ele. Os produtores podem eliminar etapas, como no processo de costura das folhas, o qual ajuda na hora de carregar o produto. Além disso, há menos dificuldade para colocar o tabaco no forno, já que os estaleiros ficam até a um metro e meio do chão. Além da estufa de ar forçado, que
custa em torno de R$ 30 mil. Outros equipamentos ajudam no campo, como as caixas de prensa automatizadas, as fornalhas com esteiras de rolagem automáticas e os aparelhos que controlam umidade. O mundo inteiro está passando por um momento onde as transformações surgem em alta velocidade devido, dentre outras coisas, à capacidade de geração de conhecimento pelas universidades, à mobilidade e conectividade das pessoas. Muitos dos estudos realizados em um centro de pesquisa, rapidamente são transformados em tecnologias e incorporados aos sistemas de produção. José tem certeza de que a agricultura familiar precisa de novas ferramentas para continuar na ativa. “Acreditar na tecnologia exige um trabalho de estar sempre olhando o que aparece de novo no mercado para não ficarmos para trás. Só assim vamos poder dar continuidade a essa evolução dos trabalhos na lavoura”, comenta. Entretanto, para que a fumicultura possa continuar desempenhando o seu papel, produzindo, vendendo e exportando, é fundamental a adoção de tecnologias modernas, que assegurem o aumento da eficiência, a redução dos custos de produção e a oferta de um tabaco com qualidade. 3
EDUCAÇÃO NO CAMPO FOTOS: LUCAS BATISTA
Em Linha Dois de Dezembro, Escola Júlio de Castilhos permanece aberta, com 16 alunos. Mas, futuro é duvidoso
HOJE, SORRISOS. AMANHÃ, UMA INCERTEZA Diminuição de alunos motiva fechamento de escolas na zona rural. Temor maior é a perda da referência da comunidade LUCAS BATISTA lucasmiguelbatista1@gmail.com
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sala é de aula, de informática. Dá espaço para uma prateleira cheia de livros e para armários com material pedagógico. Dá espaço também a cinco turmas, mas não de crianças da mesma idade ou do mesmo nível de ensino. Tem aluno com seis, com sete, com oito, com nove, até com 10 anos, estudando do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Essa é a realidade da Escola Júlio de Castilhos, no interior de Vera Cruz, mas pode ser a de muitas outras, espalhadas pelo Vale do Rio Pardo. Educandários multisseriados, embora cada vez em menor número, ainda são comuns em pequenas comunidades, muitas vezes distantes da sede dos municípios. A Júlio de Castilhos, por exemplo, fica quase na divisa com Rio Pardo, na localidade de Linha Dois de Dezembro. Do centro de Vera Cruz, são 17 quilômetros, parte deles em estrada de terra. As crianças que ali estudam são filhas de agricultores,
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de homens e mulheres que vivem do plantio do tabaco. A opção por aprender nessa escola é por dois principais motivos: a educação perto de casa e a referência que a escola construiu ao longo das décadas. Mas, se hoje o cenário é de sorrisos, o amanhã é incerto. Na onda de desativação de escolas, a única professora do educandário, Santa Ana Corrêa Paz, teme justamente o fechar dos portões. O número de estudantes, segundo ela, caiu consideravelmente nos últimos anos. E a tendência é continuar em queda, sobretudo pela diminuição do tamanho das famílias na zona rural. “Ano que vem saem três alunos, ficando apenas 13. No próximo ano, mais seis, ficando só sete”, contabiliza a professora, que não projeta o ingresso de novas crianças. Isso porque a nucleação de escolas - processo de migração de alunos a educandários maiores - faz com que o primeiro ano seja de responsabilidade da Professor
Henrique Cândido Pritsch, de Linha Tapera - localidade vizinha. “Estudando o primeiro ano lá, dificilmente vão querer vir pra cá [Júlio de Castilhos] fazer do 2º ao 5º”, pondera Santa Ana. Essa projeção, portanto, seria o decreto de encerramento das atividades? Segundo o secretário de Educação de Vera Cruz, Cláudio Stoeckel, não, pelo menos nos próximos dois anos. “Após estudo feito no início da gestão [em 2017], tivemos que encerrar o funcionamento de quatro escolas, infelizmente. Mas eu acredito que, com esses ajustes, novos fechamentos não aconteçam”, diz. “Porque precisamos fortalecer as escolas do campo, ao mesmo tempo em que precisamos que elas sejam viáveis, tanto na parte pedagógica, quanto na que tange à questão financeira”, explica ele. OS DESAFIOS Manter em funcionamento pequenas escolas é um desafio, tanto
aos gestores, quanto a quem trabalha dia a dia no ensinar da tabuada e do alfabeto. Professora de formação, Santa Ana é também diretora, secretária, merendeira, jardineira, psicóloga, aquela que está ao lado das crianças. Durante a carreira, aprendeu a melhor forma de ensinar. “Se eu for trabalhar um texto, trabalho o mesmo desde o primeiro até o quinto ano. Depois, cada um vai trabalhar as dificuldades conforme o ano que está”, explica ela, que diz parecer estar dando aula a uma série só. O número baixo de alunos também é positivo, conta ela, pois cria-se uma intimidade, um relacionamento de carinho. “Eu conheço aluno por aluno, até o jeito que ele me olha, se está bem”, revela. “Se uma professora atender 30, 40 alunos, de várias localidades, às vezes nem conhece a referência daqueles pais. Será que a educação vai ser melhor?”, questiona Santa Ana, contrária ao fechamento dos educandários.
Para ela, as escolas da zona rural precisam ser mantidas de portas abertas. “Hoje, o aluno não quer mais a agricultura. Ele acha que lá na cidade é melhor. Não! Aqui é uma vida saudável. Nós podemos dormir com a janela aberta e a criança pode brincar sem ter medo”, reflete a docente, que procura dizer isso aos alunos. “Do ponto de vista da juventude, a cidade é melhor. Mas a cidade é melhor pra quem já tem uma vida estabilizada, um emprego. O que acontece é que muitos saem daqui em busca de melhores condições e acabam apenas inchando as favelas”, observa ela, preocupada com o futuro daqueles que nasceram no campo e procuram nova vida nos grandes centros. Embora a municipalidade não confirme a desativação de mais colégios em Vera Cruz, Santa Ana acredita que a escola em que foi professora por três décadas vai fechar. “A Júlio de Castilhos se encaminha a esse patamar. Um grupo de mulheres ocupará o pavilhão e a escola vai virar tapera, o mato vai tomar conta”, presume. “Porque, eu trabalhando aqui, dia por dia, para ter uma escola conservada e bonita já é difícil, imagina quando não tiver uma professora, uma referência que vai batalhar para manter o prédio”, pensa ela, triste pela dor que terá ao passar em frente à escola e ver essa realidade, hoje apenas em seu imaginário. POR QUE FECHAM AS ESCOLAS NO CAMPO? De janeiro de 2017 até agora, quatro escolas foram fechadas em Vera Cruz - todas localizadas no interior. O motivo foi o mesmo: baixo número de alunos, que, combinado a dificuldades financeiras, inviabiliza a continuidade dos serviços. Encerraram as atividades, segundo a Secretaria de Educação, a Olavo Bilac, de Linha Sítio; a Dom Pedro II, de Rincão da Serra; a Nossa Senhora Aparecida, de Entre Rios; e a Ernesto Wild, de Linha Fundinho. Com esses ajustes, Vera Cruz tem atualmente 20 educandários ativos na rede municipal.
Seis são de Educação Infantil e 14, de Ensino Fundamental. Do montante de EMEFs, cinco estão na zona urbana e nove na rural. Das localizadas no campo, duas são multisseriadas - ou seja, mais que uma turma estuda na mesma sala. Elas ficam em localidades praticamente remotas. A Intendente Koelzer está situada em Alto Ferraz e a Júlio de Castilhos em Linha Dois de Dezembro. Outros três educandários – Gonçalves Dias e Sagrado Coração de Jesus, em Ferraz; e Professor Henrique Cândido Pritsch, em Linha Tapera - são intermediários. Conforme o secretário de Educação, Cláudio Stoeckel, nestes locais o diretor é professor e atua em mais funções, mas há um docente para cada turma. DUAS PERSPECTIVAS As escolas do campo estão cada vez com menos alunos. A principal explicação para isso, sublinha Stoeckel, é a diminuição gradativa do número de filhos das famílias. Essa queda de estudantes em sala de aula, segundo ele, apresenta duas perspectivas. A primeira, positiva, pois nas escolas menores, frisa o Secretário, ainda existe uma participação mais significativa da família e, consequentemente, um aprendizado mais voltado a essas comunidades escolares. A segunda, negativa, pois não existe, cita Stoeckel, a mesma qualidade em relação às escolas maiores, em função dos colégios mais pequenos terem um quadro de professores menor, além das escolas multisseriadas terem somente um profissional, que, mais do que professor, é diretor, ajuda na limpeza, faz merenda, entre outras funções. Uma das questões que mais preocupa a Secretaria de Educação de Vera Cruz é alunos da mesma faixa etária não estarem estudando em uma só sala, com uma professora, mas sim em turmas multisseriadas. Isso faz, segundo Stoeckel, com que o trabalho se torne mais cansativo a quem o desenvolve, além de prejudicar a socialização dos estudantes, em virtude de ter crianças de idades variadas na mesma sala, em séries
bem distintas. Mesmo que o desejo do Município não fosse fechar as escolas, o gasto em mantê-las abertas foi fator determinante na decisão. ESCOLA FECHADA; PRÉDIO NÃO O principal medo de quem mora perto ou teve algum vínculo com uma escola fechada é o mesmo: de que o prédio fique abandonado. Mas, em Vera Cruz, essa preocupação foi levada em conta no momento da desativação dos colégios. O Dom Pedro II, situado à margem da ERS409, fechou as portas em outubro de 2017. Tinha cinco alunos e uma professora. Eles foram remanejados para outras escolas e o prédio, cedido à Associação dos Amigos Especiais (ADAE), de Vera Cruz. A entidade havia sido criada em fevereiro daquele ano, com o intuito de auxiliar os que precisavam. O sonho, desde o início, conta o presidente, Luiz Carlos Souza, era construir o centro de convivência às pessoas com deficiência, mas sabia que não seria fácil adquirir terreno e prédio. “Então, o prédio da antiga escola veio a se encaixar pra nós”, conta. “Além de ele ter uma estrutura razoavelmente boa, tem um pavilhão do lado, que dá pra fazer atividades, além de um grande pátio”, detalha Souza. Hoje, a ADAE realiza reuniões mensais, no terceiro sábado do mês. Nesses encontros, sempre há um profissional que dá orientação às famílias sobre direitos em relação às pessoas com deficiência. O espaço é usado também para reunião entre as famílias e praticamente toda a semana, diz Souza, há trocas de experiências e falas sobre o cotidiano das pessoas. MAIS PARA O FUTURO Luiz Carlos sonha. E sonha muito. O vera-cruzense se dedica incansavelmente pela Associação. Após adaptações na estrutura, como melhorias em banheiros e rampas de acesso, um projeto audacioso será iniciado. Está programado para o dia 4 de fevereiro do ano que vem, quando a ADAE completa dois
Escolas Multisseriadas: Vera Cruz - 2 escolas Santa Cruz - Não há escola multisseriada, apenas turmas Rio Pardo - 11 escolas Fecharam recentemente: Vera Cruz - 4 escolas Santa Cruz - Sem fechamento Rio Pardo - 1 escola
anos de fundação, o lançamento do atendimento diário às pessoas com deficiência. Num primeiro momento, cita Souza, serão dois profissionais uma fonoaudióloga e uma terapeuta ocupacional - que irão trabalhar em prol dos especiais. É o começo de uma longa história, que, se depender do entusiasmo e da força de vontade de Luiz Carlos, será de sucesso.
Desativado, prédio da Escola Dom Pedro II agora é ocupado pela ADAE 5
FOTOS: LURIAN SCHULTZ
CAMINHOS BLOQUEADOS
POPULAÇÃO RURAL SEM SAÍDA Condições precárias de pontes no interior de Cachoeira do Sul dificultam deslocamento de moradores do campo LURIAN SCHULTZ lurianschultz@gmail.com
Poucas tábuas restaram da ponte na Parada 109
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uem mora no campo sofre com as condições precárias de estradas, pontes e passarelas. Passagens estreitas e com muitos buracos têm o seu estado piorado por causa de questões climáticas, como, por exemplo, as fortes chuvas que ocorrem no inverno. No interior de Cachoeira do Sul, região central do estado, algumas das estradas e pontes não estão em suas melhores condições, e assim, tem representado um grande empecilho na vida de centenas de pessoas. Mesmo com cerca de 15 máquinas - entre patrolas, tratores, caçambas e retroescavadeiras -, a Secretaria Municipal do Interior e Transportes (SMIT) de Cachoeira do Sul não atende a demanda de reparos das estradas da zona rural. Em virtude da falta de recursos financeiros, a Secretaria de Obras do município em algumas ocasiões acaba cedendo maquinário para que ambos os setores atuem juntos na melhoria das estradas. Mesmo assim, nem sempre conseguem realizar. Alguns moradores e agricultores da zona rural de Cachoeira reclamam que as vias estão sendo deixadas de lado. Um destes casos é a ponte de madeira na Parada 109, na estrada de acesso ao bairro Universitário. Mesmo sendo localizada em uma área rural, a travessia fica a cerca de um quilômetro do campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Cachoeira do Sul. A ponte, que está interditada para a passagem de veículos, permite que apenas pedestres ou ciclistas façam a travessia através das poucas tábuas que ainda perma6
necem intactas. Porém, a falta de segurança nesta passarela assola os moradores da região, principalmente aqueles que precisam passar pelo lugar todos os dias. Conforme o carroceiro Milton Pereira, há alguns meses a estrutura da localidade está precária. “Eles [a Prefeitura] não fazem nada por esta ponte. Deveriam reformar para que pudessem passar carros, motos e carroças por aqui”, aponta ele, que diariamente faz o caminho até o local, para buscar lenha. Os moradores dos arredores da Parada 109 necessitam que a estrutura esteja em boas condições para que possam se deslocar até a parte central da cidade, que fica a cerca de quatro quilômetros dali. Algumas famílias que ficam do outro lado da ponte acabam usando atalhos por dentro de propriedades privadas para conseguir fazer a travessia. Interditada há cerca de um ano, a estrutura, que é de madeira, fica mais deteriorada a cada período de chuvas em Cachoeira do Sul. Importante: Em resposta a reportagem, a SMIT relatou que no dia 27 de novembro foi realizada uma reunião com a empresa que venceu a licitação do início da construção de uma ponte de concreto na Parada 109, e que as obras terão início ainda no mês de dezembro. SITUAÇÃO TAMBÉM DIFÍCIL NA PORTEIRA 7 E NA BARRAGEM DO CAPANÉ Outros dois locais no interior de Cachoeira do Sul têm pontes em situação também delicada. Uma delas fica na localidade da
Barragem do Capané, há cerca de 12 quilômetros da área urbana da cidade. A passarela, que mede 55 metros de comprimento e suporta veículos de até 24 toneladas, é relativamente estreita e só permite que um veículo passe por vez. É uma das passagens mais importantes do interior e se destaca por ter o trânsito de cargas de vários tipos de grãos, como arroz, milho e soja, todos produzidos no interior do município. A outra, na localidade de Porteira 7, localizada sobre o Arroio São Nicolau, também não está em boas condições para trânsito. Mesmo com sua estrutura de ferro, a passarela, que mede 28 metros de comprimento, suporta cargas de no máximo cinco toneladas, embora caminhões que levam um volume até três vezes maior também passem por ali. Os moradores que circulam diariamente por essa ponte reclamam do descaso da prefeitura com o local. Conforme relato de moradores da localidade, há mais de um ano que a situação é essa e não são tomadas providências. Com contrato pronto desde março, a Prefeitura aguardava liberação de recursos da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. Após reunião com a empresa vencedora da licitação e assinatura de ordem de serviço, agora a promessa é de que a Parada 109 tenha sua nova ponte em fevereiro de 2019. Já no São Nicolau, os trabalhos devem ir até abril de 2019. Com relação à barragem do Capané, não há previsão de reparos na ponte do local.
Na Porteira 7, a passarela com buracos e pedaços de madeira soltos preocupa os moradores há mais de um ano.
A ponte estreita da Barragem do Capané não permite que dois veículos façam a travessia ao mesmo tempo.
ANÚNCIO
RENASCER
A MARCA DEIXADA PELA EXAUSTÃO NO TRABALHO Ex-produtor rural teve parte do braço arrancada por colheitadeira e vê sua vida ser transformada
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MADHIELE SCOPEL
MARTINA FERREIRA STURM
madhiscopel@gmail.com
martina_fsturm@hotmail.com
Na tua cabeça passa um filme de três estágios: o que tu fizeste? O que tu deverias ter feito? E o que tu queres fazer? ”. Foi esse o primeiro pensamento de Alexandre Roth depois de ter seu braço esquerdo engolido por uma máquina para silagem de milho em março de 2014. Em Quarta Linha Nova Alta, interior de Santa Cruz do Sul, a família Roth é produtora de leite, um trabalho passado de geração para geração. Alexandre sempre teve paixão pelo o que fazia, hoje, vê em seu corpo a marca deixada por uma tarde árdua de trabalho. Com as bochechas rosadas, pele marcada pelo sol, um sotaque típico alemão e uma voz que transmite a coragem de ter passado por um momento de transformação em sua vida, Alexandre começa a nos relatar a sensação de renascer. “Se às vezes eu disser que faço, está errado, é ‘eu fazia’. É que minha cabeça ainda está na outra vida, mas não existe mais isso pra mim”, comenta Alexandre. O ex-produtor rural, de 45 anos, cultiva até hoje em sua alma o amor pela antiga profissão. Sente a saudade de pôr em prática seus cinco cursos de aprimoramento na área. HORAS ANTES DO ACIDENTE O dia era dedicado para fazer silagem de milho com uma equipe terceirizada e seu companheiro de todas as horas, o pai, Edemar Roth. Explica que a colheitadeira também aceita que o milho seja jogado de forma manual, então, ele, o pai e mais dois ajudantes, juntavam o milho caído e ele o jogava na máquina. “O produtor rural deveria ter suas horas para trabalhar, porque, quando tu chegas a ficar cansado, teus reflexos mudam, e nós fizemos isso o dia inteiro”, diz. Em um momento, a máquina não aguentava mais tanta recepção dos pés de milho, então, o ex-produtor rural decidiu jogar com mais inten-
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sidade para ver se o grão entrava na máquina. “Na terceira tentativa, com toda a força, eu joguei e a máquina aceitou, mas eu não consegui voltar para trás e ela pegou meu braço”, relata o ex-agricultor. Forte, ele não desmaiou, estava totalmente consciente. Após a tragédia, seu corpo foi tomado por uma adrenalina. “Na tua cabeça passa um filme de três estágios: o que tu fizeste? O que tu deverias ter feito e o que tu queres fazer? ”, reflete. Edemar e um dos funcionários correram para a casa da família para pegar o carro e ir para o
“Na terceira tentativa, com toda a força, eu joguei e a máquina aceitou, mas eu não consegui voltar para trás e ela pegou meu braço”
ALEXANDRE ROTH Ex-agricultor
hospital. Um casal de ajudantes, já de certa idade, ficou no local do acidente e ligou para o Serviço de Atendimento Móvel de Saúde (Samu). Saber que apenas 15 centímetros do seu braço foi o que restou dói na alma. Dói no coração. Mas é uma dor que Alexandre enfrentou. Ao longo do percurso até o hospital, o ex-produtor se manteve firme. De todos que acompanharam o caso, o próprio Alexandre era o único que estava tranquilo, mantendo a calma e brincando. “Eu disse para o meu chacreiro: nós vamos tentar nos salvar, nós vamos ao encontro para tentar viver. Se Deus me chamar, tenho que aceitar. Mas, se Ele me chamar, tu tens algum recado
pra Ele? Aproveita que, quando eu chegar lá, passo pra ele”, conta, entre risos.. No Hospital Santa Cruz, ele foi encaminhado para o bloco cirúrgico. Não lembra quanto tempo ficou lá, mas lembra de ter nascido de novo. Edemar, sentado ao lado do filho, conta quais foram as palavras de conforto que recebeu do médico após a cirurgia. “O médico disse pra mim: teu filho nasceu novamente. Quando nasce pela primeira vez, o filho vem com dois braços. Agora, o teu nasceu pela segunda vez, mas só com um. Então eu peço para que vocês olhem para ele com uma cara boa, pois ele se vira com a nova vida”. A NOVA VIDA A recuperação foi mais rápida que o estimado. Era para Alexandre ficar 48 horas no hospital, mas ficou menos de 24. “A minha cabeça me dizia que eu era uma pessoa normal. Talvez ela pense assim até hoje, pois ela quer a minha outra maneira. A depressão passou bem longe de mim, pois eu logo aceitei minha situação”, conta ele. Ativo, ele não quer ficar parado. Apesar das limitações, está sempre procurando algo para fazer, pois, de acordo com suas palavras, não pode ficar entre quatro paredes, senão tudo o que come, vira gordura. Assim, ele faz caminhadas. Na roça, o terreno não é plano e, por vezes, ele cai. Como a família é produtora de leite, ele não pode mais carregar o balaio e cortar pasto para as vacas, nem pôr em prática o que aprendeu nos cursos que realizou. “Eu tento viver tranquilamente, como uma pessoa normal. Tenho que aceitar a minha situação. Quando eu me acidentei, logo pensei que, se Deus me mandou aquilo, eu tinha que aceitar. Como sou preguiçoso, não deixo cair a cruz para não ter que juntar, já fui logo aceitando - ri -, essa foi minha motivação”, finaliza.
Apesar de ter a vida
FOTO MARTINA FERREIRA STURM
Onde o trabalhador rural pode procurar ajuda Apesar da evolução das condições de trabalho no campo, a saúde dos trabalhadores rurais ainda apresenta complicações. De acordo com o coordenador do Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador da Região dos Vales (Cerest Vales), Luiz Henrique Paim da Rosa, os trabalhadores e produtores rurais estão sujeitos a diversas complicações relacionadas ao trabalho no campo. Os problemas vão de tétano, câncer, incluindo o de pele, até intoxicações por agrotóxicos e pela absorção dérmica da nicotina presente na folha do tabaco verde (doença da folha verde do tabaco). Só no ano de 2017, houve 868 registros pelo Cerest. Na região que abrange o Cerest (68 municípios da macrorregião dos vales do
Rio Pardo, Taquari e Jacuí), os problemas de coluna são os mais frequentes, e quem mais busca ajuda são as mulheres. Luiz explica que, no estado, todos os agravos relacionados ao trabalho (acidente/ doença) a notificação é obrigatória. Isso significa que, todos os serviços de saúde, ao realizar atendimento ao trabalhador e identificar ligação com o trabalho, devem realizar notificação em sistemas específicos, como o Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador (SIST) ou o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Apesar disso, não há uma estimativa em números de quais são os mais graves problemas encontrados na região nem um percentual de mortes no campo.
Quem tem a missão de representar o trabalhador O sindicato, entidade representativa dos trabalhadores e agricultores familiares, oferece auxílio à grande parcela da população de Santa Cruz do Sul e região, como encaminhamento de benefícios para o INSS, como aposentadoria, pensão por morte, auxílio doença, acidente de trabalho, salário maternidade. Tudo isso ocorre junto ao Conselho Municipal da Saúde, responsável por pensar em ações para ajudar pessoas que residam no meio rural. A assistente social do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Salete Faber, relata que muitos produtores contam
com o auxílio de estratégias de saúde da família, outros, dependendo da região, são atendidos em postos de saúde, mas muitos vão no próprio sindicato para consultar, pois têm essas instituições como referência. Um dos principais projetos do sindicato é sobre saúde da pele, com distribuição gratuita de protetores solares. Para que o produtor tenha o seu protetor, é necessário que vá até o Sindicato para efetuar um registro e fazer a retirada do produto. Salete estima que há mais de 100 procuras por dia pelo auxílio.
VOCÊ CONHECE OS SERVIÇOS DE SAÚDE PRESTADOS PELO SINDICATO -Saúde odontológica; -Serviço social (ações nas comunidades rurais dos produtores): - Palestras com temas de interesse do produtor; - Tirar dúvidas; - Discussão da qualidade de vida no meio rural; - Saúde do homem; -Atendimento psicológico; -Fisioterapia.
mudada após o acidente, Alexandre mantém o sorriso no rosto 9
EMPREENDEDORISMO NO CAMPO
Ledi Maggioni decidiu abrir uma agroindústria de panificação
O CAFÉ COLONIAL QUE VIROU NEGÓCIO Propriedade no interior de Venâncio Aires recebe turistas para vivenciarem experiências diferentes ROSANA WESSLING rosana.wessling@gmail.com
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ão 10 quilômetros que separam o centro de Venâncio Aires do aconchego proporcionado pela propriedade de uma família empreendedora e sonhadora no interior do município, em Linha Arroio Grande. Um trilho de árvores de pinus, terra de chão batido e o verde mostram a pureza do interior e a simplicidade regada de conforto oferecido pelo casal. A distância relativamente pequena apresenta um contraste imenso entre a urbanização e o campo. A calmaria, o silêncio, o ar puro, recebem os turistas. Assim, são os fins de semana na propriedade de Arno e Ledi Maggioni, no 5º distrito de Venâncio Aires. Essa é uma história não muito tradicional para o campo. Afinal, enquanto Arno investe e luta com o cultivo do tabaco, Ledi trabalha no seu sonho antigo, uma agroindústria de panificação. Há quatro meses, a empreendedora do campo decidiu ousar, abrindo a propriedade aos finais de semana para 10
servir um delicioso café colonial com lembra. A primeira frustração foi no aniversário da primogênita do casal. produtos feitos em casa. “A nossa filha ia fazer um aninho, COMO TUDO COMEÇOU A empreendedora conseguiu rea- eu queria dar uma torta pra ela, mas lizar seu primeiro grande sonho não tínhamos dinheiro e eu não sabia em 2013, com a inauguração da fazer. Foi nesse momento que tomei uma grande deciAg r o i n d ú s t r i a , são, fui aprender a porém, a história fazer torta, em um começou muito curso da Emater”, antes, em 1994. “Mas não queria mais ir comenta ela. Anteriormente, o Depois de muicasal residia em na roça, nesse sol quente, Estância Nova, mexer com o veneno, queria tos cursos e muitos ter meu negócio” produtos que não lado oposto da deram certo, em atual localidade. 1997 Ledi finalJuntos plantavam LEDI MAGGIONI mente começou a fumo. Entretanfazer doces para to, Ledi não estava as festas da comusatisfeita. Então, nidade. “Ali que decidiram não arriscar em algo novo, pois a terra começou tudo, me sentia realizada fanão era própria. Ledi conta que, em zendo os doces, sempre gostei de co1994, adquiriram terras em Arroio zinhar, comecei a fazer cursos e venGrande. “Mas não queria mais ir na der meus produtos”, relata. Em 2000, roça, nesse sol quente, mexer com Ledi visitou algumas agroindústrias o veneno, queria ter meu negócio”, em Santa Catarina e voltou decidida
em firmar um grande sonho: ter seu próprio negócio. “O Arno sempre era contra, ele me dizia ‘tem que plantar fumo, precisamos de dinheiro, isso aí não vai dar certo’, mas eu não gostava de ir na lavoura. No entanto, queria morar no interior, essa paz, calmaria, almejava empreender aqui”, enfatiza a proprietária da agroindústria familiar. A vontade e a coragem foram avançando, os clientes foram chegando, e Ledi conseguiu inaugurar seu espaço em dezembro de 2013, onde desde então ela produz e comercializa seus produtos. Desde lá, os dias e as horas são ao redor de doces, tortas e bolachas. “Faço tudo o que leva farinha”, conta aos risos, satisfeita com o trabalho. Venâncio Aires tem 26 agroindústrias cadastradas, segundo o escritório local da Emater/RS-Ascar. Conforme a extensionista rural de bem-estar social do órgão, Lissandra Rebelatto, as ações turísticas, embora tímidas,
possuem um potencial a ser explorado. “Os aspectos culturais e históricos possibilitam vivências rurais para os visitantes. Ainda precisamos internalizar sobre a valorização deste potencial turístico e despertar para empreender”, enfatiza Lissandra. CAFÉ COLONIAL É SUCESSO Em maio deste ano, a propriedade foi incluída no Tour ‘Bergamoteando de Inverno’ promovido pela Prefeitura de Venâncio Aires, junto da Emater. Na época, aos fins de semana, o casal recebia visitantes para o Colhe e Pague, onde o turista, além de passear e ‘lagartear’ na colônia, podia comprar os atrativos da propriedade, como os panificados de Ledi e as frutas e verduras. Foi ao fim do Bergamoteando que a dona da agroindústria decidiu ousar. Com a ajuda do marido, um quiosque foi construído e juntos decidiram servir um café colonial. Arno continua na lida com o fumo, mas auxilia a esposa nas horas vagas recepcionando os turistas e fazendo o trabalho mais pesado para o pátio, quiosque e horta, deixando Ledi pôr, literalmente, a mão na massa. A ideia de servir o café veio em uma conversa com a coordenadora de turismo do município, Angélica Diefenthäler. “Queremos receber o turista, a família, para tomar um chimarrão, olhar os bichos, sentir essa leveza do interior, e finalizar a tarde com um café colonial com os meus produtos”, comenta Ledi. Assim foi o entardecer para o Clube de Mães Amigas da Natureza, de Estância São José, interior de Venâncio Aires, um grupo de mulheres, com filhos e netos, que fez um tour pelo interior. Elas foram conhecer a Figueira Centenária, em Linha Silva Tavares, e finalizaram a tarde na propriedade do casal Maggioni. Após um café, foram visitar a propriedade, os animais, a horta e conhecer a agroindústria de pertinho. Para Teresinha Schons, presidente da Comunidade de Linha São João,
essa é a forma de juntar a turma e se divertir. “É muito importante a gente se reunir, nosso grupo sempre faz momentos de descontração. Organizamos diversos passeios, vamos à praia, outras cidades, como Gramado e Canela, mas dessa vez decidimos visitar o que tem em Venâncio. Juntamos a mulherada da comunidade e nos divertimos”, comenta Teresinha, que também é uma das organizadoras do passeio. Carla Schons foi uma das integrantes que destacou a ideia positiva e corajosa de Ledi. Ela levou a filha Lívia, de 2 anos, para conhecer o local. “Cada vez mais, as pessoas procuram o interior, e a Ledi soube aproveitar essa chance. Para as crianças é ótimo, tem os animais para olhar, pátio para caminhar, uma infraestrutura boa, e sem dúvidas o café colonial com os produtos da agroindústria fecha o passeio com chave de ouro”, afirma Carla. Ela destaca que, pelo fato de ser fora da cidade, a distância não é empecilho. “Mesmo que seja no interior, na colônia, mais longe da cidade, pra mim não interfere. Eu virei mais vezes, com certeza, é muito bom passar a tarde aqui”, acrescenta. VISÕES DIFERENTES A propriedade dos Maggioni está inserida na Rota do Chimarrão, onde, no futuro, passeios deverão ser organizados. Conforme a coordenadora de turismo, Angélica Diefenthäler, o percurso está aumentando o número de associados. “É preciso trabalhar o conceito de ‘unidos somos mais fortes’. Com o desdobramento da Rota do Chimarrão em diferentes possibilidades de passeios temáticos, o empreendimento da Ledi, um dos únicos de gastronomia colonial e instalado em ambiente rural, tem tudo para prosperar”, enfatiza a coordenadora. Outro diferencial do sítio são as visitas escolares. Ledi conta que os educandários estão organizando passeios no local. Ela faz oficinas com turmas nas quais explica o processo do pão, desde o trigo até o alimento
na mesa. No final da tarde, as crianças saboreiam o produto que fizeram. Além disso, são realizados tours de carroça e contação de histórias em meio à natureza, visitas à horta, pomar, galinheiro, curral, açudes e todos os atrativos oferecidos. Ledi ainda sonha em transformar o local em um sítio pedagógico, um lugar onde crianças aprendem brincando na natureza. Em meio a gargalhadas, a empreendedora destaca que “sonhar não custa, quem sabe um dia”. Para Angélica, a propriedade reúne vários elementos que podem ser trabalhados de forma educativa. “Mas isso exige um profissional preparado para acompanhar as atividades com alunos visitantes e, muitas vezes, o turismo rural não é atividade principal das famílias, muitas dedicam-se à agricultura e falta mão de obra, familiar ou contratada, para qualificar o tipo de segmento a seguir”, comenta. A coordenadora acredita que Venâncio Aires ainda tem muito a crescer no quesito turismo rural. “O município tem uma forte ligação com o seu interior. Muitos que moram na cidade têm ou mantêm vínculos familiares com a colônia. Precisamos atrair o público urbano das regiões vizinhas e grande Porto Alegre. Para isso, é necessário o amadurecimento dos próprios empreendedores, muita dedicação, persistência e estar atento ao mercado consumidor”, diz acrescentando que é necessário observar como se comporta o consumo de lazer. Mas, segundo Angélica, o Município vem trabalhando em equipe e pensando em ações de fortalecimento do turismo rural em parceria com a Emater. “Eu sou uma entusiasta. Acredito que, num futuro bem próximo, passear no interior será prescrição médica. A sociedade está adoecendo e será preciso uma reconexão com a simplicidade, com a terra e com a natureza. O estímulo vem do trabalho em equipe, poder público, Conselho de Turismo, Ema-
ter, Aturrchim, Rota do Chimarrão e empreendimentos. Juntos, vamos crescendo, procurando alternativas de qualificação e principalmente de encantamento”, reflete. Já em Linha Arroio Grande, Arno continua no tabaco, faz o que gosta, planta e cuida dos seus 25 mil pés de fumo. Ledi empreende no campo, tem a sua agroindústria e, junto com o marido, serve o café colonial. A mulher dinâmica, que começou o negócio fazendo tortas para parentes, hoje vende seus panificados para entidades e famílias carentes através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para escolas municipais e estaduais, feiras no município e junto da sua fábrica, além de servir para grupos, educandários e o café colonial. O casal Maggioni abre a propriedade para receber turistas. “É muito bom receber as pessoas, fazer novas amizades, tomar aquele chima no pátio, na calmaria e beleza do interior, levar eles para vivências que, na cidade, no dia a dia, não são possíveis, e à tardinha ver eles satisfeitos, apreciando o café colonial, que fiz com tanto amor”, finaliza Ledi, que é grata pelas oportunidades e sonha com novas possibilidade no campo.
A CULTURA DO CAFÉ COLONIAL O café colonial faz parte da cultura germânica na cozinha. As mesas são repletas de cucas, pães, schmier, nata, queijo, salame, queschmier, morcela, café e torta. A bancada é sempre farta. A herança veio com os antepassados alemães e, aqui no Sul, se tornou comercial devido à procura de viajantes e turistas. A Agroindústria Panificados Ledi Maggioni fica situada em Linha Arroio Grande, a 10 quilômetros do centro de Venâncio Aires. O café colonial é servido mediante agendamento pelos telefones 51 99789-9071 ou 51 99337-0653. As visitas de escolas, clubes de terceira idade e famílias também precisam ser programadas. Mais informações na página do Facebook “Agroindústria de Panificados Caseiros Ledi Maggioni”. 11
EMPODERAMENTO RURAL
MULHERES NO CAMPO: UMA LUTA POR RECONHECIMENTO Preconceito velado na Agricultura Familiar é base para a desigualdade de gênero MARCELA SCHILD marcelaschildp@gmail.com FOTOS MARCELA SCHILD
Cristina e Catiucia na horta orgânica da Efasc
A
agricultura familiar, um movimento composto por diferentes culturas e práticas, é responsável pela produção de aproximadamente 50% dos alimentos consumidos no Brasil, segundo o censo da Emater 2017. Sendo assim, a participação feminina no processo agrícola é um fato. Contudo, para atingir a igualdade de gênero é necessário desmistificar estigmas sociais em torno da figura da mulher no meio rural. Cerca de 45% dos alimentos produzidos no país são provenientes de mãos femininas, além disso, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 90% do que elas lucram é investido na própria família. Os números reafirmam que, além do plantio, cultivo e colheita, a mulher do campo é essencial para o gerenciamento da vida. Um papel complexo, que vai desde o trabalho árduo na lavoura até a administração do lar. Dotadas de conhecimento empírico e ancestral, elas observam a lua para plantar, analisam se a água está adequada para o consumo, preparam os alimentos e são engajadas com cada detalhe de suas propriedades. Desde os primórdios da agricultura, as mulheres contribuem para a subsistência da família, desempenhando um papel fundamental no que diz respeito à riqueza social e produtividade. Mas, condicionadas a uma sociedade machista e patriarcal, seu trabalho, considerado secundário, ocupa posição inferiorizada. Os papéis que são reservados às mulheres são limitados, afinal, a herança cultural do preconceito de gênero ainda é latente. Além das diferenças fisiológicas, existem as 12
estruturações sociais entre homens e mulheres, guiadas por hierarquias de poder, renda e status. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, disse a filósofa Simone de Beauvoir. Hoje, sua frase ganha um novo significado pela segregação de gênero. Enquanto o homem recebe posição de destaque no campo, com seu trabalho percebido e valorizado, a mulher continua sendo submetida ao preconceito velado. A segregação é marcada pelo reconhecimento que nunca vem, pela falta de apoio nas atividades realizadas. Catiucia Luisa Neitzke, de 17 anos, estudante da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC), está ingressando no meio e já compreende as dificuldades da jornada dupla que as mulheres rurais enfrentam. “Hoje, praticamente, é a minha mãe quem toca a propriedade sozinha. E, para ajudar, eu tomo conta da casa e da minha irmã”, conta. Percebendo na figura materna uma forte referência, ela sente sorte por poder contar com o auxílio e o apoio dos pais. Articulada e responsável, a jovem administra parte da propriedade para executar o que aprende em aula e, também, auxilia no trabalho doméstico para que os pais possam trabalhar na lavoura. “Depois que entrei aqui na escola, eu comecei a me valorizar mais como mulher e isso ampliou minha visão de mundo. Mas, na agricultura em si, pouco se fala sobre o trabalho doméstico”, diz Catiucia. As atividades do lar são a base da agricultura familiar, mas seguem invisíveis, pouco ou nada remuneradas e destituídas de reconhecimento social. Fica implícito, desde cedo, que essas tarefas
são obrigações da mulher e, portanto, não existe espaço para debater sobre divisão de trabalho ou de lucratividade.“Alguém precisa estar cuidando da casa, das crianças que não têm como ir para a roça. Esse trabalho é essencial para a manutenção da agricultura, porque as produções são intensivas”, explica a coordenadora pedagógica da Efasc, Cristina Vergutz. Embora não exista produção sem que o trabalho doméstico esteja sendo realizado em conjunto, ele não é reconhecido como parte de um todo. Ao longo da história, as mulheres sempre trabalharam duro, mas raramente suas atividades foram percebidas como algo além de ‘ajuda’. A desigualdade está intimamente conectada a este conceito, já que nem mesmo a agricultora consegue perceber suas atividades como dignas. Ainda que as agricultoras trabalhem cerca de 12 horas semanais a mais que os agricultores. “Quando falamos em agricultura familiar, é necessário compreender que ela é complementar. A mulher trabalha tanto quanto o homem, precisamos quebrar a lógica do que é trabalho pesado ou leve. Se for analisar isso, muitas vezes a sobrecarga do trabalho fica para a mulher, que tem que conciliar o cuidado da lavoura com o da família”, ressalta Cristina. Compreender esse cenário é fundamental para que a figura da mulher do campo seja reconstruída e ganhe força. Afinal, enquanto suas tarefas forem reduzidas, não existirá independência financeira: se o trabalho feminino não é igualmente remunerado, a liberdade de gênero é, apenas, um discurso.
FOTOS GABRIEL RODRIGUES
AGRICULTURA FAMILIAR
DO CAMPO À MESA Histórias de famílias que fazem da agricultura um meio de sustento e propiciam um elo de integração saudável na cidade GABRIEL RODRIGUES gabriel@tudoimproviso.com.br
“Antigamente não existia leite de caixinha, e era caro”, diz Beto
A
lém de nutrir os laços familiares no meio rural, há quem faça deste a sua principal fonte de renda. Mas, essa relação já ultrapassa o viés econômico. No Brasil, 70% dos alimentos que chegam à mesa dos consumidores têm origem em propriedades voltadas à agricultura familiar, de acordo com Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Em Cachoeira do Sul, no Vale do Jacuí, a prática vem se expandindo rapidamente, sendo a base de sustentação de muitos lares. Em abril deste ano, a Secretaria Municipal de Educação do município distribuiu 45 toneladas de alimentos adquiridos, através de produtores, para mais de seis mil alunos de escolas municipais de ensino. Desde 2009, a lei nº 11.947 determina que no mínimo 30% do que é adquirido para a merenda nas escolas públicas deve ser comprado da agricultura familiar. Outras iniciativas, como a Feira Livre Municipal e a Feira da Agricultura Familiar, contribuem para o encontro da comunidade com a produção familiar, o que incentiva uma transformação saudável no prato. DE GERAÇÃO A GERAÇÃO No final da década de 1950, Elizeu Silveira já atuava como vendedor de leite em carroça com distribuição em residências de, pelo menos, cinco bairros do município de Cachoeira do Sul. Desta função, tirava o sustento da família de 15 filhos. “Ele saía debaixo de sol, de chuva, que nem eu, todo dia”, recorda-se um dos filhos, o trabalhador rural aposentado Carlos Alberto Goulart Severo, de 67 anos. A exemplo do pai, Beto, como é conhecido, atuou no campo durante toda a vida, dedicando um breve período de tempo ao setor industrial e como capataz de fazenda no distrito de Bexiga, em Rio Pardo, onde residia. Mais tarde, foi cuidar do pai na chácara vizinha, na localidade da Volta da Charqueada. Doente e viúvo, seu Elizeu, aos 80 anos, desistiu de exercer a atividade, a qual começou a desempenhar precocemente, aos nove anos, e, em 2014, faleceu. Assim, Beto assumiu a profissão do pai, estabelecendo a mesma rotina de trabalho no encalço da antiga rota de entrega de leite, de carroça ou de carro de manhã cedo. “Todos os filhos cresceram ajudando ele, mas não é fácil. Só indo fazer o que ele fez para saber”, reconhece. Após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) há quatro anos, Beto sofre com os efeitos da paralisia no lado direito do corpo, mas a doença não o impede de continuar na ativa, embora tenha encontrado dificuldade nos meses iniciais de reabilitação. Neste meio tempo, quem assumiu o trabalho foi a esposa Alcenira, de 63 anos, que é aposentada e também foi vendedora de leite de carroça no passado. Hoje, ela encontra-se em tratamento de um câncer de mama que descobriu há dois anos, mas garante: “Está tudo bem”. Beto, no entanto, se dedica em paralelo ao enfrentamento de outro vilão: o câncer de próstata. Com poucas sequelas do AVC, segue com
o comércio e mantém alguns clientes fixos. “É um serviço ‘brabo’, mas vale a pena. Nos ajuda a compreender os bichos e seus limites, e eles nos compreendem”, fala Beto, ao mostrar o xodó da família, o cavalo Moro, já com 16 anos. “Ele foi o responsável por trazer o pão para a nossa mesa nesses anos todos. Sempre bem cuidado, assim como nossos outros animais”, comenta ele, que também se dedica à prestação de serviço, como tratorista, nos campos vizinhos das redondezas. FORÇA FEMININA Mere Morales Savedra, de 51 anos, vive desde a infância no campo e orgulha-se de sustentar a família à base da agricultura familiar há mais de três décadas. “Vendo meus produtos na Feira Livre Municipal, na Feira da Agricultura Familiar, Casa das Trabalhadoras Rurais, em eventos e nos arredores”, conta ela. Apesar das dificuldades que enfrenta diariamente para manter a produção, como a distância e a falta de apoio técnico e do poder público, Mere permanece firme com seu negócio e seu amor à profissão. Produtora de orgânicos, ela garante que a agricultura familiar é um bom negócio. “A sustentabilidade da agricultura passa pela mão da agricultura familiar”, reflete. Mere salienta também sua consciência ambiental e seus impactos ao meio ambiente e à saúde: “Plantamos e trabalhamos na terra com menos interesse financeiro, fazendo dela a nossa aliada através do resultado de produção. Na minha propriedade, veneno entra só no controle do carrapato do gado, em último caso”, afirma a agricultora. SOBRE A FEIRA DA AGRICULTURA FAMILIAR No aspecto social, a Feira da Agricultura Familiar promove “o rompimento da cultura individualista e a dificuldade de trabalhar em grupo, dividir espaço e de compartilhar experiências, além de firmar o protagonismo da mulher na agricultura”, destaca a coordenadora e professora adjunta em Desenvolvimento Rural Chaiane Leal Agne, de 36 anos, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). “Se trabalhassem de forma conjunta, as dificuldades seriam menores. É um desafio a ser vencido, da cultura do cooperativismo. De modo a superar as dificuldades de acessar o mercado, o mapeamento dos custos e de promover a educação financeira”, frisa. 13
PERDAS NO CAMPO FOTO KAROLAINE PEREIRA
O QUE TRAZEM OS VENTOS DE UM TEMPORAL Agricultores que perdem tudo precisaram se reerguer por meio do trabalho duro da lavoura KAROLAINE PEREIRA karolayne.pereira@hotmail.com
A
tarde de outubro de 2017 estava ensolarada, o sol forte refletia nas lavouras de fumo e intensificava o verde das folhas. Era um dia de muito calor na localidade de João Maura, interior de Rio Pardo. Os produtores rurais Alexandro Rabuske, de 34 anos, e Joseani Haass Rabuske, de 30, aproveitaram o dia e almoçaram em casa com os filhos pequenos, Stefanny de 7 e Brenno Rabuske de 1. A naturalidade daquele domingo antecedia as semanas de terror que viriam pela frente. O casal que nasceu e cresceu no meio rural seguiu os passos dos pais no cultivo do fumo. Casados há 13 anos, eles tiram o sustento da família da lavoura. Em 2017, plantaram 140 mil pés de tabaco. Conforme Alexandro, aquele era um ano de grande expectativa para os produtores, pois as vendas prometiam ser positivas, além disso a plantação crescia bonita. Naquela tarde, por volta das 17 14
horas, o casal recebeu a visita de vizinhos e com eles caminharam nas lavouras para ver como estava a plantação. Cerca de 30 minutos depois, Joseani foi até a casa da mãe e Alexandro ficou na moradia do casal. Em uma reviravolta súbita, o céu começou a escurecer e de repente uma ventania atingiu a região. O vento forte antecedia uma chuva de granizo, que, no fim, arrasou com 100% da plantação de tabaco dos agricultores. O pânico tomou conta do casal e de todos os outros moradores da localidade – que é composta por produtores de fumo. Alexandro estava olhando o temporal pela janela da cozinha. “Eu imaginei
que pudessem ocorrer estragos, mas não acreditava que iria perder tudo”, lamenta ele. As pedras caíam na rua e aumentavam o nível de medo do produtor. Cerca de 17 minutos depois, o temporal parou. O tempo se abriu e a realidade ficou visível para os agricultores. “Olhei na janela e vi só os talos dos pés de fumo. Abri o portão dos fundos e, meu Deus, não tinha mais nada”, comenta Alexandro. Joseani estava na casa da mãe no momento do temporal. “Em questão de minutos, vi a gente ficando sem nada e perdendo tudo que trabalhou debaixo de sol e chuva”, relata a agricultora. Após ver os estragos e perceber
que nada mais poderia ser feito, o sentimento de tristeza invadiu os produtores. “Pensei em me entocar em algum lugar. Na hora dá vontade largar tudo. Olhar para cerca de 100 mil pés de fumo e não ter mais nada e nem saber o que fazer. É triste!”, conta Alexandro. Os dias que vieram depois do temporal foram os piores. Eles não sabiam o que fazer. Foi a primeira vez que perderam tudo. “No outro dia, a gente tava desorientado, desanimado, não sabíamos como agir. Eu não tinha nem vontade de comer”, conta Joseani. Conforme o produtor, o casal esperava arrecadar cerca de R$ 200 mil com os 140 mil pés de tabaco da plantação. O dano do temporal causou prejuízos financeiros e emocionais para a família, que precisou manobrar para quitar as dívidas e bancar e próxima safra. Tendo amparo do seguro da As-
FOTO KAROLAINE PEREIRA
sociação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), a família conseguiu recuperar em torno de R$ 97 mil. No entanto, boa parte do dinheiro foi usado para pagar as contas da safra. Embora tenha durado apenas alguns minutos, a tempestade teve tempo suficiente para causar um prejuízo enorme nas plantações de tabaco do Vale do Rio Pardo. Segundo o gerente técnico da Afubra, Paulo Vicente Ogliari, no temporal do ano passado, 1380 produtores foram atingidos na região. Em Rio Pardo, o casal Rabuske fez parte dos 544 agricultores prejudicados. A FORÇA PARA SE RECUPERAR Vivendo a vida inteira do cultivo de tabaco e conhecendo a dureza do trabalho no campo, a família teve que juntar forças para reerguer o que perdeu e planejar uma nova safra. Cerca de uma semana depois da tempestade, o casal ainda estava desorientado. No entanto, encontrou amparo nas orientações de instrutores de fumageiras. “A gente não sabia por onde começar, o que seria mais certo, seguimos as instruções dos instrutores, que conheciam pessoas que já tinham passado por isso”, conta Alexandro. Sabendo que outras pessoas passaram pela situação e conseguiram recuperar, a família criou um novo ânimo para trabalhar. Eles optaram por cortar os pés de fumo e deixaram vir novos brotos. Embora o trabalho tenha sido redobrado, eles conseguiram recuperar cerca de 60 mil pés de tabaco. “Com o passar das semanas, conseguimos nos animar de novo”, conta Alexandro. Agora, um ano após perderem tudo, os produtores já iniciaram uma nova colheita de tabaco. O temporal passado ficou na lembrança e na preocupação a cada tempo feio. Eles
Casal plantou 140 mil pés neste ano e espera um retorno positivo plantaram 140 mil pés de fumo novamente e a estimativa é que a safra deste ano seja positiva. No dia 30 de outubro deste ano, o tempo voltou a se fechar no Vale do Rio Pardo e o medo dos produtores foi constante. Por sorte, o município de Rio Pardo não foi atingido pelo granizo naquele dia. A SORTE NÃO É PARA TODOS Mesmo depois do vento ter trazido prejuízos na safra de 2017, este ano prometia ser bom para os produtores rurais Joniaria Baierle de Moura, de 59 anos, e Terlei de Oliveira de Moura, de 44, moradores da Linha Canto do Cedro, no interior de Venâncio Aires. O casal estava cultivando 60 mil pés. “Plantamos fumo há 25 anos
e essa era a safra com as lavouras mais lindas que já tivemos”, comenta Joniaria. No entanto, a expectativa do casal não foi suficiente para deter o temporal de granizo que atingiu o município no dia 30 de outubro deste ano. “Pedra, vento e chuva. Uma coisa muito feia. Achamos que íamos ficar sem casa”, comenta a produtora. Por sorte, apenas uma telha do galpão e uma pequena parte do telhado da casa foi danificada. Na data, os moradores de Venâncio Aires viram, nas lavouras, apenas os restos de um ano inteiro de trabalho. Pela primeira vez, a família tinha perdido tudo. O sofrimento de ter tido a plantação atingida pelo vento no ano
passado nem havia sido superado. No entanto, em 2017 o fumo ainda podia ser vendido. Agora, o casal que tinha estimativa de receber R$ 99 mil com a safra não tem mais renda. Embora a lavoura fosse segurada, o valor não é suficiente para cobrir todas as dívidas. Conforme Joniaria, eles estão trabalhando no fumo seco de vizinhos. Além disso, o marido faz bicos no corte de lenha para complementar o sustento. “Não é fácil, umas quantas vezes dá vontade chorar. Mas não adianta chorar, tem que se agarrar com Deus”, desabafa a agricultora. A mesma situação está sendo vivenciada por outros fumicultores de Venâncio. Segundo a Afubra, foram 798 produtores atingidos no município. FOTO FERNANDA MOURA
Agricultora tenta se reerguer para o próximo ano 15
Jornal Laboratรณrio do curso de Jornalismo da UNISC