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Reportagem
by Acervo A4
PRÁTICAS E TERAPIAS ALTERNATIVAS AJUDAM A DIMINUIR O CONSUMO DE MEDICAMENTOS
Brasil está entre os 10 países que mais consomem medicamentos no mundo; diversas atividades buscam mudar este cenário
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Cultura do consumo do medicamento.
Marília Schuh
mariliaschuh@hotmail.com
Quinto país com o maior território do mundo, o Brasil, segundo dados do Conselho Federal de Farmácia, também integra outro top 10: o de países que mais consomem medicamentos no planeta. Hoje, o país ocupa o sexto lugar no ranking, ficando atrás de nações como Rússia, Estados Unidos e China – que, aliás, em termos de território, são maiores que o Brasil. Ainda, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no mundo a indústria farmacêutica movimenta até cerca de 300 bilhões de dólares por ano. Este é um fato que pode ser explicado porque o consumo de medicamentos hoje no país já se tornou cultural. Quase todo mundo tem ou conhece alguém que tenha uma “farmacinha” em casa; seja ela aquela caixa dentro do armário da cozinha, uma gaveta no armário do banheiro, e até mesmo a própria bolsa ou carteira que são carregados no dia a dia. Quem, afinal, nunca tomou um remédio, por conta própria, para dor de cabeça? Ou, porque um amigo/conhecido disse que era eficaz, você também experimentou? Muitos destes medicamentos, inclusive, já passaram da data de validade, mas continuam lá e geralmente seguem sendo utilizados uma que outra vez. Além disso, o fácil acesso a medicamentos - tendo em vista que muitos não precisam nem de receita para ser adquiridos nas farmácias - e, em contraponto, o difícil e precário acesso à saúde pública e a boas condições de vida, também contribuem para isso. De acordo com estimativas da OMS, cerca de 50% dos brasileiros usuários de medicamentos o faz de forma incorreta. Outro fator que pesa na hora de se automedicar é o acesso fácil e rápido a informações, através da internet, por exemplo. Antes, estas informações só poderiam ser descobertas através de uma consulta médica. Especialistas ressaltam, contudo, que os medicamentos representam um avanço importante da ciência, principalmente para doenças graves ou crônicas, como doenças cardiovasculares, hepatite, diabetes, hipertensão e câncer. É o uso que se faz dos remédios, no entanto, que merece atenção.
SEMANA DO USO RACIONAL DE
MEDICAMENTOS Instituída em 2014, sob a Lei nº 14.627/14, a Semana do Uso Racional de Medicamentos acontece, no Rio Grande do Sul, sempre entre os dias 5 e 11 de maio, todos os anos. Faz parte do calendário oficial de eventos do estado. Através de uma série de eventos e atividades, o período visa alertar sobre os riscos de se automedicar e conscientizar a população a respeito da correta utilização de medicamentos.
O QUE ESTÁ SENDO FEITO PARA MUDAR ESTE CENÁRIO?
Este uso de forma indevida, em excesso ou quando não há necessidade, potencializado pelo difícil acesso a boas condições de vida e aos serviços de saúde pública do país, não traz nenhum tipo de benefício para a saúde. Na Europa e nos Estados Unidos, o uso incorreto de medicamentos é a terceira maior causa de morte, em decorrência, muitas vezes, de efeitos colaterais e intoxicações; perdendo apenas para doenças cardiovasculares e câncer. Já no Brasil, segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, a automedicação levou para o hospital mais de 60 mil brasileiros entre os anos de 2010 e 2015 – período em que foi feita a análise. Com isto, propostas para diminuir o consumo de remédios no Um dos motivos, aliás, que mais levam as pessoas a se automedicarem, quando o assunto é bem-estar e saúde mental, por exemplo, está diretamente relacionado com a forma de vida de cada indivíduo. Num mundo onde tudo acontece ao mesmo tempo, no qual as pessoas recebem informações de todos os lados e estão em vários lugares ao mesmo tempo – principalmente por causa das redes sociais, internet e conectividade de forma geral -, fica difícil manter a calma e não deixar a ansiedade dominar. E a ansiedade é, de acordo com a terapeuta ocupacional Marina Severo Jantsch, um dos principais motivos que levam as pessoas a tomarem remédios por conta própria ou de maneira excessiva e incorreta. Segundo a profissional, já se tornou cultura em nosso país, e também no mundo, a automepaís estão sendo colocadas em prática nos últimos anos. Entre os recursos, o governo busca controlar e até vender de forma fracionada alguns medicamentos nas farmácias; além de melhor informar a população, através de campanhas publicitárias, publicações na internet e até mesmo através da Semana do Uso Racional de Medicamentos (veja box), instituída em 2014 e que ocorre sempre entre os dias 5 a 11 de maio, todos os anos. Até a Organização das Nações Unidas (ONU) incentiva as pessoas a buscarem mais qualidade de vida, saúde e bem-estar. Em 2015, os 193 países membros da ONU - entre eles, o Brasil – concordaram e se predispuseram a ir em busca do cumprimento dos dicação. “As pessoas querem se anestesiar de tudo. Então, se eu estou ansioso, eu não quero sentir esse sentimento, não quero essa reação no meu corpo, quero me privar; então vou me medicar”, exemplifica. A ansiedade, contudo, também pode ser boa em alguns casos. “Inclusive nos torna muito prudentes, nos faz nos antecipar em determinadas situações, nos ajuda a nos orientar e nos planejar melhor. Então ela não é de todo mau, pode ser boa também”, afirma Marina. Portanto, se a ansiedade pode ser algo bom, “por que a gente quer se livrar desse sentimento?” A terapeuta ocupacional responde: “porque não queremos aprender a lidar com ele”. Conforme a profissional, ainda é importante ressaltar que o medicamento vai tratar, no todo, os sintomas apresentados, o que o 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. Destes objetivos, fazem parte melhorar a saúde e o bem-estar da população, promovendo “a saúde mental e o bem-estar” e reforçando “a prevenção e o tratamento do abuso de substâncias”. Para saber mais sobre os outros
COMO EU POSSO MUDAR ESTE CENÁRIO NA MINHA SOCIEDADE?
ODS, acesse o QR Code abaixo. corpo manifesta, e não a causa do problema. “E, se não tratarmos a causa, a origem do problema, ele vai permanecer sempre ali, e só tende a aumentar”, frisa ela. De acordo com Marina, nada exclui o diagnóstico da necessidade do medicamento. “Mas a gente pode minimizar, fazendo com que interfira o menos possível em nossa vida, para que possamos ter qualidade de vida”, declara. No entanto, como combater o consumo excessivo e incorreto de medicamentos? Hoje, já existem inúmeras formas de tratamentos e atividades práticas, muitas vezes coletivas - como ioga, meditação, acupuntura, ginástica, pilates, entre outras -, que podem ser realizados no dia a dia de forma frequente e natural, e que, afinal, ajudam a ter uma vida mais saudável. São os chamados tratamentos alternativos.
Em Venâncio Aires, município do Rio Grande do Sul, a Secretaria de Saúde já atua com o objetivo de modificar essa cultura de automedicação e consumo de remédios de forma excessiva e incorreta, através do projeto de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs), aplicado na cidade. Conforme explicam o Secretário de Saúde do município, Ramon Schwengber, e a psicóloga e residente em saúde coletiva pela Escola de Saúde Pública, Nívia Duarte, a Secretaria de Saúde, juntamente com os grupos de educação em saúde, atuam também na prevenção, com grupos de atividade física e dança, principalmente voltado ao público feminino. “É de extrema importância o fortalecimento dessas práticas, já que elas contribuem para o processo de educação em saúde da população, ampliando o olhar para o contexto e particularidade de cada indivíduo; não somente focando na doença, mas priorizando a promoção da saúde”, ressalta Ramon. Na cidade, os tratamentos alternativos mais procurados pela população são auriculoterapia - é um dos ramos da acupuntura destinado ao tratamento das enfermidades físicas e mentais por meio de estímulos nos pontos nervosos da orelha -, meditação, grupos de dança e atendimento psicológico (foto).
QUAIS SÃO OS MEDICAMENTOS QUE OS BRASILEIROS MAIS CONSOMEM?
Anticoncepcionais; Anti-inflamatórios; Analgésicos; Antibióticos; Descongestionantes nasais.
Imagem: Reprodução Internet
E SERÁ QUE FUNCIONA MESMO?
Quem é adepta de uma das inúmeras opções de práticas mais naturais, que prometem mais saúde e melhora do bem-estar, da saúde mental e da qualidade de vida, é Emilly Schaff, de 18 anos. Praticante de meditação e reike há mais de três anos, Emilly relembra que tudo começou porque não se sentia mais bem consigo mesma. “Sentia as coisas com muito mais intensidade, principalmente as coisas ruins que aconteciam ao meu redor”, conta. Em decorrência de alguns acontecimentos pessoais durante sua infância e adolescência, como bullying, por exemplo, a jovem revela que isso pesou muito durante seu crescimento e amadurecimento. Tanto, que, ao não conseguir esquecer e deixar para trás os xingamentos, insultos e o sentimento de exclusão por questões de aparência, ela desenvolveu um quadro de ansiedade, síndrome do pânico e, por fim, depressão. “Fiz acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Cheguei a tomar dois tipos de remédios antidepressivos. Foi importante, para mim, fazer esse tratamento com a ajuda dos remédios. Mas eu sabia que o remédio não ia me curar, só iria diminuir os sintomas, as crises”, reforça ela. Foi por interesse de saber como curar os sintomas de uma vez por todas que Emilly chegou até as terapias alternativas. “Quando percebi que precisava de ajuda profissional para aprender a lidar com o misto de sentimentos ruins que eu tinha, comecei a pesquisar sobre psicologia e terapeutas”, relata a jovem. Os resultados foram extremamente positivos.“Hoje vivo em paz, me respeito e respeito os meus sentimentos também. Aprendi a me priorizar, me amar, não me criticar. Hoje eu tenho força de vontade, ânimo para correr atrás dos meus sonhos, e não desistir. Não desistir de mim”, revela Emilly. O estilo e a qualidade de vida de Emilly mudaram tanto que hoje ela é estudante de terapias holísticas, extremamente interessada em saber mais sobre estas práticas alternativas. Seu plano, para um futuro próximo, é começar a cursar Psicologia e, desta forma, ajudar outras pessoas. “Espero poder ajudar alguém através disso, assim como um dia fui ajudada, assim como um dia fui salva”, reflete a jovem.
AGROECOLOGIA: SAÚDE E SUSTENTABILIDADE DA PRODUÇÃO AO CONSUMO Conheça iniciativas de produção e consumo conscientes em prática no
Na produção agroecológica, a adubação é feita com recursos encontrados na própria propriedade, garantindo alimentos sadios e nutritivos
Kimberly Lessing
kimberlylessing@outlook.com
Não gostava de trabalhar com agrotóxicos e se sentia mal após aplicá-los na lavoura. Foi esse o motivo que levou o agricultor familiar santa-cruzense Perci Darcísio Frantz, 47 anos, morador de Linha São Martinho, a abandonar a cultura do tabaco há cerca de 28 anos. Assim, começou a produzir alimentos com base nos princípios da agroecologia, caracterizada pelo não uso de agroquímicos, os quais, segundo dossiê publicado em 2015 pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), podem causar intoxicações, doenças crônicas e alguns tipos de câncer, além de poluir a água, o solo e o ar. Hoje, Frantz se dedica à fruticultura, produzindo basicamente
Vale do Rio Pardo banana e cítricos, e trabalha com mais tranquilidade por não precisar lidar com produtos perigosos. “Quem está produzindo não se intoxica e para quem consome é ainda mais importante. Você compra esse alimento para que te traga saúde. Se está contaminado não vai fazer o efeito que se espera”, explica ele. O produtor agroecologista recebe assessoria técnica de profissionais autônomos da área, bem como da Emater/RS-Ascar. Associado à Cooperativa dos Produtores de Venâncio Aires (Cooprova) e à Cooperativa Regional de Alimentos Santa Cruz (Coopersanta), há seis anos possui o Sistema Participativo de Garantia da Rede Ecovida de Agroecologia, certificação orgânica que o ajuda a comprovar a procedência dos alimentos e garantir a inserção no mercado. Quem também possui essa certificação é o casal Lori e Clécio Weber, de Vila Santa Emília, em Venâncio Aires. Os dois se dedicam à produção agroecológica há cerca de 30 anos e, procurando práticas alternativas de agricultura, conheceram o Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa). Ligada à Igreja Evangélica Luterana no Brasil (IECLB) e com atuação nos estados do sul do Brasil, a ONG incentiva práticas agrícolas econômica e ecologicamente sustentáveis, oferecendo assessoria técnica para as famílias do campo. 9
O núcleo de Santa Cruz do Sul do Capa orienta as atividades dos produtores agroecológicos do Vale do Rio Pardo associados à Cooperativa Regional de Agricultores Familiares Ecologistas (Ecovale), da qual Lori é a atual presidenta.Desde 2012, na propriedade do casal o carro-chefe é a agroindústria de derivados de cana-de-açúcar, com produção de açúcar mascavo, melado e schmier colonial, comercializados na loja da cooperativa Ecovale. Também plantam milho, feijão e hortifrútis. “Dá em torno de 50 a 70 variedades durante o ano, de acordo com a sazonalidade”, conta Weber sobre a diversidade de espécies que ameniza os impactos das intempéries climáticas. Tanto na produção agroecológica de Lori e Clécio, quanto na de Frantz, o investimento financeiro é mínimo – as sementes para o plantio são crioulas e o combate às pragas e doenças é feito por meio de controles biológicos, caldas repelentes e adubos encontrados na própria propriedade. Assim, a agroecologia proporciona No Brasil, o movimento agroecológico possui forte ligação com a Igreja Católica e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), na década de 1960, mesmo em meio à ditadura militar, favoreceram a organização popular no campo. Assim, as igrejas eram também um espaço de reflexão e análise das questões coletivas, ajudando a planejar ações de enfrentamento dos problemas da comunidade, motivo pelo qual buscavam a viabilização social e econômica da agricultura familiar. Iniciativas como essas motivaram os movimentos sociais que se organizaram na década de 1980, em uma conjuntura favorável segurança alimentar e soberania nutricional, além de não agredir o meio ambiente. Devido a esse conjunto de fatores, conforme Lori, a produção agroecológica requer mais mão de obra. “O pessoal usa veneno, nós o contrário. É tudo com a enxada”, conta a agricultora sobre o controle de ervas daninhas. Frantz, por outro lado, vem desenvolvendo técnicas de manejo que diminuem o trabalho braçal. Praticamente todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento das espécies frutíferas são obtidos por meio da decomposição da matéria orgânica, que ocorre no local. Um exemplo disso é a adubação das bananeiras, cujas folhas são trituradas pelo piolho-de-cobra, um animal invertebrado, com o corpo alongado e cheio de anéis. Depois, esses minerais são usados para fertilizar as próprias plantas que lhes deram origem. Nesse sentido, Frantz diz que os agroecologistas têm autonomia e precisam saber lidar com as adversidades. “Muitas vezes, tu tens que ser meio cientista para resolfrente ao processo de reabertura política. Nesse contexto, surgem as ONGs, entre as quais está o Capa, comprometidas com a promoção da agroecologia e financiadas pelas igrejas. Dessa forma, a década de 1980 foi de construção de uma agricultura alternativa ao modelo implantado a partir da década de 1950, pela Revolução Verde. Os agricultores familiares tornaram-se protagonistas ver o problema, já que tem todo um trabalho focado em produzir convencional”, relata o agricultor. Nessa lógica, segundo Luiz Rogério Boemeke, engenheiro agrônomo do Capa, o maior insumo da agroecologia é o conhecimento. “A agroecologia pressupõe que as pessoas entendam os processos que estão fazendo”, explica. Por isso, antes da pandemia de Covid-19, Lori e Clécio participavam ativamente de encontros sobre agroecologia. “A gente encontra outros produtores, um estimula o outro e descobre novidades”, diz Weber. Assim, a produção de alimentos com base nos princípios da agroecologia vêm crescendo nos últimos anos. De acordo com a Federação Internacional de Movimentos da Agricultura Orgânica (Ifoam), o Brasil é o líder no ramo na América Latina. Em dez anos, entre 2007 e 2017, a área destinada aos alimentos orgânicos no território brasileiro cresceu mais
ORIGENS DO MOVIMENTO AGROECOLÓGICO
de 204 mil hectares. em espaços de experimentação de diversas alternativas técnicas e de organização social como no desenvolvimento de práticas de adubação orgânica, na produção e na guarda de sementes e no resgate do conhecimento sobre as plantas medicinais. Imagem: Arquivo Pessoal/Perci Darcísio Frantz.
PARA SABER QUAIS AS ENTIDADES QUE COMPÕEM A ARTICULAÇÃO EM AGROECOLOGIA DO VALE DO RIO PARDO (AAVRP)
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QUEM FOMENTA A AGROECOLOGIA NO VALE DO RIO PARDO?
A produção agroecológica, além de proporcionar mais saúde para quem produz e para quem consome e evitar a contaminação ambiental devido ao não uso de produtos químicos, confere maior autonomia para o agricultor por este não depender de insumos externos à propriedade. Assim, Frantz, por exemplo, não está sofrendo com a escassez ou a falta de insumos durante a pandemia de Covid-19, ao contrário dos grandes produtores rurais, dependentes de implementos agrícolas vindos do exterior e atrelados a sistemas de crédito internacionais. “A agricultura insumista depende do petróleo que é vinculado ao dólar, então sofre esse impacto”, explica Boemeke. Desse modo, a agroecologia proporciona não só a sustentabilidade ambiental, mas também a social e a econômica. Para fomentá-la, existem, em nível nacional, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, construídos com a participação efetiva de instituições públicas e representantes da sociedade civil. Além disso, no Rio Grande do Sul, existe a Lei n° 14.486, a qual institui a Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica. Mesmo assim, segundo Jaime Miguel Weber, engenheiro agrônomo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Unisc, tais políticas públicas e programas de fomento à agroecologia conservam limitações. “Não basta ter programas e políticas para a agroecologia e a produção orgânica se as ações dos governos não são compatíveis e eficientes para que tenham êxito na sua operacionalização”, diz Weber. Nesse sentido, o movimento agroecológico ainda enfrenta um grande desafio: garantir a disponibilidade de alimentos produzidos sem o uso de agroquímicos para toda a população. “Isso é muito mais uma decisão política ao invés de não ser possível tecnicamente, porque os exemplos são vários e há uma geração que conhece os impactos da agricultura agroquímica”, explica Boemeke. A carência de políticas públicas, segundo o engenheiro agrônomo, é evidenciada pelo estímulo à produção convencional, que se dá, entre outros fatores, por meio da crescente liberação de agrotóxicos pelo governo brasileiro.
Agravando a situação, incentivos como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) sofreram o impacto da pandemia de Covid-19. Em nível regional, as prefeituras da região que mantinham projetos com o Capa e custeavam a assessoria técnica prestada pela ONG aos agricultores familiares suspenderam os contratos.
Apesar das dificuldades, um marco para o Vale do Rio Pardo é a existência, desde 2000, da cooperativa Ecovale, a qual possui, hoje, 52 associados de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Vale do Sol, Candelária, Rio Pardo e Cachoeira do Sul. Mais tarde, em
Jaime Miguel Weber, engenheiro agrônomo. 2013, instituições que fomentam a agricultura familiar e a agroecologia fundaram a Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo (AAVRP), composta, atualmente, por 22 entidades. “A articulação possibilita que a gente aproxime as agendas, que as entidades se percebam em um coletivo um pouco maior”, diz João Paulo Reis Costa, coordenador da AAVRP e da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc). As forças unidas entre entidades como as que compõem a AAVRP têm impulsionado a agroecologia. Segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), já são 3.579 estabelecimentos de produção orgânica registrados no Rio Grande do Sul e 102 no Vale do Rio Pardo. No entanto, segundo Weber, a produção agroecológica é diferente da orgânica. “A agroecologia tem alguns princípios que levam em consideração um conjunto de relações: as entre as pessoas, as com o meio ambiente, as de trabalho, as familiares e geracionais e as com o consumidor”, explica Weber. Assim, o produtor orgânico pode ser reconhecido pela legislação, mas não levar em conta os princípios da agroecologia em sua propriedade. De acordo com dados do Sistema de Planejamento da Emater/ RS-Ascar de 2020, são 10.003 famílias praticando a agricultura de base ecológica no Rio Grande do Sul e 630 famílias no Vale do Rio Pardo. Como estes dados foram obtidos a partir de ações realizadas pela Emater, estima-se que os números sejam ainda mais expressivos, tendo em vista que há também outras organizações comprometidas com o fomento da agroecologia na região.
A família de Adriano Vanderlei Kern, 37 anos, produz alimentos sem agrotóxicos em sua propriedade localizada em Linha General Osório, interior de Santa Cruz do Sul. Duas vezes por semana, ele os comercializa na feira orgânica da cooperativa Ecovale. Feiras como esta aproximam produtores e consumidores, conectando-os ao seu entorno. “É muito bom porque cria confiança ao longo do tempo e tu consegue olhar no olho das pessoas”, diz Kern. Na pandemia, os feirantes também estão recebendo pedidos por Whatsapp e realizando tele-entregas. De acordo com Kern, a crise sanitária e humanitária aumentou a procura por alimentos agroecológicos. Uma das clientes da feira é a instrutora de Yoga e empresária Martina Krause, que consome produtos orgânicos há mais de 25 anos. “Comecei para ser parceira consciente do planeta e não somente usuária e acredito na alimentação saudável para nossa Fundada em 2009, a Efasc oferece o Ensino Médio Técnico em Agricultura, com a formação fundamentada na pedagogia da alternância para jovens rurais do Vale do Rio Pardo. Mantida pela Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas (Agefa), 30 parceiros públicos e privados e 200 famílias que compõe a associação, a instituição possui 254 egressos e 109 jovens em formação, entre os quais está a aluna do 1º ano Saori Bechert Kern, 16 anos. Seu pai, Adriano Vanderlei Kern, conta que a jovem possui uma área experimental na propriedade da família, onde produz hortaliças e coloca em prática os conteúdos da escola. “Ela está se especializando com técnicas que nós não conhecemos. Estamos saúde física e mental. Também por respeito ao agricultor, para este trabalhar em um solo livre de toxinas”, relata Martina. Outra consumidora preocupada com a segurança alimentar de sua família é a aposentada Inga Schmidt Muller. “A natureza fornece a alimentação adequada para a saúde e nós consumimos. Também não olhamos o preço, porque achamos que estas pessoas que produzem esses alimentos devem ser valorizadas”, diz a aposentada. Algumas empresas também estão engajadas com a causa, entre as quais está a Mercur, que, em 2011, uniu forças com a Ao Ponto, prestadora de serviços de alimentação, Capa e Ecovale. “Entendemos que estamos respeitando todas as formas de vida e contribuindo para uma melhor qualidade de vida. Assim, auxiliamos também que futuras gerações possam usufruir de um planeta mais saudável”, diz João Carlos
AGROECOLOGIA NA SALA DE AULA
Kipper Trinks, um dos coordeaprendendo junto com ela”, diz Kern (foto). Em 2019, fruto dos encontros da AAVRP nasce o Bacharelado em Agroecologia e a Especialização em Agroecologia e Produção Orgânica, oferecidos pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) em parceria com a Agefa. De acordo com Costa, a criação de novas oportunidades de estudo é muito importante. “Essa é uma preocupação que a Agefa tem, rompendo a ideia de que o jovem do campo só vai ficar por exclusão. Pelo contrário, ele só vai ficar no campo se tiver opção”, explica o coordenador da Efasc. Assim, a educação apresenta-se como uma das possibilidades para conter o êxodo rural e desconstruir o estereótipo do campo como lugar de atraso. nadores da empresa. Atualmente, os alimentos orgânicos são servidos todos os dias nos refeitórios das duas unidades industriais da Mercur em Santa Cruz do Sul. Na região do Vale do Rio Pardo, os alimentos produzidos com base nos princípios da agroecologia podem ser encontrados, de acordo com a AAVRP, em 15 feiras, algumas das quais são agroecológicas e outras mistas. Há também as lojas especializadas no ramo, como a da cooperativa Ecovale e a Empório dos Orgânicos, e a comercialização em alguns supermercados e armazéns como o Armazém Orgânicos e Naturais. No entanto, o consumidor precisa ficar atento, pois lojas de produtos naturais não necessariamente possuem alimentos orgânicos à disposição de seus clientes. Há ainda aqueles que preferem adquirir seus alimentos diretamente com produtores de sua confiança.