Unicom 04-2010

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JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - UNISC - SANTA CRUZ DO SUL - DEZEMBRO DE 2010


EDITORIAL

Os porquês de um jornal O segundo Unicom deste semestre de 2010 é substancialmente distinto do que lhe antecedeu, quando os alunos e alunas da disciplina de Produção em Mídia Impressa se debruçaram sobre o tema “Coisas de Mulher” e exercitaram, em equipe, a produção de um jornal a partir de um tema comum a todos. Dessa vez, o objetivo é outro: viabilizar um jornal em que não haja uma unidade temática; onde cada aluno/repórter possa escrever sobre o que quiser, desde que, evidentemente, este “o que quiser” seja jornalisticamente interessante. Mais que um exercício estilístico voltado a um e outro formato, o que exercitamos, com isso, é algo ainda mais caro aos aprendizes de jornalismo: a habilidade, de um lado, de trabalharmos em conjunto, bem como de fazê-lo individualmente, tendo por horizonte igualmente o propósito de todos, exatamente como ocorre no mercado de trabalho. É preciso salientar, no entanto, que não se trata, aqui, apenas de repetirmos padrões operacionais pré-estabelecidos e comuns à maior parte das redações de jornais e revistas, para ficarmos nos impressos, ainda que também o seja. O que se busca é o exercício, e a reflexão a respeito deste fazer, de algo extremamente caro ao jornalismo, ou seja, a possibilidade de aprendermos, desde já, que bem poucas coisas na vida são feitas de forma individual, isoladas, sem a participação de pelo menos mais uma pessoa.

UNICOM 2010

E que essa condição, no jornalismo, atinge uma dimensão mais larga, e afeta, ao seu final – o produto já resolvido – as pessoas que lêem os jornais e revistas nas mais diversas circunstâncias. Ou seja, para que haja informação de qualidade, responsável e cidadã, é preciso, antes, que o grupo encarregado de dar conta desse conteúdo seja tão coeso quanto ciente de sua responsabilidade social e técnica. Algo que deve ser exercitado desde a instância formação, da mesma forma que fazemos no Unicom semestre após semestre.

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PASSO A PASSO

CRÔNICAS RÁPIDAS

Valores em extinção

No nosso lar

Juliana Eichwald

Lucas Baumhardt

O respeito ao próximo é algo que deveria ser comum, mas está se tornando raro. Os valores estão sendo extintos na sociedade contemporânea. O jovem não cede lugar ao idoso no ônibus, os negros sofrem preconceito, assim como os homossexuais. As três palavrinhas mágicas: por favor, com licença e obrigado foram excluídas do vocabulário. As pessoas maltratam os animais, destroem a natureza e também poluem o planeta. Presenciei, tempos atrás, um desses exemplos, citados acima, de desrespeito ao próximo (neste caso, ao planeta). Eu estava sentada atrás da porta de saída de um ônibus, esperando a minha vez de desembarcar. Foi então que a cobradora se levantou de seu acento e começou a varrer o chão, que estava imundo, com papéis de chiclete e salgadinho. Lá pelas tantas ela chegou em frente à porta de desembarque e pediu ao motorista para abri-la. Na primeira parada em que o ônibus estacionou, a moça varreu o lixo para fora, ou seja, para a rua. Eu, uma defensora nata do meio ambiente, falei à ela com educação: “Acho que tu devia pegar um saco plástico e colocar a sujeira dentro e não atirar na rua, ela já é suja demais”. Não me recordo ao certo o que a cobradora me respondeu, mas foi algo relacionado à falta de educação das pessoas ao jogar lixo no chão (nesse caso, no chão do ônibus). Mas peraí, e o que o ela tinha acabado de fazer mesmo? Esse acontecimento demonstra que, além da falta de respeito com o planeta e com o próximo, as pessoas estão necessitando, imediatamente, de “simancol” e “desconfiomêtro”.

Engarrafamento, crianças, internet lenta, o efeito do remédio, fila de banco, imprevistos, atraso para o início do show ou do filme no cinema, o trânsito. São alguns elementos bem diferentes mas que carregam algo em comum; nos exigem paciência. Dia desses descobri que, mesmo sem querer, perde-se a paciência facilmente e que bom humor não é sinônimo de muita paciência. Sempre achei que eu fosse um cara muito paciente até ser convidado pela minha namorada para assistir o filme Nosso Lar no cinema. O longa conta a história de André Luis, um médico que, ao morrer, ou nos dogmas do espiritismo, desencarnar, passa por uma experiência nada agradável no umbral, um tipo de purgatório. Ele resiste por um tempo até pedir socorro divino e vai parar em Nosso Lar. Depois da recepção, o personagem passa uns dias no hospital, onde recebe como remédio um líquido transparente, muito parecido com água, e a prescrição de encher a boca com aquele líquido e não engolir, deixar na boca o máximo possível. Sem entender a cena, cutuquei minha namorada e cochichei: - Se é água por que deixar na boca, por que não engolir ? Ela que entende bem mais do assunto do que eu me disse que depois explicava. Alí já comecei a perder a paciência. Eu queria logo saber porque deixar a água na boca sem engolir. - Em casa eu te explico disse ela. Ao chegar em casa, ela me fez encher a boca de água e não engolir por um longo tempo. Não aguentei mais do que dois minutos e descobri que era apenas para exercitar a paciência, como forma de conscientização, que, diga-se de passagem, seria o melhor remédio para os maiores males da humanidade.

Luana Backes

Mais uma pesquisa gringa

Uma pesquisa americana trouxe a bomba: homens olham mais pornografia quando seu candidato vence a eleição. Conforme divulgado, a pesquisa avaliou a ligação entre testosterona e desejo sexual para chegar ao resultado. O estudo foi realizado em junho de 2010 por psicólogos das universidades americanas de Villanova e de Rutgers. Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que a variação do desejo sexual também estava relacionada com vitórias e derrotas. Porém, a atual nos traz algo muito mais importante: a relação entre política e pornografia. Com esta frase a pesquisa fica um pouco distorcida, mas é o que parece. Mais importante ainda é que nós, brasileiros, já sabíamos disso. Como comprovação do prévio conhecimento podemos relembrar o trágico dinheiro na cueca. Com certeza não é um caso isolado, deve existir muita grana nas calcinhas políticas. Portanto, se o cidadão brasileiro não se enquadra na pesquisa dos americanos, não precisamos nos preocupar, nossos políticos garantem nossa participação. Lendo o que escrevi percebo que cometi um erro. A pesquisa fala sobre aumento na procura de pornografia após as eleições, e não dinheiro em partes íntimas durante quatro anos ininterruptos, mandato após mandato. Mas uma coisa temos de concordar, a política no Brasil é uma pornochanchada, e não é preciso nenhuma pesquisa gringa para nos dizer isso.


QUEM É QUEM EDITORA e REPORTAGEM

EDITOR-CHEFE

REPORTAGEM

Rochele Conrad

Dilamar Garcia

Prof. Demétrio Soster

Angélica Weise

Ana Gabriela Vaz

SUB-EDITORA E REPORTAGEM

Ana Flávia Hantt

DIAGRAMAÇÃO

EDITORA MULTIMÍDIA e REPORTAGEM

Larissa Almeida

Fabiane Lamaison

Fátima Hadi

Emilin Grings

EDITORA DE FOTO e REPORTAGEM

Júlio Assmann

Patricia Barreto

EDITOR MULTIMÍDIA e REPORTAGEM

Marinês Kittel Letícia Schmidt

Willian Ceolin

Michele Wrasse Thiago Stürmer

UNISC– Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 Bairro Universitário Santa Cruz do Sul – RS CEP 96815-900

Curso de Comunicação Social Jornalismo Bloco 15 – Sala 1506 Telefone: 51 3717-7383 Coordenadora do curso: Fabiana Piccinin

Jornal produzido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, coordenada pelo professor Demétrio Soster, no segundo semestre de 2010.

Revisão Luiza Machado

Impressão Graphoset

Arte Capa e Contracapa Larissa Almeida Rochele Conrad

Tiragem 500 exemplares

EXPEDIENTE

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DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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“Elimine o impossível. O que sobrar, será a verdade” Passam das três da manhã e dona Celi perde o sono. Levanta para tomar um copo d’água e, pela janela, vê luzes fortes, movimentando-se de forma irregular pelo céu

MISTÉRIO

ROCHELE CONRAD REPORTAGEM FOTOGRAFIA

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Dona Celi permanece firme, sem medo. Não é a primeira vez que o céu do sítio onde mora se ilumina com objetos voadores não identificados. Na primeira vez que o fenômeno aconteceu, ruídos estranhos acordaram a aposentada na madrugada quieta do interior. Convidou oito estudiosos da ufologia para uma vigília. O relógio marcava 2h40 da manhã e o grupo foi surpreendido por uma seqüência de nove aparições. Rafael Amorim, que também participava do encontro, afirma que não se tratavam de satélites ou aviões, muitas vezes confundidos com óvnis: “Os satélites podem ser vistos até as 22h30, em virtude da curvatura da Terra e aviões possuem outra característica de luminosidade”. Rafael fala com a propriedade de quem estuda os fenômenos há mais de 20 anos. O publicitário era criança quando saiu da cidade de General Câmara e foi morar em São Paulo. Em um final de tarde, viu algo “grande, bonito e quadrado” passar sobre sua casa, no bairro Pinheiros. Muitas pessoas, na época, acreditavam que o objeto fosse fruto da imaginação: “Saí do interior do Rio Grande do Sul para um grande centro e poderia ter me vislumbrado com um balão, por exemplo.” Mas a notícia de um óvni nos céus de São Paulo estava estampada nos principais jornais do dia seguinte: “Várias pessoas também viram o que eu vi”. O menino cresceu, mudou-se de São Paulo, mas continuou avistando coisas no céu. Sua inquietude o motivou a criar um grupo de estudos. O Neus (Núcleo de Estudos Ufológicos de Santa Cruz do Sul), já acumula mais de mil documentos sobre aparições nos céus da região do vale do Rio Pardo, do Brasil e do mundo. Diferentemente da dona Celi, que acredita que as aparições sejam de se-

Relatórios ultrassecretos liberados pela Força Aérea estão no NEUS res extraterrestres tentando uma comunicação com os seres humanos, Rafael sabe que nem tudo que aparece no céu é, necessariamente, uma nave pilotada por seres verdes, vindos de Marte. “Pode ser, mas é preciso primeiro analisar o fenômeno”. Bandos de marrecos, aviões clandestinos e até balões podem ser facilmente confundidos com óvnis e são, inclusive, assim classificados nos radares da Força Aérea, diz.

CALOTA DE VOLKSVAGEN Para o ufólogo, uma dose de ceticismo é necessária, quando se trabalha com ufologia: “Recebemos uma foto de um objeto cilíndrico no céu, aqui em Santa Cruz. A nitidez impressionava. Quem nos enviou o material dizia que o diâmetro do disco chegava a cinco metros. Quando analisamos, percebemos que se tratava de uma calota de um automóvel, jogado para cima e fotografada antes de atingir o solo”, diz Rafael sorrindo.

Rafael defende o estudo sério dos fenômenos, com embasamento científico. Em poder do Neus há documentos de todo o tipo, inclusive, documentos ultrassecretos, liberados recentemente pela Força Aérea Brasileira, datados de 1969, que acredita servirem para o começo de um estudo mais aprofundado: “Temos que entender que 80% da ufologia é composta de gente doida”, diz. O pesquisador diz que a grande maioria da população não possui conhecimentos básicos de astronomia, o que prejudica a compreensão dos fenômenos: “Podemos ver, a olho nu, vários planetas e muitas pessoas confundem o brilho desses planetas com atividade aeroespacial”. Enquanto os fenômenos continuam aparecendo na região, pesquisadores vão seguindo a máxima de Scherlock Holmes: eliminando o que é impossível. O que sobrar - por mais improvável - será a verdade sobre esses objetos que insistem em brilhar no céu do Vale do Rio Pardo.


O dono da chave do cofre da Força Aérea Ele é o Brigadeiro José Carlos Pereira, ex-presidente da Infraero, responsável por todas as atividades da Força Aérea - inclusive do sistema de Defesa Aeroespacial - e já viu fenômenos para os quais não encontrou explicação. Ufólogos afirmam que o órgão ainda mantém arquivados documentos ultrassecretos. O oficial conversou com o Unicom sobre a polêmica que envolve a existência ou não de vida inteligente fora da Terra e sobre uma ameaça que está vindo do espaço.

Existem arquivos secretos sobre UFOs em poder da Força Aérea? Existiram arquivos secretos sobre UFOs, no entanto, foram integralmente desclassificados como sigilosos e encaminhados ao Arquivo Nacional, onde estão disponíveis para consulta pública.

“Posso assegurar que os documentos sob sigilo foram liberados.” Quanto a relatos futuros, as ordens existentes são de divulgação rápida para o Arquivo Nacional. No entanto, ainda não apareceu um legislador capaz de prever o futuro além de projeções estatísticas ou teses abstratas.

Entre esses materiais, alguma prova material ou somente testemunhal? Não existe qualquer prova material, nem aqui nem em qualquer parte do mundo, a não ser que se considere fotos e filmagens como prova material, o que é algo altamente discutível. Recentemente alguns dos relatórios da Força Aérea foram liberados (Rafael Amorin, presidente do Neus, em Santa Cruz do Sul, nos cedeu uma cópia de um registro da SIOANI, datado de 1969).

Qual a razão da demora dessa liberação? Durante décadas, no âmbito da Guerra Fria, qualquer acontecimento ligeiramente fora da normalidade era visto como provável atividade ou arma secreta dos soviéticos ou dos norte-americanos. Um simples vírus mutante de gripe era visto como possível arma biológica; até furacões e terremotos foram estudados como possível manipulação de forças naturais. Com os casos UFO, as prioridades de sigilo eram maiores, por razões óbvias. Daí a necessidade do sigilo, que perdurou por simples inércia.

No comando da Força Aérea, alguma experiência ufológica marcante? Soube de inúmeros relatos.

“De fato, algo em torno de 3% de ocorrências ficaram sem explicação.” Pessoalmente, em 45 anos de vôo nunca presenciei algo sem explicação. Ironicamente, minha única experiência foi uma observação do solo, em Fortaleza - CE, para a qual não encontrei qualquer possibilidade de entendimento.

De que forma é possível avançar nos estudos sobre esses fenômenos?

“Acredito ser possível avançar na pesquisa desde que com exclusiva visão científica, eliminando-se hipóteses e explicações de natureza esotérica.” Mais importante e talvez mais difícil seja eliminar interesses comerciais e publicitários.

Com tudo que você sabe, viu e ouviu: devemos nos preocupar com a segurança e paz mundial? Talvez devêssemos nos preocupar com a segurança planetária - dentro de 20 anos um asteróide perigoso estará se aproximando da Terra e ameaçando todos os povos, independente de etnia ou crença. Talvez, quem sabe, uma ameaça

externa possa ajudar na união e na paz entre nós. Os UFOs podem ter importante participação nisto; quer eles existam ou não.

A sociedade está preparada para saber o que há nos documentos secretos da Força Aérea? A questão do preparo da sociedade para absorver determinada informação passa necessariamente pela responsabilidade dos governos.

“Nenhum governo sério divulgará conhecimento que gere ameaça externa à segurança da nação, seja militar, política, econômica ou social; violação da privacidade dos cidadãos; violência interna de qualquer natureza; pânico na população.” No que concerne à questão UFO, não vislumbro qualquer dessas hipóteses na divulgação dos relatos.

CONFIDENCIAL .

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Quando a feiúra é motivo de orgulho É no interior de Restinga Seca (RS), que mora Fredolino Mahlke, um homem simples e com muitas amizades. Ele é conhecido como o “homem mais feio”, daquela região. ANGÉLICA WEISE REPORTAGEM

SIMPLICIDADE

LARISSA ALMEIDA FOTOGRAFIA

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Fredolino Mahlke, morador de Restinga Seca, participa de concursos que atestam sua feiúra.

“Eu me acho feliz, só que agora estou meio falido.” Essas são as palavras de um homem que conquistou várias medalhas. As medalhas até poderiam ser por sua capacidade de fazer os outros rirem, contando piadas, mas não são. As medalhas foram conquistadas com um título de o “Homem mais feio”, algo incomum aos olhos dos brasileiros acostumados a acompanhar pela tevê concursos de beleza. Ser conhecido como o homem mais feio pode até soar estranho para muita gente. Menos para Fredolino Mahlke, 63 anos, também conhecido como ‘Bubi’. Ele nasceu em Vila Rosa, interior de Restinga Seca, e há mais de 10 anos participa de torneios, jogos e concursos para ganhar títulos e medalhas como o “Homem mais feio” daquela região. O feio para alguns pode não ser o feio para outros, mas quem estabelece esse padrão? Conhecendo Fredolino, nem todos diriam que

ele é o homem mais feio, mas foi assim que ele se instituiu. Fredolino é um homem de estatura baixa e aparência triste em decorrência do sofrimento que a vida lhe impôs. As rugas na testa mostram a idade. Cada linha representa uma história, nem sempre alegre. As manchas na pele são vestígios de que a saúde já não é como antes. A barba que esconde quase todo o rosto não é cinza, mas amarelada. As unhas sujas das mãos e dos pés mostram claramente um homem criado para não se importar com a vaidade. É a quantia de R$ 50, ganha por ajudar em uma propriedade rural, que sustenta o homem. Ele confessa que dá um jeito. “Não gosto de morar em casa, gosto de morar é na barraca”. E é com essa pequena quantia, se comparada a um salário mínimo, que o homem mais feio vive. A ideia de participar de concursos partiu do amigo de Fredolino, Rogerio Rockembach, radialista em Restinga Seca, há mais de 10 anos. Feito o convite, Bubi topou a ideia e começou a se apresentar, na sua cidade e arredores, como o “homem mais feio”. Os desfiles aconteciam em torneios daquela região. E questionado sobre essa fama, ele confessa: “Me senti muito bem”. Filho de cigano, soube aproveitar as pequenas oportunidades que a vida lhe proporcionou. Trabalhou na agricultura desde pequeno, em lavouras de arroz. Depois foi para Argentina e em seguida para o Uruguai, onde cuidou de secadores de arroz . De volta à sua cidade natal, trabalhou por mais de dois anos em um circo. Sua arte? Atirar facas e fazer malabarismos. “Trabalhei pra me defender”, conta ele.

Fredolino participa desses concursos apenas por diversão. Não há recompensa alguma e, algumas vezes, sai no jornal. Sobre as medalhas que ganha, ele esclarece: “Eu não ganho fortuna, nem nada, mas quem sabe se Deus me ajuda um dia...”. E como o próprio Fredolino afirma: “Deus até que tentou”. Alguns anos atrás ele ganhou uma passagem para ir ao ‘Programa do Ratinho’, no SBT, para mostrar seus títulos, mas acabou ficando doente e internado por mais de 60 dias no hospital. E mesmo a fé de Fredolino não tendo contribuído, de uma coisa ele tem certeza, até ganha força na voz para afirmar: “A coisa mais poderosa é o nosso Deus que ajuda a gente. Ele me conduz”. Palavras ditas com muita fé. A fé de quem acredita um dia ser mais conhecido e recompensado pelo amor que tem a oferecer. Fredolino é divorciado e tem uma filha, que não sabe onde está, perdeu o contato, mas não perde a esperança de um dia reencontrá-la. Além de participar dos concursos, outra diversão para ele é pescar e, de vez em quando, beber “um trago”. Não gosta muito de festa. “Baile é estranho, prefiro ficar em casa, tomar meu trago. Me dou com Deus e o mundo, amizade não falta. Se eu tivesse tanto dinheiro, como eu tenho em amizade, eu era podre de rico”. Em relação à sua autoestima, por ser conhecido como o homem mais feio para as pessoas daquela região, explica: “Eu me sinto muito bem e dou conselho para as mulheres pegarem homens mais feios, pois, assim, elas não correm o perigo de serem traídas”. Talvez essa seja uma filosofia que vale apenas para o mundo de seu Fredolino.


A vida depois do reinado Daniela, Letícia e Rafaela são pessoas distintas, mas há algo em comum entre elas: todas conquistaram títulos de beleza, e agora seguem em busca dos seus sonhos.

Daniela iniciou sua trajetória como Miss Personalidade Brasil Mundo

do Sul. Os concursos de beleza proporcionam estrelato para as meninas, ajudam na desenvoltura, amadurecimento, e, também, são uma oportunidade para que elas conheçam pessoas, lugares, culturas e comportamentos diferentes, e, ainda, possam fazer novas amizades. Mas, como tudo na vida, o reinado tem o seu final. E chega a hora de se despedir do ano de “mordomias” que passou, e dar um “olá” para a vida normal que havia ficado de lado. Foi o que aconteceu com cada uma delas. Rafaela guardou a faixa e coroa de Miss e comprou um jaleco branco. Daniela inverteu as posições, antes estava na frente das câmeras sendo entrevistada, hoje é ela quem entrevista. E Letícia guardou o traje de gala da oktoberfest no seu armário, substituindo-o pelo seu colete de fiscal. Todas em busca da realização do seu sonho profissional e pessoal. Mesmo com uma transformação tão grande no cotidiano de uma Miss, rainha ou soberana, Rafaela argumenta que sua essência sempre continuou a mesma, “Mudei alguns hábitos e cresci com as viagens que tive que fazer durante o ano. Sempre tive vontade de ajudar as pessoas e, graças a Deus, como Miss Brasil, pude fazer muito pelos outros”. E acrescenta os seus planos para o futuro: “o meu sonho hoje, além de ser Médica e formar uma ONG, pra ajudar animais de rua, também é casar e ter dois filhos, gostaria que fosse um casalzinho.”, diz Rafaela. Daniela trabalha na Band de Porto Alegre, e ressalta que sempre teve o sonho de ser jornalista. “Decidi ser jornalista quando ainda cursava o Magistério. Eu fazia os trabalhos pedagógicos sempre relacionados aos meios de comunicação. Tinha desenvoltura para falar e articular. Todos me diziam ‘você nasceu pro jornalismo’. Não deu outra, fiz a faculdade e sou apaixonada pelo que faço!”, diz ela.

Miss Brasil 2006, Rafaela Zanella sonha em ser médica, formar uma ONG para ajudar animais de rua, além de casar e ter dois filhos. Ela acredita que a beleza é fundamental em concursos do gênero.

Participante de concursos desde os 7 anos de idade, Daniela percebe “você vira uma espécie de exemplo a ser seguido. As pessoas se espelham em ti, te admiram, e você continua dando o seu melhor para não decepcioná-las”, elenca. A princesa da Oktoberfest Letícia tem um sonho bem diferente do de Daniela e Rafaela. “Quero ser delegada, então estou a cada dia renunciando a determinados lazeres para estudar o conteúdo que é exigido nas provas de Delegado da Polícia Federal. É um sonho desde criança, e quando me formei em Direito, senti que já estava no caminho de mais esse sonho, de fazer a minha parte na justiça” comenta Letícia R afaela, Daniela e Letícia são provas de que existe “v ida normal” após o estrelato, que após cada título conquistado é necessário voltar para a realidade, mas que jamais se esquecerão dos concursos, e principalmente dos ensinamentos que lhes trouxeram, e deixam ainda uma dica: “Para as meninas que sonham em serem Misses, que elas persistam para a realização deste ideal, que acreditem em si mesmas e vão à luta”.

BELEZA

DIVULGAÇÃO

MICHELE WRASSE REPORTAGEM

Há quem pense que os concursos de beleza servem apenas para status . Mas nessa reportagem, contarei a história de três mulheres gaúchas que tem em comum a beleza, constatada por meio de vários títulos recebidos em concursos. Os títulos não ostentam apenas o glamour de ser eleita a mais bonita ou mais elegante entre tantas, mas trazem também diversas experiências e conhecimento, que, no futuro, podem possibilitar várias oportunidades na vida profissional. Assim aconteceu com Daniela Azeredo, que foi Miss Personalidade Brasil Mundo 2006. Ela revela que: “O aprendizado se leva pra vida toda. Aprendi a lidar com desafios, com a competitividade, com o ser humano, com a mídia, e, principalmente, a me descobrir, saber minhas fraquezas e virtudes”, afirma a jornalista que é natural de Venâncio Aires, mas atualmente trabalha e mora em Porto Alegre. E não foi diferente para a Miss Brasil 2006 Rafaela Zanella. Natural de Santa Maria, e hoje estudante de Medicina em Canoas, a partir da experiência em concursos percebeu a importância que a beleza tem nesses eventos. “Acredito que por influência do ‘Mundo Miss’ comecei a me apaixonar pela estética, devido à possibilidade de embelezar e mudar a vida das pessoas com as cirurgias plásticas”, conta ela que, ainda hoje, faz trabalhos fotográficos. Já para a princesa da 25º Oktoberfest de Santa Cruz do Sul , Letícia Herberts, que participa de concursos desde os 15 anos de idade, acredita que eles também lhe cres-centaram o amadurecimento pessoal e o reconhecimento da comunidade. “As ‘regalias’ de receber atenção e privilégios sempre continuam, principalmente quando você sabe que é bem “quista”, conta Letícia, que atualmente é Fiscal do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Santa Cruz

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O prazer de colecionar Coleção de miniaturas: representação da realidade ou momentos eternizados. Dois colecionadores falam sobre suas coleções e explicam porque é uma atividade divertida e apaixonante. DILAMAR GARCIA REPORTAGEM FOTOGRAFIA

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Foto ilustrativa

COLECIONISMO

ROCHELE CONRAD FOTOGRAFIA

Diz a sabedoria popular que os homens não crescem, o que muda é apenas o tamanho dos brinquedos. Se alguém ainda duvida deste ditado, uma visita a colecionadores de carros em miniaturas mostra que a realidade é bem parecida. Visitei dois colecionadores que exibiram com orgulho suas pequenas preciosidades. Em ambos foi possível notar laços fortes de afetividade entre colecionadores e objetos. Um empresário santa-cruzense de 40 anos atualmente é o maior colecionador de carros em miniaturas de Santa Cruz do Sul e região. Ele tem nada menos que 272 exemplares de miniaturas, sendo 165 carros e caminhonetes, 83 caminhões e 24 motos. Guilherme Lima Schiling adquiriu seu primeiro exemplar em 2003, e desde então não conseguiu mais parar. Empresário bem-sucedido no ramo de transportes, Guilherme sempre foi ligado a caminhões, e vem daí seu gosto por colecionar miniaturas. Ele conta que trabalha controlando a frota de caminhões reais. No entanto, quando o real provoca um nível elevado de estresse, é na coleção que Guilherme encontra uma forma de se acalmar. A coletânea de caminhões carros e motos é uma espécie de minimundo que pode ser facilmente

controlado, atuando como uma válvula de escape de seu dono. Apesar de ser hobby que pode ser considerado caro, pois o preço médio de cada exemplar fica na faixa de R$ 150, os colecionadores não se importam com o valor material, mas sim o valor sentimental da coleção. Pequena, porém não menos importante, é a coleção de carros em miniaturas do industriário veracruzense Robson Pereira da Silva. Começou quando ele tinha 12 anos, quando ganhou dos pais a 1ª miniatura, um Corcel 73. Hoje, aos 33 anos, tem 49 exemplares. Parece pouco, porém diferente de outros colecionadores que querem quantidade, Robson quer afetividade. Não que outros colecionadores não tenham este sentimento com suas coleções, mas Robson é diferente: jamais compra um novo exemplar se isso não representar algo significante, para ele ou para a esposa, Maríndia Pereira da Silva, que é uma incentivadora da valorosa coleção. Cada exemplar tem um significado especial para eles. Sempre adquiridos em momentos especiais e marcantes, como viagens de férias, datas especiais. Robson afirma que jamais compraria um lote de carrinhos só para aumentar a coleção, se não tiver um motivo

especial não tem compra. Entre os exemplares preferidos está um Buggy rosa, adquirido especialmente para a esposa numa viagem a Porto Alegre. “Ela sempre se queixava de não ter nenhuma miniatura que fosse dela”. Também uma caminhonete Rural, por ser sonho de consumo do pai de Robson. E uma miniatura de caminhão de Bombeiro que tem valor especial para ele. O motivo? O trabalho dele é montar caminhões de bombeiros numa empresa de Santa Cruz do sul, que exporta este tipo de veículo para diversas partes do mundo. Mas a verdade e é que ele gosta de todos os carrinhos, inclusive admite ter muito cuidado e até ciúmes quando alguém mexe na coleção. Segundo o Dicionário Aurélio, coleção quer dizer conjunto ou reunião de objetos da mesma natureza ou que têm qualquer relação entre si. No entanto o que se percebe é que além dessa relação entre os objetos, há uma relação muito forte com a vida dos colecionadores. Talvez busquem nas coleções eternizar vivências ou desejos infantis. Quaisquer que sejam as paixões tornam as pessoas mais felizes, e lhes proporcionam um meio de vida que podem ser divertidos e, porque não, até terapêuticos. Pois fazem bem à vida dos colecionadores.


Aprendendo com antigas brincadeiras Amarelinha, esconde-esconde, pega-pega e ovo choco são mais que recordações de infâncias passadas; ajudam as crianças de hoje a serem mais criança MARINÊS KITTEL REPORTAGEM FOTOGRAFIA

Brincar é uma característica humana, é aprender a respeitar o próximo, a relacionar-se com o mundo, é criar e recriar. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “a criança deve ter plena oportunidade para brincar e se dedicar a atividades recreativas”. Porém, com o avanço tecnológico, as brincadeiras antigas têm ficado para trás. Quem já não ouviu falar em esconde-esconde, pega-pega, amarelinha, ovo choco, caçador e das canções de roda, como sapo cururu, bate palmas, meia lua ou roda cutia. Brincadeiras que resgatam a infância e deixam saudade. Esses gracejos têm por objetivo desenvolver a capacidade de socialização, oportunizar o contato físico entre as crianças, ou apenas, fazer sorrir.

BRINCAR É COISA SÉRIA Com base nesse contexto, existem escolas que possuem o recreio pedagógico, onde as brincadeiras são supervisionadas por professores, visando principalmente a integração entre o grupo. Na Escolinha de Arte, de Santa Cruz do Sul, as crianças se divertem ao brincar de esconde-esconde, amarelinha e canções de roda. Conforme a pe-

dagoga, Marisa de Oliveira, “as crianças fazem do brinquedo uma ponte para o imaginário, um meio pelo qual externam suas criações e emoções”. Ao brincar de amarelinha, os pequenos limitam os quadros no chão com caneta hidrocor , de diferentes cores. Além de brincar, aprendem a fazer cálculo e diferenciar tons. O entusiasmo é visível: ”adoramos brincar com tudo isso”, diz a criançada. Já na Escola de Ensino Fundamental Marechal Floriano, em Vale do Sol, brincar é coisa séria e divertida. Durante as brincadeiras em grupo, as crianças têm a possibilidade de enfrentar os desafios propostos. Questionados sobre jogos no computador e videogame, a gurizada diz que também gosta, mas na escola preferem brincadeiras antigas. “Eles se divertem muito”, revela a Diretora Jurema Hirsch.

O ASPECTO CLÍNICO O brincar auxilia as crianças na hora de lidar com os seus conflitos. Dependendo da faixa etária, pode se tornar difícil falar de uma determinada vivência dolorosa. Ao brincar, demonstram seus sentimentos e se sentem acolhidas. Para a psicóloga, Cleusa Furlan de

Oliveira, “as brincadeiras antigas ao ar livre ou de rua, são recomendadas para os casos de timidez e solidão, uma vez que estimulam a participação e dão à criança a sensação de pertencer a um grupo”. Brincar tem a vantagem de proporcionar atividade física, além de prevenir problemas posturais e repetitivos devido a muitas horas que passam na frente do computador. Cleusa ainda diz que “as brincadeiras têm sequências que são pré-estabelecidas e que devem ser cumpridas para o seu desenvolvimento. Cada um espera a sua vez de brincar, estimulando a superação dos resultados a cada nova rodada”. Sendo assim, que pais, parentes, professores, autoridades tenham em mente a importância do brincar, para que as crianças de hoje tenham orgulho de sua infância. Afinal, brincar de amarelinha, esconde-esconde, pega-pega, cobra cega e brincadeiras de roda são uma ótima maneira de dar aos pequeninos um ambiente familiar, acolhedor e proporcionar a todos boas gargalhadas. E agora, que tal brincar?

INFÂNCIA

Crianças deixam o computador de lado e aprendem com as brincadeiras antigas

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A vida real de uma stripper virtual O slogan do blog de Nádia é apenas o aperitivo para uma mulher misteriosa, que afirma fazer striptease na webcam com o consentimento do marido WILLIAN CEOLIN REPORTAGEM

O primeiro contato com Nádia, a stripper virtual, é complicado. A moça vive de suas apresentações, mas receia aparecer. Duas negativas vieram seguidas de algumas respostas por e-mail. Nelas, o Unicom tenta desvendar um pouco mais desse mistério chamado Nádia. De pedagoga a stripper, ela afirma ter dois filhos e ser casada há 11 anos. Uma relação aparentemente forte o bastante para sobreviver ao fato de ela se exibir para outros homens todos os dias pela lente de sua webcam . E ainda ter o apoio do marido no novo trabalho. Na verdade, Nádia encara a profissão escolhida há um ano e oito meses como outro emprego qualquer. Da mesma forma que as modelos de revista masculina ou atrizes pornô, não considera seus shows como prostituição, porque “apenas” aluga a sua imagem nua para quem quiser vê-la. O rosto dela permanece escondido para todos, até da reportagem. O

mesmo acontece com o endereço e com os detalhes dessa vida misteriosa, guardada a sete chaves num quarto-escritório ou quartel general dessa mulher que reclama apenas de precisar se manter no anonimato, escondida, trancada. Nádia é um personagem ruivo daqueles mais reais. O tipo de mistério que atrai os homens e, talvez, esse seja o segredo para o sucesso do trabalho dela, capaz de pagar escola particular para os filhos, como ela conta sem mencionar valores. Dentro de sua caricatura, Nádia se sai muito bem. Ex-professora que virou stripper após não poder mais trabalhar fora por motivos que apenas a caixa de segredos dela sabe. Caixinha onde estão guardadas as identidades do marido, filhos, endereço, família. Onde não estão as suas exibições, de R$ 15 por cinco minutos a R$ 50 durante 20 minutos. Todos os shows ficam salvos no computador para eventuais reclamações de clientes, caso se neguem a efetuar o pagamento no sistema digital PagSeguro. Numa casa de duas crianças de 6 e 9 anos, o computador de Nádia parece ficar a salvo. Os filhos “não têm maturidade para desconfiar disso”. O cotidiano deles é feito de natação, futebol e escola. E a presença da mãe dividida entre a vida virtual de stripper e a real, de mãe e dona de casa, de personagem e da

mulher por trás da caricatura criada por ela mesma. Apesar do tom desconfiado e todo o mistério dessa mulher, ela é atenciosa com o público. Nunca deixa um comentário no blog ou um e-mail sem resposta. Como vendedora, desempenha bem o papel que se propõe. Diz fazer tudo na webcam, mas também se recusa a coisas que considera “nojentas”. Essa metamorfose ambulante, de pseudônimo forte e aparência marcante, consegue chamar a atenção até das mulheres. Mesmo as rivais. O sucesso da suposta professora, e dona de casa, na webcam teria causado problemas no início da “carreira”. Nádia reclama da concorrência. Tentaram tirá-la do ar. No ar, ela ficou, teimosa que é. Apaixonada pela escrita, bem informada e tão desconfiada quanto quem ouve suas histórias bem contadas, Nádia pensa em voltar a ser professora. Os 30 anos de idade a aproximam do terrível fim que sofrem todas as pessoas que vivem da beleza de seus corpos. Mas o mercado do sexo respira Nádia da mesma maneira que Nádia respira mistério. É difícil distinguir o quanto ela é real e virtual. Talvez a vida real e virtual dela se misturem. Pelo menos até deixar de ser Nádia para ser uma “simples” professora, mãe de dois filhos, casada e que poderá, enfim, mostrar o rosto numa conversa de webcam ou para uma reportagem.

SEXO

O PREÇO DO SHOW

DIVULGAÇÃO

5 minutos (striptease) - R$ 15

10

10 minutos (striptease e “extras”) - R$ 25 15 minutos (striptease e “extras”) - R$ 35

20 minutos (striptease e “extras”) - R$ 50 40 minutos (show completo) R$ 95 Fonte: www.prazervirtual.com.br


Cinco homens e um destino Juntas, as idades ultrapassam os três séculos; em sete anos de estrada gravaram setes CD’s e um DVD. E não pretendem parar

ANA GABRIELA VAZ REPORTAGEM PATRICIA BARRETO FOTOGRAFIA

Tudo começou há sete anos. Osvino Pritsch, 67 anos, foi convidado para tocar em um baile. Para compor a banda, ele chamou quatro parceiros. Arlindo José Soder, 69, amigo de longa data; Wilson Bender, 63; e os irmãos Ingo Ricardo e Ernani Pedro Eidt, 51 e 48 anos, respectivamente. Todos se conheciam, pois eram músicos há bastante tempo. Porém, apenas Osvino e Arlindo já haviam tocado juntos, duas vezes. Sendo assim, foi no baile que o quinteto fez a sua estreia. Estava formada a banda, mas eles ainda não sabiam. Em novembro de 2003, encontraram-se em uma festa tradicional da região e, conversando, resolveram montar o grupo. “A gente queria fazer um estilo mais moderno, mas eu vi essa gente da terceira idade buscando aposentadoria e disse que nós estávamos perdendo tempo e que iríamos tocar para essa idade. E fomos muito felizes com essa escolha”, conta Wilson. O nome Banda Fest veio de um programa transmitido por uma rádio da cidade. “Nós fomos lá e pedimos para usar o nome. Eles se acharam muito honrados de nós fazermos a banda com esse nome”, completa Wilson, o mais falante da turma. Com a banda oficializada, o que

lhes restava era trabalhar, mas necessitavam, ainda, de um transporte para carregar os instrumentos. Dessa forma, outro integrante entrou para o conjunto. Nestor Frantz não era músico, era vizinho de Ernani e possuía um caminhão. Era tudo que eles precisavam, um caminhão e um motorista. Nestor aceitou o convite e hoje faz parte da família Banda Fest, como se subisse aos palcos junto com eles. “Ele é o cara que cuida de nós, faz papel de segurança também”, conta Wilson. Mas não é só da música que a maioria do grupo sustenta a família. Durante os cinco dias úteis da semana, o trabalho deles é na lavoura. São, além de músicos, agricultores. Ensaios não existem. O grupo só se encontra nos finais de semana, quando possuem shows agendados. A banda começou a fazer sucesso, tocando na Oktoberfest. Assim, a cada ano se tornavam mais conhecidos e a cada apresentação, fechavam um novo contrato. Mesmo assim, ainda precisavam melhorar muito. Como todos já possuíam uma idade mais avançada, não entendiam muito da aparelhagem, apenas tocavam. E para completar o grupo, e aprimorar o conjunto, em 2008 surgiu o sexto integrante, Igor Molz.

Com apenas 30 anos, ele entendia tudo sobre música e melhor: mesmo sendo jovem, abraçou o estilo que os amigos tocavam. Pronto. Daí em diante, tudo só cresceu. Para Igor, todos os colegas são como pais. Para os mais experientes, Igor é um anjo. E o jovem faz questão de dizer que entrou para ficar. “Eu me sinto tão bem que daqui eu não saio, a não ser que eles me mandem embora”, diz Igor. Quando perguntamos sobre o segredo do sucesso, Wilson tem a resposta na ponta da língua: “A gente toca sempre o mesmo estilo, não mudamos. Músicas que meu pai e meu avô tocavam, nós estamos tocando quase como elas eram”. E Osvino complementa: “Eu comecei aos 16 anos; muitas músicas que nós tocamos são aquelas que eu aprendi quando comecei a tocar”. E sobre a vitalidade, todos concordam ao responder que eles só pensam no presente. “Nós já temos 62 shows marcados para o ano que vem, mas nem sabemos se estaremos vivos, só vamos marcando”. Sim, a vitalidade é o que não falta para esse grupo, que soma 328 anos. Em 2010, mais de 100 apresentações foram realizadas. Já possuem sete CD’s e um DVD.

VITALIDADE

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Mais que uma herança, um paraí Bem perto de Santa Cruz do Sul há um lugar onde a natureza revela o que de mais belo tem a oferecer

NATUREZA

EMILIN GRINGS REPORTAGEM FOTOGRAFIA

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Você já pensou em conhecer um lugar onde é possível ver espécies de plantas dos cinco continentes? Você tem vontade de fazer uma trilha de mais de duas horas, onde é possível respirar ar puro e ver a beleza ímpar que só a natureza oferece? Na rotina agitada do dia a dia, quem não deseja desfrutar o barulho do vento e o cantar dos pássaros? Para curtir toda essa maravilha, partindo de Santa Cruz do Sul, você só precisa percorrer 57 quilômetros. A viagem para chegar ao Parque Witeck dura menos de uma hora. Localizado na estrada de acesso a Cachoeira do Sul, na BR 153, mas pertencente ao município de Novo Cabrais, o Parque apresenta 2 100 espécies diferentes, entre árvores, arbustos e forrações, trazidas de diversos lugares do mundo. O Parque Witeck é o lugar ideal para ver, ouvir e sentir o que de mais belo a natureza tem a oferecer. Um projeto de vida criado pelo médico militar Acido Witeck, que adquiriu o local em 1962, quando tinha 35 anos. Um sonhador, como define o seu filho Henrique, atual administrador do Parque e arquiteto-paisagista. “Meu pai transformou o solo árido e degradado em um terreno fértil, através de muito investimento em adubação orgânica e tratamento com calcário. Tudo para contemplar o seu maior hobby: plantar árvores.” Para isso, Acido contava com o apoio dos seis filhos e da esposa, que todos os fins de semana se dedicavam a fazer a adubação manual na propriedade. “O pai abria as covas e nós tínhamos a missão de enchê-las de esterco e minhocas. Fazíamos isso com carrinhos de mão percorrendo o parque”, lembra, com grande sorriso nos lábios. O local, que no início tinha denominação de Fazenda do Witeck, começou a despertar o interesse de escolas e universidades da região. Assim, foi aberto para visitação, a partir de 1975, realizando outro sonho do médico militar: tornar o lugar fonte de pesquisa para estudantes.

Henrique Witeck, assim como o pai, é apaixonado pelo meio ambiente Falecido em 2004, aos 77 anos, Acido Witeck deixou para os filhos a missão de dar continuidade ao seu sonho. O local possui, hoje, 70 hectares e tem valor aproximado em cerca de 30 milhões de reais. Número que não empolga Henrique. “O parque tem valor imensurável para a nossa família. Era o sonho do meu pai. Um diamante que estamos lapidando a cada dia”.

A ENERGIA QUE VEM DA NATUREZA Quem chega ao Parque para fazer a trilha orientada, com cerca de três quilômetros, é surpreendido pela lenda contada pelos guias que diz: “Deus dá a homens sonhadores pérolas para eles realizarem seus sonhos”. Acido Witeck foi um dos escolhidos. E assim em diversos pontos há uma história surpreendente. As mais interessantes são do Recanto da Paz e da Ponte dos Desejos.

É no Recanto da Paz onde está parte das cinzas do médico. Segundo Henrique, esse era o local preferido do pai. Denominado assim por ele, o lugar tem um lago contornado por sombra de muitas árvores, onde é possível ouvir o silêncio da natureza que fala através do vento e do cantar dos pássaros. No recanto há bancos para os visitantes sentarem e, no centro, uma grande bromélia cercada de três grandes pedras. Durante a trilha, os guias contam que naquele local estão as cinzas do médico. As pedras curiosamente formaram um coração, esse lugar é conhecido como o coração do Parque. Já a ponte dos desejos foi nomeada assim por uma amiga de Henrique, que disse ter um pedido realizado depois de cruzar a ponte. Antes de passar, cada visitante faz três pedidos. Rodeada de muito verde composto praticamente sem a intervenção humana, a ponte é rústica e feita com grandes troncos que caem das árvores do parque. Quem passa pela pon-


ARTIGO

aíso

A credibilidade da leitura CASSIANE RODRIGUES

te vê um estreito córrego de água cristalina. Se os pedidos realmente se realizam, não há como saber, mas o encanto da Ponte dos Desejos faz brilhar os olhos de crianças e adultos. Para Henrique Witeck a magia do lugar vem da própria natureza. “Meu pai tinha o Parque como uma válvula de escape para o estresse do dia a dia. Dizia que a natureza transmite muitas energias positivas. Passou isso para os filhos também.” Quem faz a trilha orientada percebe os bons fluídos, proporcionados pelas belas paisagens, pelos sons e pelo perfume agradável das flores.

A ÁRVORE DO SOCO No Parque há vários ambientes temáticos, como o Recanto Tropical, com uma coleção de palmeiras. Há também o Recanto Temperado, com ampla gama de coníferas.

Mais imagens do passeio pelo Parque

Além disso, no local há seis lagos: Lago Encantado, Lago Mágico, Lago da Paz, Grande Espelho do Céu, Lago Negro e o Lago Selvagem. Em quase todos a água, de tão cristalina, funciona como um espelho onde se veem as nuvens no céu. Cada lago é rodeado por plantas originárias de diversos países, entre elas algumas bem curiosas, como a Melaleuca, trazida da Austrália. A espécie é conhecida como “árvore do soco”, pela extrema maciez. É possível dar socos no tronco da árvore sem machucar as mãos. Isso ocorre por causa de sua casca que é semelhante ao papel emborrachado E.V.A. A árvore é uma das grandes atrações do Parque. Normalmente, os visitantes aguardam ansiosos o momento de vê-la.

O Parque Witeck recebe visitantes de todo os estados, inclusive de fora do país, como americanos e japoneses. Anualmente, cerca de três mil pessoas visitam o Parque. Para Henrique, dar continuidade ao projeto de vida do pai é um sonho. Emocionado, ele diz que herdou do pai o amor pelas plantas. “Para mim a natureza é o elo entre o homem e Deus”.

VISITAÇÃO Aos sábados das 14h às 18h. Aos domingos e feriados das 10h às 18h. Visitação Guiada: Sábados às 14h e às 16h. Domingos às 10h, às 14h e às 16h. Valor do ingresso no Parque: R$ 5,00

Ao pesquisar na internet é possível encontrar críticas de várias coisas. Afinal, pode-se dizer metaforicamente que o espaço é uma mesa de discussões. Seja de filmes, livros ou acontecimentos atuais, as opiniões são expressadas com grande facilidade na internet. Algo que gerou muitas discussões e sátiras foi a saga Crepúsculo. Dos quatro livros da série, três já viraram filme. Muitos professores de letras questionam a leitura de best sellers como esse. O escritor Altair Martins defende que livros devem ser escritos e aperfeiçoados com o passar do tempo. No caso dele, o trabalho demora muito tempo para ser lançado, pois sempre há o que melhorar. Se formos pensar assim, então a série Crepúsculo é pobre. A autora escreveu o primeiro livro e a sequência foi disponibilizada pouco tempo depois. Com isso eu me pergunto: seriam livros desse tipo prejudiciais? Digo prejudicias pois falamos de literatura infanto-juvenil. A maioria dos leitores desse gênero está criando hábito pela leitura. Dessa maneira, os livros estariam mostrando uma literatura pobre para eles.

Cada fase da vida é marcada por um tipo de literatura. Se a maneira como a aventura de vampiros e lobos é relatada é errada ou não, eu não sei. Mas que esses livros levaram milhares de jovens a criarem gosto pela leitura, isso é fato.

NATUREZA

Pensando por outro lado, foi esse tipo de livro que levou muitos desses jovens a ler. Sendo uma literatura de alto nível ou não, o importante é apaixonar-se por livros. É difícil um adolescente de treze anos criar amor pela leitura nos livros do Machado de Assis, por exemplo.

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A vida além do lixo Os catadores vivem e trabalham à margem da sociedade; sobrevivendo da venda dos restos que as pessoas produzem FABIANE LAMAISON REPORTAGEM

SOBREVIVÊNCIA

PATRÍCIA BARRETO FOTOGRAFIA

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Com uma lesão nas pernas e problemas cardíacos, Rosane Proença, 52 anos, não pode retornar ao trabalho na safra de fumo, como fez durante toda a vida. Na tentativa de sobreviver foi fazer faxinas, mas as dores eram fortes e sua debilidade física não permitia grandes esforços. Sem alternativa, e n c o n t r o u n a s r u a s a s u a sobrevivência, começou a catar lixo. “Se eu estou bem de saúde saio todo o dia para catar, p or q ue d a í consigo mais dinheiro”, acrescenta. É notável a satisfação de Rosane, alguém que apesar da falta de alternativas se considera realizada e não contém a emoção ao recons tru ir sua h istória. “Sou muito feliz com a minha vida, estou fazendo um trabalho honesto, nunca fiz mal para ninguém e hoje posso dizer que gosto muito do que eu faço”. Ela se orgulha da rotina e não impede as lágrimas ao contar os benefícios do que encontra no lixo. “Todas as terças e sextas eu busco nas ruas papelão e garrafas pet. No lixo eu acho anéis, brincos, roupas, louça e até móveis que posso utilizar ou vender. Acabei de encontrar uma bicicleta que vou levar para a minha neta”, conta. Jeremias Rodrigues sabe muito

Luís se sente realizado sabendo que colabora com a limpeza das ruas da cidade

bem o que significa trabalhar na rua. Com apenas 14 anos, ele fugiu de casa e não esconde o quanto já foi discriminado. Hoje, aos 47 anos, ele fala de suas experiências com a timidez de quem muito se calou pelo preconceito da sociedade. “Geralmente os catadores são humilhados. Todos acham que nós bebemos, usamos drogas e que não é um trabalho digno. Mas é humano e profissional tanto quanto os outros. Além disso, às vezes está frio, chove, ou tem muito sol e, ainda assim, tem que catar porque é o nosso pão de cada dia”, relata. Diariamente, esses homens e mulheres colaboram no processo de limpeza das cidades, interceptando materiais que seriam levados aos lixões ou aos aterros urbanos. Eles se unem a outros catadores, procurando resistir à fragilidade, criando associações e cooperativas, para garantir o respeito aos seus direitos. São pessoas dispostas a trabalhar para o bem comum, através da cooperação, buscando melhores condições de vida. Em outubro deste ano a Prefeitura de Santa Cruz do Sul oficializou a transferência da administração da Usina de Triagem de Lixo para a Cooperativa dos Catadores (Coomcat). O coordenador da Coomcat, Fagner Jandrey, acredita que se trata da “concretização de

uma conquista”. “É a prova de que não só as grandes empresas são capazes de cuidar da gestão de resíduos”, acrescentou. Atuam na usina cerca de 30 trabalhadores. O lucro é dividido em uma renda média de R$ 700 por mês para cada colaborador. “Se souber trabalhar bem com o lixo, com a seleção para o aproveitamento do material se consegue dinheiro suficiente para manter a subsistência de uma pessoa”, afirma o coordenador do Galpão de Reciclagem, Luis da Silva, 35 anos. Mas ele sabe que o dinheiro não é suficiente para sustentar uma família e a vida dos catadores reflete a carência das necessidades básicas de sobrevivência. “Muitas vezes, os catadores que tem mais do que três ou quatro filhos passam fome ou sobrevivem se alimentando do que comem do lixo”, conta. Apesar das dificuldades do trabalho e preconceito da sociedade, eles sobrevivem e ao mesmo tempo cuidam do meio ambiente. Mesmo com ações individuais e com campanhas de conscientização grande parte da população ainda não tem o hábito de separar o lixo para reciclagem. Mas essa consciência esta presente na vida dos catadores. “Nós estamos limpando as ruas que todos passam e ainda preservando a natureza”, afirma Jeremias.


Pode chover que garanto Consertar guardachuvas não é para qualquer pessoa. Que o diga o aposentado Olásio de Fraga, 81 anos. Ele trabalha nisso há 15 anos LETÍCIA SCHMIDT REPORTAGEM FOTOGRAFIA

“Meu guarda-chuva é feito de sobras jogadas na rua” aos risos: “Não empresto este para ninguém”. Ele aproveita o momento e desmonta um guarda-chuva para demonstrar como é feito o conserto. Seu Olásio de Fraga mostra que cada guarda-chuva possui 18 varetas ao total, sendo que são agrupadas em duas. E este é o diferencial do guarda-chuva do aposentado Olásio de Fraga, ele possui as 18 varetas separadamente, todo feito de restos de restos de outros guarda-chuvas. O aposentando ainda brinca: “conserto tantos guarda-chuvas, porque não posso ter um só para mim?” Diferente de seu Olásio de Fraga, a aposentada Edi Grmancen, de 85 anos, conserta guarda-chuvas e sombrinhas ao preço de R$ 4. Sem muitas palavras, e um pouco tímida, a aposentada Edi conta: “Quando era mais nova consertava até guarda-sol, mas agora com a minha idade não dá mais, é muito trabalhoso, exige um pouco de força”. O prazer pelo trabalho aparece ao ver que o objeto está como novo, e ainda enfatiza: “As pessoas que trazem guarda-chuvas e sombrinhas para eu consertar sempre ficam um pouco conversando comigo, isso me dá prazer pelo trabalho e motivação a viver. A atenção que recebo destas pessoas, que muitas vezes acabo

conhecendo na hora, me deixa mais feliz”. Mesmo recebendo-me do portão de fora de sua casa, à aposentada não esconde a alegria de uma boa conversa e a satisfação de saber que seu trabalho é reconhecido. Agora pergunto a vocês, alguém sabe o que existe de comum nos aposentados que consertam guarda-chuvas e sombrinhas? A resposta é simples: a motivação e o orgulho de ver um trabalho bem realizado, além de um bom papo com os fregueses. E por falar nisso, alguém tem um guarda-chuva para consertar?

TRABALHO

Pai de cinco filhos, trabalhou desde seus 14 anos para sustentar a casa. Ao se aposentar da empresa Philip Morris, Olásio de Fraga começou a frequentar os bingos da cidade. “Era meu passatempo”, conta. Alegria esta que durou pouco, pois, com o fechamento dos bingos, seu Olásio, mais conhecido como “Vô Digero” - uma referência ao fato de ele não conseguir pronunciar a palavra “ligeiro” -, passou a consertar guarda-chuvas. Enquanto a esposa cuida da casa, “Vô Digero” conserta guarda-chuvas em sua própria residência. Sem custo algum, pelo simples prazer de ajudar. Com a prática, o aposentado descobriu que existem diversos modelos de cabos. O guarda-chuva consertado fica igual ao novo e o defeito some. “Posso demorar para consertar, mas duvido alguém achar o local que estava com defeito”, afirma. Segundo a esposa de seu Olásio, Dona Odila de Fraga, algumas pessoas trazem o objeto tão estragado que parece impossível de consertar. “Todos os defeitos possíveis se encontram no mesmo guarda-chuva”, diz a esposa. A paciência e a prática de Olásio superam qualquer defeito no objeto. O aposentado Olásio de Fraga conta que a procura de consertos aumenta no inverno, nos períodos chuvosos. No verão, a procura é pouquíssima, mas nem por isso “Vô Digero” fica sem ter o que fazer. Em meados de dezembro, Olásio conserta as Luzes de Natal dos moradores do Bairro Verena. Para o aposentado Olásio de Fraga, não importa o que é necessário fazer e em que estado o objeto está, sempre dá um jeitinho de consertar. E já antecede quando o cliente é novo: “Se tiver pressa não adianta deixar aqui, porque faço tudo na calma”, avisa aos risos. E ainda afirma: “A gratificação de um serviço bem feito e de qualidade não tem preço”. Com toda a prática que Olásio adquiriu ao decorrer dos anos, além da calma e dedicação que têm, o aposentado, mais conhecido como “Vô Digero”, informa que montou seu próprio guarda-chuva, e conta

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Anjos da guarda noturnos do O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência possui duas equipes para atender em todos os momentos, inclusive à noite JÚLIO ASSMANN REPORTAGEM FOTOGRAFIA

URGÊNCIA

O trabalho noturno é mais difícil. Porém , para a equipe do SAMU, as dificuldades servem de estímulo para salvar vidas

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Você acredita em anjos? Se a resposta for não, certamente sua cidade não possui o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Dividido em duas equipes em Santa Cruz foi criado pelo Governo Federal, mas também recebe recursos oriundos dos governos estadual e municipal, atende a vários tipos de urgências e emergências. Essas duas equipes são compostas da seguinte maneira: um médico, um enfermeiro e um condutor, que atuam no Suporte Avançado (SA), enquanto um técnico em enfermagem e um condutor realizam os serviços pertinentes ao Suporte Básico (SB). Cada um possui uma ambulância. Em Santa Cruz, inúmeros acidentes poderiam ser fatais se não existisse este tipo de serviço. “Mais uma vida salva pelo Samu”. Essa é a frase geralmente dita depois de concluído o atendimento de situações urgentes ou emergenciais. Os profissionais da área sabem o quanto vale uma vida pois,

em todas as chamadas, é como se atendessem a um familiar, realizando os trabalhos da melhor maneira possível. Neste tipo de serviço, os plantonistas são como anjos que estão preparados para qualquer tipo de situação. Nem a escuridão da noite é uma barreira, quando vidas estão em jogo. Eles entendem as dificuldades como estímulo na missão de salvar.

VIDA NOTURNA O serviço do Samu funciona 24 horas por dia. Existe uma base em Santa Cruz onde as equipes realizam as refeições e tomam banho, entre outras atividades. Junto delas, sempre estão os celulares em que são acionados ambos os suportes através do contato da central. E o atendimento, adentra a madrugada. O coordenador geral do Samu de Santa Cruz do Sul, enfermeiro Carlos Roberto de Lima Machado Júnior, explica que os tipos de atendimentos mais fre-

quentes na noite são lesões provocadas em acidentes de trânsito, brigas e as debilitações causadas por problemas patológicos. Júnior destaca: “É um público diferente”. No ano passado o número de atendimentos noturnos chegou a 977. A divisão dos horários é feita da seguinte maneira: diurno (das 7 às 13 horas), vespertino (das 13 às 19 horas) e noturno (das 19 às 7 horas). Ou seja, a carga horária noturna é dobrada em relação às demais. O diurno corresponde a 30,25% dos atendimentos, enquanto à tarde o percentual foi de 33,07%. Já nas 12 horas que pertencem ao noturno foram 36,67%, o que se pode considerar um índice baixo, levando em conta a duração dos outros turnos de apenas seis horas. Mas nem só de felicidades pelo salvamento de vidas é composta a profissão. A técnica em enfermagem Renata Bernardy lembra um cenário marcante no atendimento noturno. Em 20 de abril deste


Folhas, fardas e caronas

THIAGO STÜRMER o local onde estava o cadáver era outro. Carlos lembra que o lugar era um verdadeiro cenário de terror. Um corredor escuro, estreito e longo. No fundo deste corredor, o corpo pendurado com uma corda no pescoço. Havia ainda um cheiro de sangue muito forte no galpão. Usualmente, uma morte provocada por enforcamento não ocasiona hemorragia. Mas o cheiro era de sangue animal, o que levou a equipe a crer que houve um abate de animais alguns dias antes. Com calma, os três se aproximaram do cadáver. Mais impressionante que a imagem do local era a do próprio corpo. Além de estar pendurado, girava de um lado para outro. Os olhos estavam abertos e grande parte da língua estava para fora. “Lembro este atendimento até hoje. Em vários anos de experiência na área da saúde, nunca vi algo tão apavorante”, frisa o coordenador. Mesmo diante destas situações trágicas, sem dúvida alguma, há um imenso orgulho em salvar vidas. E se você presenciar alguma situação emergencial ou urgente, seja um “mensageiro” destes “anjos da guarda” e disque 192, para que os profissionais da equipe repitam em seus atendimentos, a frase preferida deles: “Mais uma vida salva pelo Samu”.

SAIBA MAIS EMERGÊNCIA: quando há uma situação crítica ou algo iminente, com ocorrência de perigo. URGÊNCIA: quando há uma situação que não pode ser adiada, que deve ser resolvida rapidamente, pois se houver demora, corre-se o risco até mesmo de morte, contudo, possuem um caráter menos imediatista.

Alex Rogério Cassol tem 26 anos e nasceu em Catuípe, na região Noroeste. Sem condições de pagar uma faculdade, viu no concurso público uma alternativa para melhorar de vida. Em 2008, passou na prova da Brigada Militar uma das 11 que fez no período. Em troca do salário de R$ 1.050, mudou-se para Lajeado, no Vale do Taquari, a 300 quilômetros da mulher e da família. Alex dedica seu tempo às tarefas burocráticas do quartel. Nos finais de semana, enfrenta uma maratona de caronas para chegar em casa.

Segunda- 1 de novembro

Hoje foi meu aniversário. Mas isso não influiu na rotina. Nem poderia. Segunda é o dia que mais tenho trabalho. Preciso organizar tudo o que acumulou no final de semana. Em vez de sair às 18h, como sempre, saí do quartel às 20h, direto para a casa. Comi e fui dormir. Minha função na Brigada Militar é organizar o cartório. Sou eu quem registra no sistema da polícia o que os colegas fazem na rua. Também monto os Termos Circunstanciados (ou TCs, registros de infração de menor potencial ofensivo), a maioria deles de apreensão de drogas e armas. É papel, papel e papel.

Terca - 2 de novembro Feriado. O trabalho é mais calmo. Continuei montando os TCs que ficaram para trás e digitei as ocorrências do dia anterior. Depois do serviço, saí com um casal de amigos. Fomos ao parque. Depois, lanchamos. Eles também são de Catuípe. Na verdade, meus únicos amigos de Lajeado que não são da BM. Esse é um dos lados ruins de ser policial: as pessoas têm receio, medo, não sei. Em Catuípe, perdi amigos de infância depois que vesti a farda.

Quarta - 3 de novembro Só parei para almoçar. Das 8h às 18h, digitei ocorrências e montei novos TCs. Quando saí do quartel, tive instrução de tiro na Delegacia. O engraçado é que, oficialmente, só usei o meu revólver em treinamentos mesmo. Em quase dois anos de BM, fiz pouco trabalho de rua, e sempre em situações tranquilas. O pior que me lembro foi atender um homem baleado. Até gosto de vestir o colete, pegar o revólver e ir para a viatura. Mas torci o joelho no curso de formação. Isso me levou para o trabalho burocrático. ´ ´ Continua na proxima pagina...

DICAS

ano, a equipe do SB realizou um atendimento a uma mulher que não mantinha contato com familiares durante quase dois dias, o que não era comum. O Samu foi até a residência e como ela não respondia aos chamados, a porta da casa foi arrombada. Ao entrarem, a equipe se deparou com um caminho de velas de sete dias acesas. Esse caminho passava pela sala e ia até o quarto, onde o corpo da mulher estava deitado. Havia excesso de medicamentos que rodeavam o cadáver, além do sangue espalhado pelo quarto. Conforme a ocorrência registrada pela polícia, o mais provável é que a morte tenha sido um homicídio. A técnica afirma que ficou com a cena na lembrança durante muito tempo. Outro detalhe que Renata não conseguiu esquecer foi a coloração e o cheiro do corpo. “Era um cenário macabro”, completa. O coordenador Carlos também atendeu a um chamado nada comum. O caso se tratava de um suicídio ocorrido na área rural de Santa Cruz. O enfermeiro, juntamente com o condutor e o médico da equipe, se deslocou até a residência onde havia acontecido a tragédia. Ao chegar, a equipe se encaminhou até um galpão que ficava situado nos fundos da residência, onde, conforme os familiares, estava o corpo. Porém, ao entrar neste galpão, os três se depararam com um fato curioso: havia três portas e o trio do Samu, certo de que uma das portas levava ao local onde estava o corpo, se entreolhou e ficou em silêncio. “A cena foi muito estranha e tensa ao mesmo tempo. Pensamos qual seria o próximo passo”, reforça o enfermeiro. Mas neste momento, um familiar da vítima se aproximou da equipe e falou que

Os profissionais do Samu são conhecidos como anjos da guarda nas noites de Santa Cruz

O diário de Alex Rogério Cassol, o soldado-caroneiro responsável pelo cartório da Brigada Militar de Lajeado, no Vale do Taquari

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Lembranças vivas do passado A história do rádio brasileiro, em especial das radionovelas, ainda está na memória de muitas pessoas em Santa Cruz do Sul FATIMA HADI REPORTAGEM

HISTÓRIA

LARISSA ALMEIDA PATRÍCIA BARRETO FOTOGRAFIA

Década de 1950, época de Ouro do rádio brasileiro. Era de alegria, fascinação, imaginação e magia. Um tempo que não sai da memória de muita gente, caso do simpático José Paulo Rauber Filho, e sua esposa, Gilda Elena Rauber, atores que participaram da primeira radionovela em Santa Cruz do Sul. Seu Paulo ainda tem boas lembranças do passado, momentos que marcaram sua vida e de sua esposa, Gilda. O reconhecimento do trabalho como atores tornou a dupla famosa nas esquinas da cidade, basicamente por fazer parte do único meio de entretenimento da época que alegrava o público. Todos comentavam sobre os capítulos nas ruas. Os atores recebiam muitas cartas de fãs e até hoje se emocionam ao lembrar daquele tempo. O casal, muito simpático, me recebeu em sua casa para falar um pouco de sua juventude. Eles gostam de falar do tempo em que colaboraram como atores nas radionovelas, que fizeram muito sucesso na Rádio Santa Cruz. Os dois aposentados, ele com 74 anos e “dono de casa”, e ela com 75 anos, atualmente apresentadora do programa de receitas da Rádio Gazeta, também de Santa Cruz, atuaram juntos em várias radionovelas. Começaram a namorar atuando e, em seguida, casaram. Tudo teve início na década de

1950, quando foram convidados a fazer radionovela. Seu Paulo inicia a conversa dizendo que naquele tempo não existia gravação, e tudo era feito ao vivo. “A gente recebia o texto dava uma olhada e começava a representar. Não tínhamos muito tempo de ensaio! Uma gafe qualquer, e saia ao vivo! Não tinha como voltar atrás.”. Continua contando como realizava o trabalho: “Eu tinha dificuldade em fazer ponto e vírgula para a entonação certa.” Já Dona Gilda tinha mais facilidade em decorar os textos e se expressar. Para melhorar a dicção relataram que usavam rolhas entre os dentes, com o objetivo de serem bem compreendidos. O treinamento foi realizado durante os três anos de apresentação. Com uma boa memória, Paulo fala que antigamente não existiam os efeitos sonoros prontos. Tudo era feito na hora pelo contra-regras ou sonoplasta (pessoa que reproduzia o barulho dos sons). O caminhar do cavalo com dois taquinhos de madeira batidos no chão davam a impressão do cavaleiro andando e se afastando do local. A porta do estúdio também era usada para reproduzir o barulho de porta. O trovão se fazia com uma folha de flandres que era balançada. E a chuva surgia do som de uma folha de coqueiro. Tudo tão bem pensado, bem articulado, que parecia de verdade. Cada ouvinte escutava o som e usava sua

mente para imaginar a cena da radionovela. Gilda relembra: “Era tudo romântico e muito bonito. Tu imaginavas as cenas. É como tu ler um livro. É melhor ler o livro do que ver televisão ou um filme. Pelo livro tu vai criando algo a volta daquela história. Através do rádio cada um que escuta pinta a cena da cor que sua imaginação determina.” Os ouvintes viviam o papel do personagem, lembra seu Paulo. Eles não se convenciam que aquilo era uma ficção. Na rua, quem era vilão estava sujeito a chuvas e trovoadas. O ator Pitineli, que fazia o papel de vilão, apanhou de sombrinha de uma senhora em frente à farmácia Evers, no Centro. O homem até tentou se explicar, mas não deu tempo.

EM BUSCA DOS PERSONAGENS Para os atores poderem gravar a radionovela tinham que esperar o capítulo fazer uma longa viagem. Longa, porque naquele tempo vir da capital Porto Alegre era um pouco complicado. Havia muitas dificuldades, estrada sem asfalto e tendo, ainda, que atravessar o Rio Guaíba de barca. A espera da chegada da barca de um lado para o outro, às vezes, levava de uma a três horas. Era preciso contar com a sorte. A facilidade da ponte que existe hoje, fez falta nessas épocas. Sem dizer que ainda tinha os dias que o ônibus quebrava no caminho, e isso aconteceu várias vezes, segundo Dona Gilda. Mas os scripts chegavam às vezes atrasados ou em cima da hora, por isso não tinham tempo de ensaiar, lembra Gilda. Nesse caso, quem perdia eram os ouvintes, que ficavam sem aquele capítulo.

EMOÇÃO EM CAPÍTULOS

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Nascida em Boqueirão do Leão, dona Lurdes Schmidt, hoje professora aposentada, com 78 anos, era encantada com as novelas de sua época. Ela escutava


Quinta - 4 de novembro Passamos o dia todo sem internet. Aproveitei o tempo para encaminhar amostras das drogas apreendidas para o IGP (Instituto Geral de Perícias). Lá, uma análise vai comprovar que se trata mesmo da substancia. Ainda na manhã, um colega de outra seção me chamou porque não conseguia usar um programa no computador. Sempre que isso acontece sou chamado. Já ganhei até um apelido por isso: Severino. Antes da Brigada, trabalhei em um estúdio fotográfico e em uma loja de celulares. Tenho facilidade pra lidar com equipamentos tecnológicos. À tarde, tivemos uma reunião com os comandantes. Temos uma nova capitã. Ela falou sobre sua filosofia de trabalho. Depois de sair do quartel, fui jogar vôlei com os colegas.

Sexta - 5 de novembro

todos os dias e se emociona com cada capítulo transmitido. Além das radionovelas transmitidas pela Rádio Santa Cruz ela também tinha o hábito de escutar as de Porto Alegre. Chegou até a escrever cartas para atores e lembra que recebeu respostas. Com as pernas cruzadas em uma cadeira de balanço antiga, Lurdes relembra com saudades de uma novela que fez muito sucesso e que emocionou seu público, o título era “O Direito de Nascer”. A história de uma mulher que namora um rapaz. A personagem se chamava Maria Helena. Ela engravidou e seu pai queria que tirasse o bebê. Por esse motivo, o título da novela era “O Direito de Nascer”. “Essa foi a melhor história de radionovela que escutei e ficou marcada até hoje!”. As radionovelas eram boas e ainda a gente trabalhava a imaginação, comenta Lurdes sorridente.

ECONOMIZAR FAZIA PARTE

naquele tempo, pois nem todos tinham condições de ter um aparelho de rádio em casa, devido ao custo. Os que tinham rádio dividiam com parentes, amigos e vizinhos. Reuniam-se todos em casa para ouvirem juntos as radionovelas. Ele fala que os rádios eram a bateria. Dona Lurdes sabe muito bem o que era economizar bateria, pois desligava o rádio na hora dos intervalos e ligava na hora que começava os capítulos. “Tínhamos que poupar a bateria porque durava somente oito dias e ai demorava de três a quatro dias até carregar e vir de volta de ônibus”, revela. Seu marido, Serafim Schmidt, diz que, como moravam no interior, tinham que pegar a bateria vinda de ônibus na parada da rodoviária. E o transporte que usava para buscar o material era sua carroça, puxada por dois bois. “Valia a pena fazer esse sacrifício e ver a mulher feliz”, lembra seu Serafim.

SAIBA MAIS A primeira transmissão de rádio no Brasil foi ao ar em 7 de setembro de 1922, porém, o veículo demorou a se tornar popular, em razão do preço do aparelho e a demora na implantação de retransmissoras. Quando as dificuldades físicas foram superadas, a forma encontrada para popularizar sua

programação foi lançar mão do mesmo recurso que os jornais, quando da invenção da imprensa escrita: a narrativa folhetinesca, ou seja, a radionovela. Na era de ouro do rádio, as radionovelas foram fundamentais para que a história do rádio brasileiro se configurasse.

Sabado - 6 de novembro

O dia foi ótimo. Fomos no arquiteto pegar a planta da casa nova. É um sonho sendo realizado. Já temos o terreno e uma casa construída, mas ela é mista, pequena. A nova vai ser perfeita, como a gente sempre quis. Final de semana em Catuípe é uma loucura. Canso mais na folga do que no trabalho. Mas nem me importo. Visito os parentes, amigos, e dedico tempo a Joice. Eu e ela namoramos há oito anos. Há quatro, moramos juntos. Essa situação, da distância, é dura. Ela sofre, eu também. Até nosso casamento foi corrido. Tive que pegar folga na sexta, cheguei no sábado da manhã, casei na tarde, e, no outro dia, já tive que voltar para o quartel. Já tentei me transferir algumas vezes. Mas os pedidos são negados. Em Lajeado, o efetivo é menor do que deveria ser. Em Catuípe, são só 10 brigadianos e o quadro está fechado; nas cidades próximas, também.

Domingo - 7 de novembro

Aproveitei pra dormir até tarde. Acordei só às 11h30. Fui fazer o almoço. Depois passei a farda e fiquei com a Joice. Às 14h, tive que ir para a rodoviária pegar o ônibus até Ijuí. Quando cheguei lá, adivinha? Não havia mais passe. Consegui uma carona com o próprio ônibus até Cruz Alta. De lá, um caminhoneiro me levou até Lajeado. Cheguei em casa quase meia noite. Comi, e fui dormir. Amanhã, as ocorrências do final de semana me esperam.

HISTÓRIA

Seu Paulo relata que os ouvintes tinham uma dificuldade

O casal Gilda e Paulo tornou -se famoso ao interpretar as primeiras novelas no rádio

O dia mais agitado da semana. Acordei bem cedo para arrumar a mochila. Depois, cortei o cabelo do Vargas, colega com quem divido o JK. Ele é de Santa Maria e também vai pra casa todo o final de semana. Liguei para Ijuí, queria marcar hora para revisarem nosso carro. Não consegui. Fica para a próxima semana. Também liguei para a Joice, minha mulher, para combinar de ela me buscar na rodoviária. Até aí, eu achava que iria pra casa tranquilamente, de ônibus. Por lei, todo o brigadiano pode viajar de graça em ônibus. Mas o passe se limita a duas pessoas por vez. Como o ônibus que eu pego vem de Porto Alegre, é difícil ainda ter passe em Lajeado. A passagem custa R$ 55. Se eu tiver que pagar cada vez, são mais de R$ 400 por mês, dinheiro que nunca me sobra. O jeito é pegar carona. A primeira carona me levou até Soledade. Depois, outro motorista me levou até Tio Hugo. De lá, fui com um taxista - de graça, claro até a Polícia Rodoviária Estadual de Tapera. Na PRE fica tudo mais fácil. Aproveito que os colegas fazem blitz e peço aos motoristas onde eles vão. Um me levou até o trevo de Tapera, outro até Ijuí, e de lá outro me levou a Catuípe. Depois de repetir as mesmas conversas com seis prestativos motoristas, cheguei em casa, feliz da vida, às 20h, meia hora depois do que chegaria se viesse de ônibus. Para completar a noite, tive que consultar no plantão do hospital. Alergia.

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Uma ordem de músicos sem músicos Músicos santa-cruzenses acham que não vale a pena pagar a anuidade da OMB-RS porque benefícios são poucos e apenas oferecidos na capital

MÚSICA

PATRÍCIA BARRETO REPORTAGEM FOTOGRAFIA

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Uma lei criada há 50 anos, durante o governo de Juscelino Kubitschek, gera muitas discussões em Santa Cruz do Sul. O que se sabe é que no município a Ordem dos Músicos do Brasil, regional do Rio Grande do Sul, OMB-RS, não está fiscalizando a profissão, o que seria uma de suas obrigações, ou seja, verificar se os músicos que estão atuando profissionalmente são registrados e estão em dia com a anuidade, que ainda é cobrada pela instituição. E os músicos santa-cruzenses reivindicam uma reciprocidade, a efetivação do pagamento em troca de benefícios. Para se ter ideia, dos 384 inscritos na Ordem no município, 347 estão inadimplentes, alguns há muito tempo, e apenas 37 deles estão em dia. Os músicos de Santa Cruz do Sul reivindicam mais olhares sobre a profissão, gostariam que houvesse uma revisão da Lei que ampara as arbitrariedades da Ordem, outros até defendem como uma profissão livre. A advogada da OMB-RS, Cínthia Tarragô Nene, conta, por e-mail, que está sendo feita uma reestruturação do órgão no estado, e que a questão da fiscalização está sendo analisada, mas que no momento não existe data para a retomada, mas garante que ocorrerá em breve. Para os profissionais inadimplentes, a instituição está com uma proposta de anistia, que consiste no pagamento da anuidade de 2010, ficando

assim o profissional da música isento das dívidas anteriores. A proposta chegou ao conhecimento de Silvane Severo, cantora, 29, que há alguns anos não paga mais a anuidade da OMB-RS. Quando fez a habilitação da Ordem, tinha o intuito de regulamentar a sua profissão e estar em dia com o órgão representante da classe. Há aproximadamente três anos, algumas dúvidas sobre o pagamento anual fizeram com que a cantora procurasse a instituição para saber se existia algum benefício ao músico registrado, e foi informada de que o que é oferecido, como descontos em consultas médicas, teatro, cinema, shows e farmácias, servem apenas para aqueles que estão em Porto Alegre, não sendo viável sair de Santa Cruz para se beneficiar de tão pouco. “Tenho o mesmo retorno pagando ou não”. Sobre os benefícios oferecidos, explica a advogada, são todos oferecidos em Porto Alegre, na sede da OMB-RS. Existem cursos gratuitos, auditório para o músico ensaiar, local para reuniões com prévio agendamento e descontos em estabelecimentos comerciais e culturais. Nas coordenadorias, no interior do estado, a instituição firma convênios com profissionais liberais e comércio, para que seja oferecido algum desconto ao profissional. No site da instituição, em Santa Cruz do Sul são propostos abatimentos

em apenas três estabelecimentos, com 5% de desconto, e um consultório odontológico que oferece 30%. “A sede é própria em Porto Alegre, por isso tem como oferecer mais coisas por aqui”, ressalta. A Cínthia relata que todos estão bem otimistas com a nova administração da Ordem. “Acredito que para o ano que vem teremos boas notícias para o interior”. Em Santa Cruz do Sul, o coordenador da Ordem é o músico e professor Astor Rocha, que atua a sete anos nesta função. Segundo ele, sua responsabilidade seria no que diz respeito às inscrições para as habilitações no município e região, e que na ocasião foi convidado para fiscalizar os músicos, mas acabou não aceitando, por motivos particulares. Sobre os benefícios, ele conta que sempre existiram os descontos, mas os profissionais reivindicam muito mais que isso. O coordenador afirma que a inadimplência da anuidade é grande, e que neste ano faltaram candidatos para os exames da Ordem. “É complicada demais a situação”.

A DESUNIÃO DA CLASSE Todos os finais de semana, isso há 18 anos, o músico Fernando Fontoura, 30, dedica grande parte de sua vida para a música. Com 15 anos fez o exame de habilitação da Ordem dos Músicos do Brasil, pois tinha conhecimento sobre os fiscais da OMB,


que autuavam e paravam os bailes caso registrassem alguma irregularidade. “Era sempre um medo que se tinha”, relembra. Apesar de nunca ter sido autuado, Fontoura ainda tem receio de que isso possa acontecer, por isso paga anualmente o valor cobrado pela instituição. Sobre os benefícios, ele desconhece, pelo menos aqui em Santa Cruz do Sul. Fernando comenta que falta união por parte dos músicos também, talvez isso ajudasse a reivindicar vantagens para quem paga a anuidade. O presidente da Associação de Bandas de Santa Cruz do Sul, Ilvo Edi Drescher, 51 anos, comenta que a OMB perdeu muita credibilidade junto à classe dos músicos. Para Ilvo é difícil que a instituição volte a fiscalizar, pois a Ordem existe, e os músicos estão trabalhando normalmente. “A OMB nunca foi algo conquistado, sempre foi algo imposto, por isso não funcionou”. Para ele seria bom se ela voltasse a atuar, mas que renovasse seus princípios e conquistasse a classe. Outro detalhe apontado pelo presidente é a desunião dos músicos no município, que também auxiliou para que a situação chegasse onde está. De um lado a Ordem dos Músicos do Brasil tentando aplicar a lei da forma que acha correta, isso ao longo

dos anos. Do outro estão os músicos desunidos e insatisfeitos por acharem a lei abusiva e sem benefícios qualquer. O que se pode ver é que a classe musical em Santa Cruz do Sul reivindica por vantagens, a maioria tem a mesma opinião, que a Ordem oferecesse benefícios à classe, não apenas fiscalizasse e cobrasse para exercer a profissão, práticas defendidas por lei. É um retrato de como está a situação aqui no município. Quando isso vai se resolver? Só o tempo vai dizer. É aguardar para ver.

SAIBA MAIS Independente da existência da OMB, Lei Federal 3.857/60, existe também o Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul - SINDIMUSRS, criado em 31 de janeiro de 1920, que representa a categoria dos músicos do Estado junto à sociedade. Oferece aos músicos sindicalizados diversos serviços e convênios, como atendimento jurídico, serviço médico, assessoria previdenciária entre outros. Segundo a própria instituição, não existe uma delegacia em Santa Cruz do Sul, ou seja, a maioria dos atendidos são os profissionais da capital.

DEPOIMENTOS “A OMB deveria deixar de existir porque acredito que a música é dom, é arte e não poderia ser fiscalizada e cobrada. Só concordo com a cobrança e a fiscalização se oferecesse aos músicos os mesmos reconhecimentos, direitos e benefícios dados as outras profissões”

Silvane Severo, cantora, 29 anos. 15 anos na música. “A Ordem dos Músicos deveria ser mais organizada, assim como os músicos. Deveria ser que nem um sindicato, que batalhasse pelo músico, oferecesse benefícios, tivesse odontologia, assistência à saúde e etc”.

Fernando Fontoura, baterista, 30 anos. Há 18 anos na música. “Quando comecei a cantar já existia todo o estresse em cima da questão de paga ou não paga a Ordem, então resolvi não fazer a habilitação, pois não havia nenhum benefício quanto a isso”

Marcel Knak, cantor, 22 anos. Há 8 anos na música. “A Ordem deveria criar associações para que os músicos pudessem usufruir dessas associações e seus benefícios”.

MÚSICA

José Ornélio Peixoto, trompetista e professor de música, 43 anos, 28 anos de profissão. “Que bom se ela voltasse atuar, mas que renovasse seus princípios e conquistasse a classe”

Ilvo Edi Drescher, Presidente Abansc, trompetista e proprietário de banda, 51 anos. Há mais de 25 anos na música.

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Quando seu filho é um espírito Pais recorrem a centros espíritas para encontrar respostas às mortes prematuras de seus filhos

no Centro Espírita de Celso Afonso. Depois de preencher um bilhete com os dizeres ‘Maria Luíza pede notícias sobre Ilgo Júnior’, ela aguardou, durante uma hora, enquanto o médium psicografava mensagens de diversos desencarnados. “Eu não conhecia nada da doutrina espírita. Fui esperançosa, mas sem saber se receberia alguma mensagem”. A resposta veio logo. Encerrada a sessão, o médium pegou um microfone e, entre as cartas que lia, uma se destacou. Seu início dizia assim: ‘Querida mãezinha Luíza. Não sei como esta carta pode acontecer. Sei que ela acontece e é o meio por mim encontrado para dizer à minha mãe que estou vivo e não trago nenhuma marca no corpo que possa revelar o acidente triste ocorrido em meu gesto impensado de menino’. Isso foi tudo o que Maria Luíza ouviu naquele momento. A emoção de ter notícias de Nonô foi mais forte e tudo o que fez foi chorar. Apenas mais tarde, quando recebeu o manuscrito em mãos, soube que o filho havia desencarnado, tratado em hospitais localizados no plano espiritual e recebido por sua avó Celina, falecida

já há alguns anos. O filho também consolava a família: ‘Mãezinha (...) você emagreceu muito e sei que o papai Ilgo está se culpando por haver deixado aquela arma em nossa casa. Se querem me ajudar, confiem em que estou bem e perdoem o meu erro, causando tanta dor aos seus corações’. A mensagem do filho foi como uma nova vida para Luíza. Mas a dor ainda habitava seu coração e, aos poucos, as dúvidas surgiam. “Eu achava que alguém podia ter contado ao médium a história. Pensei até que eles podiam ler meus pensamentos”. Dois meses depois, voltou a Uberaba, dessa vez, determinada a provar que o filho continuava realmente vivo. “Na primeira carta ele havia assinado como Ilgo Júnior. Então eu pensava o tempo inteiro que, se fosse mesmo meu filho, ele assinaria como Nonô..” Luíza foi ao Centro Espírita de Chico Xavier e lá, após uma sessão de psicografia, recebeu a segunda carta do filho. Para sua surpresa, em letras garrafais, ao fim da página, estava a palavra pela qual ansiava: Nonô. Depois disso, com a plena certeza de que a vida

ESPIRITISMO

ANA FLÁVIA HANTT REPORTAGEM FOTOGRAFIA

Era madrugada de segunda-feira, em setembro de 1989, quando um garoto de 10 anos, insone, procurava alguma distração pela casa. Sua irmã mais velha dormia em seu quarto. Seus pais ainda trabalhavam na lancheria da família, localizada há algumas quadras dali. O menino resolveu, então, pegar a arma que o pai guardava em um armá-rio. Sem pensar o que poderia acontecer, apontou para si mesmo o revólver. Na certeza de que o gatilho estava travado, forçou o dedo. Foi o gesto que lhe tirou a vida. O trecho descrito acima, embora seja repetido pela família há 21 anos, foi contado pelo próprio Ilgo Júnior Ruppenthal, o Nonô, depois de sua morte. O meio? Duas cartas psicografadas, uma por Chico Xavier e outra por Celso Afonso, ambos médiuns. Depois de se ver desesperada, por três meses, com a perda do filho, Maria Luíza procurou uma forma de responder os ‘porquês’ que se acumulavam. Embarcou em uma excursão para Uberaba, em Minas Gerais, cidade amplamente conhecida por sua ligação com a doutrina espírita. A primeira mensagem chegou

Ilgo Júnior manifestou aos pais que estava vivo por meio de uma carta psicografada.

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LEGENDA

COMO É POSSÍVEL?

OS SINAIS QUE NINGUÉM PERCEBEU Apesar do contato com a doutri-

na espírita ter se iniciado depois das mensagens psicografadas de Ilgo Júnior, hoje, Maria Luíza percebe que seu filho já dava muitos sinais a respeito da mediunidade. Seu apelido, inclusive, foi dado porque o menino, ainda bebê, já falava muito no Nonô, um velho que somente ele via. A própria morte do garoto foi envolvida em sinais e premonições. Cerca de duas semanas antes do ocorrido, Maria Luíza tinha visões que avisavam da morte do filho. “Eu estava trabalhando e

via meu filho em um caixão, morto por um tiro. Por duas vezes, vi ele perto de mim, sorrindo, mas paralítico”. Nonô também achava que havia algo errado. Dois dias antes do acidente com a arma, enquanto caminhava com a mãe pela rua, falou-lhe sobre o que sentia. “Ele disse que pressentia que ia fazer uma viagem para longe, um lugar que nunca foi, onde moraria com outra família e nunca mais nos veria”. Dois dias depois, o menino realmente partiu.

ESPIRITISMO

continua mesmo depois da morte, Maria Luíza conseguiu reunir forças para continuar. Criou seus filhos e adotou mais duas meninas uma das vontades manifestadas por Nonô enquanto ainda estava vivo. Hoje, tem certeza da presença do filho, mesmo que não o veja fisicamente. “Sei que ele está bem e sempre nos ajudando”.

A história de Ilgo Júnior Ruppenthal ilustra as páginas de um livro chamado Jardim das Crianças, composto por cartas psicografadas pelo médium Celso Afonso. Na mesma publicação, está a história de Lucas Krindges, que faleceu aos três anos, vítima de meningite. Sua mãe, Jacqueline, conta que após a morte do filho, se perguntava incansavelmente sobre o seu estado. “Receber a mensagem dele foi um momento inesquecível. Não sabia o que fazer, nem o que pensar.” Contudo, o sinal de Lucas também modificou sua vida. “Na carte ele diz ‘vou lá em casa, pena que vocês não me respondem’. Nunca retornei à minha residência”, enfatiza. Mas como as mensagens de Ilgo e Lucas são possíveis? A Doutrina Espírita é uma ciência criada pelo francês Allan Kardec (foto abaixo). Conforme essa linha de pensamento, todas as pessoas são espíritos eternos, que apenas encarnam, ou seja, habitam um corpo de carne na Terra a fim de aprender lições que auxiliem na sua evolução. Quando morrem, se desligam do corpo - como se trocassem de roupa – e voltam para o plano espiritual, seu verdadeiro lar. A membro do Centro Espírita Em Busca da Verdade, Glaci Mergener, explica que apesar de parecer injustiça, a morte de uma criança é algo natural. “Para o espírito que está encarnado, a morte pode significar o complemento de uma existência interrompida antes do tempo marcado. Mas na maioria das vezes, é uma entidade que vem com a missão de ensinar algo aos pais”.

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