Contato, edição para agosto de 2014: As viagens da vida

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MUDE SUA VIDA.

O PASSEIO DE BICICLETA no selim de trรกs

Um tipo diferente de seguranรงa A doenรงa que me salvou

Um propรณsito mais profundo O sentido da perda

MUDE O MUNDO.


Volume 15, Número 8

C O N TATO P E S S OA L auxílio nas dificuldades Um dos desafios da vida cristã é o fato de que ser um seguidor de Jesus não é sinônimo de estar imune às provações e às tribulações da vida. Deus é amor,1 mas mesmo os que nEle creem e à Sua causa se dedicam sofrem com doenças, perdas, dificuldades financeiras, preocupações, medos e morte. Não somos exceções e essa é uma verdade que Jesus não disfarçou, mas ofereceu esperança quando disse: “Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo.”2 As dificuldades que enfrentamos são importantes para Deus. Conhecenos tão intimamente que sabe quantos fios de cabelo temos!3 Entende o que estamos passando, inclusive quando não sabemos expressá-lo em palavras,4 e em nosso sofrimento tem compaixão de nós.5 Entretanto, o Todo-poderoso não resolve nem elimina todos os problemas com um estalar de dedos nem desfaz todas as decepções num piscar de olhos. Prefere que encontremos forças e esperanças na certeza de que Ele está conosco e vai nos ajudar. É por isso que a Bíblia diz: “Feliz é o homem que persevera na provação, porque depois de aprovado receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que O amam.”6 Indiscutivelmente, é ótimo saber que Deus está do nosso lado e trabalhando para gerar benefícios de tudo que acontece conosco, mas quando as coisas vão mal, as pessoas também necessitam do apoio e da ajuda dos outros. Há muita tristeza e sofrimento ao nosso redor e não seremos capazes de resolver todos os problemas que encontramos; no entanto, cada um de nós pode fazer algo para melhorar as coisas para quem está passando por tempos difíceis e aliviar o fardo de alguém. Como Santa Teresa de Ávila (1515–1582) observou: “Cristo não tem nenhum corpo além do nosso. Os pés e mãos que Ele tem na Terra são os nossos.”

Contamos com uma grande variedade de livros, além de CDs, DVDs e outros recursos para alimentar sua alma, enlevar seu espírito, fortalecer seus laços familiares e proporcionar divertidos momentos de aprendizagem para os seus filhos. Para adquirir nossos produtos, obter mais informações, ou se tornar um assinante da Revista Contato, visite nossos sites ou escreva-nos. Assinaturas, informações e produtos: www.activated.org/br www.contato.org www.lojacontato.com.br E-mail: revista@contato.org

Editor Mário Sant'Ana Design Gentian Suçi Diagramação Angela Hernandez Produção Samuel Keating

Mário Sant’Ana Editor

Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil.

1. Ver 1 João 4:8.

A menos que esteja indicado o contrário, todas as referências

© 2014 Activated. Tradução: Mário Sant'Ana e Tiago Sant'Ana

2. João 16:33 3. Ver Lucas 12:7. 4. Ver Romanos 8:26. 5. Ver Salmo 147:3. 6. Tiago 1:12 2

às Escrituras na Contato foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 1990, por Editora Vida.


o i e s s a a t p O icicle b e d t Au

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o nim

Quando conheci Jesus,

minha vida se tornou praticamente um passeio em uma bicicleta para duas pessoas. Eu na frente, controlando o guidom e Jesus atrás, ajudando a pedalar. Não lembro exatamente quando foi, mas, um dia, Ele sugeriu que trocássemos de lugar. Então, o passeio ficou muito mais emocionante e minha vida mudou! Quando eu estava conduzindo, sempre por caminhos conhecidos, a viagem era segura e previsível, se bem que, às vezes, enfadonha — a menor distância entre dois pontos. Mas, quando Jesus ocupou o selim da frente, seguimos por lindos e longos caminhos que Ele conhecia, passando por trilhas nas montanhas e descendo ladeiras a velocidades alucinantes. A única coisa que eu podia fazer era me segurar para não cair!

Evitava questionar Suas escolhas, mas uma vez não me contive. “O Senhor não acha que deveríamos ir só um pouquinho mais devagar? Estou com medo.” Virou-se para mim, sorriu, tocou minha mão e disse: “Está tudo sob controle. Só pedale.” Às vezes, preocupado e ansioso, eu perguntava aonde Ele estava me levando. “É uma surpresa”, Ele respondia sorrindo. Aos poucos, fui aprendendo a confiar, esqueci-me da minha vida enfadonha e mergulhei na aventura. Levou-me para conhecer pessoas que tinham dons que eu precisava: amor, cura, aceitação e alegria. Dividiram o que tinham comigo para eu levar na viagem — na nossa viagem, minha e do Senhor — e lá fomos nós. Ensinou-me a “distribuir os dons” e foi o que fiz, dando-os àqueles que encontrávamos. E tive outra

surpresa, quando vi que quanto mais eu repartia, mais eu tinha, tanto para mim quanto para as outras pessoas que encontrava na viagem. E ainda assim a nossa carga era leve. No princípio, eu não confiava o suficiente para deixar Jesus controlar minha vida, porque achava que a arruinaria. Mas Ele conhece a condição e a capacidade da bicicleta, além de muitos macetes. Sabe como fazer as curvas mais acentuadas em alta velocidade, como fazer a bike saltar sobre as pedras no caminho e até voar quando a estrada “some”. Estou aprendendo a não me preocupar nem querer reassumir o controle, mas apenas relaxar e curtir a paisagem, sentir a brisa no rosto e desfrutar da companhia do meu eterno parceiro. Às vezes ainda me canso, porque a viagem é longa e difícil, mas Jesus, sorrindo, me diz: “Só pedale.” ■ 3


SUPORTANDO DIFICULDADES Maria Fontaine, adaptação

Os cristãos não estão imunes

às dificuldades da vida, mesmo que alguns achem que deveriam. A expectativa de que a fé nos protegerá de todos os problemas, lutas e sofrimentos pode, diante de intempéries, produzir um “complexo de mártir”, a ponto de acharmos não haver situação pior que a nossa. Quem pensa assim deve dar uma olhada nas situações com as quais os outros — crentes e não crentes — têm de lidar no dia a dia. É possível que alguns pareçam estar materialmente 1. Ver 2 Timóteo 2:3 2. Ver Tiago 1:12 3. Hebreus 10:36 4. Romanos 5:3–4 4

melhores, mas há muitos que não conseguem sequer atender às necessidades básicas à sobrevivência. Apesar de os cristãos enfrentarem dificuldades físicas semelhantes às dos outros e terem muitos problemas, podem, de um modo geral, pelo menos entender pela palavra de Deus que existe uma boa razão para o que está acontecendo, um propósito divino, que sua provação é parte da operação nos bastidores da vida. Mesmo quando não vemos nenhum benefício imediato que possa advir de nossas dificuldades, elas têm o potencial de nos ensinar lições e nos tornar mais fortes. E isso basta para fazer com que seja mais fácil suportá-las. Algumas pessoas lidam por anos com aflições, com um patrão difícil,

ou com um trabalho que odeiam. Outros — cristãos e não cristãos — são ridicularizados, criticados, rejeitados ou até abertamente perseguidos por suas convicções. Nossa fé em Cristo muitas vezes nos permite entender como até mesmo nossas dificuldades servem para nos ajudar. Os que não creem não contam com um Salvador que os auxilie na compreensão do motivo de suas aflições. As dificuldades existem, mas nossas vidas provavelmente parecem comparativamente fáceis para tantos que não dispõem do senso de propósito que nossa fé nos dá. Podemos aprender e crescer a partir de nossos problemas. Nossas lutas nos ensinam a ter paciência, a persistir, a nos apegarmos às promessas de Deus e suportar sofrimentos como bons soldados de Cristo Jesus1 — não só por um dia, uma semana ou um mês, mas, se preciso, por muitos meses ou até anos. A Bíblia ensina que Deus abençoa os que pacientemente suportam os testes.2 “Vocês precisam ter paciência


Não sobreveio a vocês tentação que não fosse comum aos homens. E Deus é fiel; ele não permitirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar. Mas, quando forem tentados, ele mesmo lhes providenciará um escape, para que o possam suportar. — 1 Coríntios 10:13 NVI

QUEM ME DERA VER ADIANTE [ao passar por problemas] para poder fazer a vontade de Deus.”3 Paulo chegou a declarar: “Gloriamonos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança.”4 Às vezes, passamos por períodos prolongados durante os quais não devemos de forma alguma nos orientar por nossos sentimentos ou pelas circunstâncias. É nessas horas que é importante nos agarrarmos aos fatos claramente estabelecidos na palavra de Deus, dentre eles, o Seu amor. Ele nos ama e se importa conosco, independentemente de como nos sintamos. Mesmo quando tudo parece se voltar contra nós ou dar errado, podemos confiar que o bem triunfará no fim e Jesus sempre estará conosco. Maria Fontaine e seu marido, Peter Amsterdam, são diretores da Família Internacional, uma comunidade cristã. ■

Quem me dera ver adiante Como o faz Deus Que a nuvem escura ficasse distante Dos filhos Seus Não temeria as dores do agora Que logo irão embora Pois alegrias esperam lá fora Por você e por mim Quem me dera ver adiante Como o faz Deus Entender o pranto perseverante Nos olhos meus Veria que a aurora a noite sucede Que o riso ao choro excede Os erros a verdade despede Assim a fé ensina Quem me dera ver adiante É sempre o desejo Mas Deus oculta do viajante Após a curva está o ensejo Não saber o que me aguarda Torna a alma felizarda Pois Sua bênção já não tarda Vou confiar e obedecer —Norman J. Clayton (1903–1992)

ELE ME DÁ A GRAÇA Mais graça Deus dá quando as cargas aumentam, Mais força concede ao crescer o labor, Em grandes angústias envia consolo, Em todas as provas dá paz e valor. E, quando os recursos em nós se esgotarem E em meio ao caminho a força faltar, Veremos a fonte da graça divina Em nós Seu poder começar a jorrar. Tua necessidade maior que Sua provisão? Ora isso não tema o teu coração Aconchega-te nos braços eternos E o Pai delas se ocupará então Amor sem limites, poder sem barreiras, Que graça infinita, inefável tem Deus! E desses tesouros, guardados em Cristo, Em grande medida dará sempre aos Seus. —Annie Johnson Flint (1866–1932) ■ 5


Reconstruindo uma

a vId

Mag Rayne

Conheci Nádia faz sete anos, quando um amigo a trouxe à

nossa casa certa noite, às dez horas. Sua pele era amarelada; os olhos, fundos e vazios. Dava para ver que o cabelo fora bem cuidado, mas isso fazia algum tempo. Naquele momento estava seco e embaraçado. Sua roupa, expressões faciais e linguagem corporal denunciavam, mesmo antes de ela dizer coisa alguma, que havia perdido a esperança. Fazia menos de um ano, Nádia era o motivo de inveja de muitas mulheres em seu bairro. Bela, boa posição social, casada, 30 anos e a mãe “perfeita” 1. Ver Romanos 8:28. 2. Salmo 42:5–6 6

de duas meninas, vivia em uma casa grande e atraente, onde costumava oferecer festas com numerosos convidados. Mas tudo isso estava muito longe daquela que, sentada em nossa sala de estar, se mantinha agarrada à mão do nosso amigo comum. Sua vida sofrera uma reviravolta; o marido se divorciou dela e as empresas que tinham juntos estavam à beira da falência. Os pagamentos da hipoteca sobre a residência da família não foram feitos por vários meses e o imóvel estava prestes a ser tomado pelo credor. O ex-marido chegou a tentar que ela fosse declarada mentalmente incapaz, para assim obter o controle exclusivo sobre os bens e o comando total das

empresas. Seu mundo se desfizera com o fim do casamento, afetando sua saúde a ponto de ela sofrer um ataque cardíaco. Para piorar a situação, seus amigos, na maioria das vezes, passaram a ficar muito ocupados ou se tornaram difíceis de serem encontrados, quando ela deles precisava. Sua pequena e débil fé era a que construíra a partir da educação tradicional que recebera. Contudo, Nádia sentia que, para conseguir suportar toda aquela crise, o Deus que, até então, era para ela, em suas palavras, “um ente em algum lugar distante” precisava se tornar uma presença real em sua vida. A primeira oração que fizemos juntas lhe animou um pouco o espírito e,


As dificuldad es me ajudar am a entend a vida é em er melhor q todas as suas uão infinitam dimensões, nos preocup ente rica e b e que muitas amos não tê ela das coisas co m a menor im (1885–1962) m as quais portância. — Karen von Bl ixen-Finecke Você sempre encontrará m uitas oportu disfarçadas nidades cria de problem das por Deu as e desafio s perfeitamen s. — Charles te Udall Quando men os esperamo s, a vida colo nossa corag ca diante de em e nossa nós um desafi vontade de fingir que ai o para testar m u d ança. Nesse nda não esta momento, n mos pronto para trás. — ão s. adianta O d es Paulo Coelho afio não esp era. A vida n (1947) ão olha Os desafios são inevitáv eis; a derrota , opcional. — Roger Craw ford (1960) Quanto mai or for o obst ác u lo, mais glori (1622–1673) osa será a su peração. — Molière

interior, um uma bela força u de e m n ow o desconhecia. A terapia cl or que até entã am de al ci pe esma, de levar sentimento es dom de mim m do m ve e qu ia É a realização ssitado. — Nád ém triste e nece gu al a e ad id felic

quando nos despedimos, comprometeu-se a participar regularmente de nossos estudos bíblicos. Nos meses seguintes, aprendeu os fundamentos da oração e da fé, habilitando-se assim a lidar por conta própria com dúvidas, pensamentos tristes e ansiedades. O progresso era lento e alguns dias, melhores que os outros. Em dois anos de altos e baixos, Nádia nunca perdeu a esperança, mas continuou avançando rumo à cura interior e a um futuro melhor. Com o tempo, recuperou a vontade de viver, trabalhar, cuidar da família e dar um bom exemplo para as filhas. Enquanto as pessoas em seu círculo viam o que lhe sucedera como uma tragédia, ela entendia que sua

experiência era apenas mais um caso em que Deus extrai dos reveses benefícios para os que O amam.1 Tem a certeza de que sem essa profunda crise da alma e a destruição do seu antigo mundo não teria de fato compreendido o amor que Deus tem por ela nem encontrado o verdadeiro significado da vida. Quando Nádia reordenou suas prioridades, Jesus passou a ocupar o primeiro lugar. Seus problemas financeiros não se resolveram e a batalha judicial com o ex-marido relacionada à partilha dos bens se arrasta há sete anos. Enquanto isso, minha amiga sobrevive de uma pequena pensão e da receita dos trabalhos esporádicos que faz. Apesar das dificuldades econômicas, é participante assídua nos

projetos de nossa associação e integra nosso programa de terapia clown. O mais importante é que Nádia está mais preparada para encarar seus problemas. Livrou-se do medo da perda, porque sabe que Aquele que a ajudou a enfrentar a maior crise de sua vida jamais a abandonará. Aninhada nas mãos de Deus, não vê as dificuldades tão assustadoras como antes. Como o rei Davi, diz com um sorriso: “Por que estou tão triste? Por que estou tão aflita? Porei minha esperança em Deus e ainda O louvarei. Ele é o meu Salvador e o meu Deus! “2 Mag R ayne coordena uma associação de voluntários na Croácia. ■ 7


Um tipo diferente de segurança Lily Neve

Não vão voltar!

Lembro como me senti quando finalmente percebi a situação: sozinha, com medo e insegura. Havia muitos anos que, em um país pobre no Sul da Ásia, trabalhava em um projeto social, no qual, apesar de muito ativa, não era a responsável pela operação, mas um “componente da máquina”. Eu gostava disso. Sentia-me segura por contar com os anos de experiência dos demais e com os recursos financeiros que dispunham. Não havia muito com que me preocupar. Certo verão, tudo mudou. Os planos de meus colegas foram repentina e radicalmente mudados por problemas de saúde e questões envolvendo o futuro educacional de seus filhos. Por isso, foram embora e 8

a operação ficou em minhas mãos. Eu sabia que teria de avaliar a situação e refletir sobre o futuro do trabalho que vínhamos fazendo. Os próximos meses estavam garantidos — havia recursos provisionados suficientes para isso. Mas e depois? Não fazia a menor ideia. Na mesma época, fiquei doente como nunca antes. De cama mais de um mês, mal conseguia comer. Por incrível que pareça, esse estado de completa incapacidade me impediu de sucumbir à preocupação desenfreada, como normalmente acontecia. O fato é que eu estava doente demais para ceder ao medo e foi nesse momento que Deus se manteve forte e trabalhou por mim. O tempo passou sem que houvesse maiores mudanças,

intervenções e nada faltou para os projetos sociais nem para mim. Quando uma porta se fechava, outra se abria. Sempre valorizei a segurança, mas naquele período de mudanças e de independência recém-descoberta, encontrei um tipo diferente de certeza e felicidade. Decidi que enquanto for capaz — com a ajuda de Deus — eu me dedicarei ao trabalho aqui. Minha vida tem sido cheia de desafios e imprevisível, mas nunca fui tão feliz. Creio que Deus pode resolver as coisas mesmo quando não há nada que possamos fazer para ajudá-lO. Como eu poderia não acreditar nAquele que acreditou em mim? Lily Neve é membro da Família Internacional na Ásia do Sul. ■


Janet Barnes

A lagoa ao lado da minha casa oferece um cenário tr anquilo e

contemplativo, perfeito para a reflexão. Certo dia, quando passava por um momento particularmente difícil, sentei no píer, muito sozinha e precisando das respostas de Deus — ou pelo menos um sinal da Sua presença, alguma reafirmação da Sua mão em minha vida. Depois de um tempo, como não houve nenhuma manifestação, comecei a voltar para casa, um tanto decepcionada. Foi quando ouvi um som alto, como uma buzina, olhei ao redor e vi que era de um ganso que veio voando baixo até pousar graciosamente no meio do lago. Achei estranho ele estar só. Esses bichos normalmente viajam em bandos quando voltam para o Norte, depois da primavera. Sobre o

lago plácido, a ave logo se mostrou ansiosa, passou a remar mais rápido, em círculos cada vez menores e seu grasnado parecia mais angustiado. Depois de alguns minutos observando a cena, segui pensativa meu caminho. Ao passar pela ponte sobre o riacho que corre para o lago, vi outros cinco gansos atrás de arbustos. Aparentemente, o sujeito solitário que eu havia visto fazia parte daquele pequeno grupo, mas tinha tentado ficar sozinho por um tempo. Perguntei-me o que os outros fariam. De súbito, todos viraram na direção do amigo desgarrado, esticaram o pescoço para frente, começaram a grasnar tão alto quanto podiam e voaram para ajudá-lo e confortá-lo. Pousaram e começaram a nadar ao lado do ganso, agora não mais solitário, emitindo tons mais suaves.

A cena tinha algo a me ensinar. Naquele dia, eu não conseguia ver o conforto ou o desvelo de Deus, assim como o ganso sozinho não enxergava os companheiros, logo depois da curva, apesar de estarem lá, dispostos e capazes de resgatá-lo quando pediu ajuda. Por que me surpreendo quando Deus não me resgata imediatamente? Talvez Ele esteja esperando que eu aprenda uma lição ou veja o erro dos meus caminhos. Mas Ele está sempre lá, sempre presente. Quer eu sinta Sua presença, quer não, sei que me atenderá quando O chamar. Janet Barnes é educadora voluntária há 25 anos. Mora atualmente nos EUA, onde participa regularmente de trabalhos assistenciais e obras filantrópicas. ■ 9


UM PROPÓSITO MAIS PROFUNDO Bonita Hele

Na infância e na adolescência eu era solitária, cheia

de ansiedades e nunca tive um amigo próximo. Queria conhecer alguém com quem me sentisse confortável o suficiente para contar qualquer coisa, e que não tivesse medo de revelar para mim seus segredos. Buscava uma amizade em que eu fosse entendida, aceita e só precisasse ser “eu mesma” — mas ficava pensando se isso só existiria nos livros. Aos 14 anos, encontrei alguém assim! Desde nosso primeiro encontro, era como se Stephanie e eu nos conhecêssemos a vida inteira. Éramos 10

confidentes e minha ansiedade habitual desaparecia quando estávamos juntas. Tínhamos os mesmos interesses, hobbies e até a mesma opinião sobre quase tudo. Nossas famílias brincavam dizendo que compartilhámos o mesmo cérebro, porque era comum terminarmos as frases uma da outra. Quando segui o chamado no meu coração para participar de uma missão em outro país, senti muito a falta de minha grande amiga... muito. Mantivemos contato e no escrevíamos com frequência, pois, afinal, não se encontra uma amizade assim todos

os dias. No meu aniversário, enviou-me um desenho — de dois lobos e uma águia — e uma carta cheia de novidades sobre tudo que ela estava fazendo e planejava fazer. Dias depois, um telefonema trouxe uma notícia devastadora: Stephanie fora atropelada por um caminhão em alta velocidade enquanto passeava de bicicleta com o namorado. Morreu horas após o acidente. Perdi a fala. O mundo, de repente, parecia sem cor e sem ar. Desabei sobre uma cadeira e me desfiz em lágrimas. Como ela pode


E S C O LT A D E A N J O S “Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão.” — Lucas 16:22 Nada é dito sobre o funeral desse homem. Se teve um, com certeza foi o enterro de um indigente. Não se faz honrarias a um mendigo, não há para ele caixão esplêndido ou flores. Contudo, anjos vieram e o escoltaram para a glória! Nada tampouco é dito sobre o que aconteceu com seu corpo, pois aquele homem não habitava mais a carcaça velha e desgastada. Logo passou para a glória eterna. Quando o cadáver tombou, o homem de verdade foi levado para o céu! Lá, deixou de ser mendigo e passou a desfrutar as bênçãos eternas. Há ainda outro pensamento aqui: temos medo da morte. Parece ser o fim da existência, mas, na verdade, para o cristão, a morte é apenas um fugaz incidente da vida, um momento de passagem para uma experiência que nunca entenderemos: a glória eterna. Ao portão de uma casa rica, o mendigo desprezado e faminto adormeceu e vivenciou uma estranha sensação em que tudo ficou confuso. Quando acordou, voava escoltado por anjos. Em pouco tempo, estava na cidade celestial, onde passou a viver para sempre com o Senhor. — James Rupert Miller (1840–1912), adaptação ■

estar morta? Por que Stephanie? Era só uma adolescente. Tinha tantos sonhos. Queria tornar o mundo um lugar melhor e sabia que ia fazer algo grandioso. Pensava em se casar e ter filhos. Era minha amiga, minha melhor amiga. Entre soluços que pareciam rasgar meu coração, perguntei a Deus: “Por quê?” De repente, senti algo... mais do que um pensamento e maior do que um sentimento. Fazia um momento, estava tomada de profunda tristeza e desespero, mas então fui invadida por uma maravilhosa sensação de leveza e alegria.

A frase que me veio à mente foi: Se você soubesse como é aqui! Senti a presença de Stephanie — só por um instante, mas bastou. De alguma forma, entendi naquele momento que ela me dizia estar bem, em um lugar melhor, repleto de maravilhas, luz e vida além de qualquer coisa que eu poderia imaginar. Enchi-me da certeza de que a veria novamente. Nasceu em mim, então, a convicção indelével de que cada vida tem um propósito mais profundo do que posso entender. Havia um lindo sentido para a vida de Stephanie, até

mesmo na sua morte. Mesmo que eu hoje não entenda, em breve, tudo se esclarecerá. Então, cada lágrima que tentar ofuscar nossos olhos vai ser enxugada. Finalmente veremos Jesus face a face. É quando reencontraremos os que amamos, mas dos quais ficamos afastados por um tempo. Um dia que vai durar por toda a eternidade. Bonita Hele é escritora freelance e editora nos EUA. É membro da Família Internacional. ■ 11


Disse-lhe Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em Mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em Mim, não morrerá eternamente”.—João 11:25–26

Silencio Phillip Lynch

Tenho tido alguns contatos com a morte ultimamente. Meu sogro fale-

ceu um mês antes de completar 99 anos. Minha esposa e eu morávamos com ele e meu cunhado havia cinco meses. Era um bonachão que queria viver 100 anos, mas seu corpo não aguentou. Hoje recebi a notícia que um primo meu também morreu. Não éramos muito próximos, mas me fez parar para pensar que alguém que eu conhecia não está mais entre nós. É um sentimento estranho. Duas vozes que 1. Ver Lucas 23:43. 2. Ver 1 Pedro 3:19. 3. Ver 2 Coríntios 12:2–4. 4. Ver Lucas 16:20–22. 5. Ver Gálatas 5:22–23. 12

se calaram. Não há pares para elas. E a vida ficou diferente. O mundo — pelo menos o meu — não é mais o mesmo. A Bíblia não fala muito sobre o que acontece aos que morrem. Jesus foi para um lugar chamado Paraíso, depois que morreu crucificado.1 Sabemos também que visitou os espíritos em prisão,2 mas isso não quer dizer que o Paraíso e a “prisão” sejam o mesmo lugar. Paulo disse haver conhecido um homem — muitos pensam que se referia a si próprio — que visitou o Paraíso ou o terceiro céu, como chamou o apóstolo. Foi um acontecimento tão profundo que Paulo não tinha certeza de ter sido uma experiência exclusivamente espiritual.3 Em uma de Suas parábolas, Jesus falou de Lázaro, alguém que, após a morte, foi levado para junto de Abraão.4

Jesus prometeu que os que nEle creem têm vida eterna e, pelo que sabemos sobre Deus e como o amor, a alegria, a paz, a paciência, a bondade, a ternura e a gentileza estão na essência do Seu Espírito, acho que podemos contar que a vida após a morte será uma experiência maravilhosa à Sua presença.5 A vida física tem início e fim. Naturalmente, alegramo-nos com um nascimento e lamentamos a morte. Agora, há um silêncio na minha alma, mas sei que não é o fim da história. Phillip Lynch é romancista e comentarista de assuntos espirituais e escatológicos. Mora em Atlantic, no Canadá. ■


LIZ Reuben Ruchevsky

Liz era a melhor amiga de minha mãe. Conhecemo-nos no

clube de tênis onde eu trabalhava depois da aula e nos fins de semana. Conversava comigo como se fôssemos amigos e por isso a admirava. Os tempos mudaram no fim da década de 1960 e eu também. De garoto de classe média conservador e tímido, ao chegar à universidade, transformei-me em hippie irreverente, intenso, em busca de respostas e perdido. Em um dos meus esforços para encontrar o sentido da existências, visitei todos aqueles que tinham sido uma boa influência na minha vida — uma lista na qual, claro, Liz estava. Cheguei à sua casa sem avisar. Sem preconceitos nem pânico, ela e o marido, o quieto “Big John”, receberam aquele “velho” conhecido mal vestido e com cara de chapado. Sentamos para conversar e dividi com eles todas as minhas teorias extravagantes e ideias mirabolantes. Se reviraram os olhos ou piscaram um para o outro, não percebi.

Tempos depois, descobri o que estava buscando. Um amigo me contou como havia orado e recebido Jesus como Salvador e fiz o mesmo. Não demorou muito, decidi integrar uma missão para alcançar os jovens da Nova Zelândia e da Austrália com o Evangelho. Voltei para minha cidade natal para me preparar para minha missão e me lembrei de Liz. Não fazia muito tempo, soube que se encontrava doente, em estado terminal. Fui visitá-la com minha mãe. Deitada numa espreguiçadeira, atendida pelo marido e pela mãe, ouviu-me falar sem parar de tudo que me havia sucedido desde minha última visita. Ficou impressionada que tanto pudesse ter acontecido em tão pouco tempo: de “bom” rapaz para hippie esquisito e, então, voluntário em tempo integral pronto para ir para o outro lado do planeta. Em determinado momento, percebi que ela estava cansada e sabia que era hora de eu ir. Perguntei-lhe se gostaria de fazer uma pequena oração comigo. Depois de um momento de silêncio, concordou.

Ajoelhei-me ao seu lado, tomei-lhe a mão e fechamos os olhos. Primeiro senti a mão de minha mãe se juntar às nossas, depois a mãe de Liz também nos deu a sua. Mal comecei a orar e Big John copiou o gesto. Todos fizeram uma simples oração pedindo a salvação e convidando Jesus para entrar em seus corações. Liz viveu ainda vários meses, durante os quais sua vida mudou completamente. Tornou-se uma ávida leitora da Bíblia, cheia de alegria e fé. Era uma pintora magnífica e mesmo doente continuou pintando. Os recursos provenientes das vendas de suas últimas obras ajudaram a estabelecer nosso trabalho voluntário de evangelização na Nova Zelândia — uma obra que perdura até hoje. O Céu é povoado por aqueles aos quais convidamos para morar conosco lá. Espero vê-la em breve, Liz! Reuben Ruchevsky vive atualmente na Ásia, de onde continua a compartilhar com os outros os convites de Deus. ■ 13


O QUE VEM DEPOIS Morrer é atracar em uma praia de silêncio Onde as ondas não quebram nem ruge a tempestade; Então um amigo nos toca o ombro e tudo acaba. —Sir Samuel Garth (1661–1719) No céu, ouvirei.—Tidas como as últimas palavras de Ludwig van Beethoven (1770–1827) Todas as sutilezas da metafísica não me farão duvidar um só momento da imortalidade da alma e de uma Providência bondosa. Eu a sinto, creio nela, desejo-a, espero por ela e a hei de defender até o meu último suspiro. —Jean-Jacques Rousseau (1712–1778) A Terra é onde vivem os moribundos. Temos de voltar os olhos para o céu, o lugar dos vivos.—Bispo George Horne (1730–1792) 14

É impossível que algo tão natural, tão necessário e tão universal como a morte tenha sido designado pela Providência como um mal para a humanidade. —Jonathan Swift (1667–1745) Amados, consideremos como o Senhor continuamente nos mostra que haverá uma ressurreição no futuro, da qual fez nosso Senhor Jesus Cristo as primícias. Reflitamos na ressurreição que a cada estação ocorre diante de nossos olhos. O dia e a noite nos declaram a ressurreição: dorme a noite, surge o dia; o dia se retira, chega a noite. Vejamos os frutos da terra: a semente é plantada; caiu na terra seca e desnuda; com o tempo se dissolve e disso volta a crescer o poder do Senhor. De uma única semente muitos frutos são produzidos e colhidos. — São Clemente Romano (c.99)

Imaginamos a morte como um agente de destruição. Em vez disso, pensemos em Cristo vindo para nos salvar. Podemos pensar na morte como fim, mas melhor vê-la como início de vida mais abundante. Pensamos em perdas; devemos entender ganhos. Falamos de despedidas quando temos ocasião para celebrar reencontros. Em vez da dor da partida, nossos corações deveriam sentir o gozo da chegada. Quando a morte sussurra “Hora de ir”, Cristo nos diz: “Hora de vir para Mim!” —Norman Macleod (1812–1872) Seja o que for dentro de nós que sente, pensa, deseja e anima, é algo celestial, divino e, consequentemente, imortal. —Aristóteles (384–322 a.C.) Se Deus fez um mundo lindo como este, apesar do pecado e da morte que nele abundam, imagine o que será o paraíso! —James Montgomery (1771–1854) ■


Ao seu dispor MOMENTOS DE QUIETUDE Abi May

Que nos consola em todas as nossas tribulações, para

que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos consolar os que estão passando por tribulações. — 2 Coríntios 1:4 Se alguém a quem queremos bem se mudasse para o outro lado do planeta e perdêssemos o contato com essa pessoa, sentiríamos saudades, ficaríamos ansiosos para receber notícias e sofreríamos com o afastamento. Mais duro ainda seria se a pessoa morresse! Mesmo para os que têm fé na vida após a morte, esta existência certamente ficaria diferente e isso é difícil de suportar. Se você tiver um amigo ou colega que sofreu a perda de alguém muito próximo, é possível que essa pessoa

1. Ver João 11:35. 2. Ver Eclesiastes 3:4. 3. Salmo 30:5 4. Ver Hebreus 13:5.

dedique parte do seu dia a dia para revisitar experiências, reunir fotos, escrever memórias ou até criar algum tipo de memorial. As lágrimas são companheiras frequentes nessa viagem. Faz bem chorar. O próprio Jesus chorou.1 É parte do processo natural e saudável do luto. Junto aos rios... nós nos sentamos e choramos com saudade… Ali, nos salgueiros penduramos as nossas harpas. — Salmo 137:1–2 Existe a hora de ficar triste.2 Esperamos que o silêncio das “harpas” — as canções de fé e alegria — seja temporário e que os instrumentos não sejam descartados. “O choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria.”3 Então, quando o que chora a perda encontra a força para enfrentar a vida mais uma vez, resgatar a harpa, cantar a canção de fé e alegria? Não há prazo predefinido. Quanto mais estreito o relacionamento, maior será a dor da perda. Uma morte súbita pode ser particularmente difícil de suportar.

Enterrar um filho é uma experiência amplamente reconhecida como dentre as mais traumáticas. Não é luto que dure pouco. Que Deus nos ajude a ser ternos com os que sofrem e a manifestar solidariedade por meio de nossas palavras de conforto, um telefonema, um almoço ou jantar feito em casa. Podemos apoiar os outros em suas perdas resgatando nossas boas memórias da pessoa amada, reconhecendo aniversários e datas especiais que significam muito para eles e simplesmente estando prontos para ouvir. Vamos nos colocar à disposição dos nossos amigos, assim como Deus está sempre aqui ao nosso dispor.4 Abi May é a autora de A Valley Journal, um livro com mensagens de apoio aos que estão passando por uma perda difícil. Para informações sobre como obter um exemplar, visite www.amazon.com. ■ 15


Com amor, Jesus

Um lugar especial Quando Eu estava na Terra, disse aos Meus discípulos que lhes prepararia um lugar, onde viveríamos juntos para sempre.1 Desde então, tenho preparado uma cidade para que morem comigo os que Me amam, todos que Me convidaram para entrar em seus corações e vidas. Quero que seja o lugar mais maravilhoso que já existiu, perfeito em todos os sentidos. Nesta cidade, construí uma linda morada para você viver, para que possa se sentir confortável e desfrutar das belezas de seu lar celestial. Se você Me recebeu como Salvador, tornou-se um dos Meus amigos especiais e tenho um lugar para você. Reservei um cantinho no Céu só para você, onde todos os seus sonhos se realizarão, tudo que você desejou estará disponível, você estará perto dos seus amados e totalmente feliz.2 É o que lhe aguarda no fim de seus dias na Terra. Mal posso esperar para lhe mostrar tudo que fiz para você e para ver sua expressão ao receber todas essas coisas. Talvez não se ache merecedor, mas amo você mais do que imagina ou poderia entender. São presentes que lhe dou. Você não presenteia alguém pelo que a pessoa possa fazer por você ou porque ela merece, mas porque a ama. É assim que Me sinto em relação a você. 1. Ver João 14:2–3. 2. Ver Apocalipse 21–22.


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