Min & Adestro - Mais Epilepsia na Psicologia | E-BOOK 2018

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V ersão E-BOOK


Mais Epilepsia na Psicologia Li Li Min Sueli Adestro (Orgs.)

ADCiência Divulgação Científica Campinas 2018


Copyright © 2018, Li Li Min, Sueli Adestro (Orgs.). Direitos Reservados. Os direitos de todos os textos e ilustrações contidos neste livro são reservados a seus autores e organizadores da obra, e estão registrados e protegidos pelas leis do direito autoral, sendo preservada obrigatoriamente sua referência bibliográfica. Editores Responsáveis Li Li Min Sueli Adestro Diagramação e Arte Alline Camargo Revisão Sueli Adestro Alline Camargo

Ficha Catalográfica (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) [E-book] Mais Epilepsia na Psicologia: Li Li Min, Sueli Adestro (Orgs.). Campinas: ADCiência Divulgação Científica, 2018. 113p. ISBN: 978-85-69736-08-0. 1. Epilepsia. 2. Psicologia. I. Li, Li Min. II. Adestro, Sueli. III. Título. CDD: 610.150

ADCiência Divulgação Científica Campinas, São Paulo www.adciencia.com.br E-mail: adciencia@gmail.com


SUMÁRIO 11

Editorial | Dr. Li Li Min

- Parte I -

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1. Epilepsia e Neurofeedback: a tecnologia aplicada na intervenção clínica - Priscila Camile Barioni Salgado

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2. Manejo em grupo de psicoeducação em terapia cognitivo-comportamental - Karina Kelly Borges & Fernando José da Silva

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3. O papel do psicólogo organizacional: o trabalho na inclusão de profissionais com epilepsia - Adriana Vazzoler-Mendonça

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4. Transtornos de ansiedade em pacientes com epilepsia - Karina B. Batista

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5. Representações sociais das causas da epilepsia segundo psicólogos - Ester Maria Horta de Paula, Cláudio José Cobianchi & Júlio César Cruz Collares-da-Rocha

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6. A importância do processo de psicoterapia para ressignificação do adoecer na 45 epilepsia: um olhar da Gestalt-terapia - Valquíria Gonçalves Ferreira Silva 7. A psicoeducação de professores de crianças com epilepsia - Denise Almeida Wendland

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8. Divulgar a epilepsia? Percepções do estigma em pacientes com epilepsia - Carolinne Yuri Tagami

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9. Epilepsia e TDAH: a importância da neuroaprendência para o gerenciamento da sala de aula - Ana Paula Rabello Chaves

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10. Contribuições da Psicologia Positiva para o bem-estar psicológico e qualidade 71 de vida de pessoas com epilepsia - Aline Boschi Neves 11. Psicologia Escolar e Educacional: orientação sobre a epilepsia na escola - Vilma Bastos Machado

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12. Epilepsia na escola: comportamentos, emoções e muito além das crises - Thais Pilon Ferro

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13. Dimensões da sexualidade na epilepsia - Sueli Adestro

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14. Epilepsia e empregabilidade: barreiras a serem superadas - Maíra Frizzi da Cunha Bergo

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- Parte II -

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15. Epilepsia e autismo: um caso de comorbidade - Veviane Spergue

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16. Epilepsia de ausência: intervenção em aluno do Ensino Fundamental I - Ádrinne Uchôa

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AUTORES CONVIDADOS • Adriana Vazzoler-Mendonça Psicóloga, Arquiteta e Urbanista, com Especialização em Gestão da Qualidade e em Gestão de Negócios. Docente de pós-graduação, atua em clínica com Neurofeedback e atenção a pessoas com Altas Habilidades/Superdotação e seus familiares, gestores e professores.

• Ádrinne Uchôa Psicóloga graduada pelo Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU, especialista em Neuropsicologia e Formação Clínica Sistêmica, pela Universidade de Araraquara. Possui cursos de extensão em neurociências pela Universidade Federal do ABC. Trabalha na área educacional como empresária.

• Aline Boschi Neves Psicóloga graduada pela Universidade de Marília, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas, com Formação em Terapia Comportamental pelo ITCR. Mestre em Psicologia como Ciência e Profissão pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da PUC Campinas.

• Ana Paula Rabello Chaves Psicóloga especialista clínica e em Neuropsicologia, atuação em abordagem cognitiva comportamental desde 1999, consultora em gestão e formação educacional. Pesquisadora na área de Neurociências e Aprendizagem. Coordenadora pedagógica e professora titular do Curso de Especialização em Neuroaprendizagem da UnyLeya e no Curso de Especialização em Neuropsicologia aplicada à Educação da Unieuro. Credenciada da Associação Brasileira de Dislexia (ABD/SP).

• Carolinne Yuri Tagami Graduanda em Psicologia na Universidade de Sorocaba (UNISO). Orientanda em Iniciação Científica pela FCM-UNICAMP (BRAINN-FAPESP) e voluntária da Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia (ASPE). 6


• Cláudio José Cobianchi Psicólogo, mestre em Psicologia Social (PUC São Paulo), e especialização em saúde mental pelo Instituto Sedes Sapientiae (1988). É professor adjunto da Universidade Cruzeiro do Sul.

• Denise Almeida Wendland Psicóloga com especialização em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Docente nos cursos de pósgraduação das faculdades Iescamp e Max Planck. Atua como psicóloga clínica e escolar.

• Ester Maria Horta Psicóloga especialista em Neuropsicologia pela Divisão de Psicologia do HCFMUSP. Neuropsicóloga clínica e supervisora no Projeto Roda Terapêutica das Pretas. Atuação em Avaliação Neuropsicológica Infantil e Psicologia Social.

• Fernando José da Silva Psicólogo graduado pela Universidade Paulista - UNIP (2016). Cursando especialização em Psicologia da Saúde/Hospitalar pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP. Aprimorando em Psicologia da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP.

• Julio Cesar Cruz Collares-da-Rocha Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRJ. É professor adjunto do Mestrado e da Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Petrópolis.

• Karina B. Batista Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora bolsista (aluna) em Plasticidade Cerebral e FMRI pelo Instituto D’OR de Pesquisa e Ensino (IDOR). Estágio em pesquisa clínica no Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

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• Karina Kelly Borges Psicóloga com formação em Neuropsicologia pela UNICAMP, Mestrado e Doutorado em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Pesquisadora do Laboratório de Psicologia e Saúde (FAMERP). Professora convidada no curso de Graduação em Psicologia pela FAMERP. Sócia fundadora do Instituto de Psicologia de Rio Preto - IPECS. Coordenadora cursos de Pós-Graduação em Neuropsicologia Clinica, Neuropsicopedagogia Clinica e Reabilitação Cognitiva pelo Instituto de Psicologia, Educação, Comportamento e Saúde (IPECS).

• Maíra Frizzi da Cunha Bergo Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCampinas), realizou pesquisas e publicou artigos na área de intervenções psicológicas e processos de desenvolvimento humano. Pesquisadora em Neurociências pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com enfoque em epilepsia e trabalho.Voluntária da Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia (ASPE).

• Priscila Camile Barioni Salgado Psicóloga clínica, Neuroterapeuta, Professora e Supervisora Clínica na Faculdade Anhanguera/Kroton. Pós-doutorado em Ciências biomédicas pela UNICAMP. Sócio-proprietária da MindSelf – Clínica de Psicologia e Neurofeedback.

• Sueli Adestro Psicóloga, mestre em Filosofia da Psicologia e Psicanálise pela UNICAMP. Bacharel em Filosofia com Especialidade em Ética; Docência em Ensino Superior; Sexualidade Humana pela UNICAMP. Especialista em Divulgação Científica em Neurociências e Saúde pela UNICAMP.Trabalha com supervisão em psicanálise lacaniana; supervisão psicopedagógica; editora de livros e divulgação científica.

• Thaís Pilon Ferro Psicóloga graduada pela UFSCar, mestranda em neurociências pela FCMUNICAMP e especialização em Análise do Comportamento em contexto Clínico (ITCR). Trabalha e desenvolve pesquisas em Neuroeducação. 8


• Valquíria Gonçalves Ferreira Silva Psicóloga graduada pela Associação Catarinense de Ensino – ACE/FGG. Especialista em Psicologia Clínica em Gestalt-terapia pelo Centro de Estudos de Gestalt-terapia de Santa Catarina – CEG-SC. Mestranda em Psicologia Clínica e da Saúde pela FUNIBER. Presidente da Federação Brasileira de Epilepsia – EpiBrasil. Coordenadora da Clínica Comunitária de Psicologia do CEG-SC.

• Veviane Spergue Psicóloga e Especialista emTerapia Cognitiva Comportamental pela Universidade Salesiana de São Paulo – UNISAL. Especialista em Neuropsicologia Aplicada a Neurologia Infantil pela UNICAMP. Fundadora do Movimento de Apoio às Pessoas com Epilepsia de Americana – MAPEA e Membro do Conselho Fiscal da EpiBrasil. Trabalha com Psicoterapia Infantil, Adolescente e Adulto. Treinamento de Memória Operacional – Tutora COGMED . Avaliação Neuropsicológica em crianças e adultos.

• Vilma Bastos Machado Psicóloga graduada pela UNIMARCO, Mestre em Psicologia Escolar pela PUCCAMP. Professora do curso de Pedagogia, em Fundamentos e Práticas da Educação Especial e Inclusiva na FESB/SP.

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EPILEPSIA SEM CRISE

Redesenhando as nossas identidades admitimos a inquietude do silêncio, o formato das palavras institucionalizadas dentro de uma profunda marca da moralidade, do estigma e preconceito. Trata-se de uma abordagem de autoestima (inversa), pois temos medo da arqueologia dos nossos mistérios corporais e mentais. A neurociência como produtora do conhecimento sobre o cérebro, nos educa para confirmar a consciência sobre uma (pseudo)verdade, incumbida de estudar uma doença crônica tratável. Mas criamos personagens que se escondem nas sombras, e acrescentamos algo a mais no peso da Epilepsia. Tentamos revelar por meio de símbolos, o conteúdo que nos faz acreditar na apropriação de um “ser-em-si”, dentro de uma visão de mundo que seja mais coerente com a realidade de “ser-uma-pessoa-com-epilepsia”.

Os Organizadores

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EDITORIAL

Lá pelas idas de 1994, volta e meia durante o meu fellowship no Queen Square, era chamado para ler o exame de EEG durante o teste de Wada, um exame que consistia em isolar o funcionamento de um hemisfério cerebral por meio de injeção seletiva de sódio amital na circulação carotídea. Junto estava a neuropsicóloga Pam Thompson que, naqueles poucos minutos do efeito da medicação, fazia a sua avaliação. Informações que somavam-se aos outros dados para decisão do tratamento cirúrgico de paciente com epilepsia de difícil controle. No Montreal Neurological Institute, a presença de neuropsicólogas também se fazia notar. Sim, lembro-me de, em uma das conversas de corredor, a Brenda Milner mencionar que elas eram como se fossem as pequenas aranhas “ocupamos os espaços aqui e ali, construindo pequenas redes”, o contexto de fato era sobre ocupação de espaços, que sempre geram animosidade em qualquer lugar. Esta forma simbólica como compreendi evoca ao papel fundamental da Psicologia e do seu profissional – psicólogo – na rede de saber da Neurociência e sua aplicação prática. São profissionais que impulsionam o desenvolvimento neurocientífico voltado para a praticidade. Nestes anos da minha jornada pelo mundo pesquisando a epilepsia, tive a grata satisfação de trabalhar com excelentes psicólogos, desenvolvendo projetos de pesquisa arrojados e desafiadores ou na assistência direta de pacientes. O desdobramento desta jornada trouxe pontos de reflexão sobre a questão da inclusão no trabalho e na escola, nas n dificuldades, desde relacionamentos interpessoais até dificuldades de aprendizagem. E, quando menos espero, olho ao redor e lembro-me daquelas palavras acima. É... há psicólogos por todos os lugares. Conversando sobre estes fatos com a Sueli Adestro, a minha produtora, lacaniana, aportou um significado – rsrs – claro! A epilepsia é uma doença comum, grave, mortal e apesar de ser claramente de origem cerebral, crenças sobrenaturais ainda persistem. A epilepsia traz sérios impactos na qualidade de vida e impõe um sofrimento psíquico em uma parcela dos pacientes e de seus familiares. Assim é muito natural que os psicólogos encontrem atuação no campo da epilepsia. Sim, natural! Porém, em outras conversas no pequeno círculo de psicólogos, vimos que o tema epilepsia não é abordado durante a formação acadêmica dos profissionais da Psicologia. Big-Bang! Eis que, ali houve o início da concepção deste livro com um título que declara as nossas intenções – Mais Epilepsia na 11


Psicologia. Trata-se de uma vitrine de exposição do universo multifacetado da epilepsia sob o olhar observador do psicólogo, cujo objetivo é divulgar a epilepsia como um modelo prático, realista a ser adotado pela Psicologia no processo formativo e de aperfeiçoamento profissional. Para isso, fizemos um chamamento aos psicólogos próximos ao nosso círculo de convívio para contribuírem com os seus olhares e estenderem este convite a VOCÊ da área da Psicologia, para adentrar neste universo, no qual tenho certeza, se sentirá em sua casa. O livro Mais Epilepsia na Psicologia é composto por 15 capítulos, divido em parte 1 com os artigos, e parte 2 com o relato de casos. Nesta edição, os autores com maestria abordaram temas variados como psicologia positiva, Gestalt-terapia, psicologia analítica, neurofeedback... porém observamos um tônus (reforço) maior no campo cognitivo-comportamental com abordagem sobre déficits de aprendizagem e transtornos cognitivos escolares, que lança uma rede de interação com os profissionais da psicopedagogia e neuropsicopedagogia. Isso não é coincidência frente a fase que a ASPE (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia) e o BRAINN (Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology) vêm passando com o desenvolvimento da temática em neuroeducação, tendo em si, o evento catalisador, o NeuroEdu, que acontece anualmente há 5 anos. Parafraseando os neurocientistas do passado, a epilepsia é uma janela para desvendar o funcionamento cerebral e, ao entendermos, ampliamos a nossa compressão sobre nós. Mais Epilepsia na Psicologia é um mosaico multidimensional de situações adversas associadas a epilepsia, ao adentrar neste universo de sofrimento psíquico e mecanismos para sua superação, esperamos que cada LEITOR possa criar seu insight neste emaranhado quebra-cabeça da nossa psique.

Boa leitura!

Li Li Min

Professor Titular de Neurologia da UNICAMP

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PARTE I

REVISÃO DE LITERATURA: EPILEPSIA NA PSICOLOGIA

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1 Epilepsia e Neurofeedback: a tecnologia aplicada na intervenção clínica Priscila Camile Barioni Salgado

O convite para escrever o capítulo de um livro que trouxesse mais discussão da psicologia para a epilepsia me foi recebido com muita alegria, pois realmente é um tema que psicólogos precisam se aprofundar. Pessoas com epilepsia sentem seus efeitos em todas áreas de suas vidas, a todo tempo, e não somente no momento em que a crise epiléptica ocorre. O impacto é percebido na área profissional, familiar, afetivo-sexual, social e emocional, ou seja, na qualidade de vida e bem-estar de forma ampla e geral. Além disso, a percepção que a pessoa tem de ter suas crises controladas ou não é mais importante para a sua qualidade de vida do que a frequência de crises em si. Antes de iniciar o tema deste capítulo, gostaria de apresentar minha trajetória de estudos e trabalho, que me fizeram chegar até o neurofeedback. Logo depois de minha graduação em psicologia, iniciei o mestrado no departamento de Neurologia da UNICAMP e estudei a relação entre a percepção de controle de crises e a qualidade de vida em adultos com epilepsia. Na época, identificamos o prejuízo que essas pessoas tinham principalmente na sua vida profissional. Identificamos também como a percepção de frequência e intensidade de crises pode ser diferente da frequência e intensidade real, o que já nos mostrava a importância da psicologia na epilepsia. A percepção de controle de crises (independente da pessoa estar com crises controladas a partir dos critérios médicos) apareceu ser a variável mais importante na determinação de melhores ou piores níveis de bem-estar psicológico, físico e social. No doutorado, meu enfoque foi estudar o envolvimento das variáveis biopsicossociais em pessoas com epilepsia de lobo temporal, que se subme14


tiam à cirurgia de epilepsia. Nessa época, observamos que a cirurgia tinha uma resposta muito positiva na qualidade de vida desses pacientes, mesmo quando não havia a remissão completa das crises. As maiores razões que motivaram os pacientes a optar pela cirurgia foram para ser feliz, poder trabalhar, ser menos preocupado e reduzir a medicação. Após a cirurgia eles se avaliavam como mais capazes para cuidar de si e da família, mais normais, mais aceitos e menos estigmatizados. Já no pós-doutorado, estudamos ansiedade e depressão, que são as comorbidades mais presentes na epilepsia. Verificamos como elas interferiam na vida das pessoas e se relacionavam à condição neurológica e psicológica da epilepsia. Nesse ponto, meu interesse estava voltado a compreender como as pessoas com epilepsia poderiam desenvolver uma vida mais autônoma, a despeito das crises epilépticas. Como poderiam desenvolver uma percepção de controle de si, uma apropriação de suas escolhas e responsabilidades, mesmo quando a crise trouxesse o aviso subliminar de que no momento da crise tudo poderia sair do controle. Essa sensação de falta de controle durante a crise não deveria ser expandida para todas as áreas da vida dessas pessoas e deveria haver uma forma delas se sentirem mais seguras a despeito das crises epilépticas. Os estudos de psicofisiologia, biofeedback e neurofeedback me trouxeram respostas nesse sentido e me levaram a desenvolver um trabalho nessa área, encontrando alívio para pessoas que buscam um auxílio para diversas queixas, além da epilepsia. Por isso, nesse capítulo proponho trazer alguns conceitos e técnicas pouco ou nada estudados na formação do psicólogo, embora sejam de nosso domínio e competência e representem uma modalidade de trabalho complementar aos tratamentos psicoterapêutico e medicamentoso. Para isso, vou explicar sucintamente os conceitos de psicofisiologia, biofeedback e neurofeedback. Vou relatar brevemente a estória de estudos usando neurofeedback e epilepsia e seus principais resultados, assim como explicarei qual a metodologia por detrás da técnica.Trata-se de um texto introdutório a uma área de saber relativamente nova, com muito potencial de desenvolvimento, trabalho e pesquisa. Fica aqui o convite para que mais psicólogos se aprofundem nos estudos de psicofisiologia e biofeedback. A psicofisiologia é uma área de conhecimento que estuda a inter-relação entre processos psicológicos e fisiológicos, ou seja, a relação do comportamento com suas bases neurofisiológicas. Temos, portanto, a primeira premissa básica de que toda mudança no estado fisiológico é acompanhada por uma mudança no estado mental, consciente ou inconsciente e, inversamente, toda mudança no estado mental, consciente ou inconsciente, é acompanhada por uma mudança no estado fisiológico. Essa inter-relação será sempre individual, dinâmica e bidirecional. De forma mais simples, o que estou afirmando aqui é 15


que nossas emoções afetam o funcionamento de nosso cérebro, assim como o funcionamento do cérebro afeta nossas emoções. Biofeedback é uma técnica utilizada para a compreensão de processos psicofisiológicos. Através da interface homem-máquina, as respostas fisiológicas do sujeito são monitoradas e este, a partir de um mecanismo de retroalimentação em tempo real (feedback), torna-se capaz de aprender a modular suas respostas e autorregular as mesmas. O treinamento em biofeedback retroalimenta sinais obtidos do sistema nervoso central (neurofeedback) e periférico. Isso ocorre quando eletrodos são ligados a uma pessoa e monitoram suas respostas fisiológicas. Essas respostas são enviadas a um computador, que processa os dados. A autorregulação ocorre quando, ao visualizar suas respostas em tempo real via uma interface na tela do computador (quando ocorre a retroalimentação/feedback), a pessoa aprende a modificá-la. O biofeedback é bastante usado para medir e ensinar a aumentar potenciais de atenção e cognição, além de habilidades de gerenciar estresse em situações desafiadoras ou de avaliação. É uma técnica que ensina indivíduos a monitorar, compreender e mudar sua fisiologia. Isso porque quando temos condição de observar nossa fisiologia e recebemos um reforço que retroalimenta (feedback) nosso processo psicológico ou mental, passamos a ter mais condições de alterá-lo. A palavra-chave para qualquer processo de biofeedback é a auto- regulação, ou seja, a competência que o sujeito desenvolve de controlar seus processos físicos e mentais para um funcionamento mais saudável. Todos os processos de biofeedback são baseados na teoria de condicionamento operante positivo, proposta por Skinner em 1950. De acordo com sua teoria, as consequências de um comportamento influenciam a probabilidade de nova ocorrência. As consequências, no caso do treinamento em biofeedback, são reforços positivos que o sujeito recebe na forma de sinais sonoros ou visuais todas as vezes que atinge um nível funcional de resposta fisiológica do sistema nervoso central ou periférico. De acordo com a teoria de Skinner, nós tendemos a aumentar um comportamento sempre que tivermos uma consequência positiva, assim como aprendemos a forma de nos comportar previamente para conseguir a consequência positiva. Neurofeedback, também conhecido como “Eletroencefalograma Biofeedback”, é uma modalidade de biofeedback que usa a atividade elétrica cerebral (sistema nervoso central) como sua medida de auto-regulação. Seu objetivo geral é estimular as habilidades naturais do cérebro, regenerando e desenvolvendo suas potencialidades, corrigindo e aprimorando suas funções. O primeiro passo do tratamento por neurofeedback é a realização de uma avaliação através de estudo eletroencefalográfico quantitativo (eletrodos posicionados de acordo com o sistema internacional 10/20) durante estados 16


de repouso com os olhos fechados, abertos e estados de execução de tarefas, como leitura, memorização, cálculos. Os dados obtidos apresentarão o tipo de onda emitido em diferentes áreas do cérebro em diferentes condições. A análise para obtenção das frequências de ondas é realizada com o uso de softwares específicos através da transformação rápida de Fourier, que decompõe o traçado do EEG em frequência de ondas durante o período de tempo registrado. As frequências mais comuns são: delta (<4Hz), teta (4-8Hz), alfa (8-12Hz) e beta (12-38Hz). Outras nomeações de ondas são encontradas em estudos específicos, como no caso de estudos com epilepsia, que veremos mais adiante. Cada frequência de onda apresenta características diferentes e predominam mais em diferentes situações e períodos da vida. Diferentes frequências em regiões distintas estão associadas a diferentes comportamentos. Quando a atividade elétrica se apresenta disfuncional, um protocolo personalizado de tratamento será desenvolvido. O tratamento em si consiste em atividades que o praticante desenvolve em frente a um computador. Enquanto a pessoa desenvolve as atividades, as ondas cerebrais estão sendo monitoradas através de sensores eletroencefalográficos. O praticante recebe um reforço sempre que atinge ondas esperadas para o tipo de atividade que está sendo desempenhada, possibilitando assim a aprendizagem cerebral e auto- regulação. O processo de neurofeedback ocorre por modelagem, ou seja, as respostas fisiológicas que se aproximarem do limiar pré-estabelecido a partir da avaliação inicial, são sucessivamente reforçadas, propiciando a gradual modulação de padrões esperados. O condicionamento ocorre naturalmente e o feedback (estímulo positivo consequente) leva ao aumento da resposta fisiológica condicionada. Estudos envolvendo neurofeedback e epilepsia iniciaram na década de 70, quando Barry Stearman publicou uma série de trabalhos acerca da modulação do ritmo sensório motor (SMR - sensory motor rythm) em gatos. O SMR são ondas na faixa entre 12 e 20Hz que ocorrem na região sensório-motora. A diferenciação desse ritmo ocorreu a partir da descoberta de que essa frequência, na região central, está associada ao tálamo, ao estado de alerta e aumenta quando há supressão do movimento. Esses estudos demonstraram que gatos, através de condicionamento operante, conseguiam controlar a ocorrência dessas ondas para receber o reforço positivo (comida). Além disso, observou-se em estudos subsequentes que, os gatos que haviam treinado o SMR eram mais resistentes a ter crises quando induzidos as mesmas. Os achados desses primeiros trabalhos foram ampliados ao contexto clínico, quando descobriu-se que é possível recondicionar e treinar padrões de ondas cerebrais. Os estudos envolvendo pessoas com epilepsia geralmente avaliavam pacientes mais graves, 17


fora de controle e resistentes ao tratamento com medicação. No entanto, mesmo nesse grupo de pacientes, a pesquisa de Sterman constatou que o treinamento de neurofeedback reduziu significativamente o número de convulsões, reduzindo muitas vezes também o uso de medicação. Desde estes primeiros estudos envolvendo neurofeedback e pessoas com epilepsia, uma série de novos estudos foram desenvolvidos produzindo resultados consistentes sobre a melhora do controle de crises através principalmente do treinamento das ondas SMR. Apesar da melhora significativa em pacientes produzidas em curto prazo com o uso de neurofeedback, essa técnica ainda não é amplamente aceita e divulgada nos meios acadêmico e médico. Uma das razões é que ela segue contrária a indústria farmacêutica, ao propor uma técnica não invasiva que pode diminuir crises e uso de medicação. A outra é que atualmente existe uma série de modelos distintos para a avaliação e treinamento cerebral. A prática do neurofeedback exige treinamento e conhecimento dos conceitos de condicionamento operante, psicofisiologia, neuropatologia, e manejo clínico. A eficiência cerebral, quando alcançada, potencializa o desenvolvimento psicológico e promove melhora na qualidade de vida. Psicólogos devem estar preparados para compreender o ser humano de forma única e despertar o desenvolvimento de seu cérebro e mente.

REFERÊNCIAS - EGNER, T., STERMAN, MB. Neurofeedback treatment of epilepsy: from basic rationale to practical application. Expert Rev Neurotherapeutics, 6(2): 247-257, 2006. - LUBAR, JF., BAHLER, WW. Behavioral Management of Epileptic Seizures Following EEG Biofeedback Training of the Sensorimotor Rhythm. Biofeedback and Self- Regulation, 1(1): 77-104, 1976 - DIAS, Álvaro Machado. Tendências do neurofeedback em psicologia: revisão sistemática. Psicol. estud., Maringá , v. 15, n. 4, p. 811-820, Dec. 2010 . Available from<http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1413- 73722010000400017&lng=en&nrm=iso>.access on 27 July 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722010000400017. - SALGADO, PCB et al. Screening symptoms of depression and suicidal ideation in people with epilepsy using the Beck depression inventory. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology (Impresso), v. 18, p. 85-91, 2012. - SALGADO, PCB et al. Neuroimaging changes in mesial temporal lobe epilepsy are magnified in the presence of depression. Epilepsy & Behavior v. 19, p. 422-427, 2010. - SALGADO, PCB e CENDES F. Life adjustment after surgical treatment for temporal lobe epi-

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lepsy. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, v. 15, p. 71-75, 2009. - SALGADO, PCB e CENDES F. The effects of epileptic seizures upon quality of life. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, v. 15, p. 111-114, 2009. - SALGADO, PCB et al. Pre-surgery expectations and post-surgery life-changing validation process. Epileptic Disorders v. 10, p. 290-296, 2008. - STERMAN, MB., MACDONALD LR., STONE RK. Biofeedback training of the sensorimotor eletroencephalogram rythm in man: effects on epilepsy. Epilepsia. 15: 395- 416, 1974. - STERMAN, MB. Basic concepts and clinical findings in the treatment of seizure disorders with EEG operant conditioning. Clinical Electroencephalography, 31 (1), 45- 55, 2000. - STERMAN, MB., EGNER, T. Foundation and Practice of Neurofeedback for the Treatment of Epilepsy. Applied Psychophysiology and Biofeedback,Vol. 31, No. 1, 2006. - TAN, G et al. Meta-Analysis of EEG Biofeedback in Treating Epilepsy. CLINICAL EEG and NEUROSCIENCE, 40 (3), 2009.

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2 Manejo em grupo de psicoeducação em terapia cognitivo-comportamental Karina Kelly Borges & Fernando José da Silva

A incidência de distúrbios psicológicos é maior em pessoas com epilepsia do que na população em geral. Estima-se que 20 – 30% dos pacientes com epilepsia evidenciam comorbidades psiquiátricas; e predominante é substancialmente mais elevado naqueles com epilepsia resistente à droga antiepiléptica. As profundas consequências físicas, psicológicas e sociais da epilepsia podem impactar a qualidade de vida devido a várias razões, incluindo efeito colateral da medicação, distúrbios cognitivos, imprevisibilidade da crise, sua natureza estigmatizante, declínio acadêmico e as dificuldades laborais (Michaelis et al.,2018) Enquanto os médicos se concentram em minimizar sintomas da doença e efeitos colaterais, um papel primário da saúde mental e comportamental (ou seja, psicólogos, psiquiatras, neuropsicólogos e assistentes sociais) pode estar relacionado a otimizar a qualidade de vida, fornecendo tratamentos psicológicos baseados em evidências. Os tratamentos psicológicos tendem a ser complexos, isto é, vários componentes de intervenção podem ser incorporados em diversas abordagens terapêuticas (por exemplo, psicoeducação e formação de competências). A seguir, algumas considerações importantes durante o tratamento clinico em pacientes com epilepsia: 1. Realizar rastreio de sintomas auxilia na identificação e evidencia benefícios no tratamento psicológico no ambiente clínico/hospitalar.

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2. Os pacientes devem completar exames de saúde mental como parte do cuidado da rotina clínica. Cada visita de epilepsia deve incluir, no mínimo, uma questão clínica sobre saúde mental e qualidade de vida. O rastreio é incentivado no diagnóstico de epilepsia, antes e após a iniciação ou alterações das drogas antiepilépticas, e em intervalos de tempo. 3. A entrevista deverá ser realizada com vários cuidadores, principalmente em crianças. A dificuldade de identificar atraso cognitivo e comportamentos desajustados necessita de outras perspectivas. 4. Uma medida de funcionamento psicológico deve ser administrado antes da iniciação do uso dos anticonvulsivantes e durante o curso do tratamento, considerando avaliações padronizadas. 5. Realizar avaliação da evidência para intervenções psicoeducativas (Fountain NB,Van Ness PC, Bennett A, et al 2015). Abaixo as principais terminologias realizadas para intervenções em pacientes com epilepsia. Tabela 01. Terminologia para intervenções psicológicas. Intervenção

Objetivos

Tipo de terapia utilizada

Intervenções psicológicas

Reduzir a angústia psicológica (por exemplo, sintomas depressivos ou ansiosos); Melhorar e auxiliar a lidar com a epilepsia e seus tratamentos

Terapia cognitivo comportamental; Análise do comportamento; Aceitação e terapia do compromisso Entrevista motivacional

Gerenciamento familiar e compromisso com a adesão

Atividades em que paciente ou família possam realizar para influenciar a frequência de crises ou promover o bem-estar; Atividades desenvolvidas na comunidade ou sistemas primários de saúde.

Intervenções motivacionais Terapia Familiar

Aderência às intervenções

Ajudar os pacientes a aderir ao aconselhamento e cuidados com a saúde, incluindo a administração de medicamentos antiepilépticos e evitando comportamentos de risco.

Resolução de problemas Intenção Intervenções motivacionais Terapia Familiar

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Intervenções educacionais/ psicoeducação

Aumentar o conhecimento da epilepsia e dos seus tratamentos e o funcionamento do cérebro

Terapia de grupo e/ou individual

Fonte: Wagner JL, Modi AC, Johnson EK, et al., 2017.

Grupo psicoeducativo para enfrentamento da doença A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) parte do pressuposto de que a forma como as pessoas pensam e interpretam a situação, influência em como elas se sentem emocionalmente e como se comportam (Beck, 2013). O uso da TCC é considerado importante para manejar alterações emocionais, principalmente para sintomas de depressão e ansiedade em pacientes com quadros neurológicos (Oliveira, Argimon, Irigaray, Moraes & Piccoloto, 2015). Além disso, é utilizada a Terapia Cognitivo-Comportamental em Grupo (TCCG), que tem se destacado em pesquisas e na aplicação clínica, devido a sua eficácia e por sua relação positiva de custo-benefício, conseguindo atender um número maior de pacientes ao mesmo tempo e com custo menor (Rangé, Pavan-Cândido & Neufeld, 2017). Devido a isto, as intervenções em grupo têm sido muito utilizadas por profissionais dos serviços e programas de saúde, tendo potencial para a melhoria da qualidade da assistência neste contexto (Borges, Soares & Rudnicki, 2018). Diversos grupos têm sido realizados e desenvolvidos com diferentes focos e objetivos, como os grupos de psicoeducação (Rangé, Pavan-Cândido & Neufeld, 2017). Estes são uma das modalidades da TCCG, que tem objetivo de oferecer informações e autoconhecimento sobre as características neurobiológicas, ambientais e psicológicas dos sintomas e das dificuldades dos indivíduos, além dos cursos e tratamentos para estes. Desta forma, permitindo reconhecer suas dificuldades, sintomas, pensamentos, emoções e comportamentos e identificar a inter-relação entre os mesmos, para que possa discutir estratégias de mudanças e realizar intervenções eficazes, baseadas em técnicas de psicoeducação e resolução de problemas (Neufeld, 2011). O conteúdo psicoeducacional consiste em aspectos médicos da epilepsia, promoção de atitudes e comportamentos de estilo de vida saudáveis, desenvolvimento de relações positivas com pares e família, enfrentamento, gestão de estresse e desenvolvimento de habilidades. No grupo, os indivíduos podem compartilhar seus problemas e refletir sobre os mesmos, beneficiando-se da interação mútua de outros membros que 22


enfrentam demandas semelhantes, encontrando apoio emocional, sugestões para diferentes estilos de vida e alívio de pressões e temores (Borges, Soares & Rudnicki, 2018). As estratégias de enfrentamento são um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais, utilizados com o objetivo de lidar com demandas especificas, internas ou externas, desencadeadas em situações estressoras e avaliadas como uma sobrecarga ou quando excede os recursos pessoas do indivíduo (Lazarus & Folkman, 1984). As intervenções psicológicas podem ser focalizadas no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento adaptativas, para que se possa minimizar o estresse devido às limitações, desafios e demandas relacionadas ao processo de adoecimento, além de contribuir para a melhora da qualidade de vida dos indivíduos (Borges, Soares & Rudnicki, 2018). Tabela 02. Instrumento para Avaliação do Grupo Psicoeducativo. Instrumento

Descrição

Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD)

Possui 14 questões do tipo múltipla escolha, que contém sete itens para cada uma das subescalas: ansiedade e depressão. Sendo que para cada uma destas, a pontuação vai de 0 a 21 (Botega, Bio, Zomignami, Garcia & Pereira, 1995).

Inventário de Depressão em Transtornos Neurológicos para a Epilepsia (IDTN-E)

Contém 6 itens para o rastreio de episódios depressivos na epilepsia. Seu ponto de corte é >15 (de Oliveira, Kummer, Salgado, Portela, Sousa-Pereira, David, et al., 2010).

Escalas de Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP)

Questionário com 45 itens e contém quatro modos de enfrentamento: focalizado no problema (18 itens), focalizadas na emoção (15 itens), práticas religiosas/pensamento fantasioso (7 itens) e busca de suporte social (5 itens) (Seidl, Tróccoli & Zannon, 2001).

Questionário de Qualidade de Vida (SF-36)

Questionário multidimensional que possui 36 itens, com 8 escalas: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Seu escore pode variar de 0 à 100, sendo que zero é considerado como pior estado geral de saúde e cem, melhor estado de saúde (Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão & Quaresma, 1999). Fonte: Elaborado pelos autores.

O grupo possui duração de 120 minutos cada sessão, realizadas semanalmente, totalizando 14 sessões e com no máximo 10 participantes.

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Tabela 03. Estrutura das Sessões em Psicoeducação. Sessões

1

Objetivos

Procedimentos

Acolhimento; Estrutura das Sessões; Avaliar as características de cada Contrato Terapêutico; Aplicação dos membro do grupo para obter Inventários (Escala Hospitalar de Ansiedade informações psicrométricas. e Depressão – HAD, Inventário de Além de, oferecer espaço de Depressão em Transtornos Neurológicos acolhimento, escuta ativa, validação para a Epilepsia – IDTN-E, Escalas de de sentimentos e estimular o Modos de Enfrentamento de Problemas – conhecimento mútuo entre os EMEP, Questionário de Qualidade de Vida – participantes. SF-36) e Dinâmica: Exercício da Confiança.

2

Proporcionar informações e a compreensão sobre Epilepsia e Depressão, além de realizar atividade sobre empatia.

Psicoeducação: Epilepsia e Depressão. Dinâmica: O Feitiço Virou contra o Feiticeiro

3

Proporcionar informações e a compreensão sobre Ansiedade e Estresse, além de orientar sobre técnica de relaxamento como estratégia de diminuir estes sintomas.

Psicoeducação: Ansiedade e Estresse. Técnica de Relaxamento Diafragmática

4

Oferecer informações sobre alimentação, atividades física, lazer, sono e as relações para melhorar a qualidade de vida.

Auto-cuidado: Alimentação, Atividade Física, Lazer e Sono (Higiene do Sono)

5

Discutir sobre a visão de si, em relação às potencialidades e dificuldades, além da capacidade em lidar com a crítica.

Visão de si: Autoestima. Exercício de Passar o Prato

6

Estimular os processos cognitivos como forma.

Estimulação da Memória

7a9

Melhorar o funcionamento do indivíduo em contextos sociais, adquirir repertório social assertivo e comunicação adequada.

Treino de Habilidade Social

10 a 12

Discutir sobre as estratégias de enfrentamento e adquirir percepção sobre suas próprias necessidades, além de mobilizar recursos para melhorar e estabelecer metas realistas para manutenção da vida diária e utilizar o aprendizado do outro como forma de ajuda.

Enfrentamento da Doença Dinâmica: A Troca de um Segredo; Diga sobre a Palavra e Complete a Frase; e Livrar-se das Dificuldades.

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13

Propiciar ao participante uma reflexão sobre como quer que seja sua vida no futuro e oportunizar a conscientização de que é necessário preparar esse futuro agora, além de discutir sobre sua percepção de padrão de funcionamento e estimular que ele assuma a responsabilidade sobre as aprendizagens que precisam ser feitas.

Perspectiva de Futuro. Dinâmica: Projeto para daqui 20 anos

14

Reavaliar as características de cada membro do grupo para obter informações psicrométricas de seus ganhos terapêuticos. Além de proporcionar e receber feedback do grupo e promover um clima de confiança e valorização pessoal.

Reaplicação dos Inventários (Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão - HAD, Inventário de Depressão em Transtornos Neurológicos para a Epilepsia – IDTN-E, Escalas de Modos de Enfrentamento de Problemas – EMEP, Questionário de Qualidade de Vida – SF36). Feedback: Do Grupo para o Terapeuta. Dinâmica: O Presente da Alegria.

REFERÊNCIAS - BECK, J. S. (2013). Terapia Cognitiva-Comportamental: teoria e prática. 2ª Ed. Porto Alegre. Artmed. 413 p. - BORGES, L. M.; Soares, M. R. Z.; Rudnicki, T.. O trabalho em grupo no contexto da psicologia da saúde. In: Seidl, E. M. F.; Miyazaki, M. C. O. S.; Ramos-Cerqueira, A. T. A.; Domingos, N. A. M. (Org.). Psicologia da Saúde: Teorias, Conceitos e Práticas. Curitiba: Juruá, 2018. Cap. 4. p. 103-132. - BOTEGA, N. J.; Bio, M. R.; Zomignani, M. A. Garcia, C. Jr. Pereira, W. A. B. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Revista de Saúde Pública, Campinas, v. 29, n. 5, p.355-363, 1995. Disponível em: <https://www. scielosp.org/article/rsp/1995.v29n5/359-363/>. Acesso em: 22 jul. 2018. - CICONELLI, R. M.; Ferraz, M. B.; Santos, W.; Meinão, I.; Quaresma, M. R. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (bRASIL sf-36). Revista Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 39, n. 3, p.143-150, jun. 1999. Disponível em: <http://www.ufjf.br/renato_nunes/files/2014/03/Valida%C3%A7%C3%A3o-do-Question%C3%A1rio-de-qualidade-de-Vida-SF-36.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2018. - OLIVEIRA, G. N. M., Kummer A., Salgado J. V., Portela E. J., Sousa-Pereira S. R., David A. S., et al. Brazilian version of the Neurological Disorders Depression Inventory for Epilepsy (NDDI-E). Epilepsy & Behavior 2010 Nov;19(3):328-31. - FOUNTAIN, NB, Van Ness PC, Bennett A, et al. Quality improve-ment in neurology: epilepsy update quality easurement set.Neurology. 2015;84:1483–7.

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- LAZARUS, R. S. & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal and coping. New York: Springer Publishing Company. - MICHAELIS R., Tang, V., Goldstein, L. H., Reuber, M., LaFrance Jr, W. C., Lundgren, T., ... & Wagner, J. L. Psychological treatments for adults and children with epilepsy: Evidence-based recommendations by the International League Against Epilepsy Psychology Task Force. Epilepsia. (2018). - NEUFELD, C. B. Intervenções em grupos na abordagem cognitivo-comportamental. In: Rangé, B.. Psicoterapias Cognitivo-comportamentais: Um Diálogo Com a Psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. Cap. 46. p. 737-750. - OLIVEIRA, C. R.; Argimon, I. I. L.; Irigaray, T. Q.; Moraes, A. A.; Piccoloto, N. M.. Terapia Cognitivo-Comportamental em pacientes neurológicos: Uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p.54-67, 19 mar. 2015. Disponível em: <http://www.usp.br/rbtcc/index.php/RBTCC/article/view/736/433>. Acesso em: 27 jul. 2018. - RANGÉ, B. P.; Pavan-Cândido, C. C.; Neufeld, C. B.. Breve Histórico das Terapias em Grupo e da TCCG. In: NEUFELD, C. B.; RANGÉ, B. P. (Org.). Terapia Cognitivo-Comportamental em Grupos: das Evidências à Prática. Porto Alegre: Artmed, 2017. Cap. 1. p. 17-32. - SEIDL, E. M. F.; Tróccoli, B. T.; Zannon, C. M. L. C.. Análise Fatorial de Uma Medida de Estratégias de Enfrentamento. Psicologia:Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 17, n. 3, p.225-234, dez. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v17n3/8812.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2018. - WAGNER, JL, Modi AC, Johnson EK, et al. Self-management interventions in pediatric epilepsy: what is the level of evidence?Epilepsia. 2017;58:743–54.

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3 O papel do psicólogo organizacional: o trabalho na inclusão de profissionais com epilepsia Adriana Vazzoler-Mendonça

Este artigo foi concebido para levar informação à formação de estudantes de psicologia do ensino superior sobre algumas variáveis que circundam a problemática da pessoa com epilepsia na vida laboral e o papel do Psicólogo Organizacional e do Trabalho nos processos de inclusão. A Organização Mundial da Saúde estimou em 2010 que no mundo havia 40 milhões de pessoas com epilepsia, em todas as idades da infância à velhice (WHO, 2010). A prevalência da epilepsia no Brasil é de 0,14% da população na idade laboral de 16 a 64 anos, e a cada ano somam-se mais 44 pessoas com epilepsia (PCE) para cada cem mil habitantes, segundo Borges et al (2004). De acordo com Salgado e Souza (2002), ao se entrevistar pessoas com epilepsia, a área da vida considerada mais afetada pela doença é a do trabalho. Estima-se que 50% dos pacientes com epilepsia têm problemas para encontrar um emprego, e o desemprego e o subemprego foram apontados como os dois desafios mais importantes enfrentados por adultos com epilepsia (MASLAND, 1985; GULDVOG et al, 1991; BOER, 1995 apud SALGADO e SOUZA, 2002). Sentimento de inadequação: o aplainamento da subjetividade e o aplainamento da objetividade Juntamente com o diagnóstico da doença, o trabalhador recebe o rótulo de “ser epiléptico” pelo estigma social, que é uma forma de preconceito 27


e evoca atitudes de discriminação, conforme alertam Fernandes e Li (2006). Assim, segundo os autores, além dos desconfortos físicos, as pessoas sofrem as consequências biopsicossocioespirituais do estigma. Considerando os aspectos subjetivos, o Psicólogo Organizacional e do Trabalho deve estar atento para as consequências emocionais do sentimento de inadequação que pode acometer as pessoas com epilepsia. O Sentimento de Inadequação (SI) foi definido por Torres (2008, p.14) como “o indício de um modo de existência no qual se constata um estado de diferença ou peculiaridade, independentemente das reações assumidas a partir dessa constatação”. Este sentimento é decorrente da comparação que, como diz Torres (2011) é indevida, porém inevitável. Torres explica que o próprio termo “inadequado” sugere que haveria uma forma “adequada” correta e melhor, enquanto que o inadequado seria o errado, ruim, doente. No âmbito biopsicossocioespiritual, o SI pode ser fonte de angústia existencial da pessoa com epilepsia e isso pode causar-lhe mais prejuízos do que as crises convulsivas que caracterizam a doença. A partir do SI, o indivíduo pode querer mudar, ser diferente, consertar-se. Este movimento foi definido por Torres (2008) como Aplainamento da Subjetividade (AS), que pode ser um processo doloroso e pouco profícuo. Uma das formas de AS é tentar esconder a epilepsia (FERNANDES e LI, 2006). Ainda, ao perceber que há outras variáveis além de si mesmo, o sujeito pode empenhar-se para mudar o mundo, o ambiente de trabalho, os outros, no movimento chamado de Aplainamento da Objetividade (AO) (TORRES, 2008). Assim, o SI pode vir acompanhado de formas de violência contra si (AS) ou contra o mundo (AO), afastando a pessoa da real inclusão. Inclusão Se de um lado encontra-se um profissional com epilepsia e seus sentimentos e necessidades, de outro está uma empresa que representa a sociedade e o mundo com suas barreiras de todo tipo. Em atenção às pessoas com deficiências e sua inclusão na escola e no trabalho, em 2015 foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), n° 13.146/2015, transformando-se em importante Marco Legal que vem promovendo reflexões profundas sobre nossa cultura, sociedade, ética e a autonomia, cidadania e fortalecimento das pessoas com deficiências. Entretanto, as pessoas com epilepsia não estão contempladas por essa lei que, em seu artigo 2°, considera a pessoa com deficiência “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, 28


o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015). No Brasil não há ainda legislação para a inclusão de pessoas com doenças crônicas – como epilepsia, HIV-AIDS, câncer, esclerose múltipla, lúpus, apenas para mencionar algumas – seja para facilitar sua vida acadêmica ou para permitir que desempenhe atividades profissionais.A Lei de Cotas, n° 8.213 de 1991, que no artigo 93 estabelece as cotas de 2% até 5% de vagas de emprego para pessoas com deficiência ou reabilitadas nas empresas com mais de 100 empregados (BRASIL, 1991), tampouco considera as pessoas com doenças crônicas como sendo público-alvo para apoios, adaptações e acomodações a fim de viabilizar sua participação ativa na sociedade como cidadãos, provedores do sustento de suas famílias e de sua própria realização pessoal. O Emprego Apoiado é para todos que dele precisam Diante desta problemática, o Psicólogo Organizacional e do Trabalho pode lançar mão do Emprego Apoiado (EA), que é uma metodologia que já está consolidada em vários países há décadas (ANEA, 2016) e que busca firmar-se no Brasil como uma alternativa viável de inclusão no mercado de trabalho real para um grupo tradicionalmente excluído das atividades laborais. Esse grupo é formado pelas pessoas com situações de incapacidades significativas decorrentes de deficiências ou vulnerabilidade social, cuja inclusão requer a mobilização da família, do empregador, dos colegas, da equipe técnica que atende a pessoa (médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, advogados etc.) e do próprio profissional, respeitando e reconhecendo suas escolhas, interesses, pontos fortes e necessidades de apoio (BETTI e SASSAKI, 2014). No Brasil, a Associação Nacional do Emprego Apoiado (ANEA, 2016) congrega profissionais, instituições, empregadores, pesquisadores, clientes, familiares e demais interessados com o objetivo de desenvolver o método do EA e inserir pessoas com dificuldades significativas no mercado de trabalho competitivo. Inicialmente pensado para trabalhadores com deficiência intelectual, o EA logo mostrou sua aplicabilidade para trabalhadores com todos os tipos de deficiências físicas, sensoriais, transtornos globais do desenvolvimento e também em situações de exclusão social como egressos do sistema prisional, pessoas transgêneros, refugiados, dependentes químicos em recuperação, pessoas com deformações estéticas e outras situações que dificultam sua inserção na sociedade, no mercado de trabalho e sua permanência na atividade, tal como a epilepsia e outras doenças crônicas. Segundo Betti e Sassaki (2014), o EA considera, a priori, todas as pessoas como empregáveis, desde que sejam pro29


porcionadas as condições para que isso realmente aconteça. Assim, o EA pode atender a qualquer pessoa que dele precise, não restringindo o acesso ao trabalho a nenhum grupo específico. A partir desses princípios, é válido analisar como o EA poderia apoiar pessoas com epilepsia, tanto para conseguirem um trabalho como para permanecerem nele, se assim o desejarem. Em se tratando da capacitação dos profissionais, o EA postula que a melhor forma de se incluir um trabalhador é por meio das atividades de formação e capacitação. Assim, para o processo de inclusão de pessoas com deficiências, primeiro ela é inserida em uma vaga de emprego e, a partir da descrição das atividades naquele contexto organizacional, social, cultural é que a pessoa poderá receber os treinamentos específicos para desenvolver suas competências com mais assertividade (BETTI e SASSAKI, 2014; SASSAKI, 2014). Desta forma, a pessoa com epilepsia deve ser primeiro contratada, para então poder ser aproveitada da melhor forma, pensando-se em apoios, acomodações e adaptações, mas também em desenvolvimento de competências e planejamento de carreira. A metodologia do EA proposta por Betti e Sassaki (2014), é dividida em três fases: A Fase 1 é dedicada à descoberta do perfil vocacional, etapa em que o consultor de EA busca descobrir os desejos, talentos e competências do sujeito a partir de entrevistas com ele próprio e também com seus familiares, colegas, gestores, vizinhos, amigos que possam falar com propriedade a respeito de seus pontos fortes e dos pontos que merecem adaptação. Nesta fase são definidos também o grau de incapacidade laboral produzida pela epilepsia, a partir de instrumentos de avaliação como inventários e escalas, bem como os conhecimentos, habilidades e resultados verificáveis do trabalhador. Na Fase 2 é realizado o desenvolvimento do emprego, e é a etapa em que o consultor de EA vai a campo pesquisar quais empresas podem se interessar por seu cliente, que estejam alinhadas com o que ele deseja, com seu perfil vocacional e com seu grau de capacidade laboral. Esta etapa pode resultar na contratação do profissional para um posto de trabalho existente ou na criação de uma vaga personalizada que atenda igualmente ao profissional e à empresa. Na Fase 3 é realizado um acompanhamento pós-colocação, que se trata de um acompanhamento realizado pelo consultor de EA, pelo tempo, frequência e intensidade necessários, a fim de garantir que as partes estão desenvolvendo o que foi proposto, evitando-se desvios indesejados, visando a real inclusão do profissional conforme acordado inicialmente. Se o EA foi criado para atender a um público excluído do mundo do trabalho, por suas dificuldades severas (BETTI e SASSAKI 2014; SASSAKI, 2014), pensando-se nas pessoas com epilepsia, o mérito de se oferecer o acompanhamento por um consultor de EA seria para aqueles profissionais que 30


não conseguem trabalhar ou permanecer no trabalho por si mesmos devido a dificuldades emocionais, sociais, cognitivas, que muitas vezes vêm aliadas a sintomas que podem evoluir para o comprometimento de sua saúde mental. Considerando esta estratégia, o Psicólogo Organizacional e do Trabalho pode contratar um consultor de EA para assessorar os profissionais com epilepsia que já trabalham na empresa ou que possam vir a ser admitidos, seja para permanecerem nos postos de trabalho, seja para serem promovidos, transferidos ou desligados. O desligamento de um profissional, em vez de problema, deve ser considerado pelo consultor de EA, pelo Psicólogo Organizacional e do Trabalho e pelo próprio trabalhador como uma alternativa e uma possibilidade de ser recolocado em um trabalho que lhe faça mais sentido, que lhe produza satisfação e realização e o inclua realmente em um grupo do qual ele se sinta bem por fazer parte. O que o profissional com epilepsia pode fazer por si mesmo e pela causa Em todo processo de inclusão, para se obter sucesso, é preciso que todas as partes façam sua parte, e para o indivíduo com epilepsia não é diferente. Sua inclusão no ambiente de trabalho também precisa de seu empenho e movimento. A atuação do Psicólogo Organizacional e do Trabalho pode ser de ponte entre os gestores e os empregados, como propõem Pless e Maak (2004), para um ambiente organizacional verdadeiramente inclusivo, com a construção dos relacionamentos a partir de valores como reconhecimento, compreensão, validação, confiança, integridade, dentre outros, na busca da perenidade dos negócios com sustentabilidade do sistema e qualidade de vida para os trabalhadores. Conforme defende Sassaki (2007, p.8), “Nenhum resultado a respeito das pessoas com deficiência haverá de ser gerado sem a plena participação das próprias pessoas com deficiência”. Este é o fundamento do lema “Nada sobre nós, sem nós” criado na África do Sul por William Rowland em 1986 e adotado em diversas partes do mundo por movimentos de pessoas com deficiências ou quaisquer necessidades especiais para as quais reivindicam apoios (SASSAKI, 2007). Esse princípio vale também para as pessoas com epilepsia, para que elas se responsabilizem por seus processos de inclusão na escola, no trabalho e em qualquer atividade na sociedade. Neste contexto, cabe ao Psicólogo Organizacional e do Trabalho atuar como facilitador desses processos, convocando os sujeitos à participação como atores principais e promovendo ações que, conforme propõem Fernan31


des e Li (2006), visam a redução do estigma da epilepsia e podem melhorar os relacionamentos de todos os envolvidos: 1. criar campanhas de informação a toda a comunidade interna, acionistas, gestores, colegas, subordinados, RH, médico do trabalho, bem como ao ecossistema onde a empresa está inserida – sociedade, fornecedores, clientes etc.; 2. certificar-se de que os funcionários com epilepsia estão tendo acompanhamento médico adequado, psicoterapia e grupos de apoio e grupos para familiares e amigos; 3. proporcionar acesso a programas de educação continuada para atualização dos profissionais da área da saúde, e também aos gestores e funcionários da área de recursos humanos, que trabalham diretamente com desenvolvimento de pessoas. Conclusão A atividade laboral tem papel primordial do desenvolvimento humano e na inserção das pessoas na sociedade em que vivem, por isso a importância da inclusão de trabalhadores com todo tipo de deficiências, altas habilidades/ superdotação, transtornos globais do desenvolvimento, transtornos de aprendizagem e doenças crônicas. Contudo, os avanços percebidos nos últimos anos no Brasil são decorrentes mais das ações coercitivas - que preveem sanções para as empresas que não cumprem as leis de cotas ou que estejam dissonantes das regras da diversidade, inclusão, acessibilidade e direitos humanos - do que decorrentes da ampliação da consciência da sociedade. Para sair da invisibilidade, o profissional com epilepsia deve tornar-se visível a partir ações de protagonismo em prol de suas necessidades. O Psicólogo Organizacional e do Trabalho pode organizar esse movimento, legitimando suas ações no ambiente empresarial e na comunidade, auxiliando-o na gestão de seu SI, o que naturalmente aumenta sua empatia para consigo mesmo e para com os demais, resultando em menos estresse e em relacionamentos mais satisfatórios. Dotando-se de uma visão holística e integrativa, o Psicólogo Organizacional e do Trabalho é convidado a assumir o papel de regente do processo de inclusão dos profissionais com epilepsia, orquestrando sua atuação com outros profissionais dentro e fora da organização, dando voz e vez aos sujeitos e somando saberes em busca da transdisciplinaridade.

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contemporaneidade. In: ANGERAMI, V. A. (org.). Psicoterapia e Brasilidade. SĂŁo Paulo, Cortez, 2011. - WHO World Health Organization. Mental health and development: targeting people with mental health conditions as a vulnerable group, 2010, 108p, ISBN: 9789241563949

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4 Transtornos de ansiedade em pacientes com epilepsia Karina B. Batista Epidemiologia Transtornos de ansiedade são comorbidades altamente prevalentes e problemáticas em pessoas com epilepsia, mas ainda são pouco compreendidas e, muitas vezes, não são detectadas (Gandy et al., 2015). Embora a ansiedade represente uma carga substancial para aqueles com epilepsia, ela recebeu muito menos atenção em comparação com a depressão e outras comorbidades. (Pham et al., 2017) Um estudo canadense realizado por Pham et al.,2017 constatou que aqueles com ansiedade relataram epilepsia mais grave em comparação com aqueles sem ansiedade e que o grau de deficiência associado a convulsões, foi maior nos ansiosos do que não-ansiosos. Não surpreendentemente, a ansiedade foi associada com epilepsia fatores incluindo gravidade da epilepsia, grau de incapacidade associado a convulsões e efeitos colaterais. É de extrema importância entender o ponto de vista do paciente em relação, pois esse pode influenciar o desenvolvimento de uma ansiedade patológica. Scott, 2017 e colaboradores, perceberam que pacientes que relataram ansiedade pareciam mais propensos a superestimar a ameaça e as consequências de doenças e riscos relacionados à epilepsia. Como resultado desse entendimento, os participantes praticavam comportamentos evitativos que mais interferiam, desnecessariamente, mantendo-os longe de sua vida social e de outras atividades. Para alguns, isso envolveu retirada e isolamento devido ao medo de avaliação negativa por parte dos outros. Além disso, o medo de ferimentos 35


ou convulsões em certas situações resultou em comportamentos agorafóbicos. Como é bem documentado, adultos com epilepsia apresentam altos índices de ansiedade, depressão e suicídio, indicando o impacto negativo da ansiedade inicialmente (Stafstrom, Seidenberg, & Hermann, 2016). Em adultos com epilepsia, a depressão é bastante comum; no entanto, os distúrbios de ansiedade têm ganhou mais atenção nos últimos anos devido ao fato de que a ansiedade depressão e depressão frequentemente ocorrem mutuamente (Jones, 2014). Tanto nos modelos de ansiedade quanto de depressão, as crenças negativas sobre a incontrolabilidade e o perigo de preocupação fizeram a maior contribuição (Fisher & Noble, 2017). Mula , 2013, diz que em pacientes com epilepsia o transtorno do pânico (TP) parece ter prevalência variando entre 5% e 10%, o transtorno de ansiedade generalizada (TAG) possui taxa que varia de 3% e 12% em populações de amostras selecionadas, ansiedade social parece ter taxas de prevalência que variam entre 3% e 7%, o transtorno de ansiedade pós-traumático (TEPT) é relatado em cerca de 1% dos pacientes, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é relatado em cerca de 1% a 5% dos pacientes. Além disso, é importante atentar para a prevalência dos sintomas em questão em crianças e adolescentes. Em particular, crianças com epilepsia correm um risco significativo de desordens, que por sua vez podem impactar negativamente o desenvolvimento de habilidades sociais, realização acadêmica e qualidade de vida. As comorbidades psiquiátricas mais comumente relatadas epilepsia pediátrica são transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, e ansiedade (Jones, 2014). Um estudo com crianças epilépticas feito por Stafstrom et al., em 2016, constatou que vários transtornos de ansiedade, de início recente, foram identificados entre as crianças com a doença. As crianças com epilepsia nesta amostra apresentaram maiores taxas de fobia específica (44% vs. 15,8%), ansiedade de separação (32% vs. 1,6%), fobia social (24% vs. 8,2%) e transtorno de ansiedade generalizada (20 % vs. 1,1%) quando comparado com as taxas relatadas no National Comorbidity Survey- Adolescent Supplement (NCS-A). Esse achado indica que as taxas de transtornos de ansiedade são provavelmente maiores em crianças com epilepsia quando comparadas aos jovens da população geral. Neurobiogia Em termos de perspectivas neurobiológicas sobre o desenvolvimento da ansiedade no contexto da epilepsia, existem mecanismos patogênicos 36


compartilhados incluindo o seguinte: perturbações do neurotransmissor na serotonina, norepinefrina, glutamato e gama-aminobutírico (GABA); processo inflamatório no sistema nervoso central; neuroendócrino distúrbios; e regiões cerebrais semelhantes e circuitos cerebrais ambos os distúrbios (ou seja, amígdala e hipocampo) (Jones, 2014). As mesmas regiões envolvidas em uma proporção de pacientes com epilepsia focal, por exemplo, a amígdala e o hipocampo, também desempenham um papel fundamental na neurobiologia da ansiedade. A amígdala é determinante na experiência do medo; media respostas endócrinas e autônomas através da saída para o hipotálamo, e comportamento de evitação através da saída para a matéria cinzenta periaquedutal. Além disso, o hipocampo media a revivescência do medo e seu componente afetivo. A ativação desses circuitos é a hipótese principal para sintomas de ansiedade, e a redução na saída excessiva desses neurônios representa o principal alvo de tratamento. Tal mecanismo tem várias semelhanças com a explosão excessiva típica dos neurônios epilépticos, explicando os efeitos dos agentes antiepilépticos (como benzodiazepínicos ou drogas antiepilépticas) (Mula, 2013). O estudo de Stafstrom et al., 2016 fez algumas constatações, como: Volumes significativamente maiores da amígdala esquerda foram observados no grupo Epilepsia + Ansiedade, Crianças com epilepsia e ansiedade mostraram córtex significantemente mais fino na região orbitofrontal medial esquerda (do que as crianças com epilepsia sem ansiedade). Nesta amostra, Stafstrom percebeu que crianças com início recente de epilepsia e ansiedade apresentavam um córtex significativamente mais fino na região frontal orbital medial esquerda, lateral direita e no polo frontal direito, que é considerado parte do córtex pré-frontal anterior. O córtex pré-frontal tem sido implicado em desempenhar um papel significativo no sistema de ansiedade. Particularmente porque inibe ou modula a entrada da amígdala, resultando em uma resposta de extinção. Essa diminuição na acuidade cortical pode indicar que o córtex pré-frontal não está se desenvolvendo de forma semelhante em comparação com controles saudáveis e crianças com epilepsia sem ansiedade. Crianças com epilepsia de início recente e ansiedade foram mais propensas a ter epilepsia focal em comparação com crianças com epilepsia sem ansiedade. No entanto, achados significativos corticais e subcorticais não foram associados com diferenças de síndrome (focal vs. generalizada), sugerindo que essas diferenças neurobiológicas estão associadas à ansiedade em vez da síndrome epiléptica. Nos pacientes com epilepsia do lobo temporal, o medo ictal (O medo ictal geralmente tem início quando o paciente ainda está consciente, tem duração breve (0,5 a 2 minutos), é acompanhado de outras auras psíquicas, como 37


déjà vu e outros fenômenos alucinatórios, e não é precedido por ansiedade antecipatória como ocorre nos ataques de pânico (Yacubian & Kochen, 2014)) é frequentemente associado com descargas epilépticas do lobo temporal mesial. A evidência de ressonância magnética também encontrou uma ligação entre a atrofia amigdalar e o foco de convulsão em pessoas que exibem medo ictal (Stafstrom et al., 2016). Além disso, a imprevisibilidade das crises e o senso de vulnerabilidade associado com padrões de pensamentos distorcidos de superestimação de risco e danos dos ataques, teoricamente poderiam aumentar o risco de desenvolvimento dos transtornos de ansiedade (Mula, 2013). Tratamento Os tratamentos para os transtornos de ansiedade em epilepsia oscilam entre terapia e tratamentos medicamentosos.Todavia a literatura mostra o que costuma ser mais eficaz e de que forma deve ser usado. Mula,2013 diz que a Terapia cognitivo-comportamental deve ser considerada como a primeira escolha para pacientes com epilepsia, mas não a única (Tabela 1). Um estudo feito por Scott et al., 2018, concluiu que aqueles que relataram níveis clínicos de ansiedade pareceram priorizar a prevenção de riscos e, portanto, os efeitos adversos sobre o seu funcionamento persistiu. Dado que a epilepsia é uma condição inerentemente imprevisível, os indivíduos com uma predisposição para tolerar mal a incerteza, parecia ter um risco particular de desenvolver ansiedade no contexto de sua epilepsia. Essa conclusão mostra a importância da terapia cognitivo-comportamental que tem como uma das estratégias de tratamento os enfrentamentos das situações temidas pelos pacientes para que o medo em questão diminua gradativamente. Ainda sobre a tabela 1, pode-se verificar o uso da TCC como sendo controverso no tratamento de alguns transtornos. Isso ocorre, pois alguns estudos mostram que é eficaz e já outros não sustentam essa afirmativa. Assim, não há como ter certeza do uso da TCC nesses casos. Tabela 01. Tratamento dos transtornos de ansiedade na epilepsia. Transtorno Transtorno do Pânico

Tratamento agudo

Tratamento a longo prazo

Primeira escolha: ISRS* + TCC** Primeira escolha: ISRS + TCC Segunda Escolha: ADTs*** + TCC ou TCC (apenas)

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Transtorno de Ansiedade Generalizada

Primeira escolha: pregabalina Segunda escolha: paroxetina, venlafaxina, imipramina TCC (controverso)

Primeira escolha: pregabalina Segunda escolha: paroxetina, venlafaxina, imipramina TCC (controverso)

Transtorno de Ansiedade Social

Primeira escolha: ISRS. TCC (controverso)

Primeira escolha: ISRS. TCC (controverso)

Transtorno de Estresse Pós-Traumático

Primeira escolha: ISRS. TCC (controverso)

Primeira escolha: ISRS. TCC (controverso)

Transtorno ObsessivoCompulsivo

Primeira escolha: TCC Segunda escolha: TCC + Sertralina Terceira escolha: TCC + Clomipramina

Primeira escolha: TCC Segunda escolha: TCC + Sertralina Terceira escolha: TCC + Clomipramina

* Inibidor da recaptação de serotonina. | ** Terapia cognitivo-comportamental. *** Antidepressivos tricíclicos

Conclusão Existem poucos estudos originais que envolvam os tipos de tratamentos eficazes nos transtornos de ansiedade, especificamente para pacientes com epilepsia. Uma possibilidade de pesquisa seria examinar se as crenças metacognitivas predizem que as pessoas com epilepsia, diagnosticada recentemente, se ajustam ou experimentam sofrimento emocional persistente (Fisher & Noble, 2017). Segundo Mula 2013, a prática clínica ainda depende fortemente da experiência individual. Além disso, transtornos de ansiedade ainda são subtratados e pouco reconhecidos. Portanto, parece evidente que estudos são urgentemente necessários para examinar a natureza dos sintomas de ansiedade na epilepsia e como eles podem diferir da natureza da ansiedade em transtornos de ansiedade primária e de sintomas de ansiedade encontrados em outros distúrbios do sistema nervoso central. REFERÊNCIAS - Fisher, P. L., & Noble,A. J. (2017).Anxiety and depression in people with epilepsy:The contribution of metacognitive beliefs. Seizure, 50, 153–159. https://doi.org/10.1016/j.seizure.2017.06.012 - Gandy, M., Sharpe, L., Perry, K. N., Miller, L., Thayer, Z., Boserio, J., & Mohamed, A. (2015). Anxiety in epilepsy: A neglected disorder. Journal of Psychosomatic Research, 78(2), 149–155. https://doi. org/10.1016/j.jpsychores.2014.12.002

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- Jones, J. E. (2014). Treating anxiety disorders in children and adolescents with epilepsy: What do we know? Epilepsy and Behavior, 39, 137–142. https://doi.org/10.1016/j.yebeh.2014.06.021 - Pham, T., Sauro, K. M., Patten, S. B., Wiebe, S., Fiest, K. M., Bulloch, A. G. M., & Jetté, N. (2017). The prevalence of anxiety and associated factors in persons with epilepsy. Epilepsia, 58(8), e107–e110. https://doi.org/10.1111/epi.13817 - Scott, A. J., Sharpe, L., Hunt, C., & Gandy, M. (2017). Anxiety and depressive disorders in people with epilepsy: A meta-analysis. Epilepsia, 58(6), 973–982. https://doi.org/10.1111/epi.13769 - Scott,A. J., Sharpe, L.,Thayer, Z., Miller, L.A.,Wong,T., Parratt, K., & Nikpour,A. (2018).A qualitative examination and theoretical model of anxiety in adults with epilepsy. Epilepsy and Behavior, 85, 95–104. https://doi.org/10.1016/j.yebeh.2018.05.023 - Stafstrom, C. E., Seidenberg, M., & Hermann, B. P. (2016). NIH Public Access, 56(2), 283–290. https://doi.org/10.1111/epi.12832.Children - Yacubian, E. M. T., & Kochen, S. (2014). Crises epilépticas Crises epilépticas, 97.

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5 Representações sociais das causas da epilepsia segundo psicólogos Ester Maria Horta de Paula, Cláudio José Cobianchi & Julio Cesar Cruz Collares-da-Rocha

A epilepsia é uma condição comum que atinge aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo (WHO, 2018). As causas das crises epilépticas envolvem fatores como predisposição individual, lesão epileptogênica e alterações bioquímicas. Já as causas da epilepsia envolvem “fatores genéticos e perinatais, distúrbios do desenvolvimento, doenças infecciosas, fatores tóxicos, trauma ou agentes físicos, distúrbios vasculares, metabólicos e nutricionais, doenças degenerativas e hereditárias” (GUERREIRO et al, 2000, p. 05). Na equipe interdisciplinar envolvida no diagnóstico da epilepsia, uma das figuras é o psicólogo, que atua, dentre outras atividades, na avaliação neuropsicológica que pode compor o rol de procedimentos de investigação da etiologia (WILSON et al, 2015). Apesar da participação da Psicologia no diagnóstico e tratamento da epilepsia, acreditamos que alguns psicólogos podem desconhecer os fatores que causam essa condição. O objetivo desta pesquisa foi conhecer a representação social das causas da epilepsia entre os psicólogos. A Teoria das Representações Sociais (TRS) foi criada por Serge Moscovici, a partir do conceito de representação coletiva de Durkheim (Moscovici, 2012). Jodelet (2001, p. 22) definiu representações sociais (RS) como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Dentre as pesquisas em RS sobre epilepsia, Moreira e Souza Filho (2003) investigaram a RS da pessoa com epilepsia e identificaram que o dis41


curso de tais indivíduos estava inserido em um comportamento estereotipado, saturado de preconceitos e discriminações que, segundo os autores, seriam reflexo do pensamento individual e coletivo. Moreira e Morya (2003) realizaram um estudo comparativo entre a representação social da epilepsia e da AIDS, e interpretaram que existem em ambas a noção de contágio biológico e formas de contágio social, surgindo ideias de afastamento e de isolamento dos indivíduos que têm estas doenças. Método Trata-se de uma pesquisa qualitativa e exploratória. Participaram do estudo 40 psicólogos, de ambos os sexos, da Região Metropolitana de São Paulo, que não tinham experiência no atendimento clínico de pacientes com epilepsia. Os participantes foram contatados por meio do método bola de neve. Foi utilizado um questionário constituído por uma questão sobre as possíveis causas da epilepsia, seguido dos dados de caracterização dos participantes. A coleta de dados foi realizada no período de setembro a novembro de 2007, de maneira individual, em que cada participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, a seguir, respondeu ao questionário. A primeira questão passou por análise de conteúdo (BARDIN, 2011) e as demais passaram por análise descritiva (frequência e percentual). Resultados Quanto à caracterização dos participantes, 32 (80%) eram do sexo feminino; 17 (42,5%) possuíam pós-graduação; 15 (37,5%) tinham entre 1 a 5 anos de atuação; e 31 (77%) apontaram a área clínica como predominante. Quanto ao resultado da análise de conteúdo para as RS da causa de epilepsia, os temas levantados, seguidos de exemplos, foram os seguintes: (1) Aspectos orgânicos em geral: quando foram citados aspectos orgânicos em geral como causa de epilepsia. Exemplo: “Acredito que seja a ingestão de alimentos contaminados”; (2) Aspectos neurológicos: quando as causas de epilepsia foram relacionadas a fatores neurológicos/cerebrais. Exemplo: “Acredito ser um fator neurológico, onde quando há crise, há uma descarga de energia”; (3) Hereditariedade/Genética: quando as causas de epilepsia foram relacionadas à genética e/ou hereditariedade. Exemplo: “Genéticas (hereditárias)”; (4) Interação de variáveis orgânicas e psicológicas: quando foram mencionadas interações de fatores psicológicos/emocionais e fatores orgânicos. Exemplo: “Algo 42


orgânico, que pode ser desencadeado inclusive por questões emocionais”; (5) Transtornos mentais e/ou psiquiátricos: quando transtornos mentais ou psiquiátricos foram relacionados como causa de epilepsia. Exemplo: “Questões relacionadas a transtornos mentais”; (6) Possui dúvida: quando houve incerteza quanto às causas de epilepsia. Exemplo: “Penso que ainda não foram definidas as causas verdadeiras, mas é possível que sejam multifatoriais”; e (7) Sem conhecimento: quando informou não saber quais as possíveis causas de epilepsia. Exemplo: “Não sei dizer as causas”. Discussão Nas RS das causas da epilepsia os participantes citaram conteúdos relacionados desde aspectos orgânicos até transtornos mentais, bem como também apresentaram dúvidas sobre as possíveis causas. Neste sentido, Moreira e Souza Filho (2003) observaram em seu estudo que, as diversidades dos conteúdos relacionados às causas da epilepsia, foram relativas aos aspectos individuais de cada sujeito, como também pudemos reconhecer no grupo em questão. Sobre a falta de informação acerca da epilepsia, Fernandes e Li (2006) indicaram que ela está presente em grande parte das pessoas, especialmente no que se refere à definição de epilepsia, suas causas, os tipos de tratamento existentes e os procedimentos durante a crise, sendo um dos fatores operantes na perpetuação do estigma na sociedade. Considerações finais O objetivo da pesquisa foi conhecer quais seriam as representações sociais da causa da epilepsia segundo psicólogos. A análise de conteúdo permitiu identificar que os participantes têm um conhecimento disperso sobre a causa da epilepsia, e isso indicaria que estamos diante de um conhecimento de senso comum sobre o assunto, e não de um conhecimento especializado/ reificado.Tal resultado evidenciou a necessidade da abordagem da epilepsia seja mais ensinada na formação em Psicologia, para que os profissionais possam compreender essa doença do ponto de vista especializado/reificado, e até contribuir para a redução do estigma social ainda presente.

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REFERÊNCIAS - BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. - FERNANDES, Paula Teixeira; LI, Li Min. Percepção de estigma na epilepsia. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, v. 12, n. 4, p. 207-218, 2006. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/ S1676-26492006000700005>. Acesso em: 27 Jul. 2018. - GUERREIRO, Carlos A. M. et al. Considerações Gerais. In: GUERREIRO, C.A. M; GUERREIRO, M. M.; LOPES-CENDES, I. (org). Epilepsia. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Lemos 2000. p. 1-10. - JODELET, Denise. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: ______. As representações Sociais. Tradução de: Lílian Ulup. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. p. 17-44. - MOREIRA, Antonia Silva Paredes; MORIYA, Tokico Murakawa. Aspectos psicossociais da epilepsia e da AIDS: representações sociais intergrupos. In: MOREIRA, A. S. P.; JESUÍNO, J. C. (Orgs.). Representações Sociais: Teoria e Prática. 2 ed. rev ampl. João Pessoa: Ed. da UFPB, 2003. p. 205-213. - MOREIRA, Antonia Silva Paredes; SOUZA FILHO, Edson Alves de. A. Representação Social da Epilepsia e Intergrupalidade. In: MOREIRA, A. S. P.; JESUINO, J. C. (Orgs.). Representações Sociais: Teoria e Prática. João Pessoa: João Pessoa: Ed. da UFPB, 2003. p. 189-212. - MOSCOVICI, S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis:Vozes, 2012. - WILSON, Sarah J. et al. Indications and expectations for neuropsychological assessment in routine epilepsy care: Report of the ILAE Neuropsychology Task Force, Diagnostic Methods Commission, 2013–2017. Epilepsia, v. 56, n.5, p. 674-681, 2015. Disponível em: <https://doi. org/10.1111/epi.12962>. Acesso em: 30 Jul. 2018. - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Epilepsy 2018. Disponível em: <http://www.who.int/en/ news-room/fact-sheets/detail/epilepsy>. Acesso em: 28 Jul. 2018.

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6 A importância do processo de psicoterapia para ressignificação do adoecer na epilepsia: um olhar da Gestalt-terapia Valquíria Gonçalves Ferreira Silva Introdução O processo do adoecer não é uma tarefa fácil, pois envolve não apenas a existência ou não de sintomas, mas também a forma como cada um reage de acordo com o aparecimento de determinada doença. A Organização Mundial da Saúde, em 1946, definiu saúde como “um completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doença”.Tal definição vem sendo debatida nos últimos tempos e agora diversas correntes teóricas entendem a doença ou a saúde como um processo individual que não pode apenas ser explicado por conceitos. Quando o indivíduo está prestes a receber o diagnóstico de uma doença crônica, essa não é uma etapa fácil e quando se trata de epilepsia sabemos que é um momento marcado por muita angústia. Isso se deve ao fato de ser a epilepsia uma doença ainda pouco conhecida por muitos e possuir um alto grau de preconceito. O objetivo principal desde artigo foi sugerir que o processo de psicoterapia segundo a visão da Gestalt-terapia pode ser um valioso recurso para auxiliar a pessoa com epilepsia a ressignificar o seu tratamento, seu modo de agir e como se vê diante da epilepsia. Como não foram encontrados artigos ou livros com estudos de casos que descrevam a utilização da Gestalt-terapia na pessoa com epilepsia, foram utilizados como referências artigos que falam de da Gestalt-terapia e de outras doenças e transtornos como: insuficiência renal, 45


bipolaridade, demência e outros. Alguns conceitos da Gestalt-terapia Este artigo teve como embasamento teórico o processo de psicoterapia da Gestalt-terapia. A Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica, criada por Frederick Perls, que tem a visão de homem pautada na fenomenologia, humanismo e no existencialismo. Ribeiro (1985, p. 29) diz que “a Gestalt-terapia se coloca do lado das psicoterapias humanistas, o que significa que contém e promove a ideia do homem como centro, como valor positivo, como capaz de se autogerir e regular-se”. Para esta abordagem o ser humano é o foco de toda a atenção e ela procura fazer com que a pessoa reestabeleça um contato com ela mesma e com o mundo. Devido à influência do Existencialismo surge a necessidade de compreender o indivíduo a partir de sua subjetividade, de sua singularidade. Ginger e Ginger (1995, p. 36) enfatizam que “pode ser considerado ‘existencial’ tudo que diz respeito à forma como o homem experimenta sua existência, a assume, a orienta, a dirige. [...] A noção de responsabilidade de cada pessoa que participa ativamente da construção de seu projeto existencial e confere um sentido original ao que acontece e ao mundo que a rodeia, criando, inelutavelmente, a cada dia, sua relativa liberdade.” Por isso pode-se colocar que todo indivíduo é visto como único, e assim surge a necessidade de sempre levar em conta as particularidades e possibilidades de crescimento e desenvolvimento de cada um. Ginger e Ginger (1995) afirmam que devido à influência da fenomenologia o como é mais importante do que o porquê. Por esse motivo na Gestalt-terapia se busca a essência do fenônemo através da redução fenomenológica e não a explicação do porque um determinado comportamento acontece. Para Ribeiro (2011) a Gestalt-terapia tem a sua visão de mundo pautado no holismo. Segundo ele as pessoas e o mundo são pautados por três princípios: tudo é um todo; tudo muda; tudo está relacionado a tudo. De acordo com essa visão o homem é um ser em constante evolução e em relação, sendo assim o que muda em um contexto fará diferença em outra parte. O autor também ressalta que o mundo e a vida são constituídos por círculos ou gestalt, onde existe um movimento constante de fechamentos e aberturas de ciclos. O conceito de autorregulação da Gestalt-terapia tem como base a teoria organísmica de Kurt Goldstein. Nesta teoria o ser humano é visto como um todo e a autorregulação é a maneira como o organismo consegue interagir 46


e se adaptar com o mundo, respeitando os limites e a individualidade de cada um. Sendo assim “um organismo se desregula quando se exige dele força e habilidades para as quais não está preparado” (Ribeiro, 2006, p.67). Devido a sua visão holística e ao conceito de autorregulação, a Gestalt-terapia compreende o homem como um ser biopsicosocial, no qual existe uma total interação entre o meio, o corpo e a mente. O principal objetivo do processo de psicoterapia da Gestalt-terapia é que o cliente tome consciência de si e de suas ações. Esse conscientizar não é apenas saber de algo, precisa ir além, fazendo um envolvimento total do cliente além do que simplesmentente entender o porquê. Perls (1988, p. 7778) enfatiza que “O ‘conscientizar-se’ fornece ao paciente a compreensão de suas próprias capacidades e habilidades, de seu equipamento sensorial, motor e intelectual [...]. Não se trata de consciente [...] o ‘conscientizar-se’ fornece algo mais ao consciente [...]. Isso porque a ‘conscientização’ só se desenvolve no presente. Abre possibilidades para a ação”. Epilepsia A epilepsia é uma doença crônica caracterizada por repetidas crises epilépticas, resultantes de hiperexcitabilidade e/ou hipersincronismo de neurônios cerebrais. Devido à sua alta incidência a epilepsia é hoje considerada por muitos estudiosos a doença mais comum do cérebro. Acredita-se que cerca de 1 a 2% da população mundial são pessoas com epilepsia (Oliveira, Parreiras e Doretto, 2007). O tratamento da epilepsia é realizado na maioria das vezes com drogas antiepilépticas com o objetivo de impedir a ocorrência de crises. A escolha do medicamento é realizada de maneira individual, levando em conta o tipo de crise, a eficácia do medicamento e os efeitos colaterais (Yacubian, 2006). A maioria das pessoas conseguem diminuição total, parcial ou controle total das crises com a utilização regular dos medicamentos.A epilepsia pode requerer tratamento por muitos anos e algumas vezes por toda a vida, precisando assim de um envolvimento da pessoa com epilepsia em todo o tratamento e de um acompanhamento médico constante. Estudos apontam que as pessoas com epilepsia podem possuir uma baixa na qualidade de vida, pois além da necessidade da utilização contínua de medicamentos também existe a ocorrência de crises (Rizzutti, 2007). Esta baixa na qualidade de vida pode estar associada a efeitos colaterais dos medicamentos e principalmente a questões sociais e psicológicas. Hoje o tratamento da epilepsia está sendo realizado algumas vezes com uma equipe multiprofissional, 47


em que não apenas as crises são tratadas, mas também o que acontece com a pessoa com epilepsia. A pessoa precisa se envolver no tratamento não de uma maneira mecânica, mas sim com uma maneira consciente. Porém, é pouco explorado até o momento o envolvimento da pessoa no tratamento e do processo psicológico. Relação entre Gestalt-terapia e tratamento de epilepsia É comum as pessoas se desesperarem e muitas vezes ficarem tristes, no momento do adoecer, acreditando que a doença diagnosticada será o fim de tudo. Por isso é importante que o médico ao diagnosticar a epilepsia não se restrinja somente a doença. Ele deve também valorizar a pessoa em particular e mostrar a ela que embora a crise dure alguns minutos ela terá tempo sem crise e neste tempo poderá desfrutar de uma vida saudável (Fonseca e Mariano, 2007). Yontef (1998, p. 216) afirma que “a awareness é acompanhada por aceitação, isto é, o processo de conhecimento do próprio controle, a escolha e a responsabilidade pelo próprio sentimento, e pelo comportamento”. Por este motivo quando ocorre o processo de conscientização o indivíduo passa a ter uma responsabilidade por seus atos e ações. Sendo a epilepsia às vezes um tratamento prolongado, a pessoa com esse diagnóstico precisa estar consciente do seu papel no tratamento, fazendo o uso da medicação de maneira correta e aceitando o tratamento. Para que a pessoa utilize o medicamento de forma correta e para que o aceite, é importante que a pessoa saiba qual a finalidade do tratamento e também quais os riscos de não utilizar o medicamento de forma correta, pois como coloca Rizzutti (2007) quando a pessoa compreende para o que se destina o seu medicamento e qual a sua importância ela poderá entender que a utilização do medicamento é melhor que ter crises frequentes. Yontef (1998, p. 236) salienta que a conscientização “é o meio pelo qual o indivíduo consegue se regular”. Como um dos objetivos do processo de psicoterapia da Gestalt-terapia é a autorregulação, a pessoa com epilepsia pode com o tempo se compreender melhor e como consequência ter um melhor controle do que ocorre. É importante salientar que não significa ter o controle das crises epilépticas a ponto de deixa-la ou não acontecer, mas sim uma maneira de entender o que pode provocar as crises e assim se manter melhor regulado. Estudos apontam que fatores externos, psicossociais e até transtornos psiquiátricos (Oliveira, Parreiras & Doretto, 2007) estão associados à frequên48


cia das crises epilépticas. A partir do momento que a pessoa tem consciência desses fatores, os mesmos precisam, quando possível, ser evitados para assim obter um melhor controle das crises. Não existe ainda um meio da pessoa com epilepsia de difícil controle se blindar de todos os fatores que lhe causam as crises, mas com o desenvolvimento da autorregulação, pode acontecer uma adaptação ao tratamento, pois como ressalta Ribeiro (2006, p. 41) “Autorregular-se significa respeitar a totalidade funcional do organismo, significa olhar-se e comportar-se como um todo organizado e eficiente”. A pessoa com epilepsia precisa se adaptar a um novo modo de vida por causa de todo o tratamento, e também pode encontrar dificuldade na sua adaptação social. Isso se deve principalmente ao fato de que a epilepsia ainda é uma doença carregada de preconceitos. No que diz respeito às dificuldades e limitações vivenciadas por indivíduos devido à doença, Silva e Motta (2013) verificaram que eles modificaram completamente suas vidas, passando a ter restrições físicas, sociais e ocupacionais, sendo que as mesmas autoras afirmam que o psicólogo deverá atuar com o objetivo de diminuir o impacto que a doença gera no indivíduo e em seus familiares, desempenhando seu papel tanto na reestruturação psíquica dos acometidos pela doença, como na manutenção do tratamento. Perls (1977, p.96) dá um novo conceito para a palavra responsabilidade. Segundo ele, responsabilidade pode ser entendida como “habilidade de responder: de ter pensamentos, reações, emoções numa determinada situação”. Esta responsabilidade leva a pessoa a ter uma autonomia e a responder por si mesma e pelos seus atos e assim começar a se valorizar. Quando se adquire um conhecimento significativo de si mesmo e da doença que sofre, a pessoa poderá ficar mais ciente de todas as ações que lhe é possível, ficando também presente e responsável para saber o que não lhe é permitido devido a restrições da doença. Quando ocorre uma crise de epilepsia, pode ocorrer alguma manifestação no corpo como convulsão e espasmos (Fontenelle, Pires, 2006). Essa ocorrência pode deixar a pessoa com epilepsia constrangida e até com medo de sentir outras manifestações no seu corpo. Ribeiro (2006, p.97) ressalta que “meu corpo é minha totalidade, sentindo, pensando, fazendo, falando.”, portanto, “essas funções são correlacionadas, possuem uma cumplicidade contatual ontológica, uma não pode funcionar sem a outra.” Como a Gestalt-terapia leva em conta o sentir, durante o processo de psicoterapia a pessoa poderá resgatar a consciência do seu próprio corpo e através do contato se reconhecer como um ser único que possui limitações, e também qualidades.

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Considerações finais O adoecer de uma doença crônica, em especial da epilepsia pode trazer várias consequências, porém cada pessoa terá uma reação, e esta dependerá de como ela se encontra psicologicamente e quais mediações sociais possui. A maioria das pessoas com epilepsia não são preparadas psicologicamente para esse processo, visto que, para algumas esse tratamento pode durar a vida inteira. Sendo a Gestalt-terapia um processo psicológico fundamentado no existencialismo, humanismo, fenomenologia e no holismo, sua utilização em pessoas com epilepsia pode ser de grande utilidade. Usando esta abordagem não se tratará a doença, nem se buscará explicações do por que ela aconteceu, mas será dada atenção à pessoa como um todo e todas as suas especificidades e particularidades. A Gestalt-terapia através da sua metodologia da conscientização pode proporcionar à pessoa que aprenda a se perceber como um todo, seu corpo e seus sentimentos e seu contexto e assim ter um maior domínio da iminência de uma crise e poder se auto-gerenciar para evitá-la, quanto para lidar melhor depois que esta acontece. Com um processo psicológico que leva em conta a pessoa e não a reduz a uma doença, a pessoa com epilepsia pode ficar ciente de que sua vida não se resume apenas a ela, ampliando assim a sua visão de mundo e de responsabilidade sobre a sua vida e ações. Reconhecendo que a vida está em constante movimento e que a pessoa está sempre em autorregulação, a pessoa com epilepsia passará a entender que não tem apenas um papel passivo para desempenhar no mundo. Dentro da psicoterapia gestáltica o terapeuta poderá auxiliar a pessoa com epilepsia a perceber o seu sintoma no contexto do campo do seu contato com seu meio ambiente no momento, ou seja, como uma interrupção no seu fluxo de contato e consequentemente promover um processo de conscientização, fazendo com que esse fluxo retorne e aconteça o fechamento das gestalten abertas tanto relacionado ao que envolve a epilepsia e suas consequências psicossociais, quanto na sua vida de um modo geral. REFERÊNCIAS - Fonseca, L. F.; Mariano, S. C. Humanizando o momento do diagnóstico. In: Albuquerque, M. de; Cukiert, A. Epilepsia e qualidade de vida. São Paulo. Alaúde Editorial, 2007, p. 21-26. - Fontenelle, L. da C.; Pires, L. de C. Epidemiologia e definições. In: Melo, Á. N.; Yacubian, E. M. T.; Nunes, M. M. L. Crises epilépticas e epilepsias ao longo da vida: 100 questões práticas. São

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Paulo: Segmento Farma, 2006. p.11-18 - Ginger, S; Ginger A. Gestalt: uma terapia de contato. São Paulo: Summus, 1995. - Oliveira, B. L.M. B.; Parreiras, M. S.; Doretto, M. C.Epilepsia e Depressão: Falta diálogo entre a Neurologia e a Psiquiatria?Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology. 2007; vol. 13,n.3 p.109-113. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jecn/v13n3/a04v13n3.pdf>. - Perls, F. S.A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. - _____ Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977. - Ribeiro, J. P. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 1985. - _____ Vade-mécum de Gestalt-terapia: conceitos básicos. São Paulo: Summus, 2006. - _____ Conceito de mundo e de pessoa em Gestalt-terapia: revisitando o caminho. São Paulo: Summus, 2011. - Rizzutti, S. Impacto do tratamento antiepiléptico na qualidade de vida. In: Albuquerque, M. de; Cukiert, A. Epilepsia e qualidade de vida. São Paulo. Alaúde Editorial, 2007, p. 75-108. - Silva, R. M. ; Motta R. F. A psicologia e o processo de adoecimento nos pacientes renais crônicos. Disponível em <https://www.periodicos.unifra.br/index.php/disciplinarumCH/article/viewFile/1 734/1638>. - Yacubian, E. M. T. Tratamento das crises epilépticas e epilepsia. In: MELO, Á. N.; Yacubian, E. M. T.; Nunes, M. M. L. Crises epilépticas e epilepsias ao longo da vida: 100 questões práticas.São Paulo: Segmento Farma, 2006. p.69-76. - Yontef, G. M. Processo, diálogo e Awareness – ensaios em gestalt-terapia. Tradução de Eli Stern. São Paulo: Summus, 1998.

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7 A psicoeducação de professores de crianças com epilepsia Denise Almeida Wendland Epilepsia na infância A Epilepsia é considerada uma doença neurológica grave e frequente (FERNANDES et al., 2013; WINCKLER E MELO, 2016; CASTRO E ADDA, 2012), caracterizada por crises epilépticas que sinalizam as alterações na atividade elétrica do cérebro, que abrange os dois hemisférios cerebrais, ocorrendo por meio de descargas neuronais, excessivas e transitórias no córtex cerebral (WINCKLER E MELO, 2016). Sendo de início precoce, pois 90% dos epilépticos podem ter a primeira crise antes dos 20 anos (WINCKLER E MELO, 2016), ou seja, em idade escolar. As pesquisas apontam que a epilepsia pode causar comprometimento cognitivo grave afetando o aprendizado (CASTRO E ADDA, 2012; FLUENTES et al., 2014; FERNANDES E SOUZA, 2004; KREMER et al., 2017; NOLAN et al., 2004) e a interação social (FERNANDES E SOUZA, 2004). As manifestações da epilepsia ocorrem pela ação da atividade excessiva e não controlada de parte do sistema nervoso ou todo ele, provocadas pelo desequilíbrio bioelétrico cerebral ou por patologia demonstrável. A epilepsia apresenta uma diversidade de sintomas e efeitos, com as mais variadas manifestações. Podendo se manifestar como crises de ausência, “tiques nervosos”, perturbações da consciência ou do comportamento, problemas psíquicos e emocionais. A idade precoce do início das crises pode interferir no desenvolvimento cerebral e, em longo prazo, causar impacto na cognição (WINCKLER E MELO, 2016). Portanto, pode causar desde déficits intelectuais ou uma doença mental até prejuízo cognitivo, de fala, alteração comportamental ou agressividade (OLIVEIRA, 1999). 52


Dificuldades escolares Na infância, a epilepsia pode ser um fator de risco para dificuldades escolares (WINCKLER E MELO, 2016; FLUENTES et al., 2014; OLIVEIRA, 1999; CIASCA E LIMA, 2017). Nas crianças, as dificuldades escolares podem não ser causadas apenas pela epilepsia, mas também pela somatória de fatores psicológicos, dentre eles a qualidade da educação, baixa perspectiva dos pais e professores com relação ao desempenho da criança, baixa autoestima e rejeição dos professores e colegas5. O distanciamento físico e psicológico gerado pelo estigma e preconceito aumenta a carga emocional para a criança com epilepsia, sendo indispensável para todos, em especial para os psicólogos (OLIVEIRA, 1999), neuropsicólogos e professores o conhecimento das causas e efeitos desta patologia. Vários estudos apontam que a dificuldade de aprendizagem é a queixa mais frequente de encaminhamentos realizados pelo professor para a avaliação da criança (CIASCA, 2003; MACHADO E PROENÇA, 2004; LIMA et al., 2006). Em pesquisa realizada com crianças que foram encaminhadas para avaliação multidisciplinar, contatou-se que de 100 encaminhamentos realizados, 46% era de dificuldade de aprendizagem, 19% de dificuldades de atenção e memória e 15% problemas de comportamento (LIMA et al., 2006). O diagnóstico da epilepsia é fundamentalmente clínico, ou seja, com base nas informações fornecidas pelo paciente ou acompanhante. Além disso, para o diagnóstico seguro, o médico pode solicitar exames clínico-neurológicos, a avaliação neuropsicológica e os testes complementares. A avaliação neuropsicológica pode auxiliar no diagnóstico dos prejuízos cognitivos, contribuir para a compreensão da condição neurológica e auxiliar nas decisões do tratamento, visando compreender os problemas educacionais e psicossociais relacionados com o comprometimento cognitivo (Quadro 1); e também monitorar os efeitos dos medicamentos ou da epilepsia sobre a cognição, bem como o impacto dessas disfunções cognitivas no dia a dia (FERNANDES E SOUZA, 2004).

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Quadro 01. Síndromes eletroclínicas na infância Tipos de epilepsia

Idade de abrangência

Prejuízos cognitivos

Dos 3 aos 10 anos, pico de início aos 8 anos.

Funções Executivas Linguagem Memória Dificuldades de aprendizagem em cerca de 20 a 30% das crianças

Epilepsia de lobo temporal

Começo ocorre habitualmente na fase adulta, mas pode haver um evento inicial na infância.

Atenção Memória Linguagem Funções Executivas Habilidades Visuoespaciais Distúrbios comportamentais e da aprendizagem

Epilepsia mioclônica juvenil

Pico de início entre 14 e 16 anos, pode variar dos 8 aos 26 anos.

Memória de trabalho Funções executivas Déficits em tarefas que exijam respostas a perguntas verbais e desempenho motor complexo.

Epilepsia Rolândica

Fonte: Com base em Fluentes et. al. (2014).

A avaliação neuropsicológica também é solicitada nos casos de cirurgia para epilepsia. Sendo realizada antes e depois da intervenção cirúrgica. Logo, o papel do neuropsicólogo é fundamental para investigação dos componentes cognitivos secundários à epilepsia, a medicação antiepilética e na avaliação dos potenciais e déficits cognitivos pré e pós-cirurgia (FERNANDES E SOUZA, 2004). É crescente a procura por avaliação neuropsicológica e tem se tornado popular na prática clínica. A epilepsia pode causar impactos cognitivos no desenvolvimento cerebral, cabe ao neuropsicólogo avaliar a criança para levantar os potenciais e os prejuízos cognitivos, afetivos e comportamentais. Além do mais, pode fornecer as orientações para a família e para a escola, pois é fundamental que a criança receba o apoio necessário, tanto no contexto familiar como escolar. Por meio da psicoeducação (MALLOY-DINIZ et al., 2016), o neuropsicólogo pode esclarecer o que é a epilepsia e quais cuidados devem ser tomados com o aluno. Psicoeducação

A psicoeducação é um dos meios utilizados como estratégia de mudan54


ça por diversas psicoterapias e tem como finalidade aumentar o conhecimento do paciente, dos familiares sobre o transtorno, os sintomas e os recursos dos quais pode se dispor para lidar com os déficits resultantes da doença e com o efeito colateral das medicações (CORDIOLI E GIGLIO, 2008). A criança com epilepsia requer cuidados especiais, deste modo, é importante que o educador possua o conhecimento e receba orientações para que não se assuste diante de uma crise (RELVAS, 2011) e auxilie os alunos a compreenderem o que está acontecendo com a criança. Algumas informações são fundamentais para o educador, dentre elas: • Esclarecer que a epilepsia é uma das doenças neurológicas mais comuns em todo mundo. O tipo mais comum é aquela que se manifesta com convulsão. A crise epilética dura, normalmente, alguns segundos ou minutos. É um evento temporário e reversível. Ao término da crise, o cérebro volta a funcionar normalmente. Portanto, é fundamental que o educador mantenha a calma. • Informações sobre o que fazer diante de uma crise epilética, o educador deve acalmar os colegas.Tirar de perto tudo o que pode machucar a criança. Auxiliar a criança virando seu corpo de lado e mantendo-a com a cabeça baixa, de modo que a saliva possa escorrer para fora da boca. Aguardar a crise passar. Depois que ela estiver consciente, explicar que ela teve uma crise. Durante ou após a crise, entrar em contato com a família e informar do ocorrido. Se a crise durar mais que cinco minutos, leve-a ao pronto socorro, ou ligue para o SAMU (192) (MATCK, 2013). Explicar para a turma sobre o que aconteceu. O educador deve preparar a turma para aceitar o colega sem hostilidade15. Pode-se utilizar de livros infantis que abordem as diferenças, e dinâmicas de grupo para integração. • No caso de criança com lentidão para aprender, o educador poderá utilizar-se de experiências concretas para aprender, estímulos e motivação, elogio e recompensa, atenção individual. Além disso, deverá seguir alguns princípios: aceitar a criança como ela é; ser paciente; dar-lhe segurança; procurar descobrir suas aptidões. O educador deve preparar-se para encontrar sua classe diversificada, ajustando os trabalhos à classe para permitir o máximo do desenvolvimento de cada aluno (RELVAS, 2011). Conclusões A epilepsia pode se manifestar na infância e causar comprometimento cognitivo grave, afetando o aprendizado. Os educadores e a equipe escolar 55


devem receber informações adequadas sobre a epilepsia, que podem ser fornecidas pelo neuropsicólogo por meio da psicoeducação. Além de fazer a avaliação neuropsicológica de crianças com epilepsia, o neuropsicólogo pode auxiliar o educador a entender o que é a epilepsia, como ocorrem as crises e quais aspectos cognitivos podem estar prejudicados e assim buscar, junto ao educador, estratégias para superar tais dificuldades. Conclui-se que, por meio da psicoeducação, é possível transmitir o conhecimento adequado, favorecendo o desempenho acadêmico da criança e diminuir o preconceito. REFERÊNCIAS - Castro, L. H. M.; Adda, C. C. Distúrbios Cognitivos nas Epilepsias. In. Miotto, E. C.; Scaff, L. M. Neuropsicologia Clinica, 2012. São Paulo: Roca. Cap. 06, p. 118-126. - Ciasca SM. Distúrbios de Aprendizagem: Proposta de Avaliação Interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. - Ciasca, SM. Lima, RF. O que são Transtornos de Aprendizagem (TA)? In: Lima, RF. Silva, CP. Abordagem interdisciplinar dos Transtornos do Neurodesenvolvimento: guia de orientação aos pais e educadores. Ribeirão Preto, SP: Book Toy, 2017. Cap. 2, p. 29-38. - Cordioli, A. V.; Giglio L. Como atuam as psicoterapias: os agentes de mudança e as principais estratégias e intervenções psicoterápicas. In. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008. Cap. 2, p. 43-73. - Fernandes, C. et. al. A transdiciplinaridade promove o conhecimento da epilepsia e educação na escola. I. Epiplesy Clin Neurophysiol, 2013, 19 (2): 32-37. - Fernandes, P. T.; Souza, E. A. P. Percepção do Estigma da Epilepsia em professores do ensino fundamental [online]. Rev. Estudos de Psicologia, 9(1), 189-195, 2004. Disponível em: http://www. scielo.br/pdf/epsic/v9n1/22394.pdf. Data de consulta: 10 /julho / 2018. - Fluentes, D. et. al. Avaliação Neuropsicológica aplicada às epilepsias. In. Fluentes, D. [et. al]. Neuropsicologia. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. - Kremer, CA., Souza S. R; Oliveira A. D. “Meu cérebro é morto”: relato de experiência sobre um caso de Epilepsia. [online] Educa Revista Multidisciplinar em Educação. Porto Velho, v.4, nº9, p.32 a 47, set/dez, 2017. Disponível em: http://www.periodicos.unir.br/index.php/EDUCA/article/ view/2958 Data de consulta: 10/junho/2018. - Lima RF, Mello RJL, Massoni I, Ciasca SM. Dificuldades de Aprendizagem: queixas escolares e diagnósticos em um serviço de Neurologia Infantil [online]. Rev. Neurociências. Out.-Dez; 14(4): 185-190, 2006. Disponível em: http://www.revistaneurociencias.com.br Data da consulta: 10/julho/2018.

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- Machado AM, Proença M. A queixa escolar e o predomínio de uma visão de mundo. In: Machado AM, Proença M, organizadores. Psicologia escolar: em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2004. - Malloy-Diniz, LF.; Mattos, P.; Abreu, N.; Fluentes, D. O exame neuropsicológico: o que é e para que serve? In: Mally-Diniz, LF [et.al]. Neuropsicologia: aplicações clínicas. Porto Alegre: Artmed, 2016. Cap.1, 21-34. - Matck, M. [et. al]. Epilepsia. In:Li Li Min [et. al] (orgs). Tecla Sapiens: Neurociências para todos. Campinas, SP: Curt nimuendajú, 2013. - Nolan MA.; Redoblado M. A; Lah S. et. al. Memory function in childhood epilepsy síndromes. J. Paediatr Child Health, 2004. 40:20-7. - Oliveira, MA. D. Epilepsia. In: Neurofisiologia do comportamento. Canoas: Ed. Ulbra, 1999. Cap. 2.5, p. 205-220. - Relvas, MP. Neurociências e transtornos de aprendizagem: as múltiplas eficiências para uma educação inclusiva. 5 ed. Rio de Janeiro: Wak, 2011. - Winckler, M. I. B; Melo, J. F.V. Aprendizagem e Epilepsia. In. Rotta, L. O.; Riesgo, R. S.Transtornos de aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. 2ª ed. Porto Alegre: Artemed, 2016. Cap. 30, p. 414-426.

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8 Divulgar a epilepsia? Percepções do estigma em pacientes com epilepsia Carolinne Yuri Tagami Frequentemente, pessoas com epilepsia não revelam seu diagnóstico, já que compartilhar sobre sua condição pode levar à discriminação e ao isolamento social. Nesse sentido é importante compreender os sentimentos que a epilepsia carrega no indivíduo. O estudo foi realizado através de três questões dissertativas: “O que é a epilepsia para você”; “O seu sentimento em relação a falar da sua epilepsia para outras pessoas” e “O que você acha que as pessoas pensam sobre a epilepsia”, realizada no Ambulatório de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP). O entendimento sobre os sentimentos sobre a condição pode levar ao desenvolvimento de estratégias para minimizar o impacto do estigma no paciente. Introdução A História de Contingência de Reforçamento (HCR) refere- se a uma investigação sobre os comportamentos e eventos passados do indivíduo, identificando e discriminando os aspectos dos repertórios de reforçamento. (GUILHARDI, 2013). Com a HCR podemos observar e analisar funcionalmente os comportamentos e entender um pouco mais os aspectos atuais. Os desafios enfrentados pela pessoa com epilepsia incluem o medo de revelar a condição que podem estar relacionados com o repertório de cada paciente, a imprevisibilidade das crises e o estigma. O estigma surge de uma expectativa, de um preconceito ou ainda de uma marca definida pela sociedade 58


(GOFFMAN, 1988). O que o indivíduo ouve ao longo de sua vida também pode influenciar o seu comportamento de divulgar sua condição. Neste contexto podemos dizer que esse comportamento verbal é um instrumento utilizado para evidenciar os significados, pensamentos, ideias, proposições, emoções, necessidades e desejos que o indivíduo está expressando, entendendo assim as influências ao longo de sua história (VANDENBERGHE, 2004). As variações dos comportamentos do indivíduo vão ser selecionadas pelas suas consequências, definindo a habilidade de divulgar ou não sua epilepsia. Essa disposição irá depender dos antecedentes, da história de vida do indivíduo e se já passou por situações semelhantes. De acordo com Baum (2006) olhar para o comportamento não é apenas olhar para a atividade do organismo, mas para todo o conjunto de relações que ocorrem internamente e externamente ao paciente. A autoestima, a autoconfiança e a responsabilidade são sentimentos que estão associados à capacidade do indivíduo de sentir-se livre, amado e de tomar iniciativas (GUILHARD, 2002). A falta dessas condições pode ter uma influência direta sobre a vida dos indivíduos devido ao seu impacto no comportamento e na qualidade de vida, tanto para o paciente como para sua família (JACOBY E AUSTIN, 2007). A decisão de divulgar um diagnóstico desta condição é complexa e possui diversas características para a pessoa com epilepsia (BENSON, 2015). Neste caso, enquanto as crises estão sob controle, o indivíduo possui liberdade em decidir revelar ou não sua condição e decidir o momento mais adequado para revelar e a quem se destina essa informação (TROSTER, 1997). Nesse sentido, é importante compreender situações que podem levar ao isolamento social. Assim, este estudo explorou a relação entre o comportamento verbal social, a percepção do estigma nas pessoas com epilepsia e o sentimento que sua condição produz. Metodologia Estudo de análise qualitativa, realizada no Ambulatório de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP). Aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas, número do CAAE: 66963417.3.0000.5404. Todos os voluntários selecionados preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido. A pesquisa foi executada através da aplicação de um questionário adaptado de Troster (1997) possuindo três questões de campo aberto relacionadas ao impacto da epilepsia para o indivíduo. Para permitir uma exploração qualitativa sobre a percepção da pessoa sobre a epilepsia as perguntas foram 59


as seguintes: “O que é a epilepsia para você”; “O seu sentimento em relação a falar da sua epilepsia para outras pessoas” e “O que você acha que as pessoas pensam sobre a epilepsia”. Os critérios de inclusão para este estudo são: homens e mulheres em tratamento no ambulatório de epilepsia, com idade entre 18-60 anos de paciente com epilepsia, com idade entre 18-60 anos. O participante não pode participar da pesquisa caso os critérios de inclusão não forem atendidos, e também pacientes com outras comorbidades que podem influenciar a coleta de dados de acordo com recomendações clínicas do paciente com epilepsia. Resultados e Discussão Os participantes incluíram 120 pessoas com epilepsia (55% mulheres), com idades entre 18 e 70 anos; 29% (35 pacientes) tiveram sua primeira crise após 20 anos, 81% (94 pacientes) tiveram uma média de zero a 4 (quatro) crises no último mês e 76% (87 pacientes) consideram que suas crises de epilepsia estão controladas. O que é epilepsia para você? As respostas foram classificadas sob nove temas: Indefinido, Conhecimentos corretos, Crenças, Doença, Metáfora, Sentimentos negativos, Sentimentos limitantes, Sentimentos positivos e Sintomas. Durante a entrevista, cerca de 26% (32 pacientes) definiram epilepsia como “doenças”, estando associadas com a classificação que o médico transmite durante sua consulta ou durante os grupos de informações sobre epilepsia realizados durante a espera dos pacientes, pois notou- se o mesmo repertório estabelecido pelos facilitadores do grupo. A comunicação existente tanto de grupos de informações quanto pelos médicos é de suma importância para o conhecimento e divulgação da epilepsia para o indivíduo, possibilitando a produção e proliferação de conhecimento sobre sua própria condição. Cerca de 19% (23 pacientes) relataram que “Sentimentos negativos” estão associados as experiências relacionadas aos medos, preconceitos, as tristezas, o que a epilepsia trouxe.Alguns pacientes dizem que:“é a coisa mais triste do mundo”, “é uma coisa que atrapalha muito a mente”, entre outros. Cerca de 12% (15 pacientes) “Sentimentos limitantes” associados com o que a doença atrapalha e limita no paciente. Em caso de eventos antecedentes não ocorrerem da maneira esperada, podem evocar nos pacientes sentimentos negativos e limitantes. Guilhardi (2002) associa os sentimentos de autoestima, autoconfiança e de responsabili60


dade com a capacidade do indivíduo de se sentir livre, amado e de tomar iniciativas. A falta de qualquer um desses sentimentos pode afetar o indivíduo na sua interação social de diversas maneiras, alguns exemplos de falas dos pacientes de cunho limitantes são: “é uma coisa que afeta no modo de agir”, “uma coisa que afeta na minha capacidade de aprendizagem”, “atrapalhou muito minha vida”, entre outros. As experiências que trazem sentimentos ruins para a pessoa com epilepsia relacionados a sua doença, reforça o comportamento do indivíduo em optar por esconder sua condição, para não desenvolver outros sentimentos negativos perante a epilepsia. O ambiente em que o indivíduo está inserido modela e mantém esse comportamento verbal (SKINNER, 1969). Qual é o seu sentimento em relação a falar da sua epilepsia para outras pessoas? Foram classificadas a partir de dez temas: Não fala sobre a epilepsia, Constrangimento, Doença, Somente para pessoas próximas, Indiferente, Informativo, Medo, Preconceito, Tristeza e Sentimentos bons. A disposição para a divulgação da epilepsia de acordo com estudos realizados por Troster (1997), é de que não existe uma probabilidade exata para a pessoa com epilepsia divulgar ou não sua condição. Essa disposição irá depender da história de vida do paciente, se já vivenciou ou não situações semelhantes. Olhar para o comportamento de divulgar não é apenas olhar para a atividade do organismo, mas para todo o conjunto de relações que as mantém (BAUM, 2006). Durante a coleta de dados, pode-se perceber que cerca de 33% (39 pacientes) são “Indiferentes” ao contar que possui epilepsia para outras pessoas, é algo comum principalmente quando 76% (87 pacientes) possuem sua epilepsia controlada, pois a percepção e o estigma sentido sobre a epilepsia é diferente quando sua condição está controlada e não aparente para a comunidade social (TROSTER, 1997). Em contrapartida cerca de 19% (23 pacientes) são afetados por sentimentos de “Tristeza”, podendo justificar a porcentagem que não tem suas crises controladas, onde a percepção de sua doença é diferente de quem tem suas crises controladas. As sensações e o que determina os sentimentos negativos para o paciente são os comportamentos que experimenta com a epilepsia. Quando o sentimento de discriminação não ocorre e a epilepsia está controlada a busca por neutralizar os medos e divulgar a condição para proliferar o conhecimento e compartilhar vivências positivas sobre a epilepsia, pode trazer “Sentimentos bons” ao contar para o outro sua condição, cerca de 9% (11 pacientes) possuem esse sentimento. Estes relataram que: “sinto um encorajamento”, “sinto-me honesto contando para os outros”, “às vezes ajuda”, 61


entre outros. O que você acha que as pessoas pensam sobre a epilepsia? A última questão também foi classificada a partir de dez temas: Indefinido, Limitação, Falta de conhecimento, Medo, Preconceito, Uso de drogas, Doença, Crenças, Contagioso e Apoio. Durante a discussão, cerca de 18% (22 pacientes) estão associados as “Crenças”, pois historicamente a epilepsia é associada as implicações religiosas onde a doença é associada com “possessão do demônio”, “coisas espirituais”, entre outros. O estigma surge de uma expectativa, de um preconceito ou ainda de uma marca definida pela sociedade (GOFFMAN, 1988). Essa marca causada pela sociedade pode trazer sofrimento ao paciente e até mesmo seu isolamento social. Esta condição causa um impacto na vida das pessoas por afetar diretamente o comportamento e a qualidade de vida, não somente da pessoa que tem epilepsia, mas também em sua família (FERNANDES; LI, 2008). Cerca de 17% (21 pacientes) relataram que o preconceito é presente em suas vidas. Este foi relatados pelos pacientes como “nem todo mundo compreende o que é, por isso julga”, “quem não conhece acha que e fora do normal, perigoso, que atacam pessoas”, entre outros apontamentos. Para Troster (1997), o preconceito pode ser um fator influenciador que pode levar o indivíduo a divulgar ou não sobre a sua condição. Cerca de 12% (15 pessoas) sentem-se limitados, acreditam que a epilepsia pode restringir e relatam que: “impossibilita de sair, visitar os colegas”, “pensam que você é incapaz”, entre outros. Novamente o sentimento limitante aparece, podendo influenciar através do comportamento verbal, o indivíduo a desacreditar dele mesmo, com isso alguns sentimentos de tristeza e medo das imprevisibilidades das crises podem surgir. Conclusão As sensações que os pacientes vivenciam experiencialmente quando contam que possuem epilepsia em determinadas situações ou pessoas, podem determinar se a pessoa com epilepsia quando depara-se com uma situação semelhante irá ou não divulgar sobre sua condição novamente. Diante da discriminação da contingência sobre contar ou não, sentimentos negativos são experimentados, assim o comportamento de não contar sobre a epilepsia é ainda mais reforçado. Como pudemos observar nos estudos realizados por Troster (1997) 62


e nos resultados desta pesquisa, não existe uma probabilidade correta sobre o falar da epilepsia para o outro. O comportamento verbal social pode variar de acordo com o que o indivíduo conhece sobre a doença, com as situações vivenciadas pelo indivíduo, como todo o sentimento perante as situações e em como as pessoas se comportam verbalmente sobre a epilepsia. Todas essas situações estão contingentes ao comportamento de reforçar ou não o ato de contar sobre a condição do paciente para o outro. O papel do psicólogo com o paciente de epilepsia é de diminuir seu sofrimento associado à sua condição e sobre o estigma vivenciado perante o comportamento verbal. Como pudemos observar as crenças, o preconceito, tudo aquilo de negativo que o paciente ouve e sente, pode afetar diretamente sobre sua percepção de sua condição, transformando algumas vezes em verdade, quando não tem uma flexibilidade psicológica. Se o paciente percebe a epilepsia como negativa, sentimentos de limitação e de tristeza aparecem, podendo levar o indivíduo a possíveis depressões e até ao isolamento social. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por financiar esta pesquisa de Iniciação Científica. Ao orientador Prof. Dr. Li Li Min, pela orientação e mentoria da pesquisa, a MSc. Gabriela Salim Spagnol, por juntamente desenvolver e participar deste projeto e a todos os pacientes que se disponibilizaram a responder o questionário desenvolvido. REFERÊNCIAS - BAUM,W. Comportamento verbal e linguagem. Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 135-163. - BENSON, A.; O’TOOLE, S.; LAMBER, V.; GALLAGHER, P. SHAHWAN, A. To tell or not to tell: A systematic review of the disclosure practices of children living with epilepsy and their parents. Epilepsy & Behavior, v.1, n.51, p.73-92, 2015. - FERNANDES P. T.; NORONHA A. L. A.; SANDER J. W.; LI. L. M. Stigma scale of epilepsy: The perception of epilepsy stigma in different cities in Brazil. Arquivos de Neuropsiquiatria, v. 66, n. 3, p. 471-6. 2008.GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos. 3ª ed, São Paulo: Perspectiva, 1997. - GUILHARD, H. J. Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. Human behavior, v. 1, n. 1, p.63-98, 2002. - JACOBY A.; AUSTIN J. K. Social stigma for adults and children with epilepsy. Epilepsia, v. 48, n.

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9, p. 6-7, 2007. - SKINNER, B. F. Comportamento verbal. São Paulo: Cultrix, 1957. - SKINNER, B. F. Contingências de reforço: uma análise teórica. São Paulo: Abril Cultural, 1969. - TROSTER H. Disclose or Conceal? Strategies of Information Management in Persons with Epilepsy. Epilepsia, v. 38, n.11, p. 1227–37, 1997. - VANDENBERGHE, L. Relatar emoções transforma as emoções relatadas? Um questionamento do paradigma de Pennebaker com implicações para a prevenção de transtorno de estresse póstraumático. Revista Brasileita de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 6, n. 1, p. 39-48, 2004.

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9 Epilepsia e TDAH: a importância da neuroaprendência para o gerenciamento da sala de aula Ana Paula Rabello Chaves “Sempre faço o que não consigo fazer para aprender o que não sei” (Pablo Picasso)

Ao longo do ciclo de vida do paciente epiléptico, além das consequências psicossociais, que perpassam ao estigma, das limitações sociais impostas pelo controle (por vezes) ineficaz da epilepsia, existe um número crescente de informações acerca dos aspectos cognitivos, neuropsicológicos, neuroeducacionais e neuropsiquiátricos. Estudos epidemiológicos, no campo pediátrico, demonstram que doenças crônicas, como a epilepsia, trazem grande prejuízo no desenvolvimento da criança no que tange a seu comportamento, aprendizado; e, futuramente vida laboral (COSTA; MAIA; GOMES, 2009). Vale ressaltar que, muitas vezes, as comorbidades da epilepsia causam mais danos ao desenvolvimento e qualidade de vida do paciente do que a própria epilepsia. Assim sendo faz-se necessário focar, não somente no tratamento do controle das crises epilépticas, mas também no acompanhamento e na terapêutica mais eficaz das diversas comorbidades, o que leva, dessa forma, a proporcionar e garantir uma melhor qualidade de vida, bem-estar psíquico e capacidade cognitiva adequada. Segundo PIMENTEL e CYSNEIROS (2017) a epilepsia é caracterizada por uma persistente predisposição do cérebro em gerar descargas bioelétricas que levam a consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais; tal condição acomete 65 milhões de pessoas no mundo e é a doença neurológica 65


mais comum em crianças e adolescentes até 16 anos. O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), o transtorno de aprendizagem e o transtorno do espectro autista (TEA) são as comorbidades mais prevalentes em crianças e adolescentes com epilepsia (FERRIE et al, 1997 apud PIMENTEL e CYSNEIROS, 2017, p. 2). O TDAH tem como característica o déficit de atenção, hiperatividade e/ou desorganização e a impulsividade. Classifica-se em: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo e impulsivo e o tipo combinado; a incidência é de 5% a 7% dos escolares. (American Psychiatric Association [APA], 2014). Quando associado com a epilepsia a prevalência do TDAH aumenta muito podendo haver uma variação entre 8% e 77% dependendo do critério usado e do estudo (COSTA; MAIA, 1997). Os resultados do estudo de LOUTFI (2010) apresentam o tipo combinado como o mais frequente (43,7%) seguido pelo hiperativo (37,5%) e o desatento (18,7%) e, na avaliação neuropsicológica há claras evidências de prejuízo cognitivo (17%) para QI total e 20% para QI verbal e QI executivo.Tal disparidade deve-se pela alta complexidade da relação existente entre TDAH e epilepsia, bem como do grande número de variáveis contribuintes tais como tipo de epilepsia ou síndrome epiléptica associada ao controle das crises e as descargas epileptiformes (PIMENTEL e CYSNEIROS, 2017). Apesar da relação dessas condições ser mal compreendida, e tendo em vista o grande impacto no desempenho escolar, social e psicológico do desenvolvimento humano, deve-se ressaltar a iminente importância do estudo de sugestões de neuroaprendência para o gerenciamento do aprendizado de crianças e adolescentes com quadro de epilepsia que apresentem o TDAH como comorbidade. O transtorno do déficit de atenção e/ou hiperatividade é uma disfunção neuropsiquiátrica que tem como características: desorganização no planejamento cognitivo, dificuldade de auto regulação (controle inibitório) flutuação dos processos atencionais e baixo controle de impulsos; e, por vezes, excesso de atividade motora. (MULAS, F. et al. 2004) Tais características devem estar presentes antes dos 7 anos de idade e gerar claros prejuízos na vida diária da criança e/ou adolescente. Importante salientar que esses prejuízos devem estar presentes nos 3 cenários: relações sociais, família e trabalho/escola. No que tange a esfera escolar a epilepsia com suas comorbidades está no âmbito das necessidades educacionais especiais (NEE). Esse termo refere-se a crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua elevada capacidade ou dificuldades para aprender, logo está associada às dificuldades e/ou distúrbios de aprendizagem podendo não estar, necessariamente, associada a um, ou mais, 66


quadros de deficiência (MEC/SECADI, 2015). Assim, as necessidades educacionais especiais se apresentam como manifestações de dificuldades de aprendizagem, de dificuldades de comunicação e interação, de altas habilidades ou superdotação. Essa denominação é muito ampla e pode tornar difícil uma delimitação mais específica do conceito. Em geral se tem classificado as necessidades educacionais especiais da seguinte forma: Cognitiva, linguística, afetiva, psicomotora, práxica e social (MEC/SECADI, 2015). Por definição, aprendizagem é o ato de tomar conhecimento, a ação de aprender. Durante este processo muitos fatores estão envolvidos, ora diretamente, ora indiretamente. Na visão neurobiológica a aprendizagem ocorre quando um determinado estímulo ativa a área cortical do cérebro provocando alterações que, também, ocorrem em outras áreas. Isto se deve em virtude da existência de um grande número de vias de associações, precisamente organizadas, atuando nas duas direções do cérebro (hemisfério direito e hemisfério esquerdo). (RELVAS, 2009 apud CHAVES, 2017, p. 74) Como a aprendizagem constitui uma mudança de comportamento que gera a aquisição de conhecimento, algo novo, resultante da experiência seja por imitação ou estudo/ensino e a cognição é o processo através do qual aprendemos; a neurociência cognitiva abre uma rota direta para o desenvolvimento dos processos mentais subjacentes ao comportamento, que favorecem a aquisição e treino das habilidades executivas do cérebro (memória, raciocínio, juízo, pensamento e linguagem). (CHAVES, 2017) Segundo CHAVES (2017) para inserir o aluno com necessidade educacional especial no ambiente inclusivo é preciso estar aberto ao diferente, ao novo. É necessário perceber que os alunos não são iguais, e a partir daí perceber que essas diferenças precisam de estratégias, também, diferentes. A prática pedagógica será voltada para o atendimento específico que os alunos apresentam. Desse modo a neuroaprendência tem um importante papel no gerenciamento da regência de sala de aula. Tal papel se dá no desenvolvimento e treino das habilidades executivas do cérebro com o objetivo de sensibilizar o professor a repensar suas práticas pedagógicas no que diz respeito à compreensão do funcionamento cerebral. A neurociência/neurobiologia cognitiva explica que os comportamentos perpassam pela bioquímica cerebral e pelas sinapses neurais, além das questões afetivas e emocionais. O olhar do professor em sala de aula precisa ser direcionado na pluralidade da singularidade. Cada estudante é único, e seu tempo de aprendizagem é diferente, tanto na elaboração quanto na compreensão das informações que passam pelos sentidos biológicos e chegam até o cérebro. Desta forma, deve-se considerar o mundo de cada um, a cultura, a região, enfim, 67


as várias dimensões em que o humano está inserido, inclusive as sutis diferenças das estruturas cerebrais. A neuroaprendência facilita o trabalho pedagógico uma vez que esta favorece o conhecimento do cérebro e suas funções. (CHAVES, 2017) A proposta é olhar o todo sem perder as especificidades das partes. Esta abordagem prioriza um diálogo entre as neurociências, psicologia e educação com vistas a compreender as dificuldades de aprendizagem que dão origem e destino aos processos de ensino e aprendizagem. (CHAVES, 2017) Aplicar a neurociência na capacitação docente com vistas à adequação/adaptação curricular dos alunos com necessidades educacionais especiais requer uma observação atenta dos professores quanto a perfil de cada aluno em questão. Desenvolver e treinar habilidades executivas do cérebro abrange intervenções específicas do funcionamento cognitivo, a saber: memória, atenção, autocontrole, flexibilidade cognitiva, linguagem, déficits visuoperceptivos e visuespaciais. Tal treino é um conjunto de intervenções voltadas não somente para questões cognitivas, mas também emocionais e comportamentais. Para tanto o professor deve ficar atento as seguintes questões: • Sondar, “estudar” o funcionamento cerebral da criança, adolescente, adulto em questão; • Que limitações existem? • Que rotas de aprendizagem, atualmente, estão sendo usadas? Na sequência podemos montar um “programa” de estratégias pedagógicas assertivas com vistas ao treino e desenvolvimento das já mencionadas habilidades cognitivas.Vale ressaltar que os objetivos do referido treino são: • Recuperar ou restaurar a função cognitiva comprometida; • Potencializar a plasticidade cerebral ou reorganizar de forma funcional as áreas cerebrais preservadas; • Compensar as dificuldades cognitivas com meios alternativos ou auxílios externos que possibilitem a melhor adaptação funcional; • Melhorar o ambiente com tecnologia assistiva ou outros meios de adaptação às dificuldades. Vale ressaltar que independente dos déficits encontrados no aluno (lesões, transtornos do neurodesenvolvimento) as funções cognitivas se encontram em processo de desenvolvimento. Sendo assim, HABILITAMOS, funções cognitivas não desenvolvidas adequadamente. Segue abaixo algumas sugestões de técnicas adequadas para treino 68


cognitivo: • Repetição de práticas e exercícios para monitoramento e autorregulação do aluno sobre os próprios processos cognitivos. Estabelecimento de “rotina”, “higiene” de estudo; • Estratégias de memorização e organização; • Técnicas de planejamento; • Orientação familiar e escolar. Tais sugestões passam pelo enfrentamento de dificuldades inerentes ao âmbito escolar e às especificidades de cada aluno. Deve-se buscar conhecimento, cobrar estrutura para o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais e buscar uma solução coletiva que sirva para todos. Com estudo, reflexão e preparo conseguimos atuar, metodologicamente, de forma adequada e combater ao preconceito que ainda permanece em nossas escolas. Em equipe poderemos crescer e obter avanços na metodologia, na estrutura e no sistema de ensino, para que o aluno possa ter um atendimento mais humano e pessoal. Transformar comportamento é adotar uma postura comprometida com a difusão da igualdade e o respeito à diferença. No dia a dia, reflita, pense, compartilhe opiniões com seus pares e estudantes. O resultado é um mundo mais rico, com pessoas mais capazes e solidárias. É o sonho e a esperança que motivam o educador a continuar a educar. (CHAVES, 2017) REFERÊNCIAS - AMERICAN Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais Mentais DSM-5; tradução Maria Inês Correa Nascimento. et al.; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli.[et al.] Porto Alegre: Artmed, 2014. - ______.MEC/SECADI. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2015. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/. Acesso em: 20/02/2016. - CARDOSO, Caroline de Oliveira; FONSECA, Rochele Paz. Programa de estimulação neuropsicológica da cognição em escolares: ênfase nas funções executivas – PENcE. São Paulo: BookToy, 2016. - CHAVES, Ana Paula R. (Org.). Distúrbios/Dificuldades de Aprendizagem e Sugestões de Neuroaprendência. ______. A Neurobiologia do Aprendizado na Prática. Brasília: Alumnus/Leya, 2017, cap. 4, p. 69-83. - LOUTFI, Karina S. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em Crianças Portadoras de Epilepsia. 2010. 151f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

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- MACHADO DA COSTA, Célia R. C.; MAIA FILHO, Héber de S.; GOMES, Marleide da M.Avaliação Clínica e Neuropsicológica da Atenção e Comorbidade com TDAH nas Epilepsias da Infância: Uma revisão sistemática. Rio de Janeiro. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology,15(2), p. 77-82 (2009). - MIOTTO, Eliane Correa. Reabilitação Neuropsicológica e Intervenções Comportamentais. Rio de Janeiro: Editora Roca, 2015. - MULAS, F.; TÉLLEZ DE MENESES, M.; HERNÁNDEZ-MUELA, S.; MATTOS, L.; PITARCH, I. Transtorno por Déficit de Atención e Hiperactividade y Epilepsia. Espanha. Revista de Neurologia, 39(2), p. 192-195 (2004). - PIMENTEL, Luciana, C.; CYSNEIROS, Roberta, M. TDAH nas Epilepsias: prevalência e fatores de risco. Revista Psicologia Teoria e Prática. São Paulo, 19(2), p. 200-214 (2017). - RELVAS, Marta Pires. Neurociência e Educação: pontencialidades dos gêneros humanos na sala de aula. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2009.

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10 Contribuições da Psicologia Positiva para o bem-estar psicológico e qualidade de vida de pessoas com epilepsia Aline Boschi Neves Introdução A epilepsia é uma doença neurológica grave e surge geralmente quando há alguma anomalia cerebral, hemorragias, crises febris, traumatismo craniano, tumores ou infecções cerebrais. Embora algumas crises possam ser desencadeadas por estresse e ansiedade, a epilepsia não é uma doença mental. A epilepsia é um distúrbio cerebral causado pela predisposição do cérebro em gerar crises epilépticas espontâneas e recorrentes, acompanhadas de consequências neurobiológicas, cognitivas e sociais (Fisher et al, 2005). Na maioria dos casos o tratamento é medicamentoso e quando há a possibilidade de remoção da parte afetada, pode ser feita a intervenção cirúrgica (Fernandes, 2013). Além das limitações da própria doença, as pessoas com epilepsia enfrentam também o estigma e o preconceito, influenciando diretamente em sua qualidade de vida (Hopker et al., 2017). A pessoa estigmatizada sente-se rejeitada, apresentando baixos níveis de autoestima e autoconfiança. Pode-se dizer que a epilepsia traz consequências neurobiológicas, cognitivas, psicossociais, sociais e econômicas, juntamente com a perda de autoconfiança e autoestima (Linhares et al., 2014). O reflexo desses sentimentos de desvalorização, de vergonha e de medo, decorrentes de visões negativas em torno da doença, pode resultar no isolamento social (Viteva, 2013) e depressão (Fernandes, Teixeira & Li, 2006). As crenças sobre a doença também determinarão a suscetibilidade à depressão, e a ansiedade foi considerada o fator que mais afeta na qualidade de vida das pessoas 71


com epilepsia (Kotwas et al., 2016). Outro estudo afirmou que a incapacidade e a inadequação social pode ocorrer devido à percepção de afetos negativos (Zanon, Bastianello, Pacico & Hutz, 2013) e que emoções negativas influenciam no desenvolvimento de quadros de dor crônica, doenças cardíacas e outras patologias (Silvestre & Vandenberghe, 2013). Por outro lado, estudos com o foco nas experiências positivas demonstraram contribuições para a prevenção, promoção da saúde e também no enfrentamento das doenças (Calvetti, Muller & Nunes, 2007; Estrela-Dias & Pais-Ribeiro, 2014). Nesse contexto, tendo em vista a relevância das emoções para o bem-estar físico (ex. crises, medicações), psicológico (ex. estigma, emoções, cognição) e social (ex. família, trabalho, amigos), a intervenção psicológica positiva como suporte aos tratamentos já existentes, pode ser de grande valia para a qualidade de vida de pessoas com epilepsia. Breve conceito da Psicologia Positiva A Psicologia Positiva é um movimento científico recente que vem expandindo e somando ao campo da Psicologia. Iniciou efetivamente em 1998, quando o presidente da Associação Americana de Psicologia Martin Seligman declarou que a Psicologia precisava ampliar seu foco, estudando não apenas os transtornos mentais e o sofrimento humano, mas também os aspectos positivos da vida e do ser humano como talentos e virtudes, resiliência, alegria, gratidão, generosidade, otimismo, amor, esperança. A teoria de Seligman e Csikszentmihaly (2000) tem como principal interesse o entendimento científico sobre as forças e vivências humanas positivas e possíveis intervenções no sentido de aliviar as dores e promover o bem-estar subjetivo (Park, Peterson & Seligman, 2005). No entanto, a psicologia positiva não deve ser confundida com autoajuda, mas como uma ampliação da psicologia com estudos científicos das características humanas positivas, prevenindo doenças e mantendo os níveis de felicidade e bem-estar (Scorsolini-Comin et al., 2013). Dessa maneira, os estudos da Psicologia Positiva têm contribuído para uma visão mais completa da vivência humana, compreendendo como e em que condições as emoções, características e instituições positivas promovem o florescimento. Florescimento (flourishing) refere-se a uma combinação de sentir-se bem e funcionar de forma eficaz com um elevado nível de bem-estar psicológico (Cintra & Guerra, 2017). O florescimento ou o bem-estar psicológico compreende os seguintes domínios: emoções positivas (alegria, gratidão), engajamento (interesse, curiosidade), realização (buscar e alcançar resultados significativos), propósito ou significado (contribuir com a comunidade, ajudar outras pessoas) e relações 72


positivas (habilidades sociais e emocionais) (Seligman, 2011). Pesquisas têm evidenciado que “indivíduos que estão florescendo (ou que têm um elevado nível de bem-estar psicológico), aprendem de forma eficaz, trabalham de maneira produtiva, têm melhores relações sociais, são mais propensos a contribuir com sua comunidade, e têm melhor saúde e expectativa de vida” (Huppert & So, 2009, p. 1). Focar nas experiências positivas pode contribuir para a prevenção e promoção de saúde, ajudando também nos mecanismos de enfrentamento das doenças (Calvetti et al., 2007). De acordo com pesquisas de Frederickson (2001), as emoções positivas promovem engajamento, novas aprendizagens e aprofundam relações interpessoais, também contribuem para a construção da resiliência que é essencial na superação de situações difíceis e promovem nosso crescimento. Ou seja, ao passamos por uma situação de adversidade, torna-se possível conhecer as forças e virtudes pessoais, favorecendo suas potencialidades e tornando-as mais fortes e produtivas (Paludo & Koller, 2007; Camalionte & Bocallandro, 2017). Nesse sentido, a psicologia positiva pode contribuir para o bem-estar das pessoas com epilepsia. Bem-estar subjetivo como componente da Psicologia Positiva Seligman e Csikszentmihaly (2000) apontam que o bem-estar subjetivo (BES) se refere ao que as pessoas pensam e sentem sobre suas vidas. Em outras palavras, é o julgamento subjetivo do quão feliz as pessoas estão com suas vidas (Diener, Scollon, & Lucas, 2004). Atualmente, o BES é estudado a partir de duas dimensões: a afetiva (vivências de sentimentos agradáveis e desprazerosos) e a cognitiva (percepção de sua satisfação com a vida). Segundo Diener (2000) experimentar emoções agradáveis na maior parte do e não experimentar emoções desagradáveis com frequência, já é um fato suficiente relatos de felicidade. As intervenções psicológicas positivas são consideradas uma estratégia complementar na promoção e tratamento da saúde mental. O papel da intervenção positiva é auxiliar o indivíduo a construir uma vida prazerosa, engajada e com sentido (Duckworth, Steen, & Seligman, 2005). Dentre vários exercícios que auxiliam nesse processo, a prática da meditação traz grandes benefícios, permite a experiência de prazer, paz e serenidade (Shapiro, Schwartz & Santerre, 2002), que desempenham importante papel para a percepção de felicidade e podem ser um fator de proteção contra psicopatologias. Deste modo, indivíduos com maiores níveis de emoção positiva, vão empenhar-se mais em pensamentos e comportamentos que promovam a sua reabilitação (Dunn & Brody, 2008). Também, possuem relacionamentos sociais, são otimistas, tem mais sucesso no enfrentamento e a sentem no controle de suas vidas (Ostir, Markides, Peek, & 73


Goodwin, 2001). Tendo em vista a quantidade de estudos demonstrando que o afeto positivo traz melhores resultados na saúde física e mental (Pressman, & Cohen, 2005; Fredrickson, Tugade, Waugh, & Larkin, 2003), faz-se necessário identificar e implementar estratégias de intervenção que promovam o florescimento de aspetos virtuosos da natureza humana sem nunca desvalorizar o sofrimento, junto dos sobreviventes, familiares e equipe multidisciplinar. A partir dessas considerações, percebe-se o quanto a intervenção positiva pode contribuir para a prevenção e enfrentamento do estigma e possibilitar uma melhor qualidade de vida para pessoas com epilepsia. Utilizando métodos e técnicas cientificamente comprovadas, a psicologia positiva pode aumentam os sentimentos de alegria, gratidão, inspiração, esperança e generosidade. Ainda, identificar talentos e virtudes que muitas vezes ficam esquecidos quando há o diagnóstico da epilepsia, encontrando mais sentido, significado e propósito em sua vida. Por fim, tendo como foco principal a promoção do potencial e o bem-estar humano, a psicologia positiva pode ser aplicada no contexto clínico, institucional, escolar e organizacional. Considerações finais Apesar de algumas limitações impostas pela epilepsia, a psicologia positiva pode contribuir diminuindo o foco nas dificuldades enfrentadas, revelando as potencialidades humanas, gerando autoaceitação, melhorando a autoestima e autoconfiança. Consequentemente, contribuindo para a melhora da qualidade de vida e redução do estigma associado. Grupos de apoio ou educativos devem ser realizados com o objetivo de propiciar a inserção social da pessoa com epilepsia promovendo maior adequação em termos de cidadania, responsabilidade social, altruísmo, moderação e tolerância, para tal, é necessário uma visão otimista dos processos humanos. Por ser uma teoria recente, principalmente no Brasil fazem-se necessárias investigações e novos estudos sobre o tema. A ciência e as práticas em psicologia positiva são muito amplas e não foram explanadas nesse artigo. Todavia, seu maior e principal objetivo é o entendimento científico e efetivo de como ajudar indivíduos, famílias, instituições e comunidades a florescerem, desenvolvendo suas forças e virtudes atingindo o bem-estar. Não apenas corrigindo as fraquezas, mas encontrando novos caminhos para a qualidade de vida das pessoas com epilepsia. REFERÊNCIAS - Calvetti, P. U., Muller, M. C. & Nunes, M. L. T. (2007). Psicologia da Saúde e Psicologia Positiva:

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11 Psicologia Escolar e Educacional: orientação sobre a epilepsia na escola Vilma Bastos Machado Todo aluno que ingressa numa escola espera ser acolhido com respeito à sua característica e sua história de vida. A diversidade de condições evidencia o atual perfil educacional e a inclusão escolar é um novo paradigma. Não é suficiente inserir o aluno simplesmente na escola ou sala de aula para que a diferença seja aceita e valorizada. É necessária uma transformação global da escola, das políticas públicas, da postura dos professores, coordenadores e de todos os funcionários envolvidos no trabalho, além das próprias famílias e o mais importante o próprio aluno sentir-se como membro da escola, apoiado pelos seus colegas, e todo o corpo de funcionários da escola. O trabalho na sala de aula não se resume em colocar em prática o que se aprendeu no curso de formação de professores, vai muito mais além, pois o professor sempre vai se deparar com situações inusitadas e precisa saber lidar, precisa ter disponibilidade para aprender constantemente. Ao professor cabe a preparação para o acolhimento do aluno com qualquer condição, a epilepsia está inserida nesta realidade e a Psicologia Escolar e Educacional é uma área da Psicologia que pode oferecer ao professor e aos alunos o suporte necessário para os desafios presentes na escola. A presença de um aluno com Epilepsia na escola torna-se um desafio aos presentes na escola e ao próprio aluno, pois há de se considerar a discriminação sobre ela e o preconceito que a circunda justamente pela falta de conhecimento de profissionais, pais e pares das crianças, jovens ou adultos que convivem com a pessoa com esta doença. Segundo Muszkat e Rizzutti (2013) a Epilepsia inicia-se na infância e 77


por volta de 50% dos casos aparecem em crianças com menos de cinco anos de idade. De acordo com Spagnol (2017, p. 118) ela é considerada uma doença neurológica crônica e grave e atinge todas as idades e também está presente em qualquer etnia e classe social, para o diagnóstico clínico é necessário que ocorram crises epilépticas repetidas vezes, nessa repetição deve acontecer pelo menos duas crises com mais de 24 horas de intervalo; o que se chama de crise são descargas elétricas que provocadas um desequilíbrio do funcionamento cerebral, “o cérebro envia impulsos elétricos descoordenados para o corpo”. Ainda segundo a autora as pessoas que vivenciam essas crises podem permanecer conscientes apresentando movimentos em um dos membros com alteração na visão, olfato, na audição e no paladar, mas podem apresentar também crises de ausência, sem os tremores que muitas pessoas conhecem, as crises de ausência provocam uma perda da consciência a pessoa fica com o olhar fixo sem reação, ou ainda uma terceira crise que se chama mioclônica que provocam movimentos involuntários em grupos de músculos e se apresentam em curta duração. A descrição desses quadros de Epilepsia é importante para que a pessoas que trabalham nas escolas possam estar cientes do que está acontecendo à sua volta e não discriminem e excluam os alunos, provocando também uma situação de pânico nas outras crianças ou jovens que estudam com o aluno que tem essa doença. A informação é a melhor condição para a assistência ao aluno com Epilepsia. O professor se depara em seu trabalho diário com situações que mobilizam a necessidade de atualização sobre a condição do aluno que está sob seus cuidados, nem todos os professores contam com a possibilidade de uma formação continuada ou tem interesse em novos conhecimentos que pode adquirir assim se torna imprescindível a presença de profissionais que possam dar suporta ao trabalho do professor contribuindo para seu ajustamento aos novos tempos na escola. Em sua formação acadêmica o professor é instruído a trabalhar com a aprendizagem do aluno, as várias teorias da aprendizagem direcionam o modo de pensar e agir do futuro professor, porém o que se vivencia no âmbito escolar não diz respeito apenas ao modo como o aluno aprende, mas a eficiência na qual a função do professor é exercida. A criança que frequenta a escola traz consigo uma história pessoal, única, ou seja, social, emocional, física e escolar, a diversidade de situações com as quais o professor se depara muitas vezes o assusta, principalmente aqueles que estão no início de sua carreira fazendo-o sentir-se sem rumo em sua atuação ou decisões que podem atingir a vida do aluno. Dessa forma é aí que a psicolo78


gia escolar e educacional tem papel fundamental na escola. Nessa perspectiva qual a contribuição que se pode esperar da psicologia escolar e educacional? Há que se considerar duas vertentes na perspectiva da Psicologia voltada à área educacional, primeiro inserida na formação acadêmica do professor, nessa vertente, que se trata da preparação para a profissão o suporte se manifesta no esclarecimento sobre o processo de aprendizagem, no desenvolvimento da criança e na postura do futuro professor. Já na vertente de suporte ao trabalho do profissional já inserido na escola, a abrangência da função do psicólogo se efetiva nas orientações necessárias aos profissionais que fazem parte da escola, desde o porteiro até a direção da escola, incluindo os pais, a comunidade e os alunos. Ao professor não compete apenas conhecer as metodologias existentes, mas compreender seu aluno. Compreender em que nível de desenvolvimento ele está, como são suas características de personalidade e como ele aprende (SISTO, 2003). Na escola não serão encontradas apenas crianças com bom desempenho, se forem consideradas todas as diferenças, estarão presentes tanto as deficiências quanto as dificuldades de aprendizagem. A educação é um processo que não pode deixar de evoluir, não pode ser estática e necessita de novas intervenções e estratégias. Precisa acompanhar as mudanças sociais que requerem uma reflexão e mudança efetiva do professor, e esta mudança deve ser realizada já na sua formação. O papel do professor na vida do aluno marca sua existência de forma positiva ou negativa. Segundo Martinéz (2017) desde a década de 80 a Psicologia exibe um discurso sobre a função do “compromisso social” e novas portas se abriram para a Psicologia como ciência e profissão e esse discurso tornou referência para a consolidação desta área científica. Dessa forma desvendando a função da psicologia escolar e educacional no ambiente escolar percebe-se o quanto o aluno com Epilepsia pode ser aceito e entendido em sua condição e respeitado acima de tudo em sua aprendizagem. Para tanto é necessário que o trabalho efetivo da equipe seja voltado para o esclarecimento do que é a doença, que características ela possui, qual a forma de lidar com as crises que podem surgir no cotidiano do aluno, como orientar os alunos para o entendimento do que é a doença ou o momento de crise, assim como utilizar mecanismos de intervenção ao processo de aprendizagem quando este for prejudicado.

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Considerações finais A Psicologia Escolar e Educacional é uma área da Psicologia que tem papel importante na orientação do comportamento e intervenção em situações escolares diversas, uma delas é a orientação aos professores, pais, equipe escolar e alunos sobre a Epilepsia, que é uma doença neurológica crônica incompreendida por muitas pessoas pela falta de conhecimento de suas características. Cabe ao professor além do trabalho pedagógico o acolhimento de todos os alunos independente de qualquer característica que possam apresentar. Este texto teve como intenção mostrar a função do psicólogo dentro do âmbito escolar e sua contribuição na permanência do aluno com qualquer condição dentro da escola. Hoje se fala de inclusão escolar, porém a discriminação ainda se faz presente diante do desconhecido, cabe aos profissionais da escola desfazer este fenômeno e dar lugar à compreensão e respeito a todas as diversidades possíveis. Enfim, que a Psicologia Escolar e educacional possa conquistar seu lugar de compromisso social através de sua contribuição não só na área da saúde, mas na área educacional, mesmo que ainda esteja encontrando resistência. REFERÊNCIAS - MARTINÉZ, Albertina Mitjáns; REY, Fernando Gonzalez. Psicologia, Educação e aprendizagem escolar: avançando na contribuição leitura cultural histórica. Coleção: Construindo o compromisso social da psicologia. São Paulo: Cortez Editora, 2017. - MUSZKAT, Mauro; RIZZUTTI, Sueli. Epilepsia na Infância IN: MIRANDA, Mônica Carolina; MUSZKAT, Mauro; MELLO, Claudia Berlim de. Neuropsicologia do Desenvolvimento: transtornos do neurodesenvolvimento. Rio de Janeiro: Rubio, 2013. - SISTO, Fermino Fernandes. Leituras de Psicologia para a formação do professor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. - SPAGNOL, Gabriela. A Epilepsia fora das sombras. IN: Min, Li Li (org.). Neuro-o-quê? Neurociência! A ciência e a arte do cérebro. Campinas: ADCiência Divulgação Científica, 2ª edição, 2017.

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12 Epilepsia na escola: comportamentos, emoções e muito além das crises Thais Pilon Ferro Aprender faz parte da natureza humana. Sim, esta frase é um tanto ousada, porém, o nosso organismo foi selecionado de tal forma a tornar-se sensível aos estímulos ambientais e a partir deles emitir respostas, as quais produzem mudanças significativas no ambiente, que tendem a manter, ou, diminuir a emissão dessas mesmas respostas. Esta explicação lhe parece familiar? Estamos falando de Análise do Comportamento e seu importante papel no entendimento da aprendizagem. Desta forma, trabalharemos o tema Epilepsia na Escola sob o ponto de vista da Análise do Comportamento e das Neurociências. Assim como existem comportamentos inatos no ser-humano e que garantem a sobrevivência do mesmo, existem também comportamentos aprendidos e que dependem do meio para ocorrer e se desenvolver. Neste momento, é necessário levar as reflexões para os diversos ambientes em que as crianças e os adolescentes frequentam e como assumem um papel importante no desenvolvimento dos mesmos. Logo pensamos nas escolas: locais em que os alunos passam a maior parte do tempo de suas vidas. Para quem conhece a realidade das escolas brasileiras, logo entenderá a preocupação e a provocação deste capítulo! Quanto os ambientes estão desenvolvendo e mantendo novos comportamentos nos alunos? A aprendizagem depende de diversos fatores ambientais, os quais podem ser resumidos em neurobiológicos, psicoemocionais e socioculturais. Prejuízos em tais áreas podem levar a dificuldades específicas de aprendizagem, ou, a déficits no repertório adaptativo das crianças e dos adolescentes. Um psicólogo em seu trabalho clínico, ou, escolar, não deve negligenciar 81


a influência desses fatores ambientais ao avaliar e ao acompanhar uma criança ou um adolescente. A partir deste momento, devemos nos perguntar: se você estivesse acompanhando um aluno com epilepsia, qual seria a sua primeira preocupação? Muitas vezes, os pensamentos e as preocupações ficam sob controle das crises epilépticas. Como lidar? Como ensinar os professores a reagir nesses momentos? Como conscientizar os colegas de sala? Sim, você tem razões e está correta nessas dúvidas. Afinal, a epilepsia é marcada por estigmas sociais, especialmente, pelas manifestações das crises convulsivas. A imprevisibilidade das crises pode gerar medo e inquietação nas outras pessoas, transformando esta condição propensa aos estigmas (ABLON, 2002; DIIORIO et. al., 2003). Entretanto, desejo fazer um novo convite a você: olhar a epilepsia além das crises no contexto escolar! De acordo com Sturniolo e Galletti (1994), crianças com epilepsia compõem um grupo vulnerável que apresenta alto risco de desenvolver transtornos específicos de aprendizagem, logo, comprometendo seu rendimento acadêmico, o ajustamento psicossocial e possibilitando o abandono escolar. Na epilepsia infantil as dificuldades acadêmicas estão relacionadas tanto às condições médicas da doença, quanto às condições psicossociais. O desenvolvimento socioemocional é frequentemente prejudicado em crianças com epilepsia. Pesquisas demonstram que danos neuropsicológicos podem interferir, sim, na reciprocidade das interações sociais. Porém, o efeito negativo dos estigmas que marcam esta doença aumenta a frequência de atitudes negativas em relação à epilepsia, causando baixa autoestima, déficits marcados em habilidades sociais e na comunicação social e taxas mais altas de solidão e angústia psicológica em crianças. (MENLOV & REILLY, 2015; SUURMEIJER et al., 2001) A interpretação comportamental de tais competências é importante à medida que auxilia na elaboração de procedimentos terapêuticos para esses alunos. Primeiramente, trabalharemos sobre a baixa autoestima vista com frequência em crianças e jovens com epilepsia. Entende-se por autoestima o sentimento que “é o produto de contingências de reforçamento positivo de origem social” (GUILHARDI, 2002), ou seja, a criança não nasce com autoestima, mas ela pode ser desenvolvida durante a vida da pessoa em relações com os mais próximos. Com base nesta explicação, o que um psicólogo poderia fazer para trabalhar a autoestima do aluno com epilepsia? Torna-se necessário intervir no meio em que ele vive para criar oportunidades em que a criança consiga expressar tanto suas qualidades e seja valorizado pelas pessoas, quanto se sinta no direito de cometer erros sem perder o prestígio social, amizades e carinho. Sobre os déficits marcados em habilidades sociais e na comunicação social, podemos nos perguntar: quantas vezes esses alunos foram encorajados 82


manter relações sociais? Ou seja, exporem-se as contingências e suas demandas para, então, desenvolver padrões de comunicação assertiva e desejadas na faixa etária correspondente. Pois, a baixa expectativa dos pais e professores quanto ao sucesso da criança, possibilidade de rejeição dos mestres e colegas de escola, alterações na autoestima da criança (GUERREIRO et al., 2000; MAIA FILHO et al., 2004), superproteção e sentimentos de medo, preocupação e insegurança, dificulta os relacionamentos sociais, afetivos e acadêmicos da criança (SOUZA & GUERREIRO, 2000). Como psicólogo comportamental, é importante observar os déficits comportamentais nas habilidades sociais do aluno com epilepsia, para então, elaborar atividades utilizando procedimentos comportamentais como, por exemplo, dar modelo, modelagem, ensaio comportamental e fanding in, entre outros. A respeito das altas taxas de solidão e angústia psicológica em crianças, um psicólogo comportamental logo se perguntará: esses sentimentos estão sendo produtos de quais contingências aversivas? Pois, na Análise do Comportamento os sentimentos são produtos da relação organismo-ambiente. Quando esta relação é negativa, consequentemente, sentimentos negativos também podem ser produzidos. Desta forma, se crianças com epilepsia apresentam níveis altos de solidão e angustia, é necessário investigar as consequências que estão controlando os comportamentos da mesma, tais como, punição positiva, punição negativa, extinção e reforçamento negativo. Para, então, estabelecer o caminho terapêutico. Como desenvolver repertório de tolerância à frustração nesses alunos? Visto que o ambiente social na vida da criança não poderá ser controlado pelo profissional. Ou, como trabalhar a maneira como as pessoas consequenciam as tentativas de engajamento e interação social dos alunos? Por fim, fatores neurobiológicos também devem estar envolvidos no olhar atento do psicólogo no contexto escolar. A aprendizagem desses alunos pode ser influenciada por fatores diretamente ligados à própria enfermidade como doença neurológica de base, aos efeitos colaterais dos medicamentos e das cirurgias e à associação com outros transtornos neurológicos ou psiquiátricos. A epilepsia como doença de base aumenta o risco de dificuldades de aprendizagem entre 41 a 62% nas crianças, bem como, pode apresentar dificuldades acadêmicas com o aprendizado de matemática e leitura e interfere na trajetória de desenvolvimento das redes cerebrais subjacentes à cognição, sejam elas globais ou específicas (FASTENAU et al 2008, JACKSON et al., 2013; PUKA et al., 2015). Enquanto, os efeitos medicamentosos podem prejudicar a cognição e o comportamento dos alunos, tais como a atenção, velocidade psicomotora e fluência verbal (GULATI, 2014). A epilepsia no contexto escolar não se limita à caracterização das cri83


ses, mas também abrange a identificação e gerenciamento precoce de comorbidades e distúrbios psiquiátricos. Uma vez que, crianças com epilepsia são cinco vezes mais propensas a desenvolver transtornos comportamentais e neurológicos e 2,5 vezes mais propensos a sofrer de transtorno psiquiátrico, pelo fato de diversos mecanismos genéticos e fisiológicos serem comuns em ambos os casos. Por exemplo: uma em cada vinte crianças com epilepsia desenvolve o Transtorno do Espectro Autista e uma em cada cinco crianças com autismo desenvolve a epilepsia (WOA et al., 2017; SAEMUNDSEN, 2007). Ou exemplo é o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, em que há uma prevalência de 30-40% nos casos de epilepsia. Geralmente, os textos iniciam com uma pergunta e concluem com uma afirmação. Entretanto, este capítulo iniciou afirmando que não há nada mais natural ao ser-humano que aprender. Entendemos, também, sobre a importância do ambiente no desenvolvimento e na manutenção dos comportamentos das crianças e dos adolescentes. E agora, gostaria de concluir o capítulo com uma questão: Quantas formas de aprender existem? Para refletir sobre a resposta, lembre-se de quantos tipos de alunos existem! Cada aluno tem um histórico de vida diferente do outro, logo terá histórias de contingências diferentes. Ou seja, cada criança ou adolescente teve contato com um tipo de ambiente, seja ele externo, ou, interno. Espero que a leitura possa ter ajudado a responder a esta e provocado outras indagações! REFERÊNCIAS - ABLON, J. The nature of stigma and medical conditions.Epilepsy Behav., v. 3, n. 6S2, p. 2-9, 2002. - BERG, A. Y.; LANGFITT, J. T.; TESTA, F. M. LEVY, S. R. WESTERVELD, M. et al. Global cognitive function in children with epilepsy: a community based study. Epilepsia, v.49, p. 608–14, 2008. - DILORIO, C.; OSBORNE, S. P.; LETZ, R.; HENRY,T.; SCHOMER, D. L.;YEAGER, K.The association of stigma with self-management and perceptions of health care among adults with epilepsy. Epilepsy Behav., v. 4, n. 3, p. 259-67, 2003. - FASTENAU, P. S.; SHEN, J.; DUNN, D. W.; AUSTIN, J. K. Academic underachievement among children with epilepsy proportion exceeding psychometric criteria for learning disability and associated risk factors. J. Learn. Disabil, v. 41, p. 195–207, 2008. - GUERREIRO, C. A. et al. Epilepsia. São Paulo: Lemos, p. 120, 2000. - GUILHARDI, H. J. (2002) Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade –Comportamento Humano – Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. Orgs.: Maria Zilah da Silva Brandão, Fatima Cristina de Souza Conte, Solange Maria B. Mezzaroba. Santo André, SP: ESETec Editores Associados. Disponível em: http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/helio/

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13 Dimensões da sexualidade na epilepsia Sueli Adestro Entre muitos livros e artigos escritos, o tema da sexualidade é envolvente por trazer à tona aspectos biopsicossociais, morais, antropológicos e culturais. Não obstante, as diversas dimensões da sexualidade envolvem a existência humana na interface do desejo afetivo-sexual. Eis uma seara de fértil literatura para ser pesquisada na área da Psicologia, visto que, o reconhecimento do corpo sexuado dentro de padrões de comportamento pode resultar em egos fragilizados, inseguranças, sofrimento, vergonha, angústia, negação corporal. O corpo pode ser objeto de prazer de ver, de ser visto e atrair atenção do outro. Em um conceito lacaniano, “o EU é constituído a partir do olhar outro” (LACAN, 1985). Nesse sentido, após uma crise de epilepsia, o olhar do outro pode ser de estranhamento. Seria melhor ser olhado e não ser enxergado – autoengano e/ou sentimento de rejeição. Estas breves considerações apresentam a epilepsia e a sexualidade como fenômenos que ocorrem em todos os povos, classes sociais, níveis de escolaridade, orientação afetiva e sexual, e se manifestam em quaisquer pessoas. Quem tem cérebro pode vir a ter epilepsia. Neste capítulo de pretensa revisão de literatura sobre sexualidade e epilepsia, refletiremos acerca da possibilidade da pessoa que tem crises epilépticas ser impactada pelas dificuldades de criar relacionamentos afetivos e sexuais, abrangendo a saúde reprodutiva e mental. Sexo e sexualidade

O discernimento sobre expressões aparentemente óbvias como sexu86


alidade e sexo, remete à compreensão das transformações da procriação e da cultura do comportamento sexual, para delimitar seus impactos na significação da sexualidade humana. É compreensível que ocorram autoenganos quanto à nossa sexualidade, por vezes, estranhando a noção entre o moralmente recomendado e, pessoalmente possível, oscilando em questões que remetem a consciência dos nossos atos, que reprime sentimentos e comportamentos. Freud (1905), em “Os três ensaios na teoria da sexualidade”, propõe a definição de que o período da sexualidade inicia na infância de forma complexa e longa até chegar na sexualidade adulta, onde as funções de reprodução e de obtenção de prazer podem estar associadas, tanto no homem como na mulher. Tal afirmação seria contrária ao pensamento predominante da época, visto que o sexo seria exclusividade para a reprodução. É sabido que os pressupostos da obra literária de Freud descreveram o método psicanalítico. O filósofo francês Foucault (1994) escreveu uma obra em três volumes, no período de 1976 e 1984, intitulada de “História da Sexualidade”. Para cada um dos livros, o autor demonstrou que o sexo e as práticas sexuais são regrados pelo dispositivo da sexualidade estabelecido entre o saber e o poder, produzindo um comportamento aceitável para a sociedade. Na definição de Guimarães (1995), o termo sexo deve ser natural, hereditário, biológico, na diferença física, anatômica e biológica entre o homem e a mulher, assim como a atração que uma pessoa sente por outra, seja para o prazer ou reprodução. Já o termo sexualidade se refere ao conceito alargado de sexo, enfocando o fenômeno amplo que envolve a reflexão e o discurso sobre os órgãos genitais, o sentido, a intencionalidade do sexo em todos os níveis e variações de identidade e papel de gênero. Na psicologia justifica-se a diferença que se faz entre identidade e papel de gênero, conceituando que a identidade trata da consciência que cada um tem de si mesmo, enquanto pertencente a uma categoria de gênero (masculino e feminino). E papel de gênero remete ao comportamento social que revela se a pessoa é homem ou mulher, e como ela age no espaço social. Nessa perspectiva a Organização Mundial de Saúde (OPAS-OMS, 2001) propôs um conceito de sexualidade como uma energia que nos motiva para encontrar amor, contato, ternura e intimidade; e integra-se no modo como sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo ser-se sexual. Assim, a sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental. A análise da sexualidade humana, isto é, a intenção de desvendar os múltiplos e profundos sentidos que se encerram na dimensão da sexualidade, para ser conduzida de maneira crítica e científica, por um lado, mas igualmente próxima e presente no mundo da vida, por outro, torna-se uma das tarefas mais 87


exigentes e complexas da educação afetiva e formação ética de nosso tempo. (NUNES, 2011). É surpreendente, contudo, observarmos interpretações muitas e variadas na literatura, que vão desde o determinismo dos termos sexo e sexualidade, seus significantes e significados, até o espectro da sexualidade e suas dimensões. Entretanto, cabe à universidade investir na produção e socialização de conhecimentos acerca da sexualidade e na formação de profissionais multidisciplinares que possam romper com os preconceitos, estigmas e tabus materializados em práticas sociais que nos impedem de expressar a afetividade, o desejo erótico, ou seja, a sexualidade de modo saudável. (BRUNS & ADESTRO, 2017). O corpo como espaço de prazer versus o preconceito e o estigma Na filosofia do hedonismo ético (de hedoné; em grego, prazer) nascem dois sentidos do termo prazer, que às vezes se confundem: a) como sentimento ou estado afetivo agradável que acompanha várias experiências afetivas e emocionais (como o encontro com uma pessoa que gostamos; a contemplação de uma música) e cujo oposto é o “desprazer” (como o encontro com uma pessoa que se despreza); b) como sensação agradável produzida pela ativação de estímulos corporais conectados ao cérebro (orgasmo, cócegas, massagem corporal) e cujo oposto é a dor física ou emocional (ausência do orgasmo numa relação sexual, violência sexual, agressão física). Quando os hedonistas, na Antiguidade (séc. IV a.C.), afirmaram que o bom é o prazer e o mau o seu contrário, e que as ações humanas são medidas pelo prazer, há de se analisar que existem prazeres sensíveis, eróticos, imediatos, fugazes, como os proporcionados pela comida, pelo sexo, entre outros. Assim como existem os prazeres mais duradouros e superiores como os intelectuais, éticos, estéticos. Contudo, lembremos que as pessoas preferem o prazer ao desprazer ou a dor. Preferem ser felizes diante da possibilidade da infelicidade. Preferem ser respeitadas em seus direitos e aceitas pela sociedade antes de se tornarem parte de uma estatística de exclusão social. Cumpre-nos ressaltar que nas palavras de (FERNANDES et. al., 2011) a aceitação social da pessoa com epilepsia, é o ponto inicial para a superação das dificuldades nos relacionamentos pessoais que remetem às dificuldades psicológicas associadas, para que as pessoas com epilepsia e suas famílias deixem de ser vítimas de preconceito e estigma. Nesse contexto, profissionais da saúde mental, como os psicólogos, com uma abertura para indagar, investigar a queixa de baixa autoestima e as 88


vulnerabilidades da pessoa com epilepsia, contribuem para orientar com acolhimento, prevenindo a dor emocional, o afastamento social, afetivo-amoroso e sexual, além do sentimento de inadequação e privações. “O estigmatizado atribui às suas privações um caráter compensatório, graças à crença de que pelo sofrimento ele aprende a aceitá-las.” (GOFFMAN, 1998). Aspectos da saúde em epilepsia Não há como dimensionar a evolução da neurociência nesta última década, porque as variáveis terapêuticas foram ampliadas e refinadas. Contudo, manteve-se o consenso de pesquisadores e médicos neurologistas, em relação ao tratamento medicamentoso da epilepsia, na condição de assegurar a melhor qualidade de vida possível ao paciente, buscando um controle adequado de crises epilépticas, com um mínimo de efeitos associados.Visto se tratar de uma doença neurológica crônica tratável, negligenciada, que traz em sua história muitas narrativas angustiantes. Muitos pacientes que sofrem com as crises trazem consigo a experiência da rejeição, por isso, tentam esconder que vivem com o diagnóstico da epilepsia. Relatam muitos equívocos e falta de conhecimento sobre as dificuldades que enfrentam no cotidiano. Não trocam vivências em grupos de apoio psicológico, por causa do sentimento de inadequação social. Não sabem exatamente como as crises epilépticas podem afetar o quadro de saúde geral, sexual, reprodutiva e mental. Muitos sofrem prejuízo de profissionalização ou qualificação, pois não conseguem manter a independência e autonomia. E ainda há outra parcela de pacientes que apresenta déficits cognitivos e escolares, com chance de haver alguma comorbidade psicológica ou psiquiátrica (com prevalência de epilepsia e autismo; epilepsia e transtorno de atenção e/com hiperatividade; epilepsia e psicose). Uma vez mais, a epilepsia é uma doença que afeta o bem-estar biopsicossocial e a vida do paciente como um todo. Pontualmente, a sexualidade feminina é mais complexa de ser tratada na epilepsia. O corpo feminino produz o hormônio sexual estrogênio e com o uso de medicamentos para o tratamento (DAE – droga antiepiléptica) tende a ganhar peso, ter privação de sono, alteração do desejo sexual e outros sintomas. Existem evidências em estudos sobre a relação entre epilepsia e gravidez, desde modificações na frequência de crises epilépticas até malformações fetais. A gravidez parece afetar a frequência das crises através de efeitos fisiológicos como hiperventilação, ganho de peso e mudanças hormonais, psicológicas como o receio de malformações fetais, e de mudanças na farmacocinética e modo de utilização das DAE (SCHMIDT, 1982; PHILBERT & DAM, 1982). 89


Em caso de uma gestação deve-se “cumprir rigorosamente o acompanhamento pré-natal”, sendo “o ideal que a paciente tenha uma gravidez programada” (NORONHA et.al, 2003:51-52). Por isso, a mulher com epilepsia em idade fértil deve conversar necessariamente com o neurologista, a fim de adotar o método anticoncepcional oral, concomitante com outro contraceptivo. O método oral pode causar interação medicamentosa com as DAE, e levar à ineficácia do anticoncepcional. Para que a mulher possa programar-se na gestação segura não é recomendada a interrupção das DAE. O atendimento no SUS (2017), disponibiliza às mulheres em idade fértil escolher entre os métodos: injetável mensal, injetável trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma, pílula anticoncepcional de emergência (ou pílula do dia seguinte), Dispositivo Intrauterino (DIU), além dos preservativos. Portanto, as pessoas com epilepsia necessitam vivenciar a sexualidade e o desejo sexual naturalmente, desde que haja acompanhamento adequado, pois, assim como quaisquer outras pessoas com vida sexual ativa, devem prevenir as doenças sexualmente transmissíveis (DST), o HIV/AIDS, o HPV (Papiloma vírus), o Zika vírus, a Sífilis, a Hepatite, e todas as doenças infectocontagiosas. É muito importante o acompanhamento médico especializado e o suporte de uma equipe multidisciplinar, para que a vida sexual de mulheres e homens que vivem com crises (ou não), seja uma experiência afetivo-sexual natural, sem que tenham de sublimar as necessidades vitais de um corpo sexuado e reprodutivo. Psicologia e epilepsia: o diálogo está apenas começando... Esta breve revisão de literatura sobre a sexualidade e a epilepsia remete à formação do psicólogo na universidade. O acompanhamento psicoterapêutico para tratar de problemas da sexualidade, compreendendo o impacto médico, afetivo-emocional e social que determinam a qualidade de vida da pessoa com epilepsia, é tarefa do psicólogo. O impacto da rejeição à pessoa com epilepsia e a exclusão interpessoal-social que ela vivencia, ajuda a propagar o preconceito e o estigma, fazendo com que o indivíduo sinta-se diminuído em sua autoestima, desvalorizado em sua autoimagem e capacidade cognitivo-mental, e esses fatores indicam a condição de inadequação pessoal e social, servindo de gatilho para possíveis “quadros de transtornos de personalidade, psicológicos e psiquiátricos” (CANTILINO, A., & CARVALHO, 2001). Neste caso, é mais que justificada a compreensão de que o paciente necessita ser tratado com medicamentos das DAE, mas também deve ter acompanhamento psicológico individual ou participar de grupo de apoio à pessoa. Por meio do atendimento psicológico é possível investigar 90


e interpretar a verbalização sobre os sentimentos, as incompreensões e desinformações sobre o que ocorre no cérebro da pessoa com epilepsia. A prática do aconselhamento sobre sexualidade elabora percepções de censura corporal, virgindade, gravidez programada, fertilidade, orgasmo, frigidez, ejaculação, casamento, contracepção, rejeição sexual e social, permitindo uma aprendizagem sobre as relações afetivas e sexuais. Falar abertamente sobre a sexualidade e o sexo quebra o tabu que há em torno do corpo como “lugar de dissolução do eu” (FOUCAULT, 1982, p. 22), e traz consigo “em sua vida e em sua morte, em sua pulsão e fraqueza, a inscrição de todos os acontecimentos e conflitos, erros e desejos”. Falar abertamente ameniza as barreiras que dificultam a confiança em uma relação de trocas significativas. A propósito, o acompanhamento com dinâmica de grupo, em caso de doenças crônicas como a epilepsia, amplia a abertura das relações interpessoais e facilita no tratamento de problemas e dificuldades, troca de experiências e vivências, tratando-se de uma prática integrativa entre pacientes e psicólogos. O grupo de apoio possibilita que a pessoa possa conhecer-se melhor, reconhecendo-se nas dificuldades de outras pessoas. Cada participante tem a oportunidade de tirar do grupo seus significados ao ser proposto discutir medos não compartilhados e, muitas vezes infundados, que levam ao autoengano. E, por fim, trata-se da possibilidade de superar a condição de “ser-uma-pessoa-com-epilepsia” e “viver-sem-crise”. REFERÊNCIAS - BALLONE G. J. Epilepsia, Agressividade e Personalidade, In. PsiqWeb. Disponível em <www. psiqweb.med.br>, revisto em 2005. - BRUNS, M.A.T., ALMEIDA, S. Sexualidade preconceito, tabus, mitos e curiosidades. Campinas: Editora Átomo, 2004. - BRUNS, M. A.T., & ADESTRO, S. Epilepsia na interface com a sexualidade. In: XVI Congresso Brasileiro de Sexualidade Humana, SBRASH: Campinas, 2017. Disponível em: <http://www.cbsh. com.br/cd/autores.html> acesso em: 30 de ago, 2018. - CANTILINO, A., & CARVALHO, J.A. Psicoses relacionadas à epilepsia: um estudo teórico. Revista Neurobiologia 64 (3-4): p. 109-16, 2001. - CONITEC (2017). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Epilepsia. Disponível em: <http://neurologiahu.ufsc.br/files/2016/10/Relatorio_PCDT_Epilepsia_CP_65_2017.pdf>. - FERNANDES, P. T., & Li, L. M. (2006). Percepção de estigma na epilepsia. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, 12(4), 207-218. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1590/S167626492006000700005>.

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- FOUCAULT, M. (1982). Le sujet et le pouvoir. In. Dits et écrits, v. IV (1980-1988). Paris: Gallimard,1994. - FREUD, S. (1905). Trois essais sur la théorie de la sexualité. Paris: Gallimard, 1987. - _________. O futuro de uma ilusão. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1997. Disponível em:< http://geffoucault.blogspot.com/p/livros-para-download.html> acesso em: 31 de jul. 2018. - GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. - GUIMARÃES, I.R.F. Educação sexual na escola: mitos e realidades: Campinas, SP. Ed. Mercado de Letras, 1995. - LACAN, J. (1951) Algumas reflexões sobre o eu. In. Psicanálise: Algumas reflexões sobre o espelho, por Jacques Lacan. nº2. São Paulo: Clínica Freudiana, 1985. - _________ (1966). Variantes do tratamento-padrão. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 325-364. - MAERCHETTI, R. L. Aspectos Psiquiátricos da Epilepsia. In: Fundamentos Neurobiológicos das Epilepsias. Eds: Da Costa JC, Palmini A, Yacubian EMT, Cavalheiro EA: São Paulo, Lemos Editorial, pp 1297-1319, v.2, 1998. - MAURANGES, P. apud SCHMIDT, D.The Effect of Pregnancy on the Natural History of Epilepsy: A Review of Literature. In: JANZ, D.; BOSSI, L.; DAM, M.; HELGE, H.; RICHENS, A.; SCHMIDT, D. (eds). Epilepsy, Pregnancy, and the Child, New York, Raven Press, Ltd., 1982; p.3-14. - MEZAN, Renato. “Uma arqueologia inacabada: Foucault e a psicanálise”. In: RIBEIRO, Renato (org.). Recordar Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1985. - NORONHA, A.L.A. et al. Epilepsia sob nova perspectiva: condição tratável: Campinas, p. 51-52, 2003. - NUNES, C. A. Desvendando a Sexualidade: Campinas, SP, Editora Papirus, 2010. OPAS-OMS. Relatório sobre a saúde no mundo 2001: saúde mental: nova concepção, nova esperança. Genebra: OPAS/OMS, 2001. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/ biblioteca/imagem/0205.pdf acesso em: 28 de jul, 2018. - SUS (2017). Ministério da Saúde. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/noticias/saude/2012/03/ sus-oferece-oito-opcoes-de-metodos-contraceptivos> acesso em: 11 de ago. 2018. - VASCONCELOS, N. Os dogmatismos sexuais. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1971.

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14 Epilepsia e empregabilidade: barreiras a serem superadas Maíra Frizzi da Cunha Bergo A relação entre epilepsia e trabalho vem sendo discutida no Brasil há mais de dezoito anos, autores como Borges et al. (2000) que realizaram estudos na área, consideram como parte importante desta relação os fatores biopsicossociais do indivíduo diagnosticado com epilepsia, sendo estes fatores possíveis dificultadores na inserção ou manutenção deste indivíduo no mercado de trabalho. Levando em consideração o funcionamento intra e interpsicológico do paciente em sua relação dialética com o ambiente, fatores psicossociais e fatores intrínsecos à doença, faz-se necessário refletir a respeito do papel do trabalho na constituição da subjetividade do ser humano e sua qualidade de vida. Neste capítulo tal reflexão terá como foco central as barreiras enfrentadas pelo paciente com epilepsia no mercado de trabalho. O diagnóstico e suas consequências Para iniciar os pensamentos sobre o tema, é importante compreender, primeiramente, o impacto que o diagnóstico tem na vida diária da pessoa com epilepsia. Estudos apontam que ao se revelar um diagnóstico de epilepsia, seja para o próprio paciente ou para pessoas de seu convívio, os níveis de ansiedade provenientes da informação da doença são mais elevados quando comparados a outros diagnósticos, mesmo em casos de não ocorrência de crises tônico-clônicas generalizadas. A existência do diagnóstico é também fator relacional direto com o desempenho do trabalhador com epilepsia, considerando-se o 93


preconceito que o acompanha e restrições em exercer funções de risco. Além disso, ainda há pouco conhecimento difundido a respeito do diagnóstico de epilepsia e suas reais consequências, visto que ele é composto por muitas condições diferentes, sendo necessário avaliar cada caso individualmente. (HARDEN et al., 2004). Independente das particularidades presentes no diagnóstico, é possível afirmar através de pesquisas realizadas acerca do tema, que pacientes com epilepsia experienciam problemas de ordem psicossocial em áreas semelhantes, tais como dificuldades em suas relações interpessoais. Refletindo a respeito do que se entende por constituição do sujeito,Vygotsky em suas teorias descreve o homem como “um agregado de suas relações sociais”, sendo estas relações fundantes dos sujeitos. Desta forma, analisando o indivíduo em seu desenvolvimento, não é possível não considerar o ambiente de trabalho, seja como fator ausente ou atuante, como um dos principais pilares no processo de desenvolvimento do homem. Estima-se que grande 50% dos adultos diagnosticados com epilepsia no Brasil enfrenta o desemprego ou subemprego, sendo o trabalho a área mais prejudicada na vida destes indivíduos. (SALGADO e SOUZA, 2002). Sobre isso e de acordo com a literatura, o estigma relacionado ao diagnóstico de epilepsia aparenta ter um grande impacto na vida destes indivíduos no momento de encontrar ou manter um emprego, ademais, pessoas com epilepsia tendem a vivenciar o estigma no ambiente de trabalho, o que pode levá-las ao isolamento social. De acordo com Goffman (1988), o estigma é uma característica geral da sociedade e pode referir-se a uma característica determinante do indivíduo, como uma diferença da qual a pessoa se envergonha de ter. O diagnóstico de epilepsia é, portanto, retratado como uma característica da qual o paciente sente vergonha e torna-se uma barreira no ambiente de trabalho. A respeito das relações sociais e do trabalho como fator atuante na relação dialética do indivíduo com o meio, a psicologia histórico-crítica de Vygotsky também aponta as impossibilidades de constituir-se sujeito imerso nas práticas sociais em determinado contexto. Sendo assim, o indivíduo com epilepsia que carrega consigo o estigma no ambiente de trabalho, pode ser afetado em suas relações sociais e impossibilitado de se constituir sujeito participante neste contexto o que, por consequência, acaba por afetar diretamente a qualidade de vida deste indivíduo. Trabalho e qualidade de vida

Levando em consideração a questão do desemprego entre as pesso94


as com epilepsia, faz-se necessário apontar a relação direta existente entre trabalho e qualidade de vida. Estudos apontam que a partir de análises biopsicossociais do indivíduo diagnosticado, detecta-se uma piora em sua qualidade de vida no que se refere a alguns fatores, sendo o trabalho um dos principais deles. (PINTO, 2014). É importante pensar a respeito destas informações, em razão de que ao versar sobre a qualidade de vida destes indivíduos, sua relação com o trabalho perpassa questões já citadas anteriormente como o estigma, o isolamento social e outros. No entanto, apesar da não possibilidade em apontar com precisão todos os fatores que influenciam esta relação, há aqueles que aparecem em grande parte da literatura sobre o tema, influenciando na procura e manutenção do emprego do indivíduo com epilepsia e, consequentemente, afetando sua qualidade de vida. Outro fator que é também bastante citado como grande influência na vida laboral da pessoa com epilepsia e em sua qualidade de vida é o controle das crises, fazer uso da medicação correta e ter crises controladas são fatores cruciais não apenas para a manutenção do emprego, mas principalmente para uma melhor qualidade de vida. Dados apontam que aproximadamente 30% dos pacientes diagnosticados com epilepsia são refratários a tratamentos com medicação e, portanto, não possuem suas crises controladas. Como consequência desses indicadores há a imprevisibilidade das crises e o comportamento da pessoa com epilepsia durante e depois destas, que podem levá-lo a ter sentimentos de culpa, vergonha e dependência, corroborando com o isolamento social mencionado anteriormente. (HOPKER et al., 2017). Ainda sobre as crises, em alguns casos onde há a ausência de controle das mesmas o indivíduo pode ficar incapacitado ao trabalho ou precisar de supervisão constante. Há também outros aspectos que afetam o desempenho e/ou permanência destas pessoas no ambiente de trabalho, bem como comorbidades e os efeitos colaterais das medicações. (VARELA, 2016). Desta forma, considerando os fatores citados, o impacto do trabalho na qualidade de vida do ser humano e a partir de análise biopsicossocial do paciente com epilepsia, detecta-se que estas pessoas tendem a ter seus índices de qualidade de vida inferiores àqueles que não possuem o diagnóstico de epilepsia no que se refere ao convívio social. Impactos sociais e econômicos A partir de um levantamento epidemiológico da doença, de acordo com Kanashiro (2006), 1% da população mundial é diagnosticada com epilepsia e aproximadamente 3 milhões de brasileiros. Além da diminuição da qualida95


de de vida destes indivíduos e barreiras enfrentadas no mercado de trabalho como consequência de aspectos já mencionados neste capítulo, a pessoa com epilepsia quando não empregada também deixa de gerar encargos sociais para a família e para o Estado. Dessa forma é imprescindível lidar com a epilepsia como um problema de saúde pública. Considerando o ser humano como sujeito histórico, é importante pensar o impacto e o alcance de questões sociais como preconceito e estigma. Em decorrência de aspectos já discutidos anteriormente neste capítulo, identifica-se que os impactos do diagnóstico de epilepsia vão muito além das crises epilépticas e sobressaem questões fisiológicas da doença, ele tem influência direta no status do paciente e, por consequência, grande impacto social. Pensando sobre os dados que apontam o desemprego entre pessoas com epilepsia, as pesquisas também levam a crer que há um grande impacto econômico por trás desses índices, visto que estes referem-se a uma grande parcela da população que deixa de produzir e contribuir formalmente para o mercado de trabalho. Sendo assim, é importante ressaltar que no Brasil ainda não há instrumentos de políticas públicas que garantam os direitos da pessoa com epilepsia no que se refere ao trabalho e que o protejam de atitudes discriminatórias. Algumas discussões em andamento a respeito da garantia destes direitos levantam a possibilidade de uma adaptação da Lei 1314615 (Lei Brasileira de Inclusão) pensando, principalmente, que apesar de a epilepsia não ser considerada uma deficiência, enxerga-se que o indivíduo diagnosticado enfrenta dificuldades semelhantes no momento de conseguir ou manter um emprego. Conclusão A literatura que versa sobre a relação entre epilepsia e trabalho aponta fatores determinantes que dificultam a inserção do indivíduo com epilepsia no mercado de trabalho, bem como o estigma e o preconceito do diagnóstico e a falta de instrumentos que garantam os direitos da pessoa com epilepsia neste contexto. Além destas questões, no que se refere às condições psicossociais deste indivíduo e considerando-se também os fatores biológicos inerentes à doença, conclui-se que a pessoa com epilepsia tende a índices mais baixos de qualidade de vida e maior propensão ao isolamento social, podendo inclusive desenvolver maior propensão a transtornos mentais. No entanto, ainda há muito a ser estudado a respeito do tema, visto que não é possível determinar com precisão todos os fatores que influenciam no processo de empregabilidade da pessoa com epilepsia. Especificar com precisão as interações entre as variáveis psicossociais e o mercado de trabalho é 96


um grande desafio, pois as dificuldades deste indivíduo em sua inserção e manutenção no mercado de trabalho não podem ser reduzidas a um único fator, sendo também importante considerar as particularidades do diagnóstico em cada caso. Dessa forma, é necessário abranger o olhar do profissional inserido nesta relação, sejam da área da saúde ou do trabalho, para o engajamento na construção de instrumentos que quebrem as barreiras já identificadas. Para os psicólogos inseridos neste contexto, é imprescindível considerar o indivíduo como sujeito histórico e os fatores biopsicossociais presentes nessa relação, dessa forma e a partir de um olhar histórico-crítico da psicologia para a realidade da pessoa com epilepsia no mercado de trabalho, será possível facilitar e garantir um ambiente favorável a estes indivíduos, maiores índices de qualidade de vida e garantia do direito constitucional ao trabalho. REFERÊNCIAS - BORGES, MA. et al. As síndromes e crises epilépticas e suas relações com trabalho: estudo prospectivo ambulatorial de 412 pacientes. Arq. neuropsiquiatr. 2000;58(3A):691-7. - GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988. - HARDEN, CL.; KOSSOY, A.; NIKOLOV, B. Reaction to Epilepsy in the Workplace. Epilepsia, 45(9):1134–1140, 2004 - HOPKER, CL. et al. The individual with epilepsy: perceptions about the disease and implications on quality of life. 29(1), 2017. - KANASHIRO, A. Epilepsia: prevalência, características epidemiológicas e lacuna de tratamento farmacológico. Tese [Doutorado em Ciências Médicas] - Universidade Estadual de Campinas, 2006. - MOLON, SI. Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicologia em estudo, v.16, n.4, p.613-622, 2011. - PINTO, LA. Visão do paciente, do familiar e do empregador sobre o trabalho da pessoa com epilepsia de difícil controle. Tese [Mestrado em Medicina Interna] – Universidade Federal do Paraná, 2014. - SALGADO, PCB., SOUZA, EAP. Impacto da epilepsia no trabalho - avaliação da qualidade de vida. Arq. Neuropsiquiatr. v.60, n.2B, p.442-445. 2002. - SMEETS, MJ. Epilepsy and employment: Literature review. Epilepsy & Behavior 10 354–362, 2007.

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- VARELA, JS. Qualidade de vida e controle de crises epilépticas conforme definição da International League Against Epilepsy. Tese [Mestrado em Ciências Médicas] - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2016.

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PARTE II

ESTUDOS DE CASO SOBRE A EPILEPSIA

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15 Epilepsia e Autismo: um caso de comorbidade Veviane Spergue Será apresentado neste estudo, A.F., 19 anos, masculino, segundo filho de prole de três de casal não consanguíneo, sem intercorrências no período gestacional e perinatal, com desenvolvimento neuropsicomotor adequado. Aos sete meses de vida A. apresentou crise convulsiva em vigência de hipertermia (37.5º), caracterizada por clonias no membro superior esquerdo, associado a movimentos de latero-lateralização de boca e olhos, com duração aproximada de um minuto. Foi levado ao hospital mais próximo, medicado com uma ampola de Diazepam e liberado, seus pais foram orientados a procurarem um neuropediatra. A segunda crise ocorreu aos 10 meses, com as mesmas características da primeira, no momento da crise A. estava engatinhando, quando apresentou uma crise, novamente foi levado ao hospital e administrado uma ampola de Diazepam; foi realizado exame de Eletroencefalograma e exames laboratoriais, com resultados normais. Mesmo com resultados normais, o neuropediatra decidiu prescrever Fenobarbital, pelo fato de se tratar de um segundo evento de crises. Não apresentou resposta medicamentosa, nesse momento passou a apresentar crises semanais, além de crises afebris; realizava periodicamente dosagem sérica para ajuste medicamentoso, porém sem sucesso. Foi associado Divalproato de sódio®, mas apresentou mudança no padrão de sono. Antes da primeira crise convulsiva era uma criança tranquila e interagia com todos. Após o início das crises, foram observadas mudanças de comportamento, impulsividade no momento do brincar, agitação, sempre desatento, disperso e não tinha noção do perigo. Aos 2 anos de idade, devido à falta de reposta terapêutica medicamentosa A. foi encaminhado a um centro terciário de epilepsia. Aos três anos, recebeu diagnóstico de Convulsão Febril Plus. Nesse processo apresentava 100


períodos de melhora e piora, chegou a um período livre de crises de 2 anos. À despeito do número de crises, seus exames não demonstravam anormalidades. A. iniciou o maternal aos 4 anos de idade, gostava de ir à escola, e sempre se mostrou afetivo, carinhoso, gentil, porém em outros momentos se mostrava irritado, sonolento, algumas vezes impulsivo, e isso gerava dificuldades escolares e de socialização. Os profissionais que o atendiam, não sabiam como lidar com a criança. Os pais encontram muitas barreiras, além das crises, como a socialização e interação social. Foi a partir da entrada de A. na escola que se aventou a suspeita de Autismo, devido ao quadro de impulsividade, agressividade e, algumas vezes, o isolamento social. Como descrito no relato, o paciente apresenta epilepsia associado a autismo. O autismo se apresentou na evolução de uma epilepsia de difícil controle de início na lactância, que além do esquema de polifarmacia antiepiléptica, foram necessárias medicações psicotrópicas para o quadro de impulsividade. Além disso, os pais enfrentaram e enfrentam dificuldades para colocação e adaptação de seu filho numa sociedade que infelizmente ainda não tem conhecimento necessário e ferramentas para lidar com esse perfil de criança. Epilepsia e Autismo Segundo a International League Against Epilepsy (ILAE) e o International Bureau for Epilepsy (IBE) epilepsia é uma desordem do cérebro caracterizada por uma pré-disposição constante em gerar crises epilépticas com consequências neurobiológica, cognitiva, psicossocial e social. A crise epiléptica é definida como a ocorrência transitória de sinais e/ ou sintomas, com manifestações clínicas e sincronização anormal, devido à atividade neural anormal (FIORE E SOUZA, 2018). A epilepsia é uma das comorbidades mais observadas no autismo. O autismo se apresenta com várias definições, quando definimos por época, a clássica e de fácil interpretação descreve que Autismo é um transtorno complexo do desenvolvimento que envolve atrasos e comprometimentos nas áreas de interação social e linguagem, incluindo uma ampla gama de sintomas emocionais, cognitivos, motores e sensoriais (ASSUMPÇÃO E KUCZYNSKY, 2018). As primeiras referências ao Autismo datam o início do século XX, como Pouller em 1906, que investigou casos de demências e esquizofrenia com características Autísticas; e Eugene Bleuler que em 1911 utilizou o termo “Autismo” com mais propriedade, designando a perda de contato com a realidade (CAMARGOS JR., 2005; ASSUMPÇÃO et al., 2014). Ainda segundo os autores, o Autismo foi definido por Kanner em 1943 101


como uma síndrome caracterizada por dificuldade em se comunicar, comportamento com gestos repetitivos, tendência ao isolamento e manipulação de pequenos objetos. No ano seguinte, em 1944, Hans Asperger, um pediatra austríaco com interesse em educação especial publicou sua tese de doutorado apresentando em seu estudo quatro crianças com características semelhantes às descritas por Kanner, inclusive utilizando o mesmo termo, “Autismo” (ASSUMPÇÃO et al., 2014; KLIN, 2006). A partir de então muito tem sido escrito sobre Autismo e mesmo a definição tem sofrido modificações conforme as pesquisas avançam nas descobertas de fatores etiológicos e melhor esclarecimento do quadro clínico. Entre os anos de 1950 e 1960 hipóteses bastante controversas sobre a natureza e etiologia do Autismo foram discutidas. Uma delas acreditava que o Autismo era causado por pais pouco afetuosos com seus filhos e na década de 60, estudos geraram evidências comprovando que trata-se de transtorno cerebral presente desde o nascimento. Em 1978 Rutter propôs a definição de Autismo com 4 critérios que influenciaram a inclusão deste, como uma classe dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TIDs) no DSM-III, em 1980 (KLIN, 2006). Na atualidade, a discussão em torno do tema “Autismo” convida a enveredar por um longo e complexo campo de investigação marcado por contradições e controvérsias. No Manual Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders publicado pela American Psychiatric Association (APA), em sua 4ª versão (DSM-IV), estão separados o Transtorno Autista (Autismo), o Transtorno de Asperger (TA), Sindrome de Rett, Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TID/SOE) e o Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) (American Psychiatric Association, 2002). Assumpção et al. e Klin descrevem em 2007 que indivíduos com TA diferem daqueles com Autismo por não apresentarem dificuldade intelectual, atrasos significativos da linguagem e comunicação e por demonstrarem habilidades específicas. Os critérios de início da doença também diferem, no sentido de não haver atraso no desenvolvimento de habilidades cognitivas e de autocuidado. Muitos indivíduos com TA expressam-se verbalmente com criatividade, utilizando palavras de vocabulário sofisticado e estruturas gramaticais corretas, porém, nota-se dificuldades em utilizar a linguagem de forma contextualizada nas situações cotidianas (KLIN, 2006; LENDHARDT et al., 2013). Estudos realizados em 2007 mostraram que crianças acometidas com TEA apresentam características motoras diferentes dos padrões considerados adequados de desenvolvimento, desde o nascimento (OZONOFF et al., 2008; JASMIN et al., 2008). Em maio de 2013 foi lançado uma nova versão, o DSM-V, que apresenta 102


algumas alterações, que foram esclarecidas em publicação da APA intitulada “Highlights of Changes from DSM-IV-TR to DSM-5” (American Psychiatric Association, 2013). A novidade em relação à versão anterior é a determinação do termo Autism Spectrum Disorders (ASD) ou seja, Transtorno do Espectro Autista (TEA), envolvendo os transtornos anteriormente separados no DSM-IV, considerando que fazem parte de uma única condição, com diferentes níveis de gravidade dos sintomas. TEA, portanto, engloba o Transtorno Autista, Transtorno de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. Eles caracterizam-se por: 1) déficits expressivos na comunicação social e interação social; 2) comportamentos restritos e repetitivos, dispondo de excessiva adesão a rotinas e padrões ritualizados de comportamento e demonstrando interesses em atividades específicas, muitas vezes intensas. Portanto o TA está contido no TEA, sendo que o nome “Síndrome de Asperger” foi descontinuado nessa versão do DSM 5 (DUFFY et al., 2013). Hoje, autismo é identificado e definido clinicamente por um conjunto comum de sintomas que são bem representados por uma única categoria de diagnóstico, adaptável conforme apresentação clínica individual, o que permite incluir especificidades clínicas tais como epilepsia e outras comorbidades (FIORE E SOUZA, 2018). A relação entre TEA e Epilepsia Estudos indicam que a epilepsia e o TEA são condições que costumam ocorrer na infância, podendo ocorrer juntos devido a criança ter herdado ambas as condições ou por desenvolver posteriormente a epilepsia em consequência de uma patologia cerebral, e.g., a rubéola congênita (PEREIRA et al., 2012). Ainda segundo o autor, há casos em que o autismo ocorreria em consequência de um processo epiléptico. Sua causa seria devida às interferências no funcionamento do sistema límbico, onde contém as redes neurais específicas relacionadas ao comportamento social e a comunicação. Epilepsia e comorbidades Os transtornos psiquiátricos podem preceder, concorrer ou se seguir ao diagnóstico de epilepsia. Esta ligação vem sendo descrita por especialistas há anos e as comorbidades psiquiátricas tais como neuroses, psicoses, transtorno de personalidade, humor e comportamento, tem importante impacto clínico 103


nos pacientes (PEREIRA et al., 2012). Tratamento psicológico na abordagem da terapia cognitivo-comportamental A família quando recebe o diagnóstico de autismo e/ou epilepsia de um filho, a notícia é de tristeza e é muito importante a busca por orientações psicológicas para atuar coadjuvante às ações de tratamento médico que administram prescrição medicamentosa, de prevenção e ou minimização dos efeitos da patologia que comprovadamente, alteram os comportamentos e a plasticidade cerebral (BUNGE et al., 2015). A prática clínica das sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC) baseia-se em um conjunto de teorias bem desenvolvidas que tendem a ser planejadas de maneira estruturada, de forma a orientar as ações do terapeuta para atender a necessidade da pessoa que a busca. Esta estrutura deve ser adaptada ao cliente, considerando-se a sua idade, seu nível de atividade, sua problemática, suas comorbidades, suas capacidades, o contexto em que ele está inserido e a conceituação do seu caso. A estrutura da sessão funciona como um encadeamento lógico a ser seguido para que se possa obter a melhora da pessoa em atendimento (BUNGE et al., 2015). Nas sessões de TCC são criadas situações que buscam o desenvolvimento de comportamentos funcionais, assim desenvolvem-se conversas, jogos interativos e atividades com a função de reduzir os comportamentos inadequados para uma vida social (BUNGE et al., 2015). Através de conversas, e que às vezes permanece por instantes somente o terapeuta falando e o paciente ignorando a tentativa de interação, tem a necessidade de identificar os modos operantes de se retomar um diálogo na tentativa de extrair informações importantes para o terapeuta posteriormente auxiliá-lo nas habilidades sociais. Notam-se frases e contextos repetidos sem conexão, há a necessidade de intervenção para quebra de looping destas conversas repetitivas, alternando bruscamente o assunto. As terapias são tão importantes para o paciente quanto para a família, auxiliando na construção das metas a serem alcançadas (OLIVEIRA et al., 2015), pois como McLaughlin et al. (2011) utilizava-se do TCC para o controle de crises epilépticas, propondo a utilização de um diário para registros de crises epilépticas, associando a elas fatores situacionais ou ambientais e aspectos de afeto e de cognição. Nas sessões de terapia também são introduzidos jogos terapêuticos e atividades lúdicas na intenção de despertar interesse do paciente, contribuindo para estimula-lo com técnicas de modificação de comportamento, como visto 104


em Thompson et al. (2010) que revelou utilizar em terapia as principais técnicas de psicoeducação para o quadro neurológico, resolução de problemas e monitoramento de pensamento (THOMPSON et al., 2010), para consequentemente haver novas ligações neurais em que o cérebro se reorganiza para novas memorizações e aprendizados (BUNGE et al., 2015). REFERÊNCIAS - American Psychiatric Association - APA. Highlights of Changes from DSM-IV-TR to DSM-5. DSM-5 Collection. 2013. - American Psychiatric Association - APA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-TR. 4a ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. 98 p. - Assumpção Jr. FB, Kuczynsky E. Transtorno do Espectro Autista/ Autismo: Conceito e Diagnóstico. In: Assumpção Jr. FB, Kuczynsky E. Tratado de psiquiatria da infância e da adolescência. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018. Cap 29, p. 299. ISBN 978-85-388-0845-9. - Assumpção Jr. FB, Russo AF, Padovani RC, Pozzi MC, Kuczynsky E, Bernal MP, Mendoza M, Rossetti MO. Psiquiatria da infância e da adolescência: Casos Clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2014. 314p. - Bunge E, Scandar M, Musich F, Carrea G.Sessões de psicoterapia com crianças e adolescents: erros e acertos. Novo Hamburgo:Sinopys, 2015, 320p. - Camargos Jr., Walter (coord.) Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: 3o Milênio Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial Direitos Humanos, Coord. Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2005. 260 p. - Duffy FH, Shankardass A, McAnulty GB, Als H: The relationship of Asperger’s syndrome to autism: a preliminary EEG coherence study. BMC Med 2013, 11:175. - Fiore LA, Souza MST. Epilepsia. In: Assumpção Jr. FB, Kuczynsky E. Tratado de psiquiatria da infância e da adolescência. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018. Cap 53, p. 577. ISBN 978-85388-0845-9. - Jasmin E, Couture M, Mckinley P, Reid G, Fombonne E, Gisel E. Sensori-motor and Dailu Living Skikks of Preschool Children with Autism Spectrum Disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, (2008); 39 (2), 231-241. - Klin A. Autism and Asperger syndrome: an overview. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2006, vol.28, suppl.1, pp. s3-s11. ISSN 1516-4446. - Lehnhardt FG, Gawronski A, Pfeiffer K, Kockler H, Schilbach L,Vogeley K. The Investigation and Differential Diagnosis of Asperger Syndrome in Adults. Dtsch Arztebl Int. Nov 2013; 110(45): 755–763. Published online Nov 8, 2013. doi: 10.3238/arztebl.2013.0755.PMCID:PMC3849991. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3849991/>.

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16 Epilepsia de ausência: intervenção em aluno do Ensino Fundamental I Ádrinne Uchôa Introdução A epilepsia nos últimos anos tem sido uma das causas que tem ganhado maior visibilidade, apesar dos estigmas que ainda sofre, por faltas de informações adequadas. A epilepsia é a condição neurológica grave de maior prevalência no mundo. Ela acomete 1% da população, ou seja, 60 milhões de pessoas no mundo e a cada ano somam-se aproximadamente três milhões de casos novos. Sander & Shorvon, 1996), sendo que, pelo menos 50% dos casos começam na infância ou adolescência, segundo o neurologista Li Li Min, da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, que vem se empenhando em contribuir de maneira significativa e científica nos estudos que são realizados nessas áreas, a epilepsia é a categoria neurológica grave de maior incidência no mundo. Essa informação é extremamente importante para os pais, responsáveis e instituições de ensino, que necessitam ter um olhar profissional e ao mesmo tempo acolhedor com essas crianças que chegam até as suas salas de aulas e que podem apresentar um comprometimento no aprendizado. Para Zanini (2011) a epilepsia é um distúrbio crônico marcado pelas constantes crises recorrentes, resultantes de uma descarga excessiva de neurônios em determinadas regiões do encéfalo comum nos anos iniciais da criança, repercutindo na área cognitiva, linguagem e no período escolar da criança que apresenta crises epiléticas. Sabe-se que qualquer doença crônica na fase da infantil acarretará danos no desenvolvimento físico, psíquico e cognitivo, aumentando assim as chances de haver comorbidade psicossocial (Souza, 2001). 107


De acordo com Zanni e Matsukura (2010) A epilepsia enquanto doença crônica afeta a criança mais do que outras enfermidades, como a asma ou o diabetes. Para Costa, Maia e Gomes (2009) chega a apresentar alteração no comportamento e no aprendizado de crianças e adolescentes. A cada crise e dependendo da duração, acaba causando mais sequelas nas áreas que são importantes para o desenvolvimento cognitivo da criança. Isso ocorre, porque a epilepsia, como já foi bem enfatizado, agride diretamente o sistema nervoso, e por consequente pode trazer danos na percepção, no movimento, na consciência e em outras funções corticais, o que acaba comprometendo a qualidade de vida, tanto dos que sofrem com esta doença, como daqueles que convivem com entes que sofrem com esta enfermidade (Machado, Frank & Tomaz, 2008). A epilepsia possui vários tipos, pode ser nomeada para cada caso, depende da área que ocorre a descarga de neurônios. Portanto, além dos sintomas físicos que a epilepsia apresenta, os sintomas psicológicos e cognitivos causam maior impacto na vida social e acadêmica dos sujeitos acometidos. Desta maneira, é se suma importância e relevância que os profissionais da psicologia estejam cada vez mais habilitados para intervir em situações como essas, no acompanhamento multidisciplinar. É com este intuito que visamos explicitar através de um estudo de caso o trabalho interventivo realizado em uma criança do Ensino Fundamental I que apresentou aos cinco anos, a epilepsia tipo ausência. Para Rizzuti, Muszkat e Vilanova (2000) a mais conhecida, ausência clássica, distingue-se por crises de desligamento. Em sua configuração peculiar, há perda de consciência de início e término abruptos, episódios de olhar vago e de curta duração (5 a 25 segundos). Pode ocorrer diversas vezes ao dia, é benigna e não está relacionada com atraso neuropsicomotor ou com lesão estrutural cerebral. Os mesmos autores citam a classificação Internacional de Crises Epilépticas (1981) que caracteriza seis tipos clínicos de crise de ausência. Sendo elas: 1) ausência simples com alteração da consciência (10% dos casos); 2) ausência com componentes clônicos, geralmente em pálpebras (50% dos casos), lábios e queixo; 3) ausência com componente atônico por diminuição do tônus muscular, com queda da cabeça e dos braços (20% dos casos); 4) ausência com componente tônico por aumento do tônus da musculatura extensora com retro pulsão do tronco; 5) ausência com automatismos, durante os quais o paciente pode continuar o que estava fazendo, como comer, andar, ou mesmo iniciar movimentos novos como deglutir, lamber lábios e mexer em roupas; 6) ausência com componente autonômico por dilatação pupilar, taquicardia, rubor e palidez. Esta última citada, era o tipo de sintomas que a criança apresentava. O caso chegou através de uma solicitação pela mãe para realizarmos o acompanhamento pedagógico, pois a criança além de apresentar baixo rendi108


mento escolar, também não conseguia acompanhar a turma, a sua letra não era condizente de um aluno do 5º ano e era de difícil compreensão. Poderia inferir que se tratava também de uma disgrafia? Até poderia, mas não era o caso, pois é necessário primeiramente ter a compreensão de todo o histórico e contexto que esta criança estava inserida. A priori, tínhamos a queixa de uma mãe que não sabia muito como ajudar o filho, mas que fazia um enorme esforço para acompanhar, sanar as suas dúvidas escolares, bem como, ajudá-lo cotidianamente no seu processo de aprendizagem, e do outro lado, a escola, que entendia que havia uma questão de déficit de atenção, mas que não apresentava-se totalmente preparada para lidar com as demandas relacionadas a epilepsia. Justificativa Várias Instituições de ensino têm se capacitado para lidarem com as dificuldades de aprendizagem, especificamente com relação ao TDA e TDAH. Contudo, a epilepsia continua sendo um assunto pouco abordado dentro das salas de aulas. Nesse caso, seria a culpa das escolas? O que fazer? Como mediar e lidar com todo esse contexto? O paciente frequentava uma escola privada que disponibilizava de diversas atividades, tinha uma equipe capacitada por profissionais, como pedagogos e psicopedagogo, os casos que eram avaliados e que que precisavam de acompanhamentos de outros profissionais, eram solicitados aos responsáveis que buscasse os devidos serviços. No entanto, foi por este motivo que iniciei o atendimento. Este estudo de caso visa abordar como o profissional da psicologia é importante nestes atendimentos e acompanhamentos. Além de intervir diretamente com a criança, pode mediar dentro das esferas escolares e conjuntamente com os responsáveis quais as medidas mais se adequam às necessidades de cada criança. Vale ressaltar, que embora a epilepsia da ausência seja benigna e de bom prognóstico, as crises de ausência podem ser confundidas com episódios de distração, e desta forma, levantar hipóteses de ter outras doenças Rizzuti, Muszkat e Vilanova, 2000). Existem situações em que há comorbidade, estudos revelam elevadas taxas de episódio da epilepsia com distúrbios neuropsiquiátricos, entre eles o transtorno opositor desafiante (TOD), o transtorno de conduta (TC), a depressão, e o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) (Antoniuk, 2004). Portanto, é de suma importância que as Instituições e os profissionais 109


compreendam que a criança que é diagnosticada desde os seus anos iniciais com epilepsia, seja acompanhada por um profissional da psicologia, e que as escolas estejam abertas aos diálogos esclarecedores sobre esta doença que acomete milhares de crianças na idade pré-escolar. Somente sobre o olhar clínico e psicológico, pode-se intervir nos aspectos emocionais, cognitivos e sociais, conjuntamente com uma equipe multidisciplinar, para traçar quais as melhores maneiras interventivas a serem desenvolvidas e assim proporcionar uma qualidade de vida as crianças e familiares acometidos pela epilepsia. Metodologia O estudo visa investigar aspectos psicológicos e educacionais das epilepsias, destacando os seus impactos sobre a aprendizagem escolar e como foram realizadas as intervenções psicoeducativas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, inclui uma revisão bibliográfica e um estudo de caso centrado no sujeito (aluno) com epilepsia. Foram utilizados no início do atendimento uma entrevista estruturada e aplicada a mãe, para a coleta de dados importantes sobre o histórico e as condições de nascimento do aluno, que se chama Pedro (nome fictício). Pedro tem a idade de 10 anos e estava cursando o 5º ano do Ensino Fundamental I, no período da manhã, possui um irmão mais velho de 12 anos, os seus pais são separados e era medicado por Depacot. Pedro era uma criança calma e tranquila, porém com poucos amigos. Apesar de ter 10 anos possuía uma idade regredida a sua. Em detrimento das crises epiléticas, sua mãe acabou desenvolvendo um auto protecionismo. Após a entrevista com a mãe, foi aplicado uma atividade a Pedro contendo questões de português e matemática, cujo objetivo era avaliar a sua letra, os erros ortográficos, a sua leitura e o raciocínio lógico-matemático. Pedro apresentava lentidão na escrita, a sua letra era bem comprometida e escrevia fora da linha do caderno. Segundo Gomes et al. (2013) as dificuldades no processo de aprendizagem acarretam prejuízos consideráveis, tais como distúrbios motores, psicomotores, na atenção, memorização, desinteresse e problemas de comportamento. Estive na escola de Pedro para compreender como era a sua relação com os amigos e com os estudos. Gomes et al (2013) afirmam que à alta incidência de epilepsia na idade escolar, é fundamental atentar-se para o atendimento das crianças em suas necessidades básicas de natureza física, emocional e social. 110


De acordo com Pinheiro et al (2005), para compreender o impacto que a epilepsia tem na vida da criança deve-se, portanto, abordar não apenas os aspectos biológicos que envolve causa, diagnóstico, tratamento medicamentoso, entre outros, mas também os aspectos psicossociais, como, relacionamento familiar e escolar, crenças e comportamento, relacionados diretamente com o transtorno. Os atendimentos se deram através de 2 encontros semanais com a duração de 60 minutos cada, foram utilizados recursos lúdicos, uma apostila com atividades para colaborar na escrita com exercícios de caligrafia, bem como, treino executivo, cognitivo e conativo, para auxiliar no planejamento da rotina de estudos e organização. A arteterapia como uma das ferramentas, para também trabalharmos as suas emoções. Arteterapia é uma área de atuação profissional do psicólogo que utiliza recursos artísticos com finalidade terapêutica (Carvalho, 1995). Intervirmos na escola em relação a quantidade de questões nas provas, pois a lentidão, também sofria influência da medicação, o que causava baixa autoestima, pois sempre entregava a prova incompleta por conta do tempo que havia excedido. À medida em que as semanas se passaram fomos percebendo uma mudança significativa no comportamento de Pedro. Apresentou mais segurança no momento da prova, seguiu uma rotina de maneira disciplinada e organizada, passou a perceber os resultados positivos no seu ambiente escolar e consequentemente familiar. Pedro começou a apresentar maturidade e compreensão de que possui capacidade para aprender, mesmo que aja comprometimento nas funções executivas, os treinos cognitivos, conativos e executivos contribuíram para o excelente resultado. De acordo com Fonseca (2014) o treino de funções cognitivas, conativas e executivas é uma das chaves do sucesso escolar e do sucesso na vida, quanto mais precocemente for praticado, mais facilidade tende a emergir nas aprendizagens subsequentes. Portanto, uma intervenção levada em consideração o contexto biopsicossocial terá maiores chances de evolução. Gomes et al (2013), menciona que atualmente, existem muitos indícios de que as dificuldades de aprendizagem, isto é, os problemas cognitivos associados à epilepsia da ausência podem ser mais caracterizados por problemas intrínsecos a condição do que ao distúrbio propriamente dito. Considerações finais

Realizar o acompanhamento de forma multidisciplinar em crianças 111


que apresentam o diagnóstico de epilepsia, é de um grande ganho no desenvolvimento biopsicossocial. Levar em consideração aspectos que precisam do olhar profissional da psicologia e conjuntamente com os demais profissionais, contribuirá para um melhor resultado. Promover a qualidade de vida de cada indivíduo é um dos maiores objetivos a serem alcançados. Para Gomes et al (2013) crianças com quadros “típicos” de epilepsia ausência na infância podem ser tratadas como portadoras de “déficit de atenção” podendo ser encaminhados ao atendimento neurológico com queixa de “baixo rendimento na escola”. Este equívoco leva a um diagnóstico e intervenção tardia, podendo contribuir para maiores danos e sequelas à essas crianças. Pedro passava rigorosamente com os profissionais especializados da área de neurologia e já fazia uso de medicações desde os seus cinco anos. Mesmo assim, teve problemas de baixo rendimento escolar, porém, com a intervenção no tempo certo, pode proporcionar de um melhor estilo de vida acadêmica. Pôde-se perceber e analisar a diferença do quadro inicial do Pedro ao final do tratamento. Uma criança com os recursos egoicos mais fortalecidos, assim como, uma melhor organização e com a autoestima elevada, pois as notas das provas melhoraram, assim como a sua letra ficou com uma melhor compreensão, não saindo das linhas e mais organizada para a leitura. Contudo, para que se possa usufruir de um bom desempenho escolar, são necessários, que tanto os pais, como os professores e os profissionais envolvidos no diagnóstico, juntem-se para proporcionar à criança um ambiente empático, acolhedor e um tratamento adequado para que elas se desenvolvam adequadamente. REFERÊNCIAS - Carvalho, M. M. M. J. (1995). O que é arte-terapia. In M. M. M. J. Carvalho (Org.), A arte cura? Recursos artísticos em psicoterapia (pp. 23-26). Campinas, SP: Editorial Psy II. - Chaix,Y; Laguitton, V; Lauwers-Cancès, V; Daquin, G; Cancès, C; Démonet J.F et al. Reading abilities and cognitive Functions of children with epilepsy: Infuence of epileptic syndrome.Brain Dev.2006;28:122-30. - Costa, C.R.C.M; Maia, H.S; Gomes, M. M. Avaliação Clínica e neuropsicológica da atenção e comorbidade com TDAH nas epilepsias da infância: uma revisão sistemática. J. EpilepsyClin.Neurophysiol.2009;15(2):77-82. - Fonseca, V. Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Rev. psicopedag. vol.31 no.96: São Paulo, 2014.

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