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ISSN 1413-9979

Volume 14 – edição 1

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Sumário

Expediente

2 Avaliações tecnológicas baseadas em evidências para a saúde do Sistema Único de Saúde e de todos

Editorial

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Clínica médica

5

Álvaro Nagib Atallah

Tratamento do hipotiroidismo baseado em evidência Orsine Valente, Flávia de Oliveira Facuri Valente

Cenário atual do uso de próteses ortopédicas – Discussão sobre próteses nacionais versus importadas

Interesse geral

9

João Carlos Belloti

Tratamento das cefaleias baseado em evidências

12

Deusvenir de Souza Carvalho

Tratamento dos distúrbios da voz baseado em evidências

19

Vanessa Pedrosa Vieira, Álvaro Nagib Atallah

Melanoma cutâneo com longo tempo de história clínica. Impacto na conduta e no prognóstico. Relato de caso

Dermatologia

22

Nutrologia POEMs (Patients-Oriented Evidence That Matters)

28

Sílvio Alencar Marques, Marcela Ferreira Santana, Hamilton Ometto Stolf, Luciana Patrícia Fernandes Abbade, Eloísa Bueno Pires de Campos, Mariangela Esther Alencar Marques

Aspartame: afinal, seu uso é seguro ou não? Hernani Pinto de Lemos Júnior, André Luis Alves de Lemos

Açúcar reduz sinais de dor na vacinação de bebês

31

Autores da tradução: Pablo Gonzáles Blasco, Marcelo Rozenfeld Levites, Cauê Mônaco

Avaliação visual não é confiável para estimativa de níveis de bilirrubina em recém-nascidos

32

Autores da tradução: Pablo Gonzáles Blasco, Marcelo Rozenfeld Levites, Cauê Mônaco

O controle do ritmo não é melhor do que o da frequência na fibrilação atrial com insuficiência cardíaca

33

Autores da tradução: Pablo Gonzáles Blasco, Marcelo Rozenfeld Levites, Cauê Mônaco

Controle intensivo da glicemia pode ser prejudicial (ACCORD)

34

Autores da tradução: Pablo Gonzáles Blasco, Marcelo Rozenfeld Levites, Cauê Mônaco

Telefonemas

Linguagens

36

Residência e ensino médico

38

Eletrocardiograma

40

Medicina baseada em evidências

42

Brasil em dados

45

Medicina sexual

47

Heloisa Junqueira Fleury, Carmita Helena Najjar Abdo

52

Instruções aos autores

Alfredo José Mansur

A recertificação do diploma de medicina ou “meu filho estuda no exterior” Olavo Pires de Camargo, Luiz Eugênio Garcez Leme

Infarto de ventrículo direito com certeza Antonio Américo Friedmann, Willy Akira Takata Nishizawa, José Grindler, Carlos Alberto Rodrigues de Oliveira

Aperfeiçoamento em saúde baseada em evidências por teleconferência Cristiane Rufino de Macedo, Rachel Riera, Álvaro Nagib Atallah

Benzodiazepínicos e relaxantes musculares: fatores de risco para fraturas em idosos Paulo Andrade Lotufo

Desejo sexual feminino

Sem Título Boris Arrivabene

Técnica mista, 1,30 x 1,80 cm, 1971/1972. Acervo da Associação Paulista de Medicina

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Expediente

A Revista Diagnóstico & Tratamento (Indexada na base LILACS) é uma publicação trimestral da Associação Paulista de Medicina Editores Álvaro Nagib Atallah Paulo Manuel Pêgo Fernandes Assistente Editorial Marina de Britto Assessora Editorial Rachel Riera Auxiliar Editorial Joyce de Fátima Silva Nakamura Editores Associados Aytan Miranda Sipahi Durval Rosa Borges Edmund Chada Baracat Elcio dos Santos Oliveira Vianna Heráclito Barbosa de Carvalho José Antonio Rocha Gontijo Julio César Rodrigues Pereira Olavo Pires de Camargo Orlando César de Oliveira Barreto Jornalista Científica e Editora Patrícia Logullo (MTb 26.152) Palavra Impressa Editora – Fone (11) 3032-6117 Revisão de Provas Reinaldo Carrera Produção Editorial Zeppelini Editorial Ltda www.zeppelini.com.br zeppelini@zeppelini.com.br – Fone (11) 2978-6686 Tiragem 25.800 exemplares

Conselho Editorial Adauto Castelo Filho (Doenças Infecciosas e Parasitárias) Alberto José da Silva Duarte (Alergia e Imunologia) Antônio José Gonçalves (Cirurgia Geral) Armando da Rocha Nogueira (Clínica Médica/Terapia Intensiva) Artur Beltrame Ribeiro (Clínica Médica) Bruno Carlos Palombini (Pneumologia) Carmita Helena Najjar Abdo (Psiquiatria) Délcio Matos (Coloproctologia/Gastroenterologia Cirúrgica) Eduardo Katchburian (Microscopia Eletrônica) Edmund Chada Baracat (Ginecologia) Enio Buffolo (Cirurgia Cardiovascular) Ernani Geraldo Rolim (Gastroenterologia) Fernando Antonio Patriani Ferraz (Neurocirurgia) Guilherme Carvalhal Ribas (Neurocirurgia) Irineu Tadeu Velasco (Clínica Médica/Emergências) Jair de Jesus Mari (Psiquiatria) João Baptista Gomes dos Santos (Ortopedia)

João Carlos Bellotti (Ortopedia e Traumatologia) Lilian Tereza Lavras Costallat (Reumatologia) Manoel Odorico de Moraes Filho (Oncologia Clínica) Marcelo Zugaib (Obstetrícia/Ginecologia) Marco Antonio Zago (Hematologia) Maurício Mota de Avelar Alchorne (Dermatologia) Milton de Arruda Martins (Clínica Médica) Moacyr Roberto Cuce Nobre (Reumatologia) Nestor Schor (Clínica Médica, Nefrologia) Noedir Antonio Groppo Stolf (Cirurgia) Orsine Valente (Clínica Geral, Endocrinologia e Metabologia) Raul Cutait (Gastroenterologia e Proctologia) Rubens Belfort Mattos Junior (Oftalmologia) Rubens Nelson A. de Assis Reimão (Neurologia) Sérgio Luiz Faria (Radioterapia) Ulysses Fagundes Neto (Gastroenterologia Pediátrica) Ulysses G. Meneghelli (Gastroenterologia)

Cartas e artigos para Associação Paulista de Medicina – Publicações Científicas Av. Brig. Luís Antônio, 278 – 7o andar – São Paulo – SP – Brasil – CEP 01318-901 Tel: (11) 3188-4310 / 3188-4311 – Fax: (11) 3188-4255 Home page: www.apm.org.br/revistas – E-mail: revistas@apm.org.br TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA A revista Diagnóstico & Tratamento não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. A reprodução impressa, eletrônica ou por qualquer outro meio, total ou parcial desta revista só será permitida mediante expressa autorização da APM.

Diretoria executiva da Associação Paulista de Medicina (Triênio 2008-2011) Presidente (Campinas) 1o vice-presidente (São Paulo) 2o vice-presidente (Jaú) 3o vice-presidente (Marília) 4o vice-presidente (Presidente Prudente) Secretário geral (São Paulo) 1o Secretário (Jales) Diretor administrativo (São Paulo) Diretor administrativo adjunto (Ribeirão Preto) 1o diretor de patrimônio e finanças (São Paulo) 2o diretor de patrimônio e finanças (São Paulo) Diretor científico (São Paulo) Diretor científico adjunto (São Paulo) Diretor de defesa profissional (São Bernardo do Campo) Diretor de defesa profissional adjunto (São Paulo) Diretor de comunicações (Piracicaba) Diretor de comunicações adjunto (São Paulo) Diretor de marketing (São Paulo) Diretor de marketing adjunto (Sorocaba) Diretor de eventos (São Paulo) Diretora de eventos adjunta (São Paulo) Diretor de tecnologia da informação (Lins) Diretor de tecnologia de informação adjunto (São Paulo) Direto de previdência e mutualismo (Araçatuba)

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Maria das Graças Souto Nelson Álvares Cruz Filho Antonio Ismar Marçal Menezes Yvonne Capuano Roberto de Mello Ivan de Melo Araújo Guido Arturo Palomba Paulo Tadeu Falanghe Cristião Fernando Rosas José Antonio de Lima Helder de Rizzo da Matta Delcides Zucon Arnaldo Duarte Lourenço Silvana Maria Figueiredo Morandini João Márcio Garcia José Renato dos Santos Luis Fernando Peixe Noé Luiz Mendes de Marchi Regina Maria Volpato Bedone Margarete de Assis Lemos Ademar Anzai Carlos Chadi Luís Eduardo Andreossi Marco Antônio Teixeira Corrêa Antonio Amauri Groppo

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Editorial

Avaliações tecnológicas baseadas em evidências para a saúde do Sistema Único de Saúde e de todos Álvaro Nagib Atallah1

Desde 1982, com o ensino pioneiro de Brian Haynes, vem sendo desenvolvido o ensino, a pesquisa e a extensão da obtenção e aplicação das melhores evidências científicas para tomadas de decisão no Brasil. Em 1996, com a Fundação do Centro Cochrane do Brasil e a criação do Programa de Medicina Interna e Terapêutica na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi possível pós-graduar cerca de 150 mestres e doutores na área, agora denominada Medicina Baseada em Evidências, e foi possível também disponibilizar o acesso da produção científica da Colaboração Cochrane, via Cochrane Library, para toda a população brasileira e da América Latina, com acesso livre e gratuito. Isto foi conseguido com patrocínio da Organização Panamericana da Saúde (Biblioteca Regional de Medicina, Bireme) e, recentemente, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio de iniciativas e colaboração do Centro Cochrane do Brasil. Em 2004 o Ministério da Saúde, por meio do Departamento da Ciência e Tecnologia (DECIT), incorporou a Equipe do Centro Cochrane do Brasil e outros centros de alto nível científico do país, como a Fundação Oswaldo Cruz e universidades brasileiras, no apoio ao processo de obtenção de evidências, via pesquisas clínicas e revisões sistemáticas, para embasamento do processo de tomada de decisão do Ministério da Saúde do Brasil. Mais recentemente, o DECIT, que com sua iniciativa pioneira já vinha propiciando economias bilionárias com os processos de avaliações tecnológicas baseadas em evidências, inovou outra vez e criou a Rede Brasileira de Avaliações Tecnológicas em Saúde, congraçando expertises de todo o país e oferecendo tecnologias e apoio a todas as áreas do território nacional, de diferentes níveis de assistência à saúde. Motivado pelo grande sucesso ético-científico-econômico, e pela inovação de sua experiência pioneira com as colaborações realizadas, o DECIT passou a disponibilizar centenas de milhões de dólares em pesquisas clínicas formatadas para o interesse nacional, o que, além de atender necessidades de conhecimentos novos do Sistema Único de Saúde (SUS), levou a economia de bilhões de reais anuais para o Ministério da Saúde e permitiu o 1

não esfacelamento econômico do SUS. Como todos sabemos, o SUS do Brasil, apesar das falhas conhecidas, tem apoio quase unânime, mas tem poucos recursos se comparado com outros países e é, portanto, muito frágil financeiramente. A economia deveu-se a melhor gestão de demandas de altíssimos custos por novas tecnologias, na maior parte dos casos sem bases científicas que demonstrassem sua eficácia, efetividade e segurança. Aquelas providências geraram um sistema de assistência à saúde mais eficiente e capaz de enfrentar pressões políticos-sociais e judiciais, que na sua maioria não têm fundamento científico. Hoje a nova epidemiologia, por não dizer, epidemia de novas tecnologias em busca de nichos do mercado é muito grande, e podemos afirmar que existem algumas que, sozinhas, seriam capazes de consumir todo o orçamento do SUS planejado para uma década inteira! E felizmente elas surgem às dezenas, quase que mensalmente. Você perguntaria: é feliz ou infelizmente que elas surgem com tanta frequência? Bem, “felizmente”, se tivermos a capacidade de separar aquelas que representam real progresso em relação aos procedimentos habituais nas avaliações tecnológicas das evidências, por suas vantagens. A resposta é “infelizmente”, se formos incapazes ou suficientemente irresponsáveis para aceitá-las de maneira cega e negligente. De forma que todos aqueles, que prezam o uso adequado dos poucos recursos públicos ou privados disponíveis para a saúde do povo brasileiro, devem apoiar um sistema de saúde baseado em evidências para ser utilizado como ferramenta das avaliações clínicas, jurídicas e econômicas. Quando o DECIT cria uma Rede Nacional de Avaliações Tecnológicas em Saúde Baseada em Evidências, esto é motivo de orgulho da classe médica, de profissionais da saúde e de toda a população brasileira. Só para ilustrar com alguns exemplos, o site BRATS (Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde) do Ministério da Saúde mostra que uma revisão sistemática de um produto de utilidade clínica discutível promove uma redução de demandas no orçamento de cerca de 800 milhões de reais por ano há quatro anos, ou seja, já preveniu um impacto orçamentário de cerca de 3 bilhões de reais. Um dos anticorpos monoclonais recomenda-

Médico. Professor titular e chefe da Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Diretor do Centro Cochrane do Brasil e Diretor Científico da Associação Paulista de Medicina (APM). E-mail: atallahmbe@uol.com.br.

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Avaliações tecnológicas baseadas em evidências para a saúde do Sistema Único de Saúde e de todos

dos para psoríase, se não criteriosamente utilizado, poderia implicar em custos de 5 bilhões de reais por semana para tratamento dos 1.000.000 de pacientes portadores dessa doença no país. Neste contexto geral, a judicialização da medicina, ou seja, a determinação judicial de liberação, pelo SUS e pelas Secretarias da Saúde dos Estados brasileiros, de tratamentos cujas evidências de efetividade e segurança são ignoradas pelos juízes que autorizam as prescrições, na intenção de “resolver os problemas”, já tem custo estimado para os cofres públicos de cerca de 1 bilhão de reais por ano.

É, portanto, mais do que necessário, que os cientistas da Saúde e profissionais da justiça brasileira unam esforços em um amplo diálogo, em benefício real da saúde e na preservação de um Sistema de Saúde que é único e que precisa ser aprimorado e, antes disto, salvo! Por isso foi realizado, com sucesso, o 1o Congresso Brasileiro de Medicina Baseada em Evidências e Direito à Saúde, em Brasília, com organização e patrocínio de entidades da justiça e da saúde, o qual permitiu grande compartilhamento de idéias, ideais e perspectivas para um país melhor. As palestras podem ser vistas no site http://centrocochranedobrasil.org.br/.

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Clínica médica

Tratamento do hipotiroidismo baseado em evidência Orsine Valente1 Flávia de Oliveira Facuri Valente2 Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM) e Faculdade de Medicina do ABC

INTRODUÇÃO O hipotiroidismo primário é a disfunção tiroidiana mais frequente, caracterizada pela diminuição dos níveis circulantes de tiroxina (T4) e triiodotironina (T3),1 levando a um aumento da produção de tireotrofina (hormônio tireoestimulante, TSH). Mais raramente, o hipotiroidismo pode ser causado por uma diminuição da produção do TSH pela hipófise ou do TRH (hormônio liberador do TSH) pelo hipotálamo, sendo denominado hipotiroidismo central ou secundário. Nessa situação, as concentrações séricas dos hormônios tiroidianos se encontram diminuídas e a do TSH, diminuída, inapropriadamente normal ou até discretamente elevada devido à secreção de TSH biologicamente inativo.2 A causa mais frequente de hipotiroidismo primário no mundo é a deficiência de iodo. No entanto, em áreas iodosuficientes como na maior parte do Brasil — já que o iodo é suplementado no sal de cozinha — a tireoidite auto-imune (doença de Hashimoto) torna-se a causa mais comum, em que anticorpos antitiroidianos (antitireoperoxidase e antitireoglobulina) levam a uma destruição do tecido tiroidiano. Outra causa comum é a destruição do parênquima tiroidiano pela radioterapia externa para tratamento de câncer de cabeça e pescoço ou iodo radioativo para tratamento de hipertireoidismo. Defeitos na síntese dos hormônios tiroidianos, tireoidectomia total ou parcial e o uso de drogas que interfiram na síntese ou liberação do T3 e T4 pela tiróide — carbonato de lítio, contrastes iodados, tionamidas, amiodarona — também devem ser lembrados como causas possíveis de hipotiroidismo primário. DIAGNÓSTICO DO HIPOTIROIDISMO Os sintomas clínicos do hipotiroidismo são geralmente inespecíficos,3 como fadiga, cansaço, queda de cabelos, constipação intestinal, diminuição de memória, alteração de peso, intolerância ao frio e irregularidade menstrual, entre outros. Sinais sugestivos incluem bradicardia, pele ressecada, unhas que1 2

bradiças, edema não-compressível (mixedema), hiporreflexia, rouquidão, bócio. Dessa forma, a presença de vários desses sinais e sintomas deve levantar a suspeita do hipotiroidismo, cujo diagnóstico deve ser confirmado com a dosagem sérica do T4 livre (T4L) diminuída e do TSH elevada. Em alguns pacientes, o TSH pode estar ligeiramente elevado, enquanto o T4L ainda se encontra normal, condição que caracteriza o hipotiroidismo subclínico e a questão se deve ou não ser tratado será abordada posteriormente (Figura 1). Algumas situações merecem especial atenção ao se analisar o resultado do TSH na avaliação do hipotiroidismo: 1) Quando existe doença hipofisária ou hipotalâmica — nesses casos, o TSH pode não se elevar; 2) Em pacientes hospitalizados com doença sistêmica grave, já que vários fatores podem interferir na dosagem do TSH;4,5 3) Em pacientes recebendo drogas que afetem a secreção do TSH, principalmente dopamina, glicocorticóides, fenitoína e análogos da somatostatina, entre outras. A fim de se evitar tais situações de interferências e/ou erros laboratoriais e situações de hipotiroidismo transitório, como tiroidite subaguda ou outras tiroidites, recomenda-se repetir a dosagem do TSH, juntamente com a do T4L6 após dois meses e assim decidir pela necessidade ou não do tratamento.

TSH sérico e T4 livre

TSH ↑ T4L ↓

TSH ↑ T4L normal

TSH normal T4L ↓

Hipotiroidimo primário

Hipotiroidismo subclínico

Hipotiroidismo central Doença não-tiroidiana Efeito de medicação

TSH normal T4L normal

Normal

TSH = hormônio tireoestimulante ou tireotrofina (valor normal: 0,3- 4,0 mU/L); T4L = tiroxina livre (valor normal: 0,7-1,5 ng/dL).

Figura 1. Avaliação laboratorial do hipotiroidismo.

Professor associado da Disciplina de Medicina de Urgência da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Professor adjunto da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC. Professora colaboradora da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC. Pós-graduanda da disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM) E-mail: flaviafacuri@terra.com.br

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Tratamento do hipotiroidismo baseado em evidência

TRATAMENTO DO HIPOTIROIDISMO O tratamento do hipotiroidismo, em geral, é necessário por toda a vida, a menos que seja transitório, como após uma tiroidite subaguda, ou reversível, induzido pelo uso de uma medicação que possa ser descontinuada. Consiste na administração de levotiroxina sintética via oral, preferencialmente em jejum, pois a administração concomitante à alimentação pode diminuir em até 40% a sua absorção.7 Em situações habituais, aproximadamente 80% da dose ingerida é absorvida no intestino proximal e, devido à sua longa meia-vida de sete dias, a administração única diária resulta em concentrações constantes e estáveis de T3 e T4.8 A dose deve ser estimada em cerca de 1,6 µg/kg de peso (podendo variar de 0,8 µg/kg a 2,0 µg/kg), geralmente sendo necessária uma dose mais elevada nos pacientes com câncer de tiróide tiroidectomizados e com hipotiroidismo central.9 Os valores de T4L se normalizam antes do TSH. O TSH sérico é o melhor parâmetro para monitorar o tratamento do hipotiroidismo. Deve ser reavaliado após três a seis semanas a fim de se ajustar a dose até a obtenção de concentrações normais do TSH, salvo nas situações específicas que serão discutidas posteriormente. A partir daí, deve ser monitorado anualmente.9 O TSH acima dos valores normais indica a necessidade do aumento da dose de levotiroxina e o TSH suprimido indica a necessidade de diminuição da dose. O monitoramento do hipotiroidismo central, no entanto, deve ser feito através da dosagem do T4L e não do TSH. Existem várias apresentações comerciais da levotiroxina no Brasil, de 25 µg a 200 µg, o que permite facilidade no controle preciso da dose necessária. O paciente deve ser orientado a manter a mesma marca de levotiroxina, devido à possibilidade de pequenas variações entre os fabricantes. Pode-se iniciar a reposição de levotiroxina na dose plena nos pacientes mais jovens, porém pacientes idosos devem iniciar com doses menores.10 Após a introdução do tratamento, os pacientes já começam a notar melhora nos sintomas a partir da segunda semana, mas a recuperação completa pode levar meses no hipotiroidismo grave. O tratamento adequado reverte todos os sintomas do hipotiroidismo, exceto em casos de hipotiroidismo por tempo prolongado ou de demora no tratamento do hipotiroidismo congênito, que pode acarretar danos irreversíveis ao sistema nervoso central. Doses acima do normal podem induzir hipertiroidismo subclínico (T4L normal e TSH diminuído) ou mesmo hipertiroidismo clínico. O principal risco nessa situação é a fibrilação atrial, que ocorre três vezes mais frequentemente em pacientes idosos com valores suprimidos do TSH do que em controles eutiroidianos.11 Pacientes com hipertiroidismo subclínico, especialmente mulheres na pós-menopausa, podem ter uma aceleração na perda de massa óssea.12-14 Tratamento do hipotiroidismo em situações especiais Pacientes idosos e aqueles com doença coronariana ou múltiplos fatores de risco exigem um ajuste gradual ao estado eu-

tiroidiano. O hormônio tiroidiano aumenta o consumo de O2 pelo miocárdio, o que se associa a um pequeno risco de induzir arritmias cardíacas, angina pectoris ou infarto agudo do miocárdio em pacientes idosos.10 Os pacientes acima de 50 ou 60 anos devem ser tratados inicialmente com a dose de 50 µg de levotiroxina ao dia. Coronariopatas devem iniciar com 12,5 µg a 25 µg ao dia. Em ambos os grupos, a dose pode ser aumentada em 12,5 µg a 25 µg/dia a cada três a seis semanas até que a reposição seja completa, determinada pela normalização do TSH, ou então pela dose máxima tolerada pelo paciente desde que não apresente sintomas cardíacos, mesmo que o TSH não tenha atingido os valores de referência.10 Tratamento do hipotiroidismo na gestação Durante a gestação há um aumento na necessidade de hormônio tiroidiano e as mulheres com hipotiroidismo são incapazes de compensar essa necessidade com o aumento da produção de T3 e T4. Essa maior demanda se deve ao aumento das concentrações circulantes da proteína ligadora dos hormônios tiroidianos (TBG) induzido pelos estrógenos, ao aumento da depuração do T4, além da passagem de iodo e T4 para o feto. Assim, as concentrações do TSH sérico se elevam no início da gestação na maioria das mulheres com hipotiroidismo, levando à necessidade do aumento da dose de levotiroxina em até 30% a 50%.15-17 Caso o hipotiroidismo clínico seja diagnosticado durante a gestação, os valores dos exames de função tiroidiana devem ser normalizados o mais rapidamente possível até o TSH atingir e se manter abaixo de 2,5 µU/ml no primeiro trimestre e abaixo de 3,0 µU/ml no segundo e terceiro trimestres.18 Os exames de função tiroidiana devem ser repetidos em 30 a 40 dias. Mulheres com tiroidite autoimune que se encontrem em eutiroidismo no início da gestação têm um risco maior de desenvolver hipotiroidismo e devem ser monitoradas quanto à elevação do TSH acima dos limites normais. Em gestantes, o hipotiroidismo subclínico se associou a desfechos adversos tanto para a mãe quanto para o feto. Por isso, recomenda-se tratar o hipotiroidismo subclínico durante o período gestacional.18 Após o parto, a maioria das mulheres com hipotiroidismo necessita de uma diminuição da dose de levotiroxina, geralmente retornando às doses utilizadas antes da gravidez.19 Pacientes cirúrgicos Vários estudos investigaram a segurança de anestesia geral e cirurgia em pacientes com hipotiroidismo.20-22 Surpreendentemente, foram relatados poucos efeitos adversos, embora os pacientes com hipotiroidismo tivessem uma maior frequência de íleo paralítico peri e pós-operatório, hipotensão, hiponatremia e disfunção de sistema nervoso central do que os eutiroideos. Eles também apresentaram menos febre durante infecções graves e maior sensibilidade à anestesia e aos analgésicos opioides.20,21 Por isso, não se deve postergar uma cirurgia de urgência em pacientes hipotiroideos, mas deve-se estar preparado para as

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possíveis complicações mencionadas. Por outro lado, é prudente adiar a cirurgia até se atingir o eutiroidismo caso o hipotiroidismo seja diagnosticado durante avaliação pré-operatória. Hipotiroidismo subclínico O hipotiroidismo subclínico (HSC) é uma situação comum, especialmente entre as mulheres conforme o avançar da idade.23 O tratamento pode ser indicado para prevenir a progressão para o hipotiroidismo clínico, especialmente nos pacientes com concentrações séricas do TSH acima de 10 mUI/L e altas concentrações séricas de anticorpos antitiroidianos. O tratamento também pode ser indicado em pacientes com vários sintomas sugestivos de hipotiroidismo, bócio, depressão,23 dislipidemia24 e em mulheres que planejam engravidar ou com infertilidade (Figura 2). Revisão sistemática e metanálise recente realizada no Centro Cochrane do Brasil por Villar e colaboradores,25 sobre a reposição do hormônio tiroidiano nos indivíduos com HSC, chegou às seguintes conclusões: 1) No momento, não há evidências de que a reposição da levotiroxina em pacientes sintomáticos ou assintomáticos com HSC resulte em melhora da sobrevida. Entretanto, não podemos descartar o possível benefício do seu uso em pacientes sintomáticos. 2) Os resultados da revisão sugerem que a reposição de levotiroxina melhora o perfil lipídico do paciente com HSC, com redução dos níveis séricos do colesterol total e LDL (lipoproteína de baixa densidade) colesterol. 3) O uso de levotiroxina baseado no julgamento clínico individual é a melhor maneira de se decidir a favor do tratamento ou do acompanhamento clínico. O médico deve praticar a medicina individualizando cada caso e aplicar a melhor evidência disponível no momento, somado ao seu conhecimento e experiência para a tomada de decisão. Caso o tratamento seja iniciado, é imperioso o monitoramento cuidadoso para se evitar possíveis efeitos adversos de tirotoxicose subclínica. Câncer da tiróide O crescimento do câncer diferenciado da tiróide (CDT) é diretamente estimulado pelo TSH. Desta forma, a terapia com levotiroxina após a tiroidectomia total deve ter como objetivos o controle do hipotiroidismo e a supressão dos níveis de TSH abaixo dos valores normais. Uma metanálise recente demonstrou a eficácia da supressão do TSH na prevenção da recidiva do CDT.26,27 No entanto, deve-se atentar à prevenção dos efeitos colaterais do hipertiroidismo subclínico e suas consequências nesses pacientes. Recomenda-se a supressão inicial do TSH abaixo de 0,1 mU/L para os pacientes de alto risco e/ou com doença persitente, enquanto que a manutenção do TSH no limite inferior do normal ou ligeiramente abaixo (0.1–0.5 mU/L) é indicada para pacientes de baixo risco.28 Nos pacientes de muito baixo risco livres de doença, os níveis de TSH podem ser mantidos entre 0,3 e 2,0 mU/L.

TSH↑ T4 livre normal

7

TSH↑ T4 livre ↓

Hipotiroidismo subclínico

Hipotiroidismo clínico

- Repetir TSH - Colesterol e frações - Ac anti TPO

Terapia com levotiroxina

Ac anti –TPO* positivo

Ac anti –TPO negativo

TSH ≥ 10 mU/l

Presença de: sintomas, bócio, LDL-col ↑, gravidez ou disfunção ovulatória com infertilidade

Terapia com levotiroxina

TSH > 4 mU/l < 10 mU/l

Ausência de: sintomas, bócio, LDL-col ↑, gravidez ou disfunção ovulatória com infertilidade

Acompanhamento anual com medida do TSH e T 4 livre ou terapia com levotiroxina

*Ac anti-TPO: anticorpo antiperoxidase tiroidiana; TSH = hormônio tireoestimulante ou tireotrofina (valor normal: 0,3- 4,0 mU/l); T4 livre = tiroxina livre (valor normal: 0,7-1,5 ng/dl); LDL-col = fração do colesterol de lipoproteína de baixa densidade.

Figura 2. Tratamento do hipotiroidismo.

INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Orsine Valente Av Moema, 265 — 3o andar — conjunto 33/34 Moema – São Paulo (SP) CEP 04077-020 Tel. (11) 5051-1904/5052-2670 E-mail: orsine.ops@terra.com.br Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado

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Tratamento do hipotiroidismo baseado em evidência

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RESUMO DIDÁTICO

1. 2. 3. 4.

O hipotiroidismo primário é a disfunção tiroidiana mais frequente. A tiroidite de Hashimoto é a causa mais comum de hipotiroidismo primário na maior parte do Brasil. Amiodarona e carbonato de lítio podem ser causa de hipotiroidismo. O hipotiroidismo subclínico é caracterizado por T4 (tiroxina) livre normal e TSH (hormônio tireoestimulante) elevado. 5. O TSH (hormônio tireoestimulante) sérico é o melhor exame para diagnosticar e monitorar o hipotireoidismo primário. 6. O monitoramento do hipotireoidismo central ou secundário deve ser feito através da dosagem de T4 (tiroxina) livre e não do TSH (hormônio tireoestimulante). 7. As necessidades de levotiroxina aumentam de 30% a 50% durante o período gestacional nas mulheres com hipotireoidismo.

Diagn Tratamento. 2009;14(1):5-8.

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