Gentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga Gigante

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O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga Gigante Gentil, o iconoclasta Professor do Departamento de Matemática da UFRR (gentil.iconoclasta@gmail.com ◮ https://goo.gl/DVWQxz) 27 de julho de 2019 O meu pensamento quis aproximar-se dos problemas do espı́rito pela via de uma diversa experimentação de caráter abstrato, especulativo, resultante das conclusões de processos lógicos da mais moderna fı́sico-matemática. (Pietro Ubaldi) Resumo O postulado cristão de que o Universo é sustentado por um “Deus de amor Todo Poderoso” não tem mais validade lógica do que uma antiga lenda hindu de que o mundo se apoiava sobre quatro elefantes e estes sobre o dorso de uma tartaruga gigante − é tão ridı́culo quanto! (Ver Epicuro, p. 2; ver ref. [2]) Neste artigo estamos propondo para a sustentabilidade do Universo uma solução “resultante das conclusões de processos lógicos da mais moderna fı́sico-matemática.”

1

Introdução

[. . .] Se tudo tem de ter uma causa, então Deus deve ter uma causa. Se pode haver alguma coisa sem uma causa, pode muito bem ser tanto o mundo como Deus, de modo que não pode haver qualquer validade em tal argumento. Este, é exatamente da mesma natureza que o ponto de vista hindu, de que o mundo se apoiava sobre um elefante e o elefante sobre uma tartaruga, e quando alguém perguntava: “E a tartaruga?” , o indiano respondia: “Que tal se mudássemos de assunto?”. O argumento, na verdade, não é melhor que este. (Bertrand Russel/Porque Não Sou Cristão)

1


1.1

Um desafio insolúvel na teologia clássica

Se nos ‘demonstrassem’ esse Deus dos cristãos, ainda acreditarı́amos menos nele. (Nietzsche) O problema com a concepção cristã de Deus − “pessoal e Todo Poderoso”− é que ela não satisfaz aos intrépidos treinados na arte do raciocı́nio. Por exemplo, um problema que desafia a todos os pusilânimes doutores teólogos cristãos há mais de 2000 anos foi colocado pelo célebre filósofo Epicuro, aqui vamos condensá-lo em um quadro, como a seguir:

Paradoxo de Epicuro (341 a.C. - 270 a.C./Grécia) Ou Deus quer suprimir o mal e não pode; ou Deus pode suprimir o mal e não quer. No primeiro caso Deus é impotente; no segundo caso Deus não é amor.

Veja o livro: “Doze provas da inexistência de Deus” de Sébastien Faure. O mundo, segundo nos dizem, foi criado por um Deus não só bom, como onipotente. Antes de ele haver criado o mundo, previu toda dor e toda miséria que o mesmo iria conter. É ele, pois, responsável por tudo isso. É inútil argumentar-se que o sofrimento, no mundo, é devido ao pecado. Em primeiro lugar, isso não é verdade: não é o pecado que faz com que os rios transbordem ou que os vulcões entrem em erupção. Mas, mesmo que fosse verdade, isso não faria diferença. Se eu fosse gerar uma criança sabendo que essa criança iria ser um homicida manı́aco, eu seria responsável pelos seus crimes. Se Deus sabia de antemão os pecados de que cada homem seria culpado, Ele foi claramente responsável por todas as conseqüências de tais pecados, ao resolver criar o homem. (Bertrand Russel/Porque Não Sou Cristão)

2


2

Vazio × Tartaruga com superpoderes

× Sabe-se hoje que não existe nenhuma tartaruga sustentando a Terra, esta sustenta-se no nada, no vazio. Ora, nossa proposta é bem simples, elementar: É este mesmo nada, vazio, zero, que sustenta todo o Universo. Claro que nossa proposta envolve um grau de abstração muito superior à lenda hindu-cristã, não obstante, na seção 3 estaremos provando matematicamente a plausibilidade de nossa tese. Mas antes vamos listar uma série de pensadores tanto orientais quanto ocidentais que advogam esta mesma tese.

2.1

Respaldo da fı́sica moderna

Metaforicamente, como eu sugeri, podemos pensar o vácuo como um vasto mar; e tudo quanto existe − as estrelas, a Terra, as árvores, nós e as partı́culas de que somos feitos −, como ondas nesse mar. Os fı́sicos denominam tais “ondas” − nós e tudo quanto existe − “excitações” ou “flutuações” do vácuo. (Danah Zohar/[3], p. 284)

3


Tomemos então um espaço sem matéria, “vazio”. A fı́sica quântica mostra que, mesmo neste caso, flutuações de energia existem. O nada tem uma energia associada. Sendo assim, partı́culas podem surgir dessas flutuações, matéria brotando do nada. Em 1948, H. Casimir, um fı́sico holandês, propôs que as flutuações do vácuo provocariam uma força atrativa entre duas placas metálicas. O efeito foi confirmado: por incrı́vel que pareça, a energia do nada foi medida recentemente no laboratório. É sempre bom lembrar que o vazio está cheio de energia. (grifo nosso) (Marcelo Gleiser/Fı́sico) Na Super Interessante de fevereiro de 2011 saiu uma reportagem com tı́tulo: É possı́vel criar matéria a partir do nada. Cientistas descobrem como extrair partı́culas do vazio − sem depender de nenhuma matéria-prima da natureza. Nada se cria, tudo se transforma. Essa lei da fı́sica pode estar sendo ultrapassada por um grupo de pesquisadores da Universidade de Michigan, que diz ter descoberto um meio de gerar matéria a partir do vácuo − popularmente conhecido como “nada”. Isso seria possı́vel porque, na verdade, o que nós chamamos de nada não é um vazio absoluto. Está cheio de partı́culas de matéria e antimatéria, que se anulam mutuamente. A novidade é que os pesquisadores descobriram um jeito de separá-las [. . .] Ainda: Se quisermos procurar “Deus” na fı́sica, o vácuo é o melhor lugar onde fazê-lo. Enquanto estado básico subjacente de tudo que existe, o vácuo tem todas as caracterı́sticas do Deus imanente ou da divindade de que falam os mı́sticos, o Deus interior, o Deus que cria e descobre a Si mesmo por meio da existência em desdobramento de Sua criação. (Danah Zohar/[3], p. 286)

É importante assinalar que a noção de que o Nada, ou o Vazio, é fonte de energia − e de energia inesgotável − está perfeitamente de acordo com o esquema básico de pensamento inerente à mecânica quântica. A idéia de que há infinitos estados de energia negativa e positiva, e sobretudo a especulação de que um estado neutro de energia (o vazio), mediante uma flutuação quântica decorrente da instabilidade do vazio, do princı́pio de indeterminação de Heisenberg, pode dar nascimento a uma grande onda de energia positiva e outra negativa (cuja soma seja zero), é uma cogitação que hoje tem sido seriamente considerada pelos fı́sicos teóricos mais representativos da atualidade (Stephen Hawking, Roger Penrouse, Alan Guth, Paul Davies, John Gribbin, Heinz Pagels e muitos outros). A hipótese de que o Universo surgiu do Nada, a partir de uma simples oscilação ou perturbação do vazio, foi pela primeira vez sugerida pelo fı́sico americano Tryon em 1969. ([5], p. 164)

4


2.1.1

O Não Ser da filosofia

É um tema milenar e recorrente da filosofia a questão do “Não Ser” e como o “Não Ser” se relaciona com este mundo. A esse respeito o fı́sico, matemático, filósofo e professor Wolfgang Smith

em seu livro O Enigma Quântico se manifesta assim: Ele constitui, se quisermos, o cı́rculo negro dentro do campo branco, a potência residual que se recusa a ser apagada. Isso nos traz de volta ao que assinalei no capı́tulo 5: a indeterminação representa “a face yin da moeda”. Menciono de passagem que esta face yin, em que pese seu caráter de “inexistente”, desempenha um papel crucial no funcionamento do universo, desde o comportamento de objetos inanimados até o de organismos vivos e até, ao que parece, o de civilizações. (Wolfgang Smith/O Enigma Quântico, p. 89/imagem nossa)

Colocamos em destaque a afirmação do cientista de que o “inexistente”, desempenha um papel crucial no funcionamento do universo; Na seção 3 estaremos construindo um modelo matemático de um universo que se sustenta no ‘nada’, no ‘vazio’, no “inexistente”!

2.2

Respaldo de pensadores orientais

− Segundo entendemos, Buda não era burro, sabia do que estava falando: Ele [Buda] chamou o supremo de nada, de vazio, suniata, zero. Ora, como o ego pode fazer do “zero” um objetivo? Deus pode ser transformado num objetivo, mas não o zero. Quem quer ser um zero? Pois é exatamente isso que tememos ser; todo mundo está evitando todas as possibilidades de se tornar um zero, e Buda fez dele uma expressão para o supremo! (Osho/Buda, p. 138/Cultrix)

5


− Segundo entendemos, Lao Tsé não era burro, sabia do que estava falando: Nas profundezas do Insondável Jaz o Ser. Antes que céu e terra existissem, Já era o Ser Imóvel, sem forma, O Vácuo, o Nada, berço de todos os Possı́veis. Para além de palavra e pensamento Está Tao, origem sem nome nem forma, A Grandeza, a Fonte eternamente borbulhante, O ciclo do Ser e do Existir.

(Lao Tsé/Tao Te Ching)

− Segundo entendemos, o filósofo não era burro, sabia do que estava falando: Somente o Absoluto é único. Desse Absoluto nada podemos dizer, a não ser que constitui a totalidade das possibilidades de existência; um puro Nada e, por isso, fundamento de todo o Ser. [. . .] Não é uma pessoa, mas o próprio infinito [. . .] (Marcelo Malheiros/[5], p. 178) − Segundo entendemos, o matemático Charles Sanders Peirce não era burro, sabia do que estava falando: Charles Sanders Peirce (Cambridge, 10 de setembro de 1839 — Milford 19 de abril de 1914), foi um filósofo, cientista e matemático americano. Filho do matemático, fı́sico e astrônomo Benjamin Peirce, Charles, sob influência paterna, formou-se na Universidade de Harvard em fı́sica e matemática, conquistando também o diploma de quı́mico na Lawrence Scientific School. O livro “O Conceito de Continuidade em Charles S. Peirce∗ ” trata de lógica e filosofia da matemática. Apresenta uma seção sobre cosmogonia que a mim surpreendeu pelo fato de um lógico, filosófo e matemático puro também colocar o Vazio (Nada) como fundamento do Universo. Destacarei alguns pontos. ∗

Por António Machado Rosa. Fundação Calouste Gulbenkian (Fundação para a Ciência e a Tecnologia)/Dezembro de 2003

6


O Nada Inicial

(p. 290)

Um dos objectivos das cosmologias é a origem do universo, a qual, no entanto, fica usualmente inexplicada. O princı́pio de continuidade obriga a ir para além dessa origem: obriga a compreender a passagem da não existência à existência. “Existência” designa aqui o nosso universo actual e as reações materiais entre os objectos que o compõe. Deve-se ir para lá dessa existência e conjecturar um processo evolutivo anterior à própria origem. Resulta daı́ que a cosmologia peirceana é também uma cosmologia do universo anteriormente à sua existência. [. . . ] Há, pois, um processo evolutivo anterior à existência. Globalmente, Peirce distingue nele dois momentos: um “nada caótico” e um nada ainda mais primitivo que esse nada caótico. É nesse Nada primitivo que devemos começar por nos concentrar. O Nada primitivo é um estado em que “o universo não existia”, um “absoluto nada”. Contudo, esse Nada absoluto tem propriedades notáveis na medida em que a totalidade do nosso universo actual já se encontra nele em germe; com efeito, ele representa a totalidade das possibilidades. Antecipa-se pois que será o contı́nuo que encontraremos no Nada. Mais, vamos ver que ele é uma forma de unir lógica e continuidade. − Segundo entendemos, mestres do zen budismo não são burros, sabem do que estão falando: Um mestre diz que aquele que falar de Deus através de qualquer semelhança, fala de modo simplório Dele. Mas falar de Deus através do ‘Nada’; é falar dele corretamente. Quando a alma unificada entra na total auto-abnegação, encontra Deus como um Nada. (Zen budismo) Ou será que todos estes espı́ritos ao colocarem o ‘Nada’ como sustentáculo do Universo são medı́ocres e somente os pastores, padres e teólogos cristãos são os inteligentes ao colocarem uma “tartaruga envernizada” como fundamento do Universo?

× É bem verdade que imaginar uma Terra − “pesada como ela é! ” − sustentada no Nada envolve um grau de abstração infinitamente superior ao de uma Terra sustentada por elefantes, e estes por tartarugas . . . mas assim é!, o que podemos fazer?

7


3

Um universo matemático sustentado no vazio

Para escrever esta seção − fundamentá-la matematicamente − antes tivemos que escrever o artigo “A MÉTRICA QUÂNTICA”. ([1]) Nota: Prevenimos o leitor de que não é necessário conhecimentos de matemática para a compreensão da filosofia desta seção, um pouco de disposição e boa vontade já são suficientes. De nossa parte faremos todo o esforço necessário para torná-la a mais didática possı́vel. Outrossim, não estamos aqui para falar de matemática, apenas utilizaremos a “filosofia da matemática” com o seguinte objetivo: O meu pensamento quis aproximar-se dos problemas do espı́rito pela via de uma diversa experimentação de caráter abstrato, especulativo, resultante das conclusões de processos lógicos da mais moderna fı́sico-matemática. (Pietro Ubaldi)

3.1

O universo quântico

Inicialmente afirmamos que o universo quântico, por nós construı́do, é multidimensional, isto é, existe em qualquer dimensão n. No entanto, iniciaremos com o caso mais simples n = 1, em uma dimensão. O universo quântico em uma dimensão consta do seguinte par

( ] 0, 1],

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

)

0

Ou seja, consta do intervalo numérico 1 4

1 2

p

0

3 4

p

p

1

] 0, 1 ]

De outro modo: 0,25 0

p

p

0,1

0,2

p

0,75

p

p

p

p

p

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

8

p

p

p

0,8

0,9

1

] 0, 1 ]


e da régua quântica:

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

- Régua quântica (ou não euclidiana)

Qu^ antica

Usual

A régua vendida em nossas livrarias, régua usual, pode ser denominada de régua euclidiana. Na figura a seguir colocamos as duas réguas lado a lado para efeitos de comparação, veja:

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

Observe que a régua quântica coincide com a régua usual só até a metade, a partir daı́ as duas diferem radicalmente. Então, o que acontece; a régua usual é o instrumento de trabalho do pedreiro, do carpinteiro, do engenheiro civil, etc.; já o matemático e o fı́sico necessitam de outras réguas em seus trabalhos, ou de outros instrumentos de medida. Acrescente-se ademais, que no mundo em que vivemos podemos destacar duas realidades, uma a do mundo macro (este do dia a dia) e outra a do mundo micro, do átomo, das partı́culas subatômicas; cada realidade com seu funcionamento e conjunto de leis próprias; as do mundo subatômico não raro em conflito com as do mundo macro e, amiúde, contradizendo-as. Algumas destas esquisitices quânticas∗ podem ser captadas por nossa régua quântica, como veremos.

Por exemplo, a de que um elétron pode estar em vários lugares ao mesmo tempo; ou a de que um elétron pode mover-se do ponto A para o ponto B sem nunca passar entre esses pontos.

9


Como nosso primeiro exemplo de esquisitice quântica, na figura a seguir assinalamos três pontos no intervalo numérico ] 0, 1 ] :

0

0

0,1

A

B

t

t

0, 2

0, 4

q1

0,4

0,5

0,2

0,3

C

t 1

0, 6

2

0,4

0,3

0,2

0,1

0

Esta régua nos fornece diretamente a distância de um ponto qualquer do intervalo ] 0, 1 ] à extremidade direita do intervalo. Então: dA = 0, 2 , dB = 0, 4

e

dC = 0, 4

Resumindo, contrariamente ao que a régua usual nos diria, a régua quântica nos diz que o ponto A é o mais próximo da extremidade direita do intervalo, e, como se não bastasse, que os pontos B e C estão a uma mesma distância da extremidade direita do intervalo . . . Pasmém! Ainda bem que os filósofos existem para as vezes nos trazer algum conforto: Quando o espı́rito se apresenta à cultura cientı́fica, nunca é jovem. Aliás é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder à ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação que contradiz o passado. (Gaston Bachelard/grifo nosso)

Tudo isso, que à primeira vista parece excesso de irrazão, na verdade é o efeito da finura e da extensão do espı́rito humano e o método para encontrar verdades até então desconhecidas. (Voltaire)

Provaremos que, desta vez, o eminente filósofo está coberto de razão!

10


O quadrado quântico Como dissemos, o universo quântico existe em qualquer dimensão, em duas (n = 2) temos

1

1

0

0,1

0,2

x = (x1 , x2 )

0,3

s

0,4

0,5

y = (y1 , y2 )

0,4

s

0,3

0,2

0,1

0

0

0

1

0

1 0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

As esquisitices quânticas ocorrem em qualquer dimensão, por exemplo na figura a seguir 0

P = (1, 1)

1

0,1

0,2

0,3

B

0,4

0,5

0,4

0,3

A

0,2

0,1

0

0 0

1 0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

podemos provar que o ponto A está mais próximo do vértice superior direito do quadrado, ponto P , que o ponto B. Mais precisamente a distância de B é o dobro da distância de A D(B, P ) = 2 D(A, P )

11


Tornando a régua quântica menos indigesta Dissemos que a régua quântica mede a distância, para a extremidade direita, de qualquer ponto do intervalo ] 0, 1 ]. O leitor poderá “digerir” melhor o funcionamento desta régua se imaginar que ela produz uma curvatura no espaço, digo, no intervalo ] 0, 1 ]. Imagine este intervalo feito de arame flexı́vel, curve-o segundo um cı́rculo, assim: 1 0

1 0

sA 1 4

p

p

3 4

p

1 4

p

3 4

s

p1

C

2

p

1 2

s B

Na figura da direita assinalamos os pontos A, B e C que comparecem na figura da página 10. Confirmando: dA = 0, 2 < 0, 4 = dB = dC . Nota: A rigor a métrica quântica não curva o intervalo unitário. Vejamos uma analogia: Ao redor de um imã existe um campo magnético que “curva o espaço” em sua volta. A presença do campo altera a geometria − ou métrica − da região em volta do imã. Porém, o próprio imã não é curvado. De igual modo, a presença da métrica k no universo ] 0, 1 ] é responsável pela “geometria” da estrutura ] 0, 1 ], k , que é curva. Podemos buscar uma outra analogia para o espaço quântico na teoria da relatividade geral de Einstein: segundo essa teoria o espaço é uma estrutura cujas propriedades dependem da presença da matéria. Matéria e energia em movimento curvam o espaço-tempo. Essa deformação muitas vezes é comparada a que ocorre em uma rede esticada quando nela se deposita uma esfera maciça e pesada. De modo análogo, como veremos oportunamente, a extremidade “1” do intervalo ] 0, 1 ] é que faz o papel da massa e é responsável pela curvatura do espaço topológico ] 0, 1 ], k . 0

q1 2

ր1 “massa”

12


Um objeto em vários lugares ao mesmo tempo Um livro que trata inclusive de fı́sica quântica∗ afirma que uma partı́cula pode encontrar-se em muitos lugares ao mesmo tempo, veja: O que a teoria quântica revelou é tão espantoso que mais parece ficção cientı́fica: as partı́culas podem estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. (Uma experiência muito recente mostrou que uma partı́cula pode estar em até 3 mil lugares!) O mesmo “objeto” pode aparentar ser uma partı́cula, localizada em um lugar determinado, ou uma onda, espalhada pelo espaço e pelo tempo. (p. 55) Podemos provar que um objeto − mais precisamente, um ponto geométrico − pode encontrar-se em um número arbitrário de lugares ao mesmo tempo. Podemos concluir: se isso é possı́vel para um ponto geométrico, que é sem dimensão, com mais razão ainda podemos esperar que seja possı́vel para uma partı́cula quântica. Necessitaremos de uma definição: Diremos que um objeto p (um ponto) encontra-se em uma região R contida em um universo† , se e só se sua distância para essa região for nula. De posse desta definição podemos provar que um ponto geométrico, no quadrado quântico, pode encontrar-se em quatro lugares ao mesmo tempo. Com efeito, consideremos no quadrado da esquerda 1

1

s

s R4

R3

R1

R2

2 3

] 0, 1 ] 2 1 3

0

1

0

1 3

2 3

1

o vértice superior direito. Podemos provar que esse vértice encontra-se nas quatro regiões em destaque na figura da direita. Ou ainda, a distância deste vértice a uma qualquer destas regiões é nula.

∗ Quem somo nós? − A descoberta das infinitas possibilidades de alterar a realidade diária. William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente; tradução de Doralice Lima. Rio de Janeiro: Prestı́gio Editorial, 2007. † Para os nossos propósitos será suficiente considerar como universo o hipercubo ] 0, 1 ] n . Ou seja o cubo unitário em qualquer dimensão: Intervalo, quadrado, cubo, etc.

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Um fenômeno bizarro No nosso universo quântico podemos simular um outro bizarro fenômeno da fı́sica quântica, qual seja: “Elétrons que se movem de A para B sem nunca passar entre esses pontos.” Um ponto quântico pode transitar entre duas regiões sem passar pelos pontos intermédios.∗ Em termos intuitivos, o que estamos afirmando é que dados dois pontos quaisquer no conjunto a seguir, como, por exemplo os pontos A e B s 0

A

s 2 3

1 3

B

1

podemos uni-los por um traço contı́nuo, sem abandonar o conjunto. De outro modo: sentando a ponta de um lápis no primeiro ponto, A, podemos atingir o segundo ponto, B, sem levantar a ponta do lápis e sem sair do conjunto. A

B

s 0

s 1 3

2 3

1

Esse fenômeno ocorre em qualquer dimensão, por exemplo, no quadrado quântico: Dados dois pontos quaisquer na figura ao lado − como A e B, por exemplo − sentando a ponta de um lápis no primeiro ponto podemos unı́-los por um traço contı́nuo, sem levantar a ponta do lápis e sem abandonar a figura, constituida pelos quatro retângulos. Ou ainda: podemos mover o ponto A pelas quatro regiões da figura sem que ele passe pelos interstı́cios.

1

s Bs

A s 0

1

Estamos considerando como um ponto quântico um ponto do intervalo unitário, do quadrado (ou hipercubo) quântico.

14


4

O universo quântico pode ser visto como esférico

Observe que no universo quântico não apenas simulamos alguns fenômenos da fı́sica quântica como ainda podemos vê-lo como sendo esférico. Vimos que em função da régua quântica o universo unidimensional pode ser visto na forma circular: 1 P 0

0,1

0,2

0,3

1 0

B

0,4

sA

p

1 4

p

3 4

0,5

0,4

0,3

s C

p

1 2

s B

A

0,2

0,1

0

0 0

1 0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

Ademais, vimos que o ponto A está mais próximo do vértice superior direito do quadrado, ponto P , que o ponto B. Isto decorre de que o quadrado quântico é curvo (esférico). Trata-se de uma questão de referencial; olhando o quadrado quântico através do nosso “software mental” (cérebro) ele é um quadrado; olhando-o através do “software métrica” ele é esférico. Por exemplo, na caixa a seguir temos um único pernilongo visto de dois referenciais distintos, o de Einstein (“software mental de Einstein”) e o de um robô com uma lupa com zoom. Um animal não vê (decodifica) o mundo da mesma forma que nós humanos, têm um software (cérebro) distinto do nosso. (Caixa)

Pernilongo Pernilongo

15


4.1

O postulado áureo

Animais compartilhando um mesmo ambiente que o homem decodificam (interpretam) este ambiente de modo distinto de nós humanos. Papagaios Psicodélicos: Temos três receptores de cor nos olhos (para verde, azul e vermelho). Então essas três são as nossas cores primárias − e a combinação entre elas cria as cores do nosso mundo. Os papagaios (e outras espécies de aves, peixes e répteis) têm quatro receptores: os nossos mais um dedicado ao ultravioleta. A combinação desses quatro cria um mundo estupidamente mais colorido que o nosso − um mundo tão difı́cil de imaginar quanto uma realidade com quatro dimensões, em vez das três que agente conhece. (Super Interessante/out. 2012)

O Postulado Áureo é o tı́tulo de um artigo ([12]) que escrevemos: Tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, é desprovido de natureza inerente própria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais seja conhecido. Objetos percebidos, ou entidades observáveis, existem em relação às faculdades sensoriais ou sistemas de medição pelos quais são detectados − não de modo independente no mundo objetivo. A origem deste postulado encontra-se na referência [10]. O enunciado a seguir pode ser visto como um primeiro corolário do postulado áureo. Todos os fenômenos [tanto perceptı́veis quanto conceituais] podem ser postulados como existentes apenas em relação a uma estrutura cognitiva de referência. ([10], p. 97 ) Toda esta argumentação tem como objetivo deixar claro que a forma “quadrado” do quadrado quântico é uma construção da nossa estrutura cognitiva de referência (mente, cérebro), ela não existe de modo independente no mundo objetivo.. Por outro lado, a forma esférica do mesmo quadrado quântico é uma consequência da equação que originou a régua quântica. Por oportuno, esta k(x, y) = min |x − y|, 1 − |x − y| Um papagaio poderia não ver no quadrado quântico a forma quadrada, mas, supondo que ele praticasse matemática, veria a forma esférica, decorrente da régua quântica (fórmula acima). 16


5

Conclusão Concluo anunciando a possibilidade do não ser mediante a inferência de que este não é e não se manifesta como julgávamos, aspecto que não implica uma existência, mas explicita outra compreensão ontológica. Tal esforço se concentra no fato de que objetos não existentes podem assumir propriedades e isso não os fazem ser ou assumir um Ser. Desse modo, (o) nada se coloca como uma entidade soberana por sua própria negatividade, sendo sua propriedade basilar uma nãopropriedade, ou seja, seu “Ser” (apreensão paradoxal) se manifesta somente enquanto não ser/não sendo.∗

É um tema milenar e recorrente da filosofia a questão do “Não Ser” e como o “Não Ser” se relaciona com este mundo. A esse respeito veja o que o fı́sico, matemático, filósofo e professor Wolfgang Smith afirma. (p. 5) Pois bem, no presente artigo exibimos um universo

( ] 0, 1],

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

ou melhor uma famı́lia de universos

( ] 0, 1]n ,

0

0,1

0,2

)

0,1

0

(n = 1, 2, 3, . . .)

0,2

0,3

0,4

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

n)

que se sustentam no vazio, no Não Ser. Em nossa metáfora, veja o que estamos chamando de Ser e Não-ser 0

p

p

p

p

p

p

p

p

p

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

Não - Ser (Vazio, Nada)

1

Ser

REFLEXÕES SOBRE O NADA E O NÃO SER/Samuel Gonçalves Garrido/Monografia/Departamento de Filosofia da Universidade de Brası́lia.

17


Se tentarmos colocar “algo” (o Ser) no vazio de nosso universo quântico, o que acontece? 0

p

p

p

p

p

p

p

p

p

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

• (Tornando o n~ ao-ser em ser)

1

Ser

se tentarmos substituir o não-ser pelo ser, isto é, colocar o ser no vazio − tornar o nada um ser − então pode ser provado que todo o universo quântico colapsa, deixa de existir, afunda sob o peso da confusão, do caos, do irracional. Ora, mas é precisamente isto o que faz a teologia clássica 0

p

p

p

p

p

p

p

p

p

0,1

0,2

0,3

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(Quando o n~ ao-ser torna-se um ser)

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Ser

ao fazer do não-ser um ser − em função de necessidades e aspirações humanas − a teologia cristã desaba sob o peso do ilógico, do irracional, do caos. Estamos nos referindo aos que pensam, que raciocinam; para a massa cristã tanto faz como tanto fez, é irrelevante. (Ver Epicuro, p. 2) O mundo em que vivemos pode ser compreendido como resultado de uma trapalhada e de um acidente; mas, se resultou de um propósito deliberado, tal propósito deve ter partido de um demônio. De minha parte, acho o acidente uma hipótese menos penosa e mais plausı́vel. ([7], p. 58)

Este livro é a prova de que substituir o não ser pelo ser resulta em caos, confusão e irracionalidade.

“Há séculos que a humanidade se inspira num Deus sem filosofia. É tempo já de que ela se inspire numa filosofia sem Deus.” (Sébastien Faure) − Isto é o que estamos propondo no presente artigo.

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Ao ‘Nada’ apenas acrescentamos a Consciência A ciência descobriu que o Nada possui energia (ver p. 4), apenas acrescentamos ao Nada a Consciencia Pura (“um buraco no papel”). Existe uma citação de um mestre oriental que desde a primeira vez que a li me veio a intuição (sentimento) de que a mesma encerra uma alta densidade de ensinamentos não triviais. Ei-la: Ao centro da consciência não pode ser dado nome nem forma, porque ele é sem qualidade e além da consciência. Você pode dizer que ele é um ponto na consciência, o qual está alem da consciência. Como um buraco no papel está em ambos no papel e ao mesmo tempo não no papel, assim é o supremo estado, no próprio centro da consciência, e ainda assim além da consciência. Ele é como uma abertura na mente através da qual ela é inundada de luz. A abertura não é nem mesmo a luz. É somente uma abertura. Do ponto de vista da mente ela é nada mais que uma abertura para a luz da consciência entrar no espaço do mental. Por si mesma a luz pode somente ser comparada a uma sólida, densa, pétrea, homogênea e imutável massa de puro estado de alerta, livre dos padrões mentais de nome e forma. O supremo dá existência à mente. A mente dá existência ao corpo. (Livro: Eu Sou Aquilo/Sri Nisargadatta Maharaj)

Vejamos se uma analogia ajuda a entender “Como um buraco no papel está em ambos no papel e ao mesmo tempo não no papel ”: 0

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Buraco no papel (Não Ser)

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Ser

É este buraco (ausência), o centro da Consciência, o responsável pela existência do universo quântico, o qual é uma metáfora para o nosso universo. Lembramos o que é o supremo para Buda: Ele [Buda] chamou o supremo de nada, de vazio, suniata, zero. Ora, como o ego pode fazer do “zero” um objetivo? Deus pode ser transformado num objetivo, mas não o zero. Quem quer ser um zero? Pois é exatamente isso que tememos ser; todo mundo está evitando todas as possibilidades de se tornar um zero, e Buda fez dele uma expressão para o supremo! (Osho/Buda, p. 138/Cultrix) Nota: Ao “centro da consciência”, denominamos de Consciência Pura, não é matéria nem energia, portanto não pode ser detectada por nenhum instrumento cientı́fico, no entanto pode ser experienciada via meditação profunda. 19


Referências [1] Silva, Gentil Lopes. A Métrica Quântica. Artigo − Publicação eletrônica, 2019. [2] Faure, Sebastien. Doze provas da inexistência de Deus. http://ateus.net/artigos/critica/doze-provas-da-inexistencia-de-deus/ [3] Zohar, Danah. Sociedade quântica: a promessa revolucionária de uma liberdade verdadeira. Tradução de Luiz A. de Araújo. Rio de Janeiro: BestSeller, 2006. [4] Marques, Tomás: O Absoluto Vazio e o Vazio do Absoluto. Artigo, Publicação Eletrônica. [5] Galvez, Marcelo Malheiros. A Potência do Nada: O Vazio Incondicionado e a Infinitude do Ser. Brası́lia: Editora Teosófica, 1999. [6] Quem somo nós? − A descoberta das infinitas possibilidades de alterar a realidade diária. William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente; tradução de Doralice Lima. Rio de Janeiro: Prestı́gio Editorial, 2007. c [7] Russel, Bertrand. Porque Não Sou Cristão. 1957. Publicação Eletrônica. Tradução: Brenno Silveira. Livraria Exposição c do Livro 1972. [8] Vı́deo: Deus, a não mente! https://www.youtube.com/watch?v=jOSeaCKOE2U [9] Vı́deo: El Vacio y la No Mente https://www.youtube.com/watch?v=XtEkgTezB1k [10] Wallace, B. Alan. Dimensões escondidas: a unificação de fı́sica e consciência; tradução de Lúcia Brito. São Paulo: Peirópolis, 2009. [11] Jomar Moraes / Adriano Sambugaro. O ponto zero. Super Interessante. Outubro de 2002 http://super.abril.com.br/saude/ponto-zero-443417.shtml [12] Silva, Gentil Lopes. O Postulado Áureo. Artigo − Publicação eletrônica, 2018.

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