Gentil Lopes - Artigo DOIS ERROS GRAVES COMETIDOS PELOS MATEMÁTICOS

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Dois Erros Graves Cometidos Pelos Matemáticos Gentil, o iconoclasta∗ 15 de dezembro de 2018 A matemática está longe de ser estática e perfeita; ela está constantemente evoluindo, mudando a todo instante e plasmando-se em novas formas. Novos conceitos continuamente transformam a matemática e criam novos campos, novos pontos de vista, novas ênfases e novas questões para serem respondidas. (Gregory Chaitin/Metamat!)

Resumo Este artigo tem por objetivo apontar − e corrigir − dois erros graves cometidos pelos matemáticos há séculos. Este é o que podemos denominar de um artigo acachapante.

Introdução: No nosso entendimento existem dois equı́vocos que vêm sendo cometidos pelos matemáticos há séculos, quais sejam: 1o ) Ambiguidades nas Representações Decimais; 2o ) Representações decimais de números reais são números reais. Nota: No Google e no YouTube o leitor encontrará dezenas e dezenas de artigos e vı́deos sobre estes temas. Por exemplo, digite 0, 999 . . . = 1 Em se tratando de um tema delicado, “abstrato”, estaremos deliberadamente escrevendo um longo e detalhado artigo, para que “qualquer criança do Ensino Fundamental” entenda onde reside o erro crasso dos matemáticos − já que os próprios se recusam a enxergar. Ou não se coloca vinho novo em odres velhos?. Nota: Este artigo foi escrito para a palestra anunciada a seguir. ∗

gentil.iconoclasta@gmail.com / Mestre em matemática / Professor do Departamento de Matemática da UFRR. (65 páginas)/Download: www.goo.gl/DVWQxz

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CICLO DE PALESTRAS DO DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA DA UFRR 2018 TÍTULO: DOIS ERROS GRAVES COMETIDOS PELOS MATEMÁTICOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA CICLO DE PALESTRAS 2018 Prof. Me. Gentil, o iconoclasta

Resumo: Existem dois erros de interpretação que os matemáticos vêm cometendo há séculos, quais sejam: 1 o ) Ambiguidades nas Representações Decimais; 2 o ) Representações Decimais são números reais. No livro “Meu Professor de Matemática” (5 a Edição) o Prof. Elon Lages Lima trata das representações decimais. O leitor Sun Hsien Ming lhe dirige a seguinte pergunta: “O fato de a mesma fração ordinária poder ter duas representações decimais distintas, por exemplo 2 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . . 5 não apresenta inconveniente nem origina paradoxos?” Vamos argumentar no sentido de provar por que a resposta do Prof. Elon está errada. Ademais, uma outra “igualdade” que o Prof. Elon, e (quase) todos os outros matemáticos, não entenderam é esta 0, 999 . . . = 1 Sugestão: Não perca esta palestra a final de contas não é todo século que se tem a oportunidade de apontar dois erros gravı́ssimos (de matemática elementar) cometidos pelos matemáticos − de todo o mundo. Local: UFRR/Auditório do CCT/Anexo Bloco 5 Data e horário: 29/11/2018 às 15hs Contato: gentil.iconoclasta@gmail.com


Adendo: As origens deste artigo As origens deste artigo remontam há cerca de 15 anos atrás. Na ocasião eu estudava a construção da Curva de Peano (Ver p. 50 deste pdf) 1

0

2 3

p

1 2

χ

1 3

A Curva de Peano pertence a um ramo da matemática conhecido como Topologia e tem aplicações em compressão de imagens digitais.

s

p

s

p

1

0

p

p

1 3

2 3

1

pelo livro de Espaços Métricos do Prof. Elon Lages Lima, no qual se ler: “a representação decimal de um número real x ∈ [ 0, 1 ] é única, exceto por ambigüidades do tipo 0, 47999 . . . = 0, 48000 . . . ” (p. 231) Para contornar as supostas ambiguidades o Prof. Elon lança mão de alguns artifı́cios, como por exemplo, o conjunto de Cantor e a representação de um número em base 3; pois bem, achei que a referida construção poderia ser consideravelmente simplificada se as supostas ambiguidades não existissem, fossem apenas um mito. Na época consegui formular alguns argumentos contra as ambiguidades, cheguei até a trocar alguns email´s com um matemático do IMPA (Gugu/ver p. 62) colega do Prof. Elon. Meus argumentos de 15 anos atrás não foram suficientemente claros para me fazer entender. Deixei de lado a questão (neste ı́nterim escrevi alguns livros, em um deles de fato consegui simplificar a construção da Curva de Peano, e fui mais longe), mais recentemente retomei os argumentos contra as ambiguidades e agora consegui lapidar a pedra outrora bruta, transformando-a em um diamante cristalino (este artigo), agora creio que “qualquer criança do Ensino Fundamental” é capaz de entender meus argumentos. Ademais, tive a oportunidade de constatar que alguns matemáticos (falo de doutores) chegam até a desdenhar do tema representações decimais por tratar-se de “matemática elementar”, isto não é digno de suas atenções, seria perda de tempo. Farei três observações. Primeira: eles têm razão trata-se de matemática elementar, contudo, esquecem que esta “matemática elementar” reverbera em áreas importantes da matemática, como a Topologia, por exemplo. Segunda: mesmo doutores tropeçam nesta “matemática elementar”, como estaremos provando neste artigo. A terceira observação fundamenta-se nesta citação: É possı́vel que os mitos matemáticos sejam fonte do que Bachelard chama de “obstáculos epistemológicos”, pois aqueles, na sua condição de “verdades” matemáticas consolidadas, seriam obstáculos para o surgimento de outras verdades (interpretações) que as substituam. ([2]) Os dois erros graves objeto deste artigo são exemplos de mitos matemáticos que “são obstáculos para o surgimento de outras verdades (interpretações) que as substituam.” − Ver Gregory Chaitin, p. 1. 3


1

Gênios também cometem erros elementares Dissemos que (quase) todos os matemáticos não entenderam a equação

0, 999 . . . = 1 Parece mentira. Para atenuar um possı́vel cepticismo do leitor − quanto ao tı́tulo desta secção − afirmamos que isto já aconteceu pelo ao menos uma vez na história da matemática. Com efeito, não foram poucos os gênios da matemática que sucumbiram, intelectualmente falando, frente à seguinte “equação elementar”

(−1) · (−1) = 1 Dentre eles, destacamos: − Leonhard Euler (1707-1783);

− Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855); − René Descartes (1596-1650);

− Pierre Simon Laplace (1749-1827); − Pierre Fermat (1601-1665);

− Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716); − Isaac Newton (1643-1727).

Apenas para citar alguns dos mais eminentes. Reiteramos, nenhum destes matemáticos entendeu a equação acima − entendeu significa provou. Processar sı́mbolos não é o mesmo que processar significado Veja bem, o fato de que eventualmente um aluno do ensino fundamental saiba que (−1) · (−1) = 1 isto não significa que ele compreenda o porquê deste produto. Dizemos que ele foi apenas programado para isto, tipo: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”, etc. Uma “simples” calculadora como a HP Prime também “sabe” que (−1) · (−1) = 1, perguntamos, ela entende isto?. De igual modo a grande maioria de estudantes foi apenas programada para lidar com a matemática, a efetiva compreensão não é maior que a da calculadora. O cérebro humano é programável.

4


Foi precisamente a possibilidade de dar diversas interpretações aos números negativos que fez com que eles fossem aceitos aos poucos na coletividade matemática. Porém, desde seu aparecimento, esses números suscitaram dúvidas quanto à sua legitimidade. Em 1543 Stieffel ainda os chamava de números absurdos, e Cardano, contemporâneo de Stieffel, denominava-os soluções falsas de uma equação. ([5]) Descartes (1596 -1650) chamava de falsas as raı́zes negativas de uma equação; Viete (1540 -1603) era mais radical: simplesmente rejeitava os negativos − bem como D’Alembert (1767-1783). Em um livro clássico da matemática “O Que é Matemática?” (Richard Courant & Herbert Robbins)/Rio de janeiro: Editora Ciência Moderna., 2000. Lemos: (p. 65/Grifo nosso) Por exemplo, a regra (3)

(−1) (−1) = 1,

definida para a multiplicação de inteiros negativos, é uma conseqüência do nosso desejo de preservar a lei distributiva a (b + c) = a b + a c. Por que se tivéssemos determinado que (−1) (−1) = −1, então, ao definirmos a = −1, b = 1, c = −1, deverı́amos ter tido −1 (1 − 1) = −1 − 1 = −2, enquanto que, por outro lado, temos efetivamente, −1 (1 − 1) = −1 · 0 = 0. Os matemáticos levaram muito tempo para compreender que a “regra de sinais” (3), juntamente com todas as outras definições que se referem aos inteiros negativos e frações não pode ser “provada”. Elas são criadas por nós para alcançarmos liberdade nas operações, preservando ao mesmo tempo as leis fundamentais da aritmética. O que pode − e deve − ser provado é apenas que, com base nestas definições, as leis comutativa, associatiava e distributiva da Aritmética são preservadas. Inclusive o grande Euler lançou mão de um raciocı́nio absolutamente não convincente para demonstrar que (−1) (−1) “deve” ser igual a +1. Isto porque, argumentava ele, deve ser +1 ou −1, e não pode ser −1, uma vez que −1 = (+1) (−1). O malabarismo apresentado por Euler para justificar a regra de sinais demonstra que ele não tinha ainda conhecimentos suficientes para esclarecer convincentemente os pontos obscuros apresentados pelas regras de sinais. Na mesma obra, segundo Glaeser (1981), Euler concebe o número negativo como sendo uma letra precedida com o sinal − (menos). Euler não consegue estabelecer uma ideia para a formação do conceito de número negativo, nem muito menos concebê-los como sendo quantidades menores que zero. ([5]) 5


1.1

Explicitando melhor o erro de Euler

O argumento já admite como conhecido que (+1) (−1) = −1, ok. Euler argumenta “Mas como (+1) (−1) vale −1, não resta mais como única possibilidade que (−1) × (−1) = +1”. Ou seja, Euler afirma que não se pode ter simultaneamente (+1) (−1) = −1

e

(−1) × (−1) = −1

o que é um erro assaz pueril uma vez que uma operação sobre um conjunto E é uma aplicação (função) f: E×E → E e não é obrigatoriamente injetiva. Por exemplo, seja E = { −1, 1 } e a operação ∗ : E × E → E, dada por a ∗ b = ab Por exemplo, temos (+1) ∗ (−1) = (−1) (+1) = −1

1.2

e

(−1) ∗ (−1) = (−1) (−1) = −1

Como se resolveu um impasse de 1600 anos?

Depois de 16 séculos de lutas inglórias na tentativa de se compreender os números negativos e, em particular (−1) · (−1) = 1, a questão começou a se iluminar pela contribuição majoritária de dois matemáticos Hermann Hankel (1839-1873) e George Peacock (1791-1858). Peacock inicialmente admite a possibilidade de que tenhamos (−1) · (−1) = −1 se fosse este o caso vejamos no que daria: substituindo a = −1, b = 1, c = −1 em a · (b + c) = ab + ac, temos −1 · 1 + (−1) = −1 · 1 + (−1) · (−1) Vamos substituir −1 · 1 = −1, logo

(1 elemento neutro)

−1 · 1 + (−1) = −1 + (−1) = −2 Por outro lado, temos efetivamente

−1 · 1 + (−1) = −1 · 0 = 0 6


Numa análise apressada poderiamos concluir que o argumento estabelece a seguinte contradição: 0 = −2 e que, portanto, a hipótese inicial (−1) · (−1) = −1 só pode ser falsa, logo estaria provado que: (−1) · (−1) = 1. Na verdade não é isto o que acontece∗ , o que na realidade foi provado é Se a · (b + c) = ab + ac e (−1) · (−1) = −1 então 0 = −2 O contrapositivo deste teorema é Se 0 6= −2 então a · (b + c) 6= ab + ac ou (−1) · (−1) 6= −1 Certamente 0 6= −2, mas não existe nada, logicamente falando, que nos obrigue a escolher entre a · (b + c) 6= ab + ac ou (−1) · (−1) 6= −1 No perı́odo compreendido entre Diofanto e Hankel, muitos matemáticos se propuseram a construir uma demonstração para a regra de sinais pautada em exemplos práticos. Porém, Hankel em 1867, demonstra que a única das regras possı́veis é aquela que preserva a distributividade à esquerda e à direita, isso porque ele aborda a ideia de número relativo numa outra dimensão, que não aquela procurada na natureza. Hankel, diferentemente de Laplace, que acreditava na existência de uma explicação para a multiplicação dos relativos na natureza, aborda a questão numa outra dimensão, os números não são descobertos, são imaginados e a regra de sinais é pura invenção da mente humana, uma convenção. ([5]) Nota: Diofanto de Alexandria, matemático Grego nascido entre 201 e 214. Temos, 1867 − 214 = 1653 anos de tentativas para se provar (−1) (−1) = 1. Observem a fundamental mudança de perspectiva: “Os números não são descobertos − como acreditava Laplace, e muitos outros −, são invenções humanas”. “Levou muito tempo para que os matemáticos percebessem que a ‘regra dos sinais’, junto com todas as outras definições governando os inteiros negativos e frações não podem ser ‘provadas’ ” (Hermann Hankel). Sugestão: O vı́deo História da Matemática para Professores 16 - Números negativos e Complexos https://www.youtube.com/watch?v=xjG2Z5XgS4o exibe uma tosca tentativa de provar que (−1) · (−1) = 1, efetuada pelo matemático Jean-Robert Argand (1768-1822). Hoje a “prova” de Argand pode ser enviada para a lixeira − não tem nenhum valor matemático. Nota: A quem interessar possa, na referência [5] damos outros detalhes sobre este tema, inclusive citando a bibliografia consultada. ∗

Lembre-se que à época de Peacock os inteiros ainda não existiam, isto é, não possuiam legitimidade matemática − Ou ainda, não haviam sido construidos, operava-se com eles de modo informal, intuitivamente, sem o necessário rigor.

7


2

Meu Professor de Matemática

No livro “Meu Professor de Matemática” (5 a Edição) o Prof. Elon Lages Lima, trata das representações decimais. Na página 162, consta:

7. Dúvidas sobre dı́zimas A transformação de frações ordinárias em decimais, dando origem ao fenômeno curioso das chamadas dı́zimas perı́odicas, é sem dúvida um assunto que provoca questões, suscita controvérsias e gera problemas. Alguns colegas têm escrito com perguntas sobre o assunto. Duas das mais interessantes entre essas perguntas foram feitas por Sun Hsien Ming, de São Paulo, SP. Elas são: 1 a ) Existe alguma fração ordinária tal que, dividindo-se o numerador pelo denominador, obtenha-se a dı́zima periódica 0, 999 . . .? 2 a ) O fato de a mesma fração ordinária poder ter duas representações decimais distintas (como 2/5 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . .) não apresenta inconveniente nem origina paradoxos? De momento vamos considerar a segunda pergunta acima. Vamos nos ater ao seguinte trecho da resposta do professor Elon: (p. 164) “Seria bom que a correspondência entre números racionais e frações decimais periódicas (dı́zimas) fosse biunı́voca. Mas não é. Caso insistamos muito em ter sua biunivocidade, vamos ter que fazer um sacrifı́cio para obtê-la. Um sacrifı́cio possı́vel seria abster-se de considerar decimais ‘exatas’, substituindo sempre todas as frações do tipo 5, 183 por 5, 182999 . . . (por exemplo). O outro seria excluir as dı́zimas que terminam com uma fileira de noves, substituindo-as sempre pela decimal exata obtida suprimindo os nove e somando 1 ao último algarismo que os precede; isto corresponderia a escrever sempre 0, 7 em vez de 0, 6999 . . . Nenhuma dessas escolhas é muito natural. Por isso me parece mais razoável que nos resignemos com a falta de biunivocidade. Há coisas piores no mundo.” Segundo entendemos, há um equı́voco por parte do professor Elon, na verdade não existe falta de biunivocidade, pelo contrário, existe excesso − como provaremos. Mas não apenas isto . . . “Nenhuma dessas escolhas é muito natural.” Ao contrário, mostraremos que qualquer uma das escolhas é muito natural, e deve ser feita. 8


Cuidado! . . . na matemática nem sempre uma “igualdade” é de fato uma igualdade Antes façamos mais um interregno necessário. Vamos exemplificar no sentido de mostrar que devemos ter muito cuidado ao interpretar certas “igualdades matemáticas”. Vejamos três exemplos: 1 o ) Frações equivalentes. Há muitos anos atrás corrigimos o gabarito de uma prova de cursinho. A questão era: x Problema: Encontrar a fração tal que a soma do numerador com o y denomindor seja 16 e o produto seja 48. Solução:

 x+y x·y

= 16 = 48

Alternativas: a) → d)

5 11

3 13

b)

1 3

e) NRA

c)

7 9

1 A resposta dada pelo gabarito foi a letra d). Acontece que a fração 3 não satisfaz ao enunciado da questão, isto é, o sistema acima. 4 , veja: A resposta correta é dada pela fração 12 4 1 x = = y 12 3 Resumindo, frações equivalentes não são frações iguais! 2 o ) Um resultado bizarro. Na secção 10 demonstramos a seguinte igualdade (p. 43)

0, 999 . . . =

9 9 9 + 2 + 3 + ··· = 0 10 10 10

3 o ) Ademais, pode ser provado que 0, 4999 . . . =

(p. 43)

4 9 9 + 2 + 3 + ··· = 0 10 10 10 9


Não raro, na matemática uma “igualdade” não é uma igualdade absoluta, mas relativa, isto é, deve ser interpretada dentro de um certo contexto. Ou ainda: é o contexto que legitima a igualdade. É precisamente o que acontece com a “igualdade” 0, 999 . . . = 1 ou com a dupla “igualdade”: 2 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . . 5 A nossa tese, reiteramos, é que os matemáticos não estão sabendo interpretar adequadamente estas “igualdades”. A dupla igualdade acima é um exemplo do que os matemáticos denominam de “ambiguidades nas representações decimais ”. Pra começar, há um sentido em que esta dupla igualdade é verdadeira e há um sentido em que ela é falsa. Ela é verdadeira no sentido de convergência de séries, assim: 2 4 0 0 0 3 9 9 9 = + 2 + 3 + 4 + ··· = + 2 + 3 + 4 + ··· 5 10 10 10 10 10 10 10 10 Ela é falsa no sentido de representações decimais (como veremos). Fui programado para detectar fissura nas estruturas. (o iconoclasta)

No livro A Matemática do Ensino Médio (Vol. 1) edição, página 67, o professor Elon escreve: “Uma expressão decimal é um sı́mbolo da forma 9a

α = a0 , a1 a2 . . . an . . . , onde a0 é um número inteiro ≥ 0 e a1 , a2 , . . . , an , . . . , são dı́gitos, isto é, números inteiros tais que 0 ≤ an ≤ 9. Para cada n ∈ N, tem-se um dı́gito an , chamado o n-ésimo digito da expressão decimal de α. O número natural a0 chama-se parte inteira de α. Exemplo 1. α = 13, 42800 . . ., β = 25, 121212 . . ., π = 3, 14159265 . . . são expressões decimais.”

10


Resumindo: uma expressão decimal é uma sequência, dada assim: α = a0 , a1 a2 . . . an . . . Por exemplo, vamos obter a representação decimal do número real

47 200

α=

Isto é, vamos obter a sequência denotada por

.a1 a2 a3 . . . o ponto antes dos ai ’ s é para lembrar que estaremos considerando apenas a representação decimal de números do intervalo [ 0, 1 [ − a parte inteira é 0. Para que “qualquer criança do Ensino Fundamental” entenda onde reside o erro dos matemáticos faremos um tratamento geométrico das representações decimais. Primeiramente vamos situar α geometricamente no intervalo unitário: α t 0

1

Para obter o primeiro termo da sequência, a1 , dividamos o intervalo unitário em dez partes iguais, assim:

a1 →

0 p

0

1 p 1 10

2

α

p s 2 10

3

4

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

p

3 10

4 10

5 10

6 10

7 10

8 10

9 10

1

Os subintervalos em sucessivas divisões a serem efetuadas serão sempre numerados de 0 a 9, como acima. Como na primeira divisão α caiu no subintervalo de número 2 este é o valor de a1 , portanto, até o momento, podemos escrever

47 200

= .2 a2 a3 . . .

Vamos dividir o (sub)intervalo ao qual α pertence novamente em dez partes iguais, assim:

11


a1 = 2 →

0

1

p

2

p

0

p s 2 10

1 10

0

1

p

2 10

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

p

4 10

5 10

6 10

7 10

8 10

9 10

3

p s

1 10

4

3 10

2

α

p

0

3

α

4

5

6

7

1

8

9

p

p

p

p

p

p

p

3 10

4 10

5 10

6 10

7 10

8 10

9 10

1

Vamos aplicar um zoom nesta figura, assim:

a2 →

0 p

p

0

a2 →

1

p s 2 10

1 10

0

2

α

1

3

4

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

p

3 10

4 10

5 10

6 10

7 10

8 10

9 10

2

3

4

α

s p

p

p

p

p

20 100

21 100

22 100

23 100

24 100

5

6

7

8

1

9

p

p

p

p

p

p

25 100

26 100

27 100

28 100

29 100

30 100

Como na segunda divisão α caiu no subintervalo de número 3 este é o valor de a2 , portanto, até o momento, podemos escrever 47 = .2 3 a3 . . . 200 Dividamos novamente em dez partes o subintervalo ao qual α pertence

0

1

2

3

p

p

p

p

20 100

21 100

22 100

23 100

4

α

s p 24 100

12

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

25 100

26 100

27 100

28 100

29 100

30 100


Vamos aplicar um zoom nesta figura, assim:

a3 →

0

1

2

3 αs

p

p

p

p

20 100

21 100

22 100

23 100

a3 →

0

1

2

4

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

p

24 100

25 100

26 100

27 100

28 100

29 100

30 100

3

4

p

p

p

p

p

α pt

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

235 1000

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000

Como se vê, α caiu exatamente em uma das divisões, qual o valor de a3 ?: 47 = .2 3 a3 . . . 200 Atenção!: Precisamente neste ponto surge o que os matemáticos acreditam ser uma “ambiguidade”, mas não é assim, como veremos. Prosseguindo, temos duas alternativas a considerar: ou consideramos α fazendo parte do extremo esquerdo do subintervalo 5, ou consideramos α fazendo parte do extremo direito do subintervalo 4, assim: − Primeira alternativa: Devemos abrir o extremo direito e fechar o extremo esquerdo de cada subintervalo, veja: a3 →

0

1

2

3

4

p

p

p

p

p

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

5 α

6

7

8

9

ps

p

p

p

p

p

235 1000

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000

−→

a3 →

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

235 1000

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000

t α

Nesta alternativa teremos 47 47 47 = .2 3 a3 . . . ⇒ = .2 3 5 . . . ⇒ = .2 3 5 0 0 0 . . . 200 200 200 13


− Segunda alternativa: Devemos abrir o extremo esquerdo e fechar o extremo direito de cada subintervalo, veja:

a3 →

0

1

2

3

4

p

p

p

p

p

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

5 αs

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

235 1000

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000

−→

a3 →

0

1

2

3

4

p

p

p

p

p

α pt

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

235 1000

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000

Nesta alternativa teremos 47 47 47 = .2 3 a3 . . . ⇒ = .2 3 4 . . . ⇒ = .2 3 4 9 9 9 . . . 200 200 200 Resumindo, trata-se de uma escolha, uma vez feita a escolha, como deve ser feita, as supostas ambiguidades desaparecem! Não existem! 2 5

47 200

= 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . . (Sun Hsien Ming) .4000 . . .

.235000 . . .

2 5

.234999 . . .

.3999 . . .

O Asno de Buridan é um paO asno de Buridan radoxo (paródia) em filosofia sobre o conceito de livre arbı́trio. O Asno decidiu tomar apenas decisões estritamente racionais. Como estava exatamente à mesma distância de dois montes de feno idênticos, ele não tinha justificativa racional para escolher entre os dois . . . morreu de fome. Exatamente como o asno de Buridan procedem os matemáticos que defendem as ambiguidades nas representações decimais: “Nenhuma dessas escolhas é muito natural. Por isso me parece mais razoável que nos resignemos com a falta de biunivocidade. Há coisas piores no mundo.” 14


Nota: Oportunamente veremos de uma outra perspectiva por que a escolha deve obrigatoriamente ser feita − as “ambiguidades” conduzem a contradições. Preferimos chamar as representações decimais de números reais de codificação de números reais, é algo análogo à codificação de um caracter do teclado do computador (ou celular). Neste caso temos muitas alternativas para codificar um caracter, escolhendo uma não existem “ambiguidades”. De outro modo: dentre 28 = 256 alternativas para se codificar um caracter, os fabricantes de computador fixaram (concordaram em) uma delas, sendo assim onde fica a “ambiguidade”? − o mesmo deveria ser feito pelos matemáticos!

É possı́vel que os mitos matemáticos sejam fonte do que Bachelard chama de “obstáculos epistemológicos”, pois aqueles, na sua condição de “verdades” matemáticas consolidadas, seriam obstáculos para o surgimento de outras verdades (interpretações) que as substituam. O conceito de “ruptura epistemológica” também foi introduzido por Bachelard. Faz-se necessária uma análise mais aprofundada desses conceitos. Os mitos matemáticos, então, são mitos no interior da própria matemática e fazem parte do conhecimento matemático sistematizado. ([2]) Nota: Citamos como exemplos de mitos matemáticos os dois erros graves tratados neste artigo, por exemplo: 2 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . . 5 e 0, 999 . . . = 1 Enfatizamos: É possı́vel que os mitos matemáticos sejam fonte do que Bachelard chama de “obstáculos epistemológicos”, pois aqueles, na sua condição de “verdades” matemáticas consolidadas, seriam obstáculos para o surgimento de outras verdades (interpretações) que as substituam. 15


Tabela de Códigos (ASCII) Caracter

Código

Caracter

Código

<

00111100

A

01000001

>

00111110

B

01000010

!

00100001

C

01000011

P

11100100

D

00100100

#

00100011

E

01000101

$

00100100

F

01000110

%

00100101

G

01000111

&

00100110

H

01001000

(

00101000

I

01001001

)

00101001

J

01001010

00101010

K

01001011

[

01011011

L

01001100

]

01011101

M

01001101

+

00101011

N

01001110

00101101

O

01001111

/

00101111

P

01010000

0

00110000

Q

01010001

1

00110001

R

01010010

2

00110010

S

01010011

3

00110011

T

01010100

4

00110100

U

01010101

5

00110101

V

01010110

6

00110110

W

01010111

7

00110111

X

01011000

8

00111000

Y

01011001

9

00111001

Z

01011010 28 = 256

O código alfanumérico mais comumente usado em sistemas de microcomputador é o AMERICAN STANDARD Code for Information Interchange (Código Americano Padrão para Troca de Informações) Por exemplo, segundo este código, temos A = 01000001,

9 = 00111001,

P

= 11100100

Nota: Obviamente que estas “igualdades” não são absolutas, devem ser interpretadas dentro de um contexto. Enfatizamos: De modo análogo os números reais são codificados por sequências decimais. 16


3

O Professor Djairo Guedes corrobora nossa tese

Em seu livro Análise I (2 a Edição) o professor Djairo trata das representações decimais.

Inicialmente ele considera o conjunto

(p. 41)

{ 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }∞ = D de todas as decimais. Em seguida define a função f : D → R,

dada por

∞ X an f (.a1 a2 a3 . . .) = 10n n=1

Em seguida observa que f está bem definida mas que não é injetiva, pois f .a1 . . . aj−1 (aj − 1) 9 9 . . . = f (.a1 . . . aj 0 0 . . .) Por exemplo, considerando

2/5 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . . temos f (0, 3999 . . .) = f (0, 4000 . . .) = pois

2 5

f (0, 3999 . . .) =

9 9 9 2 3 + 2 + 3 + 4 + ··· = 10 10 10 10 5

f (0, 4000 . . .) =

4 0 0 0 2 + 2 + 3 + 4 + ··· = 10 10 10 10 5

e

Adendo: Na página 42 do seu livro Análise I o Prof. Djairo escreve: “De modo mais rigoroso, podemos proceder assim. Uma decimal é uma função f : N → { 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }” Ou seja, segundo o Prof. Djairo, “de modo mais rigoroso” uma decimal é uma sequência. Para o propósito que temos em mente isto é muito importante! − Esta definição coincide com a do Prof. Elon, p. 10. 17


Mais à frente o professor Djairo escreve:

(p. 42)

“Se definirmos D∗ como o subconjunto de D formado por decimais que não têm todos os elementos iguais a 9, a partir de uma certa ordem, então a função f , definida acima, restrita a D∗ é injetiva. Mostraremos agora que f é sobre [ 0, 1 [ e, portanto, temos a seguinte correspondência biunı́voca” D∗ ↔ [ 0, 1 [ .a1 a2 . . . ↔

∞ X an n 10 n=1

Considerando nossos dois exemplos vistos

47 200

ւ .235000 . . .

2 5

.234999 . . . X

.4000 . . .

ւ

.3999 . . .

X

− O Professor Djairo escolheu as representações indicadas pelas setas Lembrando a resposta do Prof. Elon à pergunta de Sun Hsien Ming: “Seria bom que a correspondência entre números racionais e frações decimais periódicas (dı́zimas) fosse biunı́voca. Mas não é. Caso insistamos muito em ter sua biunivocidade, vamos ter que fazer um sacrifı́cio para obtê-la. Um sacrifı́cio possı́vel seria abster-se de considerar decimais ‘exatas’, substituindo sempre todas as frações do tipo 5, 183 por 5, 182999 . . . (por exemplo). O outro seria excluir as dı́zimas que terminam com uma fileira de noves, substituindo-as sempre pela decimal exata obtida suprimindo os nove e somando 1 ao último algarismo que os precede; isto corresponderia a escrever sempre 0, 7 em vez de 0, 6999 . . . Nenhuma dessas escolhas é muito natural. Por isso me parece mais razoável que nos resignemos com a falta de biunivocidade. Há coisas piores no mundo.” O que o professor Djairo fez acima foi fazer “naturalmente” uma escolha, como o Prof. Elon afirma: “Nenhuma dessas escolhas é muito natural.” ? Ainda destacamos mais dois erros na resposta do Prof. Elon, veja: “Por isso me parece mais razoável que nos resignemos com a falta de biunivocidade. Há coisas piores no mundo.”

18


1 o ) Não existe “falta de biunivocidade”, pelo contrário, existe “excesso de biunivocidade”, posto que existem duas aplicações biúnivocas. Com efeito, existe a escolhida pelo Prof. Djairo, ou seja: f : D∗ → [ 0, 1 [ .a1 a2 . . . →

∞ X an n 10 n=1

Em conformidade com a primeira das alternativas da página 13

a3 →

0

1

2

3

4

p

p

p

p

p

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

5 α

6

7

8

9

ps

p

p

p

p

p

235 1000

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000

−→

a3 →

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

235 1000

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000

t α

e existe esta outra: f˜: D̃ → ] 0, 1 ] ∞ X an .a1 a2 . . . → n 10 n=1

(O asno de Buridan)

onde D̃ é o subconjunto de D = { 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }∞ formado por decimais que não têm todos os elementos iguais a 0, a partir de uma certa ordem. Em conformidade com a segunda das alternativas da página 13 a3 →

0

1

2

3

4

p

p

p

p

p

α pt

230 1000

231 1000

232 1000

233 1000

234 1000

235 1000

19

5

6

7

8

9

p

p

p

p

p

236 1000

237 1000

238 1000

239 1000

240 1000


Temos aqui um exemplo do clássico “copo meio cheio ou meio vazio”. O pessimista ver o copo meio vazio: “Por isso me parece mais razoável que nos resignemos com a falta de biunivocidade. Há coisas piores no mundo.” O otimista ver o mesmo copo meio cheio: “não existe falta de biunivocidade, pelo contrário, existe excesso”. 2 o ) O Prof. Elon acredita no mito das ambiguidades, ou seja, que a dupla igualdade 2 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . . 5 é verdadeira sob o ponto de vista das representações decimais. Vamos mostrar que é falsa, inconsistente, não se sustenta. Com efeito, segundo a definição do próprio Prof. Elon (p. 10), e do Prof. Djairo (p. 17), uma representação decimal é uma sequência do conjunto { 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }∞ = D lembrando da definição de igualdade de sequências:

(a1 , a2 , . . . , an , . . .) = (b1 , b2 , . . . , bn , . . .) ⇐⇒ ai = bi , ∀ i ∈ N temos a seguinte contradição:

Se um caracter fosse codificado de dois modos distintos → ←

2 5

1=0

= 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . .

A = 01000001 = 00111001

4=3

− Código ASCII

Lembramos a pergunta de Sun Hsien Ming: O fato de a mesma fração ordinária poder ter duas representações decimais distintas (como 2/5 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . .) não apresenta inconveniente nem origina paradoxos? Como vimos, a resposta deve ser: sim, mais que inconveniente e paradoxo gera contradições. O correto é: (Adendo, p. 65) 2/5 = 0, 4000 . . . , se escolhermos D∗

ou 2/5 = 0, 3999 . . . , se escolhermos D̃. 20


Mais um autor corrobora nossa tese No livro a seguir Números Reais/Jorge Aragona. − São Paulo: Editora Livraria da Fı́sica, 2010.

o autor constrói a representação decimal para todos os reais, ele − tal como o professor Djairo − também faz uma escolha: exclui as decimais que contém 9 a partir de uma certa ordem. Vamos reproduzir aqui a definição do Aragona: (p. 92)

Definição 1.6.10 “Chama-se desenvolvimento decimal ilimitado a qualquer sı́mbolo do tipo β0 , β1 β2 . . . , βm . . .

(1.6.10.1)

determinado por uma sequência (βm )m ∈ N em Z tal que 0 ≤ βm ≤ 9 para cada m ∈ N∗ , e, neste caso, para cada m ∈ N∗ , βm é chamado m-ésima casa decimal de (1.6.10.1). O desenvolvimento decimal ilimitado (1.6.10.1) é dito próprio se contém uma infinidade de casas decimais βm diferentes de 9 (ou equivalentemente, se não existe ν ∈ N tal que a sequência truncada (βm )m>ν seja constante e igual a 9). Indicamos com o sı́mbolo D o conjunto de todos os decimais ilimitados próprios.” (Grifo nosso) Sendo assim, Aragona naturalmente faz uma escolha − “o conjunto de todos os decimais ilimitados próprios” −, por sinal coincidindo com a escolha do Prof. Djairo, como o Prof. Elon afirma “Nenhuma dessas escolhas é muito natural ” ? Ademais, Aragona corrobora nossa afirmação de que uma representação decimal é única (sem ambiguidades), vejamos: (Aragona, p. 92/(Grifo nosso))

A expressão “número decimal” também é frequentemente utilizado para indicar um desenvolvimento decimal ilimitado (próprio ou não). Já observamos, [. . . ], que é possı́vel associar a cada α ∈ R o seu desenvolvimento decimal ilimitado J(α) := α0 , α1 α2 . . . αm . . . que é determinado por α (isto é, cada α ∈ R tem um único desenvolvimento decimal ilimitado). 21


4

Adendo: Uma escolha hipernatural

O Prof. Elon afirmou “Nenhuma dessas escolhas é muito natural”, nós afirmamos “Qualquer uma das escolhas é muito natural”. Pensando melhor, vamos mostrar que existe uma escolha que é hipernatural e que de certo modo se impõe. Essa escolha está fundamentada em um teorema que encontramos no livro∗ : (p. 60) Teorema 7. Dados inteiros a e b com a ≥ 0 e b > 1, existem inteiros c0 , c1 , . . . , cn , . . ., univocamente determinados pelas seguintes condições: (i) Existe um natural m tal que cn = 0 para todo n ≥ m; (ii) Para todo n, temos que 0 ≤ cn < b; (iii) a = c0 + c1 · b + · · · + cn · bn + · · · Mais à frente:

(p. 61)

·bn

A expressão a = c0 + c1 ·b+ · · ·+ cn com 0 ≤ ci < b para i = 0, . . . , n, é chamada de expansão b−ádica do inteiro a. Um pouco mais à frente: (p. 62) O sistema de numeração de base b > 1 obtém-se escolhendo um conjunto com b sı́mbolos S = { s0 , . . . , sb−1 } com s0 = 0, que representam os inteiros de 0 a b − 1 e representando um inteiro não negativo s como s = xn xn−1 . . . x0 , com xi ∈ S, i = 0, . . . , n. Ainda nesta mesma página: A justificativa da validade da representação acima se apoia no Teorema 7 que nos garante ser uma bijeção a função + Z+ b −→ Z xn . . . x0 −→ c0 + · · · + cn · bn

onde Z+ b é o conjunto dos elementos da forma xn . . . x0 , com xn 6= 0 se n > 1 e onde para cada i, tem-se que ci é o inteiro correspondente ao sı́mbolo xi . Por exemplo vamos ver qual a escolha hipernatural para a representação 47 . Inicialmente obtemos a expansão de 47, assim: decimal da fração 200 47 = 4 · 101 + 7 · 100 Pelo teorema 7 esta expansão é única. Agora dividamos a equação anterior por 200, veja

47 4 · 101 + 7 · 100 = 200 2 · 102

Hefez, Abramo. Curso de Álgebra, Volume 1. Rio de Janeiro: IMPA - CNPq, 1993.

22


Vamos reescrever esta equação em conformidade com a série D∗ ↔ [ 0, 1 [ ∞ X an .a1 a2 . . . ↔ 10n n=1

Então

Logo

Finalmente

47 4 · 101 7 · 100 = + 200 2 · 102 2 · 102 47 2 6 1 5 = + + · 2 2 200 10 2 · 10 2 · 10 5 47 2 3 5 = + 2+ 3 200 10 10 10

47 = .235 200

Que coincide com a escolha do Prof. Djairo. Portanto, podemos concluir que o Teorema 7 nos fornece uma escolha natural, ao contrário do que o Prof. Elon afirma. Ademais, podemos concluir pelo teorema 7 que esta representação é única, o que depõe contra as supostas ambiguidades. No caso da fração do Sun Hsien Ming 2 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . . 5 temos 2 = 2 · 100 Pelo teorema 7 esta expansão é única. Agora dividamos a equação anterior por 5, veja 2 2 · 100 = 5 5 Então 2 · 100 2 4 2 = · = 1 5 5 2 10

2 4 = 1 = .4 5 10

E esta representação é única. Podemos denominar de “unicidade induzida”. Vejamos um fenômeno interessante. Considere a “ambiguidade”: 2 3 5 47 2 3 4 9 9 9 + 2+ 3 = = + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + ··· 10 10 10 200 10 10 10 10 10 10 23


Multiplicando estas igualdades por 200, temos 2 3 5 47 2 · 102 + 2 + 3 = 200 · 10 10 10 200

(1)

Logo 4 · 10 + 6 + 1 = 200

47 = 4 · 10 + 7

Por outro lado 200 ·

2 47 3 4 9 9 9 = 2 · 102 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + ··· 200 10 10 10 10 10 10

resulta 47 = 4 · 10 + 6 +

18 18 18 8 + 2 + 3 + 4 + ··· 101 10 10 10

No primeiro caso − equação (1) − voltamos “naturalmente” para a expansão do inteiro 47, por isso dizemos que 3 5 47 2 + + 3 = 10 102 10 200

47 = .235 200

é uma escolha natural. Como se vê, fundamentados no teorema 7 podemos exorcizar para sempre o fantasma das ambiguidades. Ademais, observe que a representação (codificação) de um inteiro está fundamentada em uma bijeção entre dois conjuntos + Z+ b −→ Z xn . . . x0 −→ c0 + · · · + cn · bn

o conjunto dos inteiros e um conjunto de sequências, neste caso finitas. No caso dos números reais deve acontecer o mesmo, isto é, a representação (codificação) deve estar fundamentada em uma bijeção, é o que o Prof. Djairo faz. É para obter esta bijeção que na figura da página 13 a escolha deve ser feita. Ao contrário da representação de um inteiro, no caso da representação de um número real temos duas alternativas. Nota Importante: Observe que a sequência xn . . . x0 é a representação de um número inteiro, e não um número inteiro.

24


5

O Segundo Erro Grave E que nossas perspectivas, mesmo nas questões de matemática básica e mais aprofundada, se desloca, amiúde, de maneira surpreendente e inesperada. (Gregory Chaitin/Metamat!)

1 o ) Ambiguidades nas Representações Decimais; X 2 o ) Representações decimais são números reais.

No livro A Matemática do Ensino Médio (Vol. 1) 9a edição, página 69, o professor Elon escreve: (Grifo nosso)

“Comecemos com o caso mais simples, que é também o mais intrigante. Trata-se da expressão decimal, ou seja, do número real α = 0, 999 . . . =

9 9 9 + + + ··· 10 100 1000

Afirmamos que α = 1.” Mais à frente lemos: (p. 70/Grifo nosso) “A igualdade que 1 = 0, 999 . . . costuma causar perplexidade aos menos experientes. A única maneira de dirimir o aparente aparadoxo é esclarecer que o sı́mbolo 0, 999 . . . na realidade significa o número cujos valores aproximados são 0, 9, 0, 99, 0, 999 etc. E, como vimos acima, esse é o número 1. Ademais, na referência∗ lemos: “[· · · ] você deve ter concluido que 0, 999 . . . = 1. Esse sinal de igual é igual mesmo! Não se trata de aproximação: 0, 999 . . . e 1 são duas formas diferentes de representar o mesmo número”. (grifo nosso) Segundo entendo, os matemáticos estão considerando 0, 999 . . . igual ao número 1 (mesmo!). Ademais, existe um lógico (Prof. Adonai Sant’Anna/ UFPR) que também defende o mesmo, diz ele concordando com o Prof. Elon: “Lima tem razão. A dı́zima 0, 999 . . . é apenas outra forma para representar o número real 1”. Precisamente neste ponto discordamos do prof. Elon e de (quase) todos os outros matemáticos. Sendo mais explı́cito: até prova em contrário, afirmamos que 0, 999 . . . não é um número real. (p. 64) ∗

Brolezzi, Antonio Carlos/Monteiro, Martha Salerno, Matemática: Números para quê? Universidade de São Paulo, Publicação eletrônica.

25


Ora, como vimos, 0, 999 . . . é uma sequência e, a princı́pio, uma sequência não é igual a um número. São objetos de naturezas distintas. Observe onde cada um destes objetos mora: Desde este ponto de vista, só acrescentaremos que, quando se perde tão completamente o sentido de uma notação, é muito fácil passar do uso legı́timo e válido desta a um uso ilegı́timo, que já não corresponde f˜: D̃ → ] 0, 1 ] efetivamente a nada, e que às vezes pode ser inclusive ∞ X completamente ilógico; isto pode parecer bastante exan .a1 a2 . . . → n traordinário quando se trata de uma ciência como as 10 n=1 matemáticas, que deveria ter com a lógica laços particularmente estreitos, e, no entanto, é muito certo que se podem assinalar múltiplos ilogismos nas noções matemáticas tais como se consideram comumente em nossa época. (René Guénon (1886-1951)/Princı́pios do Cálculo Infinitesimal)

0, 999 . . . ↓

1 ↓

onde D̃ é o subconjunto de D = { 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }∞ formado por decimais que não têm todos os elementos iguais a 0, a partir de uma certa ordem. O verdadeiro sentido da “igualdade” 0, 999 . . . = 1 é este: 9 9 9 f˜(0, 999 . . .) = + + + ··· = 1 10 100 1000 0, 999 . . . = 1 é uma identidade oriunda desta bijeção. Neste momento poderı́amos dar o assunto por encerrado, no entanto vamos continuar argumentando com o objetivo de lançar mais luz sobre a questão, observá-la de outras perspectivas. Uma representação decimal é uma codificação dos números reais por sequências − é o que nos diz a bijeção f˜ −, segundo entendemos, tomar a identidade 0, 999 . . . = 1 como sendo literal é o mesmo que na Tabela ASCII (p. 16) tomar as codificações A = 01000001,

9 = 00111001,

P

= 11100100

como sendo absolutas, o que é, evidentemente, absurdo: uma letra é uma letra, uma sequência binária é uma sequência binária. Nota: Temos consciência de que os matemáticos sabem do que estamos falando, eles apenas “perderam tão completamente o sentido de uma notação”, em consequência “é muito certo que se podem assinalar múltiplos ilogismos nas noções matemáticas tais como se consideram comumente em nossa época”. 26


6

Adendo: Existe um polı́gono de infinitos lados?

Operações no domı́nio finito, quando estendidas ‘até o infinito’ se esboroam. (O iconoclasta) Na referência [2] lemos: PA = princı́pio de Arquimedes. Ademais (e) a sequência {1/n} (onde n é um inteiro) tende a zero para n tendendo a ∞; Do ponto de vista intuitivo, a versão (e) do PA reflete a ideia de que a sequência {1/n}, pensada como uma coleção discreta de pontos da reta, pode “pular” para zero no infinito. Elaborei a seguinte versão análoga: considere a sequência (αn ) dada por αn = 1 −

1 10n

por exemplo: α1 = 0, 9;

α2 = 0, 99;

α3 = 0, 999 ;

...

; αn = 0, 999 . . . 9

Temos lim αn = 1

(2)

n→∞

Do ponto de vista intuitivo o limite (2) reflete a ideia de que a sequência (αn ), pensada como uma coleção discreta de pontos pode “pular” para 1 no infinito. Escrever o limite (2) da seguinte forma α∞ = 0, 999 . . . = 1 é apenas, e tão somente, uma notação. Para fins didáticos, façamos uma analogia geométrica (“visual”). Considere a sequência (pn ) de polı́gonos ... →

p3

p4

p5 . . .

. . . p11

... →

σ

{pn } converge para o cı́rculo σ, isto é, lim pn = σ. Observe a analogia n→∞

 p =σ   nlim →∞ n   lim α = 1 n n→∞

   p∞ = polı́gono de infinitos lados = σ  α

= 0, 999 . . . = 1

Acontece que um polı́gono de infinitos lados não faz sentido. Não é rigoroso. Observe que n = ∞ não é um número natural. √ Considerar 0, 999 . . . (ou 2 = 1, 41421356237 . . .) como um número real é tão “rigoroso” quanto um polı́gono de infinitos lados. Por oportuno, algum matemático consegue me provar que uma decimal infinita é um número real? 27


6.1

É meramente uma estenografia matemática

No livro∗ lemos (p. 76): Vamos dividir o intervalo unitário em duas metades, a segunda metade novamente em duas partes iguais, a segunda metade destas em duas outras partes iguais, e assim por diante, até que os menores intervalos assim obtidos tenham um comprimento de 2−n , onde n é escolhido arbitrariamente grande, por exemplo, n = 100, n = 100.000, ou qualquer número que quisermos. Então, adicionando os comprimentos de todos os intervalos exceto o último, obtemos um comprimento igual a (3)

sn =

1 1 1 1 1 + + + + ··· + n. 2 4 8 16 2

Observamos que sn difere de 1 por ( 12 )n , e que esta diferença torna-se arbitrariamente pequena, ou “tende a zero” à medida que n aumenta indefinidamente. Não faz qualquer sentido afirmar que a diferença é zero se n for infinito. O infinito entra somente no procedimento sem fim e não como uma quantidade efetiva. Descrevemos o comportamento de sn dizendo que a soma sn aproxima-se do limite 1 à medida que n tende para o infinito, escrevendo (4)

1=

1 1 1 1 + 2 + 3 + 4 + ..., 2 2 2 2

onde temos, à direita, uma série infinita. Esta “igualdade” não significa que tenhamos efetivamente de adicionar infinitos termos; trata-se apenas de uma expressão abreviada para o fato de que 1 é o limite da soma finita sn à medida que n tende para o infinito (de forma alguma é infinito). Assim, a igualdade (4) com seu sı́mbolo incompleto “+ . . .” é meramente uma estenografia matemática para a afirmação precisa 1 = limite à medida que n tende para o infinito da quantidade (5)

1=

1 1 1 1 + 2 + 3 + ··· + n. 2 2 2 2

Adaptando ao nosso contexto: Temos 1 = 0, 999 . . . =

9 9 9 + + + ··· 10 100 1000

(3)

Esta “igualdade” não significa que tenhamos efetivamente de adicionar infinitos termos; trata-se apenas de uma expressão abreviada para o fato de que 1 é o limite da soma finita αn = 1 − 101n à medida que n tende para o infinito (de forma alguma é infinito). Assim, a igualdade (3) com seu sı́mbolo incompleto “+ . . .” é meramente uma estenografia matemática . . . Nota: A afirmação de Brolezzi (0, 999 . . . = 1, igual mesmo!, p. 25) contradiz Courant. Aqui continua valendo a nota da página 26. ∗

O Que é Matemática? (Richard Courant & Herbert Robbins), p. 5.

28


7

Salto arquimediano e ruptura epistemológica Retomemos novamente as afirmações:

(p. 25)

“Comecemos com o caso mais simples, que é também o mais intrigante. Trata-se da expressão decimal, ou seja, do número real α = 0, 999 . . . =

9 9 9 + + + ··· 10 100 1000

Afirmamos que α = 1.” Ademais, de um outro autor: “[· · · ] você deve ter concluido que 0, 999 . . . = 1. Esse sinal de igual é igual mesmo! Não se trata de aproximação: 0, 999 . . . e 1 são duas formas diferentes de representar o mesmo número”. Nosso objetivo nesta seção será visualizarmos geometricamente as implicações por por trás destas afirmações. Consideremos a sequência (αn ) dada por αn = 1 − 101n , veja: α1 = 0, 9;

α2 = 0, 99;

α3 = 0, 999 ; . . . ; αn = 0, 999 . . . 9

Aqui temos a velha questão da passagem do infinito potencial ao infinito atual, veja: (n → ∞ significa n arbitrariamente grande)

− Infinito potencial (n → ∞)

αn = 0, 999 . . . 9 → α∞ = 0, 999 . . .

− Infinito atual (n = ∞)

Lembramos Richard Courant (p. 28): a igualdade α∞ = 0, 999 . . . com seu sı́mbolo incompleto “. . . ” é meramente uma estenografia matemática. Adendo: Insisto: algum matemático conseguiria √ me provar que as representações decimais infinitas, tais como 0, 999 . . . ou 2 = 1, 41421356237 . . ., são números reais? Sugestão: Pra começar defina multiplicação de decimais infinitas em seguida prove que 1, 41421356237 . . . × 1, 41421356237 . . . = 2 Posso ser um pouco mais enfático (acachapante): representações decimais infinitas não são números reais e de nenhuma outra espécie. Com efeito, como vai-se considerar números sı́mbolos que sequer podem ser multiplicados? Ademais, veja crı́tica de Dedekind página 54. 29


Vamos plotar no intervalo [ 0, 1 ] alguns termos da sequência (αn ) αn = 1 −

1 10n

α1 = 0, 9;

α2 = 0, 99;

α3 = 0, 999 ;

...

y α2

p1

0

s s s

α1

2

− Salto arquimediano e ruptura epistemológica

1

Do ponto de vista intuitivo o limite lim αn = 1

n→∞

α∞ = 0, 999 . . . = 1

reflete a ideia de que a sequência (αn ), pensada como uma coleção discreta de pontos pode “pular” para 1 no infinito. Substituindo n = ∞ em αn = 1 −

1 10n

α∞ = 1 −

1 10∞

1 =0 10∞

Ou seja, realizamos algumas operações espúrias∗ (proibidas) com o objetivo de mostrar a ilegitimidade de se considerar 0, 999 . . . = 1 (mesmo!). Nota: O sentido de 10∞ é o mesmo que comparece na série: ∞ X a a a a an = 11 + 22 + 33 + · · · + ∞∞ n 10 10 10 10 10 n=1

Ver p. 17, ver René Guénon 26, ver Courant p. 28, ver Gauss p. 31. Salto arquimediano se refere à passagem do infinito potencial ao infinito atual, quando então ocorre uma “ruptura espistemológica” − em nosso contexto significa algo que a rigor é falso; de outro modo, se aplicarmos um “zoom lógico” encontraremos fissuras.

αn = 0, 999 . . . 9 → α∞ = 0, 999 . . . = 1 −

− Infinito potencial (n → ∞) 1 10∞

− Infinito atual (n = ∞)

Pra começar n = ∞ não é um número natural. Não pode ser substituı́do em αn . Lembramos Courant: n tende para o infinito (de forma alguma é infinito), p. 28.

30


7.1

Mais um exemplo de ruptura epistemológica A propósito, através da conhecida identidade

1 1 1 1 1 1 π2 + + + + + + · · · = (4) 6 12 22 32 42 52 62 podemos exibir mais um exemplo de salto arquimediano e consequente ruptura epistemológica. Com efeito, uma leitura apressada desta identidade afirma que a soma de infinitos racionais produz um irracional. Seja sn =

1 1 1 1 + 2 + 2 + ··· + 2 2 1 2 3 n

Temos s1 =

1 12

s2 =

1 12

+

1 22

s3 =

1 12

+

1 22

+

1 32

·················· Como um exemplo de ruptura epistemológica afirmamos: o “último racional desta sequência é um número irracional”, isto é: s∞ =

∞ X 1 1 1 1 1 1 π2 1 = 2 + 2 + 2 + 2 + 2 + ··· + 2 = 2 n ∞ 6 1 2 3 4 5 n=1

Está certo isto?. Não foi sem razão que o matemático Gauss afirmou∗ “Eu contesto o uso de um objeto infinito como um todo completo; em matemática, essa operação é proibida; o infinito é só um modo de dizer”. O que concorda com Richard Courant:

(paráfrase)

“Assim, a igualdade (4) com seu sı́mbolo incompleto “+ . . .” é meramente uma estenografia matemática . . . ” Escrevemos: “Operações no domı́nio finito, quando estendidas ‘até o infinito’ se esboroam.”, entram em colapso; isto equivale à ruptura epistemológica de Bachelard. Na identidade (4) é como se conseguı́ssemos atingir o transcendente por ‘passos racionais’, simplesmente ilógico. Infelizmente a perspicaz e acachapante observação de René Guenon (p. 26) ainda continua verdadeira em nossos dias . . . É precisamente isto que ocorre quando consideramos de√ cimais infinitas (p. ex., 0, 999 . . . ou 0, 4999 . . . ou 2 = 1, 41421356237 . . .) como números reais e tentamos operar com elas . . . É proibido! ∗

Scientific American, Edição Especial, No 15. As diferentes faces do infinito, 2006.

31


8

Os matemáticos não sabem o que é um número

Vimos anteriormente que os matemáticos levaram mais de 1600 anos para compreenderem os números negativos, para compreenderem os números complexos precisaram de bem menos tempo, “apenas” cerca de três ou quatro séculos.

Novamente Euler Já chamamos a atenção para o fato de que uma coisa é processar sı́mbolos, outra bem distinta é processar significado. Na citação a seguir temos mais uma comprovação da veracidade deste fato∗ A ambivalência dos matemáticos do Século XVIII em relação aos números complexos pode mais uma vez ser evidenciada em Euler. Apesar de seus trabalhos em que ensinava a operar com eles, afirma “Como todos os números concebı́veis são maiores ou menores do que zero ou iguais a zero, fica então claro que as raı́zes quadradas de números negativos não podem ser incluı́das entre os números possı́veis [números reais]. E esta circunstância nos conduz ao conceito de tais números, os quais, por sua própria natureza, são impossı́veis, e que são geralmente chamados de números imaginários, pois existem somente na imaginação.” Observe que, na mente de Euler, “todos os números concebı́veis são maiores ou menores do que zero ou iguais a zero”; o que prova que Euler e, por extensão os demais matemáticos, não havia ainda atinado com uma compreensão necessária (satisfatória) do conceito de número. O que é confirmado pela citação a seguir Não constituirá então uma vergonha para a Ciência estar tão pouco elucidada acerca do seu objeto mais próximo, o qual deveria, aparentemente, ser tão simples? Menos provável ainda é que se seja capaz de dizer o que o número é. Se um conceito que está na base de uma grande ciência oferece dificuldades, investigá-lo com mais precisão com vista a ultrapassar essas dificuldades é bem uma tarefa inescapável. (Frege/Os Fundamentos da Aritmética)

Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848-1925) foi um matemático, lógico e filósofo alemão. Trabalhando na fronteira entre a filosofia e a matemática, Frege foi um dos principais criadores da lógica matemática moderna. ∗ Fonte: Carmo, Manfredo Perdigão do, et alii, Trigonometria/Números complexos. Rio de Janeiro − IMPA/VITAE, 1992.

32


Mas Frege faleceu em 1925, e hoje, os matemáticos sabem o que é um número? No artigo O que é um número? do Professor Adonai Sant’Anna (UFPR) ele escreve: “Não existe, em matemática, uma definição universalmente aceita para esclarecer o que é, afinal, um número.” Isto implica dizer que os matemáticos ainda hoje não sabem o que é número. Em particular o professor Elon não sabe o que é um número. A propósito, os biólogos também não sabem o que é vida − se é que isto serve de algum consolo.

8.1

Com vista a ultrapassar essas dificuldades . . .

Pouco a pouco, procuro liberar suavemente o espı́rito dos alunos de seu apego a imagens privilegiadas. Eu os encaminho para as vias da abstração, esforçando-me para despertar o gosto pela abstração. (Gaston Bachelard/A formação do espı́rito cientı́fico)

Com vista a ultrapassar essas dificuldades a respeito do que seja um número vamos contribuir com algumas informações. Primeiro, um número não é um objeto que se encontre na natureza − como grandes matemáticos pensaram por séculos∗ −, e também não é apenas um sı́mbolo (“imagens privilegiadas”), tais como N = { 0, 1, 2, 3, . . . }. A inerente tendência humana a apegar-se ao “concreto”, conforme exemplificado pelos números naturais, foi responsável por esta lentidão em dar um passo inevitável. Somente na esfera do abstrato um sistema satisfatório de aritmética pode ser criado. (Richard Courant) “concreto”, por exemplo, veja Laplace, p. 7. Observe que o que caracteriza (define) o jogo de xadrez não são as peças propriamente, mas sim as regras − o “software”, conjunto de instruções. ∗

Como, por exemplo, Laplace, ver p. 7.

33


Suponhamos que desejamos jogar xadrez mas não dispomos das peças, apenas do tabuleiro. Não há o menor problema podemos substituir as peças por cereais.

feijão → Rei arroz → peões

.. .

.. .

.. .

milho → torres

Por exemplo, um caroço de feijão fará o papel de rei, os peões serão substituidos por grãos de arroz, as torres por caroços de milho, etc. Observe que é a estrutura (jogo, regras) que confere a identidade de um elemento: um mero caroço de feijão de repente vê-se promovido a “rei” ao participar da estrutura xadrez.

≡ .. .

(equivalentes)

.. .

Adendo: Estive refletindo melhor . . . afirmo − até prova em contrário − que apenas a afirmação do Prof. Djairo (p. 17), qual seja: “De modo mais rigoroso, podemos proceder assim. Uma decimal é uma função [sequência] f : N → { 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }”

é suficiente para refutar os “dois erros graves”. Enfatizamos: qualquer definição de representação decimal que comporte o mito das ambigbuidades está errada, por ser inconsistente com essa definição do Prof. Djairo. 34


Retomando, de modo análogo acontece com o “jogo” números; por exemplo, podemos “jogar o jogo dos naturais N” com estes sı́mbolos N = { 0, 1, 2, 3, 4, . . . } ou até com os ideogramas chineses

0

1

,

2

,

3

.. .

,

.. .

,

.. .

N=

.. .

.. .

, ...

4

o que chamamos de números naturais vermelhos. A questão é: por que os ideogramas chineses são números naturais? A resposta é: não eram, entretanto, em 2015 publicamos um livro ([4]) no qual tornamos estes sı́mbolos números naturais, agora são. Os números naturais são caracterizados (definidos) pelo seguinte conjunto de regras:

(Manual Básico)

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c)

N

A2 ) ∃ 0 ∈ N : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ N : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado PBO) : Princı́pio da Boa Ordem.

Pois bem, para transformar os ideogramas chineses

0

1

2

3

,

.. .

,

.. .

,

.. .

,

.. .

N=

.. .

, ...

4

em números naturais tivemos que definir, entre estes sı́mbolos, duas operações − uma chamada de adição e outra de multiplicação − e provar todas as regras que definem os naturais, constantes no quadro amarelo acima. 35


A propósito, através da seguinte identificação 1

yang

1

0

yin

0

os ideogramas chineses transformam-se em sequências binárias, assim: 00000000 ... = 0 10000000 ... = 1

0

00100000 ... = 4

1

2

3

,

.. .

,

.. .

,

.. .

,

.. .

N=

.. .

11000000 ... = 3

, ...

01000000 ... = 2

4

10100000 ... = 5 ·················· · · O que chamamos de números naturais azuis N = { 0, 1, 2, 3, 4, . . . } Portanto, sequências binárias agora são números naturais. Ao leitor interessado na construção dos “números coloridos” consulte a referência [4]. Enfatizamos: Antes as sequências binárias eram consideradas apenas representações dos números naturais em base 2 (p. 22); agora construimos sobre o conjunto das sequências binárias a estrutura de números naturais (quadro amarelo, p. 35); portanto, sequências binárias tornaram-se números naturais. Algo análogo deve acontecer com as expressões decimais para que elas se tornem números reais. De passagem, observamos que com o modelo dos naturais azuis podemos realizar operações que não são possı́veis de se definir com os “velhos naturais”. Por exemplo, dadas duas sequências binárias a operação de multiplexação consiste em entrelaçar seus bits, assim: x1 x2 x3 x4 x5 x6 x7 x8 . . . x1 y 1 x2 y 2 x3 y 3 x4 y 4 . . .

y1 y2 y3 y4 y5 y6 y7 y8 . . .

Nota: Uma sugestão é utilizar a multiplexação em criptografia de dados. Podemos multiplexar um número arbitrário de sequências. 36


9

Um desafio aos matemáticos

Uma questão que surge de imediato é: se uma sequência binária pode ser um número natural por que uma sequência decimal não poderia ser um número real? Veja só: o que caracteriza (define) os números reais é o quadro a seguir

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a

R

A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ R∗ , ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado • Completo

Qualquer objeto (sı́mbolo) que possa ser manipulado segundo as regras desta estrutura, será um número real! Em analogia com o xadrez dizemos que este é o “Manual Básico” dos números reais. Pois bem, para que os sı́mbolos do professor Elon α = a0 , a1 a2 . . . an . . . se tornem números reais, ele deve definir entre os mesmos duas operações − uma chamada de adição e a outra de multiplicação − e provar que valem as propriedades do quadro acima. Ou ainda, implementar o quadro acima.

0, 999 . . .

• Afirmar que 0, 999 . . . = 1 (como números)

é o mesmo que afirmar que um caroço de feijão 1

é um rei. Perguntamos, isso é verdade?

37


9.1

Construções dos números reais

“Euler concebe o número negativo como sendo uma letra precedida com o sinal − (menos)” . “Ora, isso não faz sentido . . . Não se estabelece um conceito a partir de uma notação”. Prof. Adonai Sant’Anna (UFPR) Não é suficiente defininir o que seja uma sereia. Para que uma definição seja de alguma utilidade em matemática é necessário exibirmos pelo ao memos um exemplar da coisa definida. Daı́ a necessidade da construção dos sistemas numéricos, em particular dos números reais.

(ver Brouwer, p. 42)

Assumindo a existência dos números racionais (Q) existem duas construções clássicas dos números reais, a dos Cortes de Dedekind e a das Classes de Equivalências de Sequências de Cauchy, por Georg Cantor; os objetos (sı́mbolos, números reais) em cada uma dessas construções são distintos. Na construção de Dedekindo os números reais são certos subconjuntos de números racionais, chamados cortes. √ A tı́tulo de curiosidade enfatizamos o fato de que 2 é apenas uma notação para o número real x que tem a propriedade de que x2 = 2. Entretanto, a bem da√verdade, o sı́mbolo da “verdadeira” raiz quadrada de 2 difere do sı́mbolo 2, tanto quanto um caroço de feijão difere de um rei.

(equivalentes no xadrez)

Por exemplo, na construção do modelo dos reais pelo método de Dedekind (cortes de Dedekind), observe a “cara” da raiz quadrada de 2. √ 2 = x ∈ Q : x < 0 ou x2 < 2

Geometricamente temos

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 25

− 25

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

0p

0p

1 2

1 2

1p

2p

1p

38

3p

2

4p

...

Q


Por exemplo, apenas por curiosidade, o triângulo retângulo com catetos unitários

d =?

1 − Pitágoras não sabia quanto media

1

a diagonal de um quadrado unitário.

Os diálogos de Platão mostram que (...) a comunidade matemática grega fora assombrada por uma descoberta que praticamente demolia a base da fé pitagórica nos inteiros. Tratava-se da descoberta que na própria geometria os inteiros e suas razões eram insuficientes para descrever mesmo simples propriedades básicas. (BOYER)

ou 0 < :x Q ∈ x

{x ∈ Q : x < 1}

x2 <

2

na construção de Dedekind fica assim:

− Dedekind mediu a diagonal

{x ∈ Q : x < 1}

de um quadrado unitário.

Nota 1: Dedekind através de sua construção dos cortes conseguiu provar todas as propriedades dos reais, isto é, implementou o quadro amarelo da página 37. O mesmo acontecendo com a construção de Georg Cantor. O que estamos insinuando é: para que os sı́mbolos (expressões decimais) do Prof. Elon sejam considerados números reais ele deve fazer o mesmo. Em resumo: construir sobre D uma estrutura de Corpo, ordenado, completo. Nota 2: Mais precisamente deve-se tomar D como definido por Aragona na página 21. 39


1, 41 42 13 56 23 7.

..

Pois bem, afirmamos que enquanto o “triângulo de Dedekind” é válido matematicamente falando, por outro lado, o “triângulo de Elon”

1

1 − O triângulo do Prof. Elon não tem validade matemática, é espúrio.

não tem validade matemática, uma vez que √ a representação decimal da raiz quadrada de dois não é um número real. 2 = 1, 41421356237 . . .. Por exemplo, Dedekind consegue demonstrar que o seu triângulo satisfaz ao teorema de Pitágoras, o Prof. Elon conseguiria o mesmo? − sem praticar o “salto arquimediano”, ruptura epistemológica. (p. 30) Nota: Estamos apenas tomando o Prof. Elon como um representante da classe de equivalência formada pelos matemáticos que defendem que as representações decimais são números reais − ou seja, quase todos os matemáticos. Resumindo, o Desafio que deixamos a todos os matemáticos da classe de equivalência a que pertence o Prof. Elon é: Construir os números reais a partir de sequências do conjunto das representações decimais D. Mais precisamente, definir sobre D duas operações − adição e multiplicação − e implementar o quadro amarelo que consta na página 37. Lembramos que na página 24 observamos que a representação de um número inteiro não é um número inteiro. Por que a representação de um número real deveria ser um número real? − a menos que se prove, claro. Nota 1: Procuramos na internet a construção dos reais via representações decimais, não encontramos − apenas promessas. Caso algum leitor conheça essa construção me envie por favor, se isto acontecer metade deste artigo terá que ir para a lixeira. Enquanto isto não acontecer meus argumentos estarão de pé. Em resumo: representações decimais não são números reais. Nota 2: No livro do Aragona lemos: (p. 83/Grifo nosso) “Neste parágrafo vamos introduzir os números decimais que vão se constituir na melhor aproximação, para fins práticos, dos números reais.” Achamos a denominação “números decimais” apropriada, pois nos permite diferenciá-los de “números reais”. Ver Desafio. 40


9.2

Mais um exemplo de ruptura epistemológica A propósito, em igualdades tais como √ 2 = 1, 41421356237 . . .

(5)

temos exemplos de saltos arquimedianos e rupturas epistemológicas. Por oportuno em um outro trabalho do Prof. José Carlos Cifuentes lemos∗ Ainda, no caso das sequências, a aceitação da “existência” de uma sequência infinita como coisa terminada, é também resultado de um recurso de simplicidade como o é a aceitação do infinito em ato. O estatuto ontológico dos√números irracionais baseia-se nisso, por exemplo, o número irracional 2 só existe na medida em que sua expressão decimal for admitida completa e terminada na sua infinitude. (p. 13) Vale a pena lembrar Gauss novamente: “Eu contesto o uso de um objeto infinito como um todo completo; em matemática, essa operação é proibida; o infinito é só um modo de dizer”. O que concorda com Richard Courant: “Assim, a igualdade (5) com seu sı́mbolo incompleto “. . .” é meramente uma estenografia matemática . . . ” 2=

2 · 2 6 · 6 10 · 10 1·3

5·7

9 · 11

···

1, 41 42 13 56 23 7.

..

1

1 − No triângulo do Prof. Elon não se

demonstra o teorema de Pitágoras.

O MITO DA ANÁLISE REAL: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO CONCEITUAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA SOBRE OS NÚMEROS REAIS E A ANÁLISE MATEMÁTICA

41


Para finalizar, uma observação: não obstante as peças do xadrez serem arbitrárias

.. .

.. .

não dizemos que existem diversos jogos de xadrez, não, existe apenas um; de modo análogo não dizemos que existem vários conjuntos de números reais (ou naturais, etc.), não, existe apenas um; embora as peças possam ser de diversos “formatos”. − Dizemos que todos os possı́veis modelos são Isomorfos, pois todos implementam o “manual básico”. Consideramos a citação a seguir uma das mais relevantes em matemática Brouwer∗ tem como norma que toda definição seja construtiva, isto é, indique a maneira de obter os objetos definidos. [. . . ] Deste modo o intuicionismo afirma-se como uma forma de construtivismo de objetos matemáticos, onde a existência destes somente é possı́vel se for indicado um raciocı́nio mental que efetivamente nos permita aceder a eles. Portanto, o intuicionismo é também uma forma de anti-realismo. (Publicação eletrônica) Não é suficiente defininir o que seja uma sereia. Para que uma definição seja de alguma utilidade em matemática é necessário exibirmos pelo ao memos um exemplar da coisa definida. Daı́ a necessidade da construção dos sistemas numéricos, em particular dos números reais. “Não é difı́cil “definir” uma estrutura algébrica por um conjunto de axiomas de tal forma que não exista nenhum exemplo da tal estrutura.” (Jorge Aragona/Números Reais/p. 127) ∗

L.E.J. Brouwer (1881-1966), matemático holandês, um dos expoentes da escola de pensamento intuicionista − uma derivação dos construtivistas, que defendem que os objetos matemáticos devem ser construı́dos, e não meramente assumidos como existentes. Em contraposição aos realistas.

42


10

A métrica quântica

Esta secção é para aqueles que já estudaram a teoria dos espaços métricos na graduação de matemática. Para quem é autodidata e pretende conhecer esta teoria recomendamos o livro [3], é neste livro que encontra-se desenvolvido mais detalhadamente o tema desta secção. Então, provaremos que 0, 999 . . . = 0 não, não trata-se de um erro de digitação, é isto mesmo leitor!. Consideremos o intervalo unitário [ 0, 1 [ e a seguinte aplicação k : [ 0, 1 [ × [ 0, 1 [ −→ R definida por: k(x, y) = min |x − y|, 1 − |x − y| . Podemos provar (exercı́cio) que k é uma métrica (distância) em [ 0, 1 [ . Como funciona a métrica quântica? Funciona de modo bem simples, não é necessário nenhum manual de instrução, veja: dados dois pontos x e y, ambos no intervalo [ 0, 1 [, entre chaves obteremos dois valores, escolhemos o menor deles como sendo a distância entre os pontos x e y. Por exemplo k(0; 0, 4) = min |0 − 0, 4|, 1 − |0 − 0, 4| = min 0, 4; 0, 6 = 0, 4 k(0; 0, 6) = min |0 − 0, 6|, 1 − |0 − 0, 6| = min 0, 6; 0, 4 = 0, 4 k(0; 0, 8) = min |0 − 0, 8|, 1 − |0 − 0, 8| = min 0, 8; 0, 2 = 0, 2 Observe a localização geométrica destes pontos: t 0տ

Origem

0, 4

q1 2

t

t

0, 6

0, 8

1

Por oportuno, observe que k (0; 0, 4) = k (0; 0, 6) > k (0; 0, 8). É isto mesmo que o leitor testemunha!: os dois primeiros pontos (0, 4 e 0, 6) estão a uma mesma distância da origem, e, como se não bastasse, o terceiro ponto (0, 8) está mais próximo da origem que os dois primeiros . . . pasmém! Quando o espı́rito se apresenta à cultura cientı́fica, nunca é jovem. Aliás é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder à ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação que contradiz o passado. (Gaston Bachelard/grifo nosso)

43


Pois bem, consideremos a sequeĚ‚ncia (Îąn ) dada por Îąn = 1 −

1 10n

Por exemplo: Îą1 = 0, 9;

Îą2 = 0, 99;

Îą3 = 0, 999 ;

...

; Îąn = 0, 999 . . . 9

Provaremos que lim Îąn = 0

(6)

n→∞

Com efeito, utilizando

temos isto eĚ

k(x, y) = min |x − y|, 1 − |x − y| k(Îąn , 0) = min |Îąn − 0|, 1 − |Îąn − 0| k(Îąn , 0) = min

1 1 1 − n, 1 − 1 − n 10 10

logo k(Îąn , 0) =

1 → 0 10n

Isto prova (6). Observe que lim Îąn = 0

n→∞

⇒

Îąâˆž = 0, 999 . . . = 0

Utilizando os mesmos argumentos que Richard Courant, p. 28. No livro do Prof. Elon citado na paĚ gina 25 ele prova que lim Îąn = 1

n→∞

⇒

Îąâˆž = 0, 999 . . . = 1

E conclui que o nuĚ mero real 0, 999 . . . eĚ igual a 1. Apenas pergunto: das consideraçoĚƒes acima por que naĚƒo posso concluir que “o nuĚ mero realâ€? 0, 999 . . . eĚ igual a 0 ?. Lembramos o outro autor (Brolezzi): “[¡ ¡ ¡ ] voceĚ‚ deve ter concluido que 0, 999 . . . = 1. Esse sinal de igual eĚ igual mesmo! NaĚƒo se trata de aproximaçaĚƒo: 0, 999 . . . e 1 saĚƒo duas formas diferentes de representar o mesmo nuĚ meroâ€?. Se fosse assim eu poderia afirmar: “[¡ ¡ ¡ ] voceĚ‚ deve ter concluido que 0, 999 . . . = 0. Esse sinal de igual eĚ igual mesmo! NaĚƒo se trata de aproximaçaĚƒo: 0, 999 . . . e 0 saĚƒo duas formas diferentes de representar o mesmo nuĚ meroâ€?. E agora? como estes matemaĚ ticos resolveriam esse impasse? 44


10.1

Descubra onde se encontra o erro

“Não há mais, para os teoremas, verdade separada e, por assim dizer, atômica: sua verdade é apenas sua integração no sistema; e é por isso que teoremas incompatı́veis entre si podem ser igualmente verdadeiros, contanto que os relacionemos com sistemas diferentes.” (Curso Moderno de Filosofia/Por Denis Huisman e André Vergez)

Inicialmente observe que em nosso universo [ 0, 1 [ não estão definidas operações aritméticas − adição e multiplicação −, razão porque não podemos sair operando a esmo. Entretanto, observando que se 0≤x<1

e

0≤y <1 ⇒ 0≤x·y <1

significa que a operação de multiplicação (usual): · : [ 0, 1 [ × [ 0, 1 [ −→ [ 0, 1 [ em nosso universo é uma operação perfeitamente lı́cita. Consideremos a seguinte sequência de somas parciais 0, 1; 0, 11; 0, 111; . . . , βn , . . . a expressão de βn é dada por βn =

1 1 · 1− n 9 10

Esta sequência converge para 1/9, tanto na métrica usual quanto na métrica quântica. Sendo assim, temos: 0, 111 . . . =

1 1 1 1 + + n + ··· = . 10 100 10 9

Consideremos a identidade demonstrada anteriormente 0, 999 . . . = 0 Multiplicando esta equação por 1/9, resulta 1 1 · 0, 999 . . . = · 0 9 9

Comparando com (7) concluimos que

1 9

0, 111 . . . = 0

= 0, donde 1 = 0.

Onde encontra-se o erro? − é o tı́tulo desta (sub)secção. 45

(7)


10.2

Algumas patologias quânticas

Tudo isso, que à primeira vista parece excesso de irrazão, na verdade é o efeito da finura e da extensão do espı́rito humano e o método para encontrar verdades até então desconhecidas. (Voltaire)

Com a métrica quântica obtive alguns resultados bizarros∗ e interessantes (relevantes), creio que inéditos na literatura matemática, razão porque decidi incluir aqui um resumo, para os detalhes − e outras aplicações − veja nosso livro citado na referência [3]. Os resultados a seguir valem no Universo (espaço métrico) [ 0, 1 [, k . Ao mesmo tempo que deixamos como exercı́cio, a quem interessar possa. 1 o ) Seja M = [ 0, 1 [, seja X = [ 12 , 1 [ ⊂ M e seja p = 0 ∈ M . Veja 0

1

s 0

1

1 2

M

X

A distância do ponto p = 0 ao subconjunto X é zero. 2 o ) Seja M = [ 0, 1 [, considere X = [ 0,

1 3

] e Y = [ 32 , 1 [ .

0

0

1

X

2 3

1 3

Y

M

1

A distância de X a Y é zero. 3 o ) Mostre que a aplicação k : [ 0, 1/2 [ × [ 0, 1/2 [ −→ R, dada por k(x, y) = min |x − y|, 1/2 − |x − y| é uma métrica sobre [ 0, 1/2 [ . Ademais, prove que: ∗

0,4999. . . =0.

Patologia na matemática tem sentido diferente da medicina, significa um resultado contraintuitivo, que, não raro, agride o senso comum.

46


Um objeto em vários lugares ao mesmo tempo 4 o ) Necessitaremos de uma definição: Diremos que um objeto p (um ponto) encontra-se em uma região R contida em um universo∗ , se e só se sua distância para essa região for nula. Consideremos no quadrado da esquerda 1

1

R4

R3

R1

R2

2 3

[ 0, 1 [ 2 1 3

s 0

1

1 3

0

2 3

1

a origem juntamente com as quatro regiões em destaque na figura da direita. Afirmamos que a origem encontra-se em todas essas quatro regiões. E mais: a distância da origem para essas regiões é nula em qualquer das métricas produto. 5 o ) Existe uma Curva de Peano no quadrado acima, com propriedades topológicas totalmente distintas da curva original de Peano − Por exemplo, veja o ı́tem 7 o ) a seguir. Creio que com essa curva o próprio Peano jamais sonhou. 6 o ) Considere a seguinte sequência de pontos do intervalo [ 0, 1 [ : n 1 2 3 = , , , ... (xn ) = n+1 2 3 4 s 0

r

r

r

r r r rrrr

r

1 2

2 3

3 4

4 5

1

... →

Essa sequência converge para zero. Em sı́mbolos

lim

n→∞

7o ) 0, 999 . . . =

1 1+

1 n

=0

9 9 9 + 2 + 3 + ··· = 0 10 10 10

Para os nossos propósitos será suficiente considerar como universo o hipercubo [ 0, 1 [ n . Ou seja o cubo unitário em qualquer dimensão: Intervalo, quadrado, cubo, etc. ∗

47


8 o ) As quatro sequências dadas a seguir 1

xn =

1 1 , 1− n+1 n+1

rr →

rx3 rx2

rt

rr rt

1 1 ← tn = 1− n+1 , 1− n+1

3

2

r zn =

1 , 1 n+1 n+1

rr

rz

r y2 ry3 rr

rz

2

3

0

1 , ← yn = 1− n+1

1 n+1

1

pertencem todas às diagonais do quadrado unitário [ 0, 1 [×[ 0, 1 [. O centro do quadrado 12 , 12 é o primeiro termo de todas elas. Estas quatro sequências convergem para a origem.

9 o ) A função f : ([ 0, 1 ], µ) −→ ([ 0, 1 [, k) dada por  1 1   6 (1 − 2x), se 0 ≤ x ≤ 2 ; f (x) =   1 (7 − 2x), se 1 < x ≤ 1. 6 2

cujo gráfico está plotado a seguir f (x)

p

1◦

p

p

5 6

p

p

3 6

p

1 6

0

1 2

p

p1

x

é contı́nua em todos os pontos do seu domı́nio. Nota: µ é a métrica usual, isto é, µ(x, y) = |x − y|. 10 o ) Considere a aplicação f dada por f (x) = x, identidade. Mostre que para: a) f : [ 0, 12 [, k −→ ([ 0, 1], µ) temos que lim x = 1; x→0

b) f : [ 0, 1[, k −→ ([ 0, 1[, µ) temos que lim x 6= 0. x→0

48


Se deslocando entre dois pontos sem passar pelo meio 11 o ) Creio que o exemplo dado a seguir é totalmente inédito na literatura matemática; por exemplo, certa feita o mostrei ao Gugu (Carlos Gustavo/IMPA), a princı́pio ele se mostrou reticente, “custou a acreditar” que fosse verdade. Teorema 1 (Gentil/11.09.2008). Afirmamos que o conjunto a seguir

2 3

1 3

0

1

é conexo por caminhos − quando se considera a métrica quântica. Traduzindo em termos intuitivos, o que estamos afirmando é que dados dois pontos quaisquer neste conjunto, como, por exemplo os pontos p e q vistos a seguir s 0

p

s 2 3

1 3

q

1

podemos uni-los por um traço contı́nuo, sem abandonar o conjunto. De outro modo: sentando a ponta de um lápis no primeiro ponto, p, podemos atingir o segundo ponto, q, sem levantar a ponta do lápis e sem sair do conjunto. p

q

s 0

s 2 3

1 3

1

Existe uma versão bidimensional deste fenômeno − E até em qualquer dimensão. Dados dois pontos quaisquer na figura ao lado − como A e B, por exemplo − sentando a ponta de um lápis no primeiro ponto podemos unı́-los por um traço contı́nuo, sem levantar a ponta do lápis e sem abandonar a figura, constituida pelos quatro retângulos. Ou ainda: podemos mover o ponto A pelas quatro regiões da figura sem que ele passe pelos interstı́cios.

49

1 Bs

r 0

A

s

1


Apêndice 1: Possı́veis aplicações É difı́cil prever como este artigo irá reverberar na matemática, entretanto uma aplicação relevante já podemos adiantar, na área da Topologia.

10.3

Curva de Peano

Como consequência do exorcismo do fantasma das ambiguidades nas representações decimais na referência [3] simplificamos uma das construções da clássica Curva de Peano. O século XIX se iniciou com a descoberta de que curvas e funções não precisam ser do tipo bem comportado, o que até então se supunha. O matemático italiano Giuseppe Peano (1858-1932) em 1890 mostrou até que ponto a matemática podia insultar o senso comum quando, tratando do aprofundamento dos conceitos de continuidade e dimensão, publica a sua famosa curva, proposta como cobrindo totalmente uma superfı́cie plana quadrangular. A curva de Peano hoje possui aplicações em compressão de imagens digitais. Adotamos I = [ 0, 1 ]. Definição 1 (Curva de Peano). Chama-se curva de Peano num espaço métrico (M, d) a uma aplicação contı́nua χ : I → M tal que χ I = M . 1

2 3

1 3

s

p

χ

p

z s 1 2

p

1

0

0

p

p

1 3

2 3

1

O professor Elon − por acreditar nos fantasmas das ambiguidades − complica em demasia e desnecessariamente a construção da sua Curva de Peano∗ . (p. 21) ∗

Elon Lages. Espaços Métricos. Rio de Janeiro: IMPA - CNPq,1993./p. 230

50


B

1

{ 0, 1 }N

η

Ψ

1

ξ

s(x, y)

s z

η2

s

s

0

η1

0

{ 0, 1 }N

1

• Curva de Peano simplificada 2 2 3, 3

Por exemplo, na figura a seguir mostramos χ(0.8) =

χ

1 3

ξ

s

p

2 3

p

0.8 s

p

1

1

1 2

.

0

0

p

p

1 3

2 3

1

O quadrado hipermágico O exorcismo do fantasma das ambiguidade nos permitiu definir e construir uma espécie de “volta” da curva de Peano, esta totalmente inédita na literatura. Definição 2 (Quadrado hipermágico). Chama-se quadrado hipermágico num espaço métrico M, d uma aplicação ϕ : M → I contı́nua e injetiva. B (1,1)

1

ν

B

µ y

s

0

x

1

r

σ

r

1

B

• Quadrado hipermágico Nota: Para mais detalhes consulte a referência [3]. 51

rz

0


Apêndice 2: Refutando algumas “provas” da internet 1 a ) Na internet encontrei a seguinte “prova” de que 0, 999 . . . = 1: “Tente escrever um número x tal que 0, 999 . . . < x < 1, verá que é impossı́vel. Dado que não existe um tal x em R então 0, 999 . . . = 1.” • No meu entendimento esta é uma “prova” por demais ingênua. De fato, nunca poderemos exibir um tal x simplesmente porque 0, 999 . . . não é um número, isto é, não encontra-se na reta real. Lembramos (p. 26)

0, 999 . . . ↓

1 ↓

Não se pode comparar um número com uma sequência:

f˜: D̃ → ] 0, 1 ]

0, 999 . . . < 1

∞ X an .a1 a2 . . . → 10n

não faz sentido!

n=1

2 a ) Encontrei o seguinte argumento na internet O número

1 , certo? 9 Multiplicando ambos os lados por 9, temos 0, 1111 . . . =

9 × (0, 1111 . . .) = 9 ×

1 9

0, 9999 . . . = 1

Objeção: Não me foi dito como multiplicar um número por uma sequência, isto é não foi definida a operação R × D̃ → D̃ Observe: usando o mesmo “argumento” do autor, temos O número

1 , certo? 81 Multiplicando ambos os lados por 81, temos 0, 012345679012 . . . =

81 × 0, 012345679012 . . . ??? como fazer este produto?

Nota: Ver Brouwer, p. 42. Ver Chaitin, p. 54, atitude “construtiva”. 52


3 a ) O vı́deo: Isto é Matemática - T10E01 - “0,999999999. . . É Igual a Um” https://www.youtube.com/watch?v=3by2j7YO30o&t=498s mostra três “provas” de que 0, 999 . . . = 1. Bastaria uma prova, se esta estivesse correta. 0, 999 . . . < 1 ?!?!!

Qual a objeção que fazemos contra a “prova”que se encontra na tela da esquerda? Não nos foi dito como multiplicar uma decimal por um número.

0, 333 . . . ↓

1 3

Não foi definida uma operação

D̃ × R → D̃

f˜: D̃ → ] 0, 1 ]

∞ X an .a1 a2 . . . → n 10 n=1

o produto

0, 333 . . . × 3

não faz sentido!

(Multiplica-se uma notação por um número) − Não se opera com o infinito atual • Ver Gauss, p. 31; Ver Courant, p. 28 • Ver Cifuentes, p. 41

Na tela da esquerda, acima, vamos trocar 3 por 27

Ver Nota 2, p. 40

“Números Decimais”

Defina a operação D̃ × R → D̃ e calcule o produto

1 1 = 0.037037037037 . . . ∴ 27 × = 27 × 0.037037037037 . . . ??? 27 27 O computador calcula o produto 27 × 0.037037037037 . . . com uma precisão arbitrária, o que o computador não faz − e nenhum ser humano − é calcular efetivamente produtos como o da tela à direita, acima (utilizando uma definição, se houvesse). Uma das utilidades das representações decimais √ é fazer operações aproximadas com números reais ( π1 · 2, por exemplo), isto satisfaz a todas as necessidades do engenheiro, não do matemático. 53


Adendo: No pdf do livro “Introdução à Análise Matemática na Reta” (Claus I. Doering) encontramos uma crı́tica a números reais com infinitas casas decimais, senão vejamos: (Grifo nosso) (pp. 16,17) √ 2 = 1, 41421356237309504880 . . . Entretanto, a arbitrariedade da base escolhida e os três pontinhos ao final de todos os números não racionais e de muitos racionais, não têm sido interpretados como suficientemente rigorosos. Dedekind, por exemplo, argumentava que não se√conhece (e nunca √ √ se conhecerá) toda a expansão decimal de 2, nem√a de√ 3 e√ nem a de 6, mas, mesmo assim, se afirma, sem piscar, que 2 · 3 = 6. [. . . ] Dedekind introduziu a noção de corte dos números racionais, segundo ele inspirada na teoria de proporções de Eudoxo, e provou que a coleção desses cortes tem uma estrutura de corpo ordenado que contém Q√e que √ não√tem furos (além do que, agora, nesse corpo, pode demonstrar que 2 · 3 = 6). Gregory Chaitin é um matemático e cientista da computação, tal como Dedekind, ele também é contra um “número real com infinitas casas decimais”, tal como √ 2 = 1, 41421356237309504880 . . . Em suma: Por que deveria eu acreditar em um número real se não posso calculá-lo, se não posso provar o que são os seus bits, e se não posso sequer referir-me a ele? E cada uma dessas coisas acontece com probabilidade um! (Gregory Chaitin/Metamat!/p. 176)

Como você vê, alguns matemáticos apresentam a chamada atitude “construtiva”. Isto significa que acreditam apenas em objetos matemáticos que podem ser construidos, podendo, com bastante tempo, em teoria, efetivamente serem calculados por nós. Eles julgam que devia haver alguma via para calcular um número real, para calculá-lo dı́gito por dı́gito; do contrário, em qual nexo se pode dizer que ele tenha algum tipo de existência matemática? (Gregory Chaitin/Metamat!/p. 163) No intermezzo vou discutir brevemente argumentos fı́sicos contra números reais de precisão infinita. (Gregory Chaitin/Metamat!/ p. 27) E no próximo capı́tulo eu gostaria de continuar nas pegadas de Zenão, assim como nas de Rolf, e argumentar que um número com infinita precisão, um assim chamado número real, é, antes, efetivamente não real! (Gregory Chaitin/Metamat!/ p. 144) Nota: Não esqueça do desafio aos matemáticos, secção 9, p. 37. 54


Apêndice 3: O que os doutores pensam de nossos (polêmicos) argumentos Lelé, meu amor lelé, no cabo da minha enxada, não conheço “coroné”! (Raimundo Sodré - A Massa)

Em fevereiro de 2017 um aluno meu enviou a vários doutores em matemática uma cópia do meu livro “Fundamentos dos Números ” ([4]) no qual consta o essencial dos argumentos aqui apresentados contra “os dois erros seculares”. − nas respostas a seguir, estarei eventualmente inserindo meus comentários em itálico, em azul. A todos eles meu aluno enviou uma única e mesma pergunta, ei-la: - Olá professor me chamo Francinaldo, sou aluno de Matemática, é que eu estive dando uma lida em um livro de um autor no qual ele fala no “Mito das Ambiquidades” daı́ me surgiu uma dúvida, na página do livro em anexo, onde o mesmo define em (8.11) igualdade entre duas representações decimais, pergunto: A definição do autor poderia ser adotada? Desde já agradeço pela atenção. Abraço. ∗ ∗ ∗

Adendo: Já que na 6 a resposta (p. 58) fui acusado de estuprar a lógica e ser idiota, decidi transcrever aqui o trecho do meu livro ([4]) no qual consta a definição (8.11) − para que todos possam tirar suas próprias conclusões; então, o referido contexto reza (eu falando): Ocorreu-me mais um argumento contra a “igualdade mesmo!” entre representações e números reais. Pergunto: como definir igualdade entre representações? ? b , b b ···b ··· a0 , a1 a2 · · · an · · · = n 0 1 2

Para definir esta igualdade vou me inspirar (copiar) a definição de igualdade entre sequências − a bem da verdade uma representação é uma sequência, qual seja: a1 a2 · · · an · · · = b1 b2 · · · bn · · · ⇐⇒ ai = bi , ∀ i ∈ N De igual modo, entre duas representações definimos: a0 , a1 a2 · · · an · · · = b0 , b1 b2 · · · bn · · · ⇐⇒ ai = bi , ∀ i ∈ N ∪ { 0 }

(8.11)

Acho esta definição bastante razoável e, se algum matemático se opõe à mesma, gostaria que me argumentasse suas razões. 55


Pois bem, vamos considerar as duas representações seguintes: 1, 0 0 0 · · ·

0, 9 9 9 · · ·

Podemos escrever: 1, 0 0 0 · · · = 1 +

0 0 0 + + + ··· = 1 10 102 103

(8)

Também, 0, 9 9 9 · · · =

9 9 9 + 2 + 3 + ··· = 1 10 10 10

(9)

Ora, se, 1, 0 0 0 · · · = 1 (mesmo!)

(10)

0, 9 9 9 · · · = 1 (mesmo!)

(11)

e,

e, usando o axioma de que duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si, obtemos, 1, 0 0 0 · · · = 0, 9 9 9 · · ·

(mesmo!)

Tendo em conta nossa definição em (8.11) concluimos que, 1 = 0 e 0 = 9 (mesmo!) Conclusão: Os matemáticos diriam que fui insensato em estabelecer a definição (8.11). Da minha perspectiva; digo, para tentar me livrar da pecha de insensato, vejo as coisas da seguinte forma: primeiro, mantenho a definição (8.11), não vejo nenhuma estultı́cie na mesma. Depois interpreto as (segundas) igualdades em (8) e (9) como a convergência de duas séries para um mesmo limite. Do exposto não posso concluir (como o fazem os matemáticos) que as igualdades (10) e (11) são absolutas! digo, que 0, 9 9 9 · · · e 1 representam o mesmo número! Não, não trata-se disto senhores matemáticos, por favor parem um pouco prá raciocinar! Reitero: podemos adotar a definição (8.11), entre representações, sem nenhum sentimento de culpa, daı́ que 0, 9 9 9 · · · e 1, 0 0 0 · · · são duas representações distintas, bem como as respectivas séries em (8) e (9); agora o que estas séries têm em comum é o mesmo limite: 1. ∗

∗ 56


Vamos às respostas ao email do Francinaldo: 1 a ) Bom, de fato considero que a definição dele está errada. Até porque por conta disso se chega num absurdo (0=1). Para mim, na definição tem uma implicação que é válida e uma que não. Porém, concordo com ele na observação final que faz sobre as matemáticas e os matemáticos. Na área de teoria de conjuntos, faz quase 100 anos, houve uma época em que até os mesmos matemáticos duvidaram das matemáticas, por conta de paradoxos inevitáveis que aparecem relacionadas aos números inteiros. Mas, não se preocupe, naquela época eles encontrara formas para contornar esses problemas. 2 a ) Boa tarde Francinaldo. O texto sobre representação decimal não está errado. Tirando algum sensacionalismo que confunde o leitor, não vi erro no texto, nas partes que li. O autor não é um idiota ou um charlatão, como há tantos por aı́, tipo uns Malba alguma coisa. O texto é fluido, embora vê-se que o autor não tem uma visão adiante. Assim, enaltece muito tópicos que, na matemática, não tem muita importância, para quem sabe um pouco mais. Por exemplo, embora seja uma questão de gosto, a construção dos reais via sequências de Cauchy tem muito mais aplicações que a por corte de Dedekind que o autor escolheu. As modelagens computacionais do livro são muito interessantes. − É possı́vel sim que eu não tenha uma “visão adiante”, mas não pelo motivo alegado. Se ele tivesse olhado o prefácio do meu livro com um pouco mais de atenção, teria constatado que de fato faço a construção dos reais pelos dois métodos que ele cita. 3 a ) Oi Francinaldo, O livro em questão parece bastante delicado, para não dizer perigoso. Claro que toda leitura é válida quando se tem senso crı́tico, mas nesse caso o senso crı́tico deve estar bem aguçado. O autor já começa misturando Matemática e misticismo, que me parece uma escolha perigosa. Passei uma vista rápida e vi várias construções bem feitas, incluindo os racionais como classes de equivalência. Outras, pelo menos engraçadas como os números coloridos. Por outro lado, em 8.11 ele tenta “reinventar uma roda” bastante bem estabelecida. Se aceitamos a matemática dos últimos 3 séculos, então 8.11 está errada. Se realmente acreditamos que deverı́amos modificar a representação decimal, essa escolha não poderia ser unilateral, feita por uma única pessoa, sem uma ampla discussão da comunidade matemática. A matemática se constrói como uma parede, tijolo por tijolo e não derrubando conceitos bem estabelecidos e substituindo por outros de relevância duvidosa. Espero ter ajudado.

57


− Primeiro, o que ele considera misticismo, eu considero filosofia. Discordo quando ele afirma que uma mudança na matemática não possa ser unilateral. Com efeito, estamos falando de matemática e não de religião. Se algo é provado, então não se deve pedir permissão de ninguém, a matemática não possui um “papa”, digo, uma sumidade infalı́vel, a exemplo das religiões. “Relevância duvidosa”: é uma pena o doutor não conseguir enxergar que a eliminação das ambiguidades só pode trazer benefı́cios à matemática! Todo conhecimento é polêmico. Antes de constituir-se, deve destruir as construções passadas e abrir lugar a novas construções. É este movimento dialético que constitui a tarefa da nova epistemologia. (Gaston Bachelard)

4 a ) Sim, Francinaldo. A definição é sobre uma Representação não sobre um número em si. 5 a ) O problema são as contradições. Talvez seja necessario introduzir classes de equivalência nessa igualdade. Talvez o professor Samuel de lógica consiga explicar melhor. 6 a ) Prezado Francinaldo, me limitei a ler a página indicada e devo dizer que, infelizmente, o autor - literalmente - estupra a lógica de uma maneira escandalosa, misturando igualdade de representações definida por ele com igualdade entre números, enfim chegando a um absurdo usando uma argumentação simplesmente idiota. Se você é aluno de Matemática, sugiro procurar livros que falem de Matemática e não de bobagens. Abraço. 7 a ) Veja . . . A definição está ok. Ele, ou qualquer um, pode definir o que quiser . . . O problema é o de consistência. Ele cria um falso problema. Isto é, um problema criado por ele mesmo. Veja, a rural tem excelentes professores. Muito bons mesmo. Adriano Régis, Rodrigo Gondim, Tiago Dk, Maité, Barbara . . . Seria mais fácil vc conversar com um deles . . . Abcs 8 a ) Obrigado Francinaldo, mas aparentemente o autor fala de muitas coisas ao mesmo tempo, das quais ele não entende muito bem e através argumentos em geral baseados em falsas premissas e de muita verbosidade criticar teorias e conceitos já a tempos bem aceitos no mundo cientı́fico. Eu gostaria de encerrar aqui a discussão, por achar que é perda de tempo. 9 a ) Segundo a minha opinião, não! Somente uma das implicações é válida, mas não vou entrar a discutir questões talvez filosóficas! 10 a ) Veja: um mesmo objeto matemático pode ser representado de duas formas diferentes . . . 58


Por exemplo um vetor em dois sistemas de coordenadas diferentes possui duas diferentes representações . . . nesse texto tem-se de ser cuidadoso . . . Veja que 0.999 . . . representa uma série infinita . . . Qdo escrevemos 0.999 . . . (infinitos noves representados aqui pelas reticências) na verdade está se representando o limite dessa série (não podemos escrever um número com infinitos algarismos . . . ). − É exatamente isto que estou defendendo, estamos de pleno acordo!. 11 a ) Francinaldo.

Partindo de uma premissa errada podemos provar qualquer afirmação. Talvez você conheça o que vou escrever em seguida: Se 2=1 então sou Napoleão Bonaparte (ou qualquer outra pessoa ou entidade) Demonstração: Considere os conjuntos A=Brito e B=Napoleão e considere a união desses dois conjuntos C=A união com B. (I) Se A e B não são disjuntos então A=B e portanto Brito=Napoleão. (ii) Se A e B são disjuntos, o número de elementos da união é 1 + 1 = 2 = 1, logo a união tem apenas um elemento e portanto Brito=Napoleão. Não se pode partir do pressuposto que cada número real tem uma única representação decimal, como claramente 1, 000 . . . e 0, 9999 . . . são representações diferentes do mesmo número 1. Todo número que possui uma representação decimal terminando em uma infinidade de zeros, admite também uma representação terminando em uma infinidade de noves, por exemplo, 2, 3400000 . . . = 2, 339999 . . . Os números que possuem representação decimal única são os números reais que não admitem representação decimal terminando em um infinidade de zeros ou uma infinidade de noves. Desculpe eu não lhe dar uma resposta mais elaborada, mas este assunto não é muito do meu interesse. Boa sorte. − Meu comentário: Quando afirmei (p. 3) que mesmo doutores tropeçam nesta “matemática elementar” , aqui está mais uma prova. Ele afirma que “claramente 1, 000 . . . e 0, 9999 . . . são representações diferentes do mesmo número 1.” Isto não é verdade, o certo é: ou 1, 000 . . . é representação decimal de 1 ou 0, 9999 . . . é representação decimal de 1, este ou é exclusivo. Pelo ao menos é isto o que acontece para o Prof. Djairo e é isto o que acontece para o outro autor, Aragona, como já salientamos. Nota: me ocorreu o seguinte: é possı́vel que o professor esteja utilizando a definição que consta no adendo da página 65, mas isto não o exime de culpa, haja vista que se deu conta de que a referida definição é inconsistente, espúria. Uma outra objeção que faço é contra a igualdade: 2, 3400000 . . . = 2, 339999 . . ., como sendo entre representações, como afirma este professor. Ora segundo o Prof. Djairo:

59


“De modo mais rigoroso, podemos proceder assim. Uma decimal é uma função f : N → { 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }” segundo o Prof. Djairo, de modo mais rigoroso uma decimal é uma sequência; logo, de modo mais rigoroso, por definição de igualdade entre sequências concluo de 2, 3400000 . . . = 2, 339999 . . . que 4 = 3 e 0 = 9, e agora doutor? Reiteramos: Não apenas segundo o Prof. Djairo como também segundo Aragona, uma decimal é uma sequência. E mais: considerando a representação decimal única − como enuncia explicitamente Aragona − conseguimos eliminar estas contradições. Nota: As contradições que mostro na página 56 (1 = 0 e 0 = 9) decorrem da minha definição de igualdade entre representações decimais (definição (8.11), p. 55), o que os matemáticos não entenderam é que a minha definição não está errada, já que de fato uma representação decimal é uma sequência, de acordo com as definições do: • Prof. Elon, p. 10

• Prof. Djairo, p. 17

• Prof. Aragona, p. 21.

Acho que até uma criança do ensino fundamental conseguiria entender isto! Por isso, penso que fui chamado de idiota sem merecer, gratuitamente. Adendo: Na 5 a resposta (p. 58) lemos: “Talvez o professor Samuel de lógica consiga explicar melhor.”. Por acaso encontrei na internet um lógico − Adonai Sant’Anna (UFPR) − que se posiciona contra meus argumentos. Um internauta perguntou ao Prof. Adonai: “Aproveitando que o sr. faz uma crı́tica ao livro do Elon para professores de matemática, gostaria de perguntar se concorda com a ideia de Gentil Lopes Silva (UFRR) de que a dı́zima 0, 999 . . . não é um número real.” (Este ponto é sério, pois se Gentil estiver certo então todos estão errados). Dentre outras coisas, o Prof. Adonai responde: “Gentil está gravemente errado. Dizer que números não são elementos de conjuntos, mas de estruturas algébricas, é um disparate que beira a loucura. O conceito usual de estrutura algébrica é um conjunto! Além disso, desconheço o conceito de número. [. . . ] Eu já conhecia esse trabalho de Gentil, o qual comete inúmeras impropriedades matemáticas, escreve muito mal e usa tom messiânico em seus textos. Mas não achei que a influência dele persistiria.” E o Prof. Adonai conclui: Resumo: Lima tem razão. A dı́zima 0, 999 . . . é apenas outra forma para representar o número real 1. Bem, eu pensei que uma estrutura algébrica . . . fosse uma estrutura!. Deixo aqui o desafio para o Prof. Adonai provar que 0, 999 . . . = 1 como números, ver “tabuleiro dos reais” . Adonai contradiz Courant, p. 28. 60


Reiteramos: Prof. Adonai para o senhor provar que “Lima tem razão” é muito simples: prove que 0, 999 . . . pode ser alocado neste tabuleiro: A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a

?

R

A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a + (−a) = 0

0, 999 . . . = 1

M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ R∗ , ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado • Completo

Prove que 0, 999 . . . se encaixa (“redondinho”, não “quadradinho”) neste tabuleiro, isto é, defina adição e multiplicação entre decimais e depois prove que todas as propriedades listadas neste tabuleiro são verificadas por sua definição; é simples, é só isto! − Foi assim que Dedekind fez para os seus sı́mbolos; foi assim que Cantor fez para os seus sı́mbolos; por que para os “sı́mbolos de Lima” teria que ser diferente?. Observe: se 0, 999 . . . = 1 não há porque não ser

(12)

√ 2 = 1, 41421356237 . . .

e aı́ lembramos Cifuentes, p. 41; René Guénon, p. 26; lembramos Gauss: “Eu contesto o uso de um objeto infinito como um todo completo; em matemática, essa operação é proibida; o infinito é só um modo de dizer”. Seguido de uma paráfrase da afirmação de Richard Courant: “Assim, a igualdade (12) com seu sı́mbolo incompleto ‘. . .’ é meramente uma estenografia matemática . . . ” Ademais, lembramos o senhor próprio Prof. Adonai: “Ora, isso não faz sentido . . . Não se estabelece um conceito a partir de uma notação”. Prof. Adonai Sant’Anna (UFPR) Se me permite, gostaria apenas de acrescentar: “e nem por autoridade”.

Nota: Para encerrar de vez esta pendenga: Tempos depois encontrei por acaso na internet um colega de trabalho do próprio Adonai (da mesma Universidade-UFPR) que dá razão a mim, e não a ele, Adonai. Ver Nota 2 na página 65 deste pdf. 61


11

Conclusão

Do ponto de vista cognitivo, a evolução também avança no chamamento ou na criação de “sentido”, de significação, ou, em outras palavras, de novos conceitos e novas formas de inteligibilidade. Criar, portanto, não é apenas produzir novas formas, mas sobretudo criar compreensão e entendimento. Novas figuras mentais, conceituais; novas formas e maneiras de existir, de expressar-se, de perceber e perceber-se, de sentir e de sentir-se. (Marcelo Malheiros/A Potência do Nada, p. 178) Adendo: Na verdade o foco da minha atenção começou a voltar-se para as “representações decimais” há muitos anos atrás quando fui estudar a construção da Curva de Peano no livro de Espaços Métricos do Prof. Elon, na época cheguei a trocar alguns email´s com um colega dele do IMPA. Subject: Curva de Peano From: Gentil Lopes da Silva <gentil@dmat.ufrr.br> Date: 06-12-2004 18:43 To: gugu@impa.br Olá Gugu, eu sou o Gentil, há poucos dias lhe enviei um livro e um artigo “Um erro primário na costrução da curva de Peano”. Gostaria de um parecer seu sobre este artigo. Te agradeço a atenção. Obrigado. Um abraço. Gentil. Subject: Re: Curva de Peano From: Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira <gugu@impa.br> Date: Tue, 7 Dec 2004 19:57:25 -0200 (BRDT) To: gentil@dmat.ufrr.br (Gentil Lopes da Silva) Caro Gentil, Muito obrigado pelo livro e pelo seu artigo, o qual pretendo ler assim que possı́vel. Nos próximos dias eu vou ter muito pouco tempo, pois estou acabando de escrever um artigo com um matemático francês que está visitando o IMPA este mês. De qualquer jeito eu queria fazer um comentário geral: eu conheço algumas construções diferentes de curvas de Peano, em várias dimensões. Algumas são difı́ceis de formalizar, mas as construções clássicas funcionam. De qualquer jeito vou olhar com cuidado o seu artigo. Abraços, Gugu. Nota: O livro que enviei ao Gugu foi a 1 a Edição, 2000 do livro que encontra-se na referência [6]. 62


Subject: Curva de Peano From: Gentil Lopes da Silva <gentil@dmat.ufrr.br> Date: 08-12-2004 18:09 To: Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira <gugu@impa.br> Caro Gugu, inicialmente obrigado pela atenção. Eu gostaria de confirmar dois pontos: 1) Se minha refutação da construção constante do livro do Elon procede; 2) Se é verdade que outras demonstrações matemáticas que invocam as supostas ambiguidades terão que ser revistas. Não se preocupe. Aguardarei até que lhe sobre um tempinho. um abraço,

Gentil.

Subject: Re: Curva de Peano From: Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira <gugu@impa.br> Date: Wed, 15 Dec 2004 21:35:21 -0200 (BRDT) To: gentil@dmat.ufrr.br (Gentil Lopes da Silva) Caro Gentil, Eu acho que a construção da curva de Peano feita pelo Elon está correta, e que a sua refutação não procede. Vou tentar explicar a minha posição: Você pode dizer que a única representação decimal correta de 1/2 é 0,5. Entretanto, para isso, você deve dizer que 0,4999... não é a representação decimal de nenhum número. De fato, se x=0,49999..., 10x=4,99999..., donde 9x=10x-x=4,5, e logo x=4,5/9=0,5=1/2. Ou ainda, se o número x=0,4999... não for igual a 0,5, 0,5-x será um número positivo infinitamente pequeno, e logo 1/(0,5-x) será um número positivo maior que todos os naturais, e R não seria arquimediano. Como eu disse, se você quiser, você pode associar a cada número real uma única representação decimal, e associar a 1/2 a representaço 0,5. Nesse caso, a representação 0,4999... não será associada a número nenhum, isto é, não será uma representação decimal, estritamente falando, pois se 0,4999... for a representação decimal de algum número real, como vimos acima, esse número real terá que ser igual a 1/2. Mas nada disso mudará o fato de que a série 0,4+soma(n=2 a infinito)(9/10n ) é igual a 1/2, como você mesmo admite no texto. Na construção da curva de Peano do livro do Elon, a função phi de { 0, 2 }N em K dada por phi((xn ))=soma(xn /3n ) está bem definida, pois essas séries sempre convergem, não? E, como você mesmo diz, phi(0222...)=1/3. A imagem de phi é todo o conjunto de Cantor K, e pode-se verificar que phi é injetiva. Portanto phi é uma bijeção sobre sua imagem K, e como toda bijeção tem inversa, phi também tem. Você pode, como eu observei, dizer que 0,0222... não é a representação em base 3 de nenhum número, de modo

63


que, se y=1/3 não faria sentido dizer que phi−1 (y) é a seqüência (an ) com an em 0,2 para todo n tal que 0, a1 a2 a3 ... é a representação em base 3 de 1/3, pois a única representação em base 3 de 1/3 seria 0,1. Tudo bem. Mas isso não quer dizer que phi−1 não exista, só quer dizer que a descrição de phi−1 em termos da representação em base 3 não faria sentido nesse caso. Se você insiste nesse ponto de vista, é só mudar a descrição da função phi−1 : podemos definir, para y em K, phi−1 (y) como a única seqüência (an ) com an em 0,2 para todo n tal que soma(an /3n )=y. Tal função está bem definida (pois phi é uma bijeção sobre K), e temos phi−1 (1/3) = (02222...). Espero ter ajudado a esclarecer a questão. Abraços, Gugu. P.S.: Gostei da sua fórmula da última página, mas acho que é preciso uma pequena correção: no seu exemplo, pela sua fórmula, o resultado parece ser 2(n, 3) + 2(n, 2) + n, que não é o resultado correto n(n + 1)(2n + 1)/6. Eu acho que sei provar uma fórmula parecida usando a fórmula para o número de funções sobrejetivas de um conjunto em outro. Depois falamos mais sobre isso... Nota: A “pequena correção” não foi preciso, o Gugu se equivocou. Ademais, a “fórmula parecida” era a minha própria, ele não lembrava mais de que já a tinha provado há tempos atrás quando elaborei um desafio que chegou nas mãos dele − Na época eu me encontrava na UFSC fazendo Mestrado. Ademais, a respeito da “operação” 0, 5−0, 4999 . . . ver Gauss, p. 31; ver René Guénon, p. 26. É neste sentido que afirmei que (quase) todos os matemáticos não entenderam a equação 0, 999 . . . = 1. Tratam sequências (representações decimais) como se fossem números reais. Ver Desafio, p. 37.

Uma fórmula inédita “Gostei da sua fórmula” Carlos Gustavo T. de A. Moreira (Gugu/IMPA) Durante muitos anos − possivelmente séculos − os matemáticos estiveram à procura de uma fórmula para a soma de potências dos números naturais, ninguém teve êxito, coube a mim materializar esta aspiração. Teorema 2 (Gentil/1997). Sendo m um número natural arbitrariamente fixado, é válida a seguinte identidade: (Ver [6]) m

1

m

+2

m

+3

Onde: a(m−j) =

+ ··· + n j X

k=0

(−1)k

m

m X n = a(m−j) j+1 j =0

j (1 − k + j)m k

64


Referências [1] Figueiredo, Djairo Guedes de, Análise I. 2a ed. Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos e Cientı́ficos, 1996. [2] Cifuentes, J. C. O “Salto Arquimediano”: Um Processo de Ruptura Epistemológica no Pensamento Matemático. Scientiae Studia – Revista Latino-Americana de Filosofia e História da Ciência, São Paulo, vol. 9, no. 3, 2011. [3] Silva, Gentil Lopes. Análise Real (Com espaços métricos). 2017. Publicação Eletrônica. [4] Silva, Gentil Lopes. Fundamentos dos Números (Tudo o que você gostaria de saber sobre os números mas não tinha a quem perguntar). Publicação eletrônica, 2016. [5] Silva, Gentil Lopes. Números Não Euclidianos (Versão 3D). Publicação Eletrônia, 2018. [6] Silva, Gentil Lopes. Novas Sequências Aritméticas e Geométricas (Com programação na HP Prime). 2 a Edição, 2016. Publicação Eletrônica. Nota 1: Todos os meus livros acima, ([3], . . . , [6]), podem ser baixados no endereço: www.goo.gl/DVWQxz Nota 2: No artigo [2] o autor chega a afirmar explicitamente: “Também, a igualdade 0, 999 . . . = 1 . . . essa é uma falsa igualdade que o método de exaustão força a ser uma identidade. (Grifo nosso) Adendo: Encontrei na literatura a seguinte definição∗ : “Dizemos que uma sequência infinita de dı́gitos . . . é uma exP d1 , d2 , −k pansão decimal do número x ∈ [ 0, 1 [ se a série ∞ d 10 for converk=1 k gente e tiver soma igual a x. Nesse caso, escrevemos x = 0, d1 d2 . . . =

d1 d + 2 + · · · .” 10 102

Por essa definição, temos 25 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . .. Duas observações. Primeira: Essa definição é incompatı́vel com a definição de igualdade de sequências. Segunda: Mesmo que se adote esta definição espúria, meus argumentos contra a resposta do Prof. Elon (a Sun Hsien Ming) continuam integralmente válidos, posto que a definição dele (Elon) é outra − é a mesma do Prof. Djairo e, como tal, deveria ter feito a escolha mencionada. ∗

Propriedades da expansão decimal/Fernanda Martinez Menezes/PROFMAT.

65



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