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VISÃO GLOBAL

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ENFIM

ENFIM

Poder absoluto

DESDE O INÍCIO DA IGREJA, TEMOS LIDADO COM O RISCO DA CONCENTRAÇÃO DE PODER, MAS A VERDADEIRA AUTORIDADE EMANA DA HUMILDADE E DA ORAÇÃO RON KELLY

dwin Friedman, um E rabino judeu e terapeuta familiar, escreveu em seu livro A Failure of Nerve (2007) que, à medida em que a mente humana é treinada nas duras disciplinas do bom senso e da honestidade, nossos “demônios” emocionais vão sendo expulsos. Friedman fala especialmente aos líderes, e ele descreve o “líder bem diferenciado” como alguém que sabe separar seu estado emocional das emoções de seus seguidores, mesmo estando ligado a eles. Para o rabino, a visão de um líder depende mais de suas emoções do que de seu cérebro, mais de sua capacidade de lidar com a própria ansiedade do que de seu preparo profissional e acadêmico.

O autor defende que um bom líder precisa ter coragem de, ocasionalmente, desagradar as pessoas. E a história da nossa igreja confirma isso. Uriah Smith, por exemplo, disse que alguns achavam que faltavam habilidades sociais para Tiago White, pois ele seria alguém duro e injusto até mesmo com seus melhores amigos. Porém, conforme registrou Arthur White, Uriah Smith acreditava que muitos não entendiam uma das principais virtudes de Tiago White: seu amor pela causa que havia abraçado (Ellen G. White: The Lonely Years, v. 3, 1984, p. 164).

Creio que Tiago White foi um líder diferenciado, que se colocou nas mãos de Deus para levar esse movimento profético a uma base segura. Junto com Ellen, sua esposa, eles fizeram tremendos sacrifícios emocionais e relacionais para estabelecer e proteger a igreja. Como pontuou Friedman, para serem diferenciados, homens e mulheres, sejam pais, gestores ou presidentes, precisam saber quem são e o que devem fazer. Os líderes precisam fazer o que é correto porque é certo, caso contrário serão uma desculpa esfarrapada.

PODER CENTRALIZADO

A espressão kingly power (poder absoluto) foi usada por Ellen G. White muitas vezes e em contextos diferentes. Às vezes, ela se referiu à expectativa judaica em relação ao Messias;

em outras oportunidades, ao poder que Jesus deixou para trás quando veio ao nosso mundo; e ainda fez uso dessa expressão para descrever a ânsia pelo controle por parte do doutor John H. Kellogg.

No entanto, na maioria dos casos, ela qualificou como poder absoluto a atitude centralizadora de um homem ou de um pequeno grupo de pessoas sobre a administração da igreja, fossem eles o presidente mundial, o tesoureiro ou os líderes da área de saúde e publicações. A expressão também foi utilizada pela pioneira para se referir à natureza humana não santificada, que inclui o desejo de controle (Enciclopédia Ellen G. White, CPB, 2017, p. 1161-1162).

Em Battle Creek, Michigan (EUA), que se tornou o reduto inicial do adventismo, as decisões estavam concentradas nas mãos de duas ou três pessoas. Porém, essa centralização do processo decisório foi posteriormente revista com a reorganização da denominação na assembleia de 1901. Na oportunidade, foi criado o nível administrativo da União, e que permanece até hoje.

Dois anos mais tarde, Ellen G. White escreveu que a reorganização da igreja, com a inclusão das Uniões, havia sido uma solução divina para evitar o exercício do poder absoluto (Testemunhos Para a Igreja, v. 8, p. 232). Ainda em 1903, ela resgistrou também que todos os servos de Deus têm um trabalho na missão Dele, e que ninguém deve cumprir essa tarefa se colocando numa posição de poder absoluto, e sim com cortesia no discurso e gentileza nas ações (Bible Training School, 1º de maio de 1903).

Por isso, é importante sermos cuidadosos com nossa fala, evitando acusar-nos com frases ou títulos pejorativos. Se alguém dissesse que você, no exercício de sua liderança, está buscando o poder absoluto, essa seria uma acusação contundente, porque carrega em si uma emoção muito negativa. Imagino que ela não deveria ser usada de maneira descuidada, especialmente em relação aos líderes de nossa igreja.

PODER DA ORAÇÃO

Ellen G. White escreveu que, se houvesse mais oração e humildade no exercício da liderança na igreja, a missão adventista avançaria mais (Manuscrito 144, 1903, parágrafo 14). Por isso, as orações não podem ser mera formalidade em nossas reuniões, comissões e decisões. Como ressaltou Ellen G. White, ainda no mesmo contexto, “o Senhor Deus do Céu é o nosso Líder”. Nele podemos depositar nossa segurança, pois nunca cometeu um equívoco. Quem anda no temor do Senhor, meditando em Seu caráter, torna-se semelhante a Cristo e vence a própria arrogância (Este Dia com Deus, p. 38). Ao nos aproximarmos do fim deste mundo, o caráter revelará aqueles que estão e os que não estão cheios do Espírito. Deus poderia fazer Seu trabalho sem nossa ajuda, mas Ele nos dá essa responsabilidade com o intuito de nos transformar e aumentar nossa fé. Porém, se fizemos a obra Dele por conta própria, cairemos no caminho. Em 1904, Ellen G. White escreveu que havia uma grande missão a cumprir, e que seu coração doía de pensar em quantas pessoas ainda não estavam prontas para a volta de Jesus. Ela advertiu adultos e líderes que, neste contexto de urgência, estavam agindo como crianças pequenas. Para ela, não havia desculpa para alimentar desavenças entre o povo de Deus (Carta 61, 1904). Na visão dela, era trabalho de Satanás manter o coração dos serDEVEMOS ORAR vidores da igreja cheio de desconfiança e suspeita, porque a unidade entre os seguidores de Cristo é uma E TRABALHAR evidência de que o poder miraculoso de Deus pode salvar e aproxiPELA UNIDADE mar pecadores, fazendo com que eles cooperem na mesma missão, DO CORPO DE apesar de suas diferenças. Por isso, a profetisa nos aconselhou a orar CRISTO, POIS e trabalhar pela unidade, a fim de que nossa mentalidade seja enobreELA EVIDENCIA cida e nosso egoísmo seja vencido (Carta 170, 1902). O PODER Se você não confia em um líder, ou suspeita dele, desde o pastor MIRACULOSO local até o presidente da Associação, União, Divisão ou Associação Geral, a primeira coisa a fazer é DE DEUS cair de joelhos e orar. O Senhor está chamado líderes diferenciados, que estejam dispostos a conhecer a si mesmos, em Cristo, e a fazer o mesmo em relação aos outros. Portanto, cumpra o papel que Deus lhe confiou e faça seu melhor. Ele será glorificado pelo seu exemplo.

Ocasionalmente, o pastor Ted Wilson convida outros autores para apresentar materiais pertinentes nesta seção. Este artigo foi adaptado de um sermão proferido em dezembro de 2018. Para assistir à série completa, acesse villagesda.org. ]

RON KELLY é pastor da Igreja Village, em Berrien Springs, Michigan (EUA)

Os vulneráveis

AGÊNCIAS DA IGREJA FAZEM SUA PARTE EM DEFESA DOS FRAGILIZADOS E ÓRFÃOS

SANDRA BLACKMER

Caminhando pela costa do Oceano Índico, na África Oriental, trabalhadores de resgate perceberam um objeto a certa distância, na praia. “Será um tronco de árvore? Ou será um animal pequeno encalhado?”, indagaram-se. Aproximando- -se, encontraram uma garotinha, com cerca de 18 meses, quase sem roupa, tremendo de frio e muito assustada, sentada ao lado de um sacola plástica. Na sacola havia algumas rou pas e uma folha de papel em que estava escrito o nome dela: Grace (o nome foi trocado). De duas, uma: ou a mãe não a queria mais ou não tinha condições de cuidar dela e, por isso, a havia abandonado na praia.

Talvez o coração daquela mãe batesse com uma oração de esperança de que alguém encontrasse Grace e suprisse suas necessidades. Se esse fosse o caso, as orações foram respondidas. No entanto, tragicamente inúmeras crianças não têm a mesma sorte.

REVENDO AS ESTATÍSTICAS

Segundo a ONG SOS Children’s Villages, as estatísticas indicam que, no mundo, cerca de 153 milhões de crianças são órfãs, e 263 milhões de crianças e jovens não frequentam a escola. Aproximadamente 69 milhões de crianças sofrem com desnutrição, fator responsável pela metade das mortes de crianças menores de cinco anos de idade. Nos países em desenvolvimento, quase 70 milhões de crianças em idade escolar vão para a escola com fome; desse total, 23 milhões só na África.

Esses números são impressionantes, especialmente à luz da responsabilidade que recebemos de Deus de “cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades” (Tg 1:27, NVI) e de sermos “pai para os órfãos” (Sl 68:5, NVI). Inúmeras famílias têm recebido órfãos em sua casa para amá-los e criá-los até a idade adulta. Obviamente, isso não supre as necessidades de todas crianças que perderam seus pais. Por isso, bom número de membros leigos adventistas tem desenvolvido várias organizações sem fins lucrativos, junto com outras agências de fora da igreja, para ajudar a resgatar e cuidar de crianças que estão sofrendo. Uma dessas agências é a Restore a Child (Restaure uma Criança).

RESTAURE UMA CRIANÇA

Em 1998, Norma Nashed visitou sua terra natal, a Jordânia. Enquanto estava lá, percebeu na comunidade a enorme necessidade das crianças órfãs e negligenciadas e se sentiu compelida a ajudar.

Quando voltou para os Estados Unidos, pediu demissão do seu trabalho e iniciou um ministério sem fins lucrativos, então chamado Reaching Kids International. Solicitando doações e apoio, primeiro da família, amigos e membros da igreja, mais tarde de organizações como o Banco Mundial e Help International, Reaching Kids International, que em 2011 passou a ser chamada de Restore a Child, é um ministério de apoio da Igreja Adventista que oferece alimento, moradia, resgate do tráfico ou educação adventista para cerca de 17 mil crianças, em 20 países, entre eles a Jordânia, Quênia, Etiópia, Congo, Tanzânia, Chade, Zâmbia, Zimbábue, Bolívia, Ucrânia, Sudão do Sul e Haiti.

Restore a Child já financiou ou ajudou a financiar a construção e a administração de oito orfanatos, 12 escolas adventistas e a escavação de seis poços para oferecer água potável para a comunidade. Já pagou os estudos para 2 mil alunos, ofereceu cuidados médicos para milhares de crianças na África e alimenta cerca de 3 mil crianças diariamente. Cerca de 50 voluntários do mundo inteiro

doam seu tempo e talentos para apoiar a Restore a Child e as crianças ajudadas pela instituição. “O desejo do meu coração é cuidar dos órfãos e ensinarlhes sobre Jesus e os princípios do caráter cristão”, diz Nashed. “A educação é a chave. Ela oferece esperança e um futuro às crianças.”

IMPACTO INTERNACIONAL

ChildImpact International (childimpact.org) é um ministério de apoio sem fins lucrativos da Igreja Adventista que ajuda tanto crianças como adultos que vivem na pobreza. Fundado em 1966 como AsianAID e ganhando o novo nome de ChildImpact em 2017, a organização mantêm quatro orfanatos, uma escola para cegos em Bobbili, na Índia, e uma escola para crianças com deficiências de fala e auditivas em Kollegal, também na Índia.

Sua principal missão é dar bolsas de estudos para crianças, patrocinando o estudo nas escolas da missão adventista na Índia, Bangladesh, Mianmar, Nepal, Sri Lanka e Papua-Nova Guiné. Seu programa Operação de Resgate da Criança resgata meninas do

QUANDO COMPARTILHAMOS NOSSA VIDA, SOMOS TRANSFORMADOS

Norma Nashed, fundadora e presidente da Restore a Child, segura a pequena Grace, que foi abandonada pela mãe numa praia

tráfico humano, crianças que vivem nas favelas e bebês abandonados na Índia. A sede do ChildImpact é no estado do Tennessee, Estados Unidos. “Nossa missão principal é dar educação à criança carente, apresentá-la a Jesus e patrocinar seu valioso estudo nas escolas missionárias adventistas”, diz o CEO Jim Rennie.

Mudando de cenário, quando a cidade da Guatemala foi atingida por um terremoto em 1976, deixou inúmeras crianças órfãs. Ken e Alcyon Fleck, junto com um grupo de pessoas leigas da região noroeste dos Estados Unidos, fundaram a International Children’s Care (ICC) como resposta àquela tragédia. Hoje a organização ajuda crianças órfãs, abandonadas ou abusadas em todos os continentes. Por meio dos doadores e outros apoios, o ICC constrói e mantém “vilas para crianças”, formadas por lares de famílias, prédio escolar, indústrias e capela. As crianças recebem uma atmosfera de amor e segurança, assim como a oportunidade de estudar e trabalhar.

Em 40 anos de existência, o ICC, com sede em Vancouver, no estado de Washington (EUA), já ajudou milhares de crianças em todo o mundo (para saber mais, acesse forhiskids.org). “As crianças precisam saber que no mundo há amor para elas hoje e esperança de um futuro melhor”, diz Rich Fleck, presidente da ONG. “O ICC existe para oferecer amor e esperança para crianças muito feridas e que estão demasiadamente famintas para amar, porque toda criança necessita de uma família.”

NECESSIDADES ESPECIAIS

Em 2015, a Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, com sede em Silver Spring, Maryland (EUA), criou uma iniciativa chamada Ministério das

Necessidades Especiais, dirigido por Larry R. Evans. Comprometido a “coordenar e promover a aceitação, o apoio e a inclusão de pessoas que possuem necessidades especiais e para os que cuidam deles”, Evans supervisiona o ministério voltado para cegos, surdos, cuidadores, órfãos e crianças vulneráveis. “Esse ministério oferece maneiras de mostrar compaixão e respeito profundo por todas as pessoas”, diz Evans. “Todos nós somos filhos e filhas adotados por Deus (veja Ef 1:5). Portanto, Deus nos chama para cuidar daqueles que não têm pai ou mãe.” Ellen White nos lembra que “a tarefa de salvar os que não têm lar e os órfãos é responsabilidade de cada um” (O Lar Adventista, p. 169), e nosso modo de cuidar daqueles que necessitam do nosso amor e simpatia é a “maneira de Deus provar nosso caráter” (Testemunhos Para a Igreja, v. 3, p. 511). “Quando compartilhamos nossa vida”, reflete Evans, “geralmente descobrimos que nós é que somos transformados.”

O QUE ACONTECEU COM GRACE?

Após Grace ter sido encontrada naquele trecho da praia, em 2017, as autoridades a entregaram a um orfanato Restore a Child, onde ela está sendo nutrida e cuidada pelos voluntários da organização.

Infelizmente, inúmeras crianças não tiveram o mesmo resultado positivo, mas as organizações adventistas e outros que são comprometidos a resgatar o máximo de crianças possível estão “garantindo a justiça para os fracos e para os órfãos” e mantendo o direito dos necessitados e oprimidos (Sl 82:3). “Esse é o nosso chamado”, diz Nashed. “É isso que o amor nos compele a fazer.” ]

SANDRA BLACKMER é editora-assistente da Adventist World

Oração em espanhol

A EXPERIÊNCIA MARCANTE QUE TIVE COMO ESTUDANTE MISSIONÁRIO NUM QUARTO DE HOSPITAL DIANTE DE ALGUÉM QUE ESTAVA PARA MORRER

DICK DUERKSEN ˝ V ocê precisa ser um estudante missionário.” A voz era do pastor do campus da universidade adventista na qual eu estudava. Para mim, aquela sugestão pareceu totalmente maluca. Eu não queria ser estudante missionário, mas ficar na Califórnia (EUA) e terminar meus estudos. Por que eu deixaria meus amigos a fim de ir para um lugar estranho e distante?

“Hospital Bella Vista. Eles precisam de um capelão ali, por um ano. Você não gostaria de voltar para casa?” Meu pai foi administrador do hospital Bella Vista quando eu estava no ensino fundamental. Eu havia feito muitos amigos na Costa Rica e me apaixonado pelo país. Havia passado centenas de horas correndo atrás das borboletas numa floresta fechada de bambu. “Voltar para casa” era uma grande ideia, mas eu tinha as motivações erradas.

APRENDENDO O IDIOMA

Comecei a sonhar, liguei para meus parentes e enviei uma inscrição para ser estudante missionário. Três meses mais tarde eu estava voando de San Diego, na Califórnia, com escala em Miami, na Flórida, para então ir para San Juan e Mayagüez, em Porto Rico. Tinha 21 anos de idade, era ansioso e tolo.

No meu primeiro dia de trabalho na capelania, Fred Hernández me cumprimentou calorosamente e me levou para o andar de cima, na ala da maternidade. “Este é o lugar perfeito para começar como capelão”, Fred me disse, enquanto subíamos a escada. No primeiro quarto encontramos uma mãe muito feliz, o pai e seus três filhos. Unimo-nos a eles, admirando o bebê recémnascido. Fiz uma breve oração, nos despedimos e saímos.

Foi quando o capelão olhou para o relógio e, assustado, disse: “Dick, esqueci que tenho de estar na estação de TV no centro de Mayagüez em 20 minutos. Tenho que sair agora. Você foi muito bem no primeiro quarto. Estou realmente grato por você estar aqui!” Fiquei sozinho. Um estudante missionário que estava se preparando para ser pastor, mas que não sabia absolutamente nada sobre capelania.

Ao abrir a porta seguinte, encontrei uma mãe solteira, com 15 anos de idade, muito triste, que estava doando o bebê para adoção. Orei

em inglês e saí do quarto. No piso inferior, fugi para a ala da clínica médica, procurando por um paciente “fácil”. A mulher que escolhi olhou bem no fundo da minha alma e perguntou: “Jovem, você sabe orar em espanhol?” Respondi que não, morrendo de medo de ser pego fingindo ser o que eu não era. “Siéntate”, disse ela. Sentei-me, ouvi e aprendi a fazer orações simples em espanhol.

DIANTE DA MORTE

Nas semanas seguintes, visitei muitos pacientes com o capelão Hernández e comecei a me sentir confortável nos quartos dos pacientes. Vagarosamente, muito vagarosamente, comecei a me sentir um pouco capelão.

Uma tarde eu fui chamado para me encontrar com a família Rodríguez na ala de oncologia. Vovó Rodríguez estava no hospital havia algum tempo, lutando contra um câncer, e sua aparência era de quem iria morrer naquele mesmo dia.

Apertei o nó da minha gravata preta, coloquei minha jaqueta azul de capelão, peguei a Bíblia em espanhol e desci as escadas para o primeiro andar. Ela seria a última paciente a ser visitada antes do jantar e eu estava ansioso para deixar o plantão.

A senhora Rodríguez estava numa enfermaria de quatro leitos. Sua cama ficava ao lado de uma grande janela com vista para o jardim do hospital. Puxei a cortina que envolvia o leito e me deparei com oito rostos expectantes.

Meu mundo parou. Cada pessoa procurava em mim um pouco de esperança e motivação, um lampejo de força espiritual que tornasse mais fácil ver a matriarca partir. A esperança deles revelou o deserto da minha alma.

Eu era um estudante missionário. Estava me preparando para ser pastor. Sabia suficientemente o espanhol e a respeito de Deus para me sair bem, mas aquelas pessoas queriam mais do que palavras. Elas desejavam sentir o abraço de Deus por meu intermédio. E eu não tinha nada para lhes oferecer...

Minha vontade era correr para escapar daqueles olhares penetrantes e do cheiro de morte, fugir daquele lugar onde minha impotente fé era ousadamente revelada. Desesperado, caí de joelhos, segurei as mãos da senhora Rodríguez e orei. “Deus, perdoa-me. Não tenho nada para dar. Ajuda-me!”

Então, saí depressa do quarto, corri para fora do hospital pela porta da frente. Passei debaixo da mangueira gigante, pelo meio da lavanderia do hospital, até longe, lá no fundo, próximo a uma plantação de bananas, com grama molhada e macia, um bom lugar para chorar.

Eu havia destruído tudo. Tinha deixado Deus decepcionado. Tinha mostrado a todos que meu cristianismo era só de fachada. Pior de tudo, eu tinha decepcionado a família Rodríguez quando ela mais precisava de mim. Imaginei que eles contariam tudo ao doutor Angell e que ele provavelmente já teria feito minhas malas e comprado minha passagem aérea de volta para casa. Eu tinha sido orgulhoso, agora estava humilhado, quebrado.

SURPRESA

Mais tarde, após muita confissão e de implorar a Deus, voltei ao hospital. Lembro-me de tudo naquela caminhada.

DECEPCIONEI A FAMÍLIA RODRÍGUEZ QUANDO ELA MAIS PRECISAVA DE MIM

As mangas apodrecendo embaixo das árvores. Os arbustos bico-depapagaio, com seu vermelho brilhante em contraste com o verde. Os degraus de concreto mancha dos de barro por onde milhares de famílias haviam entrado no hospital em busca de esperança.

Minha cabeça estava baixa. Eu tentava ser invisível. O doutor Angell foi se encontrar comigo à porta. Segurou nos meus ombros e exigiu que eu contasse o que havia acontecido naquele quarto. “O que você disse para aquelas pessoas?” Eu desmoronei e contei a ele exatamente o que tinha acontecido, implorando seu perdão. Antes que ele pudesse responder, fomos interrompidos pela família Rodríguez, que descia os degraus do hospital. Todos me abraçaram e disseram mil coisas que não entendi.

Quando eles foram, ficamos o doutor Angell e eu. “Dick, você ora em inglês ou em espanhol?”, ele perguntou gentilmente. “Inglês”, sussurrei. “Não foi isso que eles disseram. Eles louvaram a Deus pela oração maravilhosa e compassiva que você fez. Suas palavras foram simplesmente perfeitas para o momento que tiveram de ver a vovó partir. Agradeceram a Deus pela oração que você fez em espanhol perfeito.”

O doutor Angell entrou no hospital e eu me sentei sozinho nos degraus sujos de barro vermelho, agradecendo a Deus por ter me enviado como estudante missionário. ]

DICK DUERKSEN é pastor e mora em Portland, Oregon (EUA)

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