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INSTITUCIONAL

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EM FAMÍLIA

EM FAMÍLIA

META AMBICIOSA

Liderança da igreja no continente espera ter 1 milhão de pessoas estudando a Bíblia até o fim deste ano

FELIPE LEMOS

atizado há quase 21 anos na Igreja Adventista, Luiz Cláudio da Silva B Campos, 50 anos, funcionário público do governo do Distrito Federal, é um incansável instrutor da Bíblia. Ele atende pessoas em casa e, semanalmente, em uma classe na congregação adventista localizada em Águas Claras, a 22 km do centro de Brasília. Além de ensinar a Bíblia, Campos procura criar um ambiente relacional em que as pessoas possam ser atendidas de maneira integral. “Tenho trabalhado com a ideia de uma classe bíblica como espaço de acolhimento para pessoas que vão ali não apenas em busca de conhecimento”, afirma o instrutor. O estudo bíblico está presente, mas envolto em uma atenção especial a quem, muitas vezes, chega com uma vida muito sofrida. Como resultado desse trabalho, ele estima que pelo menos 70 pessoas já foram batizadas. A ênfase no estudo da Bíblia faz parte do DNA adventista. A denominação é herdeira de uma cultura religiosa fortemente influenciada pela ideia de que a Bíblia Sagrada precisa estar disponível e ser estudada por todas as pessoas. Com o intuito de manter essa

visão, a liderança da igreja na América do Sul estabeleceu a meta ambiciosa de ter 1 milhão de pessoas estudando a Bíblia até o fim de 2019. Desse modo, a igreja espera disci pular e batizar pelo menos 250 mil novos membros nos oito países que compõem a Divisão Sul-Americana.

Os dados da Secretaria Executiva mostram que, no fim do primeiro semestre, havia aproximadamente 433 mil pessoas estudando a Bíblia, isto é, 43% do alvo. No caso do número de batismos, foram 109.574 até junho, o equivalente a 43,8% do desafio total. Para o evangelista Luís Gonçalves, o movimento de estudos bíblicos e batismos ocorre o tempo inteiro, tanto por meio de semanas e programas especiais quanto por meio do trabalho pessoal e silencioso de muitas pessoas.

A motivação para que se alcance essa meta tem uma fundamentação bíblica. “Muito mais do que ensinar métodos evangelísticos aos membros, devemos ensiná-los a viver os valores do reino de Deus. Jesus dedicou três anos e meio aos discípulos e às multidões, começando com o Sermão do Monte”, ressalta o pastor Herbert Boger Jr., líder sul-americano da área de Ministério Pessoal. Para o pastor Boger, o processo do discipulado passa, também, pelo trabalho de se abrir a Bíblia de casa em casa e em outros locais.

As metas de 1 milhão de estudos e de 250 mil batismos estão relacionadas. “Pesquisas mostram que, em média, a cada cinco pessoas que estudam a Bíblia, uma é batizada. O conhecimento da Bíblia e de Deus é um fator importan tíssimo para a tomada de uma decisão espiritual sólida”, o pastor Boger acrescenta.

Quando se fala de estudos bíblicos, os adventistas se referem a dar maior ênfase nas classes bíblicas por faixa etária (o que inclui adultos, jovens, adolescentes) e através de pequenos grupos, plataformas digitais e outros meios possíveis. Isso inclui iniciativas como a edição de uma nova Bíblia Missionária (com estudos em cadeia) e o fortalecimento de ações digitais para levar o conteúdo bíblico a muitas pessoas, como é o caso da Escola Bíblica Digital, coordenada pela Rede Novo Tempo de Comunicação. Hoje são realizados diariamente até 6 mil atendimentos nesta plataforma. O presidente da igreja na América do Sul, pastor Erton Köhler, ressalta que o foco principal de todo o movimento é ter mais membros envolvidos. “Não queremos apenas batismos que representem números. Desejamos pessoas mais preparadas e envolvidas no crescimento que tem como características comunhão, relacionamento e missão. Nosso sonho não é apenas encher a igreja, mas encher o Céu”, assinala. ]

FELIPE LEMOS é jornalista e gerencia a equipe da assessoria de comunicação da sede sul-americana da Igreja Adventista

TEORIA E PRÁTICA

Simpósio sul-americano discute fundamentos bíblicos e métodos de discipulado

ANDRÉ VASCONCELOS E MÁRCIO TONETTI

ordem divina de fazer discípulos

A(Mt 28:19, 20) tem sido entendida e praticada de diferentes maneiras. Hoje, no meio cristão, fala-se de discipulado “sacramental”, “transformacional”, “intencional”, “inclusivo”, “carismático”, “escatológico”, “radical”, “social”, “plural”, “orgânico”, “emergente”, “pós-colonial”, “holístico”, “simples”, “digital”... A lista é grande.

Em meio a tantas correntes e tendências de interpretação, os adventistas têm buscado edificar sua noção de discipulado sobre sólido fundamento bíblico. Isso ficou evidente no 13º Simpósio Bíblico-Teológico Sul-Americano, realizado no rochoso campus da Universidad Peruana Unión (UPeU), em Lima, nos dias 31 de julho a 3 de agosto.

“Amontoar tijolos não é o mesmo que construir um edifício”. A frase proferida por Ruben

Com 510 inscritos e a presença de teólogos dos seminários adventistas do continente e de outras regiões do mundo, o 13 o Simpósio Bíblico-Teológico Sul-Americano voltou a ser realizado na universidade que recebeu a primeira edição do evento

Jaimes, professor emérito da UPeU, foi uma das analogias utilizadas para falar sobre o propósito do discipulado e o caminho para que a igreja cresça de maneira sustentável. Como foi enfatizado durante todo o evento, o crescimento numérico não é sinônimo de fazer discípulos, embora possa ser resultado desse trabalho.

Já o doutor Ekkehardt Mueller, diretor associado do Biblical Research Insitute (BRI), trouxe esclarecimentos quanto ao processo. Segundo ele, o discipulado começa antes do batismo e não termina quando a pessoa é mergulhada nas águas. Por isso, ele acredita que, após o batismo, as pessoas devem continuar recebendo atenção, responsabilidades e treinamento.

As 101 plenárias e oficinas abordaram aspectos teológicos e práticos do discipulado. Para discutir o tema a partir de diferentes enfoques, foram convidados teólogos dos oito seminários sul-americanos, bem como de outras partes do mundo. A lista incluiu os doutores Elias Brasil e Clinton Wahlen, do Biblical Research Institute (BRI), Felix Cortez e Cedric Vine, professores de Novo Testamento da Universidade Andrews, Wagner Kuhn, diretor do departamento de Missão Mundial da mesma universidade, e Alberto Timm, diretor associado do Ellen G. White Estate.

FUNDAMENTOS BÍBLICOS

Ao discutir o conceito de discipulado no Antigo Testamento, os palestrantes observaram que essa palavra não é usada na literatura veterotestamentária e que o termo hebraico talmid, que significa “discípulo”, ocorre apenas em 1 Crônicas 25:8.

No entanto, foi ressaltado que isso não quer dizer que os autores do Antigo Testamento não estivessem preocupados com a transmissão de valores religiosos e a formação de discípulos. Essa preocupação pode ser observada, em parte, na ênfase do Pentateuco sobre o ensino dos mandamentos de Deus e a fidelidade à aliança.

Deuteronômio 6:4 a 9, por exemplo, destaca a importância do discipulado no âmbito familiar. O verso 7 menciona que os pais devem “inculcar” (do hebraico shanan, que tem o sentido de “repetir”) as palavras de Deus na mente dos filhos. Logo, eles têm o dever religioso de relembrar as instruções divinas diariamente.

O doutor Wagner Kuhn, professor de Teologia na Universidade Andrews, compartilhou sua experiência familiar como um exemplo de discipulado bem-sucedido. “Meus pais não tinham completa educação primária, mas tinham completa educação bíblica”, ele enfatizou. Inspirados nas histórias que costumavam ouvir dentro de casa, Wagner e dois de seus irmãos decidiram servir à igreja além-mar.

Como foi observado pelo doutor Pablo Rotman, professor de Teologia na Faculdade Adventista da Bahia (FADBA), o plano de Deus esboçado no Antigo Testamento era expandir Seu reino na Terra por meio de famílias (Gn 1:28). “Nesse sentido, Gênesis 12:1 a 3 mostra como esse plano continuou com Abraão. Sua família se multiplicaria e seria uma bênção para todas as famílias”, afirmou Rotman.

O conceito de discipulado do Antigo Testamento também inclui a ideia de “caminhar” ou “andar” com o Senhor, assim como Enoque (Gn 5:22, 24). Esse aspecto foi discutido especialmente pelos pastores Paulo Clézio dos Santos, professor de Teologia no Instituto Adventista Paranaense (IAP), e Alejandro Bullón, evangelista e conferencista internacional. Andar com Deus envolve um estado de constante dependência Dele, bem como fidelidade incondicional às especificações da aliança (Mq 6:8).

A exemplo do Antigo Testamento, a literatura neotestamentária não menciona o termo “discipulado”. Para comunicar a ideia, o Novo Testamento usa especialmente os termos “discípulo” (do grego mathe¯te¯s), “fazer discípulo” (mathe¯teuo¯), “aprender” (manthano¯) e “seguir” (akolutheo¯). Além disso, locuções como “vir após” (Mt 16:24) e “andar com” (Jo 6:66) reafirmam a existência do conceito teológico de discipulado no Novo Testamento. Em outras palavras, embora o termo “discipulado” não tenha sido empregado, existe um campo semântico que transmite essa ideia nos escritos apostólicos.

Talvez o texto mais importante sobre o assunto no Novo Testamento seja o de Mateus 28:18 a 20. O teólogo Leonardo Nunes, professor de Teologia na FADBA, argumentou que o particípio grego poreuthentes usado nessa passagem, o qual é traduzido como “ide”, está semanticamente subordinado à expressão “fazer discípulos” (mathe¯teusate), por se tratar de uma circunstância atendente no idioma grego. Assim, o termo “ir” pega carona no verbo principal (mathe¯teusate), que está no imperativo, indicando que os seguidores de Cristo devem ter uma atitude proativa no processo de discipulado. Ou seja, eles devem ir em busca de pessoas e discipulá-las. Nunes também observou que “fazer discípulos” é o resultado da presença constante de Jesus na vida de Seus seguidores e não o meio para obtê-la (Mt 28:20). Isto é, a presença de Cristo na vida do cristão é a causa, e o fazer discípulos, o efeito. Além de mostrar a causa e o resultado do discipulado, a grande comissão em Mateus revela como fazer discípulos: (1) “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”; e (2) “ensinando-os a guardar todas as coisas”. Para Jesus, o maior Mestre de todos os tempos, existe uma relação equilibrada entre o ensino e o batismo. Ambos são importantes e igualmente necessários para a formação do discípulo.

Desse modo, tanto no Antigo como no Novo Testamento, ser um discípulo é ser um genuíno servo de Deus; é estar comprometido com o Senhor, com a missão, com a ética e o estilo de vida apresentados na Bíblia.

DO SIMPÓSIO PARA A IGREJA

O doutor Adolfo Suárez, diretor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT) e um dos organiza dores da programação, espera que essa reflexão teológica chegue de maneira didática aos membros da igreja através dos participantes e do livro que será lançado no próximo simpósio, previsto para acontecer em 2021 no Instituto Adventista Paranaense.

Oferecer uma visão mais ampla sobre um tema assim tão relevante pode contribuir para a multiplicação de redes de discipulado como a que foi apresentada no encerramento do evento. Em uma comunidade adventista da capital peruana, várias pessoas têm se conectado à igreja e aprendido a viver como Cristo a partir de um trabalho que envolve estudo da Bíblia, oração e ensino. ]

ANDRÉ VASCONCELOS é pastor e trabalha como editor de livros e periódicos na CPB; MÁRCIO TONETTI é jornalista e atua como editor associado da Revista Adventista

A política da religião

NOVA ONDA DE APROXIMAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO NO CENÁRIO GLOBAL REVELA TENDÊNCIA PREOCUPANTE MARCOS DE BENEDICTO

Omundo atual vive um paradoxo: ao mesmo tempo, ele se distancia e se aproxima de Deus, e os próprios atores políticos que defendem a liberdade religiosa correm o risco de impor um padrão de religião que ameaça destruir essa liberdade. Ou seja, à medida que a sociedade se torna mais secularizada, ela se volta também para a religião, o que desperta uma tentativa autoritária de salvar os princípios da religião livre. Em tal contexto polarizado, tudo é politizado, inclusive a religião, que se mistura com o neonacionalismo e o populismo radical. Há uma estranha narrativa político-religiosa sendo escrita em nível mundial.

Com diversos tons e um raivoso discurso antiglobalista, o fenômeno “imprevisto” do novo nacionalismo afeta um grupo crescente de países do Ocidente e do Oriente, incluindo Áustria, China, Dinamarca, Estados Unidos, Filipinas, França, Hungria, Holanda, Índia, Indonésia, Inglaterra, Israel, Itália, Japão, México, Polônia, Rússia, Turquia e, claro, o Brasil. Os motivos que desencadeiam esse fenômeno são vários: crise econômica, imigração incontrolável, crescente desigualdade social, perda de valores morais, enfraquecimento das instituições tradicionais... No vácuo da incompetência, da insegurança e do medo, os populistas entram com seu discurso moralizante e hostil às elites, mas, longe de renovar a moral e beneficiar o povo, constroem uma nova ide ologia e substituem uma elite por outra.

Se o patriotismo cívico é saudável, o nacionalismo fanático e ideológico pode se tornar sanguinário. Alguns dos piores crimes da história foram cometidos em nome da nação, inclusive a morte de Cristo (Jo 11:50). O nacionalismo do século 19 parecia inocente, mas se tornou um monstro genocida na primeira metade do século 20. Em uma entrevista ao jornal La Stampa publicada no dia 9 de agosto, o próprio papa Francisco, preocupado com o nacionalismo, reclamou: “Ouvimos discursos que lembram os de Hitler em 1934.” A religião cívica parece inofensiva, mas pode se transformar em uma fera perseguidora.

Nesse cenário, torna-se perceptível a silhueta da Igreja cortejando o Estado, ou vice-versa. Alguns países simplesmente intensificaram a relação já existente entre política e religião, enquanto outros buscam uma espécie de detox do ópio (anti)religioso representado pela ideologia que dominou boa parte do mundo nas últimas décadas. A reação pendular aos males causados pelo esquerdismo trouxe de volta um direitismo que, em longo prazo, pode causar males igualmente nefastos. O problema não é a interação amistosa entre religião e política, e sim a instrumentalização da religião para promover o radicalismo ideológico. O risco da mistura entre política e religião é politizar a religião e “religionizar” a política, o que é ruim para ambas.

O caso mais típico nessa linha é a realidade norte-americana, em que Donald Trump, um presidente improvável que percebeu os novos gostos políticos e usou amplamente as mídias sociais, foi saudado como uma espécie de “messias” pelos evangélicos. Não por acaso, ele recebeu o apoio de mais de 80% dos evangélicos brancos na eleição de 2016, apesar de mostrar comportamentos pouco afins ao evangelho. Uma pesquisa realizada em agosto do ano passado pela Associated Press em conjunto com o NORC Center for Public Affairs Research reve lou que sete em cada dez evangélicos brancos do país apoiam o presidente.

Esses religiosos engajados na política se esquecem de que, para merecer respeito e ter sua voz realmente ouvida, eles precisam ter uma religião acima dos partidos políticos. Até porque vários estudos têm demonstrado que a afiliação política acaba influenciando as próprias escolhas religiosas, como argumenta Michele Margolis em seu recente livro From Politics to the Pews (The University of Chicago Press, 2018). Em outras palavras, não é só a religião que afeta a política; uma identidade partidária forte tem efeitos religiosos.

Para não ficar somente no caso dos Estados Unidos, vale fazer uma breve menção ao Oriente Médio. Se em muitos países é a economia que move a política, nos territórios do Oriente Médio é a religião que ainda manda. Em Israel, na Turquia e na maioria dos países da região, o pertencer à religião e o viver no território nacional se misturam, e o Estado faz parte do coração da identidade religiosa, conferindo significado e coesão social. A redefinição da religião pela nação-estado, ou às vezes a definição do estado-nação pela religião, faz surgir um nacionalismo religioso e uma homogeneização religiosa, ao contrário da Europa e da América, onde a separação entre Igreja e Estado possibilitou o pluralismo religioso.

Conforme Jocelyne Cesari explica no artigo “Unexpected Convergences: Religious Nationalism in Israel and Turkey”, publicado na revista Religions em 2018, as instituições políticas desses países não somente se apropriam da religião e a instrumentalizam, mas a “redefinem como parte da nova ordem social e política”. Para ela, “o nacionalismo religioso não é simplesmente o uso do islamismo ou do judaísmo para o controle político pelo Estado, mas, em vez disso, é um traço da nova psiquê dos cidadãos sob a nova ordem política, incorporado em comportamentos automáticos inculcados desde a infância”. Enfim, o aparato do Estado se encarrega de transformar o país em religião, ou a religião em nacionalidade.

O PERIGO DO AUTORITARISMO

Alguém pode argumentar que a religião e a política nunca estiveram realmente separadas, o que

é verdade. Em alguma parte do mundo, em qualquer fase da história, as duas sempre caminharam juntas. Desde o momento em que o imperador Constantino supostamente viu no céu o sinal da cruz, acompanhado da inscrição “com este sinal vencerás”, e se ajoelhou em oração antes da batalha da ponte Mílvia sobre o rio Tibre, em outubro de 312, o mundo ocidental sempre teve que lidar com a tentação de unir religião e política. Ao comentar esse acontecimento, num capítulo do livro Politics, Religion and Political Theology (Springer, 2017), Michael Allen Gillespie escreveu: “De várias maneiras, desde aquela época, papas e imperadores, reis e cardeais, reformadores e príncipes, grupos confessionais e parlamentos têm lutado para encontrar maneiras de coexistir.”

Mesmo nos Estados Unidos, onde há uma separação constitucional entre Igreja e Estado, uma invenção tipicamente americana, uma vez que na Europa a relação Igreja-Estado era vista como algo natural, sempre houve uma mistura de interesses nas duas esferas. Embora “Deus” e o termo “divino” não apareçam explicitamente na constituição do país, tanto um quanto o outro são mencionados pelo menos uma vez em cada constituição dos 50 estados norte-americanos, num total de quase 200 menções, segundo um levantamento do Pew Research Center. Algumas constituições se referem ao “Criador”, “Senhor”, “Todo-Poderoso”, “Ser Supremo” e “Supremo Governante do Universo”. E sete estados (Maryland e outros seis) proíbem os ateus de exercerem cargos públicos, embora a lei não venha sendo aplicada, por temor de ferir a carta magna. Em Maryland (“Terra de Maria”), a crença em Deus ainda é um requisito até para testemunhas.

No prefácio do livro God’s Democracy (Praeger, 2008), o historiador italiano Emilio Gentile escreveu: “Todos os presidentes dos Estados Unidos, desde os tempos do primeiro presidente, George Washington, terminaram seu discurso inaugural pedindo que Deus abençoasse a América, e nenhum presidente deixou de mencionar, pelo menos uma vez, sua fé no Deus Todo-Poderoso, na origem divina da democracia americana e na missão providencial da nação. O presidente americano é não apenas o líder político da nação, mas também o pontífice de sua religião civil.” Assim, o governo é visto como o protetor legal da liberdade religiosa, enquanto os políticos usam a religião e os religiosos usam a política para alcançar seus fins.

Que a mistura de religião e política está crescendo no mundo está bastante claro. A novidade é a intensidade dessa relação. Destacados atores (países) no teatro político estão indo na mesma direção ao mesmo tempo, e normalmente com virulência. Resultado? Assim como (e)ventos políticos decisivos do passado instigaram movimentos semelhantes em outras paisagens, a exemplo da Revolução Francesa, do fascismo e do comunismo, a guinada políticoreligiosa do momento também tem o poder de facilitar outros experimentos na mesma direção. Embora seja difícil prever se esse ciclo direitista será longo, o alinhamento em escala global pode representar risco.

No caso dos Estados Unidos, o ataque terrorista de 2001 claramente representou um momento apocalíptico na história mundial recente e motivou uma guinada na política da maior nação do planeta. A fragilidade do poderoso império despertou seu ímpeto contra as ideologias ameaçadoras. “O trauma que os americanos sofreram na tragédia de 11 de setembro foi não somente psicológico, existencial e político, mas, para os crentes, também religioso”, avalia Gentile. Para a população altamente religiosa dos Estados Unidos, o impacto foi enorme. Como poderiam os representantes

de uma fé radical diferente humilhar a nação escolhida? Teria Deus abandonado a América? O que fazer para conter a religião rival? A estratégia foi a aproximação da ala mais fundamentalista do cristianismo americano com o segmento mais conservador da política de Washington, dando origem ao novo americanismo.

CHOQUE DE RELIGIÕES

Na visão profética adventista, os Estados Unidos vão liderar o alinhamento político-religioso de boa parte do globo no fim dos tempos, perseguindo os dissidentes (Ap 13:15-17). Para isso, terá que mudar sua retórica e abandonar sua ideologia da liberdade, pelo menos na prática. A nação posará de cordeiro, símbolo de Cristo, mas agirá como dragão, símbolo de Satanás (Ap 13:11). A lei humana será honrada acima da lei divina, e o resultado será o caos.

Ellen White, pioneira inspirada do movimento adventista, tinha uma preocupação com a interface entre religião e política no contexto americano, prevendo que a religião controlará a política, criando um monstro feroz. “A fim de formarem os Estados Unidos uma imagem da besta, o poder religioso deve a tal ponto dirigir o governo civil que

O RISCO DA MISTURA ENTRE POLÍTICA E RELIGIÃO NÃO É A DEFESA DE VALORES E PRINCÍPIOS, MAS POLITIZAR A RELIGIÃO E “RELIGIONIZAR” A POLÍTICA

a autoridade do Estado também seja empregada pela igreja para realizar os seus próprios fins”, ela escreveu (O Grande Conflito, p. 443).

Logo à frente, ela completa: “Quando as principais igrejas dos Estados Unidos, ligando-se em pontos de doutrinas que lhes são comuns, influenciarem o Estado para que imponha seus decretos e lhes apoie as instituições, a América do Norte protestante terá então formado uma imagem da hierarquia romana, e a aplicação de penas civis aos dissidentes será o resultado inevitável” (p. 445). Embora tanto a direita quanto a esquerda possam ser cooptadas pelo mal e se transformar em “bestas”, aqui o perigo vem da extrema direita religiosa, que existe desde o início do século 19, mas ganhou influência nas últimas décadas.

Na verdade, a nação norte-americana já vive um paradoxo: ao se ver na obrigação de defender o mito de que o país é o paradigma da liberdade religiosa, acaba se posicionando como a guardiã global da religião livre e forçando um conformismo ao seu padrão. Assim, a religião passa a ser um elemento definidor por excelência de quem é amigo e digno de confiança. No livro Beyond Religious Freedom (Princeton University Press, 2015), Elizabeth Shakman Hurd discorre sobre esse tema e afirma: “O discurso da liberdade religiosa descreve e legalmente define indivíduos e grupos em termos religiosos ou sectários e não com base em outras afinidades e relações – como, por exemplo, afinidades políticas, laços históricos ou geográficos, vizinhança ou afiliações ocupacionais, redes de parentesco, vínculos geracionais ou fatores socioeconômicos. Ao posicionar a religião como prioritária em relação a essas identidades e afiliações, o modelo dos direitos religiosos aumenta a importância sociopolítica do que as autoridades nacionais ou internacionais designam como religião.” Assim, o critério para julgar alguém é o religioso, a chamada “ecologia de afiliação”. No fim, o que vai desencadear a fúria imperial norte-americana contra os dissidentes? Um conjunto de fatores, mas com destaque para a religião que não se alinhar com a ideologia político-religiosa dominante. De acordo com a con trovertida tese de Samuel Huntington a respeito do “choque de civilizações”, as diferenças mais importantes entre os povos no mundo pós-guerra fria não mais são “ideológicas, políticas nem econômicas”, mas culturais. E a chave para definir o elemento cultural seria a religião. Em grande medida, ele argumentou em The Clash of Civilizations (Touchstone, 1996), “as principais civilizações da história humana têm sido intimamente identificadas com as grandes religiões do mundo; e pessoas que compartilham etnia e linguagem mas diferem em religião podem massacrar umas às outras”. No caso, haverá um choque de religiões. A percepção do risco de descristianização da América e a ameaça de islamização do mundo são elementos importantes nessa trajetória profética. O processo pode ser longo, com idas e vindas, mas chegará aonde a profecia sinaliza.

A ligação entre religião e política ou Igreja e Estado nunca termina bem. Não importa se o Estado é de direita ou esquerda, em algum momento ele se tornará Leviatã, o monstro imperial que age como soberano absoluto. A metáfora do Leviatã como um governo central que concentra todo o poder em torno de si e controla as decisões da sociedade, a fim de evitar o caos social ou situações chamadas de “estado de natureza”, é associada ao livro homônimo de Thomas Hobbes lançado em 1651. Porém, o simbolismo do verdadeiro Leviatã vem da Bíblia. Os monstros ou bestas de Apocalipse 13 são poderes político-religiosos cooptados pelo dragão (Satanás) para promover sua agenda de intimidação e perseguição. O objetivo é desviar o foco da adoração de Deus para si mesmo. Portanto, a política local ganha uma dimensão maior ao ser vista como um estágio na geopolítica cósmica.

Em síntese, o mundo políticoreligioso está mudando. A ideia de que a religião desapareceria do mapa diante das forças modernistas era compartilhada por grandes pensadores sociais do século 19. Hoje, eles perceberiam a complexidade da sociedade e explicariam as coisas de maneira diferente. A aproximação entre religião e política no momento pode ser apenas a soma de coincidências sociopolíticas, mas pode também ser a acentuação de um movimento global com futuras implicações proféticas. Sem sensacionalismo e apavoramento, os cristãos conscientes observam os acontecimentos e mantêm a esperança de que, depois do caos político-religioso, virá um reino de paz. ]

MARCOS DE BENEDICTO, pastor, jornalista e doutor em Ministério, é redator-chefe da Casa Publicadora Brasileira

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