XXX
DEZ.2019
OS PROBLEMAS
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AS SOLUÇÕES
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CULTURA
A Revista RESSONÂNCIA tem sido pautada por edições fortemente viradas para a discussão de assuntos pertinentes na sociedade atual. Como tal, decidimos celebrar a XXX Edição dedicando-a exclusivamente ao tema mais “quente” da atualidade: a SUSTENTABILIDADE DO PLANETA. Porque de facto, com alguma pesquisa e com a ajuda de quem dedica a sua vida a esta área, compreendemos que o termo “sustentabilidade ambiental” é limitativo. Na realidade, este conceito engloba a preservação dos ecossistemas, sim; mas acima de tudo, a própria sobrevivência humana. Nesta edição, avaliamos os problemas, descortinando a ganância humana. Desmascaramos o facto dos interesses económicos continuarem a manter-nos afastados das metas estabelecidas e defendidas por cientistas há mais de 30 anos. Metas essas que são necessárias cumprir para evitar atingir o ponto de “não retorno”: o ponto onde seriam despoletadas reações em cadeia irreversíveis, fora do controlo humano. A inevitabilidade do aquecimento do planeta e consequentes fenómenos climáticos terão um impacto inquestionável na saúde humana, situação particularmente importante para futuros médicos, que destacamos na grande reportagem. Por outro lado, ressalvamos que falar sobre isso não chega. Há que agir a diferentes escalas, começando à escala individual a partir da informação,da autoreflexão e alteração consequente dos nossos hábitos de consumo. A partir daí, ganhamos a responsabilidade de advogar: aumentar a consciencialização da comunidade que nos envolve, promovendo a pouco e pouco a alteração dos hábitos com uma pegada ambiental desproporcional e redefenindo os costumes em direção a um mundo ambientalmente, socialmente e economicamente responsável. A RESSONÂNCIA é o nosso megafone e, por acreditamos que a informação é o primeiro passo para a mudança, decidimos dar voz ao planeta. Que o verde seja mais do que a cor da esperança, seja a cor com que pintemos o futuro. Dedicamos a trigésima edição da RESSONÂNCIA aos que lutam pela futuro, com grandes ações ou com pequenos gestos; aos nossos colaboradores que tiraram do seu tempo para nos ajudar a construir esta edição e aos nossos leitores, que fazem o trabalho valer a pena, e que esperamos que esta edição os ajude a se tornarem agentes ativos da mudança.
Carolina Moreira e Catarina Cardoso, Coordenação-Geral da Revista RESSONÂNCIA
CRÓNICA 1 O I N Í C I O D E U M A D O L O R O S A C A R TA D E D E S P E D I DA
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OS PROBLEMAS O F L U X O O C U LT O D E C O 2
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O A C O R D O D E PA R I S R E V I S I TA D O
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O D I A D E P O I S D E A M A N H Ã - PA RTE 2
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GRANDE REPORTAGEM A G R A N D E P A N D E M I A : A LT E R A Ç Õ E S C L I M Á T I C A S
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AS SOLUÇÕES G U I A PA R A U M N OVO A M B I E NTE
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ECONOMIA CIRCUL AR : E SE O LIXO NÃO
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FOSSE LIXO? PORTUGAL E UM FUTURO ENERGÉTICO S U S T E N T ÁV E L
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CULTURA NANTERRE . SEMPRE .
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P L ATO N
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GREEN SCREEN
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O FUTURO É AGOR A - A OBR A DE OL AFUR
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ELIASSON
CRÓNICA 2 G U S T AV O
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C
N
R
I
Ó
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A
CRÓNICA 1
CLÁUDIA JESUS
O início de uma dolorosa carta de despedida Parte de ti vive em mim desde a eterna escuridão. Um ser que vi evoluir desde o início da nossa História. Eras de uma ilustre e magnética beleza quando apareceste no meu Mundo. Assistir aos teus primeiros passos deixaram-me comovida, tal como as tuas ideias e paixões deram sentido ao meu viver. Nunca havia visto, algures no Universo, alguém tão ingénuo e poderoso, com uma inexplicável maneira de ser que transbordava energia para tudo o que o rodeava. Vi-te amar, chorar, vencer, falhar. Era tão feliz contigo! Até que começaste a desiludir-me... Em mim reside a tua casa, mas a minha silenciosa existência passou a ser-te tomada como garantida. Exigiste demasiado de mim, e embora consiga suportar os custos da tua existência, agiste de acordo com a tua própria vontade, não constatando a minha dificuldade. Como é que pudeste ser tão inconsciente? Como não te deste conta, quando os meus sinais e sintomas pareciam tão evidentes? Desde o meu depressivo e inesperado correr das lágrimas naqueles quentes dias que adoravas, ao meu humor febril nos mais gelados dias festivos. Sinto-me lastimável ao pensar na altura em que toda esta vil e tóxica relação começou… quando tu decidiste evoluir-te a ti mesmo, deixando-me sozinha a tentar adaptar-me ao teu modo de viver. Quem te levou a crer que consigo renovar a minha existência tão exponencialmente quanto tu? Não querendo retirar-te as tuas vitoriosas credenciais, admito que escolheste fechar os olhos à nossa triste realidade.
Mas… meu amor, estou aqui. Sempre estive. Presente nos teus mais graciosos recitais, nas tuas mais emocionantes vitórias, tendo sido o chão que nunca te deixou cair quando perdias uma batalha. Nunca o faria, e é essa a razão pela qual ainda permaneço agarrada à tua mão. Ainda não estás preparado para viver autonomamente, e tal como um filho precisa da sua mãe, tu ainda precisas de mim para te aquecer o coração. Para te dizer que tudo ficará bem, garantindo-te que um novo dia está para vir. Por isso, peço-te para não me deixares na mão, porque dela posso um dia escorregar. E acredita que estou a agarrar-me com unhas e dentes para que não me percas, mas… é cada vez mais difícil ver-te seguir em frente, sem olhar para trás e para o teu redor. Com o passar do tempo, a esperança assegurava-me que virias reconhecer que estava a ficar doente, já que os sinais são evidentes: tenho a pele cada vez mais escurecida, estou a perder os meus cabelos, estou a derreter-me… como era possível não te aperceberes? A minha mente tornou-se cinzenta devido às tuas ações cada vez mais retrógradas. A tua abundância fez acelerar o início da tua derrota. Não te quero perder, e a tua mente tento consciencializar para que encontres a cura para este evento cancerígena cada vez mais metastizado. Sou a tua casa, o teu Planeta, e estou a perder todo o controlo. Por isso, ajuda-me a sobreviver ao próximo genocídio natural.
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OS
PROBL
OS
LEMAS
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OS PROBLEMAS
MAFALDA JORGE
O fluxo oculto de CO2 Vivemos num mundo globalizado, num permanente círculo vicioso, numa incessante roda de oportunidades e num inquebrável sistema de redes. As decisões tomadas numa ponta do globo têm repercussões em diversos outros pontos do globo. Sobretudo agora, neste período de alterações climáticas, é importante que não nos esqueçamos disto: as ações e as medidas de cada país têm grandes efeitos em tantos outros países, efeitos esses, muitas vezes, incalculáveis. ><Como sabemos, as emissões de CO2 são dos principais contribuintes para as alterações climáticas que estão a comprometer os nossos ecossistemas e a afetar gravemente a saúde da população mundial[1]. Por estas razões, é de extrema importância a implementação de medidas que reduzam as emissões de CO2 a nível global. No entanto, quando se olha para as estatísticas, os resultados são, muitas vezes, analisados com base na redução das emissões de CO2 num determinado país, isoladamente. Esquecemo-nos de olhar para o paradigma global e de ter em conta as trocas de CO2 “ocultas”. Deste modo, a forma mais correta de avaliar a “pegada de CO2” de um país é incluir, não apenas o CO2 libertado na produção do próprio país, mas também o CO2 incorporado nas exportações e importações de cada país. Cerca de 22% das emissões totais de CO2 advêm da produção de bens que são, em última
instância, consumidos num país diferente[2]. Contudo, muitos inventários tradicionais não incluem as emissões associadas aos bens importados. ><Olhando para um exemplo concreto, em 2016, a UE constituía a segunda maior partilha global de exportações e importações de bens (cerca de 15% das trocas mundiais), sendo ultrapassada em 2014 apenas pela China[3]. A UE é um importador de emissões significativo, uma vez que as emissões atribuídas ao consumo superam aquelas atribuídas à produção. Entre os países da UE, o Reino Unido, apesar de ter diminuído bastante as suas emissões de produção nos últimos anos, representa um dos principais importadores de emissões de CO2. Em 2016, as emissões de consumo do Reino Unido foram 56% mais elevadas do que as emissões territoriais. Além disso, de acordo com um estudo da ONS, a China foi a principal fonte de importação das emissões do Reino Unido[4]. ><Ora bem, a exportação representa um papel importante no aumento de emissões de CO2 na China devido ao grande “shift” da produção mundial para este país. Os EUA, o Japão e a Alemanha são os 3 principais importadores de CO2 da China. Por exemplo, em 2015, as emissões de CO2 das exportações para os EUA representam quase 20% das emissões de CO2 associadas às exportações da China.
O F LUXO OCULTO DE CO 2
Esta intensificação na manufatura deveu-se à mão de obra barata e às políticas ambientais menos restritas aí verificadas. Além disso, é também importante referir que os principais setores envolvidos nas emissões de CO2 das exportações são os setores da eletricidade, gás e água (cerca de 60%), que se baseiam numa estrutura energética com carvão, que é, como sabemos, extremamente poluente[5]. Como consequência, a poluição atmosférica na China tem aumentado de ano para ano, sendo o principal país que contribui para a emissão de gases efeito de estufa[5]. Mas, a este ponto, surge a questão: é a China a única responsável pelos danos atmosféricos causados? Não. É, no entanto, um dos países que mais sofre com os problemas de saúde que daí advêm. Para além da China, surge ainda outro país numa situação semelhante (e talvez até mais preocupante): a Índia. Em primeiro lugar, também a Índia é casa para grande parte das cidades mais poluídas do mundo. Apesar do investimento que foi feito em energias renováveis nos últimos anos, é o segundo maior consumidor de carvão no mundo, o que tem um grande impacto na qualidade do ar e na saúde das populações[6]. Em segundo lugar, a UE é o maior parceiro comercial da Índia e o principal destino das exportações indianas (cerca de 18% do total)[7]. Apesar dos aspetos comuns à China, a Índia tem algumas particularidades que a tornam um caso um pouco mais urgente e complexo: a rápida ascensão económica, que precisa de ser controlada de forma consciente; e a miséria extrema de uma grande percentagem da população indiana, o que exige um balanço entre as políticas ambientais e as necessidades das populações. Além disso, há outro aspeto muito relevante na Índia: é um país muito vulnerável aos efeitos das alterações climáticas, pois é um país que apresenta uma grande parte da população dependente da economia agrária,
tem uma área costal extensa e está perto da região dos Himalaias, que é uma fonte de água importante na região. Apesar da urgência em se tomarem medidas eficazes para redução das emissões na China e na Índia, o medo de abrandar a economia constitui um grande impedimento para a regulação mais restrita do processo de produção. Além disso, apesar do rápido crescimento económico destes dois países, ainda há uma percentagem significativa das populações que vivem abaixo do limiar de pobreza. Como tal, com o encerramento de algumas fábricas e com a otimização dos processos de produção, muitos trabalhadores perderiam o seu emprego, o que traria problemas económicos e sociais para o país. Por outro lado, a regulação ambiental iria melhorar a qualidade atmosférica e, como consequência, a saúde e produtividade das populações. É por este ciclo de dependências económicas sucessivas que não se pode exigir uma repleta remodelação do “sistema” porque, se assim for, imensas “pontas soltas” sociais ficarão por resolver. É preciso tentar reconstruir o “sistema” que existe e adaptá-lo, passo a passo, a esta nova realidade climática. Mais tarde ou mais cedo, todos acabaremos por sentir o impacto daquilo que estamos a causar no planeta. Por isso, é preciso quebrar as fronteiras dos países, é preciso olhar para as alterações climáticas como um problema comum. É preciso dar um apoio mais direcionado às comunidades mais vulneráveis, remodelando os ciclos económicos. É preciso, mais do que nunca, abandonar o discurso de culpabilização, é preciso agir em sintonia e com espírito de entreajuda. Como comecei por dizer inicialmente, em média, cerca de ¼ da pegada de CO2 global está incluída nos bens importados. E este fluxo “oculto” escapa à maior parte das políticas de carbono. Porque não começarmos por aí?
Bibliografia: [1] Health Effects Institute. 2019. State of Global Air 2019. Special Report. Boston, MA: Health Effects Institute. [2] Hausfather, Zeke. “Mapped: The World’s Largest CO2 Importers and Exporters | Carbon Brief.” Carbon Brief, 5 July 2017, www.carbonbrief.org/mapped-worlds-largest-co2-importers-exporters. Accessed 19 Nov. 2019. [3] Fezzigna, Paola, et al. “Revising Emission Responsibilities through Consumption-Based Accounting: A European and Post-Brexit Perspective.” Sustainability, vol. 11, no. 2, 17 Jan. 2019, p. 488, 10.3390/su11020488. Accessed 19 Nov. 2019. [4] Great Britain. Committee On Climate Change. Reducing UK Emissions : 2019 Progress Report to Parliament. London, Committee On Climate Change, 2019. [5] Huang, Rui, et al. “CO2 Emissions Embodied in China’s Export.” The Journal of International Trade & Economic Development, vol. 28, no. 8, 13 May 2019, pp. 919–934, 10.1080/09638199.2019.1612460. Accessed 19 Nov. 2019. [6] Timperley, Jocelyn. “The Carbon Brief Profile: India.” Carbon Brief, 24 May 2019, www.carbonbrief.org/the-carbon-brief-profile-india. Accessed 19 Nov. 2019. [7] “India - Trade - European Commission.” Europa. Eu, EU Trade, 2018, ec.europa.eu/trade/policy/countries-and-regions/countries/india/. Accessed 20 Nov. 2019.
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OS PROBLEMAS
M I G U E L C A RVA LH O
O acordo de Paris revisitado ><“I was elected to represent the people of Pittsburgh, not Paris.”, disse Donald Trump a 1 de junho de 2017, enquanto discursava na Casa Branca. Foi com esta frase que Donald Trump anunciou a intenção dos Estados Unidos da América de abandonar o Acordo de Paris, nomeando diversos motivos para esta decisão, principalmente motivos económicos. E se muitos consideraram que o atual Presidente dos Estados Unidos iria mudar de opinião, especialmente após a intervenção dos CEO de várias das grandes empresas do país, estes viram essa sua esperança abalada no dia 4 de novembro de 2019, quando as Nações Unidas foram formalmente notificadas pela Administração Norte Americana da decisão de abandono desse acordo, iniciando-se definitivamente o processo de saída do acordo[1][2][3]. ><Esta decisão foi, aquando do seu anúncio, considerada como o prego no caixão do Acordo de Paris. Contudo, até que ponto estaria este destinado a resultar mesmo sem esse contratempo? ><O Acordo de Paris foi assinado em dezembro de 2015 e foi um marco no combate às alterações climáticas, em grande parte por ter contado com a assinatura de 195 países – entre os quais a China e a Índia. Neste os países comprometiam-
se a tomar medidas individuais e adaptadas à realidade de cada um para impedir uma subida da temperatura global média igual ou superior a 2ºC relativamente à temperatura global média pré-industrialização[4]. ><Considerado como um novo protocolo de Kyoto, este endereçou um dos principais problemas que levaram ao falhanço deste último, eliminando a necessidade de vinculação legal ao acordo (e consequentemente ausência de punições). Ou seja, os países são encorajados a tomar medidas, não havendo qualquer obrigação legal para a sua tomada. Se isto foi considerado uma vantagem por alguns líderes mundiais, como o antigo secretário geral das Nações Unidas Ban Ki-moon ou o antigo presidente francês François Hollande, a realidade é que esta medida acabou por ser criticada por muitas personalidades ligadas à área da ciência. Um dos mais fortes opositores a esta medida foi James Hansen, considerado como o pai da sensibilização para as alterações climáticas. Em entrevista ao The Guardian em Dezembro de 2015, este considera que todo o acordo foi uma fraude por vários motivos. Um dos principais é a ausência de qualquer punição económica contra as nações que não cumpram os objetivos
O AC OR DO DE PAR IS R E VISITADO
na redução da emissão de gases de efeito estufa. Este defende a criação de uma taxa por tonelada de emissões de carbono, que iria aumentar todos os anos e que poderia atingir valores que, no caso dos EUA, chegariam aos 600 biliões de dólares[5]. É preciso ter em conta que esta é uma posição considerada como radical por grandes grupos ambientalistas, o que poderá condicionar a avaliação desta opinião – devendo-se também ter em conta que, em 1988, Hansen propôs a radical ideia de redução do consumo de combustíveis fósseis, ideia amplamente aceite na atualidade[5]. Esta crítica advém da ideia de que a inexistência de punições levará a um não cumprimento dos objetivos pela ausência de uma motivação económica, um dos principais motores da decisão política a nível mundial. Contudo, vindo do lado económico poderão vir diversas críticas – algumas das quais personificadas por Donald Trump e algumas das quais falsas. Estas passam por considerar que a adopção do acordo iria pôr em xeque a produtividade, crescimento e lucro das empresas, através da imposição da limitação das emissões de carbono. Esta situação acaba por influenciar, principalmente, as grandes corporações que exploram os combustíveis fósseis – grandes apoiantes de Donald Trump, num aparte. Contudo, esta crítica acaba por ser falaciosa, em grande parte porque algumas das maiores empresas dos EUA, como a Apple, a Microsoft e a Intel, apoiam o Acordo de Paris[3] [6] – tendo até, como referido anteriormente, tentado demover o presidente desta decisão. Outro motivo pelo qual esta crítica é falsa advém do facto de, ao limitar o crescimento das empresas que exploram os combustíveis fósseis, este acordo estimular o surgimento
de novas empresas na área das fontes de energia alternativa, havendo uma passagem dos trabalhadores de uma indústria para outra, havendo virtualmente nenhuma perda. A principal limitação deste acordo advém de algo aparentemente óbvio para todos, mas não defendido abertamente pelo documento. A limitação das emissões é, por si só, insuficiente para limitar o aumento da temperatura média global. Como tal, é defendida pela comunidade científica a necessidade de se investir em fontes de energia alternativa – quer na investigação das mesmas, quer em incentivos à sua exploração. Em 2018, Bjorn Lomborg defendeu, numa entrevista à France 24 que o Acordo de Paris deixava 99% dos problemas ambientais por resolver, defendendo que este devia focarse num objetivo essencial – tornar as fontes de green energy mais baratas que os combustíveis fósseis. Este afirma que é um objetivo difícil, mas que, se alcançado, conseguiria mudar o paradigma atual, condicionando um shift para a independência dos combustíveis fósseis e consequente redução da emissão dos gases de efeito estufa[7]. Uma coisa é certa: esta decisão dos EUA poderá pôr em causa o Acordo de Paris, mas é preciso ter em conta que este acordo e as suas importantes falhas colocavam, por si só, o objetivo de impedir o aumento de 2ºC em causa. Impõe-se desta forma a seguinte questão – será que o Acordo de Paris foi honesto na sua tentativa de evitar as alterações climáticas ou foi apenas uma forma de acalmar os ânimos da população cada vez mais preocupada com esses temas?
Bibliografia: [1] Holden, E. (2019). Trump begins year-long process to formally exit Paris climate agreement. The Guardian. Disponível em https:// www.theguardian.com/us-news/2019/nov/04/donald-trump-climate-crisis-exit-paris-agreement. [2] The Washington Post. (2017). Trump: ‘I was elected to represent the citizens of Pittsburgh, not Paris’. Disponível em https://www.washingtonpost.com/video/national/trump-i-was-elected-torepresent-the-citizens-of-pittsburgh-not-paris/2017/06/01/11007d80-4707-11e7-8de1-cec59a9bf4b1_video.html. [3] Oliver, J. (2017). Paris Agreement: Last Week Tonight [Youtube]. HBO. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=5scez5dqtAc. [4] Pris Agreement - Climate Action - European Commission. Disponível em https://ec.europa.eu/clima/policies/international/negotiations/paris_en. [5] Milman, O. (2015). James Hansen, father of climate change awareness, calls Paris talks ‘a fraud’. The Guardian. Disponível em https://www.theguardian.com/environment/2015/ dec/12/james-hansen-climate-change-paris-talks-fraud. [6] Shah, S. (2017). Apple, Intel, Microsoft and more commit to Paris Agreement on climate change. The Inquirer. Disponível em https://www.theinquirer.net/inquirer/news/3011437/apple-intel-microsoft-and-more-commit-to-paris-agreement-on-climate-change. [7] Global warming: ‘Paris agreement will leave 99% of the problem unsolved’. (2018). [TV]. France 24. Disponível em https://www.france24.com/en/20181031-perspective-bjorn-lomborg-environment-paris-climate-agreement-green-energy-renewables.
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OS PROBLEMAS
ANTÓNIO LOPEZ
O dia depois de amanhã Parte 2 Terra, o terceiro planeta a contar do Sol, o planeta azul, uma casa com 4,5 mil milhões de anos[1]. O única planeta que até hoje demonstrou albergar vida nesta imensidão ilimitada que chamamos Universo. O primeiro registo de vida neste corpo celeste estima-se que foi há cerca de 3,5 mil milhões de anos. Contudo, o nosso antepassado mais distante apenas se encontra há uns meros 3 milhões de anos atrás[2]. Desde o momento em que este pisou as suas terras, muito se passou até hoje. Começámos a desenhar nas cavernas, a fazer fogo para nos aquecermos e protegermos, a caçar, criámos uma língua para comunicar. Espalhámo-nos por todo o globo, suportando os ambientes mais hostis, temperaturas extremas, mostrando toda o nosso espírito aventureiro; enfrentámos diversas pandemias; sobrevivemos a várias catástrofes, com toda a nossa resiliência e espírito de superação. Toda uma história cheia de momentos extraordinários, mas que infelizmente não se fez apenas de histórias bonitas para adormecer e com Sininhos a fazernos voar. O passar dos anos trouxe uma natural evolução da humanidade, a todos os níveis.
Está nublado!! - Autor: Susana Xu, 4ºano
Contudo, a nossa sede pelo progresso, a obsessão de ser cada vez melhor, tornou-se cada vez mais insaciável. Inúmeras guerras foram travadas em busca do poder, da última bolacha do pacote. A nossa sociedade cada vez mais industrializada e moderna trouxe muitas coisas boas. Nos últimos 30 anos houve mais avanços tecnológicos que em toda a história da civilização humana. E não serão estes avanços, cada vez mais acelerados, um caminho sem retorno? A Terra, o lar de mais de 7,5 mil milhões de pessoas [3], tem sido vítima de sucessivos ataques. Podiam ser externos, mas não, é o próprio ser humano que tem endossado sucessivas e retumbantes agressões ao próprio planeta. Parece quase paradoxal. Somos educados desde pequenos que devemos respeitar os outros, cuidar do nosso espaço, partilhar, que não devemos fazer mal aos animais, mas princípios tão fundamentais como estes parecem que se tornaram obsoletos, banais atualmente. A corrida desenfreada em busca de recursos naturais finitos (ex. petróleo), a destruição de pulmões do planeta, a emissão brutal de gases para a atmosfera. É quase inexplicável que tenhamos que abrir crateras na Amazónia para poder produzir óleo de palma, usado em imensos artigos alimentares, sendo este
Bibliografia: [1] https://www.washingtonpost.com/news/speaking-of-science/wp/2017/03/06/dear-science-how-do-we-know-how-old-the-earthis/ (consultado em 6/11/2019). [2] https://www.universetoday.com/38125/how-long-have-humans-been-on-earth/ (consultado em 6/11/19). [3] http://worldpopulationreview.com/ (consultado em 21/11/19). [4] Kadandale, S., Marten, R., Smith, R. (2019). The palm oil industry and noncommunicable diseases. Bulletin of the World Health Organization, 97(2), 118. [5] https://www.nationalgeographic.com/news/2015/04/150422-genetically-modified-food-agriculture-health-ngbooktalk/ (consultado em 21/11/19). [6] https://www.nytimes.com/2018/04/23/well/eat/are-gmo-foodssafe.html (consultado em 8/11/19).
O DIA DEPOIS DE AMANHÃ: PARTE 2
muito prejudicial para a nossa Saúde[4]; que se use a engenharia genética para conseguir que certas plantas tenham maior resistência ao ataque de invasores, plantas essas que ao as consumirmos, sejam fonte de doenças graves[5] [6] . É um autêntico haraquiri. Este antagonismo ressoa muito com o que Charlie Hamilton James, repórter da National Geographic Summit afirmou: “Matarmos árvores centenárias para fazer caixões para poder enterrar as pessoas, é das coisas mais tristes que existe”.
até quatro vezes mais do que até hoje. Por conseguinte, o nível das águas do mar irá subir, irá ocorrer maior acidificação (devido à absorção de CO2), o oxigénio irá perder-se e haverá uma redução drástica da biodiversidade. Até 2081, a subida média do nível das águas do mar pode ser de 43 centímetros (no melhor cenário) ou de 84 centímetros (no pior) e mais de 1 milhão de espécies estão em risco de extinção segundo o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU[10].
Em consequência destes atos, surgem 2 conceitos muito “atuais”: “Aquecimento global” e “Alterações climáticas”. Muitos identificamnos como sinónimos, mas de facto, não o são. Seria como dizer que tempo e clima têm idênticos significados. Aquecimento global consiste no aumento da temperatura média global a longo prazo. Desde 1950, as temperaturas começaram a subir exponencialmente, sendo o mês de outubro de 2019 classificado como o mês de outubro mais quente alguma vez registado, e julho, o mês mais quente alguma vez visto, segundo o Serviço de Monitorização das alterações climáticas do programa europeu Copérnico[7][8][9].
A redução acentuada de krill, base alimentar de inúmeras espécies marinhas; o desaparecimento acentuado das abelhas[11], consideradas recentemente como o animal mais importante de todo o planeta; e o potencial ressurgimento de algumas doenças como a peste bubónica, a varíola e a gripe espanhola, que se encontram alojadas no permafrost devem fazer-nos t(r)emer pelo futuro das gerações vindouras[12].
Relativamente às alterações climáticas, estas referem-se às mudanças no clima global que resultam do aumento da temperatura média global. Acontecimentos como mudanças nos padrões de precipitação, aumento da prevalência de secas, ondas de calor e outras condições climáticas extremas. Estas não são algo anormal na Terra. Na sua longa história, o nosso planeta teve ciclos com períodos de grande calor e também idades de gelo[7][8][9]. A questão é que o aumento de temperatura tem sido exponencial e os mecanismos de autoregulação como as grandes florestas têm sido cada vez mais delapidados[10]. Os oceanos cobrem 71% da superfície da Terra (contêm cerca de 97% da água no planeta) e têm funcionado como uma “esponja” ao proteger a Terra destes efeitos, tendo absorvido até hoje cerca de 90% do calor em excesso. Até ao final do século, estima-se que os oceanos aquecerão
Há 15 anos atrás, estreou o blockbuster “O dia depois de Amanhã”. Encarado na altura como uma ridícula ficção científica hiperbolizada cheia de acontecimentos trágicos; hoje, certamente que as palavras mudarão à medida que a corrente norte atlântica está mais próxima de parar[13]. Não se pode dizer que os avisos não foram feitos. Estamos perigosamente a aproximar-nos de um ponto de não retorno[14]. É verdade que os nossos recursos naturais estão cada vez mais escassos, a cada ano esgotam-se mais cedo, e existem muitos interesses em camuflar tudo isto. É tempo de acabar com a insanidade, com a autofagia, é hora de nos unirmos e levarmos a cabo verdadeiras ações para mudar o panorama atual. Que a humanidade seja julgada pelo que faz, e não pelo que diz. Chega de protocolos de Quioto e Acordos de Paris, que haja finalmente medidas concretas, planos rígidos, um esforço concertado para que haja mesmo um dia depois de amanhã porque aconteça o que acontecer, nós podemos extinguir-nos, mas a Terra, a Terra continuará cá…
Bibliografia (cont.): [7] https://www.nationalgeographic.com/environment/global-warming/global-warming-effects/ (consultado em 7/11/2019). [8] https://observador.pt/2019/11/05/clima-outubro-de-2019-foi-o-outubro-mais-quente-de-sempre/ (consultado em 7/11/2019). [9] https://climate. nasa.gov/resources/global-warming-vs-climate-change/ (consultado em 7/11/2019). [10] https://www.publico.pt/2019/09/25/ciencia/noticia/preciso-agir-alteracoes-climaticas-poem-risco-vida-oceanos-vida-depende-1887829 (consultado em 8/11/2019). [11] https://www.sciencetimes.com/ articles/23245/20190709/bees-are-the-most-important-living-being-on-earth.htm (consultado em 8/11/2019). [12] http://www.bbc.com/earth/ story/20170504-there-are-diseases-hidden-in-ice-and-they-are-waking-up (consultado em 8/11/2019). [13] https://www.forbes.com/sites/ericmack/2018/04/11/the-climate-change-atlantic-gulf-stream-science-behind-the-day-after-tomorrow-is-coming-true/ (consultado em 8/11/2019). [14] https://www.sabado.pt/ciencia---saude/detalhe/terra-muito-perto-de-chegar-a-ponto-de-nao-retorno-nas-alteracoes-climaticas (consultado em 8/11/2019).
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RAND EPORTAGE
GR ANDE R EP OR TAGEM
ANA SOFIA MOTA • ANA MANAÇA S • ANA GOMES
A grande pandemia Alterações Climáticas
Ondas de calor. Dengue. Ciclones. Asma. Vagas de frio. Melanoma. Secas. Depressão. Incêndios. Cancro do pulmão. Desnutrição. Malária. Enfarte. Cataratas. Acidentes. Diarreia. Alergias. Inundações. Refugiados. Estes são apenas alguns exemplos de consequências das alterações climáticas que afectam a saúde a nível global.
Ar puro. Água potável. Alimentação saudável. Abrigo seguro. Os principais determinantes de saúde ambientais e sociais estão em risco. O que podemos esperar desta Pandemia? A seguir, uma breve exploração de alguns dos maiores desafios das alterações climáticas à saúde das populações.
O planeta sempre sofreu mudanças no clima, mas nunca estas foram tão rápidas e tão dependentes da actividade de uma única espécie. A temperatura aumenta, os glaciares derretem e os padrões meteorológicos adulteram-se, originando desastres naturais que provocam a morte a 60 mil pessoas por ano, a maioria em países em vias de desenvolvimento e com fraca resposta sanitária e humanitária, um número que quase triplicou desde 1960[1]. No momento em que esta reportagem é escrita, chega a notícia de que a Índia declara Estado de Emergência de saúde pública na capital, Nova Deli, devido à poluição atmosférica. Foram distribuídos 5 milhões de máscaras na cidade e estima-se que 700 milhões de indianos vivam expostos a níveis tóxicos de poluição[2].
> Ondas de calor < Segundo a World Meteorological Organization uma onda de calor é um período superior a 5 dias em que a temperatura máxima registada ultrapassa a temperatura máxima esperada por mais de 5ºC. Com as alterações climáticas as ondas de calor tornaram-se mais frequentes e mais intensas por todo o mundo. Apesar do aumento da temperatura ser global, as populações menos preparadas são as dos países temperados, onde as infraestruturas são principalmente desenhadas para reter calor durante o inverno[3]. Os verões europeus têm se tornado cada vez mais severos, sendo registados recordes
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A GR A NDE PA NDEMI A: A LT ER AÇ ÕE S CL IM ÁT ICAS
de temperaturas máximas na Europa Central durante o verão de 2019[4]. Contudo, após a onda de calor de 2003, com mais de 70 000 mortes atribuídas por toda a Europa, tem havido uma maior preocupação dos governos em informar e proteger a população[5]. Os mais afetados são os idosos, as crianças e pessoas dependentes nas actividades de vida diárias. De um ponto de vista socioeconómico, as pessoas que vivem isoladas ou com poucas condições, sem equipamentos de refrigeração, estão em maior risco de sofrer consequências negativas durante uma onda de calor[3]. Durante as ondas de calor há maior afluência aos serviços de urgência, tanto por descompensação de doença de base, como por casos de insolação e desidratação em adultos saudáveis e ativos (como exemplo desportistas ou trabalhadores da construção civil)[3]. Os sintomas de insolação mais frequentes são sudorese, alterações de estado de consciência e síncope; são sintomas inespecíficos que podem ser desvalorizados, especialmente pela população mais ativa. Além das altas temperaturas, as ondas de calor são ainda responsáveis por aumento das concentrações de poluentes atmosféricos, dos quais se destacam O3 e PM10 (partículas inaláveis de diâmetro inferior a 10 micrómetros)[6]. Estes poluentes têm ação independente no agravamento de doenças respiratórias e vasculares, facilitando estados pró-inflamatórios e pró-trombóticos[7]. Porém, durante ondas de calor e especialmente nos grandes centros urbanos, atuam sinergicamente com as temperaturas elevadas e a desidratação no aumento de sintomas tanto em pessoas saudáveis como em doentes. A Península Ibérica tem sido relativamente poupada das ondas de calor das últimas décadas, protegida pelas massas de água que a rodeiam. Todavia, Portugal tem uma população cada vez mais envelhecida, isolada e carenciada. Além de emitir alertas nos dias de maior perigo, a Proteção Civil cria também abrigos temporários de livre acesso em zonas mais carenciadas.
> Poluição Atmosférica e Alergias < O actual aumento exponencial nos casos de reacções alérgicas não é, de todo, independente das alterações ambientais das quais o nosso planeta é vítima. Com efeito, pensa-se que é esta a principal causa do emergente número de casos de alergias, bem como do agravamento das mesmas[8]. Uma alergia é uma resposta exagerada do sistema imunitário a estímulos benignos externos do meio, mediada por imunoglobulinas E. Dentro do grupo das alergias mais frequentes, é de ressaltar a asma brônquica, doença que atinge cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo[9]. Esta patologia caracteriza-se por uma inflamação dos brônquios, que leva à diminuição do seu lúmen e que se manifesta clinicamente por tosse, pieira e dispneia[10]. A poluição, nomeadamente a atmosférica, tem como causa relevante a emissão excessiva de gases resultantes da queima de combustíveis. Como exemplo significativo, distinguem-se as Diesel Exhaust Particles (DEPs), partículas derivadas da combustão do Diesel dos veículos motorizados. Estas partículas são constituídas por um carbono elementar central, que incorpora uma variedade de substâncias, nomeadamente hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, cetonas, álcoois, cicloalcanos, bem como aerossóis de origem orgânica que, por si só, já detém um carácter alergénio considerável[7]. Agregadas às DEPs, estas substâncias químicas orgânicas, como as partículas em suspensão no ar (pólen), formam macromoléculas com potencial alergénio acrescido, tendo consequências consideravelmente piores do que aquelas que as partículas orgânicas isoladas, relativamente ao desencadeamento de reações alérgicas.
GR ANDE R EP OR TAGEM
> Desastres Naturais <
> Doenças Infecciosas < A transmissão de doenças com origem hídrica e alimentar é largamente dependente das condições climáticas, uma vez que a precipitação influencia o transporte e disseminação de agentes patogénicos, enquanto a temperatura afecta a seu crescimento e sobrevivência. Também a acção humana, através da descarga imprópria de resíduos, contribui para potenciais ameaças à quantidade e qualidade da água e alimentos, comprometendo a segurança alimentar[11][12]. O clima é ainda o grande responsável pelo perfil de distribuição das doenças infecciosas transmitidas por vectores. É provável que o período sazonal de transmissão e a distribuição geográfica de determinadas doenças alargue, como já ocorre na China com a Schistosomíase[1], uma parasitose dos climas quentes. A malária continua a ser um grande problema de saúde pública, matando mais de 400 000 pessoas por ano, sobretudo crianças africanas com menos de 5 anos. No Brasil, os casos de dengue aumentaram sete vezes em 2019. Estas são duas doenças transmitidas por mosquitos, Anopheles e Aedes, respectivamente, cujo ciclo de vida é extremamente sensível às condições climáticas, especialmente à temperatura e precipitação[1] [11] .
As inundações e ciclones causam devastações que se traduzem em danos materiais e perda de vidas humanas, com um aumento significativo de casos de afogamento, trauma, acidentes e ansiedade generalizada[12]. Metade da população mundial vive a menos de 60km do mar[1]. O aumento do nível médio das águas e a escalada de eventos extremos de natureza meteorológica destruirão casas, infraestruturas sanitárias e outros serviços de assistência às populações[1]. As comunidades serão forçadas a migrarem, criando os chamados refugiados climáticos. Surgem assim riscos associados à aglomeração de populações deslocadas e stress psicossocial[11]. Concluindo, entre 2030 e 2050 as alterações climáticas serão responsáveis por 250 000 mortes adicionais por ano, 38 000 nos idosos por ondas de calor, 48 000 por diarreia, 60 000 por malária e 95 000 por desnutrição infantil[1]. É urgente não só a criação de políticas, mas também tomar decisões individuais que visem suportar uma resposta global de saúde pública perante esta pandemia que poderá ser a última que a Humanidade enfrentará.
Bibliografia: [1] WHO (2019) Climate change and health. Consultado a 2 Novembro 2019, https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/ climate-change-and-health. [2] Público. (2019). Poluição: estado de emergência de saúde pública declarado em Nova Deli. https://www.publico. pt/2019/11/01/mundo/noticia/nova-deli-distrubui-cinco-milhoes-mascaras-devido-niveis-toxicos-ar-1892166. [3] Kovats RS, Kristie LE. Heatwaves and public health in Europe. European Journal of Public Health 2016 Dec; 16 (6); 592–599. [4] Baker, Sinéad (25 July 2019). Europe is battling an unprecedented heat wave, which has set records in 3 countries and is linked to at least 4 deaths”.Business Insider. Insider Inc. [5] Robine JM, Cheung SLK, Roy SL et al. Death toll exceeded 70,000 in Europe during the summer of 2003. C. R. Biologies 2008; 331; 171–178. [6] Analitis A, Michelozzi P, D’Ippoliti D et al. Effects of Heat Waves on Mortality. [7] Epidemiology 2014 Jan; 25 (1); 15-22. [8] Anderson JO, Thundiyil JG, Stolbach A. Journal of Medical Toxicology 2012 Jun; 8 (2); 166–175. [9] Clark, T. (2000). Asthma. 3rd ed. London: Arnold. [10] Takano, H., & Inoue, K. I. (2017). Environmental pollution and allergies. Journal of toxicologic pathology, 30(3), 193–199. doi:10.1293/tox.2017-0028 [11] DGS (2019). Consultado 27 Outubro 2019, em https://www.dgs.pt/em-destaque/dia-mundial-da-asma-3-de-maio-pdf.aspx [12] WHO (2019). Climate change and human health - risks and responses. Summary.Consultado a 2 Novembro 2019, em https://www.who.int/globalchange/summary/en/index5.html [13] Tavares, António. (2018). O Impacto das Alterações Climáticas na Saúde. Acta Médica Portuguesa. 31. 241. 10.20344/amp.10473.
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AS SOLUÃ&#x2021;
UÇÕES
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AS SOLUÇÕES
B R U N A A LV E S • M A D A L E N A R A P O S O
Guia para um novo ambiente Com a chegada de uma nova década, é cada vez mais imprescindível que o verde se torne no novo preto. Se já adotou a política dos três Rs, poupa água ao fechar a torneira, enquanto lava os dentes ou toma banho, e anda mais vezes a pé e de bicicleta do que de carro, ficam aqui novas medidas amigas do ambiente para atualizar a sua rotina.
>>
Reutilizar sacos de plástico (e de algodão) - não são biodegradáveis e representam uma ameaça para os oceanos. No entanto, se considerarmos outros fatores responsáveis pela crise climática, os sacos de plástico podem ser a melhor solução, se forem reutilizados como sacos do lixo pelo menos uma vez e incinerados no final. Sacos de algodão orgânico e de algodão convencional têm de ser reutilizados 20 mil e 7 mil vezes, respetivamente, para que o impacto ambiental relacionado com a sua produção seja igual ao de um saco de plástico[1][2].
>> Não usar papel de embrulho ou reutilizar o
>>
contêm plástico nem gás butano.
Usar garrafas de água reutilizáveis - ao enchê-las diariamente com água da torneira, diminui não só o consumo de plástico, como também poupa dinheiro.
>>
Usar copos menstruais – duram até 10 anos e só têm de ser trocados a cada 12 horas, enquanto que os tampões têm de ser mudados a cada 4h/8h. Num período de 10 anos uma mulher gasta cerca de 2,5 mil tampões, 500€ e origina 15kg de lixo. A utilização de um copo menstrual reduz estes custos para 25€ e 30 gramas de detritos[3].
mesmo em várias ocasiões - a maioria contém plástico, logo não pode ser reciclado. Personalize os seus presentes com papel de jornal, revistas ou até mesmo sebentas.
>> Evitar imprimir. >>
Não utilizar copos de café descartáveis contêm uma película de revestimento interior feita de plástico, logo não podem ser reciclados.
>> Escolher fósforos, em vez de isqueiros – não >> Desligar a ficha da tomada quando acabar de a utilizar.
>>
Evitar o desperdício alimentar aproximadamente um terço de toda a comida é desperdiçada. Prepare listas com as refeições semanais antes de ir ao supermercado e congele os produtos que não vai consumir antes de se estragarem, preservando-os para outra altura. Não se esqueça de limpar o frigorífico e congelador - os resíduos, nomeadamente gelo, aumentam o consumo de energia.
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GUIA PARA UM NOVO AMBIENTE
>> Too Good To Go, a app que
quer acabar com o desperdício alimentar – tem como parceiros restaurantes, hotéis e supermercados que colocam à venda refeições de qualidade a preços acessíveis feitas a partir dos seus excedentes alimentares no final do dia ou turno.
>>Experimentar compostagem
doméstica no pátio, frigorífico ou em dispositivos elétricos especializados, este processo biológico transforma matéria orgânica em composto, dando utilidade ao desperdício alimentar e lixo doméstico. Aplicações, como a ShareWaste, permitem encontrar pessoas adeptas de compostagem e trocar resíduos.
>>
Reduzir o consumo de carne, peixe e lacticínios, optando por refeições mais verdes - é necessário diminuir em 75% o consumo de carne de vaca, 90% de carne de porco e 50% da quantidade de ovos[4]. Pode aderir à Meat Free Monday, uma iniciativa que promove a introdução de pelo menos um dia à base de plantas por semana.
>>
Beber leites de origem vegetal - o consumo de leites de soja e aveia diminuem em cerca de 90% as emissões de CO₂, área de terra e litros de água usados na produção agrícola[5].
>>
Pôr a tampa na panela enquanto cozinha - consome
menos energia e os alimentos cozinham mais depressa.
>> Não enxaguar a louça antes
de a meter na máquina de lavar.
>>
Comprar só o necessário - evite compras impulsivas e invista em lojas ecológicas ou em produtos de qualidade que durem mais tempo, para não os ter de substituir constantemente.
>> Optar por produtos a granel
para evitar as embalagens – não só leguminosas e cereais, mas também produtos como gel de banho e detergentes da roupa e louça. [Saiba mais em agranel.pt]
>>
Chega de Fast Fashion compre roupa sustentável, de qualidade duradoura, em segunda mão e sem fibras, como poliésteres, que largam microplásticos nas lavagens e poluem os oceanos.
>>
Investir em discos desmaquilhantes reutilizáveis e maquilhagem ecológica.
>>
Entregar embalagens e restos de medicamentos às farmácias.
>>
Pedir ao seu médico para trocar, se possível, o inalador para asma de dose calibrada por um de pó seco. - Medicamentos para a asma têm uma pegada de carbono elevada porque podem conter gases propulsores com efeito
de estufa. A troca por um inalador mais ecológico, como o de pó seco, reduz em cerca de 58 mil toneladas as emissões de dióxido de carbono[6].
>> Escolher protetores solares
sem oxibenzona e octinoxato, seguros para os recifes de corais.
>>
Videoconferências em vez de reuniões presenciais.
>>
Candidatar-se a subsídios governamentais para a compra um carro elétrico - O incentivo do Estado para a aquisição de um veículo 100% elétrico novo passou em 2019 para €3000[7].
>> Pagar a taxa ecológica nas
viagens de avião – elimina a pegada ecológica de um voo ao garantir a plantação de árvores e a neutralização das quantidades de CO₂ libertadas.
>> Compensar as emissões de
carbono - calcule a sua pegada ecológica e compre créditos climáticos em Climate Neutral Now, uma iniciativa da ONU que os investe em projetos certificados que reduzem, evitam ou removem a emissão de gases com efeito de estufa.
>>
Manifestar e votar conscientemente – as decisões dos governos têm um enorme impacto ambiental. Se precisa de mais um motivo para votar, faça-o pelo planeta.
Bibliografia: [1] https://www2.mst.dk/Udgiv/publications/2018/02/978-87-93614-73-4.pdf [2] https://qz.com/1585027/when-it-comes-to-climate-change-cotton-totes-might-be-worse-than-plastic/ [3] https://www.organicup.com/impact/ [4] https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/ consumo-da-carne-tera-que-ser-reduzido-em-90-para-evitar-colapso-climatico-365002 [5] https://www.bbc.com/portuguese/geral-47504400 [6] https://www.cam.ac.uk/research/news/switching-to-green-inhalers-could-reduce-carbon-emissions-and-cut-costs-study-suggests [7] https:// www.deco.proteste.pt/auto/automoveis/noticias/carros-eletricos-apoios-a-compra-e-condicoes/incentivo-do-governo
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AS SOLUÇÕES
JOÃO ABRANTES
Economia circular E se o lixo não fosse lixo? É apanágio do ser humano a mudança constante e a respetiva adaptação enquanto espécie. Somos únicos, uma vez que todas as restantes espécies se adaptam ao meio que as circunda, alterando-se de forma a encaixar nele, enquanto que nós alteramos o ambiente, de forma a que este se adeque melhor à nossa existência. Andamos a fazer isto por um período de tempo tão longo que detemos um nível sem precedentes de domínio e exploração sobre o planeta. Não obstante, com tamanha dominância, resultam grandes responsabilidades... É simples argumentar que, nas últimas décadas, não temos estado à altura dessas responsabilidades, seja intencionalmente, seja por pura ignorância.
Como podemos, então, alterar o destino final deste trajeto que começa a traçar linhas tortuosas de insustentabilidade? Antes de mais, há que olhar para o que fazemos atualmente: temos, em vigor, um modelo económico que rege tudo, ao qual denominamos de modelo linear da economia, também conhecido como “take-make-dispose”. Ao analisarmos este modelo conseguimos identificar múltiplas falhas e insuficiências na sua concretização de forma a conseguir acompanhar as necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras. Ora veja-se: extraímos matérias-primas
(take) a um ritmo superior à sua produção natural, tome-se o exemplo da areia, que assume níveis críticos como recurso no setor da construção em que o acesso a este recurso se tem evidenciado cada vez mais complicado, tornando-se problemático[1]. No entanto, não temos que esperar até que as matérias primas se esgotem para assumirmos uma postura diferente e nos adaptarmos. Costuma dizer-se que a Idade da Pedra não terminou por falta de pedras… No meio deste modelo, encontramos a produção de materiais (make) que é alimentada, ainda hoje, por fontes de energia não renováveis, como são os combustíveis fósseis. Efetivamente, sendo um recurso finito na Natureza, são, também, fonte de emissões de gases contribuintes para o Efeito de Estufa promovendo as alterações ambientais que temos andado a assistir, por todo o globo: os desertos expandem-se, os níveis dos mares estão a crescer, a população, o consumo per capita e o volume de pecuária estão a aumentar enquanto a biodiversidade se esgota a taxas ainda mais alarmantes. Uma resposta simples e lógica ao problema do modelo linear é o seu inverso: um modelo cíclico de materiais e energia. Apesar de, segundo a Física, a energia não poder ser reciclável, podemos falar em ciclos de materiais e energia como forma de simplificação. Por outro lado, podemos ver que andamos a produzir enormidades no que toca à quantidade de resíduos (dispose), levando, por conseguinte, a uma panóplia de problemas de poluição de
ECONOMIA CIRCULAR: E SE O LIXO NÃO FOSSE LIXO?
solos, água e ar. Tal rumo, acredita-se que conduzirá a uma maior quantidade de plástico nos oceanos do que de peixes já no ano de 2050[2]… A economia circular insurge-se como um modelo económico que se propõe a satisfazer as necessidades do homem sem a insustentabilidade do modelo linear no amanhã. Adotada, primeiramente, na China e promovida pela União Europeia (UE), Japão, Reino Unido, França, Canadá, Holanda, Suécia, Finlândia e várias empresas[3], este modelo económico assume-se como um modelo que flui de forma alternativa, cíclica, como se previa, desde os primórdios da industrialização, como uma necessidade futura. Reitera um impacto menos negativo em termos de sustentabilidade e como altamente estimulante de novas oportunidades de negócio.
Como é que o nosso lixo pode construir capital em vez de reduzi-lo? Há que “(re)pensar” e “(re)desenhar” os produtos e componentes, bem como a embalagem na qual vêm. Nós conseguimos criar materiais seguros e biodegradáveis que podem ter um papel no desenvolvimento de outras coisas no futuro - reciclagem. A guideline, que prevalece nesta economia, é aquela em que nenhum recurso seja gasto na produção do material. Logo, evoca-se a questão: os bens de hoje não se podem tornar os recursos do amanhã?
Qual seria o aspeto desta economia? Talvez não comprássemos lâmpadas, mas pagaríamos o fornecimento da luz e os fabricantes recuperariam os materiais e mudariam as lâmpadas quando houvesse
produtos mais eficazes. E se as embalagens não fossem tóxicas e se dissolvessem na água de forma a que a pudéssemos continuar a beber? Nunca seriam um desperdício. E se os motores pudessem voltar a ser fabricados após reciclagem de componentes, reduzindo consideravelmente o gasto em energia? Se pudéssemos recuperar peças dos circuitos impressos, reutilizá-los e recuperar os materiais que contêm, uma segunda vez? Se pudéssemos recolher as sobras dos alimentos, os dejetos humanos, transformar tudo isso em fertilizantes, calor, energia, restabelecendo os sistemas nutritivos e reconstruindo um capital natural? Poderiam os carros passar a ser um serviço e proporcionar-nos a mobilidade no futuro? Tudo isto parece incrível, mas não são apenas ideias, são hoje uma realidade. Estão na primeira linha da economia circular. Em suma, temos vindo a aperfeiçoar uma economia linear durante 150 anos: extraímos um material do solo, fabricamos qualquer coisa com ele e, no final, deitamos fora esse produto. Reciclamos uma parte, na tentativa de aproveitar o que é possível, e não como um fim em si mesmo. Não é uma economia sustentável a longo prazo. Se construirmos uma economia que use as coisas em vez de as consumir, podemos construir um futuro viável, a longo prazo. Sabemos onde queremos ir, só temos de pensar em como lá chegar. Tu estás neste mundo. A vida existe e nela há uma maravilhosa peça em que cada um contribui, marcando-a, com um verso no poema da vida. Deixo-te a questão: Qual será o teu verso?
Bibliografia: [1] Bendixen, M., Best, J., Hackney, C. e Iversen, L.L. (2019).”Time is running out for sand”. Nature, volume 571, pp 29-31. [2] Wearden, G. (2016). “More plastic than fish in the sea by 2050, says Ellen MacArthur”. The Guardian./ [3] Korhonen, J., Seppala, J., Honkasalo, A. (2018). “Circular Economy: The Concept and its Limitations”. Elsevier Ecological Economics, 143, pp 37-46.
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AS SOLUÇÕES
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J O S É S I LVA
Portugal e um futuro energético sustentável Ilustração de Rita Sequeira, 3ºano
Portugal, país do sul da Europa, apresenta uma exposição solar superior a grande parte dos restantes países europeus. Este país tem acesso privilegiado ao Oceano Atlântico, contando com 943 km de costa[1], e uma Zona Económica Exclusiva que é a 3ª maior da Europa e 11ª do Mundo[2]. Contém em si uma grande capacidade de produção e desenvolvimento de materiais e equipamentos para produção de energia e milhares de hectares de terreno não aproveitado. O Arquipélago dos Açores apresenta uma enorme capacidade geotermal decorrente de uma intensa atividade vulcânica[3]. Este país é ainda local de passagem de 3 dos 5 maiores rios da Península Ibérica[4]. Vemos nestes breves dados que Portugal tem todas as condições base para conseguir tornar-se um país independente de combustíveis fósseis na produção de eletricidade. No ano de 2017, em Portugal, 40,9% de toda a energia elétrica produzida veio de fontes renováveis[5]. Este valor já se encontrou em 61,4% em 2014,5 sendo que esta diminuição se deve, não só ao aumento do consumo global de energia, mas também a um decréscimo acentuado na produção hídrica[6]. Este
decréscimo é resultado de uma diminuição dos recursos hídricos na Península Ibérica[7], sendo que se pode agravar com um aumento das alterações climáticas. Também em 2017, a principal fatia desta produção proveio do vento (50,4%), sendo a restante proveniente de 31,4% hídrica, 13,2% biomassa, 4,1% fotovoltaica e 0,9% geotérmica[6]. Para aumentar estes valores para algo semelhante aos quase 100% da Islândia ou da Noruega[8][9], várias alterações têm de ser feitas. Em primeiro lugar, a rede nacional de distribuição e transporte de eletricidade só tem capacidade para transmitir uma quantidade finita e limitada de energia em cada região[10], levando as várias empresas e meios de produção a lutar pelo seu espaço dentro dessa capacidade. Se numa determinada região a capacidade máxima estiver alcançada, de nada serve a produção de centrais de energia renovável nessa área, pois não vai conseguir ser transmitida à população. Outro facto que deve ter sido em conta é que muitas energias renováveis são muito inconstantes, dependendo de condições atmosféricas ou, no caso da produção hidroelétrica, do fluxo de água
P OR T UGAL E UM F U T UR O ENER GÉ TIC O S US TENTÁVEL
a montante das barragens[11]. Deste modo, uma alteração para o futuro terá de ser a criação de sistemas de armazenamento de energia elétrica em larga escala (hidroelétricas reversíveis, que bombeiam água para as albufeiras[11], hidrólise da água utilizando excedentes elétricos para futura utilização do hidrogénio como combustível para obtenção de energia, ou utilização de baterias para armazenamento a nível local, são alguns exemplos). No processo de transição, será necessário manter algumas fontes de produção de energia por combustíveis fósseis e biomassa, pois estes conseguem ser ajustados às necessidades da rede, quando existe uma redução da produção por outros métodos renováveis. Quando necessário, deverá ser dada prioridade à biomassa[12] de modo a ir de encontro aos objetivos da UE de, “até 2050, (…) reduzir as suas emissões substancialmente, em 80 a 95% em relação aos níveis de 1990”[13]. Estes objetivos visam atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris[14]. Deste modo, a tendência de futuro deverá ser a desativação de centrais termoelétricas de combustíveis fósseis - como podemos ver através do anúncio do encerramento da central termoelétrica do Pego para 2021[15] ou a redução da sua produção para momentos em que sejam estritamente necessárias. Isto criará mais espaço na rede elétrica instalada para o desenvolvimento de projetos de centrais de produção de energia ambientalmente sustentável. A criação de mais parques solares deverá apresentar-se como uma prioridade, visto só representar cerca de 5% da produção elétrica renovável nacional[6]. Estes podem ser criados em terrenos ao abandono, em zonas com solos pouco férteis, aproveitando os cerca 260 dias de sol existentes por ano[16]. No que diz respeito à produção de energia hídrica, a mesma apresenta
algumas desvantagens ambientais. Desde alteração do ecossistema local, impedimento de migração piscívora de encontro à nascente dos rios até acumulação de detritos que nunca chegam a ser depositados no mar como seria de esperar. Estas, conjugadas com a diminuição de recursos hídricos[11], justificam não ser necessário um investimento elevado no desenvolvimento de novas barragens num futuro. Dado o tamanho da nossa costa, e a importância do mar no contexto nacional, faz todo o sentido que essa mesma importância se reflita também neste setor. O desenvolvimento de melhores tecnologias de aproveitamento de energia pelas ondas e marés deve ser uma aposta de modo a tornar Portugal um país mais sustentável. O setor da energia eólica também deve aumentar a sua importância. Não obstante, a criação de novos parques eólicos deve ser bem avaliada de modo a não causar poluição visual em áreas de interesse turístico, e diminuir o impacto que estes podem causar no ecossistema local da região onde serão instalados. O Arquipélago dos Açores deverá seguir o exemplo da Islândia, reforçando a aposta na energia geotermal como fonte principal de produção elétrica, em todas as ilhas que para tal tenham condições[9]. Nem a utilização de energia nuclear de fissão, nem a provável chegada da energia nuclear de fusão foram referidas, por considerar que o que deve ser feito agora é um investimento na produção de energia renovável. Assim, Portugal revela-se hoje um país com as condições climáticas, técnicas e humanas certas para prosperar na produção de energia elétrica ambientalmente sustentável. Um país que esperemos que tome as medidas certas para o abandono definitivo da utilização de combustíveis fósseis nos próximos 30 anos. Um país que tem tudo para se apresentar como um exemplo no combate às alterações climáticas.
Bibliografia: [1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Costa. [2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Zona_econ%C3%B3mica_exclusiva_de_Portugal. [3] https:// www.tribunadamadeira.pt/2017/02/01/aposta-na-energia-geotermica-e-uma-forma-de-valorizar-o-potencial-endogeno-dos-acores/. [4] https:// pt.wikipedia.org/wiki/Pen%C3%ADnsula_Ib%C3%A9rica. [5] https://www.pordata.pt/Portugal/Produ%c3%a7%c3%a3o+de+energia+el%c3%a9ctrica+a+partir+de+fontes+renov%c3%a1veis+(percentagem)-1232. [6] https://www.pordata.pt/Portugal/Produ%c3%a7%c3%a3o+de+energia+el%c 3%a9ctrica+total+e+a+partir+de+fontes+renov%c3%a1veis-1127. [7] https://observador.pt/2017/07/14/reducao-da-atividade-das-barragens-leva-p roducao-da-edp-a-cair-6-ate-junho/. [8] https://www.vidarural.pt/producao/portugal-ja-satisfaz-54-das-suas-necessidades-energeticas-com-renovaveis/. [9] https://noctula.pt/energias-renovaveis-que-paises-estao-na-linha-da-frente/. [10] https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ ficheiro.aspx?v=c3c9859c-1272-4b2a-bf47-7b1cea6d5c55. [11] https://www.publico.pt/2018/08/10/economia/analise/energia-mais-renovavel-descentralizada-flexivel-de-mais-qualidade-1840597. [12] http://www.energiasrenovaveis.com/DetalheConceitos.asp?ID_conteudo=6&ID_area=2&I D_sub_area=3. [13] https://ec.europa.eu/clima/citizens/eu_pt- [14] https://ec.europa.eu/clima/policies/international/negotiations/paris_en. [15] htt ps://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/governo-antecipa-encerramento-da-central-termoeletrica-do-pego-para-o-final-de-2021; [] https://www.pordata.pt/Portugal/N%c3%bamero+de+dias+sem+chuva-1071-10201
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CULTUR A
M I G U E L C A RVA LH O
Nanterre. Sempre. Numa qualquer rua de Paris o caos reina. Uma névoa de gás lacrimogénio filtra os raios de sol, misturando-se com o fumo proveniente de carcaças do que outrora foram caixotes do lixo e autocarros. O asfalto, destruído, encontrase coberto de cartazes pisados, assim como vestígios de barricadas. Duas forças encaramse – de um lado as Compagnies Républicaines de Sécurité (CRS), divisão da polícia francesa; e, do outro lado, estudantes de múltiplas universidades de Paris. Nesta descrição quase apocalíptica da luta estudantil em França, a data poderá ser quase ignorada. Se é certo que maioria das pessoas irá associar esta descrição às manifestações que marcaram Paris em Maio de ’68, outros poderão relembrar eventos que se iniciaram em Março de 2018 – eventos estes que foram quase que abafados pela imprensa nacional francesa e internacional. Mas serão assim tão semelhantes os eventos ao ponto de se estabelecer um paralelo? Peguemos nos eventos que levaram ao Maio de ’68. A 22 de Março de 1968 a Universidade de Paris-Nanterre é ocupada por um grupo estudantil como forma de luta contra o imperialismo, a repressão policial, a universidade e o capitalismo. Esta permanecerá ocupada até 3 de Maio, altura em que será fechada, levando à famosa ocupação de Sorbonne, que foi reprimida
violentamente pela CRS e incendiou o rastilho que originaria as manifestações de Maio de ’68. Estas manifestações contaram de início apenas com estudantes, sendo que, após o apoio dado pela CGT, estas contaram com trabalhadores das mais diversas áreas do país, chegando a ser atingido o marco de 500.000 manifestantes na manifestação de 13 de Maio de ’68. Já em 2018, o início foi diferente. Este deuse a 22 de Março de 2018 - exatamente 50 anos após a formação do Movimento 22 de Março – quando uma assembleia geral estudantil aprovou a ocupação do centro Pierre-MendèsFrance (vulgo “Tolbiac”) como forma de protesto contra a possível futura Lei de Acesso ao Ensino Superior. A partir daí várias universidades foram-se juntando, algumas das quais após terem sofrido repressão policial durante as suas assembleias gerais – como é o caso de Nanterre, onde se “iniciou” Maio de ’68. Logo aqui poderemos ver uma grande diferença – se em 1968 a revolta estudantil partiu de uma revolta contra a sociedade em si, em 2018 esta deveu-se a uma revolta contra uma putativa lei, sendo que a partir daí se alargou a outras áreas da sociedade. Além disso, ’68 não tinha um alvo em concreto, enquanto as manifestações de 2018 tinham como principal alvo do ódio o Presidente Emmanuel Macron. Cartazes e faixas com ditos como “Tolbiac
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NANTERRE. SEMPRE.
mobilisée – Même Macron, même combat!” (Tolbiac mobilizada – o mesmo Macron, o mesmo combate) estavam presentes em todas as manifestações, assim como palavras de ordem contra o mesmo. Mas talvez o evento que mostrou o claro confronto contra Macron tenha ocorrido a 17 de Abril - a ocupação da SciencesPo, faculdade onde Macron estudou. Esta ficou coberta de palavras de ordem, que iam de frases com um tom mais sério (“Os estudantes de SciencesPo estão contra a ditadura Macroniana”) até frases com um tom jocoso (“Macron, a tua escola foi bloqueada”). Este foi o ponto alto desta manifestação, mas ao mesmo tempo a que acabou por condenar esta à morte, ao ostracizar a população estudantil que ainda apoiava Macron. Tal levou ao dissipar de vários focos de manifestação a meio de Maio do mesmo ano, assim como o fim das ocupações – as quais eram opostas por cerca de 73% dos estudantes. E assim morreu Maio de 2018... Ou talvez não. Podemos dizer que Maio de ‘68 foi não só um grito de estudantes, mas de toda uma sociedade, adormecida pelo período de crescimento económico e paz do pós-guerra. Todo o país acordou e se levantou para reivindicar os seus direitos – mesmo que, no mesmo ano, tenha ultimamente sido derrotado pela reeleição do General De Gaulle. Ainda assim, Maio de ’68 é considerado como um exemplo daquilo que a luta pelos direitos deve ter, tendo tido repercussões por todos os países envolventes – entre os quais Portugal, quer através das notícias quer através dos emigrantes portugueses residentes em França na altura.
Mas se 1968 foi um grito imediato que ecoou até à atualidade, as manifestações de 2018 foram um sussurro, com pouca cobertura fora de França e com pouco impacto imediato. Contudo, até um sussurro se transforma num brado em condições ideias. E quem não se lembra do anno horribilis que 2018 foi para Macron, especialmente a partir de Novembro, com o surgimento de gilets jaunes? Poderá este ser um incêndio que começou nas pequenas faíscas que foram formadas no primeiro semestre do mesmo ano? Ou serão ambos apenas sintomas de uma mesma doença que assola a sociedade francesa, doença esta que se encontra representada por Emmanuel Macron – filho de elites, formado na “fábrica de elites” e considerado por muitos como apoiante das elites? E poderá 2018 também ser um ano que irá ecoar nos anos e gerações vindouras? Poderá 2018, com todas as suas manifestações – quer políticas, quer ambientais -, ser o Maio de ’68 da nossa geração? Estas questões ninguém poderá responder. Mas uma coisa é certa: num mundo cada vez mais assolado por figuras sinistras e conspurcadas pelos interesses dos mais ricos e poderosos; por discursos de ódio e violência; por alterações climáticas e movimentos anticientíficos, falta gritarmos o nosso basta! Falta sairmos à rua e lutarmos pelo que é preciso! E, acima de tudo, falta acordar o espírito que, em ’68 em Nanterre e em 2018 em Tolbiac, fez com que os estudantes tomassem posições que lhes garantiram crítica de alguns membros da sociedade civil, assim como repressão policial! Acima de tudo, falta lembrar Nanterre. Sempre.
LATON • HENRIQUE MELO • PLATON • HENRIQUE MEL
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Fotografia de Sofia Carvaho, 4º ano, PLATON (2019)
Imaginemos um dia vulgar na vida de um estudante. Desde os primeiros minutos, o plástico surge sorrateiramente, quer na embalagem do iogurte do pequeno-almoço, como na do gel de banho ou da pasta de dentes. Depois, no caminho até à faculdade voamos entre sacos, beatas e garrafas, que deslizam pela calçada sem qualquer destino. Entre almoço, lanche e jantar lá vão mais dois pacotes de bolachas, uma garrafa de água, 2 copos descartáveis de café e um novo saco, dentro de outro, para transportar 5 maçãs do supermercado até casa. Agora multipliquemos o ritual por alguns milhões e imaginemos as toneladas de plástico produzido, utilizado, não reutilizado, não reciclado, negligenciado e a “apodrecer” num oceano qualquer. O que diferencia este material dos outros resíduos é que não é decomposto, nem biologicamente degradado. Fragmentase em detritos sucessivamente menores, sendo posteriormente introduzido nos ecossistemas[1], na base da cadeia alimentar, até que, inevitavelmente, os humanos sejam atingidos pela própria arma[2]. Para além deste processo de formação de microplásticos (partículas inferiores a 5mm), existem ainda duas outras vias, mais diretas e premeditadas, envolvidas na sua síntese[1]. Uma
delas é a introdução de microesferas sintéticas em produtos de limpeza e cosméticos, tais como algumas pastas de dentes branqueadoras e esfoliantes faciais[1]. A outra, menos óbvia, contudo com produção de partículas ainda menores, é a produção e lavagem de têxteis não biodegradáveis, levando à libertação de fibras sintéticas ínfimas, que se escapam, arrastadas pela água, sempre que, por exemplo, lavamos a roupa[1]. Estudos realizados pela Universidade de Plymouth, Reino Unido, sugerem que, em média, um adulto ingere num ano, aproximadamente, 50.000 partículas de microplásticos[3]. Em simultâneo, na Universidade Médica de Viena, analisaram-se dejetos de pessoas de 8 países diferentes (Finlândia, Holanda, Reino Unido, Polónia, Rússia, Japão, Áustria e Itália) e verificou-se a presença de plásticos, em concentrações consideráveis, na totalidade das amostras que participaram no estudo[4]. Estas descobertas são ainda muito recentes e os seus efeitos na saúde humana permanecem desconhecidos. O plástico em si não é nenhum vilão, o problema é a forma como o gerimos e o uso desenfreado que lhe damos, tornando-se cada vez mais evidente que ‘life in plastic, it’s [not] fantastic’ e que se não formos nós a acabar com ele, será ele a dar-nos outro destino.
Bibliografia: [1] https://echa.europa.eu/hot-topics/microplastics. [2] https://www.nottingham.ac.uk/connectonline/research/2018/the-big-problem-of-microplastics.aspx. [3] https://www.theguardian.com/environment/2019/jun/05/people-eat-at-least-50000-plastic-particles-a-year-studyfinds. [4] https://www.meduniwien.ac.at/web/en/about-us/news/detailsite/2018/news-october-2018/microplastics-detected-in-humans-for-thefirst-time/-Universidade de Viena.
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Ilustração de Maria Diniz Cabrito, 2ºano
F R A N C I S C O S A N T O S S I LVA CAROLINA MOREIRA
Green Screen Francisco Silva Santos (FSS): Face à sugestão de, mais uma vez, o Medscene aliar-se à RESSONÂNCIA na elaboração de algo que convergisse a temática desta nova edição com o universo cinematográfico, decidimos reciclar a ideia da habitual crítica. Em vez disso, num espírito conversacional e estilo de entrevista informal, examinamos a forma como a sustentabilidade é representada no cinema. Carolina Moreira (CM): Como plataforma de divulgação, o cinema é uma das melhores formas de atingir o público em geral. O formato de documentário tem sido o mais utilizado para abordar este tema. Acho que podemos concordar que An Inconvenient Truth (2006) foi fundamental para lançar o debate acerca das alterações climáticas. Seguiram-se na esfera mediática alguns títulos como Food, Inc (2008), Cowspiracy: The Sustainability Secret (2014) ou o recente The Game Changers (2018), muito focados na necessidade da alteração da dieta humana e da redução drástica do consumo de carne para atingir a sustentabilidade. Marcados tanto pela popularidade como pela polémica, todos eles foram criticados por manipular a ciência e “escolher a dedo” (ou até mesmo fabricar) os factos que melhor interessavam para a sua narrativa. Mesmo tendo isso em consideração, não podemos deixar de lhes atribuir importância como impulsionadores tanto do debate como da mudança.
FSS: A componente educacional dos documentários permite que sejam mais diretos e eficazes na transmissão de uma mensagem ao espetador, apesar de serem restringidos a nichos e não tanto às massas (excetuando exemplos mais mediáticos, como os que mencionas). Em oposição, temos blockbusters e a sua capacidade de mover enchentes às salas de cinema, não servindo isto de impedimento ao que muitas vezes pretendem comunicar no núcleo das suas histórias. Aliás, nas últimas décadas, têm surgido cada vez mais títulos que se podem considerar como conscientes em termos políticos e sociais, quase como uma moda, que também inclui temas de ambientalismo e sustentabilidade. Um bom exemplo é WALL-E (2008), filme de animação que facilmente apela a qualquer faixa etária pela sua excelência, ficcionando as possibilidades e consequências de uma sociedade que continua a sua rota consumista. Ao hiperbolizar paisagens e tecer uma distopia, enquanto apela a uma resposta emocional da audiência face ao planeta que habita, inspira uma mensagem que nem chega a estatuto de subliminar. Outro exemplo escusado de apresentação é Avatar (2009), que subjacente a todo o design de produção e efeitos especiais incríveis, consegue explorar a natureza humana no confronto entre sustentabilidade e progressão económica, sem grandes futilidades. CM: O sucesso comercial dos exemplos que referes e a recente mobilização a nível mundial dos jovens nos protestos pelo clima, mostram que este é o assunto na ordem do dia. Há uma sensibilização global para esta temática e isso tem-se refletido na pressão cada vez maior para a indústria cinematográfica, também ela bastante poluidora, tornar as suas produções mais sustentáveis. O Cinema nasceu da necessidade do ser humano em contar histórias e não há história mais importante que a da nossa sobrevivência.
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MAFALDA FLORENCIANO
O Futuro é Agora A Obra de Olafur Eliasson O ano é 2014 e doze blocos de gelo formam um dos relógios mais estranhos que Copenhaga já viu. Olafur Eliasson, propôs-se a roubar um pedacinho de Greenland e a despejá-lo ali mesmo, numa das mais emblemáticas praças da cidade, confrontando a metrópole com a materialização das dezenas de manchetes que, diariamente, anunciam a crise climática. Durante três dias o gelo derrete na rua, despertando o interesse dos transeuntes que vêm para observar esta peculiar escultura. Algumas mãos, mais corajosas, aproximamse, e por entre risos entretidos, vão escapando constatações do óbvio, “Está frio!”. A ideia por detrás de Ice Watch é exatamente a de parar as gentes, para, de forma quase insolente, questionar “Agora já parece real?”. Durante anos, assobiámos para o lado e deixámos para depois, mas há que admitir, os tempos são outros, e estamos agora, finalmente, mais alerta. Há dias em que o mundo nos deixa perplexos, as injustiças e a degradação enervam-nos, soltamos até um “Caramba, como é chegámos a este ponto?”, por entre duas garfadas do jantar, mas a memória, essa, continua a ser curta. Pela hora em que a loiça está lavada, já poucos são os que recordam as desgraças anunciadas do outro lado do ecrã, pois estas continuam a parecer vindas de um local longínquo, ao qual somos imunes. Assim vamos vivendo, os dias sucedem-se, as desculpas também e nada muda verdadeiramente. É a inércia generalizada.
Aqui entram autores como Eliasson, cujas múltiplas peças, mais do que guiar-nos por entre reflexos fantasiosos do nosso mundo, devolvem a arte à sua essência mais primitiva, colocando a realidade sob um microscópio. Somos assim forçados a olhar os problemas nos olhos e tomar responsabilidade por um futuro que nos pertence. Por entre tons acusatórios e uma melancolia que é inerente ao tópico, Olafur vai mais longe, procurando encontrar uma linguagem que inspire a mudança, sem que seja necessariamente negativa. É exatamente sobre isso que se foca um dos seus mais interessantes projetos, Little Sun, que desde 2012 desenvolve em parceria com o engenheiro Frederik Ottesen e o Museu Nacional de Arte Moderna no Reino Unido. O objetivo é levar fontes de energia limpas, através de pequenos painéis solares, a países como a Etiópia, onde, atualmente, cerca de 73% da população ainda não tem acesso a eletricidade.[1] A linha entre a arte e o ativismo torna-se, assim, cada vez mais ténue. Criações como as de Eliasson assustamnos, por darem lugar a perguntas a que não queremos responder. Abrem-se rachas na ilusão de segurança que construímos em nosso redor e, de repente, damos por nós perturbados por uma visão nova do mundo do costume, mas talvez seja esse exatamente o objetivo.
Bibliografia: [1] https://littlesun.com/impact/#impact-map (consultado a 10 de novembro de 2019).
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CRÓNICA 2
FRANCISCO PEREIRA
Gustavo Às vinte horas do dia seis de novembro, sinto o coração nos ouvidos. Gasto o chão do camarim do Campo Pequeno, para a frente e para trás, tentando não me desequilibrar com os polidos sapatos de vela. Olho-me ao espelho. Um fio do cabelo geloso e molhado que me acompanhou desde setembro tinha-se rebelado, espetandose anarquicamente para cima. Com mais uma noz de gel, a Andreia reposiciona-o, fixando-o firmemente com doses tóxicas de laca. Estava já familiarizada com o meu cabelo, depois de vários fins-de-semana de filmagens. Relembro-me que o Gustavo não sou só eu, mas sim todas as pessoas que o imaginaram e escreveram, aqueles que pensaram nele e o caracterizaram. O Gustavo é também quem o imaginou e o sonhou. Fico mais nervoso. Volto para as minhas piscinas no corredor, tentando mentalizar-me de que isto será só mais um ensaio, igual a todos os outros. Algumas pessoas desejam-me “Boa sorte”, às quais agradeço, não deixando transparecer o meu estado de gritante ansiedade. Mais do que me expor à faculdade, estarei a carregar o legado de todos os que se esforçaram para preparar a Noite da Medicina desde o 1º ano. Depois de hoje, tudo chegará ao fim. Durante a semana de castings, candidatei-me ao papel de Zero. Achei que uma personagem desajeitada, nervosa, tímida e insegura se adequaria perfeitamente a mim, talvez por ser assim que eu me via. A Direção Artística da Noite da Medicina discordou. Pediu-me para tentar representar uma personagem altiva, fria, confiante e intimidante, talvez por verem algumas dessas características em mim.
Ao longo das semanas de filmagens, fui ficando mais confortável com o Gustavo. Adaptei o M. Gustave a mim mesmo e naturalmente fui cristalizando uma nova pessoa, que também eu fui descobrindo ao longo do tempo. No final, rapidamente entrava e saía de personagem entre cada take. Por vezes, não saía. Ou às vezes não entrava. Lentamente, o Gustavo e o Francisco construíram um espectro de duas personalidades, onde eu deambulava, por vezes involuntariamente. No meu dia-a-dia, apercebi-me de que caminhava de forma mais confiante, ocasionalmente falava de forma diferente, e às vezes até sorria sem mostrar os dentes, como estava habituado a fazer nos ensaios. O Gustavo tornou-se um porto seguro, onde me podia esconder quando o Zero dentro de mim estava a emergir. Visto a bata, acerto o estetoscópio roxo simetricamente e vou para a lateral do palco, onde encontro o Gonçalo, ou Zero como às vezes lhe chamo agora. Olhamo-nos mutuamente em cumplicidade, como se nos entendêssemos. “Isto é só mais um ensaio”, digo-lhe, como um tutor ao seu pupilo. Apercebo-me que instantaneamente o Gustavo dentro de mim está a apagar o Francisco que restava. E, assim, os nervos desaparecem. Perto das bambolinas, contracenamos silenciosamente as falas do vídeo a passar nos ecrãs gigantes, como dois amigos que apenas se estavam ali a divertir mais uma vez. À minha deixa, “Piso 01, Portas a Abrir”, entro calmamente no elevador.
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DIREÇÃO EDITORIAL
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Ana Drumond
Ana Drumond
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Maria Helena Viegas Editorial Section of Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa editorial@aefml.pt
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Miguel Carvalho Rita Sequeira Susana Xu
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