Paulinas

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Fotos: Paulo Maia

cultura

Imóvel,

mas não

inerte

As esculturas do pernambucano Francisco Brennand conversam entre si e nos convidam a um diálogo silencioso que passa por nossa própria existência.

Paulo Maia

H

á alguns meses, venho trabalhando como fotógrafo sobre as esculturas de Francisco Brennand, artista pernambucano e proprietário da Oficina Brennand, localizada no Bairro da Várzea, em Recife (PE). Seu trabalho artístico é conhecido tanto pela escultura quanto pela pintura. Apesar da peculiaridade e beleza de sua obra pictórica, falarei aqui especificamente sobre meu contato com sua escultura. A princípio, poderia afirmar que a Oficina é uma grande escultura em si mesma, uma vez que sua distribuição espacial pro-

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põe um conjunto de narrativas que, ao concluir a visita a esses diversos “pequenos mundos” de Brennand, se pode perceber uma ideia que alimenta e percorre toda a obra, difícil de resumir em uma palavra. Sua “ideia” nos leva a pensar na vida, no totêmico, no arcaico e no erótico num sentido mais radical. É uma obra que faz pensar a fratura que nos causa quando desejamos resgatar a nossa condição mais primitiva de ser humano, que talvez só podemos vislumbrar teórica ou poeticamente. Na obra de Brennand, porém, essa condição está aí diante de nossos olhos para ser vista e sentida, apesar


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das estruturas de saberes nas quais fomos educados, entre elas a moral, a sexualidade e tantas outras categorias que mais nos distinguem e distanciam do que nos aproximam um dos outros. De tal modo que nos convida a sentir em nossa própria existência a fascinante angústia de nos visitar a nós mesmos. Como diz uma estrofe de um poema do inglês Samuel Taylor Coleridge (17721834), de Coleridge, traduzido ao português como A Balada do velho marinheiro: “Desde esse dia, em hora incerta,/volta essa angústia extrema; / e se não conto a história horrível /o coração me queima”. De modo geral, a literatura sobre a escultura de Francisco Brennand coincide em falar sobre seu apelo erótico (em sentido mais vulgar), devido às formas fálicas de algumas esculturas, ou a mostra aparentemente exagerada da genitália feminina em outras. No entanto, o contato com essas representações tão primitivas da experiência humana a que esse artista nos remete merece um exercício anterior: o de aprender a ver. 82 revista família cristã

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Abstrata e profunda – Em uma das entradas de acesso às esculturas deparamo-noss com uma frase sutil que parece nos preparar para o diálogo interno que se estabelece entre as obras e o público que vai visitá-las. Ela fala sobre o movimento que tem essas esculturas. Ao passarmos por essa espécie de “primeiro aviso”, entramos em um grande salão de esculturas que retratam as mais distintas realidades da condição humana. Desde elementos e personagens da literatura universal às mais diversas questões existenciais. Ao nos aproximarmos desses vários espaços, dos “pequenos mundos” de Brennand, temos a sensação de que as esculturas estão conversando entre si. Elas nos convidam a um diálogo silencioso que passa por nossa própria existência: é um apelo ao risco da experiência de fratura existencial que é também uma brecha para reencontrar a condição humana anterior a tantos esquemas que vamos incorporando ao longo da vida. Mais que buscar conceituar um trabalho de tão grande dimensão,


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importa antes identificar os desafios que ele nos impõe. Pois ao primeiro contato, podemos nos deixar levar por suas formas e horrorizar-nos com uma reação que não sabemos de onde vem e nem o porquê dela. E podemos passar também insensíveis diante delas, como meros turistas curiosos por ver algo diferente. Mas, ao retratar a obra desse artista pernambucano, senti-me interpelado por uma questão: como representar em fotografia uma forma tridimensional tão abstrata e tão profunda? E isso me mobilizou em direção a questões sobre essas condições mais primitivas a respeito do ser humano. Agora, depois de meses fotografando esse trabalho, percebo a realidade daquela espécie de “primeiro aviso” que nos dá o artista. Em minha condição fraturada, reconheço que ali em sua Oficina cada escultura está “imóvel, mas não inerte”.

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Obras 1- Ofélia 2- Feiticeiro 3- Corpo 4- Helena de Tróia 5- Adão e Eva 6- Tudo flui 7- Templo Central

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