PAE, Parkinson, Alzheimer e eu

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Carlos Alberto Vasconcelos

pae Parkinson, Alzheimer e eu A luta pela vida‌

SĂŁo Paulo, 2017

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PAE – Parkinson, Alzheimer e Eu: a luta pela vida... Copyrigh t © 2017 by Carlos Alberto Vasconcelos Copyright © 2017 by Editora Ágape Ltda . COORDENAÇÃO EDITORIAL

Rebeca Lacerda ILUSTRAÇÃO

DIAGRAMAÇÃO

Rebeca Lacerda PREPARAÇÃO

Thais Rezende

Fernanda Guerriero Antunes

ARTE-FINAL DE CAPA

REVISÃO

Dimitry Uziel

Patrícia Murari Ana Lúcia Neiva

COORDENADOR EDITORIAL

EDITORIAL

Vitor Donofrio

Giovanna Petrólio João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda

AQUISIÇÕES

Cleber Vasconcelos

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Vasconcelos, Carlos Alberto PAE – Parkinson, Alzheimer e eu : a luta pela vida… / Carlos Alberto Vasconcelos. -- Barueri, SP : Ágape, 2017. 1. Testemunhos (Cristianismo) 2. Vasconcelos, Benedito, 1925Biografia 3. Alzheimer, Doença de - Pacientes 4. Parkinson, Doença de – Pacientes 5. Filhos adultos de pais idosos – Vida cristã 6. Cuidadores – Vida Cristã I. Título 17-0038 Índice para catálogo sistemático:

CDD-926.1683

1. Doenças degenerativas – Pacientes - Biografia 2. Idosos – Cuidados – Testemunhos de vida

926.1683

editora ágape ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1112 cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323 www.editoraagape.com.br | atendimento@agape.com.br

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Prefácio

Pastor Carlos Alberto Vasconcelos é um homem de fé e, nes‑ te livro, vai além da dor, da tristeza e da angústia de acompa‑ nhar o padecimento de seu pai, o Sr. Benedito – que por vários anos convalesceu de doenças degenerativas como Parkinson e Alzheimer –, para nos conduzir a uma reflexão que trans‑ cende a capacidade humana de lidar com o sofrimento. Os acontecimentos são situados numa perspectiva his‑ tórica, mostrando como o Sr. Benedito foi sempre dedicado aos filhos, sacrificando­‑se para prover o sustento da famí‑ lia. O enredo tem sua narrativa na forma de diário, visto que o autor se atém muito às datas dos acontecimentos, destacando com detalhes os momentos marcantes da con‑ vivência familiar. A reflexão profunda manifestada nestas páginas é outro aspecto relevante da obra, pois em cada fato citado é feita uma introspecção, a qual, para apontar um caminho de supe‑ ração, nos leva além da racionalidade e da maneira mecânica de lidar com o sofrimento – e, ainda, nos faz ter inspiração, transcendendo a realidade cruel da dor e da perda. Somos incentivados a alcançar, então, o equilíbrio ao li‑ dar com a tristeza e com o sofrimento, e, ao mesmo tempo, a manter o controle e não nos desesperar. PAE – Parkinson, Alzheimer e Eu vem exatamente no momento em que as relações familiares estão deveras estre‑ mecidas, em um mundo cada vez mais globalizado e consu‑ mista, com pessoas egoístas e desumanas. 3

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O que vejo refletido nas mensagens deste livro, portanto, é a indicação de como chegar a uma ilha isolada, na qual ainda conseguimos encontrar filhos, irmãos, noras, netos – enfim, seres humanos –, que de fato vivem o cristianismo a fim de honrar pai e mãe e de amar ao próximo como a si mesmo. Sua função é terapêutica e instrutiva, pois serve de ins‑ piração, consolo e exemplo para muitos que lidam com seus entes queridos idosos e acamados e que, ao passar do tempo, cada vez menos vislumbram uma possível esperança para sua recuperação. Aqueles acometidos por doenças degenerativas definham e se aproximam da morte a cada instante, gerando sofrimento a todos: ao doente, à família, aos amigos e aos cuidadores. Entretanto, o que se viu nas atitudes do autor, da mis‑ sionária Meire, sua digníssima esposa, e de Felipe e Vinícius, filhos do casal, foi uma dedicação impressionante no trato e no cuidado com o bondoso e paciente irmão Benedito. A maioria das pessoas deixa seus parentes idosos ou acamados em casas de repouso ou asilos (isso quando não os agridem!). Nós não estamos apontando nenhuma crítica a elas, mas nos compete destacar a forma como o pastor e sua esposa se fundamentaram e se valeram da fé cristã e dos princípios bí‑ blicos para que, de forma altruísta e abnegada, cuidassem do Sr. Benedito, como pudemos comprovar pelas várias visitas que fizemos a eles. Esta obra, então, serve para abrir os olhos daqueles que não têm tempo para os pais idosos, saudáveis ou não, nem paciência para ouvir seus sábios conselhos. Refletindo sobre PAE – Parkinson, Alzheimer e Eu, che‑ guei às seguintes conclusões: • a terceira idade é um grande bem por viver­‑se bas‑ tante, um prêmio divino, pois reflete o prometido na 4

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Bíblia – longevidade aos prudentes e fiéis –, não sen‑ do, porém, uma regra; • a velhice apresenta três situações chocantes das quais ninguém poderá escapar: adoecer, depender dos mais jovens (parentes ou não) para diversos cuidados bási‑ cos, e a solidão – esta, a meu ver, é a mais terrível delas; • em muitas situações, os que cuidaram de muitos fi‑ lhos, netos, pais, sogros e, eventualmente, até de es‑ tranhos, correrão o risco de ser abandonados na sua velhice, doentes, pobres e sozinhos. A todos que lerem este livro, recomendo que se lem‑ brem da verdade que o único segredo de não envelhecer será morrer jovem! Como ninguém pretende morrer jovem, vamos viver com sabedoria respeitando nossos pais e todos os idosos. Hoje posso cuidar dos meus pais e protegê­‑los estando eles idosos, mas em breve talvez eu mesmo precise desses cuidados e de proteção por parte de meus filhos e netos. Eu então pergunto: será que cuidarão de mim? No capítulo 12 do livro de Eclesiastes é apresentada a mais completa reflexão sobre a transitoriedade da vida: “Lembra­‑te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais ve‑ nhas a dizer: Não tenho neles contentamento.” (vs 1). Nestas páginas, vejo uma linda lição para quem quer vi‑ ver de forma inteligente, pois lembrar­‑se de Deus, o criador de todas as coisas, provedor dos homens, antes que as limita‑ ções físicas, psicológicas e mentais nos sobrevenham, é uma manifestação de sabedoria vinda do próprio Deus. Buscar ao Senhor com humildade e sinceridade irá nos fortalecer e nos preparará para todas as adversidades que 5

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eventualmente poderão ocorrer conosco e também com nos‑ sos entes queridos. Concluo que foi essa a mensagem que o pastor Carlos Alberto Vasconcelos aprendeu e viveu em relação ao seu querido pai. Assim, ele nos presenteia com esta introdução à vida bem vivida e à morte bem assistida. José Faustino de Albuquerque Filho Professor, teólogo, psicólogo, escritor e pastor presidente da Igreja Assembleia de Deus Brasileira.

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Prólogo A luta pela vida “Lembra­‑te do teu Criador nos dias da tua mocida‑ de, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles con‑ tentamento; antes que se escureçam o sol, e a luz, e a lua, e as estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva; no dia em que tremerem os guardas da casa, e se curvarem os homens fortes, e cessarem os moedores, por já serem poucos, e se escurecerem os que olham pelas janelas; e as duas portas da rua se fecharem por causa do baixo ruído da moedura, e se levantar à voz das aves, e todas as vozes do canto se baixarem.” (Ec 12:1­‑4) “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: ‘Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque este é o de‑ ver de todo homem’.” (Ec 12:13) Para nossa meditação… Quando o Rei Salomão, filho do Rei David, escreveu es‑ sas palavras, aproximadamente 950 anos antes de Cristo, já em sua velhice, ele havia passado por diversas experiências em sua vida, e tinha uma sabedoria a qual nenhum outro homem ja‑ mais teve, conforme a Palavra de Deus nos afirma: “E disse­‑lhe Deus: ‘Porquanto pediste esta coisa e não pediste para ti riquezas, nem pediste a vida de 7

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teus inimigos, mas pediste para ti entendimento, para ouvir causas de juízo; eis que fiz segundo as tuas palavras, eis que te dei um coração tão sábio e entendido, que antes de ti teu igual não houve, e de‑ pois de ti teu igual se não levantará’.” (1Rs 3:11,12) Com essa sabedoria, logicamente, Salomão tinha um discernimento bastante amplo sobre as etapas da vida de um homem, e, devido a esse discernimento, tornou­‑se mais do que apto a nos dar instruções e a nos deixar, de forma poética (como vemos no texto anteriormente citado), uma mensagem bastante positiva, inspirada por Deus, que nos orienta, anima e ao mesmo tempo nos adverte. Podemos, então, compreender que a nossa vida aqui nes‑ te mundo é muito breve e faz parte de um ciclo, cujo saldo desse percurso só fará sentido se nos submetermos ao nosso Senhor e Criador de forma plena, confiando Nele, sendo fiel a Ele, reconhecendo que sem o verdadeiro “Eu Sou” (Con‑ forme Ele se apresenta a Moisés em Êxodo 3:14), de fato, não passaríamos de pó. Salomão entendeu muito bem isso e nos passou esse reca‑ do por meio das escrituras, as quais foram preservadas até os dias de hoje por um propósito divino, pela vontade de Deus. Certamente, tais palavras foram escritas baseadas em sua vida, ou seja, é um relato feito por experiência própria, mas ele sabia que esses fatos se encaixariam na vida de qual‑ quer ser humano. Sim, ele sabia. Em sua trajetória de vida, ele aprendeu que o homem é totalmente dependente de Deus e que sem Ele a vida não passaria de insana vaidade. Inspirado nesses relatos, busquei explanar neste livro a vida de um homem; um homem simples, um brasileiro, um operário, que certamente irá passar despercebido pelos anais da história, mas que com certeza não passará despercebido diante dos olhos de Deus. 8

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Como Salomão, hoje eu consigo entender um pouco da abrangência e do significado dos textos aqui transcritos, que comecei a escrever em 2012, sete anos após o diag‑ nóstico de duas doenças graves. A vida vem me ensinando, sobretudo nos últimos anos, a lidar com os percalços pelos quais temos que passar, compreendendo­‑os, aceitando­‑os, enfrentando­‑os e, por fim, vencendo­‑os. O homem sobre o qual falarei aqui é meu pai, que estava com quase 87 anos quando comecei a narrar sua história em um papel­‑rascunho, encorajado por um amigo. Meu pai era portador de Mal de Parkinson e Mal de Alzheimer, e já se encontrava no último estágio de ambas as patologias. Essas duas doenças são degenerativas, destruindo e consumindo, de forma lenta e cruel, o ser humano que tem a infelicidade de ser acometido por elas. Este livro mostra, sobretudo, o compromisso de um fi‑ lho que cuida de seu pai doente e idoso, e que isso (o fato de cuidar) não é mérito, mas uma obrigação – o que acabou sendo, no meu caso, um grande privilégio, um aprendizado e uma grande honra. Desejo que as pessoas aqui, então, percebam e entendam que as dificuldades da vida, tais como as perdas materiais ou afetivas, de um ente querido, de bens, de um emprego, da saúde, da juventude, não tornarão a nossa cruz mais pesada. O que poderá tornar mais pesada nossa cruz será a for‑ ma como iremos lidar com essas perdas, com nós mesmos e com nossas fraquezas. Ou seja, o peso de nossa cruz será maior se não tivermos sabedoria (como Salomão) para lidar com os sofrimentos, com nós mesmos e com todas as adversidades que, certa‑ mente, a vida irá nos impor. Temos que entender e ter consciência de que a cruz que Cristo carregou foi mais pesada do que a cruz que qualquer ser humano já tenha carregado até hoje. 9

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E eu não falo somente do peso da madeira, mas do peso do pecado de cada ser humano que Jesus carregou ali, a ca‑ minho do Calvário. Quando entendemos e aceitamos que Jesus Cristo é o Filho de Deus, que Ele nasceu, viveu, morreu sem ter pe‑ cado, ressuscitou, nos dando uma segunda chance, nos pro‑ porcionando a Salvação, nos dando a paz pela sua infinita graça – aquela que o mundo não pode nos dar –, então so‑ mos libertos, e o “velho homem” e a “carne” passarão a ser nossos algozes. E o novo homem, a nova criatura em Cristo, imbuído do Espírito Santo de Deus, porém, prevalecerá, e as forças das trevas não terão nenhum poder sobre nós. Começo a dividir aqui um pouco da experiência do que é cuidar de um pai doente, lidar com essas doenças no dia a dia, um pai amado, um pai querido, portador de duas patolo‑ gias muito cruéis, degenerativas, que causam uma dor muito profunda em nossa alma. Nós sempre o vimos assim, nessa situação, nos sentía‑ mos impotentes, mas sempre tivemos fé em Deus, convicção de que Ele nos honraria e sempre estaria conosco nessa mis‑ são, até que se cumprisse a Sua vontade e até quando fizesse parte de Seus propósitos. Cabe a cada um de nós apenas confiar plenamente em Deus, tendo uma fé verdadeira e absoluta certeza de que Ele jamais nos abandonará.

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Capítulo I

O ano é 1925; nós não sabemos se foi em agosto ou em novembro. Meu pai dizia que uma tia sua afirmava que ele havia nascido em agosto. Nessa época, as crianças eram registra‑ das com muito atraso. Se hoje isso ainda ocorre em alguns locais pelo Brasil, imaginemos então em 1925. O fato é que o Sr. Benedito Vasconcelos (meu pai) foi registrado em 23 de novembro de 1925, e é sobre ele que pretendo falar um pouco aqui. Ele sempre foi um homem muito simples, pobre (finan‑ ceiramente falando), mal sabia ler e escrever. Dizia que havia estudado até o segundo ano, e eu confesso que nunca entendi bem esse “segundo ano”. Talvez corresponda ao segundo ano primário, pelo qual um dia eu também passei. O fato é que esse homem, mesmo sem ter estudado, dei‑ xou para mim e para minha irmã um grande legado, logi‑ camente com a ajuda de nossa mãe (Dona Maria Carolina Lopes Vasconcelos), que também teve importância funda‑ mental em nossa formação moral, intelectual e ética, e por que também não dizer cristã. Os dois nos deram uma excelente base para nos tor‑ narmos pessoas honestas e honradas, embutindo em nosso caráter valorosos fundamentos e conceitos morais para apli‑ carmos e inseri­‑los em nossa vida. 11

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Este livro que começa a ser elaborado aqui é uma pe‑ quena homenagem para meu pai, e acaba também sendo uma homenagem para minha mãe, uma homenagem merecidíssi‑ ma. Ao mesmo tempo, narro a história de uma família sim‑ ples, que, apesar das circunstâncias, foi e ainda é feliz. A grande maioria das pessoas que nascem, vivem e mor‑ rem neste nosso mundo acaba passando totalmente desper‑ cebida pela história, mas com certeza nenhum ser humano que já tenha existido, ou que até mesmo tenha morrido em um ventre materno, jamais terá passado despercebido aos olhos de Deus. Deus é amor, mas também é justiça. Deus é soberano, e conheceu, conhece e conhecerá cada ser humano que viva ou que já tenha vivido neste mundo. Deus, portanto, conhece o meu pai, assim como conhe‑ ce qualquer um de nós, o ama como ama a qualquer um de nós, e Se preocupa com ele como Se preocupa com qualquer um de nós. Deus nos ama a todos de igual maneira, não faz acepção de pessoas. Nós fomos criados por Ele à sua imagem e semelhança, e infelizmente muitos não querem ou não conseguem enten‑ der isso. Faço este relato em meados de 2012. Hoje, ao escrever este esboço, é dia 1º de julho. Meu pai está sentado na sala ao lado, bem aquecido (pois faz frio). Ele não sente dor física aguda nessa fase da doença, a não ser quando temos que locomovê­‑lo. Seu corpo está mui‑ to sensível, segundo sua médica, a Dra. Maria Stela (nome fictício), e ele se encontra no que seria o último estágio tanto do Parkinson como do Alzheimer. No decorrer destas páginas, darei detalhes do nosso dia a dia, de como lidamos com essas duas patologias, diagnos‑ ticadas no papai no início do ano de 2006. 12

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Desde então, estamos em luta contra o Parkinson e con‑ tra o Alzheimer, mas sempre tivemos e continuaremos ten‑ do Deus ao nosso lado, eu tenho certeza disso. Perdemos a mamãe em 14 de setembro de 2005 por cau‑ sa de uma série de acidentes vasculares cerebrais (AVCs); o primeiro foi em outubro de 1997. Meu pai, em 2005, então com 80 anos, tinha uma saúde perfeita, ou melhor, nós achávamos que ele tinha. Vou falar um pouco da trajetória de vida desse homem na qual eu me incluo. Tudo que sei sobre ele, além de nossa con‑ vivência, me foi passado por ele próprio e pela minha mamãe. É possível que existam muitas histórias de vida pare‑ cidas com a dele, mas a história dele, se Deus me permitir e der graça, ficará registrada aqui, para que homens e mu‑ lheres, filhos e filhas, pais e mães, leiam e passem a entender e a dar mais valor a cada minuto em família, e tentem pôr em prática o verdadeiro significado do amor, do amor ágape, que é o amor de Deus, o amor maior, o amor que Deus dis‑ pensa a cada um de nós. E, imbuído desse amor, todo ser humano deveria amar a Deus e a seu próximo, seus entes queridos e deverá amar também a qualquer pessoa sem ressalvas, mesmo que esta não seja conhecida, ou mesmo que, porventura, não goste de você. Jesus resumiu todos os mandamentos em dois, que são sem dúvida os mais importantes e sintetizam todos os de‑ mais. São eles: “E Jesus disse­‑lhe: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.” (Mt 22:37). Este é o primeiro e grande mandamento. O segundo, semelhante a esse, é: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:39). Quando renunciarmos a nossa vida em favor do próxi‑ mo, colocarmos a necessidade do próximo à frente de nossas próprias necessidades, sentirmos empatia (ver o outro em nós mesmos), então estaremos cumprindo esse mandamento. 13

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Esse é o amor ágape. Quando Jesus morreu na cruz, ele praticou esse amor. E aquela cruz não era para ele, mas para cada um de nós. Aquela cruz era para mim, aquela cruz era para você. Jesus morreu para nos poupar de um sofrimento maior, morreu para restaurar aquela comunhão plena que o homem tinha com Deus antes do pecado, comunhão essa que Adão havia perdido, quando por ele o pecado entrou no mundo. Enfim, Ele morreu para nos dar uma segunda chance de termos uma vida eterna ao lado de Deus, desde que nós recebamos Jesus sem ressalvas e com fé, como o único, ex‑ clusivo, eterno, suficiente Senhor e Salvador, com convicção absoluta de que Ele é o Verbo (João 1:1), de que Ele é nossa única esperança. No Evangelho do apóstolo João está escrito sobre Jesus: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1:1). E esse Deus, único Deus vivo e verdadeiro, que amou o mundo de tal maneira a ponto de dar o Seu único filho para morrer em uma cruz a fim de que todo aquele que Nele crê, tivesse a vida eterna; esse mesmo Deus nos orienta a hon‑ rarmos pai e mãe (primeiro mandamento com promessa), “Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá.” (Êx 20:12). E eu ainda diria: Não nos preocupemos com a promessa ou com algum tipo de recompensa, vamos apenas obedecer a Deus e esperar Nele, fazendo tudo com amor. É isso que Deus quer de nós. Ele quer que confiemos Nele. Sei que meu pai acredita em Deus e, apesar de sua luci‑ dez nesse momento estar parcialmente comprometida, ele continuará acreditando e continuará a ter esperança. Ele quase não fala nenhuma palavra, mas eu pergunto bem pertinho de seu ouvido: “Papai, o senhor acredita em Deus? O senhor ainda tem fé?”. E, dentro de suas possibili‑ dades limitadas, ele consegue me responder: “Oh!”. 14

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Quando ele estava bem, sempre gostou de falar sobre sua juventude, suas alegrias e de algumas frustrações. Papai nasceu, como já disse, em 1925 na cidade de Ca‑ conde, no interior do estado de São Paulo. Em 1953, então com 28 anos, aventurou­‑se em vir para a capital paulista com um sonho: ficar rico e constituir família. Se entendermos e analisarmos bem o “ficar rico”, eu di‑ ria que ele conseguiu as duas coisas. O que é ser rico? Ele chegou a ser comerciante na Ladeira Porto Geral (centro velho de São Paulo) no final dos anos 1950. Era dono de um ponto de comércio onde trabalhava com frutas, e che‑ gou a ficar até bem financeiramente. Ele me dizia que, nessa época, viajava para Caconde para visitar os tios e primos (pois não tinha pais), aonde levava presentes para todos, che‑ gando a ajudar a muitos nesse período. O meu pai sempre foi um homem por demais generoso e não media esforços para ajudar alguém. Ele chegava a ser hilário quando ia comprar algo, pois pedia um desconto e em seguida dava uma “caixinha”. Essa atitude dele, que era comum, nos fazia dar muitas risadas. Na época em que era comerciante, ele tinha um sócio, que, segundo o papai, acabou sendo desonesto com ele, o que o levou a perder tudo. Então meu pai, totalmente falido financeiramente, teve que começar do zero novamente. Depois disso, ele chegou a catar papelão no centro velho de São Paulo, o qual ele vendia por peso, o que garantiu a sua sobrevivência nesse período, mas com o que ganhava mal dava para ele comer. Em nenhum momento, porém, ele perdeu sua dignida‑ de ou deixou de ser um homem digno e honesto. Deus não o abandonou ali. Embora ele não entendesse muito bem isso, Deus estaria com ele até o último dia de sua vida e tam‑ bém depois. Eu pergunto novamente: o que é ser rico? Eu 15

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mesmo respondo: ser rico é levar uma vida submetendo­‑se ao Deus Todo­‑Poderoso. Rico é aquele que tem Deus, o Deus que é dono do ouro e da prata, o Deus que faz com que o seu pouco seja o sufi‑ ciente sempre. O papai ainda era jovem e tinha uma ótima saúde, era muito forte fisicamente falando. Assim, os anos 1960 se iniciavam, e ele começava a tra‑ balhar como empregado. Foi quando conheceu a mulher da sua vida, aquela que viria a ser a minha mãe. Nascida em Palmeiral, cidadezinha localizada no sul de Minas Gerais, minha mãe morava com os pais na Vila Mu‑ nhoz, área da Vila Maria, zona Norte de São Paulo. O curioso é que papai nasceu em Caconde, cidade ao norte do estado de São Paulo, a menos de 20 quilômetros de Palmeiral (sul de Minas Gerais). Por obra do “destino”, eles vieram a se conhecer apenas aqui na capital paulista. Os dois foram namorados no início dos anos 1960, che‑ garam a desmanchar o namoro, mas reataram e se casaram em 20 de janeiro de 1962. Ainda em 1962, minha mãe engravidou e essa criança seria eu, que viria a nascer em 16 de fevereiro de 1963, em casa, com a ajuda de uma parteira. Durante essa gravidez, meu pai ficou desempregado, mas não contou a ela para não preocupá­‑la. Ele continuava a sair cedo de casa, na Vila Sabrina – onde estavam morando (próximo à Vila Maria, zona norte de São Paulo) – como se fosse trabalhar; até levava marmita; na verdade, porém, ele passava o dia procurando emprego. Ele somente contou a verdade a ela quando conseguiu um emprego como ascensorista na Rua Líbero Badaró, nú‑ mero 152, no Edifício Britânia (centro de SP), onde traba‑ lhou até se aposentar no início dos anos 1990, então como zelador/porteiro do Edifício. 16

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