A Guerra Santa - A grande batalha entre o bem e o mal na cidade de Alma Humana

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TRADUÇÃO

Tássia Carvalho

SÃO PAULO, 2017

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Dia de guerra Day of war Copyright © 2011 by Cliff Graham. Published by arrangement with The Zondervan Corporation L.L.C, a division of HarperCollins Christian Publishing, Inc. Copyright © 2017 by Editora Ágape Ltda. coordenação editorial

foto do autor

tradução

design de capa original

GiantKiller Pictures

diagramação e adaptação

preparação

foto de capa

de capa

Rebeca Lacerda

Tássia Carvalho Thiago Fraga

Alden Dobbins

Joel Grimes

ilustração dos mapas originais

Alden Dobbins Rebeca Lacerda

revisão

Breno Noccioli coordenador editorial

Vitor Donofrio editorial

João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda

aquisições

Renata Mello do Vale Solange Monaco assistente de aquisições

Talita Wakasugui

Todas as citações bíblicas, salvo indicação em contrário, foram extraídas da Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional®, NVI®. Copyright © 1973, 1978, 1984 por Biblica, Inc™. Usado com permissão de Zondervan. Todos os direitos reservados mundialmente (www.zondervan.com). Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Graham, Cliff Dia de guerra / Cliff Graham ; tradução de Tássia Carvalho. -- Barueri, SP : Ágape, 2017.(Série Leão Guerreiro) Título original: Day of War 1. Ficção cristã 2. Ficção norte-americana 3. Bíblia – História de fatos bíblicos – Ficção I. Título II. Carvalho, Tássia 17‑0999                  CDD­‑813.6 Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção norte-americana : Ficção cristã  813.6

editora ágape ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1112 cep 06455­‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699­‑7107 | Fax: (11) 3699­‑7323 www.editoraagape.com.br | atendimento@agape.com.br

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A Cassandra, L.M.H.B. A meus filhos, para que conheรงam os caminhos da guerra. E a meu pai, aquele que os apresentou a mim.

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NOTA PARA O LEITOR A história de Davi foi revisitada muitas vezes, mas nada desta ordem e alcance foi feito envolvendo seus guerreiros, o original Os doze condena‑ dos das Escrituras, talvez por se saber muito pouco sobre eles. Mal estão registrados na Bíblia. Há dois capítulos (2Sm 23 e 1Cr 11) dedicados aos seus feitos heroicos. Por isso, esta história. É possível que alguns leitores enfrentem problemas com a maneira como retratei esses homens. Não tenho a pretensão de apresentar uma visão plenamente fiel deles. Mas acredito que o retrato é, no mínimo, coerente com as Escrituras. Os bravos homens aqui reproduzidos eram de fato heróis, apesar de serem apenas homens – excluídos insatisfeitos que emergiram de uma época na história dos hebreus na qual a adoração a Javé quase inexistia. Este romance baseia­‑se na pesquisa e na análise de fatos conhecidos sobre esse tempo, mas há tantas lacunas nos registros cronológicos e em outros detalhes militares e culturais que, ocasionalmente, recorri à minha própria criatividade. Por isso, peço perdão ao leitor exigente. Usei termos modernos para alguns grupos de pessoas e lugares, a fim de evitar con‑ fusão. Escrevi a história em diálogo concebido menos para ser correto com a forma de falar daquele tempo do que para ser facilmente com‑ preendido por leitores modernos. Também encurtei ou omiti algumas descrições culturais, não por desrespeito, mas para manter o suspense da história. Quaisquer erros ou inconsistências são de minha exclusiva responsabilidade. Tomei liberdade na descrição de algumas atividades sobrenaturais. Em vão, você poderá procurar nas Escrituras alguns dos exemplos espe‑ cíficos de interação homens/anjos retratados aqui, mas, embora sejam extrabíblicos, são em geral coerentes com outros acontecimentos regis‑ trados na Bíblia. Isto é ficção. Por favor, leia o livro desse modo. Para finalizar: esta obra é extremamente violenta. No entanto, não mais do que as próprias Escrituras; apenas mais violenta do que muitos

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C liff G r aham romances anteriores que se basearam nas Escrituras. Aqui também são abordados temas adultos relativos à tentação sexual e à luxúria, os quais exigem que os leitores sejam maduros o bastante para entendê­‑los. Tenha cuidado e discrição quando passar este livro para leitores mais sensíveis. Os anos de guerra de Davi foram tanto o melhor como o pior aspecto de sua vida. A série “Leão guerreiro”, retratando Davi e seus homens naquela época, visa tentar nos ajudar a compreender os personagens em seu próprio contexto, como produtos de uma era bárbara e perturbada. De que forma, por exemplo, o trauma daqueles anos de guerra pode ter contribuído para as decisões destrutivas que Davi tomou mais tarde na vida? Nos tempos modernos, denominamos os problemas que os solda‑ dos enfrentam após batalhas como transtorno de estresse pós­‑traumático. Independente do nome, está evidente que a vida dos combatentes é afe‑ tada pela natureza infernal dos campos de batalha. Davi não foi exceção. E ainda assim ele foi chamado de “o homem segundo o coração de Deus”. Na Bíblia, entre os terríveis episódios de batalhas, vislumbramos momentos comoventes e profundos de adoração. É um conforto saber que, independente de nossos erros, o Deus que amou, perdoou a Davi e capacitou­‑o faz o mesmo por nós.

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Unidades de medida

reed

9 pés

2,74 m

côvado

18 polegadas

0,46 m

palmo 1 – mão estendida

9 polegadas

0,2286 m

palmo 2 – equi‑ valente a quatro dedos

3 polegadas

0,0762 m

largura de um dedo

1 polegada

0,025 m

talento

90 libras

40,82 kg

shekel

1 coin, entre 1/3 e 1/2 onça

entre 10,33 g e 15,55 g

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Ó Soberano Senhor, meu salvador poderoso, tu me proteges a cabeça no dia da batalha; (Sl 140:7) Cobri de forças um guerreiro, exaltei um homem escolhido dentre o povo. Encontrei o meu servo Davi; ungi­‑ o com o meu óleo sagrado. (Sl 89:19,20)

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* Mar Salgado ĂŠ o atual Mar Morto Dia de guerra_MIOLO_revisado.indd 11

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PRÓLOGO O jovem avaliou o leito do riacho através das ondulações iluminadas pelo sol. A água era fria, oriunda do derretimento do gelo mais ao norte, limpando os resquícios de inverno do vale, e rasa o bastante para que ele visse a leve agitação do fluxo contra as pedras. Puxou uma delas para fora do leito e enxugou­‑a com a ponta da túnica. Era perfeitamente redonda, o tamanho exato, lisa, sem trincas ou man‑ chas. Perfeita, como se tivesse sido criada para estar lá à sua espera. Escolheu cinco delas. Então permaneceu na água fria, tão reconfortante para seus pés depois de caminhar o dia inteiro. Após uma viagem desse tipo, suas cos‑ tas estavam rígidas devido ao peso do pacote que carregava, e as assadu‑ ras estavam piores do que o normal em razão do atrito entre as sandálias e os tornozelos. Deixou os pés de molho na corrente gelada e fechou os olhos, escutando. As profundas e acidentadas valas cortadas pelo córrego o protegiam dos muitos olhos que o observavam, por trás e pela frente. Estariam espe‑ rando­‑o, e dispunha de pouco tempo. Abriu os olhos e olhou para a margem do outro lado do riacho. Começaria logo. A lama do leito do riacho cobriu seus pés quando passou por ele. Do outro lado, parou ao sopé do banco de areia e cascalho. Mais alguns pas‑ sos e chegaria ao topo, ficando mais uma vez plenamente à vista da massa de homens reunidos nas colinas que forravam o vale. Sentiu a enorme presença deles; sentiu o desejo de morte permeando aquelas fileiras. A respiração do jovem era suave enquanto ponderava sobre seu tempo mais uma vez. Girar, avaliar, girar, avaliar novamente. Três vezes, depois soltar. Ele tinha visto cinco deles. O que estava no campo abaixo, mais quatro atrás dele nas fileiras. Podiam ser irmãos. Todos eram tão grandes quanto o que gritava no campo naquele momento.

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C liff G r aham O jovem piscou. Nenhum de seus irmãos havia descido com ele. Tinham responsabilidades, eram valiosos para seu pai. E não se importa‑ vam o suficiente com o destino dele para acompanhá­‑lo. Jamais haviam conhecido a proteção. Naquele dia lhes mostraria isso. Segurando o cajado sobre o ombro, começou a subir o banco de areia a partir do riacho. O sol estava a pino, e a sombra do jovem era pequena. Ele falava calmamente enquanto subia, orando, como se alguém subindo ao seu lado precisasse ouvir aquelas palavras. Falava em voz alta para si, muitas vezes em tempos de perigo e ao longo dos dias de paz. Então alcançou o topo do banco e o campo ficou novamente à vista. Fileiras brilhantes de homens, vestindo armadura e portando pavilhões, delimitavam o topo do vale ao redor dele, milhares e milhares, e os sons dos gritos e insultos, não mais abafados pelo banco de areia, o atingiam com todo o volume. Ele havia aproveitado o silêncio enquanto durara, mas naquele ins‑ tante chegara a hora. Deixou que o barulho dos homens que desprezava o atingisse, concentrando­‑ se em sua raiva crescente. Cerrou e abriu os punhos. A pouca distância, em um pequeno afloramento de pedras, destacado na encosta estéril que levava até o exército pagão, o enorme guerreiro estava com a arma erguida. Era a maior figura que qualquer um deles já tinha visto, maior do que dois homens normais. Carregava uma lança que parecia tão grande quanto uma árvore. A cimitarra curva, muito mais pesada do que uma espada normal, prendia­‑ se na parte de trás da pesada armadura. Usava proteção para cobrir as canelas, armadura peitoral chapeada e um grosso elmo de bronze com uma crina esvoaçante no topo. Uma malha metá‑ lica semelhante a escamas de peixe cobria­‑lhe o tronco e brilhava à luz do sol do meio­‑ dia, reluzindo tão intensamente que o jovem desviou o olhar por um instante. As maldições do gigante ao deus hebreu soaram por todo o campo nebuloso, enquanto a distorção do calor da tarde lhe dava a aparência de um espírito maligno. A armadura do jovem parecia a de uma criança ao lado do grande guerreiro.

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Certamente não era um ser humano, pensou ele. Talvez um monstro. Um monstro de Sheol,1 o mundo dos mortos, enviado como punição para o povo do jovem por abandonar o seu Deus. Ele respirou lenta‑ mente para afastar o medo que queria vir à tona. E sussurrou em oração mais uma vez. O gigante continuou a insultá­‑lo, então o jovem retribuiu. Com a barba negra esparramando­‑se pela abertura do elmo, o gigante sorria aberta‑ mente. Ele repetiu as maldições em um tom mais elevado, erguendo ainda mais a lança para manter o apoio de seu exército. Naquele momento, lentamente, o jovem sentiu o medo esvaindo­‑ se enquanto a proteção chegava. Ele sorriu para o campeão, que ainda não percebera o que estava enfrentando. Todos veriam em breve. O rapaz arremessou o cajado no solo e esticou a funda feita de duas cordas de pelo de cabra ligadas a uma bolsa de couro. Enfiou a mão na pequena bolsa escondida na cintura enquanto os tambores de guerra do exército soavam por todo o vale, conclamando a todos que assistissem ao combate. Ambos os reis queriam seus homens prontos se o combatente do lado oposto perdesse, a fim de explorar a vantagem. Ninguém confiava na promessa mútua de que se retiraria caso seu campeão perdesse. O jovem pegou uma das pedras que trouxera do leito do riacho e a acondicionou na cinta de couro na base da funda. Seu dedo indicador estava calejado pela prática em manusear a arma, que nunca lhe tinha falhado. Não falharia naquele momento. O frenesi dos tambores aumentou. Os soldados inimigos gritavam por trás das armas de ferro e das armaduras forjadas com habilidade, bem supe‑ riores em força e equipamentos do que as vestimentas pobres que cobriam os hebreus na encosta atrás dele. Como um bando de hienas, os inimi‑ gos conseguiam sentir o cheiro da matança iminente. O jovem olhou­‑os enquanto amaldiçoavam o Deus dele. A raiva em seu coração cresceu. E então sentiu o fogo. A princípio, cresceu em seu peito, para depois correr em uma torrente pelos braços. Os dedos se contraíram com estalos de energia, e ele sentiu como se os músculos fossem pular fora da carne se não fossem liberados. 1  Sepultura comum da humanidade. Concebido como lugar de descanso e repouso, sem dor ou sofrimento, onde inexiste qualquer atividade. Na Bíblia, muitas vezes o termo aparece substituído por sepultura ou inferno. (N.T.) 15

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C liff G r aham Fechou os olhos. Ouvindo os tambores de guerra batendo, ele deixou o fogo seguir através de sua pele e pensou que iria estourar com a onda de calor que lhe invadiu o corpo. Logo, o som do fogo rugindo nos ouvidos do jovem apagou o resto de seus sentidos, e não sentiu mais nada a não ser o calor consumindo­‑o com uma intensidade que jamais conhecera. A funda balançou em suas mãos. Os tambores de guerra martelavam, os soldados batiam as espadas contra os escudos no ritmo dos tambores, e ele ouvia a massa de vozes gritando em sua direção. Abriu os olhos. O monstro tinha passado pelo escudeiro e estava cor‑ rendo para ele em grandes saltos, cada um cobrindo dez côvados, o escu‑ deiro lutando para segui­‑lo. O jovem gritou para aliviar a tensão, mas o grito só fez o fogo em seu corpo arder ainda mais. Quando percebeu, estava correndo também, e segurando firme a funda. A pedra alojava­‑se no sulco do couro, e ele girou­‑a uma vez no ar. Girar. Diminuiu o giro. Avaliar. Continuou correndo e girou­‑a novamente, mesmo sendo difícil con‑ trolar com precisão a funda enquanto corria. Ele não era capaz de com‑ bater o fogo. Girar. Aumentou o giro. Avaliar. O gigante estava quase sobre ele. Não havia mais tempo. Girar… mais rápido… mirar! Então gritou, certo de que o fogo iria destruí­‑lo, mas, em vez disso, impeliu­‑o para a frente, passando pelas rochas. A poeira voou. Com uma explosão final, soltou uma das cordas, liberando a pedra assobiando pelo ar, e, enquanto ela voava em direção à forma sombria do guerreiro, o jovem sussurrou em espírito: “Proteja­‑me no dia de guerra”.

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Uma poderosa raça conhecida como filisteus, ou “Povos do Mar”, domina as terras ao longo da costa do Grande Mar.2 Em todos os sen‑ tidos, são superiores tecnológica e militarmente às tribos dispersas de Israel que habitam as montanhas do interior, principalmente devido ao fato de dominarem a forja do ferro, da qual os israelitas têm pouco conhecimento. Saul, o primeiro rei da nação israelita unida, um homem atormen‑ tado e perturbado, tem, no entanto, conseguido manter os filisteus na baía durante quarenta anos. Seu corajoso filho, Jônatas, é o príncipe herdeiro. Os dois estão acampados no vale de Jezreel, na parte norte do reino, onde os reis filisteus uniram­‑se em uma tentativa de invasão. É a maior força jamais reunida contra os israelitas, que têm pouca espe‑ rança de que seu exército triunfe. Davi, um dos ex­‑comandantes de Saul, e amigo próximo de Jônatas, depois de perder sua posição no exército israelita (por crimes que não cometeu e apesar de ser o maior campeão da nação), reuniu e treinou um exército pessoal de párias e mercenários. Durante anos, espalharam­‑se rumores por todo o reino de que Davi fora escolhido ainda menino por Samuel, o profeta, para, um dia, ser rei após Saul. Temendo que os rumores fossem verdadeiros, Saul o vem caçando implacavelmente há anos, consumido pelo ciúme das habilidades únicas de Davi (que alguns dizem serem concedidas pelo Deus de Israel, Javé) e pelo ódio da suposta traição. Em desespero, Davi ofereceu seus ser‑ viços a Aquis, rei da capital filisteia de Gate. Seus guerreiros mais leais o acompanharam, conduzidos por um misterioso grupo de militantes conhecidos como os Três. A notícia da aparente deserção de Davi dividiu o povo israelita. Os da tribo de Judá, a maior de Israel, acreditam que está lutando secreta‑ mente em favor deles, enquanto as tribos do Norte o veem como um traidor, independente do quanto Saul o tem maltratado. Mas Davi não tem lutado para os filisteus. Em vez disso, invade as cidades e os assentamentos dos amalequitas em uma tentativa de proteger as fronteiras do Sul. Tem enviado o saque a Aquis, para fazer parecer que se voltou contra o seu povo, mas, secretamente, também o tem enviado como homenagem aos anciãos das tribos israelitas. 2  Hoje Mar Mediterrâneo. (N.T.) 17

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C liff G r aham Por meio dos esforços de Davi, os amalequitas, um dos inimigos mais antigos e mais cruéis dos israelitas, foram subjugados. Agora, Davi marcha para o Norte com seu bando de guerreiros, ao lado dos filisteus. Muitos de seus próprios homens discutem entre si sobre marchar contra os irmãos, a favor do inimigo. Perguntam­‑se o que acontecerá se Davi realmente tiver de enfrentar Saul no campo de batalha. Para estimular a boa vontade entre seu povo, enquanto continua sua farsa com os filisteus, Davi despacha um guerreiro, chamado Benaia, para uma pequena cidade no alto das montanhas do Sul, a qual tem sido devastada por predadores selvagens. Davi ordena a Benaia que se encontre com o exército no Norte quando sua tarefa estiver concluída. É o mês de primavera de abibe,3 o primeiro do período de campa‑ nha. O clima está excepcionalmente frio para essa época do ano.

3  O calendário hebraico é do tipo lunar baseado nos ciclos da Lua, composto alter‑ nadamente por doze ou treze meses de período igual ao de uma lunação, de forma a que o primeiro dia de cada mês é sempre o primeiro dia de lua nova. Nos tempos bíblicos, a determinação dos tempos era realizada pela observação direta de teste‑ munhas designadas para esse fim, método seguido pelos Caraítas até os dias de hoje, os quais determinam o primeiro mês do ano como abibe. (N.T.) 18

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UM Benaia, filho de Joiada , nunca tinha visto uma tempestade de neve, e naquele instante ele desejava que tivesse continuado assim. Nunca nevava no Sul, o lar de Benaia. Ele só havia ouvido lendas da chuva gelada quando menino. Os viajantes do Oriente falavam dela ao pararem na aldeia para dar água aos camelos e repor os suprimentos para a travessia para o Egito. Falavam de um poderoso manto branco que caía sobre a terra e matava plantas e criações de animais. Na época, Benaia ansiara por ela com o entusiasmo de um menino pelo desconhecido. Mas, como acontece com muitos dos mistérios da juventude, a neve rapidamente perdeu seu apelo naquele momento em que estava no meio do fenômeno. O vento frio chicoteava­‑lhe o rosto. Benaia cobriu os olhos com as mãos, esperando que parasse antes de continuar a escalada. A neve cobriu a trilha da montanha, forçando­‑ o a encontrar caminho entre as rochas cobertas de gelo. No Sul, no mês de abibe, a terra estava em plena floração, com sol abundante. A cevada amadurecia nas planícies, sinalizando a aproxima‑ ção da Páscoa judaica e seu clima ameno e confiável. Mas os cumes das altas montanhas do Norte do país eram coroados com o branco, e o céu cinzento e triste prometia mais do mesmo. Agachando­‑se ao lado de uma grande pedra, Benaia aumentou a força com que segurava o corpo da lança e escutou. O barulho do vento o impedia de ouvir qualquer ruído após a curva adiante. Sabendo que a criatura poderia estar escondida entre as muitas rochas e fendas ao longo da encosta, ele estudou cuidadosamente cada uma delas à procura de um lampejo de pele dourada. Franzindo a testa, continuou seu caminho para cima novamente. Diziam que a criatura era imensa. Três vezes o tamanho de um homem, talvez dez ou onze côvados; absurdo, uma vez que nada vivo poderia ser desse tamanho. Os anciãos da aldeia afirmavam que a besta vinha tarde da noite. Talvez estivessem com tanto medo que cada sombra à luz da tocha tornava­‑se parte do leão.

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C liff G r aham Benaia, que tinha caçado leões a vida toda, sabia que os animais preci‑ savam de apenas uma morte para perceber que o homem era presa fácil. Era melhor caçá­‑los em grupo, e, uma vez que os outros guerreiros do bando de Benaia estavam marchando para o Norte, ele precisou recrutar dois homens da aldeia para o acompanharem. Eram fortes e acostumados à dura vida na fronteira, mas um deles era idoso, e o outro, muito jovem. A maioria dos homens do lugar com habilidade de lutar e idade ade‑ quada estava preparando­‑se para a guerra no Norte, reunindo equipamen‑ tos e dedicando­‑se a treinamentos em face dos rumores de uma invasão filisteia. O rei havia convocado todos indistintamente, agricultores e pastores, deixando uma escassez de homens capazes de defender suas casas nas aldeias ou trabalharem pesado. Os filisteus tendiam a causar problemas nos dias que antecediam a Páscoa porque sabiam que alguns dos hebreus ainda a respeitavam. Saul, o rei dos israelitas, usava a Páscoa como razão para montar seu exército, alegando que as terras santas esta‑ vam sendo invadidas pelos pagãos durante o mês mais sagrado, embora sua verdadeira devoção à Páscoa fosse, na melhor das hipóteses, questio‑ nável. Enquanto engatinhava pelo caminho, Benaia pensava nessas coisas. Ele quase não encontrara a aldeia quando saíra da floresta naquela manhã. Era pequena e bem afastada das principais rotas comerciais, mas as pessoas orgulhavam­‑se de suas construções. As casas de família eram cercadas por muros de pedra e construídas com resistentes telhados de tijolos de barro, semelhantes às construções modernas nas cidades das planícies. Havia aquelas onde os agricultores guardavam seus suprimen‑ tos para preparar os campos. O trigo seria colhido em um mês ou dois, dependendo do clima e da quantidade de água de escoamento que se acumulava nos vales, e já havia ceifeiros afiando suas lâminas de sílex para quando chegasse a hora de cortar os topos dos feixes. Mesmo que a colheita da azeitona não ocorresse até muito mais tarde na temporada, os homens já estavam trabalhando nas prensas de oliva da vila. Era mais do que provável que fosse a única na região, e exigiria tra‑ balho pesado quando chegasse o momento. Um homem testava a alavanca da prensa enchendo cestos com pedras para simular azeitonas maduras. A alavanca estendia­‑se sobre uma pedra entalhada que estava acima de uma bacia de captação. Os contrapesos pendurados na alavanca criariam pres‑ são suficiente sobre as azeitonas de forma que uma grande quantidade de óleo seria espremida para a bacia. 22

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Benaia poderia dizer que a pequena comunidade era fundamentalmente de pastoreio. Como a época de tosa estava apenas começando, havia cen‑ tenas de ovelhas da região sendo preparadas. Primeiro, eram confinadas em uma série de tanques onde os pastores as esfregariam para limpá­‑las, e em seguida as deixariam sair correndo, balindo descontroladamente, para secar ao sol. A lã seria limpa mais uma vez depois de ter sido retirada e esticada ao sol para secar. Mas naquela manhã não havia sol brilhando, apenas o tedioso frio do início da primavera na região, e a frustração dos pastores evidenciou­‑se quando Benaia passou por eles. Então ele parou para assistir a um pastor lutando para segurar uma ove‑ lha que balia, debatendo­‑se. O homem bateu no focinho do animal, mas em vão. Bateu mais forte, e a ovelha finalmente se acalmou. Com a força adquirida por anos perseguindo essas criaturas teimosas e insensatas pelas terras altas, o pastor prendeu a ovelha entre os joelhos, enfiou o manto de volta no cinto e mergulhou­‑a na água. Quando ela apareceu novamente, o homem passou os dedos através da lã emaranhada para limpá­‑la da lama, dos excrementos e dos insetos mortos. Ao terminar, soltou a ovelha, que, agitada, mas limpa, desembestou pela água para encontrar o rebanho. O pastor enxugou a testa, notou Benaia observando­‑o, e assentiu com cautela. Benaia retribuiu o aceno de cabeça e continuou a andar. Alguns dos trabalhadores pelos quais passou haviam parado de cinzelar as pedras ou preparar as lâminas de colheita e estavam comendo leben, o prato de leite de cabra coalhado em mingau. Fatias de pão duro eram embebidas em vinagre e passavam de um homem a outro. Alguns jogavam punhados de trigo tostado na boca para mastigar enquanto trabalhavam. Apesar do trabalho e da vontade de se manterem ocupados, o medo era evidente em todos os lugares por ele observados. Mães gritavam com as crianças por irem perto do limite da aldeia. Agricultores e pastores, quase todos já além da idade em que homens param de fazer tal trabalho, tinham passado por ele, quase escondidos atrás das mulas. Bois, possivelmente sentindo a presença dos terríveis predadores à espreita nas proximidades, recusavam­‑se a sair da aldeia repleta de carroças e atravessar a floresta para retornar às estradas de comércio. Os proprietários batiam nos animais com varas de junco, mas eles não se moviam. Benaia estava usando uma capa de viagem escura, e imaginou que devia parecer um fantasma que emergia da névoa para as crianças que o 23

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C liff G r aham observavam dos telhados. Sua aparência grande e musculosa ampliava ainda mais o tamanho da capa, um efeito proposital. Olhava para a frente e para trás enquanto caminhava, sempre procurando ameaças ao redor. Seu cabelo e barba pretos estavam cortados curtos, pois era o início da temporada de campanha, o tempo em que os reis podiam finalmente levar seus exércitos para o campo depois de permanecerem em guarnição durante todo o inverno, enquanto os soldados cuidavam dos rebanhos e cuidavam de outros assuntos domésticos. Benaia esperava um clima mais quente, mas no último momento pegou o manto mais pesado, pois lhe proporcionava mais conforto para dormir no chão. Naquele instante, subindo através da neve, ele estava grato pela decisão. Sob o manto, usava uma túnica curta de batalha que só ia até a metade das coxas, amarrada na ponta, fora da tradição, com uma corda azul padrão. Quando em combate, a túnica curta era muito mais adequada que a capa. Muito material solto implicava prejuízo. Também carregava uma lança, um arco com flechas, uma espada e no cinto uma adaga, tudo em ferro forjado, o que havia atraído os olhares das pessoas na aldeia. Ferro era raro, especialmente em armas. As correias do escudo em suas costas pendiam­‑lhe sobre os ombros. Benaia tinha chegado à área comum da cidade perto do poço e ajoelhou­‑se diante do grupo de anciãos que se reuniam sob um beiral em profunda discussão. Contou­‑lhes resumidamente quem o enviara. Quando perguntado por que não havia outras pessoas o acompanhando, informou que seu exército estava marchando para o Norte com os solda‑ dos, e ele era tudo o que poderia ser dispensado. Os anciãos insistiram que levasse mais homens em busca do leão, mas Benaia resistiu, enfatizando que muitos fariam mais barulho e alertariam a criatura. Um dos anciãos, Jairas, quis ir, e Benaia consentiu, acreditando que seria bom para o moral da cidade ver um dos seus acompanhá­‑lo. Um rapaz chamado Haratha, um dos poucos homens com força física deixa‑ dos na aldeia, demonstrou que conseguia manusear a funda com destreza, e Benaia permitiu­‑lhe ir também. Então, ele entregou sua espada curva a Jairas. A perplexidade momen‑ tânea do homem mostrou que aquela era uma forma de arma diferente das que Jairas vira antes, mais comprida e com menos curvatura, e de ferro. Vários dos veteranos entre os anciãos queriam questionar Benaia a respeito disso, mas ele apenas balançou a cabeça. Não havia tempo. 24

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