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jonatas ribeiro
Em um mundo tão barulhento, o Seu silêncio pode ser uma bênção
São Paulo, 2017
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O silêncio de Deus
Copyright © 2017 by Jonatas Ribeiro Copyright © 2017 by Editora Ágape Ltda. COORDENAÇÃO EDITORIAL
Rebeca Lacerda PREPARAÇÃO
Fernanda Guerriero Antunes REVISÃO
Larissa Caldin
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Rebeca Lacerda FOTO DE CAPA
Connor McSheffrey FOTO DO AUTOR
Rafael Vidal
COORDENADOR EDITORIAL
EDITORIAL
Vitor Donofrio
João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda
AQUISIÇÕES
Cleber Vasconcelos
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Ribeiro, Jonatas O silêncio de Deus / Jonatas Ribeiro -- Barueri, SP : Ágape, 2017. 1. Vida cristã 2. Deus – Silêncio 3. Sofrimento – Aspectos religiosos 4. Busca de Deus I. Título 17-0959
CDD-231.7
Índice para catálogo sistemático: 1. Deus e os homens 231.7
editora ágape ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1112 cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323 www.editoraagape.com.br | atendimento@agape.com.br
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Uma leitura proibida para super‑heróis que não sangram e não choram.
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agradecimentos
Grato a Deus, por ter ficado em silêncio em alguns momen‑ tos de minha vida para que eu finalmente aprendesse que me‑ lhor que o que Ele dá é aquilo que Ele é; e melhor que os Seus milagres é a Sua presença. Grato à Marinha, minha esposa, por ser uma mulher segun‑ do o coração de Deus, pelas longas horas dedicadas às leituras e releituras de cada capítulo e, claro, por ser sempre a primeira a acreditar em meus “sonhos impossíveis”. Ao meu Pastor e mentor espiritual Neumoel Stina, que nunca mede esforços para nos apoiar e apoiar este ministé‑ rio, por ter escrito o prefácio deste livro com uma dedicação singular, trazendo endosso, honra e credibilidade à minha primeira obra. Ao Pr. Rubens Rogério da Conceição, pela contribuição teo‑ lógica, pela intercessão espiritual e pelo seu amor paterno por mim, mesmo sendo pai de minha esposa. Às minhas famílias – Ribeiro, Borges, Caetano e Conceição –, por formarem uma corrente forte de oração em minha vida. Aos meus pais, Josias e Janete, que contribuíram para mi‑ nha formação acadêmica, moral e espiritual, convencendo‑me sempre a dedicar dons a Deus. À querida amiga Nídia Regina, por emprestar seus talentos de forma tão altruísta ao dar apoio efetivo à revisão deste livro. 7
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Por fim, in memoriam, dedico esta obra à lembrança eter‑ na de meu avô Cordovil Ribeiro, de quem certamente herdei a vontade de escrever.
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prefácio
Os seres humanos vivem muito mais fazendo perguntas do que em busca de respostas. Por quê? Onde? Como? Quando? Quem? O quê? E, assim, a vida segue seu curso. Por mais que nos esforcemos, é verdade que nem sempre recebemos respostas às nossas indagações. E, quando estas são feitas a Deus, tudo fica muito mais complexo. Dois fatos devem ser compreendidos antes de entender‑ mos as respostas para os questionamentos que fazemos ao Pai. O primeiro é que as respostas podem ser diversas para nossas interrogações. Fomos ensinados, treinados a crer que o Senhor pode nos dizer “sim”, “não” e “espere um pou‑ co”. Ninguém nos falou que Seu silêncio é uma das maneiras de Ele falar conosco. Basta lembrar que Ele apenas guardou silêncio quando Jesus por três vezes pediu: “[…] Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice […]” (Mt 26:39). Ou quando Seu Filho na cruz gritou: “[…] por que me abando‑ naste?” (Mt 27:46). Muitas vezes, Deus silencia com o intuito de nos abençoar, e isso é difícil de aceitar. O segundo fato está relacionado ao nosso nível de conheci‑ mento sobre o Senhor. Gosto de dizer que há pelo menos três níveis no que tange ao conhecimento que temos de Deus. O primeiro, o dos que não conhecem Ele: alguns não entendem 9
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nada ou quase nada, nem mesmo conhecem a Palavra de Deus. O segundo é o das pessoas que conhecem a Palavra e sabem ensiná‑la a outrem; conhecem a Bíblia, mas não o Deus da Bíblia. E existe ainda um terceiro nível, o do cristão que de fato conhece a Palavra, mas também o Deus da Palavra. Trata‑se de um conhecimento efetivo, pessoal e individual, que permite entender a mente do Pai. Tal cristão recebe, por meio do rela‑ cionamento íntimo com o Senhor, a capacidade de ouvi‑Lo, até mesmo em Seu silêncio. Esse conhecimento permite inclusive compreender as entrelinhas Dele. Agradeço a Deus pelo privilégio de ler em primeira mão o livro do meu amigo e afilhado Jonatas Ribeiro, que juntamen‑ te com Mara, sua amada esposa, são ovelhas do meu rebanho na Igreja do Unasp São Paulo. Estas páginas são maravilhosas e certamente abençoarão milhares e milhares de pessoas. Com uma linguagem profunda, todavia, simples, contemplam expe‑ riências de vida, daquelas que não têm preço. Que, ao passear por estas linhas, você tenha a companhia do Deus Invisível, mas Onipresente. Pode ser até mesmo que você já tenha ficado aborrecido com o silêncio de Deus. Se isso aconteceu, estou certo de que, ao terminar esta leitura, ou talvez até mesmo antes, você terá uma nova visão Dele e pode até acontecer de o seu aborreci‑ mento transformar‑se em louvor. Concluo com a experiência de Habacuque. Ele não enten‑ dia plenamente o que o Senhor estava fazendo e chegou a se aborrecer; todavia, termina sua conversa com o Pai com as se‑ guintes palavras: “Ainda que as figueiras não produzam frutas, e as parreiras não deem uvas; ainda que não haja azeitonas para apanhar nem trigo para colher; ainda que não haja mais ovelhas nos 10
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campo nem gado nos currais, mesmo assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a Deus, o meu Salvador. O Senhor Deus é a minha força.” (Hc 3:17-19)
Deus seja louvado sempre e sempre! Com carinho, Pr. Neumoel Stina
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palavra do autor
Tudo começou quando a música “Silêncio de Deus” atingiu 6 milhões de visualizações no YouTube. Esse número – para um cantor até então independente, sem nenhum meio grandioso de divulgação – me fez crer que o tema era oportuno e muito desejado. Não só os números, mas a beleza dos testemunhos de quem ouvia a música ornamentaram o chamado de Deus para escrever e expandir a abordagem do tema, e foram me dando a certeza de que eu deveria de fato adiantar um sonho, que na minha programação de vida realizaria só na velhice. A música “Silêncio de Deus”, que quase ficou fora do álbum Bem aventurados, foi luz no fim do túnel para milhares de pes‑ soas. Mães, estudantes, pastores, cantores, atores, celebrida‑ des, atletas, professores, surfistas, policiais, médicos, juízes, promotores, políticos, blogueiros, esposas, dependentes quí‑ micos, garotas de programa, até pilotos de caça da aeronáutica brasileira me mandaram testemunhos de arrepiar após ouvir a música. Lembro‑me de um jovem de dezenove anos que me es‑ creveu emocionado, pois seu suicídio havia sido interrompido pela música que tocou em seu computador miraculosamente. Todos tinham algo em comum, a necessidade de entender Deus quando este opta por ficar em silêncio. Compreender o amor do Pai dentro do mar gélido do sofrimento e a música deu essa percepção. Não quero outra coisa com este livro a não ser aumentar essa percepção. 13
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Antes, vale dizer que para escrever este livro considerei que o termo “Silêncio de Deus” é a maneira que popularmente cha‑ mamos algum período de sofrimento. Logo, “Silêncio de Deus” para finalidades deste livro passeia muito pelo campo da analo‑ gia e da metáfora, sendo poucas as vezes em que falo do silêncio literal, e quando faço alerto a ponto de não deixar dúvidas. Já quando afirmo que Deus fala também me valho da ana‑ logia, uma vez que com o pecado foi‑nos cerceados o direito de falar diretamente com Deus. O privilégio do tête‑à‑tête com Ele foi‑nos retirado e desde então sua comunicação é interme‑ diária seja por profetas, pela natureza ou pela Bíblia. Deus tem autonomia para escolher seus profetas no tempo e no lugar em que julgar melhor, mas ainda assim, para finalidades deste livro, considero como intermediária a comunicação de Deus com o homem, sem ignorar a possibilidade de Ele escolher fa‑ lar literalmente com alguém de nossa era. Mas não é o enfoque deste livro testar se alguém fala ou não com Deus no sentido literal, se fulano ou beltrano é um profeta de Deus, a melhor ferramenta para esta investigação ainda é a Bíblia. Considerei acima de tudo, e metaforicamente, que a fala de Deus e o silêncio de Deus não são absolutos, mas parciais. Nunca presenciaremos um “silêncio” total, uma vez que até a natureza declara algo sobre Deus, e nunca estaremos numa “conversa absoluta” com o Todo‑Poderoso devido à nossa con‑ dição pecaminosa, fato que me obrigaria a colocar em aspas sentenças como: “Deus falou”, “Ouvir Deus” ou “Deus ficou em silêncio”, mas espero que esta explicação me isente desse con‑ servadorismo gramatical. E para preparar o terreno mental, entenda que aqui fa‑ lamos de sofrimento, e ao falarmos de sofrimento estamos falando de limitações. O livro é propositalmente dividido em três tipos de limitações que nos impedem de ouvir Deus. 14
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Primeiro: as limitações de caráter voluntário, onde sofri‑ mento é algo que trazemos para nossa casa com as próprias mãos. É a exposição ao barulho do mundo até que fiquemos surdos à voz de Deus. Segundo: as limitações de caráter imutável, aquelas inevi‑ táveis, onde o sofrimento é inerente à nossa condição e à con‑ dição do mundo em que nascemos. Aqui algumas perguntas são respondidas com silêncio, devido às respostas não fazerem parte da finitude que vivemos. Terceiro: a limitação proposital, aquela que Deus permite e chamamos de provação. Aquela sofrida por Jó, pela qual sa‑ bemos que Deus pode mudar nossa sorte, mas não o faz por algum motivo divino. Esse “silêncio” tem mais a ver com a es‑ pera da bênção do que com sua retirada. Esse tipo de silêncio/ provação a qual me referi para compor a música que diz: “Seu silêncio pode ser um favor”. Um sofrimento necessário para que um propósito específico se cumpra. Aproveitando as considerações iniciais, revelo também que o capítulo “Iminente Eternidade” é o capítulo que escre‑ vi com carinho especial, fala da saudade diante da morte de alguém que amamos, e a todos que sofrem o silêncio de Deus no luto, já dou total permissão para começar a leitura deste livro por este capítulo. Por fim, sendo honesto com meu leitor, concedo‑lhe uma ironia que acaricio: pretendo, de coração, que você ouça Deus enquanto estiver lendo sobre o Seu silêncio.
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sumário introdução|p. 19 parte I |antes de qualquer abordagem sobre o silêncio de deus, faz‑se necessário um diagnóstico que confirme que p. 23 não estamos surdos. capítulo 1 |150 decibéis Quando Deus fala e eu não escuto p. 25 capítulo 2 |que idioma é esse? Quando Deus fala e eu não entendo p. 43 capítulo 3 |recapitulando Quando Deus já falou e eu não lembro p. 71
parte II |antes de qualquer abordagem sobre o silêncio de deus, faz‑se necessário saber se o que estou pedindo é p. 87 coerente com o que deus está acostumado a responder.
capítulo 4 |não vou nem responder! Quando Deus não atende a pedidos suicidas p. 89 capítulo 5 |o que devo usar? Quando Deus não responde a perguntas “idiotas” p. 103
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capítulo 6 |arquivo confidencial Quando Deus guarda segredos p. 115
parte III |há bênçãos escondidas no silêncio de deus. p. 129 capítulo 7 |hoje não tem aula p. 131 Quando o silêncio é para nos proteger capítulo 8 |iminente eternidade Quando o silêncio de Deus é para respeitar nosso luto p. 145 capítulo 9 |a inércia abençoadora de deus Quando o silêncio de Deus é o favor p. 173 capítulo 10 |o amém Por que me desamparastes? p. 199 referências|p. 205
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introdução
Em 1985, uma carioca simples que morava na zona sul de São Paulo recebeu finalmente o que passara anos pedindo a Deus: um filho. Seu esposo, um cristão humilde do sertão baiano, veio realizar seus sonhos em São Paulo. Apesar de ter vencido muitas barreiras e preconceitos, não conseguia encontrar na Bíblia nem nas próprias experiências palavras que conso‑ lassem a esposa amargurada, após passar por dois abortos, sendo o último no sétimo mês de gestação e que os forçou a desmanchar o quartinho pintado de rosa e a doar para ou‑ tros pais “mais afortunados” o bercinho comprado em lon‑ gas parcelas. Eu sou fruto do amor desse casal e fruto do silêncio de um Deus que, por muito tempo, negou‑se a responder à oração desses pais apaixonados. A primeira vez em que questionei uma atitude de Deus, eu nem sabia que era permitido fazê‑lo. Havia levado uma advertência na escola por uma algazar‑ ra da qual sequer participara. Questionei profundamente ao Senhor, que até aquele momento era representado pelo dire‑ tor que me disciplinara. Fui injustiçado. É claro que de todas as outras confusões eu participara, mas daquela em específico não. A única vez na qual poderia orgulhar‑me de ter sido um bom garoto fui confundido e penalizado. Talvez meu único 19
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erro naquele dia tenha sido possuir uma cara de culpado e um histórico que não me favorecia. Aquela advertência significava uma bela de uma “pisa” em casa. Se você é novo o bastante para não saber o que é “pisa”, pergunte a alguém dos anos 1990, para trás. Eu perguntava a Deus se Ele tinha verdadeiramente ciência de tudo o que acon‑ tecia comigo, se Ele se importava com a minha felicidade. Ouvimos dizer que Deus é Deus do impossível, que nada deixa faltar, que é o Grande Guarda de Israel, que não dorme, livra‑nos do laço do passarinheiro, abre o mar vermelho, faz água brotar do deserto, derruba as muralhas, mas poucas são as vezes que ouvimos dizer que Deus nos decepciona. Ou Deus nos enganou, ou quem nos contou a história pare‑ ce ter escolhido só as partes que dão ibope. Quando eu apanhei por algo que não havia feito, questio‑ nei ferozmente Deus. Questionei‑O por Ele não ter aberto os olhos do diretor, por meus pais acreditarem mais no diretor do que em mim e por que o cinto do meu pai tinha de ser de couro. Ao fazer meu primeiro ano bíblico, fui percebendo que o Senhor nos decepciona e, mais que isso, por vezes não nos res‑ ponde nem “sim” nem “não”, causando um silêncio ensurdece‑ dor em nossa vida. No entanto, vi também que a decepção tem mais a ver com as expectativas do decepcionado do que com alguma ação ou omissão do decepcionante. Prometer para nós mesmos o que nem Deus prometeu não só macula a imagem do Criador como nos faz pendurar em ga‑ lhos podres em tempo de fortes correntezas. Ler só as partes mais bonitas da Bíblia faz as nossas âncoras não chegarem até o fundo do mar, e o vento leva nossa embarcação para onde bem entender. O livro que está em suas mãos contará a história verda‑ deira, sem deixar verdades amargas de lado em nome da 20
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popularidade, e te levará a pensar que muito daquilo que julga‑ mos em Deus remete ao que pensamos de nós mesmos e que, em se tratando de um relacionamento com o Senhor, qualquer decepção que surja tem mais a ver conosco do que com Ele. Depois do meu nascimento, minha mãe não teve outros filhos. Por algum motivo, porém, todo o silêncio de Deus foi superado em sua vida com uma única resposta que Ele só deu quando entendeu ter chegado o momento. Oro para que, assim como o Criador me usou para quebrar um silêncio tão difícil na vida dos meus pais, que Ele me use, por meio deste livro, que nasceu em resposta à falta de respos‑ tas, para dizer‑lhe que existe maturidade, eternidade e favor por trás de Seu silêncio.
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parte I antes de qualquer abordagem sobre o silêncio de deus, faz‑se necessário um diagnóstico que confirme que não estamos surdos.
SURDEZ “[…] Então o Senhor passou por ali e mandou um vento muito forte, que rachou os morros e quebrou as rochas em pedaços. Mas o Senhor não estava no vento. Quando o vento parou de soprar, veio um terremoto; porém o Senhor não estava no terremoto. Depois do terremoto veio um fogo, mas o Senhor não estava no fogo. E depois do fogo veio um sussurro calmo e suave. Quando Elias ouviu o sussurro, cobriu o rosto com a capa. Então saiu e ficou na entrada da caverna. E uma voz lhe disse: ‘O que você está fazendo aqui, Elias?’” (1Rs 19:11-13)
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capítulo 1 150 decibéis
Quando Deus fala e eu não escuto
Houve um tempo em que as coisas do mundo me chamavam muito a atenção. A independência de ser, com apenas dezenove anos, um jo‑ vem bem‑sucedido com um emprego invejável, ganhando um salário consideravelmente acima da média para a minha con‑ dição de estagiário, trazia o terrível e perigoso pensamento de que não mais precisava dos meus pais para suprir meus dese‑ jos e realizar meus sonhos. Eu tinha meu dinheiro. Há uma frase famosa que nossos pais dizem em nossa fase rebelde da vida, quando queremos seguir as nossas regras e fugir dos princípios, eles bradam: “Enquanto você estiver co‑ mendo o pão que eu coloco na mesa e estiver morando debaixo do meu teto, terá que seguir as minhas regras”. Fazem uso des‑ sa frase sem notar o risco impregnado nessa atitude. Tal alerta sujeita os filhos à terrível ideia de que ter o próprio empre‑ go e o próprio dinheiro é salvo‑conduto para desobedecê‑los, 25
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quando, na verdade, seguir os conselhos dos pais é algo que nos abençoa por toda a vida. Eu já fui vendedor de pão, de bala de coco, de livros, office boy, servente de pedreiro, e, antes de conseguir uma vaga no tão sonhado escritório de advocacia, paguei meu primeiro ano de faculdade trabalhando como cobrador de ônibus. Meu aparente histórico de superação trazia o perigoso pen‑ samento: Eu mereço. Tudo começa com um “eu mereço”. “Eu mereço chegar em casa mais tarde na sexta‑feira para aproveitar a noite com os amigos; aliás, trabalhei tanto essa semana.” “Eu mereço gas‑ tar mais com farras; já sofri tanto nessa vida.” “Eu mereço ‘ja‑ car’; fui tão direitinho na dieta semana passada.” “Eu mereço levar vantagem; já fui passado para trás tantas vezes.” “Eu mereço trair; sou tratado tão mal por ela.” Até que chegamos ao: “Eu mereço, mesmo que Deus ache que não”. Eu merecia fazer do meu jeito, eu merecia ganhar bem, eu merecia diversão, prazer, merecia ser dono de mim mesmo, ainda que meus pais achassem que não. Eu estava entorpecido com as minhas conquistas. Fui, de fato, o melhor no processo seletivo; logrei êxito ao concorrer à vaga de estágio de uma das sociedades de advogados mais renomadas de São Paulo. Fazia meu trabalho com zelo e muita dedicação. Nem demorou muito para que eu fosse promovido a coordenador dos estagiários. Isso mesmo, com dezenove anos, eu já mandava. Tinha meu motorista e meu celular, tudo custeado pela fir‑ ma. Fazia viagens para acompanhar processos em outros esta‑ dos. Ficava em hotéis caros, já mediava com os magistrados, visitava alguns clientes importantes, dava ordens aos subordi‑ nados e já era até chamado de “doutor”. 26
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Eu era “o tal”, menos para aqueles que me conheciam de fato: os meus pais. Para eles, eu era o mesmo menino rebelde e teimoso; aquele que tinha muito a aprender com a vida. No trabalho, eu percebia um tratamento que não condizia com o de casa. Tudo o que eu desejava era ser também o “tal” em minha casa. Essa discrepância foi terreno fértil para pen‑ samentos do tipo: Meus pais não me dão o valor que mereço! Já sou adulto e dono do meu nariz. Já tenho meu dinheiro, logo vou morar sozinho. Aos poucos, deixei de ir à igreja. Os amigos de lá já não eram tão especiais. A galera do trabalho e da faculdade era mais atra‑ tiva agora. A contemplação foi produzindo escolhas e comecei a frequentar bares, casas de show, boates e baladas. Ficava até altas horas curtindo a noite com os “amigos”. Chegando em casa, na madrugada, encontrava minha mãe com um misto de preocupação e braveza, ainda sentada no sofá, com seu típico balançar de pés, como faz até hoje quando está nervosa, fazendo‑me inúmeras perguntas e dando longos “sermões”. Minha mãe sempre me esperava no sofá, espiando da janela, aguardando ansiosamente a hora em que eu apare‑ ceria no portão. Notei que voltar para casa só para ouvir os “sermões” de mi‑ nha mãe, dormir algumas poucas horas e voltar para o traba‑ lho, tudo isso já não valia a pena… Foi quando comecei a dormir fora de casa. Pagava diárias em hotéis próximos ao trabalho. Às vezes, retornava três dias depois para casa. Isso causou um atri‑ to muito grande com meus pais, típicos cristãos que prezavam pelos bons costumes. Meu melhor argumento era que agora eu comia meu pão e tinha dinheiro para sustentar minha “própria casa”. Se é que podia chamar as espeluncas nas quais eu passava a noite de casa. O que importava é que eu era “o tal”. 27
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Minha mãe, mesmo recebendo quase todas as noites as mi‑ nha mensagem no celular – “Mãe, não me espere, vou dormir por aqui” –, continuava na sala, naquelas longas madrugadas, orando por mim e olhando pela janela.
Não demorou muito para que eu dançasse a música que, por anos, chamei de barulho. Moema, em São Paulo, fica próximo ao aeroporto de Congonhas. É um bairro nobre de classe média e media‑alta que já teve como principal “artigo de luxo” justamente a proxi‑ midade invejável com o aeroporto. Congonhas foi inaugurado em 1936 e, diferente do que muitos pensam, o aeroporto dos paulistanos não foi constru‑ ção intrusa em um bairro movimentado de residências e co‑ mércios. Na época, a região era praticamente desabitada, ao contrário do que é hoje, e era bem propícia para as atividades aeroportuárias. Congonhas se transformou no terceiro ae‑ roporto mais movimentado do Brasil e hoje é curiosamente rodeado por prédios, condomínios, casas, escolas, igrejas, su‑ permercados e um shopping de quatrocentas lojas com pouco mais de quarenta mil metros quadrados. Desde sua inauguração oficial, o marketing das construto‑ ras e imobiliárias, no intento de conquistar compradores em potencial, dizia ser um sonho de luxo residir ao lado do mais novo e moderno aeroporto do Brasil, em um bairro muito tranquilo e arborizado. Por ali, celebridades, autoridades e em‑ presários embarcavam e desembarcavam numa época na qual viajar de avião era privilégio de poucos. Alguns antropólogos começaram a notar algo de curioso que acontecia com os moradores recém‑chegados à região 28
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de Moema. Os primeiros dias dessas pessoas ali eram de in‑ cômodos reais com os rasantes dos jatos e dos boeings que passavam beirando o topo de suas casas. O medo era que pu‑ dessem provocar um desastre de grandes proporções. A tra‑ gédia com dois aviões da TAM, décadas depois, provou que tal preocupação não era nada exagerada. O outro incômodo era com o barulho.
O silêncio é imenso, nele cabe todo o nosso barulho. Decibel é a unidade de medida responsável por descrever o nível de determinado som. Decibelímetro é o instrumento que mede esse nível. Os melhores especialistas afirmam que nossa exposição ao som deve se limitar a oitenta decibéis, pois prejudicamos efeti‑ vamente nossa audição acima disso. Afirmam ainda que o ruí‑ do que ultrapasse cento e quinze decibéis provoca, em caráter imediato, danos irreversíveis à audição do ser humano. Vi na advocacia muitas indústrias arcarem com indeniza‑ ções trabalhistas vultosas aos seus funcionários que sofreram com o que chamamos de PAIR (perda auditiva induzida por ruído). Os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) foram criados para proteger o trabalhador, dentre os quais o prote‑ tor auricular é um dos mais importantes, e deve ser usado por todos aqueles que ficam expostos a ruídos que ultrapassem os níveis recomendados. Nossa TV ligada em um volume médio equivale a cinquenta decibéis; já um som de congestionamento na rua, de setenta a oitenta decibéis. Enquanto aspiramos a casa ou fazemos uma vi‑ tamina com o liquidificador, estamos expostos a incríveis noven‑ ta decibéis. Um show de rock ou uma furadeira que o maridão 29
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usa para pendurar os quadros na parede, por sua vez, alcançam a marca de cem decibéis. E agora tapem os ouvidos, porque aí vem o grande vence‑ dor: a turbina de um avião que, no momento da decolagem, produz terríveis e prejudiciais 150 decibéis. Mas isso ninguém contou aos moradores de Moema.
A constante exposição ao barulho confunde nossa audição. No fim, não sabemos se é silêncio ou surdez. Na primeira semana de mudança, moradores percebiam, com as incontáveis aterrisagens e com os odores de diesel lança‑ dos no ar a cada decolagem, que o tranquilo e arborizado bairro do slogan das imobiliárias, na verdade, era um lugar barulhento e prejudicial à saúde; principalmente à saúde dos ouvidos. O comércio de janelas antirruído estourou na região. Os que não faziam a aquisição tornavam‑se testemunhas de uma mágica. Isso mesmo… uma “mágica”. Em algumas se‑ manas, o barulho já não existia mais, mesmo não possuindo as janelas especiais. Os aviões continuavam voando sobre eles, mas como mágica tudo cessava. A aparente magia fazia do barulho insuportável um som imperceptível. Como estamos cheios de siglas neste capítulo, escolhi cha‑ mar essa “mágica” de Negação Inconsciente do Barulho (NIB). Tenho alguns amigos naquela região que reclamam que seus filhos já não ouvem seu chamar. Se eles estão na cozinha e as crianças na sala, são necessários até cinco gritos para que possam atendê‑los. E fica muito fácil diagnosticar como teimosia dos filhos quando, na verdade, a passagem dos ba‑ rulhentos aviões de dois em dois minutos estraçalham toda 30
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a calmaria, comprometendo a sensibilidade dos meninos ao chamado dos pais. Há quem ande pelas proximidades do aeroporto e confesse a necessidade de elevar a voz em demasia a cada passagem dos pássaros de ferro. Concluímos que o barulho causa elevação natural de nossa própria voz, que nos induz a julgar como mudas as pessoas que nos falam, mas o próprio barulho não nos permite ouvi‑las. E precipita‑nos a diagnósticos falsos quanto à nossa capacidade de escutar, vítimas do “efeito NIB”. E pensar que, por algum motivo, alguém, um dia, concluiu que pertinho do aeroporto era um bom lugar para se viver. ***
Elias estava com medo. O profeta valente que desafiava o deus Baal na frente dos próprios profetas agora temia uma ameaça de morte. Uma sentença vinda de Jezabel, uma prin‑ cesa maluca de Israel, deixara o profeta com muito medo. Há de se lembrar de que a tal princesa era conhecida pelas suas atitudes idólatras e psiquiatricamente controversas. Diz a história bíblica que Elias desafiou o reinado de Jezabel como um valente, mas depois temeu as consequências de seus atos. Apontou para o norte e fugiu caminhando sem parar e sem olhar para trás. Um passo após o outro, sem rumo, deso‑ rientado, sem perceber que estava totalmente na contramão de seu chamado. Exausto, após caminhar em silêncio por mais de mês, Elias hospedou‑se em uma caverna. Por algum motivo bem estra‑ nho, ele encontrou segurança em uma caverna aberta, úmida e fria, onde provavelmente disputava seu espaço com insetos. 31
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