Veiga Mais: A ética nossa de cada dia

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Revista

VEIGA+ Edição nº 18 | Ano 12 2º semestre de 2014

Revista do Curso de Comunicação Social / Jornalismo Universidade Veiga de Almeida Rio de Janeiro



2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

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Editorial

sumário

Para o bem de todos

Pequenas corrupções são sinais de desvio ético. . . . . . . . 4

Um dos princípios da ética é agir de forma que as atitudes resultem em benefício para o coletivo. Buscando o significado no dicionário, a reflexão é abrangente: ética deriva do grego “ethos”, significa modo de ser, caráter, comportamento; é o ramo da filosofia que busca estudar e indicar o melhor modo de viver no cotidiano e na sociedade. Ou seja, é uma característica de todo ser social e, por esta razão, é um elemento essencial no desenvolvimento da realidade. A ética, sendo um elemento essencial no cotidiano do homem em sociedade, encontra-se presente no âmbito profissional, político e, para validar se o indivíduo corresponde a esses valores, basta avaliar suas atitudes. O brasileiro é conhecido por resolver situações no trânsito, na fila, no banco, dando um “jeitinho”, burlando o que deveria ser feito de forma correta. Agir com valores éticos em nossa sociedade tem sido cada vez mais difícil. O individualismo e a preocupação de tirar vantagem em tudo vêm deturpando o real significado da ética. O respeito e a justiça parecem estar ficando escassos. Buscar conviver em harmonia com as pessoas com as quais lidamos diariamente, seja de forma pessoal ou profissional, respeitando os valores de todos, é um bom modo de se preservar a ética. Exatamente por isso, a revista Veiga+ traz nesta edição as diversas vertentes dos assuntos relacionados à ética. Um diálogo franco a cada página. Fábio Baêta

O custo da orrupção no Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Lugar de lixo é na lixeira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 Ainda há espaço para praticar o bem . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Impaciência e falta de educação criam o caos no trânsito das grandes cidades. . . . . . . . 10 Comércio cria regras para melhorar atendimento . . . . 14 Como conviver no trabalho com as diferenças de cada um?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Ética no concurso é deixada de lado em vários casos. . 16 A vida no cárcere privado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 A falta de ética no tratamento dos idosos. . . . . . . . . . . . 20 Vida a dois: um contrato invisível. . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Entre pesquisas originais, plágio e compra de trabalhos acadêmicos . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Expediente A Revista Veiga Mais é um produto da Oficina de Jornalismo, em um trabalho conjunto realizado com os estudantes em sala de aula e a AgênciaUVA.

Edição, projeto gráfico e diagramação Érica Ribeiro

Especial ‘A ética nossa de cada dia’. Nº 18 - Ano 12 - 2º Semestre de 2014

Anúncios Bernardo Winter (Oficina de Propaganda/UVA)

Curso de Comunicação Social reconhecido pelo MEC em 07/07/99, parecer CES 694/99. Universidade Veiga de Almeida Coordenador de Jornalismo Prof. Luis Carlos Bittencourt Coordenadora de Publicidade e Propaganda Profa. Míriam Barbosa

Agradecimentos Equipe do Laboratório de Informática (UVA) Agência UVA Redação: Rua Ibituruna, 108, Casa da Comunicação, 2º andar. Tijuca - Rio de Janeiro, RJ Tel: (21) 2547-8800 - ramais 319 e 416 E-mail: agencia@uva.br

Reportagens Estudantes das disciplinas de Jornalismo Investigativo, Laboratório de Jornalismo e Jornalismo de Revista

Oficina de Propaganda criativo@uva.br

Professores-orientadores Luiza Cruz e Maristela Fittipaldi

Tiragem: 1.000 exemplares Impressão: WALPRINT


4 A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

REVISTA VEIGA MAIS • Nº 18 | Ano 12 | 2º semestre de 2014

Pequenas corrupções são sinais de desvio ético • Victor Abreu •

A prisão de políticos condenados no julgamento do chamado Mensalão em pleno dia da Proclamação da República foi um fato histórico para brasileiros que sempre sonharam em viver em um país livre de impunidades. A ação inédita, especialmente no Brasil, envolveu as pessoas em um otimismo que costuma contagiar a todos depois de acontecimentos assim. Mas muita cautela e uma boa dose de autocrítica são sempre boas nessas horas. É bem verdade que os políticos são o reflexo da sociedade em geral, e se eles são corruptos, o povo, em algumas ocasiões, também é. Algumas pessoas mais, outras menos. Só que a dose não importa nessas horas: o que importa é a ética em relação ao próximo. Exatamente por isso, além de aplaudir a punição de quem transgride a ética, o cidadão tem que começar a pensar nas suas próprias atitudes. Porque quanto mais banal a corrupção, mais facilmente ela é absorvida e esquecida pelo resto da sociedade. “Deixa disso, compra logo o DVD pirata”. Você já deve ter ouvido esta frase de alguém. Atitudes como essa dizem muito do que o brasileiro é. Aliás, a pirataria é uma das principais “pequenas” corrupções que o brasileiro pratica. Ela é aceita pelo meio social justamente por dar uma opção mais econômica ao bolso do consumidor. Se a vendagem de CDs e DVDs ainda fosse significativa para os cantores(as) e banda musicais, talvez aquele ingresso que custa duzentos reais poderia estar sendo vendido a um preço mais popular. Seus downloads também se encaixam em pirataria. Agora pense no ingresso do cinema, teatro e dos eventos esportivos sem aquela margem de lucro que é pensada já calculando os ingressos de meia-entrada, que nem sempre são vendidos a pessoas que se enquadram naquela lei. Nesse mesmo universo de ingressos, ainda existe a figura do cambista, que se aproveita para ferir a economia popular tirando da bilheteria ingressos e cobrando preços abusivos a compradores de última hora. E isso não é exclusividade deles. Pessoas comuns, muitas vezes, compram ingressos a mais e revendem para abater o prejuízo pago nos bilhetes. A pirataria e a farra dos cambistas são assuntos já bem populares, mas pouco combatidos. Então imagine corrupções mais periféricas como, por exemplo, a não emissão de uma nota fiscal no ato de uma compra em um estabelecimento comercial. A carga de impostos que o cidadão paga somente para cobrir a sonegação de outras pessoas é significativa. Mas fica aquela convicção de que isso não é um grande problema. E, na maior parte das vezes, isso acontece inconscientemente, o que não exime a culpa. O “sem querer” também tem seus problemas.

Foto: Svilen Milev (Free images)

Sabe-se que é errado, mas comete-se mesmo assim. Tudo isso faz bem ao bolso, mas mal à ética. É um grande conflito entre pensar e fazer. Tentar entender por que um motorista prefere pagar propina a um policial para ser liberado de uma multa é bem fácil. O próprio condutor já pensa que existe uma predisposição por parte da autoridade policial para aceitar o dinheiro. Mesmo que ele não ofereça, o próprio PM, às vezes, insinua esta opção. “Eu estava sem fazer a vistoria no carro, paguei 75 reais para que o policial não levasse meu carro para o depósito da prefeitura”, diz Alexandre Freitas, motorista que fala sem vergonha nenhuma do que praticou. “Pagaria de novo, mas hoje não são todos que aceitam. Tem que esperar um “sinal” por parte do policial”, ele completa, dando a dica a quem queira tentar. Quase um em cada quatro brasileiros (23%) afirma que dar dinheiro a um guarda para evitar uma multa não chega a ser um ato corrupto, de acordo com uma pesquisa realizada em 2012 pela Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Instituto Vox Populi. Os números refletem o quanto atitudes ilícitas como essa, de tão enraizadas em parcela da sociedade brasileira, acabam sendo encaradas como parte do cotidiano. A arrecadação por parte dos órgãos regentes do trânsito também poderia ser maior caso isso não ocorresse. A quantidade de carteiras suspensas e de veículos irregulares fora de circulação seria um pequeno alento ao tráfego caótico. Fora o fato de que, com mais fluxo de caixa, melhores condições poderiam ser apresentadas ao condutor, como pistas lisas, bem sinalizadas e seguras. Mas, para isso, o próprio órgão também teria que se comprometer a dar o devido destino ao dinheiro do contribuinte, sem dar margem a suas pequenas e grandes corrupções internas.

A psicóloga Elaine Rivera acredita que o instinto e a impunidade são os grandes responsáveis por isso. “A pessoa tem plena segurança de que sua atitude não vai dar em nada e de que aquilo não está fazendo mal a ninguém. Dai faz. É muito mais cultural do que psicológico”, ela explica. Então, conclui-se que é muito mais fácil uma mudança cultural do que providenciar uma lavagem cerebral em massa. Começou errado, mas ainda há tempo de fazer corretamente. Sempre há a escolha de caminhar pelo lado correto e desaprovar o que ficou errado, além de gozar da escolha de vencer com suor, com trabalho, e esquecer essa herança cultural de sempre dar um jeito, de sempre sair ganhando, como se não tivesse oportunidade de fazer de outro jeito. Se o “jeitinho brasileiro” pode justificar, o mesmo “movimento” do jeitinho poderia reverter a situação, só que andar na linha nunca foi atrativo. Alguns brasileiros até acham bonito o sujeito que leva a viva na malandragem, saindo do aperto com traquinagem. Mas malandro, como já dizia Chico Buarque em seus versos, trabalha: é o operário que sustenta a casa com uma miséria de salário. Este sim dá um “jeitinho” todo mês. O problema é que o jeitinho, para muitas pessoas, pode ser outra pequena corrupção. Explicar que o gato na luz, na TV a cabo e na ligação de água da casa também é contra o que certo é complicado. O sofrimento nunca é desculpa para a desonestidade, mas dar os devidos caminhos para que as pessoas não precisem recorrer a estes subterfúgios é ainda mais difícil. E o que pensar quando a pessoa não precisa disso. Eduardo Barbosa, 26, era assinante de um plano de TV por assinatura que cobrava quase 175 reias de seu orçamento mensal. Hoje, por “É bem melhor. Tenho canais que eu não tinha e o preço que eles cobram pelo básico é algo que não dava para sustentar. TV por assinatura da NET ou SKY é um artigo de luxo”. De fato, o Brasil é um dos países onde a internet ou TV a cabo são mais caras. Há nisso um pouco de culpa pelo atraso tecnológico, mas há também a margem das operadoras para descontar nos clientes os desvios com os gatos. Portanto, adquirir um plano de “gatoNet” é uma opção bem palpável a todos. Mas a mudança também deveria ser. Tentando mobilizar a população, a Controladoria Geral da União lançou uma campanha chamada “Pequenas Corrupções – Diga não”. A campanha ainda é tímida e só abrange o universo do Facebook, mas não deixa de ser um movimento em prol do término dessas práticas e da renovação da moral e da ética social.


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

O custo da corrupção no Brasil Verbas para obras de infraestrutura, saúde e educação são prejudicadas com desvio • BRUNO VELASCO •

Muito se fala do “Custo Brasil” para se produzir e gerar riquezas como trabalho e emprego no país, ou seja, do conjunto de fatores que comprometem a competitividade e a eficiência da indústria nacional. Mas estudos revelam que a corrupção de valores éticos e morais em alguns escalões da vida pública gera um custo ainda mais elevado. O dinheiro público acaba sendo desviado da função à qual se destina. Mas, afinal, o que é corrupção? Esta pode ser definida como a “venda, por funcionários públicos, de propriedade do governo para ganho pessoal”. Entretanto, não está fora do alcance do cidadão comum, que tenta se aproveitar do famoso “jeitinho” para se livrar de alguma situação e também age de forma antiética ou corrupta. Atualmente, até mesmo os significados sofrem com deturpação de sentidos, embora o efeito seja o mesmo.

Desperdício de Recursos Públicos

Entre os efeitos percebidos da corrupção, um estudo da Organização das Nações Unidas – ONU revelou que, no Brasil, segundo dados de 2012, houve desvio de pelo menos R$ 200 bilhões de reais. Tal dado sugere que os investimentos em áreas básicas poderiam ter sido mais bem aproveitados. Aliás, o valor deste montante que foi “perdido” nas mãos de pessoas sem ética é maior que a soma de todo investimento realizado em saúde e educação.

Aliado ao conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem o investimento no país, percebe-se que esta realidade gera um entrave, impedindo em larga escala o desenvolvimento nacional, aumentando o emprego informal, e resultando no baixo recolhimento de impostos, entre outros fatores, que diminuem a qualidade de vida do brasileiro, ao deixarem de oferecer escola e saúde com a qualidade necessária. Além disso, obras de infraestrutura básica que deveriam ser feitas, muitas delas já pagas, são executadas mais de uma vez ou somente constam em registros oficiais.

A Copa do Mundo de 2014

A Copa do Mundo de Futebol – organizada pela FIFA, é uma questão delicada sob diversas óticas, sobretudo por ser uma competição privada administrada com recursos públicos. Assim como em 1950, o Brasil sediou os jogos e todas as atenções se voltaram para o país. Muito foi abordado sobre o legado que teria deixado, mas pouco se planejou sobre o que precisaria efetivamente ser realizado. As obras de infraestrutura que deveriam gerar a mobilidade necessária à população perderam espaço significativo (ainda mais se forem considerados os prazos e metas estabelecidos) para as novas arenas de futebol, algumas em locais onde sequer há público. Foto Divulgação: Rafael Ribeiro / CBF | Novo Maracanã

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Mais uma vez, há indícios de desvio – minimamente – nem que seja no projeto posto em execução. Mesmo dentro do que foi planejado e posto em ação, as cifras só não foram ainda mais expressivas que os R$ 25 bilhões já empregados porque o Tribunal de Contas da União – TCU reviu contratos e evitou desperdícios na ordem dos R$ 600 milhões aos cofres públicos. Analistas jurídicos afirmam que caso existisse uma estrutura mais ampla de transparência nas contas públicas, seria possível gerenciar melhor os recursos, impedindo os desvios e a corrupção em muitas esferas do poder.

O Cidadão Comum e a Corrupção

O custo da corrupção no Brasil é percebido no dia a dia, nas longas filas duplas que se veem próximos às escolas no horário de funcionamento, nas longas conversas ou intimidações recebidas ou feitas aos agentes de trânsito que tentam ou deveriam tentar cumprir seus papéis. Este é o famoso “jeitinho brasileiro”. A Psicopedagoga Tatiana Campos explica que “a fiscalização não sugere o respeito às leis, mas é forma de combater os desvios” e afirma que “o ético é agir conforme a lei determina, independentemente de haver alguém ou não por perto”. O psicólogo José Renato Lima afirma que “o espaço onde as representações acontecem tem um significado” e este significado por mudar conforme o tipo de relação que ali ocorre. No Brasil, cada vez mais se observam espaços públicos e privados onde a tolerância se mostra cada vez mais suscetível à corrupção. Este desvio de conduta foi tema de um recente estudo da Universidade de São Paulo – USP. A transgressão quase sempre é atribuída ao baixo grau de impacto social que este mesmo desvio pode gerar. Ou seja, existe uma consciência quase coletiva capaz de tolerar e aceitar o antiético conforme a circunstância em que for concebido. Entretanto, tal posição cristaliza as práticas que, ao chegarem ao topo de uma pirâmide, acabam por delatar toda uma estrutura corrompida, desde a sua base, por valores ou mesmo a aceitação de outros valores de forma duradoura, ou não, em troca de alguns benefícios para si ou para outros.

A estrutura da Corrupção

O combate a este tipo de ato é bastante complicado e não fez eco nas ruas. No que diz respeito às manifestações ocorridas a partir de junho de 2013 no Brasil, pouco se falou das bases da corrupção que, apesar de compor um sistema, tem em sua unidade o indivíduo. É preciso apreender a função da burocracia – a qual deveria ordenar e ajudar no processo de organização de sistema – e que sua utilização não deve ser razão para obtenção de lucros indevidos.


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A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

REVISTA VEIGA MAIS • Nº 18 | Ano 12 | 2º semestre de 2014 Foto: Assessoria Comlurb

Lugar de lixo é na lixeira • Beatriz de Almeida Figueiredo •

“Todos os dias levanto de madrugada. Preciso buscar meu sustento antes do caminhão de lixo passar. O que é lixo pros outros me ajuda a sobreviver, o que é a rua pros outros é a minha casa, e eu sempre remexo o lixo sem deixar um rastro de sujeira pelo caminho, coisa que as pessoas deveriam fazer, lembrar que a cidade também a casa delas”. Para Raimundo de Souza, viver nas ruas seria mais fácil se a sociedade entendesse que a cidade deve ser tratada da mesma forma que suas casas, com higiene e limpeza. Raimundo mora pelas ruas do Méier há mais de dez anos e sempre observa o descaso que as pessoas têm com o espaço público. “Algumas respeitam o meio ambiente, mas a maioria joga o lixo em qualquer lugar mesmo. Depois a cidade fica cheia de baratas e ratos, vem a chuva, acontecem enchentes e aí o povo reclama”. A ética demonstrada pelo morador de rua não reflete o comportamento social e cultural dos brasileiros. O Rio de Janeiro é uma das metrópoles mais bonitas do mundo, sustenta orgulhosamente o título de Cidade Maravilhosa, mas figura a triste posição de 9ª mais suja entre as principais cidades do planeta. Ranking vergonhoso para os brasileiros e principalmente para os cariocas. A sociedade brasileira exige a todo o momento atitudes classificadas como éticas, mas uma guimba de cigarro ou um simples papel de bala provam que se está longe de ser um exemplo de sociedade estruturada em valores morais e com fortes princípios éticos. Por definição, a ética é a reflexão sobre o valor das ações sociais no âmbito coletivo e individual. O ato de jogar lixo na rua transforma o cidadão em um responsável direto pela poluição do espaço físico e visual, pela proliferação de insetos e roedores e pelos frequentes entupimentos de bueiros, que levam a enchentes, e pelos deslizamentos causados pelo descarte inadequado de tudo o que não serve mais. O lixo é um dos principais problemas enfrentados pela sociedade e pelas cidades modernas. O ambientalista e gestor ambiental Humberto Saito diz que é preciso mudar a mentalidade da população. “A questão do lixo tem início nos hábitos e no modo de vida da sociedade. É preciso mudar o pensamento e as atitudes. O ponto chave é a educação, ela é essencial para qualquer civilização”. O ambientalista também defende a implementação imediata da segregação do lixo em escolas e universidades, para que o descarte correto do lixo atinja crianças, adolescentes e jovens e torne-se algo comum, sendo incorporado ao dia a dia do brasileiro. Mas a prefeitura do Rio escolheu uma opção mais rigorosa e imediata para resolver o problema.

Com o objetivo de resolver o descarte inadequado do lixo nas ruas do Rio, a prefeitura colocou em prática o Programa Lixo Zero, que multa quem for pego jogando qualquer resíduo no chão. O projeto, de acordo com dados da Comlurb, reduziu em 50% a sujeira nas ruas. O gari Alexandre Souza, que trabalha limpando as ruas do Centro da cidade, confirma que a quantidade de material descartado nas ruas e avenidas diminuiu. “Antes eu varria a rua cinco e até seis vezes por dia, hoje varro menos vezes, no máximo quatro. Dá para ver que a lei assustou muita gente, ninguém gosta de levar prejuízo”. De fato, as multas não são baratas. Elas vão de R$106 para fezes de cachorro a R$ 3,4 mil para uma grande quantidade de entulho. O descarte irregular de lixo de menor volume, até o tamanho de uma lata de refrigerante, custa ao bolso do infrator o valor de R$ 157. Desde que entrou em vigor, em 20 de agosto de 2013, o programa aplicou mais de 57 mil multas, sendo o Centro o bairro recordista, flagrando até agosto 24.778 infrações. Victor França, estudante de Salvador, não sabia da lei e acabou multado por jogar um palito de picolé no chão. “Vim visitar o Teatro Municipal e por falta de hábito joguei o palito no chão. Apesar da multa, achei a lei muito boa e gostaria que também vigorasse em Salvador. A cidade também é turística, mas os baianos também jogam o lixo no chão, fica bem sujo e passa uma imagem de que o brasileiro é porco”. O estudante afirma que a maior surpresa foi ver que a praia mais famosa do mundo é limpa. “Copacabana é linda, e a orla sem sujeira contribui muito para essa beleza”.

Na Zona Sul, o projeto foi bem recebido pelos moradores, que apoiam a iniciativa da Prefeitura. Ana Marcela passeia todos os dias pela manhã com seu cachorro, Frederic. Para a administradora, é essencial que os donos levem o que for necessário para limpar o que os pets sujarem. “É inadmissível ver uma pessoa deixar a sujeira do seu cachorro na rua. Além de anti-higiênico, mostra o quanto essa pessoa é sem educação. O que está ajudando também é que está havendo fiscalização o tempo todo, sempre vê uma equipe da prefeitura por aqui”. O guarda municipal Alex Pinto está fiscalizando a orla de Copacabana há dois meses e aponta as melhoras trazidas pelo Lixo Zero. “Pessoas do mundo todo vem conhecer a praia mais famosa do mundo. Imagina

as campeãs: AS dez cidade mais... limpas:

sujas:

1- Tóquio (Japão) 2 - Cingapura (Singapura) 3 - Zurique (Suíça) 4 - Viena (Áustria) 5 - Estocolmo (Suécia) 6 - Dubai (Emirados Árabes) 7 - Dubrovnik (Croácia) 8 - Munique (Baviera) 9 - Copenhague (Dinamarca) 10 - Praga (República Checa)

1 - Bombaim (Índia) 2 - Marraquexe (Marrocos) 3 - Punta Cana (República Dominicana) 4 - Bangcoc (Tailândia) 5 - Hanói (Vietnã) 6 - Buenos Aires (Argentina) 7 - Sharm el Sheikh (Egito) 8 - Atenas (Grécia) 9 - Rio de Janeiro (Brasil) 10 - Bruxelas (Bélgica)


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS a decepção de chegar aqui e encontrar uma cidade suja, uma orla cheia de lixo? A população demorou uma semana para se adaptar ao projeto, e hoje a maioria das multas aplicadas é em pessoas de fora da cidade ou que moram em outras regiões onde o projeto ainda não foi implantado”. Mas, apesar do progresso, ainda há cariocas insatisfeitos com a falta de locais apropriados para o descarte de resíduos. A professora aposentada Maria Amaral, moradora de Copacabana, relata que ainda faltam lixeiras e que as aberturas das que estão disponíveis não são suficientes para jogar os cocos. Fumante há mais de 30 anos, ela observa que as lixeiras não são limpas como deveriam, e que o local destinado para apagar as guimbas é desagradável. “Imagina você toda vez ter que colocar sua mão nessa imundice. A prefeitura tem que usar o dinheiro arrecadado pelas multas para melhorar as lixeiras, mantê-las higienizadas e comprar e instalar cinzeiros para os fumantes”. A vendedora Renata Rocha, que trabalha próximo a orla de Copacabana, observa que a praia está bem vigiada, mas que as ruas residenciais ainda não possuem fiscalização adequada. “Os cariocas ainda não mudaram o comportamento. Eles não jogam lixo em frente aos guardas, mas é só vir caminhando pelas ruas de dentro que você flagra, principalmente perto dos botequins, os fumantes jogando as guimbas no chão. Acho que a distribuição da fiscalização tem que melhorar, ou colocar mais guardas mesmo”. Atualmente, a Comlurb conta com um efetivo de 400 agentes além de guardas municipais espalhados

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

pelos pontos da cidade onde o programa já está em vigor. A fiscalização sofreu algumas alterações nesses três meses, a presença de policiais não é mais necessária, só em casos extremos, e as abordagens agora são feitas em dupla. Para o agente Ronal Costa, as abordagens estão se tornando cada vez menos comuns, pois ele acredita que a conduta do carioca esteja de fato mudando. “No início, as pessoas não sabiam do Lixo Zero, mas agora, quando elas jogam a sujeira no chão e nos veem, já sentem a dor na consciência. Essa semana uma criança me parou e agradeceu por ver que as ruas estão limpinhas e que o meio ambiente está sendo salvo. É um trabalho gratificante, todos nós amamos nossa cidade e precisamos mostrar esse amor por ela”. Apesar do benefício que a lei está trazendo para a cidade, o sociólogo Rolf Malungo alerta que é necessário investir em educação para que a consciência social evolua, cultivando o respeito ao meio ambiente. “Sabemos que somente a multa não irá educar a população. A Lei Seca é um dos exemplos de que apenas multa não é suficiente. É preciso investir na educação e mudar o olhar que os brasileiros têm da própria cidade, lembrando que ela é a extensão do nosso lar”. Para o morador de rua, Raimundo, resolver o problema do lixo é uma questão simples: consiste em respeitar o meio ambiente e estender até as ruas a educação que é usada ao entrar e sair de casa. “É só você lembrar que o lugar onde você vive reflete a aparência do que você é por dentro. A cidade não é só sua, o meio ambiente não é só seu. Então, trate o que é de todos com muito carinho e cuidado”. Foto: Assessoria Comlurb

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Para onde vai o lixo? Lixão

É o pior destino para os resíduos sólidos urbanos. Depositados em terrenos a céu aberto, sem medidas de proteção ao meio ambiente. O método favorece a proliferação de insetos transmissores de doenças, além da poluição do solo e da água pelo chorume (líquido escuro e mal cheiroso) produzido pela decomposição da matéria orgânica.

Reciclagem

Trata os resíduos sólidos como matéria-prima. Entre as vantagens do método, estão a diminuição da quantidade de lixo enviado a aterros, da extração de recursos naturais, do consumo de energia e da poluição. Também contribui para a limpeza da cidade, conscientização ambiental e geração de empregos. Apesar de ser o melhor método, a reciclagem gera resíduos, alguns poluentes.

Aterro Sanitário

Método mais avançado da disposição de resíduos no solo. O lixo é colocado em valas forradas com lonas plásticas, compactado várias vezes por um trator e recoberto por uma camada de terra, para evitar a proliferação de insetos. Os gases e o chorume são tratados, mas os aterros têm um determinado tempo de vida útil, ao fim do qual devem ser desativados.

Incineração

A queima em temperatura acima de 900° C é uma das maneiras de tratar alguns resíduos urbanos, como o hospitalar, alimentos estragados e remédios vencidos. O método reduz a quantidade de lixo aos aterros e gera energia elétrica. Mas o processo produz cinzas tóxicas, que devem ser depositadas em aterros especiais. Também lança gases poluentes na atmosfera, que podem causar doenças graves.

Compostagem

É a forma de tratar os materiais orgânicos descartados. O resíduo é decomposto e o produto pode ser misturado à terra. Isso aumenta sua capacidade de reter água, favorecendo o crescimento das plantas. O método diminui o volume do lixo destinado a aterros sanitários, aumentando sua vida útil.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A fiscalização constante ajudou a diminuir a quantidade de lixo nas ruas da cidade


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A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

REVISTA VEIGA MAIS • Nº 18 | Ano 12 | 2º semestre de 2014 Foto: Divulgação

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Meg, ao centro, junto com Grupo Abração em ação de Natal

Ainda há espaço para praticar o bem

Obras sociais têm despertado o interesse em fazer mais pelos necessitados • Rafael Lemos •

Meg, como é chamada pelos amigos, foi convidada a participar de uma ação social promovida por um grupo do qual alguns colegas fazem parte. Ela ainda não conhecia o trabalho, mas foi ver de perto do que se tratava. Ao chegar, era uma distribuição de um café da manhã para pessoas carentes da periferia da cidade. Se apaixonou pelo que viu e passou a integrar a equipe. De lá para cá, já se foram dez anos. Margareth Crespo, 53 anos – a Meg, que é técnica de operação, ainda participa com dedicação e integra o Grupo Abração. Este projeto consiste em levar, todo segundo domingo do mês, um café da manhã no Centro do Rio de Janeiro. Mesas são armadas entre as ruas Uruguaiana e Buenos Aires, e sobre elas são colocados pães, café, chocolate e iogurte. As pessoas que são atendidas, geralmente, são moradores das favelas do

entorno do Centro, que, além de uma refeição, encontram carinho e apoio. Meg, que vem de uma família pobre, ressalta que a solidariedade nasce com as pessoas. Porém, cada um deve saber dar valor às necessidades do próximo. “Você dá, mas recebe muito mais”. Para ela, participar dos eventos do Grupo Abração é sempre uma realiza-

Estava gastando muito com coisas supérfluas. Foi aí que decidi investir em algo útil, para ajudar Marcello Gomes

ção de vida. “As palavras bonitas não se concretizam se você não as desenvolve”. Além deste trabalho, ela ainda colabora com as ações da igreja da qual faz parte. Ela incentiva os amigos a participarem de alguma forma, orientando as pessoas a se identificarem com a filosofia do grupo que promove a ação social. Assim como Meg, muitas pessoas encontram nas atividades solidárias uma forma de praticar o bem que atinge a todos, um dos fundamentos da ética humana, que é o olhar para o outro. Em pleno século XXI, em que o individualismo tem crescido cada vez mais, é possível encontrar pessoas que resolvem compartilhar, principalmente com os mais necessitados, seus recursos, quer sejam financeiros, de tempo ou sentimentais. Marcelo Ferreira de Almeida, 40 anos, técnico químico, é uma dessas pessoas. Há quatro anos ele começou a contribuir mensalmente com vinte reais para o Projeto


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS Vamos Melhorar. Trata-se de um trabalho voltado para crianças de famílias carentes que moram em uma região rural de Nova Iguaçu. São pessoas de baixa renda e que não são assistidas pelo Governo. A instituição mantém uma pequena escola como sede e conta basicamente com a ajuda dos voluntários, que contatam futuros contribuintes via telefone e buscam apoio financeiro ou de doações de roupas, calçados, brinquedos e mantimentos. Em um desses contatados, Marcelo, movido pela vontade de ajudar, pesquisou sobre o Projeto na internet e com amigos do trabalho, que também são colaboradores em obras como essa. Não pensou muito. Deixou o coração falar mais alto. “Nós nascemos para isto. Para ir ao encontro do outro”. Católico, ele entende que a caridade é um exercício da fé e que tem que ser espontânea. Ao falar sobre essa atitude, ele cita o trecho da música

Como participar de uma ação social • • • • •

Informe-se sobre a instituição Visite a sede ou uma das ações solidárias Pergunte para quem já participa Identifique-se com a filosofia da instituição Busque uma forma de contribuir: dinheiro, donativos, voluntariado

Alguns projetos: Grupo Abração Rua Guiraréia, nº345, Irajá, Rio de Janeiro – RJ Telefones: (21) 3391-1446/(21) 98869-0717 www.grupoabracao.com.br

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

Mãos que oferecem rosas: “Fica sempre, um pouco de perfume nas mãos que oferece rosas, nas mãos que sabem ser generosas”. Este é só o primeiro voluntariado de Marcelo. “Tenho vontade de fazer muito mais”, revela. Um dos colegas de trabalho dele, que também participa como colaborador de projetos sociais, é Marcello Gomes, 45 anos. Também técnico químico, ele contribui mensalmente para sete instituições. Entre elas, o Lar de Daniel Cristóvão, um centro que atende pessoas com deficiências físicas e suas famílias, e o Centro Social Caminhos do Bem, uma Organização Não Governamental que atende à população carente com atividades e programas beneficentes, filantrópicos e de saúde. Também motivado pela religião, espírita, ele entende que o pouco que se faz por uma pessoa, para ela, pode ser um grande feito. “Estava gastando muito com coisas supérfluas. Foi aí que decidi investir em algo útil, para ajudar”. Mesmo com pouco tempo, as instituições com que Marcello colabora facilitam nessa ajuda. Eles vão até o local de trabalho dele para buscar as contribuições. Ele gostaria de participar mais, mas ainda não tem disponibilidade para isto. Acredita que as pessoas deveriam se importar mais. Um grande problema hoje, que inibe o voluntariado, é que muita gente não dá crédito a ações sociais. Pensam que na verdade são falcatruas e que, no fim das contas, tem sempre alguém por trás pegando o dinheiro. “Os cidadãos deveriam entender que não é só com dinheiro que se contribui, mas também com ações. O importante é ajudar de alguma forma”. É justamente isto que sustenta uma atitude ética: o outro. O coletivo. A sociedade contemporânea busca

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... Marcelo Ferreira contribui com o Projeto Vamos Melhorar

o individualismo, mas no meio dela existem pessoas que enxergam além das próprias necessidades. Quando alguém se dispõe a ajudar e a promover a solidariedade, as ações tendem a se propagar junto aos demais. E quando o ser humano tem vontade de fazer o bem, as obras sociais podem ser o espaço em que esse sentimento se materializa. Foto: Rafael Lemos

Projeto Vamos Melhorar Estrada da Cachoeira, nº416, Tinguá, Nova Iguaçu – RJ Telefone: (21) 2652-8929 projetovamosmelhorar@gmail.com Lar de Daniel Cristóvão Rua Joaquim Ferreira,nº11, Jardim Sulacap, Rio de Janeiro – RJ Telefones: (21)3357-9619/(21) 3016-6179 www.lardedanielcristovao.org.br Centro Social Caminhos do Bem Avenida 2, nº400, Nova Sepetiba – RJ Telefone: (21) 2401-3366 www.centrosocialcaminhosdobem.org.br . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Marcello Gomes colabora com sete instituições sociais


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REVISTA VEIGA MAIS • Nº 18 | Ano 12 | 2º semestre de 2014

Impaciência e falta de educação criam o caos no trânsito das grandes cidades Foto: Isadora Keidel

• Camila Freire •

Os acidentes de trânsito têm aumentado cada vez mais no Brasil. Condutores se tornam infratores e não deixam de infringir a lei e evitar algum acidente. Os números assustam a sociedade. Uma pessoa morre no trânsito a cada onze minutos. De acordo com uma previsão do Instituto Avante Brasil, estima-se que 48.349 pessoas perdeão a vida em acidentes de trânsito em 2014. Os condutores estão esquecendo cada vez mais de praticar a ética no trânsito, de respeitar os pedestres, de agir dentro da lei, e, muitas vezes, acabam tirando a vida de pessoas próximas ou de quem não tinha nada a ver com aquele momento de fúria ou de descaso. Carlos Eduardo, 53 anos, ex-motorista de taxi, conta o quanto o trânsito no Rio de Janeiro era estressante. “Resolvi largar a profissão pelo simples fato de não aturar mais. Os táxis estão aumentando cada vez mais, os carros particulares também. Reclamamos tanto do trânsito de São Paulo, mas o Rio de Janeiro não fica muito atrás não. Os ônibus estão dominando a cidade. Conduzir um automóvel para trabalho ficou algo impraticável”, conta Carlos Eduardo, que hoje em dia é autônomo. Os números confirmam aquilo que Carlos Eduardo já sentiu na pele. Em 31 anos, 980.838 pessoas foram vitimas das infrações no trânsito. Foram 22,5 mortes por 100 mil habitantes. As motos foram as maiores vilãs dos acidentes fatais durante esse período. Inúmeras vezes, condutas como excesso de velocidade, avanço de sinal vermelho, embriaguez na direção, entre tantos outros atos comuns de serem vistos no trânsito, são julgados pela população. Mas, ao realizar uma reflexão mais profunda, pode-se descobrir que também são cometidos erros na direção e os que julgam também são alvo de criticas. Erros ou limitações não são reconhecidos pela maior parte dos condutores, sendo assim, mais cômodo atribuir aos outros os problemas relacionados ao trânsito. Com o aumento no número de acidentes, o governo resolveu implantar a Lei Seca, que visa detectar os motoristas que insistem em conduzir seus carros mesmo consumindo bebida alcoólica, colocando sua vida e as de outras pessoas em risco. Com a Lei Seca, o número de acidentes no Rio de Janeiro caiu 27%, havendo 32% menos mortes no trânsito carioca.

José Antonio, motorista de ônibus há mais de 20 anos da linha 432, que liga Vila Isabel ao Leblon, afirma que, se pudesse escolher, nunca teria esta profissão. “Além dos riscos da madrugada, o trânsito no Rio é absurdo, ainda mais agora, com a queda da Perimetral, o caos está completo. O governo pouco se importa se você tem um horário para cumprir. Eu saio de Vila Isabel e tenho que chegar ao Leblon em tal hora, mas isso raramente acontece. O trânsito esta caótico”. A população já tentou protestar para que a sociedade faça mais uso de bicicletas, skates e patins, meios de locomoção que não poluem a cidade, combatem o sedentarismo e não atrapalham o trânsito, porém, nem os ciclistas estão sendo poupados e acabam atropelados por aqueles que deveriam lhes dar preferência. Diego Reis, 29 anos, é totalmente a favor do uso da bicicleta, mesmo tendo carro particular. Fotógrafo, ele prefere sair pelas ruas do Rio montado em sua bicicleta e fotografando os momentos na cidade carioca. “Me sinto muito mais livre com a bicicleta,

acho muito mais prático. Lógico que há momentos em que você necessita do carro para se locomover, mas prefiro tirá-lo da garagem quando for o caso de uma viagem ou para ir a algum lugar longe. Do contrário, vou com a minha bike mesmo, que nunca me deixou na mão”. Rui Camargo, 31 anos, é instrutor de uma autoescola em Vila Isabel e conta como é o seu dia a dia. “As pessoas aprendem cada vez menos aqui. Acho que para você ser um motorista exemplar só conseguirá mesmo na prática, no dia a dia. Vinte aulas não irão te transformar em um piloto, digamos assim. Tentamos passar tudo o que é correto para os nossos alunos, mas sabemos que poucos aqui praticarão severamente as nossas explicações, infelizmente”. O condutor brasileiro, de forma geral, apenas aplica e segue princípios corretos no trânsito se “sentir no bolso” as punições por seus erros. Esta realidade poderia ser diferente se todos aplicassem a ética na direção de um veículo. Fiscalização e disciplinamento no trânsito existem em virtude dos próprios erros. E as transgressões às normas de convívio no trânsito


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

são pagas pela sociedade toda. Foto: Isadora Keidel

As ruas como cenário de guerra

Motoristas, pedestres e ciclistas vivem uma constante briga por espaço • Isadora Keidel Machado •

Ao caminhar pelas ruas do Rio de Janeiro, é fácil encontrar carros furando sinais; pedestres atravessando fora da faixa destinada a eles, impaciência de motoristas com motoristas, de motoristas com pedestres e ciclistas e vice-versa. As pessoas andam cada vez mais irritadas, com a ira à flor da pele. O descaso com o próximo e enormes níveis de estresse completam o cenário caótico. Em meio a esse emaranhado de sentimentos, durante horas e horas de trânsito, vem a incontentável agonia de extravasar a irritação. Assim se resume o dia a dia do engenheiro Dilson Alves, 58 anos, morador do bairro Vila Valqueire. Tudo começa às oito da manhã, quando ele pega o carro a caminho do trabalho, em Deodoro. O trajeto, que teoricamente seria de 20 minutos, se alonga durante uma hora e meia de trânsito, recheado com sinais descoordenados, motoristas desatentos e descumprimento das leis de trânsito - principalmente por parte dos transportes públicos. “Não há quem aguente!”, reclama. Diante dessa situação, que se repete rotineiramente, o volante e a buzina tornam-se “saco de pancadas” e os xingamentos, a verbalização do estresse. “Um dia eu até anotei a placa e segui um cara que me fechou no sinal, mas lembrei de um amigo que acabou morto no trânsito e percebi que não valia a pena”, desabafa. Já com a enfermeira Aline Campos, 31 anos, a história não teve um fim agradável. Eram cinco e quinze da tarde, na Avenida Lúcio Costa, quando Aline, na tentativa de sair de seu condomínio, foi surpreendida pela empresária Jaqueline Magalhães, 25 anos, que bloqueou sua passagem. Mais à frente, no primeiro sinal, as duas discutiram sobre o quase acidente, trocando insultos. O comportamento perdurou durante parte do percurso, até a altura do posto 4, quando Jaqueline, ao parar no semáforo, saltou do veículo com uma trava de volante na mão e disferiu golpes no carro da

. .Felipe reclamou com motoqueiro que trafegava na calçada

enfermeira e, em seguida, partiu em disparada. Após quase cinco minutos de choque, Aline resolveu prestar queixa na 16ª DP, delegacia mais próxima dali, e, mais tarde, abriu processo contra danos morais e materiais. O caso ainda não foi a julgamento. Situações como a de Aline e Dilson não são novidade para quem trabalha no Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) – o 190. Em média, dentre as 35 mil ligações diárias, 70 são sobre brigas de trânsito ou reclamações do tipo. Em véspera e feriados, sextas-feiras e em dias com chuva esses números chegam a quase o dobro, acrescenta o policial militar Phillipe Soutinho. “Isso acontece devido a um estresse ainda maior gerado pelo acréscimo na quantidade de veículos nas ruas e ao aumento da ansiedade dos motoristas em chegar ao destino. É aí que mora o perigo!”, explica. A sensação de poder, impessoalidade e proteção conferida pela lataria do carro faz com que as pessoas se sintam inatingíveis e impunes diante de qualquer tipo de atitude durante o trânsito. Dessa maneira, enfrentar o outro não parece uma ameaça aparente na hora de reclamar sua razão individual e exigir que o erro – analisado seguindo a concepção de ética e de moral de cada individuo e as leis de trânsito – seja pago, principalmente quando um dos motoristas acha que está certo. “O estresse, causado pela pressa do dia a dia, misturado a esse utópico poder do carro e à raiva, faz com que o indivíduo mude atrás do volante. Ele se altera completamente, a ponto de cometer loucuras que sozinho não realizaria”, explica a psicóloga Luciana Machado.

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E os números de brigas - isso sem mencionar o número de mortes por motivos fúteis e incluindo também desentendimentos no trânsito e nas ruas -, que chega a 83% dos casos de homicídios solucionados pela Polícia brasileira desde Janeiro a Junho de 2013, segundo pesquisas do Conselho Nacional do Ministério Público, não tendem a diminuir. Só em Agosto de 2013, foram 219 homicídios culposos (quanto se tem a intenção de matar) e 4.275 lesões corporais culposas registrados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado – números relativamente altos se comparados a 2010, em que foram registradas 178 mortes e 3.889 lesionados, no mesmo período. Já os dados do Observatório das Metrópoles revelam que em dez anos houve um aumento de 11,5 milhões para 20,5 milhões de automóveis e motocicletas nas principais capitais brasileiras. Só em 2011, no Rio de Janeiro, 11 mil acidentes com motos foram registrados. Já segundo a Guarda Municipal 90% desses acidentes são ocasionados por imprudência no trânsito, um número preocupante, que poderia ser evitado com mais respeito por parte de motoristas e pedestres. Diante dessa realidade, a serventuária da Justiça Elizabeth de Castro, 55 anos, moradora da Tijuca, há dez anos trocou o carro pelo metrô e não se sente arrependida por isso. Pelo contrário. O trajeto de sua casa até onde trabalha, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ), localizado no Centro, chegava a uma hora em meia de trânsito e chateações (com carro). “Eu já chegava irritada com a falta de educação das pessoas na rua e isso só fazia o meu dia ainda mais estressante, com risco de eu acabar tendo um infarto!”, resume. Mas um dia, em plena Presidente Vargas, após se ver espumando de raiva porque o carro da frente não furara o sinal vermelho, Elizabeth decidiu que não queria mais isso para si. “Eu sentia as minhas mãos tremerem e ainda percebi que estava colocando a culpa de todos os meus problemas no cara que não havia avançado um sinal vermelho!”, relembra. Hoje, a serventuária da Justiça leva 15 minutos até a estação onde salta para o trabalho e não se estressa mais com “futilidades” de trânsito, mas reconhece que o transporte público carioca ainda deixa muito a desejar. E é assim que a estudante Larissa Côrtes, 19 anos, moradora de Copacabana pensa. Ela poderia pegar um ônibus até a sua faculdade, mas prefere alugar uma bicicleta para praticar exercício nesse meio tempo. “Já pensei inúmeras vezes em ir de ônibus, mas ele é lotado demais! A infraestrutura dos transportes públicos é precária e com os incentivos à compra de carros, fica difícil lutar por melhorias. Na verdade, eu nem digo isso por mim e sim pela minha mãe e minha irmã, que enfrentam essa situação todo dia”, desabafa.


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REVISTA VEIGA MAIS • Nº 18 | Ano 12 | 2º semestre de 2014 Foto: Isadora Keidel

Do asfalto às calçadas

Mas a guerra pelas ruas não para por aí! Ciclistas, sem espaço para circular tranquilamente, acabam por dividir as calçadas com pedestres, alguns até os atropelam pelo caminho, e há os que se arriscam pelas ruas e acabam atropelados pelo trânsito. Em grandes cidades como o Rio de Janeiro, o incentivo ao uso da bicicleta – usando como apelo princípios de um estilo de vida mais sustentável, mais saudável e mais econômico – como um meio alternativo de transporte é grande. Só pelas ruas cariocas são cerca de 1,8 milhões de viagens por dia de bicicleta, e, de acordo com dados da prefeitura, só no projeto Bike Rio, já são 150 mil usuários cadastrados e 4 mil viagens por dia. Mas há um detalhe: onde estão as ciclovias?! No Rio, existem somente 305 KM de ciclovias, sendo 150 KM consideradas “de lazer”, e até 2016 a meta é de 450 KM construídos, segundo a Secretaria do Meio Ambiente – responsável pela elaboração da malha. O objetivo é ligar as que já existem com as linhas de metrô, porém há um defeito nessa política que visa incentivar o uso de transportes alternativos como a bicicleta: a distribuição dessas faixas é desigual – elas se concentram na Zona Oeste, com 188 KM, na Zona Sul e Centro, com 89 KM ao total, e na Zona Norte, com 29 KM. Somente 42 dos 159 bairros da cidade têm pistas exclusivas para bicicletas – e até 2016 o Bike Rio deve inaugurar mais 200 estações. Entre os bairros indicados para receber as novas bicicletas - isso sem mencionar a Zona Sul, o Centro, a Tijuca e o Maracanã, que já têm espaço exclusivo para ciclistas - estão Vila Isabel, Grajaú, Engenho Novo, Méier, Praça Seca,

Dicas para não ter problemas no trânsito • Saia de casa com um bom tempo de antecedência, para evitar os atrasos; • Escolha caminhos alternativos. Trafegar por avenidas movimentadas durante o horário de pico é aumentar as chances de aborrecimentos; • Procure mentalizar boas ideias enquanto estiver no trânsito. Pensamentos ruins podem deixá-lo ainda mais irritado ou cansado; • Faça exercícios respiratórios. Inspire o ar, prenda-o por alguns segundos e solte-o em seguida. É uma boa maneira de se acalmar. Fonte: DETRAN

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Carros estacionados em frente a descida para cadeirantes é comum na cidade do Rio

São Cristóvão, Curicica e Madureira, ainda sem ciclovias e nem ciclofaixas para receber os novos veículos. Diante dessa situação, a população sofre com a falta de estrutura planejada para receber as “magrelas” como meio de transporte cotidiano. Foi o que ocorreu com a estudante Larissa. Ela voltava da faculdade, pedalando pelo canto da rua seguindo a direção do fluxo – como orientam as leis de trânsito –, e foi surpreendida por um carro que a jogou em cima da calçada perto do cruzamento de pistas, na altura da Siqueira Campos com a Barata Ribeiro. Ela caiu da bicicleta, não recebeu de socorro por parte do motorista, e sofreu consideráveis arranhões. “Eu me sinto impotente! O transporte público é ruim, não tenho espaço para circular de bicicleta, o trânsito é insuportável e ainda não sou respeitada na rua”, extravasa, ao lado da amiga, que também já passou pela mesma situação há cinco meses, na altura da Rua Santa Clara. Com medo de enfrentar a descaso de carros, ônibus e vans, ciclistas resolvem tomar conta das calçadas. Diante disso, pedestres são obrigados a dividir seu espaço com as bikes - que muitas vezes acabam impossibilitadas de utilizar as ciclofaixas, pois já estão ocupadas por carros que as fazem de acostamento ou estacionamento – e também com outros veículos que ou resolvem parar o automóvel nas calçadas, obrigando esses pedestres a arriscarem suas vidas pelas ruas para conseguirem prosseguir seus caminhos, ou as utilizam para cortar o trânsito. Foi isto que a estudante Leonor Carapito, 21 anos, vivenciou no fim de 2012, quando caminhava para sua aula de violão, na Rua Conde de Bonfim. A bicicleta veio por trás e o guidão a acertou no braço, deixando uma marca roxa. “Fiquei imaginado se isso tivesse acontecido com a minha avó! Ele nem voltou para ver se eu estava bem ou coisa do tipo. Simplesmente seguiu em frente e ainda me xingou”, reclama.

Já com o técnico em eletrotécnica Felipe Guimarães, 24 anos, a surpresa foi um motoqueiro que trafegava pela calçada da Avenida Presidente Vargas, na altura da estação de metrô, em pleno horário de almoço em uma segunda-feira. Ele e diversas outras pessoas caminhavam tranquilamente, quando o rapaz da moto começou a buzinar e a gritar para todos saírem da frente que ele queria passar. “Ele já estava errado e ainda cheio de grosseira, ai eu não resisti, tive que reclamar com o cara! Até quando teremos que conviver com essa falta de respeito?”, desabafa. Felipe afirma já ter visto motocicletas cruzarem passarelas de pedestres em Bangu, bairro onde morava. Até hoje não existem pesquisas ou datas marcadas no calendário oficial para um possível fim ao desrespeito generalizado. Já quanto a soluções, há quem arrisque palpites. O policial militar Philipe Soutinho aposta no aumento de policiamento nas ruas. Ele acredita que, com isso, as pessoas se sentirão “retraídas” ao desrespeitar alguma lei ou algum indivíduo. “O patrulhamento na época dos jogos da Copa das Confederações foi ideal!”, afirma. De acordo com dados de reportagens publicadas no site da Terra e no jornal O Dia, só na noite do jogo realizado no Maracanã, 10 mil policiais foram recrutados – o dobro da soma do policiamento em dias cotidianos no Rio de Janeiro e Niterói. Já o diretor de Educação para o Trânsito da CET-Rio, Mauro Ferreira, em entrevista à Psigma, afirma acreditar nas campanhas para crianças sobre educação no trânsito com o Projeto A CAMINHO DA ESCOLA, criado desde 2011. “Outro dia, meu filho me repreendeu porque eu escovava os dentes com a torneira aberta. As crianças acabam servindo de multiplicadoras de boas práticas, pois elas as ouvem, aprendem e repassam”, explica. Diante de inúmeras promessas e projetos que buscam


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS incentivar uma melhor convivência, pedestres, ciclistas e motoristas aguardam ansiosos por medidas que, de fato, resolvam considerável parcela dos problemas enfrentados dia após dia em ruas e calçadas cariocas. Claro que não se pode esperar uma melhoria total no comportamento

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da população. Afinal, todos têm o direito de acordar mal e não ter um bom dia. Porém, um pouco de paciência pode evitar muitos transtornos que uma palavra atravessada ou um gesto mal intencionado possa causar. Como já dizia o Profeta, “gentileza gera gentileza”.

Transite eticamente • Patrícia Pereira Moraes •

A ética deve estar presente no dia a dia, mas nem todos sabem realmente o significado dessa palavra. Ela é o estudo dos valores morais e princípios ideais do comportamento humano, está relacionada à conduta das pessoas em sociedade. Age-se eticamente quando pensa-se na segurança ou por receio de punições legais. Se você toma qualquer atitude que prejudique outras pessoas, está sendo antiético. Na rotina do trânsito, é comum criticar atos de motoristas e pedestres que colocam em risco sua própria vida e a dos outros ou causam acidentes. Invariavelmente, rotulamse estes atos nocivos, mas dificilmente julgam-se as próprias atitudes. A verdade é que, diariamente, são praticadas ações que fogem da ética, mesmo que seja sem perceber. Agir com consciência e usar o bom senso são práticas que devem ser exercidas a todo momento. Porém, o número de acidentes causados a partir da falta de ética dos que transitam nas ruas ainda é muito alto. A maioria das pessoas, um dia, já dirigiu com excesso de velocidade, jogou lixo pela janela do veículo, pedalou na contra mão, atravessou fora da faixa, avançou sinal vermelho ou tomou aquele choppinho e achou que não teria problema nenhum em pegar no volante depois. A grande dificuldade está em reconhecer seu próprio erro: é mais cômodo atribuir aos outros os problemas relacionados ao trânsito. Mas tudo começa a melhorar a partir do momento em que cada um faz sua parte. Muitas transgressões no trânsito podem parecer irrelevantes, porém, são capazes de desencadear graves acidentes. Atualmente, cerca de dois milhões de pessoas morrem por ano no Brasil vítimas da imprudência no trânsito. “Os dois principais fatores que influenciam no crescimento da taxa de mortalidade no trânsito são a relação ‘comportamento e segurança dos usuários’ e o excesso de velocidade”, relata o Presidente do Contran e Diretor do Denatran, Júlio Ferraz Arcoverde. Jovens entre 18 e 25 anos são considerados o grupo mais vulnerável e de maior exposição ao risco de acidentes. A principal causa é a imprudência. As estatísticas mostram que a sinalização e problemas no

veículo representam muito pouco em comparação à falta de atenção no trânsito, responsável por até 70% dos acidentes. Caroline Nogueira, 23, estava voltando de uma casa de shows na rodovia Presidente Dutra com o namorado, 26, dirigindo e uma amiga, 22, todos alcoolizados. O rapaz perdeu o controle do carro, que estava em alta velocidade, e colidiu com a mureta. Caroline e a amiga, que estavam sem cinto, ficaram gravemente feridas, ambas com fratura no fêmur. O namorado sofreu somente arranhões no rosto. O carro deu perda total. Este episódio fez com que a moça refletisse e desse mais valor a própria vida. “Eu não sabia que beber e dirigir era tão perigoso até ver a minha vida inteira passar diante dos meus olhos naquele dia. Não vale a pena pôr a vida em risco por tão pouco”. Casos como o de Caroline são a razão dos órgãos responsáveis criarem diversos métodos para que a ética no trânsito seja aplicada de maneira obrigatória. O brasileiro, de forma geral, apenas aplica a ética se “sentir no bolso” as punições por seus erros. Até mesmo os equipamentos utilizados para punir os motoristas infratores são pagos por meio de impostos, e esses mesmos aparatos de fiscalização e disciplinamento do trânsito existem em virtude da negligência das pessoas. A responsável pelo setor de Educação no Trânsito do Detran, Márcia Rezende, explica que iniciativas como a Lei Seca e a blitz educativa, criadas pelo departamento, servem para punir os condutores que dirigem após ingerir bebida alcoólica ou como forma de conscientizar a população sobre os riscos e as responsabilidades de cada cidadão no trânsito. “Passamos orientações sobre a campanha ‘se beber não dirija’, faz entrega de cartilhas e panfletos informativos para as pessoas”. Apesar das iniciativas, a realidade da cidade do Rio ainda é precária quando se fala em ética e muito é preciso fazer para que mude. Ainda é possível encontrar muitas pessoas que não respeitam as regras básicas de convívio ou até insistem em não segui-las, mas se esquecem que suas atitudes podem refletir nas outras pessoas, pois se vive em sociedade. Quando uma pessoa age com gentileza, leva os outros a serem gentis

O QUE PODE E O QUE NÃO PODE SER FEITO NO TRÂNSITO? • Buzina serve para... Alertar e não extravasar a raiva ou comemorar títulos de futebol. • Seta serve para... Avisar, tanto ao carro que vem atrás quanto ao pedestre, que você irá entrar à direita ou à esquerda. • Lugar de bicicleta é na... Ciclovia! As leis de trânsito admitem que ciclistas circulem no canto das ruas em direção ao fluxo, mas o ideal é uma faixa específica para esse meio de transporte. • Lugar de parar o carro é no... Estacionamento! Nada de deixar o carro em faixa dupla, em lugares proibidos ou em calçadas. • Ônibus e vans devem pegar passageiros no... Parar em lugares não apropriados para pegar passageiros atrapalha o trânsito e ainda pode tirar pontos na carteira. • Falar ao celular... em qualquer lugar, menos na direção do automóvel! • Lugar de moto é na... Pista como se fosse um carro comum e não fazendo corredores, pegando a contramão ou nas calçadas. • Pedestre deve atravessar a rua na... Faixa! Não custa nada, né?

também. Desta forma, não seria necessário que fossem criados tantos meios de punição para os que não “andam na linha”. Cabe a cada um entender que atuar eticamente não representa ser “certinho” ou “Caxias”, rótulo que muitos não gostam de receber. Ser ético é muito mais do que não roubar. Ser ético representa ser alguém que não precisa de fiscalização para o cumprimento das normas. É respeitar o direito do outro, ser íntegro, não infringir leis e passar seu bom exemplo adiante.


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Comércio cria regras para melhorar atendimento • Jhaniffer Rodrigues •

Na esteira de uma sociedade cada vez mais consumista, ela é uma das atividades que mais crescem no mundo. Mas exatamente por isso, demanda uma ética que a regule. A representação comercial no Brasil tornou-se uma profissão regulamentada a partir de 9 de dezembro de 1965, com a publicação da lei 4886/65, que regularizou as atividades de autônomo e empresas representantes do comércio no país. A partir daí, foi criado o Código de Ética e Disciplina para esta atividade que tanto contribui para a movimentação da economia do país: o comércio. Para que haja desenvolvimento e crescimento em uma loja, é necessário montar e estruturar uma equipe e frisar sempre que o trabalho de um complementa o do outro. É preciso que haja um acordo nas divisões das tarefas e que os direitos e deveres a serem cumpridos estejam bem estabelecidos. Se há uma equipe estruturada e alinhada com os princípios da organização da loja, existirá uma possibilidade maior de a empresa se sustentar em suas convicções, para que não abale suas estruturas. Quando a ética está presente, a empresa oferece maior nível de produção, favorece a criação de um ambiente de trabalho harmonioso, respeitoso e agradável e aumenta a confiança entre funcionários. A busca por espaço e a incansável competição entre lojas e marcas destaca características particulares do ser humano, levando muitas vezes a duvidar do caráter de algumas pessoas. Existe ainda a concorrência entre vendedores dentro de loja, para atender aos melhores clientes, alcançar maiores resultados e atingir a qualidade no atendimento. Renata Nascimento, vendedora em uma loja conceituada, explica que existe um sistema de vez entre os vendedores. Seus nomes são ordenados em uma lista que determina a ordem de atendimento aos clientes. “Nós, vendedores, sabemos como é importante respeitar a vez, principalmente em uma loja grande, com muitos vendedores e um fluxo intenso de clientes. Nós ganhamos dinheiro se vendermos, e todos estamos aqui para ganhá-lo, mas sem passar por cima de ninguém. Se cada um trabalhar com ética e respeito com seu colega de trabalho, evitam-se problemas futuros”. Além da ética de funcionário para funcionário, ainda deve existir a preocupação com o prejulgamento em relação aos clientes. Vender um serviço ou um produto vai muito além de apresentar as vantagens e convencer o consumidor. Antes de tudo, é preciso agir com ética. Julgá-lo pela roupa ou pela aparência

demonstra um comportamento antiético e desrespeitoso. Agir de forma sincera com o cliente, oferecer um bom atendimento e um tratamento diferenciado, vender o produto com um preço justo, não aumentar e logo depois diminuir os preços para forjar uma promoção e assim atrair clientes, enganando–os, são comportamentos que fazem parte de uma conduta ética construída pela empresa, que faz com que o estabelecimento ganhe a confiança do cliente, criando uma boa relação consumidor/loja. Para algumas pessoas, os valores morais e éticos passaram a ser subjetivos, ou, o que é pior, flexíveis. Podem ser mudados de acordo com a conveniência de cada um. E nessas horas, a omissão do líder da empresa na missão de implantar e garantir a ética, pode acarretar grandes problemas na estrutura da instituição, seja na relação entre empresa e empregados, fornecedores, sociedade e com o meio ambiente. Em uma loja, o caráter de quem a gerencia é um fator determinante para definir o comportamento da equipe.

Apenas é preciso que eles entendam que a ética deve existir primeiramente com os companheiros de trabalho, para que, assim, possam também exercê-la com o cliente Marcelo Antunes O consultor de vendas Pedro Albuquerque afirma que uma boa gestão já é meio caminho andado para que tudo flua bem no ambiente de trabalho. “É preciso que nosso gerente seja firme em suas convicções, saiba delegar as funções e estabelecer limites, para que não se torne uma bagunça generalizada”. Pedro diz ainda que, muitas vezes, se sente tentado a burlar as regras para atender a um cliente que ele sabe que compra bem, sem estar na sua vez, mas admite que quando os conceitos são bem estabelecidos, a consciência o leva a fazer o certo. Os princípios da instituição devem ser seguidos desde as negociações comerciais até seus funcionários.

Muitas vezes, o vendedor pode ser induzido ao erro pela política da empresa, o que interfere diretamente na reputação do consultor de vendas e da organização. Segundo Marcelo Antunes, gerente de uma loja de grande porte, todo vendedor recebe um treinamento específico para se familiarizar com os produtos e se adequar às normas da empresa. Com o quadro de 15 vendedores, Marcelo admite que é difícil administrar uma loja com tantas pessoas de personalidade e educação diferentes, mas que procura priorizar a política da empresa, equilibrando com uma rotina tranquila e saudável junto aos funcionários. “É importante que fique claro no momento da contratação que a empresa tem regras que precisam ser cumpridas, mas nada de uma maneira que deixe o ambiente tenso e pesado. Apenas é preciso que eles entendam que a ética deve existir primeiramente com os companheiros de trabalho, para que, assim, possam também exercê-la com o cliente.” O conceito de ética é levado em consideração desde o início de um processo seletivo. É importante que o candidato à vaga, seja ela qual for, acalente desejos de crescimento, mas tenha em mente que trabalho em equipe exige respeito pelo próximo, divisão de tarefas e compreensão de que terá que lidar com pessoas de diferentes personalidades. São características que contam muito para critérios de uma seleção. Um exemplo disso vem de Mauro Cardoso, dono de duas franquias de uma conceituada marca de calçados e acessórios no mercado de alta moda. Ele afirma ser bem criterioso na escolha de seus funcionários e garante que procura cuidar pessoalmente dos processos seletivos, buscando pessoas que realmente precisem do trabalho, sejam comprometidas e queiram crescer. Mas deixa escapar que procura, sim, consultores com certo grau de ambição. “Gosto quando meus consultores recebem bem. É um sinal de que está fluindo e o negócio está dando certo. Não acho certo passar por cima dos conceitos de certo e errado para alcançar os objetivos, mas estimulo uma competição saudável para o crescimento do funcionário e da empresa“. A sociedade está cada vez mais competitiva. As pessoas passam por cima uma das outras, sem levar em consideração os conceitos de certo e errado, pensando apenas em benefício próprio. Mas é preciso pesar até que ponto vale a pena deixar de lado princípios éticos e se corromper por uma venda a mais. Quando a ética é o produto em destaque, todos ganham.


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

Como conviver no trabalho com as diferenças de cada um? • Fátima da Silva Lima •

A rotina é sempre a mesma. Acordar cedo, pegar o transporte público, chegar ao trabalho – ali passar boa parte do seu tempo –, se relacionar com as pessoas, cumprir suas obrigações, voltar para casa e, no dia seguinte, começar tudo de novo. Isso acontece de segunda a sexta-feira, ininterruptamente, faça chuva ou faça sol. Este ambiente não é a casa, nem um lugar em que se opta por ir passear, mas o local de trabalho. Lá, se conhecem pessoas, que podem ou não realizar o mesmo trabalho que o seu; que trabalham na mesma sala, ao lado ou não; com as quais é possível se identificar ou não; que chegam e saem no mesmo horário; e, que, quem sabe, podem ser chefes de setor. Tudo isso exige do indivíduo um relacionamento, uma postura, uma forma de ser, uma conduta. Falar de ética no trabalho é estar diante do cotidiano, do dia a dia, e avaliar suas opções. Mas será que todos sabem o que é ética, como proceder? E o que é trabalho? O dicionário diz que é a “atividade produtiva ou criativa exercida para determinado fim”. E ainda pode-se dizer que é o trabalho que faz com que o indivíduo demonstre ações, iniciativas, desenvolva

habilidades, e que é no exercício da profissão que ele também poderá aperfeiçoá-las. O trabalho faz com que o homem aprenda a conviver com outras pessoas, com as diferenças, a deixar de ser egoísta e começar a pensar na empresa, e não apenas em si. Para o professor e sociólogo Robson Rodrigues de Paiva, “o trabalho, de acordo com Karl Marx - um dos fundadores da sociologia -, filosoficamente, seria um dos mecanismos usados pelo homem em sua “autoprodução”. Diferentemente de outros animais, a espécie humana, por ter consciência e vontade, produz seu próprio ambiente, seu próprio mundo, ou seja, sua condição humana não é idêntica à atividade vital. Neste caso, pode-se dizer que o trabalho é uma necessidade humana. Ou, seja, é no trabalho que se convive diariamente com o diferente, e neste ambiente aprende-se o respeito para melhor viver. Afinal, é o lugar em que a pessoa passa a maior parte do tempo. Por isso, ouvir e estar atento ao outro são formas de saber viver bem nestes ambientes, afirma Raphael Freire, 25 anos, jornalista na empresa de comunicação da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Foto: Leo Cinezi (Free images)

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“Sempre sou muito respeitoso e colaborativo. Falo com todos, ouço todas as opiniões, tento aprender com os de mais idade, ajudo sempre que possível a todos, mas também me coloco na perspectiva de ser ajudado, de ser ouvido e valorizado profissionalmente”, afirma. No livro “Um convite à Filosofia”, Marilena Chauí diz que “a ética refere-se a nossa disposição de agir, nas diferentes situações por que passamos em nossa vida cotidiana. Ainda que designe as ações individuais, a ética compreende também a dimensão dos valores, dos costumes e da moral”. Portanto, a cultura na qual o ser humano é formado serve como uma espécie de enquadramento moral, por meio do qual se pautam ou não as ações. Portanto, saber conviver com aquele que não veio do mesmo lugar, da mesma cultura, dos mesmos costumes, é uma ação social capaz de ser realizada por todo homem. Mas nem sempre isso é fácil, embora não seja impossível. Raphael Freire, 25, e Luzia Simonassi, 42, trabalham no mesmo lugar, em setores diferentes. Ambos passaram por situações complicadas e, sem se conhecerem, fizeram a mesma opção: além do diálogo, buscaram dar o melhor de si, diante das situações mais conflitantes. De acordo com a psicóloga Vivian Felice Moreno, os conflitos surgem quando há desmotivação, falta de senso de equipe, competitividade negativa, insubordinação e fofoca no setor de trabalho. Alexandre Costa viveu algo parecido. Como chefe de um setor num sistema de comunicação da Arquidiocese do Rio de Janeiro, passou por uma situação até precisar demitir a funcionária. “Ela começou a me insultar, a não realizar seu trabalho de rotina. Entrou nas minhas pastas do sistema e tentou copiar assuntos que pudessem me comprometer. Conversei e foi demitida”, revela. Ele ainda diz que a dificuldade faz parte do crescimento profissional e lidar com pessoas diferentes, com culturas diferentes, faz com que seu trabalho seja um desafio diário. “Saber conversar ou entender as dificuldades de cada um faz parte do crescimento profissional”. Vivian aponta a educação adquirida em casa, em família, como um fator um bom aliado para o convívio. “Realmente, a família é a base de tudo, porque é nela que aprendemos a lidar com a diversidade que existe na vida, porque cada ser humano é único na sua forma de ser e existir”, afirma. A educação é essencial não só quando é testemunhada pelos pais, para que o ser humano crie asas para o mundo, mas também quando é fortalecida pela escola, que amplia a visão do conhecimento. Todas as relações devem buscar excelência na troca de experiências da vida e da cultura em que se nasce. Quando o individuo tem esta visão diferenciada para a vida, tudo o que se dispõe a fazer e a vivenciar torna-se sadio, até mesmo na atuação profissional.


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Ética no concurso é deixada de lado em vários casos Foto: Zenite Machado

• Gustavo Arêas Portella •

Denise Lopes, 40 anos, professora de Língua Portuguesa, resolveu prestar concurso para a Prefeitura de Japeri, a 70 quilômetros do Rio de Janeiro, pois buscava um emprego público que garantisse a estabilidade. Ela não imaginava, porém, que a seleção seria marcada por irregularidades e conta alguns problemas que presenciou no dia em que fez a prova. De acordo com a docente, além dos erros de gramática e concordância, entre outros, na elaboração das provas, na sala ao lado da dela houve uma confusão muito grande, pois os candidatos às vagas de Matemática e Psicologia não tinham recebido os exames. Denise encontrou uma amiga, que não conseguiu fazer a prova de Psicologia, e as duas foram juntas à delegacia registrar a queixa e fazer o Boletim de Ocorrência (BO). “Ainda na escola, às 11 horas, um homem entrou dizendo que era da Fundação Benjamin Constant (instituição organizadora do concurso) e iria aplicar os exames que estavam faltando. Em suas mãos, havia vários pacotes de provas, mas os cartões-resposta estavam soltos e as folhas caindo de suas mãos”. Casos como o que Denise Lopes presenciou não são raros no Brasil. A falta de consideração de alguns órgãos públicos que promovem essas seleções e também das instituições que as organizam é grande perante os candidatos que se interessam pelas vagas. Tais atitudes das bancas e dos órgãos que as contratam colocam a ética dos concursos em xeque, já que não garantem a isonomia, ou seja, a igualdade para os candidatos. Provas mal elaboradas e em falta para alguns participantes são, no mínimo, uma falta de respeito com quem pagou uma taxa de inscrição. Além disso, a possibilidade de ter ocorrido fraude é tida como grande por muitos especialistas. Outra vítima desta falta de ética, Leila Kobylinski, 62 anos, professora de Ciências, também prestou concurso para a Prefeitura de Japeri. Ela ficou indignada com o que aconteceu na seleção. “Houve uma falta de respeito muito grande com os candidatos. Havia questões com respostas iguais e mal elaboradas, erros de português e de concordância, falta de palavras destacadas nos enunciados, entre outros problemas. Nós estudamos, nos preparamos confiando na instituição que realiza o concurso e o organiza, mas, infelizmente, eles agem de má fé”, considera.

Concursos não têm uma lei que os regulamente

Candidatos indignados como Leila não têm uma lei que os proteja. De acordo com o advogado especialista em concursos públicos, José Duarte Correia, não há uma lei que regulamente amplamente a realização dessas seleções no Brasil, porém, ele chama a atenção para o Decreto 6.944/09. “Esse decreto merece referência e uma boa leitura, porque resolve várias questões interessantes que já foram problema um dia. Além de regras eventuais existentes nele, os princípios constitucionais balizam o comportamento dessas instituições, como questões relativas à publicidade, moralidade, isonomia e eficiência”, explica. O decreto citado por Correia estabelece medidas organizacionais para o aprimoramento da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, sobre normas gerais relativas a

Se o candidato observa alguma irregularidade, ele deve denunciar ao Ministério Público Paulo Estrella

concursos públicos. O documento tem a função de organizar as atividades de organização e inovação institucional do Governo Federal. Mesmo com as regras disponíveis no decreto, são muitos os casos de falta de ética nos concursos. Ainda de acordo com o advogado, entre os exemplos de irregularidades, estão o vazamento de gabarito, o favorecimento com pontuação adicional para quem morar na cidade e o prestígio à experiência que só terceirizados, que já trabalham no respectivo órgão, poderiam ter, entre outros. “Na minha visão, irregulares são todos os atos que quebrem a lisura e a isonomia na disputa”, considera. O especialista conceitua também a falta de ética. “O conceito é social e tangencia o terreno da filosofia. Apontaria, porém, tudo aquilo que agride o senso comum da honestidade e a tudo que a esse sentimento se referir”. Outro possível caso antiético ocorreu no concurso para o cargo de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), do Ministério do Planejamento. A seleção foi regida por um edital, que previa a supervalorização da experiência profissional em atividade gerencial, com pontuação de até 150 pontos, três vezes mais do que as outras atividades. Tal regulamento, para muitos candidatos, foi caracterizado como uma suposta manobra do Planejamento


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Foto: Gustavo Portella

para contratar terceirizados e comissionados, que já atuavam na pasta. Também contra as regras do edital da seleção, a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas (Anesp) entrou com uma ação, pedindo, justamente, a revisão do documento. Na ocasião, o concurso chegou a ser suspenso pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Dias depois, porém, a seleção voltou a se desenvolver normalmente. O Ministério do Planejamento rebateu as críticas dos candidatos, alegando que a iniciativa foi uma inovação no concurso, fruto de uma análise criteriosa dos resultados das seleções anteriores, das necessidades da administração pública e dos perfis necessitados para assumir responsabilidades imediatas, além do perfil do cargo. Esse exemplo demonstra outra possível falta de ética. Talvez o Ministério do Planejamento realmente tenha agido com o objetivo de ter melhores candidatos aprovados, porém, a ideia de ‘reserva de mercado’, que ocorre quando o órgão público contrata terceirizados, cedidos e comissionados, que já trabalham ali, é tida como provável. Esse tipo de atitude também não é amparado por uma lei, mas também não é considerado legítimo.

Assumir o erro é sempre o melhor caminho

Se possíveis manobras assustam candidatos de todo o país, questões iguais a seleções anteriores, presenciadas em concursos públicos, também são motivo de desconfiança. Um exemplo recente aconteceu no concurso para AnalisFoto: Gustavo Portella

. . .Segundo Correia, não há uma lei para concursos públicos

ta em Tecnologia da Informação, também do MPLOG. A organizadora, Fundação de Apoio à Pesquisa, Ensino e Assistência (FunRio), repetiu sete questões do caderno de provas da seleção para a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Na ocasião, a instituição assumiu o erro, alegando que um professor escolhido pela banca terminou por copiar questões de sua própria autoria, e anulou as questões. Nesse exemplo, se percebe uma atitude antiética, mas o fato de a organizadora ter assumido o erro e dado solução ao problema demonstra a transparência daquela instituição. Se todas as organizadoras e órgãos públicos assumissem erros que cometem, a falta de ética seria bem menor nessas seleções. Se a FunRio foi transparente e assumiu o erro que cometeu, órgãos públicos, quando contratam essas instituições para organizar seus concursos, também agem, em muito casos, de maneira antiética, sem assumir as irregularidades. É o que explica o especialista em concursos Paulo Estrella, que destaca a possível falta de exigência de uma licitação para a contratação de uma instituição. “Dar preferência a uma determinada banca para a organização de um concurso por causa da experiência é bastante subjetivo, já que mesmo as grandes organizadoras cometem erros e colocam concursos a perder. Nesse caso, a escolha da instituição foi feita em bases éticas ou por interesses pessoais?”, questiona. Ainda de acordo com o especialista, as licitações nas quais a escolha acontece pelo menor preço, algo conhecido como ‘pregão eletrônico’, também podem ser prejudiciais e causar danos ao processo seletivo, tanto pela falta de experiência quanto pela falta de dinheiro para operar de modo satisfatório a seleção. “Não acho que as fraudes sejam institucionais, se achasse não trabalharia nesse mercado. Para mim, as fraudes são oportunidades aproveitadas por algumas pessoas que dão pouca importância à ética e à justiça e permitem que o dinheiro tenha mais valor que as pessoas”, considera. Além dos erros na escolha da organizadora de um concurso, no desenrolar da seleção, muitos outros problemas podem ser presenciados. De acordo com Estrella, a grande adversidade é a fraude, que, para ele, nasce da falta de ética. “É a ‘precificação’. Ou seja, se tudo tem um preço, quanto vale uma vaga em um órgão público? Com certeza tem um valor. Se há valor, há mercado, pode ser vendido e comprado. É nesse ponto que tudo fica complexo e a ética de cada um dos atores do processo é posta à prova. O problema é que a impunidade, tão comum em nosso país, também nasce na falta de ética”, explica. Vistos os possíveis erros das instituições e órgãos públicos, os candidatos, porém, devem ser os fiscais

. . . . . . . . . . .Leila teve problemas em um concurso em Japeri

do concurso, já que o interesse é fundamentalmente deles, na visão do especialista. “Se o candidato observa alguma irregularidade, ele deve denunciar ao Ministério Público ou buscar a justiça para garantir a lisura do processo. Esse é o fato que torna o concurso uma instituição segura. O fiscal é o maior interessado. Com a ajuda dos meios de comunicação que divulgam os erros e as fraudes, a população é envolvida e os órgãos e as bancas são forçados a uma definição”, assinala. Além de atuarem como bons fiscais, os concurseiros têm o direito de participar de um processo seletivo exatamente como está descrito no edital, sendo fundamental o conhecimento do documento. É o que acredita Paulo Estrella, que destaca o mesmo para as bancas. O especialista conceitua também a falta de ética. “É quando o interesse pessoal subjuga o coletivo. O que o concurso tem de mais bacana é a igualdade de condições na concorrência de uma vaga. O candidato depende apenas de seu esforço e de sua capacidade de estudar e aprender para se empregar. Qualquer atitude que desequilibre esse processo não é algo ético”, afirma. O que todos, concurseiros ou não, esperam é que o pensamento do especialista seja comum no Brasil, que o país tenha pessoas mais éticas, que se preocupem, a todo instante, em agir de maneira correta, sem ludibriar. Com a população tendo essa consciência, a falta de ética pode ser nula, e, com isso, além de concursos públicos melhores, haverá uma sociedade melhor. Afinal, ser correto e ético é sempre o melhor caminho, em todas as áreas e situações.


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A vida no cárcere privado • Bernardo Silveira •

Ela existe – ou deveria existir – mesmo atrás das grades. Mas é principalmente quando o ser humano se vê privado de sua liberdade que sua falta costuma ser mais sentida. Pois a ética carcerária tem dois pontos de vista. A dos funcionários e a dos internos e, com certeza, elas encontram muitas divergências. Uma pesquisa realizada pela Secretaria Estadual de Direito em maio de 2013 aponta que o número de pessoas presas no Brasil chega a lotar seis maracanãs. São 515 mil presos no país aproximadamente, somente atrás dos EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (700 mil). O Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo. Um dos dados da pesquisa mostra que apenas nove crimes são responsáveis por 94% dos aprisionamentos, entre eles, o tráfico de drogas, com 125 mil presos, e os crimes patrimoniais – furto, roubo e estelionato –, com 240 mil. Nos últimos 20 anos, a população carcerária no Brasil cresceu 350% – a mais alta do mundo. O país também foi o que mais criou vagas no sistema prisional nos últimos anos. Em 1990, havia 60 mil vagas. Em 2013, 306 mil – um aumento de 410%. Apesar dessa amplicação, o déficit hoje é de 210 mil vagas nas 1.312 unidades prisionais. Com esse cenário, fica quase impossível cumprir o Artigo 1º da Lei de Execução Penal (LEP), que atribui ao presídio a função de “proporcionar condições harmônicas para a integração social do condenado”, e também o Artigo 88, que assegura ao detento no mínimo seis metros quadrados de espaço na cela. Na atualidade, na maioria das vezes, ele tem só de 70 centímetros a um metro. O ex-presidiário Lazlo Sento Sé, 24 anos, solto há cerca de um ano, viveu esta realidade. Atualmente, leciona aulas de Boxe e Muay Thai em uma instituição filantrópica e acha que isso é o mínimo que ele pode fazer para tentar afastar crianças, jovens e adultos de terem que passar por um terço do que passou em seus três anos e quatro meses preso. As cadeias são muito diferentes do que se vê em televisões. Muitas vezes, numa cela em que caberiam em torno de 30 presos, acabam ficando mais de 60, em condições sub -humanas. Por isso, a recuperação do cidadão para que ele volte a conviver na sociedade fica cada vez mais difícil. “O dia a dia de um detento é entediante. Você fica sem ter o que fazer e cabeça vazia é a oficina do diabo”, comenta Lazlo. O jovem, que hoje acredita ter conseguido se livrar dos pensamentos ruins e das

más companhias, tentou explicar como funciona o convívio dos detentos com os policiais que estão ali para tomar conta e, com certeza, é muito diferente do que se imagina. “A cadeia é um verdadeiro jogo de gato e rato. Os funcionários pedem um valor X para fazer vista grossa e deixar entrar na cela determinado material e logo em seguida já arrumam um jeito de fazer uma vistoria e verificar se o produto que acabou de entrar já está escondido em algum lugar fácil de encontrar. Digo fácil de encontrar porque se esse policial que negociou a entrada de alguma coisa sair do plantão e outra pessoa encontrar o material, o castigo é pior”.

Quando você vai preso por homicídio, você é o cara lá dentro. Todos te respeitam. Afinal, se você foi capaz de matar alguém na rua, por que não mataria um preso? Charles Belmiro O castigo é uma forma que os policias encontram de punir os detentos ao encontrar algum material proibido dentro do presídio. Essa punição pode ser a perda do direito de visita íntima, a retirada do ventilador ou até mesmo a suspensão da televisão. A ética – ou melhor, a falta de ética - envolvida nas negociações até tenta ser explicada pelos profissionais que lá atuam. Carlos Eduardo Silva, funcionário da Secretaria de Estado de Ação Penitenciária (Seap), justifica: “Acho que devemos dar condições iguais para todos os detentos. Não concordo com o suborno e nem com a facilidade na entrada de coisas ilícitas. Mas não vejo problema nenhum de na cela ter um ventilador ou até mesmo uma televisão”. O agente penitenciário Carlos também aproveita para expor sua opinião e diz que não acredita que o cárcere privado possa modificar um individuo. “Aqui o melhor a se fazer é não deixar se envolver jamais. Os presos tentam negociar o tempo todo, até porque, eles são obrigados a isso muitas vezes. Os subornos são altos e o fato de nós,

profissionais da Seap, não ganharmos tão bem, faz com que muitos se envolvam e acabem comprometendo a dignidade de um grupo todo”. A falta de estrutura que há nas prisões do Brasil, com certeza, é a principal responsável pela mudança ruim de comportamento dos detentos. Até mesmo para comprar uma comida que não seja a oferecida na cadeia é difícil. E até estragar as quentinhas oferecidas aos presos é uma estratégia para que eles precisem comprar comida fora de cela e, consequentemente, favorecer financeiramente o profissional que está de plantão naquela ocasião. A imagem ruim das cadeias e de tudo o que acontece lá se reflete na liberdade de ex- presos e, muitas vezes, leva a dificuldades para arrumar um emprego para tentar recomeçar a vida. O preconceito se dá pela qualidade do sistema penitenciário, que, em vez de recuperar o individuo, acaba despertando nele sentimentos como ira e revolta, fazendo com que passe a enxergar a vida de uma outra forma. Com isso, o prazer em tentar se levantar e recomeçar fica cada vez mais difícil. Ainda existem lugares, porém, que acreditam na mudança e acabam empregando pessoas que já foram presas. O funcionário do hospital do Andaraí, Charles Belmiro, foi preso por homicídio e encontrou muito preconceito ao tentar procurar um emprego. Mas ele não se abateu com a situação, procurou de forma gratuita uma ajuda e conseguiu arrumar um emprego. Mesmo assim, Charles ainda acredita que muitos resquícios da cadeia o amedrontam no dia a dia. “Quando você vai preso por homicídio, você é o cara lá dentro. Todos te respeitam. Afinal, se você foi capaz de matar alguém na rua, por que não mataria um preso? Só que quando você sai, a realidade é outra, ninguém quer empregar um cara que já matou alguém, que ficou preso cinco anos pagando por esse crime. Aprendi poucas coisas lá dentro: aprendi a não falar demais, a ouvir mais do que falar sempre. E aprendi a jogar baralho. Minha família não tinha dinheiro e a única forma de arrumar um trocado lá dentro para comer uma comida de rua ou então beber um refrigerante era jogando ronda”, revela Charles. Ao contrário do que muitos pensam, dentro da cadeia acontece de tudo. Até mesmo tráfico de drogas. As pessoas denominadas “responsáveis” (os líderes) arrumam alguém para vender a droga e, dessa forma, continuam movimentando um esquema que


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS rende dinheiro. Essa remuneração, muitas vezes, é para regalias, e, caso o dentento não possua um recurso para obter produtos que não poderiam entrar nos presídios, ele acaba deixando a ética de lado e pensando na sobrevivência. Virgina Martins, é mãe de “R”, que está preso desde 2004, e as situações que ela vive ao visitar o filho uma vez por mês a deixam chocada cada dia mais com o verdadeiro sistema penitenciário. As primeiras vezes foram complicadas. Ela não aceitava negociar nada e nunca acreditou na palavra do filho de como realmente era o esquema ali. Muitas vezes levou comida de casa, pratos como estrogonofe, nhoque, lasanha... Mas elas nunca chegavam. Os próprios policiais comiam, porque ela se recusava a dar a quantia de R$30 para a refeição chegar até “R”. Isso foi começando a chatear sinceramente Virginia e, por isso, ela resolveu pagar o valor pedido para ver se o filho comentava sobre a comida. No mesmo dia, ela recebeu uma ligação do filho dizendo: “Arroz a piamontese com escalopinho ao molho madeira”.

Negociações e regalias

A ética não é o assunto preferido nas penitenciárias brasileiras e o sistema piora a cada ano que passa. Mais pessoas são presas e muitas delas, que eram até então “inocentes”, saem verdadeiros marginais de dentro das cadeias. O dia a dia se torna um jogo sem fim, no qual o único objetivo é sobreviver. Os presos que possuem recursos financeiros acabam sempre se dando melhor, pois têm uma ferramenta de troca. Um dinheiro em permuta de algum serviço que até então era “proibido”. O exemplo que deveria vir dos funcionários para os detentos acaba sendo deixado de lado e a educação carcerária fica cada vez mais difícil. O sistema penitenciário para menores de idade também enfrenta graves problemas e chega a ser comparado com os presídios para maiores. Nos dias atuais, qualquer criança que está virando adolescente sabe de seus direitos e entende que não pode ficar em um cárcere como Bangu, por exemplo. Por isso, os crimes acabam muitas vezes sendo cometidos por menores que são julgados “inocentes”, mas que, na verdade, sabem muito bem o que estão fazendo. O menor infrator pode ser conduzido para presídios de segurança máxima, como o Padre Severino ou até mesmo o recém-criado Bangu B, destinado a menores reincidentes. Os funcionários que atuam nesse ramo carcerário têm que ter muita paciência, pois o tempo todo são testados por esses menores que têm a consciência de que não podem ser agredidos e nem torturados, como acontece nas prisões. O funcionário da Degase Paulo Vicente, 45 anos, trabalha no instituto Padre Severino

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

Jamais se deve aceitar uma lei contrária à Justiça como regra, pois isto não representa o que quer a sociedade, mas sim o que quer o poder Rômulo Rodrigues há oito anos e acredita que no sistema de lá a quebra no código de ética é muito menor. “Aqui os menores têm mais direitos, banho de sol todo dia, futebol, visita a toda hora. As mães que vêm visitar acabam pedindo de um jeito diferente. Talvez por ainda acreditar em que aquele menino possa mudar de vida e conseguir traçar um rumo. Cabe a nós que trabalhamos aqui darmos uma oportunidade para que eles entendam que não estão em uma colônia de férias e que se estão aqui e não na rua, alguma coisa está errada. Mas aqui ninguém aceita dinheiro para dar regalia para nenhum preso. Todos têm direitos iguais, desde que não ultrapassem os limites”. Ao contrário do que se tem na cadeia para maiores, o castigo com os menores de idade é um pouco mais leve. Ficar sem pegar sol ou jogar bola são os mais aplicados, já que a maioria ali é jovem e tem muita energia para gastar. Para profissionais que atuam em defesa dos que praticam algum crime, não existe diferença entre o menor e o maior, apenas que o mais novo sempre vai ter o recurso da idade para que ainda possa mudar seu caráter e, com isso, se integrar mais facilmente na sociedade. O advogado criminal Rômulo Rodrigues já defendeu algumas pessoas presas, mas garante que só representa aquele cliente em caso de realmente acreditar que a historia é verdadeira e que ele ainda tem jeito. “Infelizmente a história tem demonstrado que nem sempre quem vence é o Direito. Ainda que se verifiquem muitas leis, medidas provisórias, entre outros recursos, claramente contrárias ao mundo da essência, ou seja, contrárias à justiça, à legalidade, e até ao razoável, é preciso que se tenha em mente que se trata de um atalho disforme, de um equívoco, de uma exceção. Jamais se deve aceitar uma lei contrária à Justiça como regra, pois isto não representa o que quer a sociedade, mas sim o que quer o poder”, fala Rômulo.

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O papel do “Direitos Humanos”

Outro órgão que costuma defender muito essa ética carcerária é o de direitos humanos. Muitas vezes, representantes são chamados em prisões para negociar algo que fugiu do controle e até mesmo para evitar uma rebelião ou algum protesto mais sério. O representante da defesa do Direitos Humanos, Gabriel de Luna, acredita que enquanto os funcionários não praticarem as filosofias implantadas por eles, vai ser cada vez mais difícil usar os direitos humanos nas cadeias. “A cela não comporta o total de apenados, os agentes penitenciários não têm formação adequada e tampouco há ética no cotidiano com o preso; muitas vezes desrespeitando princípios básicos de Direitos Humanos e das Garantias Fundamentais”. O diretor do presídio Visconde de Piragibe, Mauro Leão, garante que medidas já estão sendo tomadas para que os presídios sejam melhores ou pelo menos deixem de piorar. Segundo ele, o Departamento Penitenciário Brasileiro vem realizando um programa nacional de formação e aperfeiçoamento do servidor, mediante convênios com o Estado, cursos de formação do pessoal penitenciário e de extensão universitária para diretores e pessoal de nível superior, juntamente com cursos de especialização e pós - graduação do pessoal do sistema penal em todo o território nacional. A finalidade é, justamente, evitar que os Princípios Éticos fundamentais e da Dignidade Humana sejam moralmente feridos por pessoas não especializadas. Enquanto isso não ocorre, as prisões são cenários de constantes violações dos direitos humanos e, consequentemente, dos direitos dos presos. Têm sido cada vez mais frequentes o enfrentamento entre presos e carcereiros, assim como brigas de ajuste de contas entre os próprios presos. Diante das lamentáveis condições penitenciárias, o discurso que prega a reclusão como forma de ressocialização de criminosos não passa de palavras ao vento. Cabe ao cidadão manter vivo o desejo de Justiça, o desejo de fazer da sociedade um espelho do mundo, pois o homem não pode viver sem a sociedade, e, sem o homem, não há sociedade. Há um tempo, um político chamado Leonel de Moura Brizola, em um de seus discursos polêmicos, acabou profetizando. Ele comentou que na realidade que o País estava vivendo, era melhor que se construíssem escolas para não ter que construir presídios. No momento desta “profecia”, o Brasil contava apenas com uma cadeia e as escolas eram em sua maioria públicas e com ensino diferente do de hoje em dia. Se ele fosse vivo, certamente lamentaria: sua profecia virou uma triste realidade que é preciso reverter e transformar.


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A falta de ética no tratamento dos idosos Foto: Tim & Annette (Free images)

• Tamara Alves •

O envelhecimento da população brasileira é uma realidade que vem se desenhando ao longo das últimas décadas, com aumento significativo do número de idosos em relação à população jovem. A população com mais de 60 anos deverá ultrapassar a marca de 64 milhões de pessoas em 2050 no País, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o respeito e a ética na relação e no tratamento dos idosos não têm acompanhado este crescimento no número de pessoas na chamada “Terceira idade”. O idoso deveria gozar de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral para a preservação de saúde física e mental e o aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar a ele, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à educação, à cultura e à alimentação. Não é isso, porém, que se vê em muitos casos. As agressões aos mais velhos podem ser visíveis – quando é possível identificar lesões, traumas, furtos – ou não-visíveis – quando causam distúrbios psicológicos, medos, angústias, solidão. Essas crueldades são realizadas por meio de abusos físicos, como dar tapas e beliscões e provocar queimaduras, ou por humilhações e ameaças de punição, como trancá-los em local escuro, sem comida. Os idosos mais vulneráveis aos maus tratos são os que possuem dificuldade de locomoção, os que precisam de auxílio na higienização e, principalmente, aqueles que sofrem com alterações de sono, déficits cognitivos, incontinência urinária. Situações que representam risco elevado são comuns quando o agressor é dependente econômico do idoso. Josivaldo Cunha, aposentado, 80 anos, passou por isso. “Meu genro me ameaçava, eu comia fora de hora, esqueciam de me dar remédios. O dinheiro, que é meu de direito, ele pegava e comprava coisas para ele e minha filha não fazia nada. Só penso em voltar para casa se ele sair de lá”, afirma o idoso, que precisa de cuidados especiais desde que sofreu um derrame no ano passado, e optou por morar em um asilo. O promotor Alexandre Bezerra, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, salienta que o dinheiro da aposentadoria costuma ser o principal motivo

de tamanha brutalidade. “O idoso sofre esse tipo de violência porque ele detém a capacidade financeira. A gente encontra aí uma dificuldade muito grande na questão do emprego e da renda e, por isso, esses idosos são manipulados e furtados, por assim dizer. No caso, se o idoso for para um asilo, o familiar para de receber e esse abrigo passa a administrar o dinheiro para alimentação, higienização”. A ex-professora de aula particular, Sônia Moura, de 67 anos, tinha uma vida agitada, adorava caminhar, ir à feira todo fim de mês, mas agora se vê trancada em casa. “Por incrível que pareça, há dez anos, não me sentia tão mal assim. Se soubesse que ia chegar à velhice desse jeito, em uma cadeira de rodas, necessitando que meus familiares façam as coisas para mim, preferia não ter chegado”. Casos como o de Josivaldo e Sônia são frequentes e hoje em dia, os locais de atendimento a idosos são insuficentes. Em muitos casos, essas pessoas tornam-se frágeis e, em meio a tamanha violência, acabam nas mãos de cuidadores perversos ou morrendo. O programa de televisão Fantástico exibiu recentemente um quadro chamado “Vai fazer o quê?”, simulando um idoso sendo maltratado por sua cuidadora em plena praça pública. Algumas pessoas foram indiferentes à cena e outras se revoltaram. Pois o cuidador de idosos é o profissional que trabalha com a população da terceira idade, fazendo o elo entre o idoso e a família e os serviços de saúde, e deveria tratar bem os idosos de quem cuida. O Estatuto do Idoso (nº 10.741/03) dispõe em seu artigo 9º que “é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permi-

tam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade” e amplia os direitos dos cidadãos com idade acima de 65 ano. José Eduardo Ferreira Ielo, Delegado de Polícia titular da Delegacia do Idoso da Capital, preocupa-se com o futuro caso não só as leis, mas principalmente a ética no taro com o idoso não seja cumprida. “O Brasil é um país que está envelhecendo. Com o desenvolvimento da medicina, a expectativa de vida, que gerava em torno de 50 anos, daqui a pouco será de 80 anos”. Hoje, no Brasil, o amparo legal existe para combater os casos de covardia contra idosos, contudo, vale ressaltar que esse mal pode vir a ser erradicado somente quando se verificar um comprometimento maior da sociedade, denunciando os casos de abusos e maus tratos. Somente uma sociedade participativa é capaz de alcançar um patamar mais alto de cidadania e diminuir, consideravelmente, as desigualdades sociais existentes, dando aos idosos uma melhor qualidade de vida, tornando-os livres de qualquer tipo de violência e tendo respeito com aqueles que construíram a nação e ajudaram no desenvolvimento do país.


2º semestre de 2014 | Ano 12 | nº 18 • REVISTA VEIGA MAIS

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

Vida a dois: um contrato invisível • Gabriela Piras •

O ditado popular diz “no amor e na guerra vale tudo”. Mas será que tudo é mesmo permitido? Há quem diga que sim e quem acredite que não. Todo relacionamento humano tem uma moral vigente, determinada pela cultura, pelos valores e pela sociedade. Com a flexibilidade das relações amorosas, parece impossível determinar uma norma comum à maioria da população. Apesar de toda autonomia que as pessoas têm sobre si mesmas e também sobre seus relacionamentos, sempre existem normas regendo suas vidas. Com as recentes mudanças tecnológicas e as crescentes discussões em torno do papel da mulher na sociedade, surge uma nova etiqueta amorosa invisível, mas que quase todos a sabem de cór. Essas mudanças também se refletem nos números da sociedade brasileira. Em 2012, o IBGE divulgou uma pesquisa em que apontava que cresceu em 50% o número de divórcios no país, apresentando um novo recorde de 2,6% da população. Desde 1984 não se via um número tão grande. A alta foi principalmente atribuída a uma lei de 2007 que facilita o processo de separação.

É muito frustrante participar de uma cena de ciúmes ou se ver no meio de uma acusação descabida. Já terminei dois namoros por me sentir sufocado Henrique Barudi Em contrapartida, o número de uniões consensuais também aumentou entre os que pretendem compartilhar a vida a dois. O casamento no civil e no religioso passa a não ser prioridade entre os amantes, mas é consenso de que o relacionamento ideal é vivido sob o mesmo teto. É o que prova uma pesquisa realizada com estudantes da Universidade Veiga de Almeida: 69% acreditam que não existe um relacionamento ideal. Mas 54% dos entrevistados creem que a melhor maneira de alcançar a felicidade a dois é dividindo o mesmo teto. Já 19% afirmam que viver em casas separadas e se

mantendo monogâmicos é melhor, modelo que é crescente entre alguns casais da mídia e da população. Os estudantes também se mostram dispostos a tentar novas formas de relacionar: 29% responderam que teriam uma relação aberta com seu parceiro, aceitando que ele pudesse assim se envolver com outras pessoas durante o namoro. É o caso do fotógrafo Luiz Cavet, de 24 anos. “Acredito no relacionamento aberto, toparia ter um, apesar de não ter muito interesse porque sou muito competitivo. Mas sonho com uma relação a três”. E quando o assunto é sexo, 45% dos entrevistados acreditam que há uma separação do envolvimento físico com o emocional, 19% não souberam responder, enquanto 36% creem que não há separação. Mas é fato que, para um bom relacionamento, todos afirmam que é necessário ter uma boa vida sexual. E até nas etapas iniciais e na paquera o assunto é constante, como confirma Luiz: “Procuro em um relacionamento alguém que corresponda a minhas necessidades sexuais, me atraia fisicamente e seja interessante”. Outra mudança significativa na hora de se relacionar é o uso de redes sociais. São muitos os sites especializados para este fim. Mas é de se esperar que todas as ações de paquera fiquem concentradas no Facebook. Nem todos aprovam o uso da ferramenta durante o namoro: invasão de privacidade, palpite alheio e flertes paralelos são as principais reclamações dos parceiros. De acordo com Brenda Ivens, estudante de Publicidade, de 23 anos, as redes sociais facilitaram o processo de conhecer alguém, mas também aumentaram a insegurança e o ciúme: “Podem destruir um relacionamento já existente, pois pessoas começam a dar palpite ou até mesmo dar ‘em cima’”. Julia Spiegel, estudante de Geologia, de 20 anos, concorda: “A qualquer momento outra pessoa pode se insinuar para seu parceiro”. O uso de redes sociais ativa o maior medo de todos aqueles que possuem um relacionamento, isto é, a traição. É unanimidade: este assunto é o mais delicado entre os casais e a definição é bem clara, como explica Henrique Barudi, publicitário, de 29 anos. “Considero traição tudo o que vem a partir de um beijo”. Já entre as mulheres, a quebra de confiança em qualquer aspecto também pode entrar na categoria da falta de fidelidade. Em contrapartida, o respeito é o valor mais pedido entre os amantes e os que aspiram um dia ter um.

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“Não se pode perder o respeito e a consideração. Se isso for perdido, o relacionamento entra em coma e morre”, confirma Henrique. E ninguém quer cair no erro com seu parceiro. A psicóloga Yvana Fávero, especialista em relacionamentos, explica que um dos principais erros cometidos por casais é a falta de diálogo, tanto sobre o dia a dia, quanto sobre a própria relação. “As pessoas deixam de namorar após algum tempo”, afirma a doutora. Falta de carinhos, elogios e ações que surpreendam o(a) parceiro(a) também pode ser um problema para a vida a dois. Outro ponto ressaltado é que as pessoas preferem se separar a resolver suas pendências com companheiros. “Ninguém está disposto a fazer e, principalmente, ouvir críticas”, comenda Yvana. E uma ressalva: viver apenas para o parceiro não é saudável para a relação. É necessário deixar o mundo se aproximar do casal. Saber respeitar as individualidades do outro é essencial, mas também tem que ter noção de que seu espaço poderá ficar reduzido. Com a redução da individualidade, vem o ciúme, que, juntamente com traição, é apontado como vilão de muitos relacionamentos. “É muito frustrante participar de uma cena de ciúmes ou se ver no meio de uma acusação descabida. Já terminei dois namoros por me sentir sufocado”, confirma Henrique. O ciúme tem solução, de acordo com Yvana Fávero. “É fundamental trabalhar o espaço do casal e estar unido para superar esse sentimento”. Caso não ocorra, ambos poderão seguir por direções opostas, não configurando mais o que é ter um relacionamento a dois e compartilhar do mesmo olhar. “A relação é viva e tem que ser cuidada”, conclui a psicóloga. Além disso, a construção de um relacionamento saudável é feita à base de muita conversa, respeito, companheirismo e persistência. Como acrescenta Júlia: “Um namoro ideal seria baseado em cumplicidade, amizade, confiança e afeto mútuo”. E uma tarefa importante é não deixar se afetar por pequenas coisas, como manias, que podem levar a união à ruína. É necessário resolver os problemas e não sair deles. Apesar da complexidade e dos constantes desafios, todos estão em busca de viver um amor cinematográfico. E por mais que pareça não haver uma lógica regente para todos os casais, muitas são as similaridades impostas por cada pessoa para se relacionar. Seria impossível traçar um perfil único, mas valores como respeito, confiança e admiração mútua são imprescindíveis para qualquer relação e configuram a ética que administra toda a intimidade a dois.


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REVISTA VEIGA MAIS • Nº 18 | Ano 12 | 2º semestre de 2014

Entre pesquisas originais, plágio e compra de trabalhos acadêmicos • Liliane Andrade •

Durante a vida acadêmica, um aluno aprimora suas habilidades e atitudes de forma ética para a vida profissional, pois o que desenvolve durante a universidade irá nortear suas práticas profissionais. Neste universo, o grande desafio final para o universitário é o tão temido Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ele faz qualquer estudante ficar de cabelo em pé e varar noites sem dormir. É um período intenso de pesquisas, que requer dedicação e responsabilidade. E a ética vem como elemento essencial para que o trabalho seja elaborado com credibilidade e dentro das normas estabelecidas. A preocupação com a retidão de atitudes no ambiente acadêmico, é claro, começa – ou deveria começar – bem antes da monografia. Trabalhos em grupo e situações de avaliação também são momentos em que é possível enxergar se há ética ou ausência dela. Mas é mesmo a fase de conclusão do curso a que mais desafia o aluno. É uma etapa em que suas ideias precisam ser apresentadas com embasamento, com o apoio de citações de autores reconhecidos. É uma experiência em que o aluno aplica o conhecimento adquirido ao logo do curso, a interpretação dos fatos, a indicação de novas resoluções aos problemas que se apresentam. Um período de levantar dados, investigar, fazer análises rigorosas destes elementos, a fim de contribuir na construção de um processo de descoberta. Por isso, é preciso que o trabalho seja desenvolvido de forma ética e respeitosa para que seus objetivos sejam concluídos com base em princípios e valores éticos. A professora da Universidade da Veiga de Almeida Diana Damasceno conta que já descobriu casos de plágio do TCC e garante que, na maioria das vezes, é fácil perceber, já que o professor acompanha a vida acadêmica do aluno, conhece seu estilo, sua forma de escrita. "Lamento quando isso ocorre, pois o aluno está seguindo uma cultura que tentamos combater no país", assinala Diana. Mas existem regras. Só ainda não há fiscalização do Ministério da Educação (MEC), que garanta punições severas para quem comete este tipo de fraude. Desde 2012, está pronto para ser votado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) projeto de lei que prevê a disponibilidade de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) para consulta pública. Segundo o autor da matéria, senador licenciado Blairo Maggi (MT/

PR), o objetivo da proposta (PLS 199/2012) é dificultar práticas ilícitas, como o plágio de teses acadêmicas. O projeto recebeu voto favorável do relator, senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e, caso seja aprovado, poderá seguir para a análise da Câmara dos Deputados, se não for apresentado recurso para o Plenário. "Plagiar é um desvio de conduta. Vem de uma prática cultuada no Brasil: a de tirar vantagem, se dar bem. O passado lembra que a maioria dos seres humanos parece só responder com punições. O mesmo se aplica às questões ligadas à falsificação do trabalho acadêmico. Talvez seja necessário punir", diz Diana. Thalita Castro, 30 anos, formada em Pedagogia, também conhece uma pessoa que comprou o trabalho de fim de curso, porém não foi descoberta, inclusive, foi aprovada com nota máxima. "Quem compra ou plagia a monografia passa pela faculdade sem compreender o papel primordial dessa fase, que é poder ir a fundo no conhecimento. Eu pude aplicar o estudo da minha pesquisa na empresa em que trabalhava, tornando o resultado da pesquisa mais sólido. Foi muito gratificante!" , exalta Thalita. Também o estudante de jornalismo Bruno Velasco, 34 anos, que passou por esse processo de TCC e começou a pesquisa um ano e sete meses antes de iniciar o projeto, conta que foi bom aprender a correlacionar e elencar as informações, pois isto abriu seus horizontes. "A pessoa pode até copiar conhecimento, mas isso não a faz ter o mesmo

conhecimento. Isso é algo que não se compra. Não conheço pessoas assim. Quem o faz, faz pouco dos verdadeiros alunos. Desrespeita todos os professores e sua classe", lamenta Bruno. Ou seja, em vez de o universitário tentar desenvolver seu próprio projeto, ele se arrisca a fraudar. Isso pode ser o reflexo de um problema cultural. "Fiz uma matéria sobre isso há pouco tempo e também palestro sobre isso. O "jeitinho brasileiro" está enraizado. Não se compreende o significado por si. A abrangência é que muda. O caráter é que define tudo isso", completa Bruno. Existem na sociedade muitos problemas de desvio de conduta. E a família e a escola enfrentam dificuldades que contribuem na formação de personalidades e relações éticas. Um fator é a aproximação do discurso das duas. A família é a base social para a formação de valores éticos, na qual o indivíduo inicia suas interações e aprende o conjunto de regras para viver em sociedade. E o âmbito escolar é um laboratório para desenvolver essas virtudes, e tem o papel de orientar, com base nas suas propostas, uma formação em princípios, métodos e técnicas. Foto: Free images




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