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OUT/2013
MATÉRIA ESPECIAL CUFA percebe a ausência dos pais no ambiente escolar
PERFIL
Conheça a história de três alunos da rede municipal
PAPO RETO
Professora conta sua experiência no seminário
ENTREVISTA EXCLUSIVA
O rapper MV Bill confessa que foi criado por uma “pãe”
Projetos
Inaugurada no dia 3 de setembro, a República Junto atende 24 usuários em tempo integral. O intuito é proporcionar serviços que ofereçam proteção, apoio e moradia subsidiada a grupos de pessoas entre 18 e 59 anos em estado de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia.
Distribuído em espaços escolares e instituições de ensino desde 2009, o livro O Escudeiro da Luz em: Os Zumbis da Pedra é uma ferramenta importante e pertinente na luta contra as drogas. Por meio de uma linguagem simples aborda assuntos delicados de forma natural, provocando a reflexão dos leitores quanto às formas de abordagem e educação necessárias para a conscientização e prevenção ao uso de drogas.
Criada a partir de uma brincadeira em uma cesta de lixo, a Liga Internacional de Basquete de Rua (LIIBRA) é o maior evento de cultura de rua da América Latina. São dez anos de basquete embalado com o break, os MC’s e o hip hop, que compõem o espírito do torneio. Realizada em diversos estados do Brasil, a atração conecta esporte e música, estimulando a criatividade dos jogadores e explorando suas habilidades físicas.
Com o objetivo promover a integração das comunidades por meio do esporte, a CUFA-RS criou o Torneio Bola Comunitária. O projeto consta em um torneio de futebol entre jovens de 15 a 17 anos, todos moradores de comunidades da região metropolitana. A intenção também é de levar debates e serviços para estes locais, garantindo novas oportunidades para os jovens que as integram e dando visibilidade aos talentos esportivos.
Acesse o nosso site: Papo Reto |02| outubro
www.cufars.org.br
Editorial
Onde está o super herói? Foi-se o tempo em que o pai estava sempre presente na vida das crianças. Foi-se o tempo em que ele era o símbolo da casa, o chefe da família. Foi-se o tempo em que o homem era visto como super-herói dos seus filhos. Hoje, vemos muitas mulheres exercendo esse papel que há alguns anos era masculino. Durante as palestras, seminários e oficinas do Projeto Circuito Papo Reto 2013, percebemos como a figura paterna está ausente na vida dos jovens. Além disso, dados comprovam essa afirmação. Pensando nisso, esta edição foi focada neste tema que, infelizmente, faz parte da vida de muitas pessoas, mesmo que indiretamente. Nas páginas a seguir, você verá uma entrevista exclusiva com o rapper MV Bill, que conta como foi sua infância após a separação dos seus pais e como foi a experiência de ser criado por uma “pãe”. E ainda, uma matéria especial que fala sobre a ausência do pai e mostra uma escola que usou esse problema para encontrar soluções.
03
O que vem por aí
Entrevista com o mestre
Matéria Especial
A professora Renata Carvalho dá o seu parecer sobre o que lhe chamou a atenção no Seminário Papo Reto
Você sabia que a figura do pai é algo raro no ambiente escolar? A equipe da CUFA foi atrás desse fato
Perfil
MV Bill
Conheça Bruna, Ana Pâmela e Peterson, alunos da rede municipal de educação da cidade de Porto Alegre
O rapper e ativista social fala, exclusivamente, sobre sua vida sem a presença do pai
p.6
p.8
p.13
p.30
Expediente Manoel Soares/Coordenador da CUFA-RS Ivanete Pereira/Coordenadora Institucional Lisandra Félix/Coordenadora do Papo Reto Dinora Rodrigues/Coordenadora Administrativa Mariana Soares/Coordenadora de Comunicação Danilo Santos/Coordenador de Audiovisual Paulo Daniel Santos/Pres. Conselho Estadual CUFA-RS
Papo Reto |04| outubro
Alexandre Bertolazi/Fotografia Airan Albino/Diagramação e Revisão Eduardo Bertuol/Reportagem, Foto e Revisão Igor Grossmann/Reportagem e Foto Bianca Oliveira/Reportagem Carolina Reck/Reportagem
Especial
Tudo começou com ele
Arquivo Pessoal | Celso Athayde
Um dos fundadores da Central Única das Favelas, Celso Athayde nasceu na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, onde viveu até os 7 anos. Aos 16, já havia morado em três favelas diferentes, em abrigos públicos e na rua. Autodidata, Celso assina três livros que tiveram ampla comercialização no Brasil: é coautor dos livros “Falcão - Mulheres e o tráfico”, “Falcão - Meninos do Tráfico” e “Cabeça de Porco”. Os dois primeiros assina com o rapper e também fundador da CUFA MV Bill, e o último com MV Bill e o sociólogo Luiz Eduardo Soares. Envolvido com comunidades periféricas e sem nunca perder a esperança, Celso Athayde criou o CineCufa, um festival de cinema internacional de produções audiovisuais realizadas por moradores de favelas. Criou também o BRADAN, festival brasileiro de Break e o RPB, Rap Popular Brasileiro, festival nacional de rap, que busca fazer o estilo musical dialogar com as músicas regionais. Celso ainda produziu e dirigiu o documentário “Falcão - Meninos do Tráfico”, co-dirigido por MV Bill. “A trajetória da Cufa e a minha se confundem o tempo todo, pois a criação dela era o retrato das minhas apostas diárias, das minhas convicções e conflitos. Não criei a instituição para mim, criei esse sonho para ser compartilhado e hoje sei que o maior dos acertos não foram as ações que conseguimos, mas a garantia da sobrevivência da Cufa a partir do quadro que formamos. Hoje, eu tenho certeza que a Cufa não vai retroceder jamais”, garante Celso, que no começo de 2013 deixou a presidência nacional da Cufa. Aos 50 anos, ele busca empreender o desenvolvimento das favelas e seus moradores, com foco na capacitação, empregabilidade, desenvolvimento desses territórios e dessas pessoas. “Ficar na Cufa depois de tanta conquista não pode ser uma forma de descanso remunerado, mas uma passagem para outro nível de luta, pois estar fora da Cufa fisicamente e do seu cotidiano, não significa estar longe das suas realizações e conquistas”, conclui.
Celso Athayde acredita no ativismo social 05
Crônica do Professor por Renata Carvalho
Alexandre Bertolazi | CUFA-RS
“A cada nova inform É impressionante como algumas vezes em nossas vidas temos a percepção de que algo foi feito especificamente para nós, ou que o lugar onde deveríamos estar é onde exatamente estamos. E foi assim que me senti ao participar do Seminário Papo Reto. Era véspera do feriado do dia 20 de setembro e ganhei feriadão na Escola Municipal de Ensino Fundamental Gabriel Obino. Tentada a ficar em casa e curtir os quatro dias de descanso, optei por investir, me doar um pouco mais, cedendo a este compromisso de participar do seminário na quinta-feira dia 19/08, e graças a Deus que fiz esta sábia escolha. Lembro-me que, alguns dias depois, quando cheguei à sala dos professores algo me chamou a atenção naquele cartaz do Seminário Papo Reto. Ali, olhando atentamente para aquele informativo soube que era para mim. Que faria parte da minha história receber aquelas informações que o seminário iria abordar. Depois, durante um almoço no refeitório, uma professora elogiou muito a palestra e vi novamente que era um sinal, mais um indício que era pra eu assisti-lo. No dia em que participei da palestra, já de início percebi que o auditório estava um pouco vazio, compreensível devido à data, véspera do feriado. Mas ainda assim me surpreendi. Porém, aquela palestra foi especial mesmo com poucas pessoas. Tinha um homem que assistia e declarou-se ali como dependente químico. Percebi que ele apreciava muito as informações que recebíamos. Os demais professores se envolviam nitidamente em cada tópico trazido pelos palestrantes. Foi então que fui transformada durante aquelas horas. Certa de minha vocação e defensora declarada
Renata é grata pela experiência no Seminário Papo Reto
Papo Reto |06| outubro
da
família,
fiquei
maravilhada
ao
saber
que
mação meu coração batia mais forte” famílias monoparentais são um fator de risco para
adquiri e que agora defendo.
a drogadição. Fiquei ainda mais consciente do meu
A cada nova informação, meu coração batia mais
papel na docência quando descobri também que os
forte. Pois, como descrevi no início, ia tendo a certeza
adolescentes precisam de um exemplo, alguém para
de que eu deveria estar exatamente ali ouvindo aquelas
se espelhar. E este alguém pode ser eu. Cheia de
palavras transformadoras e que minha vocação como
limitações e falhas, mas tenho um dever nas mãos: o
professora poderia fazê-las multiplicar nas escolas
dever de influenciar. A cobiça, o querer ter é o que na
onde eu atuar. Faço parte de um maravilhoso projeto
maioria das vezes conduz esses jovens e crianças ao
social nomeado Fundação de Educação e Cultura do
mundo das drogas, como vimos numa das palestras.
Esporte Club Internacional (FECI) que tem por objetivo
Porém o que mais friso aqui, é o que eu pensava:
esta formação de cidadãos atuando nas Escolas
por dar aula para crianças de 7 anos de idade, não
Municipais, o que vai ao encontro de tudo que aprendi
era necessário que eu abordasse o tema de prevenção
no Seminário Papo Reto.
às drogas e criminalização, que isso era para ser feito
Foram horas deliciosamente leves. Nem vi o tempo
na pré-adolescência. Mas saber que esta prevenção é
passar. Nos intervalos para o delicioso coffee break
muito necessária desde cedo foi chocante. As drogas
conversávamos e nos conhecíamos, era bárbaro! Era
estão nas mídias e acessíveis a qualquer idade. O
como num espetáculo onde me sentia emocionada
mais curioso é que dias antes fiz um trabalho sobre
com cada atração. O teatro, os cases trazidos e os dois
alimentos com meus alunos onde descobrimos que dois
rapazes egressos do sistema criminal abrilhantaram
deles já tinham experimentado álcool, aferindo então
trazendo a nós seus testemunhos de vida. A música que
a necessidade de prevenção sim. E consegui receber
Mano Lenne cantou arrancou lágrimas emocionando
ideias de como fazer isto de uma maneira propícia a
a todos.
idade deles.
Como uma professora bem mais informada após o
Outra informação que causou um grande confronto
Seminário, quero ser esta “Salvadora de Vidas” como
foi aprender que é historicamente comprovado que
definiu bem a psicóloga Fernanda Bassani. Descobrir e
o maior rigor nas penas criminais não irá melhorar
investir nos talentos dos alunos, amá-los, mesmo que
a situação da criminalidade no que diz respeito ao
pareça difícil devido a rebeldia de alguns, que no fundo
tráfico. Eu pensava que sim, pensava que era necessário
é uma carência. O meu papel acima de tudo é amá-
aumentar as penas porque então o indivíduo pensaria
los, e amar é doar-se. É olhar para eles, sair um pouco
duas vezes antes de se envolver com o tráfico. Porém,
da zona de conforto, transpor as dificuldades do dia a
num falho sistema penitenciário, que não consegue
dia e fazer a minha parte, fazer a diferença. Por fim,
reabilitar pessoas, esta tese se mostra falível. Apostar
deixo aqui este depoimento agradecendo a equipe da
e investir em prevenção e educação, ao longo das
CUFA e a todos que promoveram e ajudaram para que
décadas foi muito mais eficaz e as estatísticas revelaram
este Circuito Papo Reto acontecesse, tenho certeza que
isto. Devo ao Seminário Papo Reto esta certeza que
mudou não somente minha história, mas a de muitos.
07
alunos Nessa segunda edição, a revista Papo Reto decidiu abrir espaço não só para os professores, mas também para os alunos. Confira a seguir três histórias diferentes da geração que, infelizmente, está mais perto das drogas do que as passadas, mas que não se deixa levar e sabe distinguir o que faz bem ou não para o seu futuro.
Papo Reto |08| outubro
Sonho de tornar o mundo melhor por Carolina Reck Carolina Reck | CUFA-RS
A tranquilidade e interesse de Peterson Alves Apolinário de Andrade são dignos de exemplo para outros alunos. Com onze anos, o futuro cientista acredita que a solução para os problemas do mundo deve partir de cada um, e começou a fazer sua parte repensando o espaço urbano em que vivemos e se empenhando nos estudos. EM TRÊS CIDADES Seu trajeto escolar foi em três cidades: Soledade, Alvorada e Porto Alegre. Para cada cidade uma escola nova e em cada escola a participação além da sala de aula. Na primeira fez a pré-escola, e se mostrou disciplinado ao ajudar os professores em tarefas com outros alunos. Capoeira e banda também fazem parte do histórico escolar de Peterson. Hoje estuda na EMEF Victor Issler, onde faz parte do LIAU, um laboratório
Peterson sabe que o crack só piora a vida do usuário
que trata de temas relacionados ao meio ambiente e urbanismo.
Empolgado com o projeto, o aluno
DROGAS
informa que tudo que aprende leva para casa. “Minha
Quanto à temática das drogas, o jovem também
mãe planta salsinha e tomate. O que aprendo com ela
tem opinião formada. “Acho muito importante falar das
em casa uso aqui e o que aprendo aqui uso em casa.
drogas, pode ajudar no nosso futuro. A gente tem que
É muito bom”, explica. Para o jovem, fazer parte do
ter conhecimento que o crack é um vício burro, porque
projeto o auxilia nas aulas e no cotidiano.
o usuário procura sempre o mesmo gosto da primeira fumada e nunca vai encontrar e fica doente. Muitos
FAMÍLIA
sofrem com seus filhos nas ruas”, expõe. Ressaltando a
Filho de família grande e pais presentes, o jovem
importância das medidas de prevenção e discussão do
tem dois irmãos mais novos e dois mais velhos. A
tema, ele também elucida que para um futuro melhor
importância familiar no crescimento das crianças é
é necessário o aprendizado e a busca pelo fim do uso
um reflexo da fala de Peterson. “Sempre que tenho
das drogas.
dúvidas meus irmãos mais velhos me ajudam”, conta. Com fome de aprender e tornando parte do seu dia-a-
LIÇÕES
dia o aprendizado de casa e da sala de aula, Peterson
As lições que Peterson aprende e ensina vão além
manifesta o seu espírito de solidariedade e a vontade de
dos temas de casa e produções em sala de aula.
levar o conhecimento adiante. “O pai nunca estudou,
Mirando no futuro e lembrando do passado, resgata
mas ano que vem ele começa a estudar, acho muito
a ideia de que todos podemos fazer a diferença, basta
bom isso. Quando eu precisar de ajuda vou pedir pra
querer. “Temos que olhar os três lados: como é agora,
ele, e enquanto ele não se formar eu que vou ajudar
como foi e como acabará. O futuro tem que ser melhor
ele nos estudos”, ressalva cheio de felicidade.
que o presente, e isso depende de nós”, afirma. 09
A hora da superação por Bianca Oliveira
Com apenas onze anos de idade, Ana Pâmela Alves,
a minha mãe, até que chegou um dia em que eu ouvi
teve o seu primeiro namorado. Por motivos pessoais
o próprio Deus falando comigo. Em pensamento, ele
esse namoro veio a ter um final trágico. Após o término,
dizia que eu ainda pudia mudar de vida e que bastava
a menina entrou em depressão e não queria mais saber
eu querer essa mudança”, afirma.
de nada, passou a comer e deitar sem sequer sair para olhar a luz do dia.
FALTAVA ALGUMA COISA Hoje com 15 anos, a aluna conta que sentia falta
A MUDANÇA
de alguma coisa em sua vida. “Eu sempre amei fazer
Depois de algum tempo, os pais de Ana acharam
teatro e quando soube que havia aberto vagas na
que seria melhor mudar-se para Restinga, onde
escola corri e me inscrevi. Hoje, posso dizer que sou
moram atualmente. Porém, a mudança não foi muito
completa, pois a CUFA trouxe o que faltava”, diz a
confortável. A menina sofreu bullying no primeiro
menina. Ao encerrar a matéria, Ana agradeceu, com
colégio que estudou. Lá, recebeu um apelido pelo fato
um lindo sorriso no rosto, à instituição pela realização
de estar acima do peso. Sem suportar as brincadeiras
do projeto Papo Reto.
maldosas, ela resolveu sair da instituição e foi para a Escola Municipal de Ensino Fundamental Alberto
Bianca Oliveira | CUFA-RS
Pasqualini, onde estuda atualmente. “Eu não aguentava mais todos os dias ser criticada por pessoas piores que eu e não poder falar nada”, conta Ana. NOVA ESCOLA Logo que ingressou no novo colégio, não falava com ninguém, mas com o decorrer do tempo foi fazendo “amizades” e foi através destes amigos que ela teve o seu primeiro contato com drogas. “Tudo começou com um cigarro de maconha depois experimentei outros tipos de drogas, mas nunca me viciei”, revela a jovem. Passado alguns meses, a estudante começou a achar que usar drogas já não tinha graça e começou a vender. Para isso, matava aula para traficar na pracinha Argentina, a uma quadra da escola. MÃE NÃO DESISTIU Quando sua mãe descobriu o problema, muitos colegas afirmavam que já era tarde para conseguir reverter a situação. Porém a mãe não desistiu de ajudar Ana, e foi atrás da filha. Tirou a menina da praça, trouxe para a casa e com a assistência de uma vizinha, a levou para a igreja. “No início, eu só ia para agradar Papo Reto |10| outubro
Ana encontrou, no teatro, a força para encarar sua vida
Futuro nas artes cênicas por Igor Grossmann Igor Grossmann | CUFA-RS
irá sofrer pelo resto da vida”, fala com propriedade arrebatadora. E completa: “eu sempre repito pra mim mesma que nunca vou me envolver com essas coisas porque tive o exemplo na minha família. Eu sei que na hora é bom, mas depois não se sabe o que vai acontecer. Tu vai ter problemas e pode até morrer”. EXEMPLO Com 14 anos, Bruna é exemplo e incentivo para os colegas, palavras da sua professora de teatro Tatiana Baptista Greff. Bruna quer estudar artes cênicas. Ela foi cativada pela professora Tatiana, que se sente orgulhosa e feliz por despertar o interesse de uma aluna em fazer um curso superior. “A Bruna se destaca por ser responsável e participativa. Ela tem potencial e maturidade para conseguir o que quer”, relata a professora. CONSCIENTE DAS TAREFAS Bruna tem consciência do poder destrutivo das drogas
Tatiana não é a única educadora a rasgar elogios para a aluna. Lígia Savio, professora de português e
Bruna Stein de Abreu está no nono e último ano do
literatura, afirma que Bruna é consciente das tarefas
ensino fundamental. Em dezembro, ela completa
e sempre busca fazer além do que se pede. “Ela fez
15 primaveras e irá se formar. Ela pretende cursar o
um conto nas férias e escreve porque gosta. Se todos
ensino médio na escola Protásio Alves. Seu desejo se
fossem como ela… Mas o trabalho do professor é com
dá porque sua irmã estudou neste colégio e, segundo
as ovelhas desgarradas”, reflete Lígia. Bruna também
ela “pode ser muito bom pois fica perto de vários
pensa em estudar letras. Mas ainda tem pelo menos
cursos”. Bruna estuda na Escola Municipal de Ensino
mais três anos para se decidir.
Fundamental (EMEF) Carlos Pessoa de Brum, na Restinga, onde também mora.
APROVEITAR OPORTUNIDADES Na sua escola, Carlos Pessoa de Brum, a aluna
SITUAÇÃO DRAMÁTICA
busca aproveitar todas as oportunidades que lhe são
A menina de um belo sorriso já passou por uma
oferecidas. Ela participa da Rádio Brum, que organiza
situação dramática na família. Um dos tios já se
e cobre eventos escolares, além de sonorizar o recreio
ennvolveu com drogas. Após ser internado em uma
da escola. Bruna já fez parte da oficina de robótica
clínica de tratamento, ele se recuperou. Este episódio
mas hoje gosta mesmo é de participar do Cinemundo,
familiar vacinou Bruna sobre os efeitos devastadores
uma oficina com três professores - teatro, português
das drogas na vida de uma pessoa. “Se usar, você
e inglês - na qual os alunos recriam cenas de filmes
ficam em paz por alguns minutos mas após isso,
conversando na língua inglesa. 11
Palavra Lisandra Félix Coordenadora-Executiva Papo Reto 2012, percebemos que os professores necessitavam de informações sobre a temática do crack. Pensando em preencher esta lacuna na formação dos educadores, na segunda edição do projeto, em 2013, resolvemos organizar um seminário para contemplar as escolas municipais. O tema gerador do debate é: Prevenção às drogas: Qual o papel da escola? Iniciamos o processo convidando os palestrantes e definindo um formato de explanação que viesse de encontro com as expectativas dos professores. Com a duração de oito horas, cada seminário traz falas significativas de especialistas das áreas da psiquiatria, psicologia, direito, Brigada Militar, representante da Fundação de Assistência Social e Cidadania e os relatos de dois egressos do sistema penal. No desenrolar
dos
seminários Papo Reto
percebemos que apesar da similaridade de cada realização, que consta com o mesmo quadro de palestras, diferentes resultados eram moldados. A cada grupo de participantes acontecia uma renovação sob a ótica de novos olhares, novos questionamentos e novas trocas de experiências. Repletos de conteúdos explícitos e implícitos, aprendizados foram surgindo. Em relação à adesão dos professores, compreendemos que o calendário de formações da rede municipal de ensino é intenso e delineado no início de cada ano letivo. Desta forma, quantitativamente, o resultado não é expressivo. Porém, qualitativamente, o resultado tem sido excelente em função dos relatos dos professores que usufruíram dos seminários. A CUFA RS parabeniza os profissionais da rede municipal de ensino por não desistirem de acreditar em cada aluno, cada família e cada comunidade, contemplando os funcionários da O Projeto Circuito Papo Reto Porto Alegre visa
limpeza, cozinha e secretaria. Vale a pena registrar
contribuir para o processo de prevenção ao crack e
que um guarda municipal participou ativamente de
outras drogas nas escolas municipais. Um de seus
um dos seminários, afinal, a missão de educador não
principais aliados é a ferramenta literária desenvolvida
é apenas para o professor que atua na sala de aula.
pela CUFA RS, o livro “O Escudeiro da luz em: Os
Todos nós somos fontes de aprendizado e devemos
zumbis da Pedra”. Na primeira edição do projeto, em
fazer do dia-a-dia uma lição para a vida.
Papo Reto |12| outubro
A importância dos pais no ambiente escolar texto: Eduardo Bertuol e Igor Grossmann fotos: Danilo Santos
Um levantamento da Superintendência de Serviços
acompanhando famílias por meio da FASC (Fundação
Penitenciários (Susepe) mostra a ausência de pais
de Assistência Social e Cidadania), a pedagoga Patrícia
nas visitas autorizadas no Presídio Central, em Porto
Schuler Mônaco prefere destacar o papel da família
Alegre. Até outubro de 2013, cerca de 7 mil visitas
e não focar no gênero masculino. Ela lembra que o
foram feitas aos apenados, sendo 2205 de mães/
afastamento dos pais com a escola é algo histórico.
madrastas; 2110 de crianças/adolescentes; e 2069
“Até meados dos anos 60 era comum que os pais
de companheiras(os). Mas o número que salta aos
sequer soubessem o nome da professora de seus
olhos é o de pais/padrastos visitantes: 597. Outra
filhos. As funções maternas/paternas e escolar eram
estimativa, feita pela Corregedoria Nacional de Justiça
muito distintas entre si. Pai e mãe educavam e a escola
(CNJ), indica que 4,8 milhões de estudantes brasileiros
ensinava a ler e escrever”, explica Patrícia.
não têm o pai em seus registros. E que as certidões
Ela conta que esses papéis foram se remodelando.
de nascimento sem o pai respondem por 15% a 20%
“A mãe trabalha e os jovens são treinados na escola
dos registros feitos no Brasil. Estas duas pesquisas
para o mercado de trabalho, assumindo assim uma
evidenciam que o pai que abandonou o filho quando
função de adequar este jovem às exigências impostas”.
criança, abandona o filho preso.
Além disso, os cargos na família também se alteraram
Atuando
como
professora
da
SMED
e
com o tempo. “As mudanças na base familiar, como 13
quem cuida e sustenta, sofreram alterações e a escola
Segundo relatos da mãe do aluno para a diretora,
passou a cuidar também da educação primária da
o pai tem ligação com o tráfico da região e já foi preso
criança - aquela que antes era sustentada pela família”,
na frente do menino. “Depois de solto, a criança voltou
esclarece a pedagoga.
para o pai, pois ele faz todas as vontades do guri”, conta Sueli. “Nós já pedimos para mãe entrar com um
ONDE ESTÃO OS PAIS
recurso, mas não tem jeito. O estudante quer apenas
Na EMEF Senador Alberto Pasqualini, localizada
o pai, e a mãe prefere não intervir na relação dos dois
na bairro Restinga, a diretora Sueli da Silva relata que
por medo de represália”, completa.
muitos pais esquecem seu papel e preferem deixar
A diretora conta que o menino tem muitas faltas
a educação das crianças de lado. “Nestes casos a
e dificuldade de relacionamento dentro da escola.
responsabilidade fica para outros familiares, como tios
“Ele não demonstra problemas para aprender o que
ou avós do aluno, que se comprometem a apoiar e
ensinado em aula, mas por faltar demasiadamente
acompanhar o estudante na escola”, explana Sueli.
possui alguns fatores externos que atrapalham o
Ela afirma que a desestruturação familiar prejudica
desenvolvimento dele na escola”. Ela acredita que
os estudos. “Muitas das crianças têm essa carência,
para que ocorram mudanças é necessário o menino
pois as famílias são desestruturadas já que não há
ir morar com a mãe. Sueli afirma que faz o que pode
uma participação da figura paterna. O sentimento de
para ajudar, mas neste caso é necessário mais do que
abandono na infância vira revolta na adolescência, isso
o apoio escolar.
atrapalha e compromete os estudos e o comportamento do jovens”, acredita Sueli.
Patrícia Mônaco, como pedagoga, afirma que o acompanhamento dos pais ou de um superior protetivo
Há quatro anos como diretora da instituição, a
da família sobre um aluno é importante, como um
irresponsabilidade de um pai vem incomodando Sueli.
controle externo, para dar suporte à criança. “A escola
Ela conta que a mãe possui a tutela da criança, mas
é uma construção social criada com a finalidade de
aos 10 anos o menino preferiu morar com o pai por
prover os conhecimentos necessários para vida adulta
ter mais liberdade e conforto para fazer o que quiser.
e os conhecimentos que a família não pode prover”,
Contudo, o responsável não comparece na escola e
observa.
não acompanha o filho no ambiente escolar. “Entramos em contato com a mãe para falar do caso, mas ela diz
O PAI DE TODOS
ter medo do pai da criança”, afirma. Sem as regras, o
Ênio Rafael Vaz, 33 anos, cresceu na vila Cohab, em
menino não faz os temas e vai para a escola quando
Porto Alegre. Em sua infância e juventude teve contato
quer. Ao contrário do que acontecia quando morava
com diversas drogas. Nunca usou nenhuma. Seu grande
com a mãe, que possui regras para fazer as lições de
vício sempre foi a endorfina, hormônio produzido pela
casa, horário para dormir e comer.
atividade física e que provoca prazer, despertando uma sensação de euforia e bem-estar. “Eu vivia correndo”, relembra. Hoje, Ênio é responsável pelos projetos de
VISITAS AUTORIZADAS - 2013
esportes na EMEF Moradas da Hípica, onde estudam seus dois filhos: Rafael Henrique, 13 anos, e Maicon
Pai/Padastro Mãe/Madastra Companheira (o) Crianças/Adolescentes
597
Alexandre, 9.
2205
A oportunidade para Ênio trabalhar na escola
2069
surgiu no dia em que ele foi matricular seus filhos.
2110
Na fila da matrícula, a diretora Maria do Carmo de Souza perguntou aos pais se alguém teria interesse em trabalhar no colégio, visto que as atividades estavam começando naquele ano e ainda não havia sido
Papo Reto |14| outubro
A falta de estrutura familiar afeta a vida escolar do jovem, pois o sentimento de abandono se transforma em revolta
preenchido o corpo de funcionários. Como Ênio estava
convidou o jovem a integrar uma equipe para disputar
desempregado, aceitou a oportunidade. Começou
competições. Os pais temiam alguma relação maliciosa
auxiliando em serviços gerais, mas logo passou a
deste estudante com os seus filhos. O tio Ênio, como é
fazer o que tinha experiência: cozinhar. Certo recreio,
chamado pela garotada, tratou de acalmar os ânimos.
observando um jogo de futebol na quadra, surgiu uma
“Se eu não der esse espaço para ele, nós iremos perdê-
dúvida entre os alunos se havia ocorrido falta em um
lo para sempre. Hoje, após essa oportunidade, ele
lance ou não. Ênio disse que foi. “Então, me pediram
passou a trabalhar”, conta.
para cuidar o jogo. Estou cuidando até hoje”, relata
Ele pensa que o envolvimento do pai na educação
sorridente. Desde agosto de 2009, ele é responsável
do filho é fundamental. “Trabalho com 140 garotos.
pelos projetos escolares no âmbito esportivo e faz o
Vejo no olhar e no sorriso dos meus filhos o brilho e a
que ama.
alegria que faltam nos outros meninos”, diz. Sempre
Para ele, o ideal para o jovem é ter um suporte
apoiado pela direção, Ênio foi eleito e reeleito para
equilibrado, tanto do pai quanto da mãe. Seu filho mais
o cargo de presidente do conselho escolar. “Os guris
novo, Maicon, não teve um bom desempenho escolar
adoram ele. Como presidente do conselho, era o
em 2012. Com o pai presente e atuante na escola,
meu braço direito”, relata a diretora Maria do Carmo.
o aluno conseguiu evoluir e alcançar boas notas. “As
Desde 2009, a política de seleção dos funcionários da
professoras comentaram que nem parece o mesmo
escola leva em consideração o fato do pretendente
menino. O contato do pai tem que ser delicado, assim
ter filho matriculado. Hoje, as contratações ocorrem,
como é a mãe com o filho. Não podemos usar apenas
quase que em sua maioria, por recomendações dos
o lado bruto, pois o filho acaba fugindo e aí mora o
próprios servidores, que indicam outros pais e mães de
maior erro paterno”, argumenta. Na escola, que possui
estudantes.
cerca de mil alunos, Ênio percebe a ausência dos
A pedagoga Patrícia Mônaco finaliza exaltando como
pais quando é hora de deixar ou buscar os filhos. Ele
fundamental que a escola reveja suas bases curriculares
inclusive arrisca um chute para ilustrar essa percepção:
e a família seja o fator externo de cuidado, observação
“No pátio, por exemplo, tu vês 400 mães e nem 10
e incentivo as crianças. “Sem este suporte familiar que
pais”, diz.
vai dar a primeira educação, a que vem de casa, e
Recentemente, um aluno da escola passou a se envolver com drogas. Sabendo do fato, Ênio
após dar sustentação para a perfeita manutenção da vida escolar da criança”, conclui Patrícia. 15
Entrevista com o mestre por Carolina Reck
O saber vem da arte Arquivo Pessoal | Cláudia do Nascimento
A lata velha de achocolatado agora é preenchida com novos significados. Com dois pequenos orifícios na parte superior e inferior, encarregados de sustentarem uma mola que de cima para baixo atravessa a estrutura, produz um ruído distinto. Com movimentos, a espiral, localizada dentro de um corte retangular na frente da conjuntura de alumínio, faz música. Em companhia de outros instrumentos, o som emitido pelo reco-reco ocupa os corredores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Victor Issler. As vozes cantantes que acompanham as batidas de tambores se esvaem no vão de salas durante algumas aulas de arte.
Os alunos assistem filmes sobre problemas na escola
Presente de um aluno para a professora de artes Cláudia Elis Costa do Nascimento, o reco-reco
entendimento sobre a arte e a sociedade em que estão
manifesta a importância do trabalho da educadora.
inseridas.
Eleita a princesa do Maracatu pelos alunos do projeto “Pé na Dança Pé no Mundo”, Cláudia atua na área
ESCOLHA DE MÉTODOS
da educação desde os 18 anos. São 23 anos de
A escolha dos métodos fica a critério de cada
experiência, destes, oito na Victor Issler, onde atende
turma. No começo do semestre a professora questiona
doze turmas. Para ela é fundamental estabelecer um
quais os interesses dos alunos, conforme a resposta
elo de confiança com os alunos, e para isto utiliza
se inicia o trabalho. No caso das máscaras africanas,
elementos que geram interesse para abordar temas
Cláudia explica que a produção é complementada por
pertinentes à escola e à sociedade. Como música é
discussões de etnia e apontamentos da diversidade
arte, a turma B34 é contemplada com ensinamentos de
na cultura africana. Pesquisas, esboços e desenhos
capoeira, samba e técnicas musicais. Em contrapartida,
em diferentes superfícies aprimoram o trabalho até o
a turma B33 produz máscaras que representam a
momento de confeccionar a máscara. Nestes processos
identidade de diferentes países da África. E são mais
residem ensinamentos de vida. “Usaram giz de cera
dez turmas, com diferentes experiências que levam ao
para os traços no esboço, para dominar melhor a
Papo Reto |16| outubro
fórmula e conseguirem compor a máscara depois. Um
que trabalhamos todos juntos, aprendemos a conviver
dos motivos é porque o giz é ruim de apagar. Usar a
um com o outro. Aprendemos a fazer mais coisa, a
borracha o tempo todo apaga marcas, destrói o erro.
colaborar”, indica a aluna Helena Soares. Estimulando
Os alunos devem aprender a construir algo em cima do
e produzindo atividades que proporcionam aos alunos
erro, não a apagá-lo. A questão é construir e aprender
a participação, a parceria e o afeto, Cláudia os faz
com os nossos erros”, expõe Cláudia.
perceber seu potencial como indivíduos e como parte
Além das rodas de capoeira e produções artísticas, filmes também são uma alternativa de ensino. Um
de um todo. “A sora nos faz ir mais longe”, sintetiza a aluna Paloma Aquino Soares.
exemplo é “Michel Basquiat – Traços de uma vida” que revela as consequências do uso de drogas. Com
Carolina Reck | CUFA-RS
o audiovisual debates que instigam a superação, a determinação, o crescimento individual e as mudanças são alimentados. “A professora passou o filme ‘Os escritores da Liberdade’, no começo teve risadinhas, depois choro. Nele vimos que a professora ensinou que é bom conviver e crescer juntos, ela acreditava nos alunos. A prof. Cláudia é assim também, acredita na gente”, revela Ingrid Silva, aluna do 6º ano. EXPERIÊNCIA NO SEMINÁRIO PAPO RETO Depois de participar dos seminários Papo Reto a profissional alega que começou a trabalhar com mais ênfase a temática das drogas. Pensando em discutir diversos temas ao mesmo tempo, levou o seu pai para a escola. Figura masculina que muitos não têm em casa, expressão em forma de música e por viver em um ambiente cercado de drogas no meio musical, estimularia questionamentos e reflexões. “Logo os alunos perguntaram sobre as drogas, meu pai disse: ‘ofereciam pedindo se eu não queria fazer a cabeça, eu respondia que minha cabeça estava feita desde os meus 16 anos, feita pela música’. É incentivo para eles, de mostrar que existem outros caminhos, que o barato é outro”, informa. A admiração dos alunos pela professora fica clara no comportamento destes nas aulas. Apesar de eufóricos nas rodas de capoeira e ao tocarem instrumentos e cantarem, conseguem manter o respeito e a harmonia. “Na real, depois que a sora começou a fazer tarefas
Cláudia mostra a diversidade da cultura africana nas aulas
17
Mural do Professor Aqui é o espaço onde o professor pode dar a sua opinião sobre o Circuito Papo Reto. Nos seminários, os docentes tem um espaço para preencher avaliando as palestras. Essa é a hora de se expressar e mostrar como é válida essa troca de experiência. E de que maneira essa iniciativa mudou a sua forma de pensar.
A sociedade normatiza ações de violência e as pune depois.
Nos emocionou e nos deu esperança pra recuperação de jovens no mundo do crime.
Rica troca de experiências. Continuar com esse tipo de formação com temas pertinentes que fazem parte da realidade dos alunos.
Mostrou um lado que nós não conhecíamos.
Depoimentos significativos e cheios de significados.
Ótimo! A presença de alguém que esteve no crime e que hoje está investindo na sociedade, produzindo, é muito bom para a nossa prática na sala.
Relatos ricos e emocionantes, sempre é possível mudar Lenne e Rodrigo. Parabéns.
A CUFA nos trouxe uma rica partilha de vida através do Rodrigo e do Lenne. A partilha dos dois me faz acreditar ainda mais na educação e ver que é possível criar métodos de ensino e formação de valores que previna.
Linguagem informal, acessível e atraente. Estabelece vínculo com o público.
A palestra foi bastante importante por resgatar o papel social da família e ressaltar a estrutura da assistência social e das redes de atenção e cuidado.
São projetos como este que, cada vez mais, nos ajudam e nos estimulam a continuar nosso trabalho.
Eu acho que o Papo Reto tem que invadir todas as escolas do Estado. As crianças e os adolescentes tem que ter a prevenção.
PapoReto Reto|18| |18|outubro setembro Papo
escola solução Em Porto Alegre, a iniciativa de prevenção ao crack nas escolas foi pioneira. Abrangendo os alunos de 51 escolas municipais da capital, a CUFA-RS realiza desde 2012 o Projeto Circuito Papo Reto Porto Alegre, projeto em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre através da Secretaria Municipal de Saúde e Educação e que neste ano ganhou outro parceiro importante: o Hospital Divina Providência. Em 2013 o objetivo é superar em 30% o número de atendimentos dos ano passado, através das ações realizadas nos pátios e salas de aula, com palestras, oficinas e atividades culturais inspiradas na ferramenta de prevenção “O Escudeiro da Luz em os Zumbis da Pedra“. Nesta edição, destacamos as seguintes escolas:
19
Rincão
por Igor Grossmann
Após mais de uma década de luta dos moradores do
ano letivo inicia, o corpo docente faz uma pesquisa
Belém Velho no Orçamento Participativo da cidade,
para ter uma noção daquilo que os alunos têm interesse
em 2009 foi inaugurada a Escola Municipal de Ensino
ou não em desenvolver no projeto Mixturando. A
Fundamental (EMEF) Rincão.
abordagem é transversal e a inscrição se dá pela
Como a escola era nova, a direção foi indicada pela
vontade do estudante. Em geral, são desenvolvidas
secretaria de educação. Dóris Helena de Souza é a
entre 10 e 14 oficinas a cada trimestre. Sabores do
diretora da instituição desde a sua inauguração, tendo
Rincão, mitos e crenças, customização de roupas e
sido reeleita para um segundo mandato. Na EMEF
objetos, confecção de bonecos, teatro são exemplos de
Rincão ela, juntamente com suas colegas, resolveu pôr
oficinas desenvolvidas no segundo trimestre de 2013.
em prática um plano pedagógico “maluco”, segundo suas palavras. Na escola estudam 470 alunos.
PAIS DEVEM SE ENVOLVER NO AMBIENTE ESCOLAR A CUFA-RS também marca presença desenvolvendo
“MIXTURANDO”
oficina de teatro com foco na prevenção às drogas,
Nascia o “Mixturando”, hoje já agregado ao
principalmente o crack. A diretora da escola, Dóris ,
planejamento político-pedagógico da escola, que
entende que toda parceria é bem-vinda, mas a mais
congrega os alunos de diferentes ciclos e séries
importante é com o pais, que devem se envolver
conforme seus interesses. Todas as quintas-feiras,
no ambiente escolar e acompanhar de perto o
os alunos deixam suas turmas regulares para se
desenvolvimento dos filhos. Ela afirma que os pais se
reagruparem conforme a oficina que mais lhes
fazem presentes nesta escola. “Aqui, a comunidade tem
desperta atenção, não importando a idade. A cada
característica específica, por ser uma zona rururbana.
trimestre, as temáticas são reajustadas. Desde 2010,
Sempre vem alguém, o pai ou a mãe. Já trabalhei em
já foram abordados temas como prevenção às drogas,
escolas, onde passei sem conhecer pai nem mãe de
sexualidade, espiritualidade, por exemplo. Quando o
alunos”, conta.
Igor Grossmann | CUFA-RS
Com o projeto Mixturando a escola cria um ambiente de integração com seus 470 alunos, que vão até o nono ano Papo Reto |20| outubro
por Igor Grossmann
Moradas da Hípica Igor Grossmann | CUFA-RS
A EMEF Moradas da Hípica estabelece uma boa ligação dos pais com a escola dando-lhes funções na instituição
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Moradas
RECEITA INFALÍVEL
da Hípica, no bairro Aberta dos Morros na zona sul
“Combater a ociosidade é o que nos leva a buscar
de Porto Alegre, recebe pelo segundo ano a parceria
parcerias”, conta a diretora da escola, Maria do Carmo.
com a CUFA-RS. Em 2012, foram realizadas oficinas
Ela dá a receita com a propriedade de quem já dirigiu
de fotografia, grafitti e teatro. Neste ano, a instituição
o Conselho Municipal de Entorpecentes, hoje Conselho
recebe semanalmente um oficineiro que trabalha artes
Municipal de Drogas de Porto Alegre. “A escola não
cênicas com uma turma de alunos.O colégio, que
pode ficar sozinha. A força do diálogo e da união entre
também possui educação infantil, atende cerca de mil
educadores, familiares e comunidade garante um
alunos em dois turnos.
futuro digno para estes jovens”, assegura Maria.
RELAÇÃO COM OS PAIS
PREVENÇÃO IMPORTANTE
De acordo com a diretora da escola, Maria do
Compartilhando a visão da CUFA, a direção da
Carmo de Souza, a relação dos pais no ambiente
escola entende que é mais importante prevenir o uso
escolar é ótima, pois eles conseguiram aliar um
de drogas e proporcionar atividades que desenvolvam
fator importante: todos os funcionários são pais de
a personalidade do aluno do que puni-lo quando este
alunos. “Isso ajuda a pensar em conjunto”, afirma a
comete algum erro ou se envolve com entorpecentes.
diretora. No local, há pai-monitor, pai-coordenador,
Na escola são desenvolvidas grupos de protagonismo,
pai-treinador de futebol, entre outros. Todos eles são
nos quais os estudantes trabalham projetos sobre
contratados como funcionários terceirizados. A direção
sexualidade, educação ambiental, autoconhecimento e
acredita que aproximar do ambiente escolar é o que
mediação de conflitos. Como diz a diretora, é preciso
vale a pena.
vencer a ociosidade. 21
Prof. Gilberto Jorge
por Bianca Oliveira
Bianca Oliveira | CUFA-RS
tudo”, conta a diretora Maria Rosângela. A CUFA FAZ A DIFERENÇA. Ao chegar no local, a diretora conversou com a nossa equipe e afirmou que a CUFA tem influenciado as escolas. “A CUFA está na escola desde o ano passado e, com a sua chegada, muitas coisas mudaram. Os alunos passaram a acreditar bem mais nos seus potenciais e a conviver bem mais uns com os outros”, disse a diretora orgulhosa. A CUFA exerce uma influência positiva nos alunos, diz Maria
MÃES PARTICIPAM MAIS QUE OS PAIS De acodo com a orientadoa da escola, Adriana
Quem passa na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Lombone, muitos alunos tem pais separados. Segundo
Gilberto Jorge não imagina a diversidade de alunos
ela, a figura paterna não comparece às reuniões. Alguns
que frequentam a instituição de ensino. “Temos alunos
pais participam quando são chamados para encontros
altistas, cadeirantes, com diversas dificuldades, mas
e conversas a respeito dos filhos. A orientadora salienta
para nós é um prazer lidar com todos, pois passamos
que é fundamental a participação dos pais, mas que,
a ver que não temos limites e que eles são a razão de
hoje, eles não comparecem.
Larry J. Alves
por Bianca Oliveira
O ambiente na escola Larry José Ribeiro Alves, localizada
dispostas e muito inteligentes. São uns amores”, afirma
na Restinga, é encantador. O diretor, Carlos Henrique
Carol. Com o passar das aulas, as meninas perderam a
de Oliveira, acredita que o contato dos alunos com
inibição e incorporaram o personagem, atuando sem
a CUFA tem sido muito importante. “Essa parceria é
nenhuma vergonha. “Depois que eu conheci a CUFA passei
muito positiva. Eu vi muitos alunos melhorarem depois
a fazer tudo. Hoje sou dramática e misteriosa mas prefiro
que começaram as atividades na escola”.
ser comediante”, relata Emile, aluna da oficina de teatro.
EXPECTATIVA DE PARCERIA LONGA
Carolina de Oliveira | CUFA-RS
O diretor espera que a parceria entre a escola e a CUFA dure muitos anos ainda. “Eu posso dizer que eu quero que essa parceria se alongue por muito mais tempo porque o que é bonito e deixa as crianças felizes, tem que durar”, afirma Carlos. OFICINAS Ao chegar na sala da oficineira da CUFA, Carolina de Oliveira, foi possível perceber em seu olhar tamanha paixão pelas meninas de sua turma. “Elas são muito Papo Reto |22| outubro
O diretor da escola espera continuar a parceria com a CUFA
por Eduardo Bertuol
Chapéu do Sol
Há 13 anos na comunidade, a escola municipal de
turmas parar participar é grande. “Este ano eu noto
ensino fundamental Chapéu do Sol, situada na Zona
que eles estão mais participativos e que alguns, que
Sul de Porto Alegre, encontrou dificuldades em seus
já saíram da escola, queriam fazer parte”, conta. “Ano
primeiros anos após a fundação. “A escola começou
passado, tivemos a grafitagem aqui, mas a oficina de
a funcionar em 2000 e naquele período tivemos
teatro este ano está chamando mais a atenção dos
momentos críticos em relação a violência”, conta a
estudantes e tendo mais repercussão”, revela. “Ter
vice-diretora Edianie Azevedo Bardoni. A polícia e o
um trabalho que vá ao encontro com aquilo que eles
SAMU iam com frequência para a escola devido as
estão gostando é fundamental para a escola e para os
brigas que ocorriam. “O loteamento da Chapéu do Sol
próprios alunos”, destaca.
foi construída e constituída entre grupos rivais de vilas e aqui era o ponto de encontro deles. Hoje, a situação
NÃO EXISTE NADA PARECIDO
é mais tranquila e existem poucas ocorrências”,
Como na comunidade não existe projeto parecido
acrescenta a vice-diretora.
com Papo Reto, a educadora destaca esta iniciativa. “Acredito que esse passo dado pela CUFA é muito
COMPROMETIMENTO COM A EDUCAÇÃO
importante, pois não possuímos algo semelhante
Comprometida e atarefada, a vice-diretora, Edianie
dentro da comunidade e a continuidade desse projeto
Azevedo Bardoni, resolvia as questões da escola
é de extrema relevância”, afirma Edianie. Na sala de
enquanto conversava com a CUFA. Há três anos no
aula, o oficineiro Gilmar Collares trabalha através do
cargo de vice-diretora e há 12 como professora da
hip-hop, rap, dança, teatro, e a leitura e interpretação
escola Chapéu do Sol, Edianie mostra comprometimento
do livro “O Escudeiro da Luz em: Os Zumbis da Pedra”.
com a educação dos alunos. “Tentamos manter os
Os agitados alunos mostram empolgação nos ensaios
estudantes aqui dentro com os projetos para deixá-los
da obra e principalmente da coreografia da música
longe das ruas”, conta.
“Thriller”, de Michael Jackson.
MÃES, AVÓS E TIAS COMPARECEM
Eduardo Bertuol | CUFA-RS
De acordo com a vice-dietora da escola, Ediane Bardoni, “muitos dos pais já tem outras famílias, alguns estão presos. Os poucos pais que participam são presentes e muito atuantes, mas a presença é mais matriarcal”. Em conversa com um aluno relembrou que alguns pais estão presos e que por isso não fazem parte do cotidiano escolar do aluno. As causas principais da falta de participação, de acordo com a vice-diretora, podem ser: a constituição de outra ou outras famílias, prisão, falta de interesse e principalmente trabalho. Avós participam consideravelmente. PAPO RETO Este é o segundo ano do projeto da CUFA na escola e Ediane comenta que a procura de alunos de outras
A oficina de teatro despertou o interesse dos alunos 23
Dolores Alcaraz Caldas
por Igor Grossmann
Há 42 anos alfabetizando e educando na Restinga,
CONTRATURNOS
a Escola Municipal de Educação de Fundamental
A escola recebe neste ano novamente a oficina
Dolores Alcaraz Caldas se orgulha de ter formado
teatral da CUFA. “É algo que veio para contribuir e
gerações de alunos. Hoje, 1.600 estudantes têm aula
que permite a construção de um novo caminho, uma
nos três turnos, sendo a noite reservada apenas para
abordagem diferente daquela utilizada normalmente
a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Neste 2013, foi
em sala de aula”, analisa Evelise. Na escola Dolores
implementada a educação infantil, que a vice-diretora
Alcaraz Caldas trabalham 100 professores, número
Evelise Romero classifica como “experiência positiva” e
que corresponde à alta taxa de estudantes matriculados
que deve ter continuidade.
na instituição. Com tradição no bairro, que possui dificuldades reconhecidas, os educadores se envolvem
Igor Grossmann | CUFA-RS
em projetos que permitem aos alunos desenvolverem atividades em turno reverso ao da aula. DIVERSAS ATIVIDADES No colégio, há coral de alunos, projetos de rádio e TV, ensino de robótica, clubes de futebol e vôlei, semana literária e também atividades na Semana da Consciência Negra, quando os professores trabalham a história, os heróis, a música, culinária e tem até um desfile da beleza negra. Isso tudo, segundo a vicediretora Evelise, é para enfrentar a competição desleal com o tráfico de drogas que existe na região. “O sucesso vem da parceria com as famílias. O papel da escola é importante, mas sem a família iremos perder este jogo. O traficante vence quando o pai e a mãe deixam de assistir o seu filho”, finaliza Evelise. OS PAIS SÃO PRESENTES De acordo com a professora Evelise, há um bom número de pais participantes em momentos de entrega de avaliação, reunião, eventos para comunidade. Ela afirma que crianças não apresentam problemas à toa, sem ter uma ausência familiar por trás. “Com certeza o pai está mais ausente. Pai muitas vezes é de passagem, não é algo mais fixo. Esse papel de alguém que segura a família é feminino, que tá presente na escola”. Mas isso não é generalizado. Ela afirma que alguns pais são presentes, que são de famílias mais estruturadas. “Não é que não exista a figura do pai, mas a mãe é
Os projetos abordam problemas de um jeito diferente Papo Reto |24| outubro
mais presente”, afirma.
por Igor Grossmann
Carlos Pessoa de Brum
Na Restinga, a Escola Municipal de Ensino Médio
VIOLÊNCIA
(EMEF) Carlos Pessoa de Brum atende a comunidade
O vice-diretor da EMEF Carlos Pessoa de Brum,
há 25 anos. Hoje, 1350 alunos estão divididos nos três
Alexandre Bello, trabalha há dez anos na escola. Neste
turnos - sendo a parte da noite reservada apenas para
período, ele contabiliza 12 alunos assassinados. “Aqui
a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na escola, há
na Restinga, existe uma banalização da violência.
diversos projetos promovidos pelos professores para
Como consequência das drogas e do tráfico, famílias
permitir opções de desenvolvimento para os alunos.
são desestruturadas. Isto acaba criando dificuldades de aprendizagem para as crianças”, diz com pesar.
OPÇÕES SUSTENTÁVEIS Com uma cozinha comunitária, os alunos aprendem
PAPEL DO PROFESSOR
a cozinhar e cuidar de uma horta, promovendo a
Mas Bello sabe que o papel do professor vai além
sustentabilidade. Neste campo, no colégio tem também
de passar conteúdos programáticos para os alunos.
um pequeno galpão de reciclagem em parceria com a
Professores também são insistentes sociais e sabem
Coopertinga.
que, ao conquistar um jovem e mudar a sua vida, eles estão minimamente mudando o mundo também.
OFICINAS Além da parceria com a CUFA, que trabalha
NEM PAI NEM MÃE
artes cênicas com os alunos, a escola também possui
“A grande maioria dos responsáveis vêm até a escola,
laboratórios de aprendizagens e oficina de robótica -
mas não são pais nem mães. São tios, tias, avós que são
além do Mais Educação, programa do governo federal
os responsávaeis pelos estudantes.”, afirma o vice-diretor
que desenvolve atividades para os alunos em turno
da escola, Alexandre Bello. Em relação especificamente
inverso.
ao pai, ele afirma que não se vê muito, quase nada.
Igor Grossmann | CUFA-RS
A EMEF Carlos Pessoa de Brum já teve 12 alunos assassinados, as oficinas da CUFA visam mudar estas estatísticas 25
Lidovino Fanton
por Eduardo Bertuol
Eduardo Bertuol | CUFA-RS
Na sala da direção da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Lidovino Fanton um computador registra as imagens das câmeras de segurança do local. Ao lado da tela, a diretora da instituição, Tirza Porto Azambuja Verri, diz que é de pouca utilidade, pois a comunidade acolhe a escola. “Como qualquer vila de Porto Alegre, existe o problema do tráfico e da violência, mas fica mais em torno da escola e não entra”, ressalta. “Nós temos uma excelente relação com a comunidade e isso faz com que a gente seja muito respeitado”, enfatiza.
O Papo Reto é o único projeto que fala de drogas na escola
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL NOS INTERVALOS
se tornando uma costura de coisas porque resolvemos
Tirza conta que existem jovens que pulam o muro
os problemas a partir da conversa”, ressalta Tirza.
da escola, mas para participar dos intervalos. “As
“Nesses três anos de funcionamento do projeto apenas
únicas situações de invasão ocorreram para participar
uma vez tivemos que levar o aluno ao DECA”, conclui.
do recreio para jogar bola ou namorar as meninas”, destaca. A vice-diretora da escola, Nara Machado,
PAPO RETO
acrescenta que a escola possui o projeto Brincar durante
A oficina do projeto Papo Reto realizado pela CUFA
os intervalos. “Esta inciativa é um curso de recreação
é o único que trata a prevenção de drogas na escola.
para as crianças e acaba atraindo a atenção de quem
Nara Machado relata a importância deste trabalho.
está de fora”, relata. No primeiro ano como diretora
“Tentamos sempre deixar os alunos em alerta sobre o
da escola, duas caixas de som foram roubadas da
assunto e agora com o Papo Reto os alunos possuem
instituição. “Este foi o único caso registrado nos meus
uma informação a mais sobre o tema”, destaca a vice-
cinco anos como diretora e gosto de enfatizar que
diretora. “E quanto mais conhecimento eles tiverem
graças à comunidade as caixas voltaram, pois quando
sobre isso, maior será a prevenção”, conclui. E é com
a comunidade soube, ela nos ajudou na busca”,
atenção e brincadeiras com o oficineiro Douglas Castro
ressalta a diretora.
que as crianças recebem todas as quintas-feiras pela manhã atividades com o livro “O Escudeiro da Luz em:
PROJETOS
Os Zumbis da Pedra”. Entre os trabalhos, os alunos
A diretora destaca que a escola possui vários
escolhem ilustrações para imitar e praticam cenas de
projetos ligados a percussão, letramento, dança,
capítulos da obra. Tudo isto sob um aquecimento feito
futebol e hip-hop, todos com oficineiros que não fazem
ao estilo do hip-hop.
parte da escola. “Essa ideia funciona como uma justiça restaurativa que é um momento de encontro das turmas
RELAÇÃO COM PAIS E MÃES
para resolver conflitos”, conta a diretora. A proposta deu
A relação é muito respeitável. Normalmente eram
tão certo que se estendeu não apenas para os alunos,
as mães que buscam as avaliações e iam nas reuniões.
mas também para funcionários, professores, famílias
Depois que ocorreu a mudança de turno da entrega de
de alunos da escola. “É uma prática que vem dando
avaliações e reuniões para a noite, há 6 anos, os pais
bons resultados, pois a escola toda abraçou e acaba
começaram a ser mais presentes do que as mães.
Papo Reto |26| outubro
por Igor Grossmann
Mário Quintana Igor Grossmann | CUFA-RS
O Papo Reto está no seu segundo ano de parceria com a escola localizada em um bairro conhecido pelo tráfico de drogas
Nascida de um desejo da comunidade Vila Castelo,
e o Mais Educação, do Ministério da Educação.
localizada no bairro Restinga Velha, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Mario Quintana está prestes a
CRIAR ALTERNATIVAS
debutar. Com 14 anos de história, a instituição conta
Para Cintia, é preciso criar alternativas para os
com 700 alunos atendidos nos turnos manhã e tarde.
jovens desenvolverem suas habilidades e ficarem menos tempo à toa na rua. Na escola Mario Quintana,
PARCERIA COM A CUFA
além de todas as atividades já destacadas, desde 2010
Além da parceria com a CUFA, onde há dois anos
acontece a Semana Mojuodara - que significa belo
são desenvolvidas oficinas de teatro, a escola busca
saber -, que dá visibilidade às diversidades de gênero,
outras maneiras de abordar a questão do combate às
étnico-racial, de orientação sexual, de classe, cultural
drogas. Há oito anos na escola, a vice-diretora Cintia
e de todo e qualquer tipo de deficiência. As atividades
Moser compreende a complexidade de tratar o assunto
acontecem na semana do dia 20 de novembro, alusivo
em uma região conhecida por ter forte presença do
à data da consciência negra.
tráfico de drogas. DIFICULDADE DE ENVOLVER FAMÍLIA OUTROS PROJETOS
A coordenadora Andreia falou que existe bastante
No colégio, são desenvolvidas ações como o
dificuldade em envolver as famílias com a escola.
Programa Educacional de Resistência às Drogas e à
“Muitos não estão perto, não são efetivos no
Violência (Proerd) pela Brigada Militar, além de oficinas
acompanhamento. Apenas quando temos que chamá-
de percussão, teatro, artes plásticas, informática, rádio,
los para conversas em particular”. Ela afirma ainda
dança, esporte e até yoga através de programas como
que existe uma dificuldade de ver tantos pais quantos
o Cidade Escola, da secretaria municipal da educação,
mães acompanhando de perto o filho na escola. 27
Nossa Senhora do Carmo por Igor Grossmann Igor Grossmann | CUFA-RS
colégio é referência para os moradores do bairro. RESULTADO SATISFATÓRIO Em 2012, alunos na faixa etária entre dez e onze anos trabalharam o livro “O Escudeiro da Luz em: Os Zumbis da Pedra” em uma oficina de teatro promovida em parceria com a CUFA. Para a vice-diretora Maria Inês, o resultado foi mais que satisfatório. “Eu adorei, pois a maioria dos professores tem dificuldade de abordar este tema das drogas, principalmente em uma comunidade que tem presença de traficantes, como é a nossa”. Segundo ela, a abordagem foi trabalhada de maneira significativa entre os alunos. O livro da CUFA ajudou na abordagem sobre drogas
MÃES SÃO MAIS FREQUENTES A Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Nossa
De acordo com a vice-diretora da escola, Maria Inês,
Senhora do Carmo atende cerca de 800 alunos, durante
a relação da escola com os pais é bem pontual, ela só
os três turnos. Na instituição, localizada na Quinta
acontece quando marcam reuniões. “A comunidade
Unidade do bairro Restinga, há também a Educação
tem várias lideranças e as mães são bem mais
de Jovens e Adultos (EJA). O colégio foi inaugurado há
frequentes”, afirma. A vice-diretora diz também que a
onze anos e a vice-diretora Maria Inês Lopes trabalha
relação com a comunidade é diferente, pois quando
lá desde o princípio. Moradora da região, ela conhece
os pais não podem, os vizinhos vão até a escola para
as dificuldades sociais enfrentadas pelos habitantes da
buscar. Recentemente, a escola reuniu mais de 300
Restinga. Na visão de Inês, a escola é o único braço do
pais em uma reunião após a instituição de ensino ser
Estado que atua permanentemente no local. Assim, o
apedrejada.
A IMPORTÂNCIA DE QUEM É PARCEIRO
possível. É impossível você fazer uma transformação social sem essa conexão.
Quando a CUFA propõe uma parceria à uma empresa,
instituição
ou
organização
é
A CUFA passou alguns anos da sua vida conversando
porque
com pessoas na porta de beco, conversando com
entendemos que esse tem uma conexão no seu destino
aqueles que eram os desagraciados e infelizes da
social.
vida. E essa conversa também não trouxe resultados
Quando nós chegamos para falar com o Hospital
benéficos por que a gente acabava compartilhando a
Divina Providência e com a Secretaria Municipal de
nossa miséria, a nossa tristeza, chegando à conclusão
Saúde de Porto Alegre, que faríamos o Circuito Papo
que nós éramos incapazes de fazermos a diferença. Por
Reto, eles não olharam pra gente com aquele olhar de
outro lado, a CUFA também conversou com pessoas
preconceito, que naturalmente as gerações anteriores
durante muito tempo, que estavam nas suas estruturas
nos olharam. Pelo contrário, eles decidiram apostar
de poder, víamos que elas que elas tinham seus anseios,
na ideia, acreditando que o resultado positivo seria
elas tinham, inclusive, boa vontade de fazer, mas o que
Papo Reto |28| outubro
por Bianca Oliveira
Sen. Alberto Pasqualini Bianca Oliveira | CUFA-RS
Uma escola grande, com pátio espaçoso e cerca de 1500 alunos. Desses, os vinte que participam da oficina de teatro do Projeto Papo Reto são muito animados e dispostos a fazer tudo o que for proposto nas aulas. TURMA UNIDA “Gosto muito de quando tem as aulas de teatro aqui na escola, pois, por mais que sejamos da mesma turma, só ficamos todos juntos aqui quando estamos em aula com o professor Aloísio,” afirma o aluno William Antunes. MUDANÇA PARA MELHOR A diretora da escola, Sueli José da Silva, ressalta a importância que a CUFA tem dentro da escola. “Com a chegada da CUFA aqui, muita coisa mudou. Hoje eu posso dizer que os alunos aprenderam a se expressar da maneira correta. E o que os alunos gostam, eu
Animação é a característica da turma que participa da oficina
gosto muito mais” afirma ela. que acaba desestruturando a família pois não há uma FAMÍLIAS DESESTRUTURADAS
participação, de fato, da figura paterna. “Isso é um
Sueli acredita que sempre foi mais difícil trazer os
problema social. Na primeira infância, o sentimento
pais para dentro do ambiente escolar. “Não são muitos
de abandono, na adolescência vem a revolta, o que
os pais presentes, aparecem mais as avós e as mães.
atrapalha e compromete os estudos e o comportamento
De acordo com ela, muitas crianças tem essa carência,
do jovens.”, afirma.
os faltava era a linguagem adequada ou, muitas vezes,
vendo na revista Papo Reto, e que vocês podem
o jeito correto de falar com essas comunidades.
diagnosticar em todo o projeto. Então, a gente fica
Foi por isso que a CUFA resolveu fazer o processo
muito grato a você que é nosso parceiro e convidamos
de conexão. Juntar a expertise da necessidade que
você que está lendo essa publicação e quer ser nosso
a periferia tem para realizar a transformação com a
parceiro a chegar junto, porque o nosso objetivo no
capacidade de fazer as coisas que as outras classes
final das contas é dizer que estamos juntos e misturados,
sociais possuem. O resultado é esse que vocês estão
fazendo a diferença.
29
Alex Bertolazi | CUFA-RS
Fez muita falta a palavra paterna Seu nome é Alex Pereira Barbosa, mas é conhecido
muito para identificar aquela mulher que acaba sendo
como MV Bill. Rapper, escritor, cineasta e fundador da
a chefe do lar, mas não só porque ela tem mais dinheiro
Central Única das Favelas, ele iniciou a carreira na
e ou porque é a que mais trabalha. É porque ela fica
música em 1988. Paralelamente à carreira de rapper,
com a responsabilidade sozinha de cuidar, criar e
MV Bill lançou em 2005, junto com outro idealizador
ensinar uma cria que ela não fez sozinha, que são os
da CUFA, Celso Athayde, o livro “Cabeça de Porco”.
filhos. E nessa responsabilidade de “pãe”, ela tem que
No ano seguinte, “Falcão - Meninos do Tráfico” ficou
sustentar, que tentar educar sozinha, tentar orientar.
conhecido nacionalmente ao ser exibido no programa
Acho que é uma nomenclatura muito cruel.
“Fantástico”, da Rede Globo. O documentário narra a
Hoje em dia, infelizmente, a figura da “pãe” é muito
história de 17 jovens que se envolveram com o tráfico
presente nas famílias, principalmente nas camadas
de drogas, onde somente um sobreviveu.
mais pobres. Muitas mulheres de várias idades têm
Bill conviveu com a separação dos pais quando
segurado a onda sozinhas e são verdadeiras guerreiras
era criança, e viu sua mãe tomando conta da família
que deveriam ser homenageadas e reverenciadas.
quando o pai saiu de casa. A partir desta experiência,
Acho que no fundo, não deveria ser assim na realidade.
o rapper criou um novo termo: “PÃE”, que é a mistura de “pai” com “mãe”. Confira a entrevista exclusiva que o rapper concedeu à revista Papo Reto:
PAPO RETO - E pela sua experiência, você acredita que a ausência do pai hoje em dia é uma realidade nas favelas brasileiras?
PAPO RETO - O que é Pãe para você? MV Bill - O assunto de “Pãe” a gente tem utilizado Papo Reto |30| outubro
MV Bill - Atualmente, ela acontece em vários níveis sociais, mas nas periferias é uma realidade muito
presente. Vários parceiros engravidaram as mulheres
ao mesmo tempo que ela me inspira por ter terminado
e acabam sumindo. Aconteceu isso dentro da minha
de criar eu e meus irmãos sozinha, ela também me
casa, é a minha realidade. Quando meus pais se
inspirou a não gostar de Rap. O fato dela não me apoiar
separaram eu tinha 14 anos. Mas ele se separou não
pesou, por incrível que pareça. Ela tinha o sonho de eu
só dela, mas de mim e dos meus irmãos também,
me tornar funcionário público, por conta da segurança
então durante muito tempo, na minha adolescencia até
financeira. Então, foi importante essa dúvida dela para
a minha fase adulta eu fui criado só pela minha “pãe”.
eu me cuidar mais e para ter mais convicção da minha
E fez muita falta a palavra paterna, alguma orientação
escolha. Porque para você escolher um caminho que
masculina que pudesse orientar o meu caminho. Por
a sua mãe é contra, você tem que ter muita certeza
outro lado foi bom, porque eu fui desenvolvendo mais
daquilo que você quer. E ela sempre foi uma pessoa
a sensibilidade pelo lado feminino, e hoje, pratico isso
que ditou os meus caminhos e quando chegou na
com os meus sobrinhos, já que eu ainda não tenho
decisão profissional, eu tive que decidir sozinho, meio
filhos. Eu tento trazer um papo maneiro, um tipo de
que contrariando a vontade dela. Mas hoje ela respeita
conversa que eu não tive.
o que eu faço, gosta e se diverte também.
PAPO RETO - Você é filho único? MV Bill - Não. Tenho duas irmãs, que são filhas do meu pai e da minha mamãe. Uma delas é a Kamila,
PAPO RETO - Se você encontrasse o seu pai quando você tivesse 18 anos? Qual conselho você daria para ele?
que toca comigo. E tem mais oito irmãos por parte de
MV Bill - Sabendo o desfecho da história, não sei se
pai, tudo com mulheres diferentes, que não se casou
eu falaria algo. Acho que não falaria nada não. Se eu
com nenhuma delas. Então eu tenho oito irmãos que
voltasse anos atrás, eu ia voltar já sabendo o que vai
são criados por oito “pães”.
acontecer no futuro e mesmo não sendo o ideal para mim, não foi mal. Como o meu desfecho não foi um
PAPO RETO - No documentário “Falcão, Meninos do Tráfico”, qual era a relação dos meninos com os
desfecho que eu considero triste, eu deixaria tudo do mesmo jeito.
seus pais? MV Bill - Quase nenhuma com o pai homem. Tem uma passagem no documentário que o nome é
PAPO RETO - Quem você acredita ser um exemplo de pai perfeito? Quais qualidades ele tem que ter?
“Meu pai”. Nela, há uma série de relatos dos jovens
MV Bill - Eu sou não pai, mas pelo fato de eu ser
falando do distanciamento da relacão com o pai.
criado por uma “pãe”, eu consigo dar para os meus três
Ao mesmo tempo ocorre uma grande devoção pela
sobrinhos uma atenção que eu não tive. E vejo muitos
mãe que acabou se tornando a “pãe”. Eu não quero
amigos meus que são pais e não fazem um terço do
dizer que sem a figura paterna qualquer jovem vai se
que eu faço pros meus sobrinhos. Não pela questão
marginalizar, a menina vai virar prostituta e o menino
financeira, mas pela preocupação. Então às vezes eu
vai virar traficante, não é isso. Porém, curiosamente, a
vejo que eu sou quase um pai dentro do padrão que eu
maioria dos jovens que a gente conversou dentro do
considero o ideal. E as minhas referências de pai são
documentário justamente não tinha a figura paterna
as coisas que eu faço para os meus próprios sobrinhos.
próxima. PAPO RETO - Está nos teus planos ser pai? PAPO RETO - O que a Dona Cristina representou na tua vida? MV Bill - Minha mãe foi muito importante. Porque
MV Bill - Mais para frente sim. Eu faço parte de uma geração que precisa se programar para ter filhos. Eu amo crianças, mas ainda tenho que planejar. 31