Revista Amazonia Judaica - Edição 3

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EDITORIAL “Simchá Rabá, Simchá Rabá Aviv Higuia, Pessach bá” Editores David Salgado Elias Salgado Assessoria Jornalística Márcia Cherman Sasson

Não, por aqui não chegou a primavera, mas é como se tivesse chegado, tamanha é a alegria com a proximidade de Pessach e o fato de que pelos quatro cantos do mundo, em torno de mesas festivas do Seder, milhões de judeus recitarão uma vez mais “Shehecheianu

Projeto Gráfico, Arte e Diagramação Thiago Zeitune

Vequiemanu Vehiguianu Lazman Hazé”, agradecendo a D’us por

Colaboradores Rabino Eliahu Birnbaum Luiz Benyosef Michael Freund Yehuda Benguigui

família ou em comunidade, narrarão e recordarão, como fazemos

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lhes permitir chegar até este momento, abrindo suas Hagadot e, em há milênios, a nossa trajetória histórica, do seu ponto inicial – o Êxodo do Egito - aos dias de hoje, revivendo nossa tradição e renovando a crença na Gueulá (Redenção) Sim, Pessach é o grande tema desta edição de Amazônia Judaica e optamos por abordá-lo através de uma matéria sobre a importância e a beleza da Hagadá através dos tempos. Um motivo particular de júbilo é o lançamento da primeira Hagadá editada no Brasil, voltada especialmente para o público sefaradi e marroquino, destaque em nossa capa. Fechando a temática, um interessante e rico artigo sobre a tradicional festa de Mimona. Pessach é também Chag HaBikurim, quando os primeiros frutos do ano são colhidos nos campos de Israel. E de novos frutos também falamos nesta edição. Você os encontrará nas matérias que abordam temas ligados às kehilot que denominamos Universo Sefaradi, como a Espanha, Portugal e o Brasil. E claro que nossos antepassados do Marrocos não foram esquecidos, estão presentes em artigo sobre um dos nossos grandes tzadikim (sábios). Como podem perceber, as “novidades” são o tom desta edição, mas tenham certeza de que o tradicional padrão de qualidade que acompanha Amazônia Judaica desde seu primeiro número é o mesmo. Boa leitura. Pessach Kasher Vessameach. David e Elias Salgado 3


A IM AGEM D A CAPA

PESSACH SEFARADI UMA FESTA SINGULAR Dentre todas as festividades do calendário hebraico, a Festa de Pessach é, sem dúvida alguma, a que mais nos envolve, tanto tradicionalmente como historicamente. Não creio existir uma edá (grupo, segmento) do povo judeu, tão rica em tradições como os judeus sefaradi de origem marroquina, e uma diáspora tão repleta de histórias emocionantes como a dos judeus marroquinos que emigraram para o Brasil no início do século 19, especialmente para a Amazônia. Tudo começou, entretanto, há muito tempo. Da escravidão no Egito, alcançamos nossa liberdade física, e conquistamos a terra prometida por D’us a Abraham, Isaac e Jacob. Nela construímos o Templo Sagrado, e séculos depois fomos expulsos de nossa própria Terra Sagrada e passamos a viver no Galut (exílio). Uma das mais importantes Diásporas do povo judeu, por sua contribuição para o judaísmo e também para a humanidade, foi a Diáspora Sefaradi. Em Sefarad, os judeus desfrutaram de uma época ímpar de sua história, que culminou 4 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011

com a chamada “Idade de Ouro do Judaísmo Espanhol”. Porém, foi também na Península Ibérica e nas colônias espanholas e portuguesas, que o povo judeu sofreu uma de suas maiores catástrofes, só comparada, ao Holocausto nazista; refiro-me à Inquisição imposta pela Igreja Católica durante mais de 300 anos. Os judeus sefaradi partiram, então, para uma nova Diáspora e parte deles foi para o Marrocos, um país árabe, onde puderam se juntar aos judeus que lá já viviam há séculos, desde praticamente a destruição do Segundo Templo Sagrado. Neste caleidoscópio cultural, desenvolveram-se costumes típicos judaico-marroquinos que transformaram Pessach, nossa festa mais tradicional, numa comemoração rica e singular. Esta Hagadá, que ora apresentamos, é especial, porque traz, pela primeira vez, ao público judaico brasileiro, em especial, o sefaradi, toda esta cultura judaico-marroquina. Esperamos, assim, estar contribuindo para a preservação de nossas raízes. Pessach Kasher Vessameach!


ANO 3 • Nº3 • ABRIL / 2011

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COSTUMES E TRADIÇÕES Mimona, a noite da fé

EDITORIAL 3

23 O Berço da

COMUNIDADES Diáspora

A IMAGEM DA CAPA 4 Pessach Sefaradi - Uma festa singular NOSSOS SÁBIOS 9 Rebi Abraham Azulay z”l, o justo HISTÓRIA 12 50 anos depois: Justiça para o “Dreifus Português” CAPA 14 Hagadá, beleza e arte de uma narrativa através dos tempos RESGATE CULTURAL 20 Confarad

26 CRÔNICA Quando nem “Sete

Vidas” são suficientes

CARTAS DOS LEITORES 28 MENSAGENS 29


C OSTUM ES E TRADI ÇÕE S

MIMONA A NOITE DA FÉ por David Salgado*

Pessach é um só para todo o povo judeu, porém com o advento da diáspora e o surgimento de distintas edot, inúmeras tradições e costumes específicos, passaram a marcar cada uma delas. E entre os judeus do Marrocos, é a Mimona que faz a diferença. 6 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011

A

pesar de sempre ter participado dos festejos de Mimona na minha cidade natal (Manaus - Amazonas no Brasil) e depois em Belém, onde passei a viver antes de fazer aliá com a minha família, admito que Mimona para mim sempre foi uma incógnita. Dentre todas as comemorações do nosso calendário, era a que menos informação e compreensão de seu verdadeiro motivo pude adquirir, já que poucos sabiam explicar seus “porquês”. Assim, cresci sem saber maiores detalhes sobre esta noite tão especial. O que mais me deixava intrigado era de onde veio o nome desta festa. Existem muitas explicações para esse fim, a mais comum é a que diz que Mimona vem do nome de Rabi Moshe ben Mimon, que era o pai de Rambam e que havia falecido exatamente neste dia, no dia de Mimona.

Na Mimona, toda a riqueza da tradicional culinária marroquina

Outra explicação diz que o nome Mimona vem da palavra árabe “mimon”, cujo significado é “sorte ou sucesso”, porque acreditam que nesta noite os portões dos céus estão abertos e que D’us recebe todas as orações e todos os pedidos. É um dia de muita sorte. É também por esse motivo que, na noite de Mimona, comemos e decoramos a mesa com coisas que lembram bênçãos e que trazem sorte e abundância como o mel, o leite, o trigo, os ramalhetes verdes (espigas de trigo), peixes e coisas doces. O cumprimento mais comum nesta noite é o desejo de “sucesso e boa sorte”. Uma terceira explicação para esta festa vem do hebraico, emuná (Fé), que tem sua raiz bem próxima à palavra Mimona. A primeira Gueulá (Salvação) do povo aconteceu no Egito, no mês de Nissan, assim também a última Gueulá virá em Nissan. Por isso temos que ter fé de


que o Messias virá em Nissan e como já estamos no sétimo dia de Pessach, mais da metade do mês já passou e ainda não veio a Salvação, festejamos Mimona para aumentar a nossa fé na Gueulá do Povo de Israel. Também gostaria de saber por que dessa comemoração no último dia de Pessach? Qual a ligação de Pessach com Mimona? Apesar de há séculos Mimona ser comemorada em quase todas as comunidades sefaradis, sua origem está nas comunidades judaicas do Norte da África no século 18 e era originalmente chamada de Noite da Fé (Leil Emuná). A saída do Egito é comemorada no dia 15 de Nissan, quando o Faraó após a última praga, a dos primogênitos, liberta os judeus. Não demorou muito e ele se arrepende e começa a perseguir o povo judeu. Quando os egípcios chegaram às margens do Mar Vermelho, já era o sétimo e último dia de Pessach. Logo, quando viram Bnei Israel, que os egípcios estavam bem atrás de si e o mar bem a sua frente, pensaram que a saída do Egito tinha sido em vão e que eles retornariam para lá como escravos ou morreriam ali. Mas quando viram o

grande milagre, o Mar Vermelho se abrindo, eles passarem e os inimigos se afogarem, só então acreditaram em D’us e em Moshe, seu servo. Um momento de muita fé.

Portanto, se prestarmos atenção

D. Cota Melul, filha do chacham (sábio) Isaac Pinchas Melul Belém / PA

A mesa farta, ponto alto da comemoração.

nos costumes de Mimona veremos que muitos deles têm ligação com o milagre da travessia do Mar Vermelho. a) Festeja-se Mimona logo após o último dia de Pessach exatamente no dia da Travessia do Mar Vermelho. b) Costuma-se ir à praia na manhã seguinte à noite de Mimona já que o milagre ocorreu no Mar. c) Costuma-se colocar um peixe inteiro na mesa de Mimona em lembrança da travessia do Mar que se abriu para a passagem do povo judeu. A tradição de manter a porta aberta em Mimona é porque nesta noite costuma-se visitar e também ser visitado pelos amigos, parentes e todos que queiram vir sem necessariamente terem sido convidados. Fazer visitas e também esperar que venham a sua casa é para degustar os diferentes sabores das delícias da mesa de Mimona. Existiria um motivo melhor do que esse? Há uma explicação que diz que como nossos antepassados no Egito tiveram que fechar suas portas depois de marcá-las para que o anjo da morte não os visitasse assim em Mimona,

Bibi Netanyahu em uma festa de Mimona em Israel

após o Pessach, abrimos nossas portas para que a Gueulá possa entrar. A mesa para Mimona tem um singular preparo e objetivo. Indiferente de sua origem os costumes são aproximadamente estes: Coloca-se uma toalha branca e decora-se com ramalhetes verdes toda a mesa. Esse costume de decorar a mesa com ramos, que geralmente são espigas de trigo, é para lembrar o “Korban Haomer”, no segundo dia de Pessach, a oferenda do Ômer (da nova colheita de cevada) era trazida ao Templo Sagrado, em Jerusalém. Alguns costumam acender velas sobre a mesa. Um prato grande e fundo com uma massa especialmente preparada de trigo com óleo e água, essa mesma massa posteriormente serviria para fazer os novos pães. Moedas de prata e ouro são enfiadas dentro da massa na esperança de ver seus pedidos se multiplicarem como a massa que fermenta. Alguns costumam colocar seus anéis de casamento e desejar que venha o filho tão esperado em breve e com saúde. Leite, mel, manteiga, frutas secas e doces diversos. O peixe é tradicional na mesa de Mimona, lembra fartura e tem sua ligação com a travessia do Mar Vermelho. Alguns costumam colocar um peixe vivo dentro de uma bacia com água. E Mimona não é a mesma, sem as tradicionais mufletas, pequenas 7


C OSTUM ES E TRADI ÇÕE S rodelas de massa assadas e banhadas em mel e manteiga.

Para quem pergunta, assim como eu, como é possível fazer todos esses quitutes em tão pouco tempo, entre uma hora após a saída da Páscoa e a chegada dos visitantes, já que em Pessach é proibido ter chametz em casa e muitas dessas delícias levam trigo? Primeiramente, devemos acabar de uma vez por todas com a ideia de que depois do meio-dia já se pode deixar entrar trigo em casa, isso é totalmente errado, estaríamos cometendo um pecado. No Marrocos, o que acontecia, é que os árabes já conhecendo nossas festas, preparavam as espigas de trigo, o próprio trigo, a manteiga e levavam para vender aos judeus nos melahs ao findar o Chag. Com o material em mãos, as donas de casa, com impressionante habilidade, corriam para preparar seus quitutes. Hoje em dia, os judeus na Diáspora não têm muito esse problema, pois podem adquirir dos goim (não judeus) sem muita complicação, mas se quiserem, podem fazer como algumas donas de casa fazem em Israel: aqui aonde deveria ser um pouco mais complicado, já que não temos o não-judeu, o problema foi solucionado com o preparo de todas as massas necessárias antes de Pessach e vendendo-a ao nãojudeu através da “venda do chametz”, logo, uma hora após a saída do Chag, esse material é retirado do lugar que foi fechado antes da Páscoa e pode ser usado para Mimona. Em Israel, os judeus do Norte da África que imigraram nos anos 1950 e 1960 continuaram comemorando a Mimona em família. No ano de 1966, aconteceu a primeira tentativa de fazer Mimona de maneira mais ampla e popular. Com os anos, os festejos da saída de Pessach se espalharam por todo o país. Hoje em dia, Mimona é 8 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011

comemorada em cerca de 70 cidades e, principalmente, em Jerusalém com a presença do Primeiro-Ministro, do Presidente e de outros inúmeros políticos. Na verdade este caráter político acabou por tornar a festa de Mimona bem menos original e fez com que perdesse o seu brilho mágico incomum. Concluindo, seja qual for seu costume, sua maneira de fazer ou comemorar Mimona, não podemos deixar acabar essa festa tão especial e tradicional, outrora celebrada pelos judeus norte-africanos, mas comemorada hoje em dia em todo Estado de Israel, por todos os israelenses, sefaradis e asquenazis, assim como em inúmeras comunidades na Diáspora.

Mufletas e Binuelos. Sem eles a Mimona não é a mesma.

Em Israel, os judeus do Norte da África que imigraram nos anos 1950 e 1960 continuaram comemorando a Mimona em família.

Em Israel, a culinária e a música marroquina, são preservadas

* David Salgado é Coordenador do Dptº de Anussim, Brasil e Portugal, da Shavei Israel e Diretor do Amazônia Judaica


N O S S O S S Á BIOS

REBI ABRAHAM AZULAY z’l

O JUSTO

Por Yehuda Benguigui*

A incrível saga do grande Tzadik do Marrocos, que faleceu misteriosamente em Israel. conhecimento. Era considerado um verdadeiro prodígio. Ele possuía dons extraordinários. Sua capacidade analítica e comparativa era incomparável. Logo, sua reputação de um Dayan e Chacham (Juiz e Sábio), da melhor estirpe de toda a região de Fez, espalhou-se. Mas, este fato teve um efeito característico dos verdadeiros sábios, Rebi Azulay tornou-se de uma humildade marcante, uma das importantes características de sua personalidade. Corria o ano de 1600 e a situação no Marrocos se deteriorava. Rebi Abraham Azulay, o neto, estava com cerca de 30 anos. A outrora pujante e progressista

cidade de Fez, passa a enfrentar penúria e pobreza. Diante de todas estas agruras, Rebi Abraham Azulay abandonou o Marrocos para viver na Terra de Israel.

Sua capacidade analítica e comparativa era incomparável. Logo, sua reputação de um Dayan e

Chacham (Juiz e sábio), da melhor estirpe de toda a região de Fez, espalhou-se. (Foto: Aziza S Benguigui, Agosto de 2009)

R

ebi Abraham Azulay z’l, conhecido entre os sábios do Marrocos como Hatzadik (O Justo), nasceu na cidade de Fez, no Marrocos, em 1570, filho de Rebi Mordechay Azulay z’l, descendente de uma dinastia de judeus de alta linhagem rabínica e de erudição talmúdica da Espanha. Rebi Abraham Azulay z’l, conhecido como Hazaken (o Ancião) pai de Rebi Mordechay, de quem Rebi Abraham herdou o nome, foi um dos maiores Rabinos de Sefarad (Espanha). Com a expulsão dos judeus de Espanha, em 31 de março de 1492, o gaon, Rebi Abraham Azulay, Hazaken, refugia-se no Marrocos e se instala com toda sua família na cidade de Fez. Todos os habitantes da cidade, entre estes judeus e muçulmanos, passaram a venerar esta personalidade, por sua erudição e princípios de vida exemplares. Mas, o principal motivo deste enorme respeito, era por sua devoção aos temas esotéricos da Torá, a partir

do que granjeou fama de operar nissim veniflaot (milagres e maravilhas) a todos a quem dirigia suas berachot (bençãos). Rebi Abraham Azulay, o neto, se distinguia de todas as outras crianças de sua idade por sua grande sabedoria e capacidade de armazenar

Mearat Hamachpelah (A Cova dos Patriarcas), em Hebron, Israel, onde ocorreram os episódios que antecederam o falecimento de Rebi Abraham Azulay z’l 9


NOSSOS SÁBIOS

Bruscamente, durante uma noite, o mar agitou-se com vagas e ondas de grande altura. O desespero tomou conta dos passageiros e da tripulação. Várias

horas se passaram, Rebi Azulay estava neste momento meldando (rezando) Tikun Hatzot, quando foi interrompido pela turbulência e gritos. Não havia nenhum sinal de que estivesse passando o mal tempo. Rebi Azulay, percebendo que já amanhecia vestiu seu Talet (Xale) de orações e seus Tefilim (Filactérios) e iniciou uma série de Tefilót e Segulot- orações e proteções esotéricas, com grande Kavanah (concentração). Ao concluir suas orações, fechou seu livro e permaneceu de pé, contemplando o horizonte. Em poucos minutos, o mar se acalmou e o barco pôde continuar navegando e chegou a Atenas. Depois de ancorados no porto, Rebi Azulay saiu a procura da comunidade local, sendo recebido pelos chachamim da cidade. Ao regressar ao porto para seguir viagem, foi surpreendido com a má noticia de que o barco acabava de ir ao fundo. Aparentemente, a violência da tempestade em alto mar danificou porções vitais do casco do navio, pelo que só puderam chegar milagrosamente ao porto... 10 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011

Rebi Azulay estava reconhecido pelo milagre do qual havia sido inclusive o instrumento, e pelo qual, foi poupada sua vida e de todos os que se encontravam a bordo. Mas, ao mesmo tempo, o Tzadik ficou inconsolável, pois dentro do barco, havia ficado a bolsa com os manuscritos. Rebi Azulay pretendia compartir seu trabalho com os mekubalim (cabalistas) de Eretz Israel e ali publicar seu livro. Depois do choque inicial, Rebi Abraham Azulay aceita em silêncio o decreto divino e se conforma com a perda de sua obra e permanece na cidade por quase 10 anos. Rebi Abraham Azulay finalmente

Ao concluir suas orações, fechou seu livro e permaneceu de pé, contemplando o horizonte. Em poucos minutos, o mar se acalmou e o barco pode continuar navegando e chegou a Atenas.

desembarcou em Eretz Israel no ano de 1610 e decidiu estabelecer-se em Kiriat Arbah, na cidade de Hebron, justamente por estar aí a Mearát Hamachpelá (A Cova dos Patriarcas) e junto a vários chachamim, passa a dedicar-se ao estudo da Torah. Depois de algum tempo, as áreas de Hebron e Jerusalém foram acometidas de uma epidemia e Rebi Azulay, acompanhado de sua familia e alunos, passa a viver em Gaza. Enquanto viveu em Gaza, se dedicou a redação de seu comentário sobre o Tanach e os outros escritos, baseado no pshat (interpretação) simplificada da Cabalá, intitulado “Baal Brith Abraham”. Posteriormente, Rebi Abraham Azulay regressou com sua família e seus talmidim à cidade de Hebron, onde permaneceu até o fim de seus dias. Um halo de mistério pairou sobre as circunstâncias em que sua morte ocorreu... Um dia, o Grão Vizir da Turquia decidiu peregrinar na Mearát Hamachpelah, em Hebron, que também é um lugar sagrado aos muçulmanos. (Foto: Aziza S Benguigui, Novembro de 2008)

Para a longa viagem por mar, não levava praticamente nenhuma bagagem, com exceção de uma sacola de couro, onde estavam seus manuscritos, resultados de sua dedicação por décadas, na preparação de seus comentários com a interpretação do nível sód (esotérica) do Chumash (Cinco Livros de Moysés). Durante a viagem, esteve imerso em contritas orações e dedicando-se a sua magistral obra sobre a Torá.

Yehuda Benguigui em frente às muralhas da velha cidade de Fez, cerca do “melah” desta cidade, onde viveu Rebi Abraham Azulay


Assim que chegou na caverna, indagou: até onde conduzia a entrada? Explicam-leh que, segundo a tradição, estão enterrados Adam (o primeiro homem), e os Patriarcas. Mas explicaram-lhe também que não podia ir mais além dos locais permitidos para orar, pois não permaneceria com vida, se tentasse explorar as profundezas da mesma. Enquanto indagava, eis que sua espada escorregou e caiu nas profundezas da caverna.Cheio de curiosidade o Vizir ordenou que um assistente fosse explorar a caverna. O mesmo foi recolhido por cordas que lhe amarraram, sem vida. Ordenou que outro e mais outro e todos os pobres homens eram retirados mortos depois de algum tempo e desta forma o Vizir ficou sem poder saciar sua curiosidade sobre até onde a caverna iria... Assim, encolerizado gritou que a solução estaria com os judeus. Ato seguinte ordenou que viesse a sua presença o líder da comunidade e assim, trouxeram o Grão

Ao surgir, com a espada do Vizir nas mãos, declarou a seus talmidim: eu encontrei os Patriarcas... eles me ensinaram os segredos da Shechinah (da presença de D-us)...

Nas casas dos descendentes dos judeus do Marrocos, onde quer que se encontrem, recordam a cada “Motzaei Shabat”- “La noche de Echad” ou noite de saída do Sábado, a Rebi Abraham Azulay z’l Rabino de Hebron, o Tzadik Hamekubal (Justo Cabalista) Rebi Eliezer Arha z’l. A este indicou que tinha 24 horas para que alguém descesse a caverna e fosse recuperar sua espada. Caso não a trouxessem, mandaria executar todos os judeus da cidade. A comunidade judaica de Hebron se reuniu, implorando por uma solução milagrosa ao Criador. Os Rabinos decidiram fazer um sorteio para ver quem seria o escolhido para esta missão, o nome sorteado foi o de Rebi Abraham Azulay z’l, que se prepara imediatamente com um profundo recolhimento e humildade. Fez tebilah (imersão ritual) , vestiu paramentos brancos de linho e se cercou de várias segulót (proteções) em forma de amuletos cabalísticos, repetindo sempre que os céus decidem quem tem de viver ou não... Ao dirigir-se a Mearát Hamachpelah, Rebi Azulay parecia um Malach Min Hashamaim (um anjo dos céus). Todos os chachamim, dayanim e mekubalim (sábios, juízes e cabalistas da

cidade) o acompanharam, cobrindo-o de brachót (bênçãos). Ao entrar na gruta, Rebi Abraham por precaução também é amarrado em uma corda e após várias horas de grande apreensão eis que se escuta sua voz do fundo da caverna: já podem me puxar... Ao surgir, com a espada do Vizir nas mãos, declarou a seus talmidim: eu encontrei os Patriarcas...eles me ensinaram os segredos da Shechinah (da presença de D-us)... Durante toda a noite, Rebi Abraham esteve ensinando todos os segredos da Torá a seus Mestres e alunos. Pela manhã, voltou a fazer sua tebilah (imersão ritual) e posteriormente fez sua Tefilat Shacharit, pronunciando com um fervor nunca visto as orações de “Shemah Israel...” - Escuta Oh Israel..., ao concluir, entregou sua alma ao Criador. Era véspera de Shabat, 24 de Heshvan de 5404, equivalente ao ano de 1644. Rebi Abraham Azulay z’l contava com 69 anos de idade. Nas casas dos descendentes dos judeus do Marrocos, onde quer que se encontrem, os que seguem a tradição, recordam a cada Motzaei Shabat (La noche de Echad ou noite de saída do Sábado), a Rebi Abraham Azulay z’l, quando adicionam algumas estrofes nos cânticos da Havdalah (separação) do Sábado: “...Nos conceda Bênçãos pelas obras de minhas mãos Por merecimento do Tanaita Rebi Shimon Bar Yochay E pelo merecimento do Justo Rebi Abraham Azulay Assim seja, de dia e de noite”.

O Rebi Abraham Azulay imortalizado nesta tradicional oração é justamente o célebre chacham objeto deste texto.

*Médico Pneumologista e Sanitarista. Assessor principal da Organização Pan-americana da Saúde / Organização Mundial da Saúde - Washinton, DC - EUA

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H ISTÓRIA

50 ANOS DEPOIS: JUSTIÇA PARA O “DREYFUS PORTUGUÊS” F Por Michael Freund*

oi um dos grandes historiadores judeus, Cecil Roth, quem denominou o Capitão do exército português, Arthur Carlos de Barros Basto, o “Dreyfus português”. Para conhecer sua história de vida e porque foi assim chamado por um historiador de renome mundial, vamos saber melhor quem foi este judeu convertido, de família de anussim (convertidos à força) e que este ano faz 50 anos de seu falecimento. Possivelmente seu nome não seja tão familiar, porém, sua história merece ser relatada, por tratar-se de uma trajetória de tenaz valentia e heroísmo e seu último capítulo está ainda por ser escrito. Entretanto, por certo prisma, a história de Barros Basto é, inclusive, mais fascinante, já que diferentemente de seu homólogo francês,

O Capitão Barros Basto era um dos descendentes de judeus, cujos ancestrais foram forçados a se converter ao catolicismo durante a época da Inquisição em Portugal 12 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011

ele ainda não recebeu a exoneração e a acolhida que tanto merece. De fato, faz mais de sete décadas que o exército português decidiu expulsar o Capitão Barros Basto retirandolhe suas insígnias, considerando esta medida “boa e positiva” e sem justificar nada mais além disso. A verdade do incidente é, entretanto, muito mais inquietante.

O Capitão Barros Basto era um dos descendentes de judeus, cujos ancestrais foram forçados a se converter ao catolicismo durante a época da Inquisição em Portugal. Conforme seus biógrafos, Dr. Elia Mea e o jornalista Inácio Steinhardt, Barros Basto era um soldado condecorado que dirigiu uma companhia de infantaria na Primeira Guerra Mundial. Lutou nas trincheiras de Flandres e participou da ofensiva aliada para a libertação da Bélgica. Depois de voltar da guerra, decidiu abraçar a fé de seus antepassados, fazendo formalmente sua conversão, perante um tribunal rabínico no Marrocos espanhol, em dezembro de 1920. Instalado na cidade

portuguesa do Porto, casado com uma judia da comunidade de Lisboa, Barros Basto lançou-se em uma campanha pública para convencer outros anussim, que se apresentaram depois de séculos de clandestinidade, a retornarem a seu povo. O valente herói de guerra viajou por vilarejos nas zonas urbanas e rurais, em seu uniforme militar, já que mesmo após a guerra continuou servindo sua pátria, realizando os serviços judaicos essenciais e tentando inspirar os anussim para que seguissem seu exemplo.

Capitão Barros Basto, o “Dreyfus português”


Teve grande êxito ao construir a formosa Sinagoga Mekor Chaim, que existe até hoje na cidade do Porto, e fundou uma Yeshivá que funcionou por nove anos, onde ensinava a jovens anussim suas raízes e heranças. Barros Basto editou por mais de três décadas o memorável jornal que ele denominou Ha-Lapid (O Facho, como o próprio traduziu), e que foi o responsável pela divulgação para o mundo judaico de todo esse seu trabalho e de toda a sua obra, a “Obra do Resgate”. Sua aberta identificação com o judaísmo e as milhares de pessoas a quem inspirou, porém, tornaramse o seu grande problema e tais fatos não foram vistos, segundo os historiadores, com bons olhos pelo governo português e pelas autoridades da Igreja em seu tempo. Eles tentaram sufocar seu movimento vitorioso, acusando-o injustamente de libertinagem moral.

Cerca de cinco anos atrás, lancei uma campanha pública e massiva, para tentar persua-

dir o governo português a limpar o nome do Capitão Barros Basto. Encontrei-me com o então embaixador de Portugal em Tel Aviv e entreguei-lhe uma petição na qual solicitava ao governo português o reconhecimento da inocência de Barros Basto e um pedido de desculpas pelo mal que causou a sua família e ao povo judeu. Petições similares foram enviadas ao governo português e seus representantes no exterior. Organizações judaicas, entre elas a “Conference of Presidents”, “Orthodox Union” e “Religions Zionists of America” engajaramse naquela campanha, escrevendo ao embaixador português em Washington sobre o caso.

Sua aberta identificação com o judaísmo e as milhares de pessoas a quem inspirou, porém, tornaram-se o seu grande problema obteve nenhum resultado concreto, e a mancha sobre o nome desse nobre homem ainda não foi retirada.

Este ano, quando se completam 50 anos de seu falecimento, precisamos retomar nossa campanha e fazer ainda mais

Um processo judicial civil foi aberto contra Barros Basto, tendo sido o caso encerrado em 1937, por

falta de evidências. Nesse mesmo ano, o Ministro da Defesa de Portugal abriu um inquérito militar que culminou com a expulsão do herói de guerra português, Capitão Arthur Carlos de Barros Basto, do exército, humilhando-o injustamente e dando um ponto final aos seus esforços de trazer de volta para o judaísmo milhares de anussim portugueses. Barros Basto morreu no ano de 1961, há exatamente 50 anos, na pobreza e tristeza total. Assim, enquanto Alfred Dreyfus foi perdoado em 1899 e reintegrado ao exército francês, em 1906, com todas as honras, o Capitão Barros Basto foi enterrado sem rever suas insígnias, e o que é pior, até hoje, a injustiça ainda não foi corrigida.

Sinagoga do Porto (Mekor Chaim), inaugurada em 18/05/1934

Um congressista americano, Gary Ackerman, membro do comitê de relações internacionais de então, também se envolveu na campanha, insistindo com os portugueses para que resolvessem o caso do “Dreyfus Português”. Infelizmente, todo esse esforço não

pressão para que o governo português tome a decisão certa. O Capitão Barros Basto arriscou sua carreira e sua reputação em nome de seu povo, o povo judeu. O mínimo que podemos fazer é restituir a dignidade que lhe foi arrancada tão injustamente. *Michel Freund é Diretor Presidente da Shavei Israel

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C APA

A HAGADÁ BELEZA E ARTE DE UMA NARR

14 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011


RATIVA ATRAVÉS DOS TEMPOS É interessante observar como a maneira de cumprir o mandamento de narrar um mesmo episódio – o Êxodo do Egito - Vehigadetá Lebinchá Bayom Hahú... (“E contarás a teu filho naquele dia...”), geração após geração, evoluiu, se adaptou, incorporou novos elementos e versões, e principalmente, serviu de forma ímpar para manter viva uma das características básicas do povo judeu: sua imperativa missão de preservar a memória de seu passado, além de servir de inspiração à criatividade artística de seus escribas, ilustradores e editores, como poucos livros o fizeram. 15


C APA “E contarás ao teu filho...” É interessante observar como a maneira de cumprir o mandamento de narrar um mesmo episódio – o Êxodo do Egito - Vehigadetá Lebinchá Bayom Hahú... (“E contarás a teu filho naquele dia...”), geração após geração, evoluiu, se adaptou, incorporou novos elementos e versões, e principalmente, serviu de forma ímpar para manter viva uma das características básicas do povo judeu: sua imperativa missão de preservar a memória de seu passado, além de servir de inspiração à criatividade artística de seus escribas, ilustradores e editores, como poucos livros o fizeram. A Hagadá é uma de nossas mais antigas obras litúrgicas. Seu nome deriva da palavra hebraica “contar”. Quando nos conscientizamos das

muitas gerações de judeus que, em todos os países e continentes, em todas as línguas e culturas celebram o Seder como nós o fazemos, a nossa própria comemoração torna-se muito mais do que uma reunião familiar festiva, mas uma vivência da História Judaica. A intenção da Hagadá é servir como base para a discussão do passado e das aspirações do futuro. E assim, condensando tempo e espaço para preservar a experiência judaica acumulada e poder revivê-la anualmente, a Hagadá atravessa os séculos. Colocando “ordem” na festa – a Hagadá como guia do Seder A Hagadá original foi concebida durante os tumultuosos acontecimentos do primeiro século da Era Comum. Foi produto de uma geração arrancada de suas raízes e quebrada

PERÍODO ANTERIOR À IMPRENSA Cerca de 860 EC Mais antiga Hagadá ainda existente, é criada como parte do Sidur de Amram Gaon, líder da Yeshivá de Sura. Um fragmento deste manuscrito foi encontrado na Guenizá do Cairo.

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Século 10 EC Segunda mais antiga Hagadá ainda existente, é criada como parte do Sidur de Saadia Ben Yosef HaGaon, líder da Yeshivá de Sura, entre 928 e 942 EC. Seu título: Sidur Rav Saadia HaGaon. No seu texto fica claro que não há uma uniformização de conteúdo. Há omissões típicas do rito israelita antigo.

Século 13 EC Criada a primeira Hagadá separada de um Sidur. Em 1300 EC surge a mais antiga Hagadá ilustrada, de rito asquenazi, a Bird’s Head Haggadah (“Hagadá cabeça de pássaro”), assim chamada, pois vários personagens têm cabeça de pássaro, provavelmente devido ao mandamento da Torá de não adorar imagens humanas. É a primeira Hagadá a introduzir o cozimento da Matzá. Encontra-se no Museu de Israel, em Jerusalém.


em suas fileiras. Até então, a natureza do Judaísmo havia sido clara. Era um sistema sacrificatório cujas festividades religiosas giravam em torno de uma série de atos de cultos, desempenhados pela classe sacerdotal dentro do recinto do Templo de Jerusalém. Os peregrinos, em Jerusalém, passavam a véspera de Pessach consumindo o cordeiro pascal que haviam sacrificado no Templo na tarde daquele dia e narravam a história do Êxodo numa noite que parece ter sido celebrada sem estruturação de uma ordem definida das orações. Dois acontecimentos daquele primeiro século, porém, conspiraram para alterar este antiquíssimo padrão: o primeiro foi a destruição do Templo no ano 70 e o segundo foi a dispersão do povo em várias seitas, entre elas, o emergente Cristianismo. Diante

1320 EC Mais antigo manuscrito ilustrado de rito sefaradi, a The Golden Haggadah, em Barcelona.

PERÍODO PÓS-IMPRENSA O início da impressão de Hagadot foi lento. No século 16 foram editadas apenas 25 edições. Este número cresceu para 37 no século 17 e para 234 no século 18. No século 19 foram 1.269. Entre 1900 e 1960 já haviam sido impressas 1.100 edições. 1482 EC Primeira provável Hagadá impressa (apenas texto), em Guadalajara, na Espanha. Seu título: Hagadot Shel Pessach e seu autor Shlomo Ben Moshe Alkabez. Existe apenas uma cópia, na Biblioteca Nacional Universitária, em Jerusalém. O ano de 1482 é mera especulação, já que o impresso não contém data e local de publicação. 1486 EC Primeira Hagadá impressa comprovada. Possuía apenas texto e foi impressa na gráfica da família Soncino, Itália. É de rito Germânico e o primeiro de dois volumes. O outro é um Machzor chamado Sidorello em italiano, de rito judaico romano (italiano). 1505 EC Criada por Don Isaac Abravanel a primeira Hagadá com comentários, intitulada Zevach Pessach, impressa em Constantinopla, atual Istambul. Esta Hagadá desde então já foi reimpressa em inglês mais de cem vezes. 1526-1527 Hagadá de Praga, primeira a ser impressa com texto e ilustrações, ainda existente. Usa xilogravuras para criar as ilustrações. Foi ilustrada e impressa por Gershon Ben Shlomó HaCohen, em Praga em 30/01/1526. É um marco das Hagadot impressas, com belas ilustrações, que captam com perfeição o sentimento do texto e serviu como protótipo para edições posteriores. Nela aparece pela primeira vez numa Hagadá impressa, a música de Pessach Adir Hu. 17


C APA 1545 A Hagadá Zevach Pessach de Don Isaac Abravanel é novamente editada, a primeira a ser impressa em Veneza. Foi impressa por um cristão, Marco Antonio Guistiani, já que judeus estavam proibidos de possuir gráficas próprias.

1561 Impressa a Hagadá de Mantua, Itália, usando o texto da Hagadá de Praga com mais ilustrações, pelo cristão Giácomo Eufinelli e supervisionada por Isaac Ben Shlomó Bassan. O tipo de expressão artística difere da de Praga (germânico), e inclui ilustrações nas margens, refletindo o período do Renascimento italiano. 1609 Em Veneza é impressa a primeira Hagadá contendo as Dez Pragas, pelo cristão Giovanni da Gara, auxiliado por Israel Daniel Zifroni. Chama-se Seder Hagadá Shel Pessach e é conhecidda como a Hagadá de Veneza de 1609. Surgiu com traduções simultâneas para o judeu-italiano, ladino e ídiche, que eram as línguas das comunidades judaicas de Veneza à época.

deste quadro sentiu-se a necessidade de uma interpretação definitiva do Judaísmo. Esta, a Hagadá podia oferecer. Daí em diante, judeus se reuniriam anualmente para recordar seu passado, explicar o presente e planejar o futuro. A Mishná, obra compilada por volta do século 3, já descreve o Seder de modo muito semelhante ao nosso: O Kidush abria a celebração. As crianças formulavam perguntas a respeito da singularidade da festa. As perguntas eram respondidas com a descrição do Êxodo e um comentário ligando aquela descrição ao momento atual. Explicava-se o simbolismo do Seder. Os Salmos do Hallel (cantados originalmente pelos Levitas no Templo) eram entoados e algumas orações finais encerravam o Seder. A Hagadá, desde esta época prematura, já transcendia a mera recordação 18 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011

1697 e 1712 Edições da Hagadá de Amsterdam são impressas. É a primeira a usar ilustrações em cobre e a incluir o mapa de Canaã com a rota do Êxodo, também o primeiro mapa impresso em hebraico. As ilustrações eram criações emprestadas de um artista cristão, Mathaeus Merian da Basiléia, famoso em toda a Europa por suas ilustrações do Antigo e Novo Testamento. Esta Hagadá tornou-se muito popular entre as comunidades do sul da Europa e foi muitas vezes imitada.

A HAGADÁ DE SARAJEVO (1350-1370 EC) Encomendado para ser um presente de casamento, o manuscrito é de um requinte extraordinário, tendo sido confeccionado para caber na palma da mão. É composto por 109 páginas de pergaminho branco, cuidadosamente manuscritas e decoradas com iluminuras em ouro e bronze e cores vivas, como vermelho e azul. Produzida de acordo com as tradições sefaradis, em estilo gótico-italiano predominante à época, na Catalunha, a Hagadá contém o brasão do Reino de Aragão.

História Em 1492, com a expulsão dos judeus da Espanha, iniciou-se a odisséia dos judeus sefaradis em busca de um novo lar. A Hagadá também compartilhou este destino. Esteve na Itália, em Dubrovnik e, finalmente, no início do séc. XVI chegou a Sarajevo, onde permaneceu até a

atualidade, apesar de todos os percalços. O século 20 foi o mais conturbado na história do manuscrito. Em abril de 1941, quando os nazistas entraram em Sarajevo, um general alemão foi ao Museu Nacional de Sarajevo para “confiscar” a obra. O general ordenou uma busca no Museu, mas nada foi encontrado. A Hagadá já estava bem longe, escondida por um professor muçulmano, nas montanhas da Bósnia. Durante a guerra civil de 1992 a 1995, na Bósnia-Herzegovina, o manuscrito novamente desapareceu, foi escondido por um funcionário muçulmano do Museu até o final da guerra. Durante todo o século 20, a Hagadá só foi exposta em três ocasiões: em 1965, 1988 e 1995. É considerada por especialistas como um dos mais valiosos objetos sacros judaicos.


1740 Hagadá de Hamburgo

1864 Abraham Vita Morpugo, edita a Hagadá de Triestre

A partir da segunda metade do século 17, com o surgimento de novos segmentos religiosos no judaísmo, multiplicam-se edições e versões de Hagadot nos ritos Reformista, Conservativo, Reconstrucionista, Humanista e até mesmo seculares. Porém até o século 20 a maioria das Hagadot era baseada nas Hagadot de Praga (1526-1527), Mantua (1560), Veneza (1609) e Amsterdam(1695).

1813 Impressa a Hagadá de Bordeaux, editada por Isaac Zoreph e ilustrada por Jacob Zoreph.

do passado e tornou-se a história de mais de um período de perseguição e salvação. O Faraó da história personificava opressores recentes e a salvação arquétipa dos egípcios trazia o eco de cada uma das libertações de Israel pelos séculos afora. Esta condensação da história em uma noite comemorativa é percebida na interpretação dada aos quatro copos de vinho, que se relacionam com diferentes atos da redenção.

A Hagadá como obra de arte Poucas obras litúrgicas judaicas alcançaram o nível de criatividade e beleza artística, obtido pela Hagadá através dos séculos. Seu conteúdo e sua função permitiram aos artistas, ilustradores e pintores uma liberdade ímpar para desempenhar sua arte e imaginação. E também, neste aspecto, a diversidade das diásporas e as diversas tendências artísticas do meio circundante, de cada período da História, estão presentes nas Hagadot manuscritas e impressas, desde quando estas passaram a incorporar elementos ilustrativos, a partir da criação da primeira Hagadá ilustrada, em 1300 EC, a Bird´s Head Haggadah (“Hagadá cabeça de pássaro”). Assim, começaram a surgir Hagadot com elementos germânicos (asquenazis), sefaradis (ibéricos), orientais, renascentistas, pós-renascentistas, chegando até a modernidade da arte da ilustração contemporânea.

No século 20 surgiram novos estilos de Hagadot e o número de edições exclusivas floresceu havendo agora mais de 3.000 versões diferentes da Hagadá, cada uma refletindo e contando o Êxodo de acordo com os pontos de vista políticos, sociais e/ou religiosos do público-alvo a que se destina.

Hagadá Shel Pessach de rito sefaradi-marroquino, 1ª do seu gênero a ser editada no Brasil. Elaborada por David Salgado (2011) 19


R ES GATE CULTURAL

CONFARAD

A BUSCA PELO CONHECIMENTO, DIVULGAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA CULTURA SEFARADI Por Prof. Dr. Luiz Benyosef*

Criado há 10 anos, o Confarad dedica-se ao minucioso trabalho de resgate e divulgação da cultura milenar do judaísmo sefaradi. Ao longo desta década foram realizados sete Congressos Sefaradis, o primeiro em 2000 e o último em 2010, que contemplaram temas de suma importância sobre presença judaica sefaradi no Brasil e no mundo.

O

povo judeu destaca-se pela longa tradição litúrgica e cultural preservada com dedicação impar há milênios. Depois da diáspora que aconteceu após a destruição do Segundo Templo – há dois mil anos - a presença israelita foi sentida nos mais longínquos lugares do então mundo conhecido: Europa, Ásia e África. Nestes lugares viveram comunidades judaicas bem estruturadas que criaram raízes, tradições e costumes próprios, com características fortemente diferenciadas uma das outras. Muitas criaram vínculos com outras geograficamente distantes o que não era facilitado pelas condições de transporte da época. Os ritos judaicos praticados por maior número de participantes dividem-se “basicamente” em dois: Sefaradi e Asquenazi (**) (***). Os asquenazis têm raiz cultural europeia oriental e usam o iídiche, um dialeto germânico medieval como principal via de comunicação oral. Já os sefara-

dis, formados por um grupo bastante reduzido de descendentes dos judeus ibéricos (hispano-portugueses), que

depois do Édito de Expulsão da 20 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011

Embaixadora de Israel, Tzipora Rimon, participando do encerramento do V CONFARAD

Espanha, em 1492, e da Inquisição Portuguesa dos séculos XV a XVII, imigraram para países do norte da África (Marrocos, Tunísia, Argélia e Egito), Europa (Turquia, Bulgária, Grécia, Itália, Holanda, Alemanha, França e Inglaterra) e Oriente Médio (Síria e antiga Palestina). Nestes lugares continuaram falando antigos idiomas ibéricos (ladino e haquetia)

em detrimento das línguas locais e, em alguns deles, sendo numericamente inferiores, terminaram absorvendo suas línguas e tradições. No final da década de 1990, com o objetivo de preservar, valorizar e divulgar a cultura sefaradi, incluindo a mizrahi (oriental) dos judeus de fala árabe, mas de mesmo rito, um pequeno grupo de ideólogos passou a


se encontrar periodicamente no escritório de um conhecido ativista comunitário: Alberto Nasser. O catalisador era um médico e empresário gaúcho, radicado no Rio de Janeiro, de nome Nelson Menda. As reuniões se sucederam e com elas um afloramento de ideias, projetos e, naturalmente, discordâncias principalmente por ainda não ter sido escolhida uma diretriz. Aos poucos as resistências foram sendo vencidas e foi organizado um grupo de trabalho denominado Conselho Sefaradi. Foi eleito como primeiro pre-

sidente um ativista comunitário experiente que desde o inicio participava das reuniões: Eliezer Burlá. Paralelamente foi constituída uma diretoria composta por cerca dez membros. No principio pensou-se em criar uma entidade que pudesse atuar em nível nacional, reunindo representantes de outros estados, mas pela complexidade a ideia foi abandonada e o Conselho Sefaradi passou a ter caráter apenas regional estadual. Restou dessa primeira intenção a realização alternada dos congressos entre Rio e São Paulo. Nos dois outros polos de judaísmo sefaradi: Belém e Manaus, os encontros nunca aconteceram e nem há representantes formais destas comunidades no Conselho. Em novembro de 2000 foi organizado, no Rio de Janeiro, o Primeiro Congresso Sefaradi - I CONFARAD, que contou com a expressiva participação de todas as instituições sefaradis do Estado. O tema proposto foi a “Idade de Ouro do Judaísmo na Península Ibérica”. A programação foi bastante diversificada, com palestras, fóruns de rabinos e apresentações do cancioneiro sefaradi. Um dos pontos altos deste I CONFARAD foi uma exposição de Torót, algumas do século XVI, e uma especial que pertenceu ao Imperador D. Pedro II. O II CONFARAD aconteceu em

Nelson Menda e sua mãe, Rabinos Abraham Schrem e Isaac Benzaquem, Henry El Mann e Moisés Balassiano, no IV Confarad, na Hebraica de São Paulo

novembro de 2001, em São Paulo, seguindo a temática do primeiro, com a participação de professores e alunos da Universidade de São Paulo – USP – e do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro –AHJB. O III CONFARAD aconteceu na sinagoga Beth El, no Rio de Janeiro, em junho de 2004. Os focos foram “A presença sefaradimarroquina no Brasil”; “Os sefaradis sob o Império Otomano” e “A mulher sefaradi e os novos desafios entre preservar e mudar”. Nesta ocasião foi apresentado o filme documentário “Eretz Amazônia” com a presença de se produtor David Salgado e o Museu Judaico proferiu conferência sobre a Vida e Obra do

Professor David José Perez. A Hebraica de São Paulo foi palco do IV CONFARAD, em novembro de 2006. Fez parte deste Congresso o diretor executivo do Comitê Mundial dos Judeus de Países Árabes, Stanley Urman, que enfatizou o andamento das indenizações requeridas pelas populações judaicas que tiveram que abandonar seus lares, em países árabes, por ocasião do surgimento do Estado de Israel, sem direito aos bens que deixaram. O ponto alto desse

encontro foi a presença do Rabino Chefe Sefaradi de Israel (Rishon LeTzion) Shlomo Amar.

O V CONFARAD, realizado de 31 de maio a 1 de junho de 2008, aconteceu no Templo Sidon, a

Encerramento triunfal do V CONFARAD

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R ES GATE CULTURAL Sefaradi desde a sua fundação até a presente data foram: Eliezer Burlá, Alberto Nasser, Nelson Menda e atualmente Samuel Elis Benoliel. Todas as entidades sefaradis do Estado do Rio de Janeiro pertencem ao Conselho e têm participação ativa nas reuniões, decisões e eventos, são elas: Congregação

Luiz Benyosef (à direita) com Samuel Ellis Benoliel, atual presidente do CONFARAD

bela sinagoga libanesa situada na Tijuca, Rio de Janeiro. “Os Caminhos Sefaradis” foi o tema do congresso, que contou com a presença da embaixadora de Israel, Tzipora Rimon, e comemorou os 60 anos do Estado de Israel. O assunto central do VI CONFARAD, que aconteceu em setembro de 2009 na Hebraica de São Paulo, foi “Sonhos, Sabores e a Cultura Sefaradi”. Neste encontro foi dada ênfase ao trabalho da Alliance Israelite Universelle nas comunidades judaicas do norte da África e do Oriente Médio.

O VII CONFARAD, que teve como tema os “200 Anos da Presença Judaico-Marroquina no Brasil”

aconteceu em novembro de 2010, no Hotel Pestana no Rio de Janeiro, foi de importância ímpar. A riqueza conceitual dos trabalhos apresentados, que abordaram temas tão diversos da presença judaica sefaradi na história do Brasil, foram marcantes.

O fórum de rabinos focou temas como conversões e b’nei anussim (filhos dos forçados), todos finalizados com diálogo e bom senso. Ao longo de todo o congresso o Memorial Judaico de Vassouras distribuiu gratuitamente, em forma digital, os trabalhos acadêmicos apresentados nos CONFARADs IV a VII (****). Os presidentes do Conselho

Religiosa Beth El, Congregação Judaica P’nei Or, Sinagoga Agudat Israel, Templo União Israel, União Israelita Shel Guemilut Hassadim, União Israelita Maghen David, Templo Sidon, Sociedade Israelita Beyruthense, Memorial Judaico de Vassouras, Museu Judaico do Rio de Janeiro, Lar dos Velhos Bené Herzl. Como síntese de alguém que acompanhou a evolução dos congressos, posso assegurar que todos os eventos realizados foram de grande importância na sua pretensão original que é o conhecimento, valorização e divulgação da cultura geral e litúrgica sefaradi. Também a dedicação e o brilho dos palestrantes e de suas palestras dão uma mostra do quanto a presença judaica no país deixou - e continua deixando - fortes raízes que devem ser cada vez mais estudadas, valorizadas e divulgadas para que a presença do povo judeu no Brasil tenha todo o valor que merece.

(**) – Aqui consideramos apenas os dois ritos com maior número de participantes e não todos os existentes, como aquele praticado pelos falashas e outros. (***) – No período em que morei em Moscou, Rússia, cursando meu doutorado, fui convidado a visitar uma “Sinagoga Sefaradi”. Lá, conversando com seus líderes, constatei que, desde a sua formação, era composta por judeus do Azerbaijão e de outras antigas repúblicas da antiga União Soviética sem que houvesse qualquer ligação, ainda que em tempos remotos, com o judaísmo (ou com judeus) da Península Ibérica. Eram denominados de sefaradis, pela população russa asquenazi, apenas porque eram diferentes e alguém deu-lhes o título daquela outra maneira e nem eles sabiam o porquê. (****) – Interessados em cópias dos dvd’s entrar em contato com a diretoria do Memorial Judaico de Vassouras (www. memorialjudaico.org.br). Restam poucas unidades. Nota: O autor presta um tributo ao Grupo de Cultura Sefaradi “Angeles y Malahines” pelo prestigio constante em praticamente todos os eventos e também a sua saudosa integrante Vitória Sulam Saul Z’L, pela alegria contagiante e pelo orgulho na preservação da nossa cultura comum e pelos memoráveis encontros de diretoria, do Conselho Sefaradi.

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* Prof. Dr. Luiz Benyosef é PhD em Geofísica e Presidente do Memorial Judaico de Vassouras - RJ


C O M U N I D A DE S

O BERÇO DA DIÁSPORA

Por Rabino Eliahu Birnbaum*

A renovada vida judaica em Sefarad é somente uma pequena parte do presente, o qual vive à sombra do passado, que ainda palpita. O antissemitismo encontra-se fortemente arraigado na cultura espanhola. Madri A capital da Espanha está repleta de praças, fontes, cafés e museus, que em conjunto, conferem à cidade muita vida e aconchego. Entretanto, todo judeu que passeia por suas ruas, não pode deixar de sentir a sombra da Inquisição que paira sobre a “Praça Maior”, onde se realizavam os “Autos-de-Fé”. Em nossas fontes históricas, Espanha figura como “Aspamia” – símbolo de um lugar distante. “Uma pessoa dorme aqui (em Babilônia) e vê um sonho em Aspamia” (Talmud Babilônico, Tratado de Nidá 30b). Aspamia é similar à palavra Hispania, que é utilizada até os dias de hoje. A origem da palavra Sefarad, encontra-se na profecia de Ovadiá: “e a diáspora desta multidão dos filhos de Israel, que habitam com os cananeus até Tsorfat, e os cativos de Jerusalém, que habitavam em Sefarad, possuirão as cidades do Neguev” (Ovadiá 1:20).

Na história judaica em terras espanholas nos deparamos com uma época de florescimento e, ao mesmo tempo, de tragédia do povo judeu.

A perseguição religiosa, a escravidão, falsas acusações, inquisição e expulsão, e em oposição – “a idade de ouro”, o florescimento em todos os campos do saber, que se perpetuou durante

Plaza Mayor, palco dos “Autos-de-Fé”

séculos. Longos anos de crescimento e êxito finalizaram em grande sofrimento, destruição e expulsão. Sabemos bastante sobre a história dos judeus na Espanha durante quase 1500 anos, até que foram expulsos do país em 31 de março de 1492. Conhecemos os exilados da Espanha que se dispersaram pelo mundo judaico; porém, sem dúvida, sobre o regresso dos judeus à Espanha nos séculos 19 e 20, sabemos muito pouco. Os judeus e o judaísmo desapareceram da terra espanhola e da Península Ibérica até o fim do século

19, pelo menos de forma visível e aberta. Os judeus foram expulsos, os anussim se esconderam em suas casas e a cultura judaica desapareceu inclusive dos museus. Entretanto, há poucas décadas, os judeus, começaram o a retornar à Espanha, desta vez, sem esconder sua identidade. Depois de 400 anos teve início, novamente, a vida judaica espanhola. Praticamente não existe relação entre o judaísmo espanhol de então e a Espanha de hoje, que foi importado de outros lugares – de qualquer forma, o velho espírito ainda ronda pelo ar. 23


COM UNID ADE S Abrem-se as Portas Quando se abriram as portas da Espanha? Apenas em 1834 decidiram cancelar de forma definitiva as leis inquisitoriais. No ano 1865 foram

canceladas as leis que proibiam a quem não tinha “sangue espanhol e católico puro em suas veias” trabalhar como funcionário público ou político. E de fato, os judeus come-

çaram a retornar, pouco a pouco. No ano 1877 havia 406 judeus em toda a Espanha, dos quais 31 em Madri. Em 1900 o número total chegava a mil. Ainda não existia a liberdade de culto na Espanha: desde 1876 a constituição espanhola proibia cerimônias religiosas em lugares públicos, excetos cerimônias católicas. No início do século XX continuou a emigração dos judeus para a Espanha, desta vez especialmente para Madri. Os judeus chegaram durante a Primeira Guerra Mundial. Entre os imigrantes encontrava-se o famoso líder sionista Max Nordau, que no início da guerra foi expulso de Paris e ficou na Espanha até o seu fim. Durante a guerra, o parlamento espanhol buscou uma maneira de preservar aos judeus espanhóis que se encontravam nos países balcânicos como cidadãos que deveriam ser protegidos. Em 1968, o decreto de expulsão

Reprodução de Francisco Ricci de um dos “Autos-de-Fé” (Auto de Fé, 1683)

foi cancelado de forma definitiva. O Primeiro-Ministro de então, Emílio Castelar, declarou pela primeira vez de forma oficial, a abertura das portas do estado espanhol para os judeus.

Linguagem Antissemita Apesar de os judeus na Espanha serem novos relativamente, o antissemitismo é muito antigo na Espanha. Centenas de anos de atividades católicas teológicas, públicas e físicas deixaram suas marcas nos habitantes e no idioma, na mentalidade e nos estereótipos, o que torna praticamente impossível remover o teor antissemita da cultura local. Não pelos novos muçulmanos que chegaram à Espanha, como em outros países europeus, mas pelos antigos católicos que vivem ali. Até hoje em dia, o nome “judeu” engloba aquelas pessoas que são odiadas pelo povo espanhol, tais como: estrangeiros, traidores, infiéis, e opositores políticos. Também no dicionário oficial da Exposição trata de espanhóis que salvaram judeus no Holocausto Real Academia

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Espanhola de Letras foram preservados distintos conceitos, os quais demonstram a difícil relação para com o judeu e tudo em sua volta.

Por exemplo: sobre o conceito “hebreu”, o dicionário diz: “hebreu é um israelense ou um judeu que ainda respeita a lei de Moisés e trabalha na área comercial”. A palavra “ainda”

reflete a visão da igreja que a única verdadeira religião é a católica; bem como, ao definir hebreu como comerciante, não o faz com a intenção de dizer que este é um ofício bem visto. A palavra “judeu” foi definida no dicionário da Academia até 1956 como “mesquinho e agiota”.

”a Inquisição não nos deixou ainda, nós pensamos nela, vivemos à sua sombra e recordamos as suas vítimas, porém rezamos por um vida melhor e um futuro melhor ainda para o país”.

(membro da comunidade judaica espanhola)


“Os judeus espanhóis encontram-se em sua casa na Espanha, a casa de todos os espanhóis, sem importar qual é sua religião ou sua fé”.

(Rei da Espanha, Ato de reconciliação na Sinagoga de Madri) A expressão “judeada” em espanhol significa realizar um ato judaico. Esta palavra encontra-se explicada no dicionário da Real Academia que foi publicado em 1956: “atos antimorais que geralmente fazem os judeus”. No dicionário que foi publicado em 1988 foi “corrigida” a definição para: “judeada: ato negativo que no passado acreditava-se adequado de ser realizado pelos judeus”. É dizer, mudaram a forma de definir, porém não a definição em si. A conclusão é clara: os judeus atuam de forma indevida e isto é o que os identifica. A palavra

“Sinagoga” é definida como “lugar no qual se reúnem judeus para rezar e escutar a Torá de Moshe” e como

“lugar de encontro das pessoas que planejam atos imorais e que instigam brigas e discussões”. Somos testemunhos de que anos de danos, inquisição e expulsão, não são fáceis de apagar. Apesar de terem passado centenas de anos em que os espanhóis não viram um único judeu na Espanha, o ódio profundo não desapareceu.

Ajuda aos Judeus Apesar dos sentimentos antijudaicos e anti-israelenses, que caracterizam o povo espanhol, não é possível ignorar o momento histórico em que o Rei da Espanha, visitou o Beit HaKnesset de Madri, exatamente 500 anos depois da expulsão de Espanha. Neste evento, foi expresso o desejo do povo espanhol de renovar os laços com o povo judeu.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Espanha ficou oficialmente neutra, embora seus líderes tivessem apoiado a Alemanha nazista abertamente. Em 1924 um

édito outorgou cidadania a toda pessoa de ascendência espanhola, o que salvou muitos judeus que encontraram refúgio na Espanha, especialmente os provenientes da Alemanha entre os anos 19311936. A Espanha ajudou a libertar os judeus de ascendência espanhola dos campos de extermínio, e sua neutralidade permitiu cerca de 25.600 judeus utilizarem a Espanha como caminho de fuga dos campos de guerra europeus. A Espanha só formalizou suas relações diplomáticas com Israel após ter sido aceita na União Européia, em 1986. Retorno à Pátria Na Espanha vivem hoje cerca de 30.000 judeus. As duas principais comunidades são: Madri, com 15.000 judeus e Barcelona, a segunda maior. Entretanto, existem ainda outras dez comunidades judaicas,

menores ou muito pequenas, todas elas encontram-se integradas à “Federação de Comunidades Judaicas da Espanha”, são elas: Málaga, Torremolinos, Marbella, Granada, Sevilha, Valência, Palma de Maiorca, Melilha e Ceuta no Marrocos espanhol. Muitos judeus chegaram à Espanha oriundos da Argentina, a partir dos anos 1970, e ultimamente somaram-se a eles judeus da Venezuela que emigraram devido à crise naquele país atualmente.. O grande dilema que sentem os judeus que vivem na Espanha, escutei de um de seus membros mais antigos: ”a Inquisição não nos deixou ainda, nós pensamos nela, vivemos à sua sombra e recordamos as suas vítimas, porém rezamos por um vida melhor e um futuro melhor ainda para o país”. O Rei da Espanha, quando visitou o Beit HaKnesset de Madri na cerimônia que lembrou os 500 anos da expulsão, disse: “A Espanha não é apenas nostalgia para o povo judeu, mas uma pátria onde os judeus podem sentir-se em sua casa. Os judeus espanhóis encontram-se em sua casa na Espanha, a casa de todos os espanhóis, sem importar qual é sua religião ou sua fé”. Será assim realmente?

“Ato de Reconciliação” acontecido no Beit HaKnesset de Madri, em 1992, com presença do Rei da Espanha

*O Rabino Eliahu Birnbaum é Diretor Fundador do Straus Amiel Programas e Rabino da Organização Shavei Israel

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C RÔNIC A Muitas vezes, quando me lembro de um dos inúmeros “causos” da minha amada “Macondo” e começo a tentar contá-los, me ocorre desistir, pois penso comigo: caramba! esta história parece de outro mundo, quase pré-histórica – uma história de um mundo que já não existe, ou até mesmo que jamais existiu de fato para muitos...

Vou tentar me explicar: por exemplo, num mundo onde muitas crianças nascem e certamente hão de morrer, sem jamais haver visto uma galinha pôr um ovo, como esperar que elas ao calçarem um tênis supersofisticado, cuja função mais básica é ser um mero calçado, podendo, também, fazê-las correr, saltar, quase voar, consigam imaginar o mundo sem tênis. E eu não me espantaria se antes de passar desta para outra Elias Salgado *

QUANDO NEM

melhor, ainda pudesse ver tênis fazer a gente voar de verdade. Mas, como seguro morreu de velho, até que a tecnologia não nos permita tal feito, seguirei tentado alçar meus voos através do tempo, calçado na narrativa de minhas memórias. Acontece que não foi em vão que me referi aos tênis e à possibilidade de que um dia nos permitam com eles voar de verdade, ou ao menos sair do chão. Talvez, assim, eu consiga, mesmo após décadas, superar um velho trauma, ou ao menos apagar da memória, o que os jovens hoje chamam de “mico”. Calma vocês logo entenderão aonde quero chegar... Segundo meus cálculos eu devia ter, no máximo, três para quatro anos. Meu mundo era o

nosso sobrado, com nossa casa no segundo andar e no térreo, o “Bazar das Novidades” de David Salgado

& Cia. Ltda., a loja do papai, com o depósito ao fundo e atrás dele o barranco e o rio – nossa única “estrada” de acesso ao mundo lá fora. Ou seja, para sair e chegar

SETE VIDAS SÃO SUFICIENTES

26 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011


a Boca do Acre naquela época, só de barco ou de avião anfíbio. Não era à toa que o “Estrela”, nosso barco, era um “luxo” mais que necessário. E a outra alternativa eram os aviões Catalina da Panair do Brasil. Não adianta agora a surpresa, afinal eu avisei a vocês no início da história que sou de um tempo quase pré-histórico. Bem, mas, vamos ao que viemos, ao mico, ou melhor, à história. Imagino que papai e mamãe, como ocorria muitas vezes, estavam de viagem, pois não me lembro de ninguém, nenhum adulto tentando me impedir da façanha em questão. Aconteceu que meu vô Chico estava por voltar de viagem no Catalina da Panair, e a única pista de pouso da cidade era o rio que corria aos fundos de minha rua, indo parar no ancoradouro logo mais adiante. Não faço ideia como fiquei sabendo, só sei que eu estava eufórico com sua chegada e com o acontecimento que era o pouso do Catalina no rio. Resolvi que tinha que estar presente ao “grande evento” e não poderia fazer feio. Dizem os compêndios sobre o tema, que a grande arma do bom empresário é ser criativo e sempre andar um passo à frente de seu tempo e da sua concorrência. Até onde sei, parece que este era o caso de meu pai, que como um bom comerciante, sempre trazia de suas viagens de negócios, para a nossa querida Boca do Acre, as últimas novidades de Manaus e da capital do país, o Rio de Janeiro.

E, naquela temporada, a grande novidade do “Bazar” era a última palavra em calçado esportivo – o “Sete Vidas” – precursor do “Conga” e ancestral do atual tênis.

Não me peçam detalhes de como consegui me apossar de um

par daquela maravilha da moda de então, de um par de meias de meu pai e vestir minha calça e meu blazer com brasão e botões dourados de cor azul-marinho, sem que adulto algum me visse. Só sei que consegui. Correu tudo bem até ali, apenas um pequeno detalhe, um probleminha menor – no “Sete Vidas” não cabiam apenas meus pés, cabiam vários mais... Mas isto não foi um obstáculo: na cena seguinte lá estava eu impecável em minha beca, no barranco à beira do rio à espera do vovô e do potente Catalina. Não sei quanto

tempo se passou até o pouso do avião e eu poder acenar para meu avô e ele pra mim. Passada a empolgação, sempre se volta à realidade, certo? E eu precisava voltar a minha e bem rápido... Pois ela caiu sobre mim como um pesadelo. Vocês sabem o estrago que as chuvas tropicais intensas causam ao solo? Elas transformam a beira dos rios em imensos lamaçais. Em Boca do Acre não era diferente e eu bem conhecia o fenômeno, mas por um lapso de tempo a euforia me causou amnésia e eu desconsiderei completamente tal detalhe no meu plano “quase perfeito”. Acho que já dá pra vocês imaginarem a cena, certo? Quem disse que eu conseguia sair daquele atoleiro. A lama batia no joelho e só muito grito e choro me salvaram. Já da “peia” que tomei do meu pai quando voltou e soube do ocorrido, não houve grito ou choro que me salvasse. É por isso que torço muito para que os tênis nos permitam realmente voar, pois do contrário, assim como aconteceu comigo, nem “Sete Vidas” serão suficientes para salvar crianças levadas de seus atoleiros...

*Elias Salgado é Diretor do Amazônia Judaica

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C ONTATO

CARTAS DOS LEITORES

Prezado Amigo David, Fui agradavelmente surpreendido com o recebimento de exemplares da revista Amazônia Judaica que V. teve a gentileza de me enviar. Sinto-me muito honrado que a minha crônica tenha sido escolhida e publicada com o devido destaque. Parabéns pelo trabalho realizado. A revista é tecnicamente muito bem feita e espelha, de forma muito interessante, alguns aspectos da Comunidade Judaica da Amazônia. Receba as minhas melhores saudações e cumprimentos pelo importante trabalho que V. vem realizando. Abraços amigos.

Olá Elias, Ao receber a revista Amazônia Judaica, pude mais uma vez constatar a competência de Elias Salgado ao retratar as maravilhas de nossa cultura judaica sempre em vigor no norte de nosso país. A manutenção de nossas tradições no Amazonas é um grande orgulho para cada judeu brasileiro em especial e para cada comunidade judaica existente no mundo, em geral. Parabéns pela iniciativa.

Boa noite David. Acabo de receber os exemplares da “Amazônia Judaica”. Muito obrigado pela gentileza. A revista está muito bonita e o conteúdo é realmente primoroso. Um grande abraço,

Ronaldo Gomlevsky

Dr. Rinaldo Carneiro – São Paulo - SP

Olá David. Quero parabenizar efusivamente a edição especial da revista AMAZÔNIA JUDAICA 200 anos da imigração. Ricamente elaborada, um verdadeiro documento histórico para as futuras gerações. Por favor, estenda minhas felicitações ao Elias, teu irmão, também um verdadeiro baluarte de nossas origens e aos demais que te ajudaram nesta jornada. MAZAL TOV ! COL TUV.

Oi Elias, Recebi a revista Amazônia Judaica e queria te parabenizar. A revista traz histórias muito boas, inclusive a dos seus pais. Sua mãe deve ter realmente muitos “causos” para contar e seria um desperdício não compartilhá-los com a comunidade judaica de outros estados. Beijos,

Marcos Wasserman, Advogado

Claudia Jurberg, PhD em Jornalismo – Rio de Janeiro-RJ

Isaac Dahan, Chazan da Comunidade de Manaus - AM

Gostaria de parabenizar os que fazem o Portal Amazônia Judaica pela forma dinâmica, moderna e ilustrativa da vida judaica no norte do Brasil.

Bom dia, Elias! Obrigado pelo envio da edição especial da Amazônia Judaica. Devo confessar que fiquei emocionado ao lê-la. Que preciosidade, uma riqueza de informação para preservar nossa história. Quero assiná-la. Um grande abraço

Tânia Kaufman Presidente do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco

Luiz Benyosef – PhD em Geofísica. Presidente do Memorial Judaico de Vassouras – Niterói - RJ

28 AMAZÔNIA JUDAICA No3 - ABR/2011


Fortunato e Raquelitas Athias congratulam-se com as comunidades judaicas da Amazônia pela passagem da Festa de Pessach 5771.

A luta pela Liberdade do Povo Judeu de escravidão do Egito é transmitida de geração a geração na noite do Seder de Pessach. Que possamos preservar esta tradição por muitos e muitos anos. Chag Pessach Sameach,

Alice Benchimol

Jaime Salgado e Família juntam-se às comunidades judaicas da Amazônia e do Brasil na celebração do Pessach 5771 e desejam Pessach Kasher Vessameach.

Que todos os lares judaicos celebrem nossa liberdade, imbuídos na busca do fortalecimento de nossas tradições. Chag Sameach.

Jaime Benchimol e Família

José Raphael Siqueira Filho e Família solidarizam-se com os idealizadores do Amazônia Judaica em prol do judaísmo da região e desejam a todos um Chag Pessach Kasher Vessameach.

David Israel (Juarez) e Família desejam que as festividades de Pessach neste ano possam irradiar muito amor e muita alegria e todo Am Israel. Chag Sameach.

Na esperança de uma paz verdadeira em Israel, o simbolismo da Festa de Pessach é a certeza de que o Povo Judeu jamais voltará a ser escravisado. Feliz Pessach 5771

Nelson Pinto e Família

Na lembrança do passado, na luta pelo presente e esperança do amanhã melhor, fica a certeza da nossa Liberdade. Chag Sameach.

José Jayme G. Belicha e Vanessa Briller Belicha


Elias Mendes e Família

Laura, Andréia e Marcelo Rezende

desejam a toda Kehilá Amazônica um Pessach de muita liberdade e paz para todos os povos. Chag Sameach!

congratulam-se com todos os seus chaverim pela passagem da festa de Pessach 5771, augurando a todos Chag Pessach Kasher Vessameach.

A saída do Egito, há mais de 3200 anos, assinala o nascimento do povo de Israel que rompeu o julgo de escravidão e conquistou sua liberdade. Feliz Pessach a todo Povo de Israel,

Que os ensinamentos da Hagadá de Pessach nos sejam valiosos e possamos ver florecer os verdadeiros valores judaicos em nossos lares. Feliz Pessach 5771,

Anne e Denis B. Minev

Vidinha Salgado, seus filhos, noras, netos e bisnetos, desejam a todo o Ishuv Pessach Kasher Vessameach.

Alegria Bohadana Salgado e Família auguram a todas as comunidades judaicas, que nos seus lares na noite do Seder possam adentrar o amor, a paz e a felicidade. Feliz Pessach 5771

Fortunato Chocron e Família

Que o Pessach deste ano de 5771 sirva de exemplo para todos os povos, e possa reinar entre não judeus a paz verdadeira. Chag Sameach.

Lucinda Tayah e Família

Aziza & Yehuda Moshe & Tracy Lea Esther & Shalom Benguigui Desejam a seus amigos da Amazônia e do Brasil um Pessach de realizações e muitas tradições. Chag Sameach!



32 AMAZテ年IA JUDAICA No2 - NOV/2010


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