Revista AJ - Edição 6 - Chanucá 5772

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EDITORIAL Por inúmeras razões podemos afirmar, sem pestanejar, que Editores David Salgado Elias Salgado Projeto Gráfico, Arte e Diagramação Thiago Zeitune Revisão Mariza Blanco Colaboradores Wagner Bentes Portal Amazônia Judaica e Arquivo Amazônia Judaica www.amazoniajudaica.org Blog do Amazônia Judaica: www.aj200.blogspot.com Blog Universo Sefaradi www.universosefaradi.blogspot.com e-mail: portal200anos@gmail.com contato@amazoniajudaica.org

nós judeus somos multiplamente abençoados. Poder fazer dois balanços num mesmo ano é uma delas. Em nosso caso a alegria pelo sucesso de mais um ano vem revestida de uma áurea mágica, certamente ainda mais, devido a atmosfera dos milagres, feitos e vitórias que o encantamento das luzes de Chanuká nos faz recordar. E o que podemos comemorar este ano? A manutenção e superação da nossa revista, a cada nova edição; a renovação de nosso site, o Portal Amazônia Judaica, que ganhou belíssimo visual e conteúdo novo e mais rico. Destacamos a criação do Arquivo Amazônia Judaica Digital. E fechando o ano, demos o pontapé inicial ao projeto: “ Os judeus na gênese da Industrialização do Amazonas” (título provisório) que originará um livro sobre o tema em 2012. Falando em 2012, lembramos que AJ completará uma década de fundação! e aproveitando a oportunidade, apresentar a todos a logo comemorativa destes 10 anos de existência, criação e regalo do artista gráfico uruguaio, Eddy Zlotnitzki, também ele, um grande “Amigo do AJ”. Ah! sim e sobre a presente edição, pois bem, sem falsa modéstia mais uma edição cheia de boas matérias: destaque para o artigo que fala da longa relação entre os judeus e o violino; os cristãos novos e suas questões identitárias são tratadas por Wagner Bentes; a vida comunitária paraense no início do século 20 é lembrada através das ações do legendário Major Eliezer Levy. E claro uma belíssima matéria principal sobre a festa de Chanuká. Chag Haorot Sameach – Feliz Festa das Luzes e boa leitura David e Elias Salgado 3


A IM AGEM D A CAPA

E HOUVE LUZ

por Orit Ishai

No Museu Israel é possível encontrar a exposição “Luzes nas Montanhas Atlas”: velas de Chanuká da Coleção Zeyde Schulmann Em 1944 Schulmann recebeu de seu filho uma chanukiá que o deixou muito emocionado e começou a buscar chanukiot e objetos judaicos pelo mundo. Finalmente resolveu se fixar no norte da África. Alí começou a relatar a história e a cultura dos judeus dos países norte africanos. A variedade de formas e materiais dos objetos, assim como as histórias fantásticas do colecionador, nos possibilitam adentrar num mundo mágico. As chanukiot testemunham sua origem já que o estilo de vida e os métodos de trabalho característicos de cada lugar e lugar, influenciaram em seus formatos, sua ornamentação e no material de que eram feitas cada uma delas. No Marrocos, por exemplo, nas cidades da costa e no norte, as chanukiot eram feitas de um metal cortado e trabalhado, enquanto que no sul eram de pedras talhadas e bastante coloridas. A região sul do Marrocos é conhecida há muitos anos pelo preparo de pedras fundidas para fabricação de moedas e isso explica porque os desenhos nas chanukiot de pedras parecem com desenhos de moedas. As chanukiot marroquinas feitas de pedra tem escritos e tamanhos pequenos. Talvez isso aconteça devido a dificuldade do artista de trabalhar com a pedra manualmente. Nas chanukiot podemos encontrar a influência árabe, como também a européia. Tr a d i ç õ e s e e x e m p l o s d e artesãos lembram

4 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

desenhos do século dezoito, porém eles se misturaram com as formas orientais e arabescas. Outros modelos são as de janelas góticas que tornaram-se arabescas, e o portão gótico estreito e comprido que se transformou numa janela-arco como uma passarela islâmica. Fonte: www.massa.co.il


ANO 3 • Nº6 • DEZEMBRO / 2011

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HISTÓRIA

IDENTIDADES

MEMÓRIA

O violino Uma criação sefaradí

Cristãos novos & novos judeus Velhas e novas identidades

As muitas histórias do Major Eliezer Levy

EDITORIAL 3 A IMAGEM DA CAPA 4 E houve luz CAPA 14 Chanuká - O encanto das luzes e dos milagres CARTAS DOS LEITORES 27 CRÔNICA 28 Joana, a rainha do Big Bar MENSAGENS 30 5


H ISTÓRIA Por Gustavo Daniel Perednik

O VIOLINO

UMA CRIAÇÃO SEFARADÍ O autor do livro Violino nas costas, explana sobre o vínculo dos judeus com o instrumento musical por excelência.

E

m recente artigo publicado chamativamente no jornal El País ( El malestar español), Basílio Baltasar se pergunta: “por que somos a sociedade menos competitiva da Europa moderna”? e termina respondendo que: “a Espanha foi o único país sem judeus... A desgraçada ocorrência da expulsão nos privou, e no crucial instante do Renascimento Europeu, de uma força que se revelaria decisiva no processo de reinvenção cultural próprio da modernidade... uma comunidade inclinada, por necessidade e vocação, a impugnar os mandos da tirania”. A opinião de Baltasar parece ser revalidada por uma tese acadêmica que vem difundindo-se fazem duas décadas, segundo a qual um dos grandes logros que a Espanha haveria perdido devido a “desgraçada ocorrência”... foi o violino.

A provável invenção deste instrumento pelos judeus sefaraditas começou a ser investigada em 1983 quando Roger Prior, da Universidade de Belfast, recolheu um dado sugestivo: o instrumento antecessor do violino, a viola da gamba(perna em italiano) foi inventado na Espanha antes da expulsão e logo após a mesma, o instrumento apareceu na Itália para converter-se no 6 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

violino. Em outras palavras, o violino se originou na Itália quando aqui se estabeleceram os expulsos de Espanha e, apesar de suas raízes espanholas, toda

referência ao instrumento durante o século 16 foi somente italiana. A viola da gambateria seguido o mesmo caminho que os expulsos.

Ao rastrear este itinerário entre Espanha e Itália, Prior chegou à conclusão de que os principais gambistas haviam sido judeus expulsos que ao assentarem-se na Itália, criaram o violino. Durante sua sondagem, Prior se dedicou a dois detalhes históricos eloqüentes: um referido a família Amati de Cremona e o outro vinculado a dois músicos criptojudeus desafortunados de Londres, de sobrenomes Moyses e Almaliah. Os Amati foram célebres lutiers: o pai, Andréa ( 15201578) estabeleceu a forma do violino moderno; sua obra foi continuada por seus filhos e aperfeiçoada por seu neto Nicolò, que foi professor de Andréa Guarneri e Antonio Stradivari (16441737). Segundo Prior, o nome original dos Amati era Haviv (amado em hebraico, eventualmente italianizado). Quanto aos misteriosos Moyses e Almaliah, a história começa com a coroação em 1509 ,de Henrique VIII,

Prior chegou à conclusão de que os principais gambistas haviam sido judeus expulsos que ao assentarem-se na Itália, criaram o violino.


que decidiu enaltecer a corte inglesa importando para Londres músicos italianos. Em 1540, um grupo de gambistas se apresentou em seu castelo. Um ano depois, para agradar Carlos V, Henrique VIII prendeu alguns homens denunciados como observantes clandestinos do judaísmo, prática proibida também na Inglaterra. Os criptojudeus detidos eram de famílias expulsas de Espanha e vinham de Milão, precisamente de onde haviam imigrado os gambistas. A intuição de Prior de associar os infelizes criptojudeus com os gambistas importados se viu confirmada numa das numerosas cartas que escreveu Eustace Chapuys na

época, embaixador de Carlos V, encarregado de defender a tia do imperador, Catarina de Aragão, perante seu esposo, Henrique VIII. Em 1542, Chapuys, que havia elogiado os prisioneiros, se referiu a eles: “mesmo que cantando muito bem, não poderão sair voando de sua celas, sem deixar algumas de suas plumas” Estes “pássaros”, os gambistas da corte de Henrique VIII, foram finalmente libertados, exceto dois deles que morreram na prisão; John Anthony y Romano de Milão, cujos nomes originais figuraram como Anthonii Moyses e Ambrosius Deolmaleyex (provavelmente um derivado de “de Almaliah”). Os músicos haviam modificado seus sobrenomes, porém quando foram acusados de judaizantes já não havia muito o que ocultar e decidiram, na prisão, recuperar sua identidade. Roger Prior chegou casualmente à interessante informação, enquanto buscava a identidade da “Dama Negra” que aparece nos últimos

vinte e cinco sonetos de Shakespeare - os mais eróticos de sua coleção de 154. Há quem sustente que a “Dama Negra” era um personagem de ficção, apesar que a maioria dos historiadores se inclina a identificá-la com pessoas

reais como Mary Fitton, Elizabeth Wriothesley e Emilia Bassano, esta última foi esposa do músico Alfonso Lanier e autora de uma coletânea de poemas intitulado “Salve Deus ao Rei dos Judeus” (1611). Se ela fosse realmente a “Dama Negra” de Shakespeare (como sustenta o historiador Alfred Rowse), o fato poderia explicar-se por sua origem espanhola. Quando Prior explorou a biografia de Bassano, notou que a linguagem com a qual Shakespeare a mencionava, aludia a uma judia. Ademais, descobriu que vários membros da família Bassano pertenciam a orquestra de câmara da corte de Henrique VIII. Prior foi coautor do livro “Os Bassanos; músicos venezianos e fabricantes de instrumentos na Inglaterra 1531 – 1665” no qual incluiu um capítulo sobre Emilia Bassano identificada com a “Dama Negra”.

Sua tese sobre a gênese do violino voltou a ser difundida recentemente no jornal israelense Jerusalém Post, citando que a revelação de Prior foi amplamente apresentada num simpósio sobre violinos na centenária escola Juilliard de Nova Iorque

– o centro mais prestigioso das artes cênicas. Durante o evento, a violinista barroca inglesa, Mônica Huggett – que é diretora de programação artística da Juilliard – declarou em sua exposição; “o violino não parece ser de origem italiana, e sim judaica”.

Sr. Victor Edery fazendo o Kabalat Shabat em Gambista e seu sua residência instrumento

A violinista barroca inglesa, Mônica Huggett declarou em sua exposição; “o violino não parece ser de origem italiana, e sim judaica”. Quadro retratando a viola da gamba

Um idílio de meio milênio O vínculo dos judeus com o violino se estendeu ao longo dos séculos. Em torno de 1600, nasceu em Mantua a primeira grande escola de violinistas, sob a direção de Salomone Rossi, cujas obras perduraram. Começou com duas dezenas de cançonetas (1589) e em 1623 publicou uma coleção de liturgia judaica de estilo barroco, cujo título parafraseia o de um dos livros bíblicos “ Os cânticos de Salomão” 7


H ISTÓRIA a irmã de Rossi era cantora de ópera; ele, durante quatro décadas serviu na corte de Mantua contratado pelo duque Vincenzo com o objetivo de entreter os hóspedes. Ali foi violinista da duquesa Isabella d´Este Gonzaga ( também o professor de dança de Isabella, Gugliemo Ebreo Pesaro, era judeu). Rossi morreu em 1630, quando as tropas austríacas invasoras destruíram o gueto de Mantua. No século 18 surgiu o chassidismo, um movimento naquela época renovador da religião judaica, com base em melodias e no júbilo. O

violino protagonizou a celebração musical chassídica e penetrou com o clarinete em cada aldeia ( shteitl em íidish) e bairro judeu, onde ambos instrumentos alegravam nascimentos e bodas. Nas bandas klezmer de arte judaica, o violinista e o clarinetista constituíam a parte mais visível. No século 19, muitas aldeias da “Zona de residência” ( fora da qual os judeus estavam proibidos de se radicar) possuíam escolas de música onde os meninos aprendiam violino desde tenra idade e onde se produziam para este instrumento composições judaicas originais. Durante esse século três dos principais violinistas foram judeus: Joseph Joachim ( a

No século 20, o violino foi consolidandose como parte da cultura dos judeus e sua desproporcional presença entre os melhores violinistas poderia ser explicada agora com base na tese de Roger Prior. 8 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

quem Brahms dedicou seu concerto de violino), Ferdinand David ( a quem Félix Mendelssohn dedicou o seu ) e Henryk Weniawski. Em 1980, o musicólogo Vitally Zemtsofsky localizou um daqueles violinistas “graduados” nos conservatórios do shteitl. O grande pedagogo dessa música foi Leopold Auer, que abriu caminho aos principais violinistas do século 20, a maioria dos quais foram judeus: Jascha Heifetz, Isaac Stern, Yehud Menuhin, David Oistrakh, Nathan Milstein,... a lista é interminável. Cabe agregar que Albert Einstein era bastante virtuoso no violino, o qual havia estudado desde os seis anos. No século 20, o violino foi consolidando-se como parte da cultura dos judeus e sua desproporcional presença entre os melhores violinistas poderia ser explicada agora com base na tese de Roger Prior.

Uma contribuição adicional dos judeus foi a incorporação do violino ao tango. Miguel Gadea Sandler. um estudioso do tango, assinalou esta peculiaridade: o violino,”típico

entre as comunidades judaicas da Europa Oriental” imigrou com elas para a Hispanoamérica.

Do telhado Quando o pintor Marc Chagall retratou seu tio Neuch, o colocou com seu violino no telhado de sua casa. Há meio século Joseph Stein adaptou a obra de Scholem Aleichem, “Tevia e suas filhas” (1894) e pegou aquela imagem para produzir seu memorável êxito musical, “Um violinista no Telhado”. Um violinista como representativo do destino judaico é muito justo. No redemoinho da História, o judeu encarna quem se esforça por destilar harmonia apesar de sua posição precária no telhado, o que exige habilidade para o equilíbrio

O violinista, Marc Chagall

e um inveterado otimismo. A peça foi a primeira das comédias musicais famosas a abordar uma temática séria como a perseguição ,a pobreza e as penúrias dos judeus no shteitl de Anatevka na Rússia czarista de 1905 e as dificuldades de Tevia, sua esposa Golde e suas cinco filhas para manter a tradição num mundo de velozes transformações. Vale recordar o romance Gambrinus (1907) de Alexander Kuprin, que trata de um violinista judeu em Odessa que delicia os marinheiros com sua música até que cortam suas mãos num pogrom (notavelmente, Kuprin quis fazer uma ode


à integridade humana, quando o violinista mesmo maneta, aprende a tocar as mesmas músicas, numa flauta. Sobre o violinista prodígio, Fritz Kreisier, seu irmão Hugo ironizava: “eu sou judeu, mas não sei se meu irmão é” De fato Fritz ocultava sua condição judaica, devido a judeofobia de sua esposa Harriet. Quando esta insistiu que “Fritz não tem em suas veias nenhuma gota de sangue judeu”, Leopoldo Godowsky reagiu: “deve estar muito anêmico”.

Para iludir a animosidade do meio durante a primeira metade do século 20, muitos músicos judeus alemães ocultaram sua origem. Em muitos casos a fuga fracassava porque de alguma forma os violinistas eram delatados por sua profissão. Uma das explicações mais antigas do idílio entre os judeus e o violino está no livro “A distribuição comparativa da habilidade judaica” (1886), no qual Josef Jacobs enumera quatro preeminências dos judeus: duas devidas a um impulso interno de sua própria cultura ( a música e a metafísica) e duas resultantes de atividades pelo meio circundante (a filologia e as finanças). No que tange a inclinação musical, sua causa maior seria “o caráter caseiro da religião judaica, que necessariamente faz com que a música faça parte de seus lares”. O célebre filme de Steven Spielberg, “A lista de Schindler”, pois mais uma vez o violino no papel central e simbólico, com a música de John Williams, interpretada pelo judeu Itzhak Perlman. Quando ele completou sessenta anos, foram lançadas em Israel, suas interpretações mais famosas de klezmer, música chassídica e litúrgica, com o título de “ Um violino judeu” (2005). Atualmente a lista de violinistas de renome internacional foi ampliada por vários outros

Na pintura Solidão de Marc Chagall, a presença do violino.

israelenses, como Gil Shaham, Vadim Gluzman e Shlomo Mintz. Naquele país se incentiva a educação musical em numerosos conservatórios e escolas, e consequentemente o violino se constitui no instrumento primordial. Os jovens

secundaristas israelenses podem optar pelo violino como disciplina para suas provas de conclusão. E

assim se contribui para manter o Estado de Israel devoto de um instrumento cuja tradição encontrou um assíduo referencial.

Para iludir a animosidade do meio durante a primeira metade do século 20, muitos músicos judeus alemães ocultaram

Fundado em 1997, em sintonia com o movimento de renascimento da música klezmer, o Klezmer Revival, o Grupo Zemer, criado

sua origem. Em muitos

e dirigido pelo maestro

casos a fuga fracassava,

carioca, Mauro Perelman,

eram delatados

é um dos expoentes deste

por sua profissão.

gênero musical no Brasil. 9


ID ENTIDADES

CRISTÃOS NOVOS & NOVOS JUDEUS VELHAS E NOVAS IDENTIDADES

O

surgimento de novas identidades judaicas com raízes fincadas no passado inquisitorial é um fenômeno social cada vez mais recorrente em diversos países e evidenciado, não só por historiadores e cientistas sociais, como também,

por inúmeros grupos de pessoas que alegam ser descendentes de judeus conversos forçadamente ao cristianismo, e que agora,

buscam um caminho de retorno para o judaísmo. A maioria destes grupos ou indivíduos rechaça ser reconhecido por nomenclaturas que consideram ofensivas, tais como, marranos ou cristãos-novos1, passando a se conclamar B´nei-anussim, surgindo assim uma nova categoria a ser analisada. Estes são resumidamente alguns aspectos que tornam este fenômeno ímpar e singular, e merecedor de ser pesquisado de forma mais apurada. Mesmo não sendo tão evidenciados, os estudos sobre os cristãos-novos não são algo inédito na historiografia nacional. Ainda que Gilberto Freyre, autor clássico da sociologia brasileira em “Casa-Grande & Senzala” publicado em 1933, tenha feito alusões ao elemento judaico, não só na formação da sociedade brasileira, como também, na sociedade

10 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

Por Wagner Bentes*

lusitana, ou ainda, o folclorista Luís da Câmara Cascudo em seu livro “Judeus & Mouros” na formação cultural do Brasil, publicado em 1975, tenha novamente abordado o assunto, a presença judaica no Brasil ou estava relegada ao esquecimento, ou ocupava um plano secundário nos estudos sobre a formação nacional. Conforme a afirmação da socióloga Eva Blay, “A presença judaica no Brasil não é, em geral, encontrada na historiografia brasileira. Nos livros escolares, nos compêndios universitários, não encontramos vestígios desta presença. É uma historia oculta”2. Os estudos sobre a presença dos cristãos-novos no Brasil colonial tomaram maior fôlego nos anos setenta do século XX, a partir de

trabalhos como “Os cristãos-novos na Bahia” desenvolvidos por Novinsky (1972), ou ainda, “Judeus no Brasil imperial” (1975) e “Judeus nos primórdios do Brasil – República” (1979), do casal Egon e Frieda Wolf 3. O assunto dos cristãos-novos passou a receber uma abordagem mais direcionada e aprofundada a partir da busca e organização de fontes documentais que explicassem com mais propriedade a presença dos cristãos-novos na história do Brasil.


Posteriormente, além da abordagem documental, os estudos sobre a presença judaica no Brasil passaram timidamente a direcionar os seus focos para a busca de resquícios de práticas judaicas inseridas no cotidiano e na religiosidade das populações rurais nordestinas, disseminados principalmente por conta dos trinta anos de ocupação holandesa na região4. Dentre os pesquisadores que se interessaram em buscar estes vestígios de judaísmo no Nordeste brasileiro, estava o casal de antropólogos Yvone e Nathan Wachtel, professores do “Collège de France”, que contribuíram com outra abordagem para as pesquisas sobre cristãos-novos.

No entanto, a quase totalidade dos estudos empreendidos sobre os cristãos-novos no Brasil durante as últimas décadas do século passado, e ainda hoje, na sua maioria, limitaram-se à procura de vestígios de costumes judaicos na cultura nordestina, ou ao método histórico de

busca de documentos inquisitoriais e outras fontes documentais que pudessem reconstituir o passado oculto dos cristãos-novos na sociedade brasileira. Negligenciando ou

A maioria destes grupos ou indivíduos rechaça ser reconhecido por nomenclaturas que consideram ofensivas, tais como, marranos ou cristãos-novos, passando a se conclamar B´nei-anussim

Grupo de Bnei Anussim na sinagoga construída por eles em Brejo da Madre de Deus, PE

abordando de maneira superficial como este novo sentimento judaico se estrutura no nordeste na forma de grupos organizados e na forma de novas identidades étnicas adjacentes ao judaísmo oficial. Em uma tentativa de uma compreensão contemporânea e mais apurada de todas estas questões é que está sendo realizado o projeto “Cristãos-novos & novos judeus: velhas e novas identidades no estado da Paraíba”. Um projeto de pesquisa realizado através do Departamento de Antropologia da USP Universidade de São Paulo e da FAPESP – Fundação de Amparo e Desenvolvimento a Pesquisa do Estado de SP, que pretende com-

preender como surgiram estes grupos que agora se auto-denominam B´nei-anussim. Como se

consolidaram estas novas identidades judaicas na região nordeste do Brasil, mais especificamente no estado da Paraíba. A princípio este projeto realizará pesquisas nas cidades de João Pessoa e Campina Grande, mas poderá se estender a outras localidades paraibanas se houver necessidade. No estado da Paraíba, as questões referentes tanto ao

passado judaico, como também, as novas identidades judaicas contemporâneas, ainda foram pouco estudadas, principalmente se comparado aos estados vizinhos como o Recife, onde a questão da presença judaica no período açucareiro nordestino já foi bastante estudada e igualmente difundida. No ano de 2002, um fato consagraria definitivamente os estudos sobre o passado judaico do Nordeste brasileiro, evidenciando também a ligação entre o trabalho de historiadores e cientistas sociais com o surgimento destas novas identidades judaicas.

Em uma tentativa de uma compreensão contemporânea e mais apurada é que está sendo realizado o projeto “Cristãos-novos & novos judeus: velhas e novas identidades no estado da Paraíba”. 11


ID ENTIDADES A inauguração do “Centro Cultural Judaico de Pernambuco”, no local onde funcionou durante a ocupação holandesa a primeira sinagoga das Américas: a congregação Tzur Israel (Rochedo de Israel). Sem sombra de dúvidas o sentimento judaico que era atribuído ao Nordeste brasileiro foi reforçado com a inauguração do “Museu Judaico do Recife”, que retomou a questão do passado judaico e cristão-novo no Nordeste e, de certo modo, contribuiu para a criação de uma imagem positiva dos judeus em contraponto à ideia de povo deicída, que ainda é muito presente no imaginário nordestino 5. Tais acontecimentos ajudaram a consolidar um sentimento judaico já existente, porém de forma isolada, por alguns indivíduos, núcleos familiares, ou até pequenas congregações. Desta

maneira, além de tentar compreender o surgimento destas novas identidades judaicas, outro aspecto muito importante que esta pesquisa também pretende abordar é a influencia de historiadores e antropólogos na construção destas novas identidades judaicas. É importante compreender até que ponto as

descobertas histórico-antropológicas de aspectos da cultura nordestina que passaram a ser conectados ao judaísmo, são utilizadas por indivíduos ou por grupos organizados como forma de legitimizar essas novas identidades judaicas.

Para a realização destes estudos, inicialmente por questões metodológicas, os interlocutores que colaborarão com a pesquisa estarão agrupados em quatro grupos. O primeiro grupo aglu-

tinará possíveis comunidades judaicas paraibanas ligadas a entidades do judaísmo oficial brasileiro como a CONIB (Confederação Nacional Israelita Brasileira). Já o segundo grupo reunirá os indivíduos que alegam ser descendentes de judeus conversos ou cripto-judeus do período açucareiro e que atualmente buscam retorno para o judaísmo através da entidade israelense Shavei Israel 6. O terceiro grupo englobará os indivíduos que constroem uma identidade judaica baseados no passado cripto-judaico da Paraíba, porém estão vinculados a grupos evangélicos de apelo filossemita. E ainda, um quarto grupo, que englobará indivíduos que por

David Salgado e Saguiv Simona Z”L (terceiro e mente), em encontro com representantes de Bnei

Este estudo contribuirá para um entendimento mais amplo de como se desenvolvem os processos de ressignificação, reaproximação e reinserção no judaísmo.

O sentimento judaico que era atribuído ao Nordeste brasileiro foi reforçado com a inauguração do “Museu Judaico do Recife”, que retomou a questão do passado judaico e cristão-novo no Nordeste 12 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

Casa com uma estrela de david na fachada, resquício de práticas judaizantes. Macaíba, RN


diversas razões alegam ser descendentes dos criptos-judeus, e, portanto, querem ser reconhecidos pelas autoridades judaicas, religiosas e laicas, como parte do povo de Israel sem serem submetidos a um processo de conversão.

Esta subdivisão entre grupos nos permitirá visualizar, de maneira mais objetiva, como estas identidades judaicas estão sendo construídas e como a história supri-

segundo da direita para a esquerda, respectivai Anussim de Campina Grande, Fortaleza e Recife

mida dos judeus no nordeste brasileiro serve de alicerce no processo de re-judaização destes indivíduos. A realização de um estudo mais aproximado destes grupos

que atualmente se autodeclaram judeus na região nordeste do Brasil sem dúvida será uma contribuição ímpar e complementar para estudos similares, que estão sendo desenvolvidos principalmente na Península Ibérica e em Israel, onde as questões relacionadas aos B´nei-Anussim vêm ganhando grandes proporções nos últimos anos. Como também contribuirá para um entendimento mais amplo, por parte dos grupos judaicos oficias, de como se desenvolvem estes processos de ressignificação, reaproximação e reinserção no judaísmo.

1 Cristão-Novo foi uma categoria criada pela inquisição para classificar os neófitos a fé cristã, em oposição à categoria de cristão-velho. Esta categoria foi largamente aplicada aos judeus convertidos à força na Península Ibérica. Ver: NOVINSKY; Anita. Os cristãos-novos na Bahia. Ed Perspectiva. São Paulo, 1972.

Marrano; leitão em espanhol. Forma pejorativa para se referir a estas pessoas, em alusão à interdição dos judeus à carne suína. No entanto, outras explicações são atribuídas ao termo pejorativo “Marrano”. Há aqueles que afirmam que o verdadeiro significado da palavra “marrano” é aquele que “marra”, no sentido de teimar: marrar contra a fé cristã. Porém há ainda aqueles que atribuem uma origem hebraica ao termo “marrano”. “As derivações mais remotas e mais aceitáveis sugerem a origem hebraica ou aramaica do termo. Mumar: converso, apóstata. Da raiz hebraica mumar, acrescida do sufixo castelhano ano derivou a forma composta mumrrano, abreviado: Marrano. Tratar-se-ia, pois de um vocábulo hebraico acomodado às línguas ibéricas. Marit-áyin: aparência, ou seja, cristão apenas na aparência. Mar-anús: homem batizado à força. Mumar-anús: convertido à força. Contração dos dois termos hebraicos, mediante a eliminação da primeira sílaba” Cf. Glasman: Dsponível em: http://www.filologia.org.br/viiifelin/39.htm Acessado em: 14/01/2010. Muitos pesquisadores atualmente preferem utilizar o termo Anúss ou em sua forma plural Anússim, para se referir aos cristãos-novos. A denominação anussim, ou bnei anussim (os filhos dos forçados, como muitos hoje se intitulam) é também uma categoria e um fenômeno neófito, e passível de ser analisado, assim como estas novas identidades emergentes investigadas nessa pesquisa. 2

BLAY, Eva Alterman. Judeus na Amazônia – in Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo. Organizado por Bila Sorj. Rio de Janeiro Ed. Imago. P.32, 1997. 3

BLAY, Eva Alterman. Judeus na Amazônia – in Identidades Judaicas no Brasil Contemporâneo. Organizado por Bila Sorj. Rio de Janeiro Ed. Imago. P.32, 1997. 4 Dentre alguns vestígios de judaísmo mais recorrentes localizados por pesquisadores como Wachtel, estão: a rejeição pela carne suína e alimentos preparados com sangue. O abate de galináceos através da degola e não da torção do pescoço. Os sepultamentos prescindindo de caixão, e priorizando a mortalha, como também o hábito de deixar pequenas pedras sob a sepultura tal qual nos costumes mortuários judaicos. Dentre os vestígios materiais que registram o passado judaico na região, foram encontrados no Rio Grande do Norte ferros de marcar gado em formas que muito se assemelhavam a letras do alfabeto hebraico. Sendo importante ressaltar que: muitos costumes que são recorrentes em diversos grupos étnicos da sociedade nordestina, com o evidenciamento da questão do passado cripto-judaico da região, também passaram a ser relacionados ao judaísmo, e utilizados na construção destas novas identidades. Como a guisa de exemplo, o costume de oferecer uma “bebida ao santo” comum em vários segmentos sócias no nordeste também passou a ser relacionado ao copo oferecido ao profeta Elias nas noites de Páscoa e outras festividades judaicas. 5 Quanto ao estigma de povo decida muito presente no Nordeste ver: CASCUDO, Luis da Câmara. Mouros, Franceses e Judeus: três presenças no Brasil. SP: Ed. Perspectiva, 1984. Ver ainda, o cordel “O Judeu Errante” do poeta Manoel Pereira Sobrinho (1958) (Disponível em: http://docvirt.no-ip.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=%5C%5CAcervo01%5Cdrive_Q%5CTrbs%5CFCRB_Cordel%5CCordelFCRB. DocPro&pasta=Manuel%20Pereira%20Sobrinho&pesq=. Acessado em: 30/01/2010. 6

Shavei Israel: (shavei do verbo hebraico – Lashuv / retornar) entidade israelense que se ocupa em auxiliar o retorno ao judaísmo institucionalizado de comunidades judaicas que por diversas razões se distanciaram do judaísmo, e se assimilaram às sociedades hospedeiras, como o grupo denominado B´nei Menashe, da Índia, como também, as comunidades que se autodenominam cristãos-novos no Nordeste brasileiro. Sobre o tema ver: www.shavei.org.

* Wagner Bentes é antropólogo, com doutorado pela USP

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onhecida também como a Festa das Luzes, Chanuká é celebrada durante oito dias a apartir de 25 de Kislev do calendário judaico, este ano a partir do dia 20 de dezembro, e comemora a derrota

dos helênicos e a recuperação da independência judaica pelos macabeus e a posterior purificação do Templo Sagrado de Jerusalém, no século 2 a.e.c. A tradição judaica fala de um milagre: “Quando os Hasmoneus venceram os gregos, fizeram uma busca no Templo e encontraram somente um frasco de azeite intacto e inviolado com o selo do Cohen Hagadol (Sumo Sacerdote). Continha azeite suficiente para iluminar um dia, mas ocorreu um milagre e a menorá permaneceu acesa durante oito dias. Um ano depois a data foi designada festividade em que se recita o Halel, a oração de graças” (Talmud - Shabat 21b).

Isso deu origem ao principal costume da festividade, que é o de acender, de forma progressiva, um candelabro de oito braços chamado chanukiá.

Origem da Festa A festa de Chanuká advém da época da hegemonia helênica em Israel, iniciada com a conquista de Alexandre no ano de 332 a.e.c., como podemos ler nos livros Macabeus I e II, a pesar de que não é mencionada no Tanach. Quando Antíoco IV Epífanes (175-164 a.e.c.) é coroado rei da Síria, decide helenizar o povo de Israel, proibindo-o de seguir suas tradições e costumes. Um grupo de judeus conhecido como macabeus, proveniente de Modi´in rebelaram-se, negando-se a cometer atos contra sua 16 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

religião. Foi uma luta difícil, eram minoria contra o exército grego, no entanto, sua estratégia, determinação e fé os conduziu a vitória. Nos livros Macabeus I e II também podemos ler sobre a instituição de Chanuká . O

primeiro narra: “Durante oito dias celebraram a dedicação ao altar… Então Iehudá e seus irmãos e toda a assembléia de Israel decidiram que a consagração do novo altar se devia celebrar a cada ano com gôzo e alegria durante oito dias, a partir de vinte e cinco de kislev” (Macabeus I 4: 56-59). De acordo com Macabeus II 10: 6-8), “Celebraram com alegria durante oito dias à maneira da Festa dos Tabernáculos… toda a assembléia aprovou e publicou um decreto ordenando que todo o povo judeu celebrasse a cada ano estes dias de festa” O Contexto histórico A Judéia foi parte do reino ptolomaico do Egito até o ano 200 a.e.c., quando o rei Antíoco III da Síria, derrotou Ptolomeu V Epifanes do Egito, na batalha de Panio. A Judéia se converteu em parte do Império Selêucida da Síria.

Praça do mercado de Modi´in – manuscrito do Livro dos Macabeus – sec. 10

CHANUKIOT

O rei Antíoco III, numa tentativa de conciliar seus novos súditos judeus, lhes garantiu o direito de “viver de acordo com seus costumes ancestrais” e continuar com a prática de Europa oriental - séc 18


sua religião no Templo Sagrado de Jerusalém. No entanto, no ano de 175 a.e.c., Antíoco IV Epifanes, filho de Antíoco III, invadiu a Judéia, aparentemente, a pedido dos filhos de Tobias. Os tobíades, que lideravam a facção helenística judaica em Jerusalém, foram expulsos da Síria, em torno de 170 a.e.c., quando o Sumo Sacerdote e sua facção pró egípcia lhes tiraram o controle. Os tobíades exilados, convenceram antíoco IV Epifanes a recuperar Jerusalém.

sem piedade. Também profanou o expiação, diariamente, por cerca Templo e pôs fim a prática cons- três anos e seis meses, até a libertatante de oferecer um sacrificio de ção pelos macabeus”.

Segundo o testemunho do historiador Flavio Josefo, o rei “concordou com eles e veio sobre os judeus com um grande exército e tomou sua cidade pela força e assassinou

Comunidade de Manaus

uma grande multidão daqueles que favoreciam a Ptolomeu e enviou seus soldados para saquear a cidade

Continha azeite suficiente para iluminar um dia, mas ocorreu um milagre e a menorá permaneceu acesa durante oito dias. Um ano depois a data foi designada festividade em que se recita o Halel.

Mapa das vitórias de Iehudá Hamacabi

Marrocos - início do séc. 20

Mazagan, Morocco - 1950

Larache, Marrocos - Final do séc. 19

Israel - período do 2º Templo 17


C APA A Revolta dos Macabeus * A revolta desencadeada em Modiin pelo sacerdote Matitiahu, continuada depois de sua morte por seu filho Iehudá Hamacabi (o martelo?), é ao mesmo tempo uma guerra civil e uma guerra estrangeira. Os oficiais do rei dirigiram-se a Matitiahu nestes termos: “Tu és chefe célebre e poderoso nesta cidade, apoiado por filhos e irmãos”. Aquilo que lhe pedem é que seja o primeiro a realizar o sacrifício pagão. Em troca, ele e os filhos entrarão na hierarquia áulica, farão parte dos “amigos” do rei. Matitiahu recusa. Mata um judeu que aceitou sacrificar, mata depois o homem do rei, e derruba o altar,

antes de fugir para os filhos na “montanha, deixando na cidade tudo o que possuíam” A revolta visa portanto, prioritariamente, aqueles dos judeus que aceitaram, pelo menos, um aggiornamento grego da antiga tradição, em seguida o ocupante estrangeiro, o colonizador que impõe o seu modo de vida e a sua cultura, ao mesmo tempo

Monumento funerário dos Hasmoneus

que retira os recursos do país centralizados no Templo.

Essa revolta conhecemo-la pelos textos que exaltam a dinastia saída de Matitiahu (Macabeus I)

ou a pessoa de Iehudá apresentado como um leão refugiado no deserto “sem nunca comer mais que Manuscrito contendo poema litúrgico que convoca ao martírio diante do Édito de Antioco Hamburgo, sec. 15

18 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

ervas para não contrair máculas” (Macabeus II). Conhece-se muito menos os chassidim ou “devotos” que se colocam ao lado do filho de Matitiahu. O que se sabe é que uma guerra não se ganha apenas com as armas da pureza ritual. Quase

Os oficiais do rei dirigiram-se a Matitiahu nestes termos: “Tu és chefe célebre e poderoso nesta cidade, apoiado por filhos e irmãos” Aquilo que lhe pedem é que seja o primeiro a realizar o sacrifício pagão. Em troca, ele e os filhos entrarão na hierarquia áulica.


O que se sabe é que uma guerra não se ganha apenas com as armas da pureza ritual. Quase desde o início, foi preciso aceitar compromissos, combater, por exemplo, no shabat. desde o início, foi preciso aceitar compromissos, combater, por exemplo, no shabat.

Para vencer o exército selêucida, não basta a guerrilha. Os judeus revoltados reúnem um exército segundo o modelo do exército grego, capaz de vencer

este no seu próprio terreno.

A diplomacia sabe utilizar as querelas que minam a dinastia selêucida, tomar partido se for o caso por tal ou qual “usurpador” a fim de lhe arrancar concessões.

Elefente de combate selêucida. Terracota pintada. Myrina, Asia Menor, sec. 3 A.E.C.

Ela sabe também, estabelecer relações longínquas, simbólicas, como o tratado de aliança com Esparta, que descobre entre os her-

deiros de Licurgo e os de Moisés, um muito oportuno parentesco; realistas, como a aliança com os romanos que passam por “poderosos e benevolentes” e que são principalmente inimigos dos gregos. Entre Iehudá o puro e a grande República, o negociador teria sido o historiador judeu de expressão grega Eupolemos, cujo pai tinha talvez negociado já com Antíoco III a “ Carta de Jerusalém”, outorgada em 200 a.e.c.

JUDITH E HOLOFERNES

Judit e Holofernes, Caravaggio, 1599

A História de Judith, a Heroína Miniatura do “Sidur De Maguncia” 19


C APA Uma diplomacia hábil não exclui o emprego das armas ideológicas. Contra a realeza dos

animais sucessivos, o livro de Daniel exalta aquele que encarna o “filho do homem”.

Judith e Esther são heroínas que fazem reviver Dvorá, como o próprio Iehudá faz reviver Yeoshua, o juíz. A revolta obtém um êxito rápido, pois desde o fim de 164 a.e.c., a primeira Festa das Luzes (Chanuká – inauguração) podia ser celebrada no Templo restituído apenas ao culto judaico. E foi por essa festa, e só por ela, que a revolta foi transmitida à posteridade rabínica. Todo o resto desta história transitou por textos gregos recolhidos mais tarde pelos cristãos. No entanto até 141 a.e.c., uma guarnição selêucida permanece instalada na cidadela (Akra) de Jerusalém, protegendo só pela sua presença, os judeus que aceitaram o modo de vida helênico.

A revolta obtém um êxito rápido, pois desde o fim de 164 a.e.c., a primeira Festa das Luzes (Chanuká – inauguração) podia ser celebrada no Templo restituído apenas ao culto judaico. E foi por essa festa, e só por ela, que a revolta foi transmitida à posteridade rabínica. 20 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

Sevivon, um dos símbolos de Chanuká

Entretanto, o estado reconstituiu-se efetivamente pela ‘purificação” do território, com imposição da circuncisão às crianças e eliminação dos “espíritos arrogantes”, mas também pela

captura de cidades inimigas, como Caspin no Golan e mesmo uma cidade grega tolerante como Scythopolis (Beit She´an). As fronteiras de Israel ultrapassam, desde antes do reconhecimento da independência, o país propriamente

A chanukiá deve ser acesa ao entardecer. A tradição que prevalece é a de acender as velas progressivamente: uma na primeira noite, duas na segunda e assim sucessivamente. Chanukiá ao lado do Kotel Hamaaravi


judaico. Ionathan e depois Shimon, são reconhecidos pelos selêucidas como sumos sacerdotes, ou mesmo como etnarcas e estrategos. O tempo dos juízes, que Iehudá quisera talvez ressucitar, está decididamente longe. Fonte: História Universal dos Judeus, elaborada por Elie Barnaví A Festa e seus costumes É costume reunir-se com os familiares e amigos para acender a chanukiá (candelabro de Chanuká) e trocar presentes. As

crianças brincam com o dreidl ou sevivon (pião). É costume também, comer levivot ou latkes e sufganiot (sonhos).

Acendendo a chanukiá A chanukiá deve ser acesa ao entardecer. A tradição que prevalece é a de acender as velas progressivamente: uma na primeira noite, duas na segunda e assim sucessivamente, até completar as oito. Uma vela extra, o shamash, é acendido primeiro e com ele se acende as demais (costume asquenazi). Já os sefaradis e principalmente os do norte da África, têm o costume de acender o shamash após as vela do dia. Podem ser acesas velas ou lamparinas de azeite. E já há também, casos de utilização de “velas” elétricas.

A maioria dos lares judaicos possui uma chanukiá. A intenção das luzes de Chanuká não é iluminar dentro da casa e sim fora dela, de forma que os transuentes

possam ver os candelabros acesos e desta forma, recordar e se integrar, ao milagre de Chanuká. Por isso, as chanukiot devem ficar numa janela de destaque, ou próximo à porta da rua, no lado contrário ao da mezuzá.

SEDER DAS BERACHOT DE Chanuká

‫סדר הברכות לחנוכה‬ Antes do acendimento das velas de Chanuká, diz-se as seguintes Berachot:

,ּ ‫ א ֲ ש ׁ ֶר ק ִ ד ּ ְ ש ׁ ָ ֽנו ּ ב ְ מ ִ צ ְו ֹ ת ָיו ו ְצ ִ ו ּ ָ ֽנ ו‬,‫ א ֱ ל ֹה ֵ ֽינו ּ מ ֶ ֽ ל ֶ ך ְ ה ָעו ֹ ל ָם‬,‫ב ּ ָרוּך ְ א ַ ת ּ ָה יהוה‬ :‫ל ְ ה ַ ד ְ ל ִיק נ ֵר ח ֲנ ֻ כ ּ ָה‬ BARUCH ATÁ AD-NAI ELOHENU MÊLECH HAOLAM ASHER KIDESHANU BEMITSVOTAV VETSIVANU LEHADLIK NER SHEL Chanuká. Bendito sejas Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos tens santificado com Teus mandamentos, e nos ordenaste acender a vela de Chanuká.

‫ בַּיָּמִים הָהֵם‬,ּ‫ שֶׁעָשָׂה נִסִּים לַאֲבוֹתֵֽינו‬,‫ אֱלֹהֵֽינוּ מֶֽלֶךְ הָעוֹלָם‬,‫בָּרוּךְ אַתָּה יהוה‬ :‫בַּזְּמַן הַזֶּה‬ BARUCH ATÁ AD-NAI ELOHENU MÊLECH HAOLAM SHEASSÁ NISSIM LAAVOTENU BAYAMIM HAHEM BAZEMAN HAZÊ. Bendito sejas Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que fizeste milagres para com nossos antepassados, naqueles dias, nesta época.

Somente na primeira noite de Chanuká diz-se:

:‫ שֶׁהֶחֱיָֽינוּ וְקִיְּמָֽנוּ וְהִגִּיעָֽנוּ לַזְּמַן הַזֶּה‬,‫ אֱלֹהֵֽינוּ מֶֽלֶךְ הָעוֹלָם‬,‫בָּרוּךְ אַתָּה יהוה‬ BARUCH ATÁ AD-NAI ELOHENU MÊLECH HAOLAM SHEHECHEYANU VEKIYEMANU VEHIGUIANU LAZEMAN HAZÊ. Bendito sejas Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos tens preservado vivos, sustentados e nos tens trazido para regozijarmo-nos nesta festa.

Após o acendimento das velas diz-se:

‫ ע ַל ה ַ נ ּ ִ ס ּ ִים ו ְ ע ַל ה ַ פ ּ ֻ ר ְ ק ָן ו ְ ע ַל ה ַ ג ּ ְבוּר ו ֹת ו ְ ע ַל‬,‫ה ַ נ ּ ֵר ו ֹת ה ַ ל ּ ָ ֽל ו ּ א ָ ֽנ ו ּ מ ַ ד ְ ל ִי ק ִין‬ ‫ ש ׁ ֶ ע ָ ש ׂ ִ ֽי ת ָ ל ַא ֲב ו ֹ ת ֵ ֽינ ו ּ ב ּ ַ י ּ ָ מ ִים‬,‫ ו ְ ע ַל ה ַ נ ּ ֶ ח ָמ ו ֹת‬,‫ה ַ ת ּ ְ ש ׁ ו ּע ו ֹת ו ְ ע ַל ה ַ נ ּ ִ פ ְלָא ו ֹת‬ ,‫ ו ְכל ש ׁ ְמ ו ֹ נ ַת י ְ מ ֵי ח ֲ נ ֻ כ ּ ָה‬,‫ה ָ ה ֵם ב ּ ַ ז ּ ְ מ ַן ה ַ ז ּ ֶה ע ַל י ְ ד ֵי כ ֹ ה ֲ נ ֶ ֽי ך ָ ה ַ ק ּ ְד ו ֹ ש ׁ ִים‬ ‫ ו ְ א ֵין ל ָ ֽנ ו ּ ר ְ ש ׁוּת ל ְ ה ִ ש ׁ ְ ת ּ ַ מ ּ ֵ ש ׁ ב ּ ָ ה ֶם א ֶ ל ּ ָא ל ִ ר ְא ו ֹ ת ָם‬,‫ה ַ נ ֵר ו ֹת ה ַ ל ּ ָ ֽל ו ּ ק ֹ ֽ ד ֶ ש ׁ ה ֵם‬ :ָ ‫ כ ּ ְ ד ֵי ל ְה ו ֹד ו ֹת ל ִ ש ׁ ְ מ ֶ ֽ ך ָ ע ַל נ ִ ס ּ ֶ ֽי ך ָ ו ְ ע ַל נ ִ פ ְ ל ְא ו ֹ ת ֶ ֽי ך ָ ו ְ ע ַל י ְ ש ׁ ו ּע ו ֹ ת ֶ ֽי ך‬,‫ב ּ ִ ל ְ ב ַד‬ HANEROT HALÁLU ANU MADLIKIN AL HANISSIM VEAL HAPURKAN VEAL HAGUEVUROT VEAL HATESHUOT VEAL HANIFLAOT VEAL HANECHAMOT SHEASSITA LAAVOTENU BAYAMIM HAHEM BAZEMAN HAZÊ AL YEDEI KOHANECHA HAKEDOSHIM VECHOL SHEMONAT YEMEI Chanuká HANEROT HALÁLU KÔDESH HEN VEEN LANU RESHUT LEHISHTAMESH BAHEN ELA LIR-OTAN BILVAD KEDEI LEHODOT LISHMECHA AL NISSECHA VEAL YESHUOTECHA VEAL NIFLEOTECHA. Estas luzes nós acendemos por causa dos milagres, redenções, grandes feitos, salvações, maravilhas e consolações que fizeste para com nossos antepassados naquela época e nesta estação, pelas mãos de Teus santos sacerdotes. Por isso, estas luzes são sagradas todos os oito dias de Chanuká, nem estamos nós permitidos de fazer qualquer outro uso delas senão o de olhá-las a fim de que possamos dar agradecimentos a Teu Nome por Teus milagres, salvação e obras maravilhosas.

As imagens utilizadas nesta matéria foram retiradas das seguintes obras; 1. História Universal Dos Judeus, Eli Barnaví, Ed. Contexto, 1992 2. El Pueblo Judio; Cuatro Mil Años De Historia, Max Wurmbrand E Cecil Roth, Ed. Aurora, 4ª Ediçõ , 1987 3. Encyclopedia Of Jewish History, Ed. Massada, 1986 Comunidade de Belém

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MEM ÓRIA

AS MUITAS HISTÓRIAS DO MAJOR ELIEZER LEVY* Por Profº Nachman Falbel

Uma das pessoas que mais se destacaram no judaísmo paraense como homem voltado às questões sociais e comunitárias relativas à imigração israelita no norte do país foi o major Eliezer Levy.

U

ma das pessoas que mais se destacaram no judaísmo paraense como homem voltado às questões sociais e comunitárias relativas à imigração israelita no norte do país foi o major Eliezer Levy.

Nascido em 29 de novembro de 1877, Eliezer Levy descendia de uma tradicional família sefaradi,

que por parte da mãe incluía a dinastia rabínica dos Dabela entre eles o rabi Eliezer Dabela, cognominado a Luz do Ocidente (Ner há-Maarabi). Viveram em Casablanca e em Rabat, Marrocos, antes de imigrarem para Belém do Pará, em 1870. Eliezer Levy fez seus primeiros estudos em Gurupá, onde seu pai, Moysés Isaac Levy, atuava no comércio. Em 21 de março de 1900, casou-se em Cametá, com Esther Levy Benoliel, filha de David e Belizia Benoliel, de família ilustre do Marrocos. Ainda muito jovem, estabeleceu-se no comércio participando como titular da firma E. Levy & Cia. – Comissões e Consignações, e, a partir de 1910, fez parte da diretoria da 22 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

Maju Ruber Company, presidida pelo Comodoro Benedit. Gerenciou ainda a firma italiana de navegação C. B. Merlin. Eliezer Levy ingressou na Guarda Nacional e chegou ao posto de coronel, ainda que fosse sempre conhecido como major Levy. Advogado, foi ativo na política local, sendo prefeito três vezes: do município de Macapá (que até 1943 esteve ligado ao Estado do Pará), de Afuá (Pará) e novamente de Macapá (foi o primeiro prefeito da capital, onde ficou de 1933 a 1947).

Entre 1918 e 1926, Eliezer Levy atuou como advogado no escritório de Francisco Jucá Filho, Procurador-Geral da República,

e Álvaro Adolfo da Silveira, deputado estadual e chefe do Partido Conservador. Ainda que ele pertencesse ao Partido Republicano Federal desde a sua fundação. Apesar das divergências políticas, sua amizade com os colegas de trabalho teria futuramente importância decisiva na posição brasileira durante a votação na ONU para a criação do Estado de Israel.

Major Eliezer Levy

Eliezer Levy ingressou na Guarda Nacional e chegou ao posto de coronel, ainda que fosse sempre conhecido como major Levy. Advogado, foi ativo na política local.


Segundo sua filha a escritora Sultura Levy Rosenblatt, o jornal sionista que Levy fundou em 1918, o “Kol Israel” (A Voz de Israel), assim como os serviços de datilografia das instituições da comunidade judaica, eram realizados sempre naquele movimentado escritório de advocacia, colocando, portanto, os problemas do nacionalismo judaico e do movimento sionista na pauta das discussões daqueles advogados. Oswaldo Aranha Todos os partidos políticos foram extintos em 1937, mas pouco tempo depois foi fundado o Partido Social Democrático, chefiado no Pará por Magalhães Barata. Eliezer Levy ingressou no novo partido e passou a ter uma posição de destaque, tornando-se grande amigo daquele líder, conseguindo ao mesmo tempo trazer seu velho companheiro, o advogado Álvaro Adolfo da Silveira, ao mesmo partido. Este último seria eleito mais tarde senador da República pelo PSD. Álvaro Adolfo, foi designado para fazer parte da comitiva que acompanharia Oswaldo Aranha à ONU, como seu assessor político.

Sultana Rosenblatt relata que “na hora da votação para o reconhecimento do Estado de Israel, Álvaro Adolfo sentiu que conhecia minuciosamente o assunto, sem se

Trapiche em Macapá leva o nome do ex-prefeito, major Eliezer Lavy

vários dias de trabalho na conquista dos adversários, conseguiu dobrá-los. Continuada a votação, o resultado foi: “mas dois votos favoráveis e um em branco...”, o que levaria a criar a maioria necessaria para a formação de um Estado Judeu.

A narrativa dele é confirmada em um aparte na Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro,

em 15 de maio de 1973, feito pelo Dr. João Menezes, sobrinho e filho de criação de Álvaro Adolfo da Silveira e seu sucessor no escritório de advocacia e no Partido Social Democrárico. João Menezes, em seu aparte no discurso do deputado Rubem

Todos os partidos políticos foram extintos em 1937, mas pouco tempo depois foi fundado o Partido Social Democrático, chefiado no Pará por Magalhães Barata. Eliezer Levy ingressou no novo partido e passou a ter uma posição de destaque. Chanceler Oswaldo Aranha presidindo sessão que votou a partilha da Palestina na ONU em 1947

lembrar bem como e por quê. Após uma retrospectiva, passou por sua lembrança o escritório da rua 13 de Maio, onde Eliezer trabalhava e onde se discutiam assuntos sobre a criação de Israel. Adolfo era coordenador da votação e conseguiu descobrir três países que votariam contra: pediu a Oswaldo Aranha que suspendesse a sessão, e após

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MEM ÓRIA Medina, disse que “o Pará tem ligação com a criação do Estado de Israel. Revelo o fato neste instante, ao plenário da Câmara, para que faça parte do esplêndido discurso de V. Exa. O Sr. Álvaro Adolfo da Silveira, ex-senador pelo Estado do Pará, foi o homem que, em companhia de Oswaldo Aranha, e designado por ele, coordenou a votação da criação do Estado de Israel. Há um fato interessante em tudo isso. Quando voltava das

Nações Unidas, Oswaldo Aranha, em trânsito em Belém do Pará, recebeu homenagem das mais carinhosas da colônia israelita,

que lhe ofereceu uma corbeille de flores em reconhecimento do trabalho havia feito. No discurso de agradecimento declarou aos israelitas do Pará que cometiam grave erro: “aquela homenagem 1ª página da edição de 1 ano do Jornal Kol Israel, mostrando foto de seu fundador

Carro alegórico “Salve Palestina Livre”, festejando a Declaração Balfour - Belém, Carnaval de 1918

deveria ser tributada ao senador Álvaro Adolfo da Silveira, o homem que havia coordenado tudo na ONU para a criação do Estado de Israel. Este é o aparte que desejava dar, com as minhas homenagens àquele grande povo”. Ajuda aos imigrantes A atividade comunitária de Eliezer Levy correu paralelamente a sua participação política. Desde

cedo, teve a preocupação de ajudar os imigrantes judeus que vinham do Marrocos que o procuravam para resolver seus problemas legais, assim como dirimir desa-

venças pessoais (o major falava o dialeto “harbia”). Seu nome está ligado à Sinagoga, ao Comitê Israelita do Pará e à Associação Beneficente Israelita. Em 1918, fundou a associação sionista “Ahavat Sion” (Amor a Sião), que constituiu-se na primeira organização do gênero na região do norte brasileiro. Anteriormente, em maio de 1917, ele tentara criar uma entidade que propagasse as idéias sionistas naquele lugar, mas sem sucesso, conforme relatou na carta

24 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

Em 1918, Major Eliezer Levy fundou a associação sionista “Ahavat Sion” (Amor a Sião), que constituiu-se na primeira organização do gênero na região do norte brasileiro. a Chaim Weizmann, em 20 de novembro de 1919. A diretoria do Comitê “Ahavat Sion” tomaria posse em 5 de outubro de 1918, tendo como presidente A. Ribinik que se destacaria mais tarde como um ativista do movimento sionista em Maceió; Menassés Bensimon, vice-presidente; Eliezer Levy, secretário; José Bensimon, tesoureiro. O periódico “Kol Israel” descreve entusiasticamente a noite da posse da diretoria, na qual se realizou uma “conferência de propaganda


sionista pelo Sr. Isaac Wolfinson”. Usaram da palavra Menassés Bensimon e Eliezer Levy “que em felizes improvisos, mostraram bem os deveres do cidadão perante a sociedade e a necessidade de vermos um dia restaurada a pátria dos nossos maiores”. A nota do “Kol Israel” informava, com a graça e o estilo da época, que na abertura e no encerramento da sessão “um coro de 30 gentis se-

nhoritas e meninos cantaram o Hino Nacional Sionista acompanhado por uma orquestra

composta dos Srs. J. Nahmias, A. Benoliel e senhorita Alita Levy”, esta última filha de Eliezer Levy. A criação do Comitê “Ahavar Sion” coincidia com a proximidade do armistício que seria assinado entre as nações beligerantes da Primeira Guerra Mundial em 11 de novembro de 1918. “Salve Palestina Livre” Em primeiro de dezembro do mesmo ano celebrava-se em Belém do Pará o grande acontecimento, e entre outras solenidades organizava-se na capital paraense um cortejo de carros alegóricos, onde a comunidade judaica expressaria seus sentimentos nacionalistas com um carro que levava o nome “Palestina” que o “Kol Israel” descrevia estar decorado com “uma bela ornamentação de festões de flores, levando ao

centro, em suntuosa cadeira, uma senhorita ricamente trajada como uma hebréia da antiga Jerusalém. Sobre sua cabeça repousava uma coroa de louros e de seus braços pendiam algemas partidas, simbolizando a Palestina livre. À destra empunhava uma riquíssima bandeira de seda, com as cores azul-celeste e brando, e ao centro o escudo de David. Atrás do carro levando o estandarte, grande número de sócios do Comitê “Ahavat Sion” e da “Associação Beneficente Israelita”. Na histórica foto que assinala o evento, encontram-se o major Eliezer Levy, Abraham Ribinik, veterano ativista comunitário, e Halia (Alita), sua filha mais velha. A faixa que se encontra na frente do carro trazia a frase “Salve Palestina Livre”. O “Kol Israel” se definia como “jornal independente de propaganda sionista”, “órgão do Comitê Ahavat Sion” e foi outra das iniciativas

de Eliezer Levy. Seu primeiro número saiu em 8 de dezembro de 1918. Por ser um periódico da comunidade judaica, o “Kol Israel” servia de informativo social dos acontecimentos locais: viagens à Europa, noivados, casamentos, nascimentos, bar-mitzvot, circuncisões, aniversários, etc. Tudo isso ao lado de anúncios comerciais e notícias do cotidiano da vida das comunidades do norte do Brasil.

Por ser um periódico da comunidade judaica, o “Kol Israel” servia de informativo social dos acontecimentos locais: noivados, casamentos, nascimentos, barmitzvot, circuncisões, aniversários, etc. Tudo indica que o jornal durou até o ano de 1926, ou talvez, um pouco mais, apesar de encontrarmos alguns números correspondentes apenas até o ano de 1924. Eliezer Levy se correspondia com David J. Pérez com o qual manteve uma longa amizade e a quem admirava. Talvez o encerramento das atividades do A Coluna, de David José Pérez, em fins de 1917, tenha levado Eliezer Levy a criar seu periódico com a finalidade de dar continuidade à divulgação dos ideais sionistas. A troca

de cartas com Pérez confirma nossa convicção de que ele se propôs a continuar o trabalho interrompido, devido as circunstâncias, do notável professor do Colégio Pedro II.

Cabeçalho do jornal Kol Israel - A Voz de Israel, criado pelo major Eliezer evy

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MEM ÓRIA Ensino do Hebraico Durante a presidência do major Eliezer Levy, a Sociedade Beneficente Israelita criou o Externato Misto, com curso primário completo e além do programa oficial com aulas de costura, prendas domésticas, bordados à mão e ensino da língua hebraica “pelos métodos mais modernos adotados na Europa”. Aos alunos mais necessitados, a escola fornecia não apenas o material escolar, como também roupas e calçados.

O Externato Misto Dr. Weizman (foi assim que se chamou) foi inaugurado em 15 de novembro de 1919, com a

presença do governador Lauro Sodré. Informa o “Kol Israel” que “recitaram belas poesias as meninas Amália e Stella Levy”. Sultana ainda lembra da poesia de J. Eustáquio de Azevedo, “Salve Palestina”, dedicada ao major Levy: “A visão sacrossanta mal encobre/ o sonho de Israel/ E as pombas do Carmelo alvissareiras/ Hão de levar-lhes lindas mensageiras/ Da vitória o laurel”.

Nova Geração Preocupado com a educação da juventude, o major Levy fundou o Grêmio Literário e Recreativo Theodoro Hertzl, em 6 de dezembro de 1919. Finalidades do grêmio: reunir a nova geração em torno de valores espirituais e permitir a aproximação mútua. Em 20 de agosto de 1923, fundou a Biblioteca Max Nordau. Em seu

discurso de inauguração, explicou que a entidade era “um lugar onde a mocidade poderá obter conhecimentos sobre sua origem

e orgulhar-se de pertencer a uma raça altiva e tenaz, que tem dado 26 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

Preocupado com a educação da juventude, o major Levy fundou o Grêmio Literário e Recreativo Theodoro Hertzl, em 6 de dezembro de 1919. ao mundo uma prova de civismo e que com seu profundo conhecimento nas ciências, artes e letras, tem concorrido para o progresso da civilização”. Seu envolvimento na política – prefeito de Macapá entre 1932 e 1947 – convenceu o presidente Getúlio Vargas a transformar o município em Território do Amapá. Contudo ele não diminuiu sua atuação comunitário judaica. Em carta a Jacob Schneider de 19 de setembro de 1945, o sheliach da Organização Sionista Mundial, Dr. Yuris, descrevia Eliezer Levy como “um fervoroso sionita e o mais valioso Alunos do Externato Dr. Weizman

ativista de Belém, destacado judeu sefaradita, respeitado tanto pelos sefaradim quanto pelos asquenazitas... e dos veteranos nacionalistas de Belém, que há 20 ou 30 anos passados publicou um jornal sionista”. Eliezer e Esther Levy tiveram 13 filhos. A primogênita Halia (Alita) morreu aos 25 anos. Outra filha, que tomou

o mesmo nome, também morreu na infância. Os descendentes, filhos e filhas, continuaram a tradição que dele herdaram – fidelidade a seu povo, seus valores e honradez pessoal e maassim tovim (boas ações), isto é altruísmo e caridade.

Seu envolvimento na política – prefeito de Macapá entre 1932 e 1947 – convenceu o presidente Getúlio Vargas a transformar o município em Território do Amapá.


CARTAS DOS LEITORES

Que coincidência! Estou lendo o livro “A Senhora”, de Catherine Clement, sobre a vida de Gracia Nasi. Estou amando, pois é uma verdadeira aula de História. Só que eu não sabia que essa Senhora realmente existiu, que se trata de uma historia veridica. Pensei que era ficção. Obrigada pela “dica”.

Prezados editores da revista Amazônia Judaica

Bella Esherique, Rio de Janeiro

Li, por acaso, na casa de um conhecido, o exemplar da revista de n°. 5 – Setembro de 2011 e gostei muito do que vi. Sou descendente dos judeus de Iquitos no Perú e vivo hoje na cidade de Modiin, gostaria de parabenizá-los pela brilhante matéria assinada pela Dra.Malka Shabtay – “Nossos irmãos mandam lembrança”.

Parabéns realmente. Só com a tenacidade e objetivos tão definidos como os seus, o povo judeu amazônida poderá ser lembrado e respeitado.

Sulamita Edery - Modiin - Israel

Benjamim Ohana – Lisboa, Portugal

Caro amigo David

Prezado David,

Amigo David,

Parabenizo o espirito empreendedor e a luta perseverante por valores que resgatam nossa história e em especial nossa auto estima. Desejo êxito no projeto dos 10 anos e quero ser incluído como Amigo do AJ 2012.

Quero te parabenizar pela excelente edição de Rosh Hashaná e que o Eterno esteja sempre ao teu lado te dando sabedoria,saúde e paz para que sempre represente os judeus da Amazônia de forma exemplar e sabia.

Marcos David Nahon – Belém - PA

Isac Israel – Porto Velho -RO

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C RÔNIC A

JOANA, A RAINHA DO

BIG BAR Jamais saberemos a verdade sobre boa parte dos acontecimentos que aqui serão narrados. Joana sua protagonista, ficará para sempre, como uma grande incógnita, um personagem cheio de lapsos e dúvidas, que as crônicas de Vidinha não souberam esclarecer com a devida exatidão. Apesar de ser uma só, é intrigan-

te como uma mesma pessoa, possa Eliasproduto Salgado ser de*tão variadas versões acerca de si mesma. Abordarei parte

delas, tentando ser o mais imparcial possível, atendo-me aos fatos, como

me foram narrados. O que temo é não conseguir total imparcialidade naqueles fatos que envolveram Joana e eu diretamente... Crescí ouvindo Vidinha me falar de Joana como ”minha babá”, com o tempo me foi esclarecido que ela não era “uma babá”, e sim uma prima de Vidinha, que volta e meia era incumbida de ajudá-la a cuidar de mim, na ausência de meus pais. É muito provável que Joana, fosse, à época, apenas uma adolescente, que volta e meia se via incumbida de tarefas que não quisesse desempenhar, mas naquele tempo na pequena Boca do Acre, não havia lugar para jovens adolescentes se rebelarem e arriscarem contestar adultos com nãos. Mas por favor,

não incorram no erro de pensar que nossa protagonista era uma grande vítima, ao contrário, como poderão

concluir, a bem da verdade, ao menos em parte, segundo minha humilde opinião, seria um equívoco defini-la como tal. Talvez exatamente aí, em não ser uma vítima de suas circunstâncias é que resida a maior das qualidades de Joana. Mas evitarei me estender naquilo que penso, pois meu papel de cronista

28 AMAZÔNIA JUDAICA No6 - DEZ/2011

é ater-me aos fatos, os que me foram narrados e aqueles que vivi e deixar que vocês tirem suas próprias conclusões. Naqueles tempos, já não éramos os único judeus e os únicos Elmaleh da cidade, mas seguíamos sendo a única família judia do lugar. Vieram engros-

sar as fileiras da marcante presença dos “Valorosos Elmaleh” na localidade, meu tio Rubem, irmão mais

velho de meu pai e patriarca da família, já que meu avó Lázaro há muito havia falecido; e minha tia Alegria, uma das quatro irmãs de papai, com seu marido, Salomão Bohadana. Ao que tudo indica, meus tios parece que trouxeram um novo alento a nossa pequena Boca do Acre. Tio Rubem já aposentado da Fazenda do Estado, tornou-se temporariamente sócio de papai no “Bazar das Novidades” e o casal Elmaleh-Bohadana, em especial, deixaram sua marca na vida política, educacional e social da cidade. Tio Salomão, assim como papai, era Coletor de Fazenda e presidente local do PTB de Getúlio Vargas, mas como todo bom imigrante e judeu, abriu , também seu próprio comercio – o Big Bar. Já tia Alegria, tornou-se a diretora do único Grupo Escolar da cidade. Como em todo o país naqueles idos, principalmente no interior, a conjunção de política com as conversas de bar eram um combustível potente e indissolúvel a alimentar e agitar a pacata vida social da cidade. E não tardou muito para que o Big Bar se tornasse o “point” do lugar, não só para os amantes da política, mas também aos da boa pinga e da boa música. E assim de dia ocorriam calorosas discussões políticas, que se tornavam


ainda mais quentes em épocas de eleições locais e estaduais, e à noite a juventude tomava o lugar, agitando-se ao ritmo do bom forró e se aconchegando ao som de suaves boleros. Há quem diga, entre os mais saudosistas e nostálgicos, que a pequena Boca do Acre, jamais foi a mesma, anos depois, quando meus tios abandonaram a cidade e o Big Bar foi fechado... Bem, mas voltemos a nossa protagonista. Eu diria que Joana agia como o Big Bar: de dia fazia política de boa vizinhança e de noite se entregava aos prazeres da música e da dança: há quem diga que Joana era conhecida na noite como, “Joana, a rainha do Big Bar” A boa política diurna a qual me refiro, é que Joana era uma filha exemplar, uma moça prendada, querida de todos, particularmente, dos adultos de quem gozava de muita confiança, razão pela qual, gostasse ou não, era volta e meia, incumbida de cuidar de mim, xodozinho da sua prima Vidinha, por seu pai, irmão de minha avó materna. E porque estou colocando em questão as qualidades de Joana? Estaria eu, sendo leviano e maculando a imagem de boa menina da minha “babá’? Que motivos tenho

eu, que era apenas uma criança com pouco mais de um par de anos de vida neste mundo e que quase tudo o que sei sobre ela me foi contado por Vidinha? Como disse no início desta narrativa, tudo farei para ser o mais imparcial possível, me atendo apenas a narrar o que vivi, e deixando que vocês tirem suas próprias conclusões. Vidinha, jura que o que eu afirmo ter vivido, não aconteceu, que deve ser coisa da minha imaginação... Aliás não é a primeira vez que ela afirma isto sobre as poucas cenas que eu me recordo da minha “Macondo”. Mas eu já desisti de tentar convencê-la do contrário... Vamos aos fatos, conforme eu

deles me recordo: é noite, estou sendo embalado por Joana numa rede. Ao que tudo indica, papai e mamãe não estão e ela está tentando me fazer dormir. Há algo de impaciência nela, como quem pretende chegar a seu objetivo o mais rápido possível, mas parece que naquela noite eu resolvo não colaborar...

Quem sou eu para julgar, repito. Como todos, sei que o ser humano, quando se vê testado, levado a situações limites, ao extremo de sua paciência, poucos são aqueles que mantêm o autocontrole.

Pensando bem, acho até que Joana, teve uma reação “razoável”... Sabe aquela psicologia do “se não vai por bem vai por mal”? Talvez, tenha sido esta a que a jovem “Rainha do Big Bar” resolveu usar comigo, afinal eu a estava fazendo perder uma bela noitada – sim por que era isso que Joana fazia, quando eu adormecia: escapava para suas noitadas no Big Bar... E sentindo-se sem alternativa apelou para meu medo de criança: “escuta aqui meu ‘lourinho querido’ se você não dormir agora, a ‘aranha negra’ vai te comer”. E vocês acham que a coisa toda ficou só na mera ameaça, no “conto pra boi dormir”? Que nada minha gente, a danada colocou diante dos meus pequenos olhos, o bicho mais preto e cabeludo que eu já mais vi na vida... E sabem do pior, aqui, só entre nós e que Vidinha não saiba disso: eu realmente não sei se realmente ví esta aranha medonha ou se a cena é apenas coisa da minha imaginação... Por isso, se for mera imaginação, Joana querida, onde você estiver, me perdoe... 29


O milagre de Chanuká vem nos ensinar o quanto o Povo de Israel é a Luz da Diáspora. Feliz Chag Chanuká,

Juarez Frazão e Nicolas Israel

Neste período de festa, que as luzes de Chanuká iluminem nossos caminhos. Chag Chanuká Sameach

Elias Mendes e Família

Alice Benchimol deseja um Feliz Chanuká a todas as comunidades amazônidas em particular e a todo Am Israel em geral




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