A praia dos inúteis

Page 1

AKINARRA

1

ALEX NOGUÉS A PRAIA DOS INÚTEIS

ISBN

978-84-17440-33-6

9 788417

440336

ALEX NOGUÉS

C

« hamo-me Sofia. Tenho onze anos e meio, e quando for grande quero ser inútil». Assim começa um relato inocente, profundo e comovente de uma menina que adora a praia no inverno, que prefere Mozart ou Kandinsky à matemática, e que não pode suportar que o pai lhe diga que um dia terá de «ganhar a vida».

A PRAIA DOS INÚTEIS

ILUSTRAÇÕES DE BEA ENRÍQUEZ TRADUÇÃO DE MARIA JOÃO MORENO



ALEX NOGUÉS A PRAIA DOS INÚTEIS ILUSTRAÇÕES DE BEA ENRÍQUEZ TRADUÇÃO DE MARIA JOÃO MORENO


A todos os conquistadores do inútil; salvadores do mundo. A. N.

A todos os valentes inúteis que lutam pelos seus sonhos e caminham entre os juncos. B. E.

Título original: La playa de los inútiles Publicado por AKIARA books Plaça del Nord, 4, pral. 1.ª 08024 Barcelona (Espanha) www.akiarabooks.com/pt info@akiarabooks.com © 2019 © 2019 © 2019 © 2019

Alex Nogués Otero, pelo texto Beatriz Enríquez Mondelo, pelas ilustrações Maria João Teixeira Moreno, pela tradução AKIARA books, SLU, por esta edição

Primeira edição: maio de 2019 Coleção: Akinarra, 1 Revisão: Catarina Sacramento Direção editorial: Inês Castel-Branco Este livro foi impresso sobre papel Arcoprint Milk White de 120 g/m 2, a capa foi colada sobre cartão de 1,5 mm com plastificação mate, as guardas são de cartolina Pop’Set de 175 g/m 2 e usaram-se os tipos Celeste Pro Book, Frutiger75 Black e Futura MdCn BT. Impresso em Espanha: @Agpograf_Impressors Depósito legal: B 9.318-2019 ISBN: 978-84-17440 -33- 6 Reservados todos os direitos


Índice Como tudo começou As coisas que perdi As coisas que ganhei O que fazemos aqui? A praia Ganhar a vida Paus e bolotas Estrelas no mar Uma conversa com a Mamã O feitiço dos violinos A senhora Turner Em casa da família Turner Inúteis Reuniões e conversas Coda Reflexões Quem é quem?

5 11 13 17 23 31 37 41 47 51 55 61 67 73 79 83 85



Como tudo começou

Chamo-me Sofia. Tenho onze anos e meio, e quando for grande quero ser inútil. Disse-o ontem na aula. A professora insistiu em perguntar-nos o que queríamos ser quando fôssemos grandes. Futebolistas, youtubers, gamers, médicos, astronautas... duas colegas disseram que queriam ser professoras. E quando chegou a minha vez, fui sincera: — Eu quero ser inútil. Todos se riram às gargalhadas. E a professora Nuria ficou muitíssimo zangada. Pensou que a minha intenção era troçar dela, boicotar a aula ou coisa parecida. É claro que ninguém me entendeu. Por isso, na próxima semana temos hora marcada para 5


6


falar com a diretora da escola. Os meus pais vêm cá! Que horror. Decidi escrever tudo sobre o assunto para pôr as ideias em ordem e para, quando chegar o momento, poder explicar-me bem. Suponho que pelo menos será mais fácil se começar do princípio. Gostava de dizer que os meus pais são fantásticos. Mas mentir não serviria de nada. Amo muito os meus pais, muito. Mas não cumpriram nenhuma das promessas que me fizeram quando viemos viver para aqui, há já quase dois anos. Esta é a lista dos meus sonhos desfeitos: · · · ·

Uma cabana na árvore do jardim. Um cão. Um aquário de água doce. Passearmos os três juntos de bicicleta pelo menos uma vez por semana. · Uma pequena piscina debaixo da parreira.

7


É sempre mais fácil falar do que fazer, eu sei. Mas posso garantir que não fizeram nenhuma, nenhuma das coisas que prometeram para me convencerem a mudar para cá. Talvez seja melhor voltar ao princípio e explicar onde é o «cá». Cá é o fim do mundo. Onde Judas perdeu as botas, como dizia o meu avô. Para lá do Sol-posto, como disse a minha avó aos meus pais, ao mesmo tempo triste e surpreendida, quando estes lhe confessaram os planos de fuga. Agora vivemos numa pequena aldeia, no fim de uma estrada estreita que sai da autoestrada e percorre montões de quilómetros através de campos e bosques, num ziguezague infinito. Não tem estação de comboios. Nem paragem de autocarros. Não tem um único semáforo. Nem cinema. Nem teatro. Não tem fibra ótica. No Natal, só acendem uma luzinha em forma de vela na rua principal. A estrada acaba na aldeia, no largo da igreja. É como se a escadaria fosse uma língua comprida 8


e rugosa e a enorme porta da igreja uma grande boca a engolir lentamente a estrada. Juraria que, ao domingo à tarde, se ouve o crepitar do asfalto a avançar como um glaciar que se vai derretendo. Para sairmos da aldeia só há duas possibilidades: voltarmos por onde entrámos ou atirarmo-nos ao mar.

9



As coisas que perdi

Ao sair da cidade, perdi montes de coisas de que gostava muito: Perdi os meus amigos. O Juan, a Elena, o Igor, a Maria... e a Nisrin! Sinto muito a falta deles. De vez em quando falamos pelo chat. Mas não há nada que substitua o convívio do dia a dia. Não sei. Não é só por querer estar com os meus amigos. É que me sinto como se me tivessem roubado um futuro. Perdi os meus primos. No último ano, só os vi uma vez. Dantes, vivíamos muito perto. Embora não nos víssemos com frequência, tínhamos encontros espontâneos nalguns fins de semana. Um telefonema e era quase certo que apareciam lá em casa ao sábado, à hora do aperitivo, almoçávamos juntos 11


e a coisa prolongava-se até ao jantar. Quando isso acontecia, deixavam-nos ver um filme enquanto comíamos pizzas no sofá. Ficávamos acordados até tarde e acabavam por dormir lá em casa. Acordar ao domingo com a confusão e as gargalhadas dos primos era sempre mais radioso. Perdi os meus cantinhos. A pastelaria de luxo onde tomávamos o pequeno-almoço todos os sábados. A livraria onde às vezes passávamos horas a fio a escolher um livro. O banco do parque onde a Nisrin e eu lanchávamos, exaustas depois de cem conquistas ao castelo de madeira. E, o meu preferido, o abraço do meu avô. Esse recanto, perdi-o para sempre há um ano. Além do meu avô, o que mais me custa ter perdido são os meus pais. Tenho tantas saudades deles... Estou a ficar triste. Será melhor contar as coisas que ganhei, antes de voltar aos meus pais.

12


As coisas que ganhei

Tenho de reconhecer que nem tudo foi assim tão mau. Conheci a Fau e o Frodo, e tenho uma bicicleta fantástica. Fau é o diminutivo de Faustina. Sim, nas aldeias situadas no fim de uma estrada, às vezes põem-se esses nomes antigos. A Fau é a pessoa mais atrevida e alegre que já conheci. Não demorámos nem sequer vinte e quatro horas a tornarmo-nos boas amigas. Penso que ela precisava disso tanto quanto eu. — Olá, Miúda Nova. Acho que deves querer ter uma amiga — disse-me, à hora do recreio, no meu primeiro dia de escola. Desde então, não deve ter passado um único dia em que não me fizesse rir. 13


O Frodo, conheci-o numa aula de judo, nos tempos livres. À terceira vez que o fiz cair de costas e ele continuou a olhar-me sorridente, percebi que nos daríamos bem. Chama-se assim porque não gosta do nome que lhe deram: Froilán. O Frodo é louco pel’O Senhor dos Anéis. É um fã a sério. Tem um gato chamado Gandalf. Sempre que vê uma águia ou um abutre faz a mesma brincadeira: grita «Naaaaazgul!» e ou se esconde nalgum sítio ou se atira ao chão. Com o tempo, o Froilán assumiu naturalmente o nome de Frodo. E o nome liga bem com ele, porque é baixinho, tem o cabelo encaracolado e adora o segundo pequeno-almoço. Tentou várias vezes batizar-nos como Eowyn e Arwen, mas só conseguiu levar alguns calduços. Curiosidades da vida: o pai do Frodo, que não vive com ele há bastante tempo, é joalheiro na grande cidade. Quanto à bicicleta, acredito que foi uma tentativa de os meus pais me compensarem por todas as suas promessas não cumpridas, comprando-me a melhor bicicleta do mundo. E foi ótimo. Sempre que posso, piro-me com a Fau e o Frodo para as encostas, para o bosque e, sobretudo, para a praia. 14


Ganhei também uns céus infinitos. Ganhei as bandadas de estorninhos. Ganhei surpresas constantes sob a forma de raposas, corujas, veados e porcos-espinhos. Ganhei as amoras, os figos... e algumas aventuras que não tenho tempo para contar. Ganhei a liberdade de não ter regras. Ganhei a praia. Oh, a praia...! Mas acho que estou a fugir ao assunto.

15


AKINARRA

1

ALEX NOGUÉS A PRAIA DOS INÚTEIS

ISBN

978-84-17440-33-6

9 788417

440336

ALEX NOGUÉS

C

« hamo-me Sofia. Tenho onze anos e meio, e quando for grande quero ser inútil». Assim começa um relato inocente, profundo e comovente de uma menina que adora a praia no inverno, que prefere Mozart ou Kandinsky à matemática, e que não pode suportar que o pai lhe diga que um dia terá de «ganhar a vida».

A PRAIA DOS INÚTEIS

ILUSTRAÇÕES DE BEA ENRÍQUEZ TRADUÇÃO DE MARIA JOÃO MORENO


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.