Lei
a c u t u ra na e d
e na comuni d a d e l i t n a f n i o çã
3 Livros e histórias
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Fundação Volkswagen Via Anchieta, km 23,5 – CPI 1394 – Bairro Demarchi 09823-901 – São Bernardo do Campo – SP http://www.vw.com.br/fundacaovw Presidente do Conselho de Curadores Josef-Fidelis Senn Diretor Superintendente Eduardo de A. Barros Diretora de Administração e Relações Institucionais Conceição Mirandola e-mail: fundacao@volkswagen.com.br CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária R. Dante Carraro, 68 – Pinheiros 05422-060 – São Paulo – SP http://www.cenpec.org.br Presidente Maria Alice Setubal Superintendente Maria do Carmo Brant de Carvalho Coordenadora Técnica Maria Amábile Mansutti Coordenadora de Documentação e Informação Maria Angela Rudge Coordenador Administrativo Walter Kufel Junior Gerente de Projetos Locais Claudia Petri Líder do Projeto Maria Alice Mendes de Oliveira Armelin Organização Zoraide Inês Faustinoni da Silva
Agradecemos a todos que autorizaram a publicação de suas imagens nas fotos que ilustram este módulo.
Autoria do material Lúcia do Amaral Mesquita de Magalhães Regina Andrade Clara Revisão Luiza Faustinoni e Sandra Miguel Projeto gráfico Rabiscos & Grafismos Editoração eletrônica Alba Amaral Gurgel Cerdeira Rodrigues Fotografia Dudu Cavalcanti Rodrigo Shimizu Walter Craveiro
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Sumário NARRATIVAS
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Arrumando a estante: uma proposta de categorização de histórias
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Por que contar histórias
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Ler e contar: atividades que se complementam A arte de contar histórias
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A leitura de histórias
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A mediação em situações de leitura e a apropriação do discurso escrito por crianças muito pequenas Ilustração: enfeite, complemento ou parte da história?
REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA
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Narrativas
T
odos já ouvimos alguém cha-
conta que é importante: o jeito de con-
mar uma história de narrati-
tar é fundamental, pois a palavra é a
va. Vamos, então, investigar um pouco
matéria de que é feita a literatura.
mais sobre a narrativa dentro da litera-
Os textos da ordem do narrar apre-
tura. Para Nelly Novaes Coelho (2000),
sentam algumas características em
“a narrativa é uma das três formas que
sua estrutura: narrador, foco narrativo,
pode assumir uma invenção transforma-
enredo, efabulação, gênero narrativo,
da em palavras (as outras duas são a po-
personagens, espaço e tempo.
ética e a dramática)”. Ou seja, um autor
O narrador, como a própria palavra
emprega suas habilidades para, partin-
diz, é quem narra a história, é a voz
do de uma invenção, estruturar um texto
que fala. Um jeito de não confundir
que conta uma história.
narrador com autor é pensar que o au-
É interessante perceber que, mes-
tor (a pessoa, o escritor que dá forma
mo inventada, cada narrativa descor-
ao texto), ao criar uma narrativa, esco-
tina para o leitor um modo especial
lhe um narrador. Assim, o narrador só
de ver o mundo e a humanidade. Ao
existe no texto, é uma entidade fictícia
mesmo tempo, ainda que reproduza
e pode assumir diferentes lugares.
uma experiência (vivida ou possível de
O foco narrativo, ou ponto de vista,
ser vivida), ela não é simples imitação
corresponde ao lugar de onde o nar-
da realidade: seu autor vai recriá-la por
rador verá os acontecimentos que são
meio de sua arte.
narrados. Assim, de acordo com esse
Também é interessante notar que,
lugar, ele saberá mais ou menos sobre
na literatura, não é apenas o que se
as situações narradas ou sobre os per-
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sonagens. Para ficar nos tipos de foco
aqueles em que os acontecimentos são
narrativo mais comuns na literatura in-
narrados na ordem em que acontecem,
fantil, é possível identificar três. O foco
ou seja, sem “saltos” no tempo. Outros
pode estar fora da história contada, de
tipos de efabulação são os que utilizam
modo que o narrador revele todos os
recurso de flashback, ou seja, há
seus detalhes, sem, no entanto, co-
momentos em que a história “pula” para
nhecer o mundo interior dos persona-
um tempo passado; ou fragmentados,
gens. Ou, mesmo estando fora da his-
quando partes da história vão sendo
tória, pode conhecer o mundo interior
contadas em tempos diferentes, como
de algum ou de todos os personagens
se formassem um quebra-cabeça.
(pensamentos, sentimentos, desejos).
Por fim, os personagens. Como leito-
Ou, ainda, pode fazer parte da história
res, sabemos que os personagens são
(quando um dos personagens é o nar-
as figuras centrais da história e ficamos
rador), contando as próprias vivências
atentos, durante a leitura, ao que lhes
ou as de outros, como se as tivesse
acontece ou às suas características.
testemunhado.
Para que se compreenda melhor o
O enredo, como sabemos, é o que
significado de um personagem, Nelly
acontece na narrativa. Pode-se dizer
Novaes Coelho busca a origem da pala-
que, na maioria das vezes, a história
vra: vem do latim, persona, nome dado
começa com um problema que vai de-
às máscaras que eram usadas pelos ato-
sequilibrar a vida normal dos persona-
res gregos em apresentações feitas ao
gens e que, em seu desenrolar, tende-
ar livre, em grandes anfiteatros. “Essas
rá a voltar a um equilíbrio.
máscaras caracterizadoras serviam não
A
efabulação
corresponde
à
só para aumentar a figura dos atores,
sequência em que serão contados os
como também para ampliar-lhes a voz
fatos. Para a compreensão pelas crianças
ou a postura” (COELHO, 2000, p. 75)
pequenas, os melhores textos são
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Sabendo da origem da palavra, compreende-se que, num personagem, as características, sejam elas positivas ou negativas, ficam ampliadas. Dentre as várias formas assumidas
Arrumando a estante: uma proposta de categorização de histórias
pelos textos narrativos, aqui nos dete-
Diante da grande quantidade de
remos no conto, que há muito tempo
formas narrativas e da polêmica que
vem predominando na literatura in-
cerca sua caracterização, pode-se op-
fantil. O conto se concentra em “um
tar, ao planejar a leitura para crianças
momento significativo da vida da(s)
pequenas, por um critério que, mesmo
personagem(ns)” (COELHO, 2000, p.
não sendo universal, seja útil a profes-
71). Assim, o conto se desenrola em
sores ou orientadores de leitura. Uma
torno de uma única situação.
imagem que sintetiza a intenção dessa categorização é a da estante organizada com os livros de que se dispõe para as crianças. Com esse objetivo em mente, trataremos aqui de contos maravilhosos
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e contos de fadas, lendas e mitos, fábu-
Neve, A bela e a fera são exemplos de
las e contos contemporâneos.
contos de fadas.
Segundo COELHO (2000), os con-
Existem ainda os contos exempla-
tos maravilhosos e os contos de fadas
res, nos quais são mescladas as duas
pertencem ao mesmo universo narra-
problemáticas, a social e a existencial,
tivo: em ambos, existem objetos ou se-
como em Chapeuzinho Vermelho, João
res mágicos que podem ajudar (fadas,
e Maria e O pequeno polegar.
talismãs, varinhas mágicas) ou atrapa-
Não há consenso entre os autores
lhar (bruxos, feiticeiras, gigantes) os
sobre as diferenças entre mitos e len-
protagonistas.
das. De modo geral, podemos entendê-
Os contos maravilhosos têm raízes
-los como textos narrativos que buscam
orientais e abordam questões mate-
explicar fenômenos da natureza, fatos e
riais, sociais, sensoriais (busca de ri-
costumes da história e da cultura de um
quezas, conquista de poder, satisfação
povo, bem como difundir valores e forta-
do corpo). Tratam da realização do in-
lecer identidades, por meio de recursos
divíduo em seu meio. Alguns exemplos
mágicos ou fantasiosos.
de contos maravilhosos: Aladim e a
As fábulas, como se sabe, são his-
lâmpada maravilhosa; Simbad, o ma-
tórias que têm animais como perso-
rujo; O gato de botas.
nagens. Estes têm voz e perseguem
Já os contos de fadas têm raízes
o objetivo de passar um ensinamento
celtas e focam a questão espiritual, éti-
ao leitor. É interessante ampliar essa
ca, existencial, ligada à realização inte-
noção, observando que os persona-
rior do indivíduo. Suas aventuras têm
gens animais, nesses enredos, sim-
como motivo central o encontro de um
bolizam uma característica ou uma
príncipe com a amada após vencerem
virtude. A raposa, por exemplo, sim-
obstáculos criados pela maldade de al-
boliza a astúcia.
guém. A bela adormecida, Branca de
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Por que contar histórias Contar histórias é uma atividade que ocorre desde tempos imemoriais. Em culturas de tradição oral, era comum crianças, jovens e adultos se reunirem e se encantarem ouvindo narrativas, por meio das quais se explicavam os fenômenos da natureza, narravam-se acontecimentos e transmitiam-se conhecimentos às gerações mais novas. Essa prática ainda é muito comum Mesmo abarcando enorme diversi-
entre povos indígenas que vivem no
dade de textos, pensamos ser útil, para
Brasil. Mas nas complexas sociedades
nossos propósitos, chamar de contos
modernas, marcadas pelo modo de
contemporâneos a produção recente
vida urbano, por ritmos e tempos ace-
em literatura infantil e que não se en-
lerados, pela tecnologia e pelo excesso
caixe nas categorias descritas anterior-
de imagens, contar e ler histórias da
mente.
tradição oral (contos de fadas, fábulas, “causos”, lendas) passaram a ser predominantemente uma função da escola. No entanto, esses contos têm o dom de encantar a todos e não apenas às crianças. Por que isso ocorre? Essas histórias são narrativas muito antigas que unem gerações e falam de emoções e necessidades humanas
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profundas: medos, paixões, sentimentos de perda, angústias, dificuldades e desafios da vida. Promovem, ainda, esperança e conforto, com resoluções inesperadas e ajuda de seres imaginários ou fantásticos. As histórias nos transportam para um mundo imaginário, onde tudo é possível. Nos momentos de crise, de angústia, elas nos proporcionam conforto, afastando-nos por algum tempo de nossa dor. É comum encontrarmos diferentes versões da mesma lenda ou conto de fadas em lugares diferentes e distantes, o que reflete anseios comuns
ciente e divertida, a criança entra em
da humanidade e, ao mesmo tempo,
contato com a sabedoria humana que
traços específicos de determinada
vem da origem dos tempos, foi guar-
cultura.
dada pela memória dos povos e trans-
As crianças, desde muito peque-
mitida pelo ‘contar história’. Desse fe-
nas, buscam explicações para os mis-
nômeno tiramos uma lição: o ‘contar
térios do universo, para os fenômenos
história’, mais do que entretenimento
da natureza e para aspectos da vida
prazeroso, é uma experiência vital, é
humana. Os pequenos se interessam
um exercício de viver.”.
por questões como a origem do mundo e da vida e a ocorrência da morte. Por meio das histórias, como nos fala COELHO (2005): “de maneira incons-
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que é aberto, um narrador que muda a entonação de voz, uma pessoa que assume nova postura para entrar no papel do contador, um objeto que ganha vida e nova identidade, tomando o lugar do protagonista da história. Para cada uma das situações que se apresentam, o ouvinte terá indícios do que virá pela frente: um conto que sairá da boca de um velho contador de histórias, uma história que será apresentada com o apoio de objetos que encarnarão os personagens, a leitura da história de um livro cuja narrativa
Ler e contar: atividades que se complementam
ganhará vida pela voz do leitor. Cada uma dessas situações pressupõe variações no modo de parti-
Momento privilegiado é aquele em
cipação: diante de um contador de
que todos param para ouvir uma histó-
histórias, é possível se deliciar com
ria. Olhos brilhantes, sorrisos silencio-
seu sotaque, gestos, expressões e seu
sos, antecipações e palpites mal conti-
modo particular de reconstruir o texto.
dos são dicas que as crianças dão do
Em uma história contada com objetos,
quanto uma história as encanta.
o cenário, a trilha sonora e os objetos
No início desse ritual, a procura pelo elemento que dará a partida do
escolhidos criam um clima que favorece o envolvimento com o enredo.
mundo real para a ficção. Os passa-
Na leitura de um livro, o ambiente,
portes são os mais variados: um livro
os personagens e a ação serão os mais
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lindos e vibrantes que a imaginação de
diferente ouvir a história da Chapeuzinho
cada ouvinte puder criar. O texto bem
Vermelho recontada livremente por um
escrito tem um poder todo especial de
contador e ouvir sua leitura na versão
alimentar esse movimento.
dos irmãos Grimm, com seu jeito carac-
Ler e contar constituem ativida-
terístico de organizá-la, seu vocabulário
des bastante distintas, que podem ser
próprio, seus marcadores de tempo,
igualmente motivadoras e significa-
descrições de cenários etc.
tivas. Isso dependerá da atuação do protagonista como leitor ou contador.
É fundamental propor as duas situações – de ler e de contar – para ampliar
É importante realçar que, ao ler uma
o repertório e as vivências das crianças.
história em vez de contá-la, o orienta-
Algumas recomendações básicas
dor da roda de leitura está oferecendo
valem tanto para o leitor quanto para
às crianças uma oportunidade preciosa
o contador.
de interação com o discurso escrito. Ou
Em primeiro lugar, escolher o re-
seja, uma história lida conserva as par-
pertório. Para isso, é preciso conside-
ticularidades do gênero escrito e dá às
rar o gosto pessoal do narrador, a qua-
crianças a oportunidade de aprender so-
lidade da história, o público ao qual ela
bre ele e de se apropriar de algumas de
se destina.
suas características. Assim, é bastante
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Algumas vezes, tende-se a conside-
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rar que, para poder ser compreendido
caminho a seguir na escolha dos re-
por crianças pequenas, um texto pre-
cursos que serão utilizados para que a
cisa ser muito simples, curto, com pou-
história seja contada.
cas imagens, ir direto ao assunto e não
É possível utilizar objetos, tecidos,
ter palavras difíceis. Em nome dessa
roupas, acessórios, músicas, luzes.
simplicidade, corre-se o risco de esco-
Um objeto pode ser não apenas um
lher textos empobrecidos, sem esmero
personagem, mas algo que anuncia a
na linguagem. É preciso perder o medo
história, apresenta situações, cria sus-
de ler textos um pouco mais longos e
pense (clima). Uma caixinha de música
elaborados para as crianças, pois sua
ou um sino tocando podem anunciar a
qualidade será muito importante na for-
história. Um grande lenço balançando
mação desses pequenos leitores.
suavemente pode representar o mar
Em segundo lugar, conhecer bem
calmo. Vale lembrar que estamos tra-
o texto. Isso porque ele vai determinar
tando de narrar uma história e não de
o modo como deverá ser lido ou conta-
fazer teatro. Assim, os recursos esco-
do. Cada texto pede um ritmo diferente,
lhidos devem estar a serviço da história
uma entonação diferente. Em alguns
e não ocupar seu lugar, desviando a
momentos cruciais, pede uma pausa.
atenção do espectador ou ouvinte.
Compreender esses “pedidos” é a pri-
Pensar sobre o ambiente onde se
meira tarefa do bom leitor ou contador de
desenrola a história também é impor-
histórias.
tante. É fundamental compreender
A arte de contar histórias
que, nesse caso, não se busca reproduzir ou reconstruir esse ambiente. O
Selecionado o conto, é preciso co-
que se quer é fazer referência a ele,
nhecê-lo bem, estudar seu ambiente,
torná-lo presente por meio de um ele-
personagens, estrutura e trama. A aná-
mento que o simbolize (um lençol, o
lise desses elementos poderá indicar o
som de um pau de chuva, um vidrinho
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cheio de areia) ou da própria figura ou
●
expressões de quem conta a história.
obediência, que se coloca no
Analisar os personagens é imaginá-
momento em que o herói aceita o
-los dentro da história e também além dela: seus gostos, sua origem, qua-
desafio;
● viagem, partida para um ambiente
lidades e defeitos; sua voz, sua aparência física, idade, gestos e trejeitos.
aspiração, desígnio ou
estranho, longe de casa;
● obstáculos que se colocam no
Partindo dessa análise, descobrir quais
caminho para a conquista do
características realçar e o melhor jeito
objetivo e que são aparentemente
de torná-las presentes. Isso pode ser
insuperáveis;
feito, mais uma vez, pela voz e pelos
● mediação, ajuda de um auxiliar
movimentos do contador, ou por meio
mágico, que afasta ou neutraliza
de um objeto que sintetize uma ou vá-
os perigos;
rias das qualidades escolhidas. Assim,
● conquista do objetivo almejado,
um guizo pode representar uma meni-
desenlace, final feliz.
na vivaz e expansiva.
De que forma o conhecimento des-
Como exemplo, podemos analisar a
sa estrutura pode ajudar o contador de
estrutura básica dos contos maravilho-
história? Podemos pensar, por exem-
sos (MACHADO, 2004):
plo, nos tipos de recurso que realçarão
● situação de crise ou mudança,
cada uma das fases da história. Podem
que provoca desequilíbrio e
ser recursos de voz ou de escolha de
apresenta um problema;
cenários e objetos.
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Dentro dessa estrutura, podem se
É preciso observar as possibilida-
organizar diferentes tramas. À medida
des de acolhimento da plateia e da
que identificamos as passagens de
história. Uma parede com muitos car-
uma história específica, que corres-
tazes, materiais, prateleiras não serve
pondem a cada parte e sua estrutura,
como cenário para o contador. É pos-
estaremos dando corpo à narrativa.
sível utilizar um lençol ou tecidos para tornar o espaço neutro ou ambientá-lo
Preparando a hora do conto
de modo que se torne convidativo à apresentação da história.
É importante analisar o lugar em
Sair do tempo real e adentrar o mun-
que será contada a história: numa sala
do do “era uma vez” requer um ritual
de aula, embaixo de uma grande mesa,
especial. Esse momento de passagem
no gramado do jardim, sob a sombra
pode servir de chamado à plateia para
de uma árvore... É fundamental explo-
iniciar a história. Para isso, não é neces-
rar o espaço, descobrindo suas pecu-
sário pedir silêncio ou fazer uma longa
liaridades, qualidades e problemas.
introdução do que virá a seguir. O con-
O jardim pode ser alegre e acolhedor,
vite pode vir de um gesto, de um som
mas pode também ter a interferência
diferente, de uma cantoria, do uso de
de ruídos (trânsito, crianças brincando
um acessório, de uma postura diferente
no parque). Uma sala pode ser escura,
assumida pelo narrador ou da prepara-
mas se tornar um ambiente fantástico
ção de um cenário diante da plateia.
para narrar uma história de medo.
Com qualquer uma dessas inter-
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venções o contador está fazendo um
no texto, conhecê-lo bem e se soltar
convite aos ouvintes para uma viagem
costumam ser atitudes que dão certo
no tempo, para a entrada no mundo
nessa hora.
das histórias.
Se o texto escolhido é mais longo,
A leitura de histórias
uma boa estratégia é dividi-lo em partes e lê-las ao longo de alguns dias.
Se o texto vai ser lido, é fundamen-
Essa divisão precisa ser cuidadosa:
tal que o orientador da roda de leitura o
a história deve ser interrompida num
conheça bem. Assim, poderá escolher
momento em que uma passagem se
o ritmo e a entonação mais adequados
complete, que deixe o desejo de con-
para cada trecho. Saberá, também,
tinuar e dê às crianças a chance de
os momentos de suspense, em que é
antecipar o que pode acontecer no
possível fazer uma pausa para interagir
próximo trecho.
com o grupo. Poderá, ainda, escolher vozes para os personagens.
Quando escolhem um texto de linguagem mais elaborada, os adultos
Se o leitor domina a história, é ca-
são tentados a simplificar, a trocar as
paz de, ao mesmo tempo, envolver-se
palavras do autor pelas suas, a pular
em sua trama e estar atento ao grupo,
trechos, achando que a criança não
conferindo vida e emoção à narrativa
vai compreender a história. Ao faze-
que está apresentando. No entanto,
rem isso, privam as crianças de usu-
não é preciso ter um talento especial
fruir um texto de qualidade e deixam
para fazer uma boa leitura. Mergulhar
de dar a elas a oportunidade de entrar
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em contato com bons modelos de linguagem escrita.
Por fim, é sempre bom lembrar que a leitura de um texto já é uma ati-
Quanto às palavras desconheci-
vidade que tem sua importância em
das, ouvi-las em leituras é uma grande
si mesma. Assim, não é necessário
oportunidade de ampliar o vocabulário
nem desejável que ela venha sempre
e, também, de desenvolver a capacida-
seguida de outras propostas relacio-
de de inferência com base no contex-
nadas, como, por exemplo, fazer um
to. Convém lembrar que nem sempre é
desenho sobre a história, cantar uma
preciso saber o significado de todas as
música que tenha a ver com o tema,
palavras para compreender um texto.
fazer dramatizações. Ao fazer isso sis-
Ou seja, quanto mais se simplificam
tematicamente, o orientador das rodas
os textos para as crianças, menos elas
deixa de dar importância à leitura em
aprendem sobre eles e menos oportu-
si e corre o risco de não favorecer sua
nidades têm de desenvolver capacida-
fruição pelas crianças.
des de leitura.
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espaço para outros recursos de aproximação com a história, como fantoches ou dramatizações. É preciso ressaltar que a possibilidade de acompanhar
A mediação em situações de leitura e a apropriação do discurso escrito por crianças muito pequenas
uma narração sem interrupções ou abandono da situação é construída num longo caminho de interação com o livro mediada por um leitor mais experiente, que inclui o manuseio, mas vai além dele. Para a criança muito pequena,
O manuseio de livros e a contação
ainda não é possível se colocar na
de histórias têm um espaço privilegiado
posição de observador em relação à
no trabalho com leitura na educação de
leitura de uma história completa. Ela
crianças muito pequenas. No entanto,
ocupa inúmeras vezes o lugar de par-
prender sua atenção durante a histó-
ticipante, enquanto vai construindo a
ria, favorecendo um clima de silêncio e
possibilidade de se transformar em ob-
tranquilidade, é uma grande preocupa-
servador. E esse lugar de participante
ção dos adultos. Frequentemente, em
tem muitas nuanças, muitas facetas,
nome dessa preocupação, o livro perde
que valem a pena conhecer melhor.
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O olhar aprofundado para essas ações é importante por nos ensinar sobre o processo de internalização do discurso escrito e, consequentemente, sobre as
ça, o livro e um leitor mais experiente, e
possibilidades de atuação do professor
descreveram os jogos a que se dedicam.
no favorecimento desse processo.
Um deles é a nossa velha conhecida
Imaginemos uma criança entre um
brincadeira de procurar figuras (“cadê
e dois anos observando um livro em
/ achou”). Quem nunca viu uma mãe
companhia de um adulto. Vamos nos
com seu filho no colo, apreciando uma
lembrar do que ela mais gosta de fa-
página de livro e perguntando: “Cadê o
zer? Em primeiro lugar, o que a atrai
lobo?”. E a criança, apontando: “Ati!”.
são as ilustrações. Quando queremos
Nesse caso, a mãe destaca a lingua-
chamar a atenção de uma criança
gem (nomear), enquanto a criança
pequena para um livro, é a elas que
vive a experiência (apontar a figura).
recorremos, nomeando personagens,
Em outro jogo, os papéis se inver-
comentando características de alguns
tem: o adulto pergunta por determinada
deles, dando-lhes voz, contando uma
figura, e a criança a nomeia: “Quem é
passagem marcante ali representada.
esse? Quem será?”. “O iobo”. Nesse
Vários pesquisadores se debruçaram
caso, então, o adulto ressalta a experi-
sobre essa interação que envolve a crian-
ência (aponta a figura) e a criança des-
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taca a linguagem (nomeia). Observando
deira tem a ver com onomatopeias,
de perto um jogo como esse, vamos
como no caso da galinha (cócóricó!),
nos surpreendendo com a quantida-
do barulho de um carro (brrrmmm!),
de de conhecimento acumulado que
de uma batida na porta (toc, toc, toc).
uma criança desse tamanho já pode
Mais sofisticados são os refrões de fa-
ter. Júlia, diante de uma linda ilustração
las de personagens. Um exemplo com
da Cinderela apontada pela professo-
que nos deparamos sempre é a fala do
ra, diz: “Moça!”. Amanda, diante do
lobo mau, recorrente na história dos
mesmo desenho, lhe dá outro nome:
três porquinhos: “Eu vou assoprar e a
“Princesa!”. Cecília olha radiante a figu-
sua casa vou derrubar!”. Ou a canção
ra longilínea, de vestido longo e coroa, e
de Chapeuzinho Vermelho, a caminho
exclama: “Cinderela!”. Qual delas sabe
da casa da vovó: “Pela estrada afora
mais sobre essa história?
eu vou bem sozinha, levar estes doces
Com o acúmulo de experiências, a
para a vovozinha (...)”.
criança adquire um outro jeito de se
Vale ressaltar que todas as situa-
relacionar com o livro: ela toma o lu-
ções descritas até agora pressupõem
gar de um elemento da história. Então,
um diálogo: o contato entre a criança
ao reconhecer uma galinha, com que
e o livro é mediado por um adulto, que
prazer ela imita seu cocoricar! A mo-
vai destacando personagens, situações,
dalidade mais simples dessa brinca-
falas: “Olha a Chapeuzinho indo para
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a casa da vovó... Como é que ela
quando a criança é quem propõe o
canta mesmo?”. Essa mediação
diálogo. Ou seja, ao apreciar um livro
também foi estudada por alguns
junto com um leitor mais experiente,
pesquisadores, que identificaram
a criança toma a iniciativa de ressaltar
três movimentos.
ilustrações, trechos, falas de persona-
Num deles, o adulto ocupa
gens. Olhando o livro da Rapunzel, por
seu próprio lugar e também o da crian-
exemplo, aponta a moça de tranças
ça no diálogo. Mostrando a ilustração
longuíssimas e diz: “É a Rapunzel?”.
do lobo que desce pela chaminé, per-
Ou aponta a ilustração que mostra a
gunta: “Quem está descendo pela
moça no alto da torre e, mesmo co-
chaminé?”. E ele mesmo responde,
nhecendo bem a história, pergunta:
emprestando voz à criança: “O lobo!”.
“Quem prendeu ela aqui?”. O adulto
Outra forma do mesmo movimento
devolve a pergunta, e a criança mesma
pode ser observada quando a criança
responde: “A buuuxa!”.
repete a fala do leitor mais experien-
À medida que se apropria de um
te. Assim, quando o adulto aponta um
conhecimento sobre determinada his-
leitão cor-de-rosa, dizendo: “Olha o
tória, a criança pode aplicá-lo em ou-
porquinho!”, a criança ecoa: “O po-
tras. Após muitas leituras de Rapunzel,
quinho!”.
e folheando pela primeira vez o livro de
Outro movimento estudado: o adulto
João e Maria, é capaz de apontar a figu-
propõe um diálogo que a criança com-
ra de nariz pontudo e roupa escura e re-
plementa. Então, se ele pergunta quem
conhecer: “Buuuxa”. Ou percebendo,
está descendo pela chaminé, a criança
por exemplo, que é nas letras que sua
já é capaz de responder: “O lobo!”.
mãe põe atenção toda vez que lhe conta
A vivência de muitas situações des-
sua história predileta, um belo dia pega
se tipo abre espaço para o surgimen-
um livro desconhecido, aponta para a
to do movimento de reciprocidade,
parte escrita e pede: “Lê esse?”.
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com seleção de algumas cenas da história para reproduzir. Em outros, para cada página há uma ilustração correspondente ao trecho escrito. Por fim, há livros em que a ilustração, por si, conta partes da história que não estão escritas. É o caso, por exemplo, de uma história em que duas crianças vão fazendo sucessivas travessuras, enquanto a mãe tenta arrumar a casa para esperar uma visita. Enquanto se desenrolam os
Ilustração: enfeite, complemento ou parte da história? Quando se pensa em criança pe-
acontecimentos, as ilustrações fazem surgir na figura da mãe primeiro uma mão verde e peluda, depois grandes e pontudas orelhas, uma tromba... e a
quena e livro, a necessidade de ilustração é quase unanimidade. Observando alguns livros voltados para o público infantil, é possível identificar diferentes funções desempenhadas por elas. Há livros que apresentam figuras com seus respectivos nomes, sem ligação entre as páginas. Alguns favorecem a brincadeira de procurar figuras (“cadê / achou”), com pequenos cenários e até abas que as escondem. Há aqueles que se organizam de modo tradicional,
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mãe vai se transformando aos poucos
da Branca de Neve sem um pedaço,
em um monstro, antes de explodir em
inferir que ela foi mordida.
um desabafo, quando então as trans-
A integração entre a fala do adulto
formações que haviam sido apresenta-
e o movimento de mudança de página
das apenas nas ilustrações são incor-
dá oportunidade à criança de imprimir
poradas ao texto.
movimento à ilustração. Sem essa per-
A possibilidade de interpretar ilus-
cepção, um mesmo gato representado
trações também é um conhecimen-
em diferentes páginas é, em cada uma
to que a criança constrói à medida
delas, um gato diferente. Quem nunca
que adquire experiência com livros e
viu uma criança exclamar a cada nova
histórias. Por exemplo, uma criança
ilustração: “Gato; oto gato; oto...?”.
identifica Chapeuzinho Vermelho em
Imprimir movimento às ilustrações é
várias cenas da história. Mais difícil é
ganhar a possibilidade de ver um mes-
perceber que a pobre menina vestida
mo gato que sobe no muro, salta do
em trapos do começo da história da
telhado, cai na lata de lixo.
Cinderela e a linda princesa de vestido esvoaçante do final são a mesma personagem. Ou, ao observar a maçã
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Considerações finais
Constituir-se como ouvinte significa
Retomando as diversas situações
conseguir se colocar no lugar daque-
aqui descritas, é possível perceber que
le que ouve a história, esforçando-se,
a criança desempenha papéis diferen-
ao narrar, para inserir na narrativa to-
tes em relação ao texto (ora é um per-
das as informações necessárias à sua
sonagem, ora outro, ora é o narrador).
compreensão. Antes de ser capaz dis-
É experimentando esses diferentes
so, a criança não separa o ouvinte de
lugares de participante e, em certos
si mesma e, assim, fazer esse ouvinte
momentos, o lugar de observador que
compreender a narrativa não chega a
a criança constrói a possibilidade de
ser uma preocupação.
desempenhar o papel de ouvinte, ou seja, de ouvir a leitura de uma história completa – mesmo quando não há ilustração – e se satisfazer com isso. Ao mesmo tempo, esse tipo de vivência cria a possibilidade de a criança vir a contar ou recontar, com autonomia e coerência, uma história conhecida. Diferenciar narrador e personagem significa ser capaz de alternar momentos em que se conta a história com momentos em que se assume a fala de um personagem, sem perder o fio da meada.
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Referências e sugestões de leitura COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos e arquétipos. São Paulo: DCL, 2003. ________. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. ________. O conto de fadas: o imaginário infantil e a educação. In Revista Criança, Brasília, n. 38, p.11. 2005. MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004. MADI, Sonia. Entre o leitor e o texto: a palavra e o gesto do mediador. In: CENPEC/INSTITUTO C&A. Prazer em ler. São Paulo: 2006. PERRONI, M. C. Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo: Martins Fontes, 1992. PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo: Summus, 1990. ROJO, Roxane. Alfabetização e letramento. Campinas: Mercado das Letras, 1998.
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Iniciativa
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Coordenação Técnica
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