Livro metaformose

Page 1



METAFORMOSE



- metaformose .paulo leminski. designer - alberto otero belo horizonte - 2014


stades , antes das pote os Er de e o ar rt tencias do tá s, tenebrosas po il en ig Or s na m lsa dez m que pu dial, antes que as sem do abismo primor ris pa ia abertas de ga guerra válvulas da s te opes, an cl Ci e s tã Ti , es a Gigant ite e a lúcida forç no da s ro st on m entre rio e tudo, filho de um do dia, antes de filho de água, Narciso, o de uma ninfa da va no bruços e se olha de va ita de , de ia olho Ná fonte, Narciso de da lho pe es o ul si êm tr de olho em a em Narciso, belez apelos de rdo e mudo aos su , go ce a, m es Narciso, m xonada, chamando sto ai ap a nf ni a o, Ec o ro da fonte repete Narciso, a água s ecos da no iso rc de Na xo fle re , iso rc Na luz, luz de ua, como a luz na ág na ua ág a, nf ni dentro da água.



Esta lenda é a pedra de Sísifo, a pedra e Sísifo rola até o alto da montanha, e a pedra volta, sempre volta, penas de Hércules, trabalhos de Dédalo, labirintos, lembra que és pedra, Sísifo, e toda a pedra em pó vai se transformar, e sobre esse pó, muitas lendas se edificarão.

E sobre Narciso, a profecia do feiticeiro Tirésias, será feliz enquanto não enxergar a própria imagem, a voz de Eco entre as árvores, o rosto de Narciso sobre a faca das águas.


O olhar de Narciso cai na água como Ícaro nas alturas, e Ícaro cai na água, um ruído de púrpura que se rasga, Poseidon!, e afunda num coral de sereias. Instante antes Ícaro voava, ao lado do pai, duas gaivotas sobre o Egeu, voava com as do labirinto, o inventor dos autômatos, o pai das coisas novas. Voavam, pai e filho, fugindo de Creta, da ira do rei que os tinha aprisionado no labirinto construído por Dédalo.


Minos havia descoberto, seu arquiteto, o artesão incomparável, era cúmplice dos amores monstruosos da rainha Pasífae e do touro branco que Poseidon, senhor dos oceanos, tinha feito antes de sair das ondas do mar. E foi que a rainha Pesífae entrou, o touro aproximou-se, e assim se consumou o coito maldito da rainha e da grande besta.


Desta monstruosidade,

nasceu Minotauro, o híbrido com corpo de homem e cabeça

de touro, em volta do qual DĂŠdalo construiu o labirinto, a casa monstruosa para um ser

monstruoso.


O olhar de Narciso volta, tonto de tant a beleza, pedra de Sésifo, queda de Ícaro, e torn a a cair na água, rodas gerando rodas. A água começa a ficar vermelha, san gue na água, sangue sagnjue de Ícaro, sangue do Céu, Urano, filho da terra, irmãos dos Ciclo pes, Urano, castrado por Cronos, o Tempo, seu filho , o Céu castrado pelo Tempo, os livre movimen tos dos astros medidos por ampulhetas e clep sidras, o parricídio primordial, crepúsculos dos deus es.

Na água, agora sangue, boiam o pênis e os testículos de Urano, cortado pela foice que Titéia, a Terra, deu ao filho Cronos para mutilar o pai.


Destes testículos cortados, ela nasceu, Afrodite, saída das espumas do mar, a beleza, o gozo, a paixão, a del ícia, Eco que chama Narciso, Pasífae traspa ssada pelo Touro, Narciso apaixonado por Narciso, feliz enquanto não enxergar a sua imagem. Agora o olhar de Narciso vê Teseu, é Teseu, o herói sedento de sangue que entra no labirinto, a espada de bronze numa mão, na outra, o fio de Ariadne, a lin ha que serve de guia entre os indislind áveis meandros da construção que o engenh o de Dédalo enrolou e desenrolou. Mil olh os acesos, Teseu avança labirinto a den tro, a curta espada de bronze micênico na mão direita, vibrando como um pênis, eno velando no braço esquerdo o fio da pri ncesa Ariadne, cada vez mais dentro, a tre va mais espessa, o cheiro de esterco cada vez mais forte, Teseu avança em direção ao centro do seu coração, numa encruzilhada de caminhos, o herói hesita, então ouve o mais espantoso berro que orelhas humanas já escutaram.



Teseu levanta a espada e a mergulha no coração do senhor do labirinto. Ao morrer, o Minotauro chora como uma criança, por fim se enrosca como um feto, e se aquieta no definitivo da morte. Teseu limpa a espada no manto e sai, com uma morte na alma do tamanho da noite.





















De olho nas águas, Narciso vê a Medusa, fecha os olhos, e mergulha na noite onde as fábulas sonham fábulas, rainhas matam os reis, árvores correm ao vento, feiticeiras transformam marinheiros em porcos.


Que mais existe senão afirmar a multiplicidade do real, a igual probabilidade dos eventos impossíveis, a eterna troca de tudo em tudo, a única realidade absoluta? Seres se traduzem, tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma, tudo irremediavelmente metamorfose. O raio quer dizer Zeus, os ventos têm nome, as estrelas desenham constelações: uma flor amarela é o olho de uma ninfa, a passagem entre duas montanhas é o lugar

por onde um deus fugiu da ira do seu irmão. E o mundo presente, e a vida presente, mães, pais, filhos, banquetes, desejos, vinganças, só as fábulas dão um significado passageiro às fagulhas efêmeras do turbilhão dos eventos e das ocorrências. Por que foi sob a forma de chuva de ouro que Zeus seduziu Danae, para gerar Perseu? O lampejo do ouro traduz o brilho dos raios de Zeus? Ou o brilho do ouro já prefigura o brilho do espelho onde, um dia, Perseu verá a Medusa, antes de matá-la? A Medusa seria a imagem da mãe, o irremediável amor dos homens pelas mães, o olhar que congela todo homem na estátua líquida do seu destino? Os olhos da Medusa brilham como as gotas de uma chuva de ouro.


MEDUSA







































Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.