Mundaréu de Froiid

Page 1

MUNDARÉU

FROIID

A Galeria Albuquerque Contemporânea apresenta "Mundaréu", a primeira exposição individual do artista multidisciplinar Froiid (1986) em suas nstalações. A mostra marca uma nova fase na galeria e também do artista ao estabelecer um diálogo com o escritor, ator, jornalista e dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999) e as suas Histórias das quebradas do mundaréu (1973).

Albuquerque Contemporânea Gallery presents "Mundaréu", the first solo exhibition by multidisciplinary artist Froiid (1986) in its facilities. The exhibition marks a new phase for the gallery and also for the artist by establishing a dialogue with the writer, actor, journalist and playwright Plínio Marcos (1935-1999) and his "Histórias das Quebradas do Mundaréu" (1973).

M U N D A R É U

As múltiplas narrativas que Froiid tece ao conceber esta exposição – que não é apenas um espaço físico, mas igualmente emocional, mental, imaginário – encontram-se profundamente enraizadas na cultural popular brasileira. Em conjunto, elas constroem um espaço para o convívio e o lazer, para o jogo e para a malandragem. O artista invoca um universo maioritariamente masculino, onde coexistem as apostas e o vício, o vagar e a competição, a sorte e o azar. Entramos em Mundaréu e somos instantaneamente implicadas/os através dos convites abertos ao jogo.

Entramos em Mundaréu e somos envolvidas/os por uma amálgama de sons ecléticos. Entramos em Mundaréu e assim fazemos parte de uma homenagem afetuosa aos espaços de partilha da classe trabalhadora. Com um aceno ao escritor, ator, jornalista e dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999) e as suas Histórias das quebradas do mundaréu (1973), Froiid conecta futebol e sinuca, política e inteligência artificial, ícones e ditados populares.

À entrada estão expostas em fila 20 bandeiras com varas de bambu de 5 metros de altura, constituindo Sapo de Fora não ronca (2022) que inclui também uma caixa de som colocada na rua, difundindo gravações de jogos de futebol e cantos e tambores de torcidas organizadas. As cores e padrões das bandeiras correspondem a emblemas de clubes de futebol locais.

The multiple narratives that Froiid weaves while conceiving this exhibition which is not just a physical space, but also an emotional, mental, and imaginary one are deeply rooted in Brazilian popular culture. Together, they create a space for living and leisure, for play and trickery. The artist invokes a predominantly male universe, where gambling and addiction coexist, as do leisure and competition, luck and misfortune. We enter Mundaréu and are instantly involved through the open invitations to play. We enter Mundaréu and are surrounded by an amalgamation of eclectic sounds. We enter Mundaréu and thus become part of an affectionate tribute to the shared spaces of the working class. With a nod to the writer, actor, journalist, and playwright Plínio Marcos (1935-1999) and his "Histórias das quebradas do mundaréu" (1973), Froiid connects football and billiards, politics and artificial intelligence, icons and popular sayings.

At the entrance, 20 flags in 5-meter bamboo poles are displayed in a row, making up the "Sapo de Fora não ronca" (2022) artwork, which also includes a sound box placed on the street that broadcasts recordings of football games and chants, as well as the drums from hooligan firms. The colors and patterns of the flags correspond to emblems of local soccer clubs.

Três jogos de tabuleiro estão espalhados na área de entrada, prontos para serem usados. Estes Petelecos são derivados de campos de futebol e têm títulos como Cabeça de área, Zona do Agrião, ou Ai o bambu quebrou no meio, os quais aludem às formas recortadas dos tabuleiros e às assimetrias que favorecem uma das partes. Duas impressões fotográficas multiplicam as jogadas La mano de Dios (Maradona, Copa do Mundo, 1986) e Drible da Vaca (Pelé, Copa do Mundo, 1970) criando padrões geométricos em preto-ebranco, acompanhados dos vídeos das respetivas jogadas em loop. O histórico gol de Maradona pela Argentina que ele denominou como uma vingança simbólica contra a Inglaterra devido à Guerra das Malvinas (1982), e o histórico não-gol de Pelé pelo Brasil, apelidado o gol que não foi, mas deveria ter sido. Estes dois ídolos ocupam espaços legendários, míticos, que apelam ao imaginário coletivo do povo.

O centro da galeria é ocupado por uma mesa de sinuca vermelha de 13 metros de comprimento com o título É hora da onça beber água (2020), inspirada pelas pinturas de mesas de sinuca do artista e fotógrafo estado-unidense Man Ray (La Fortune, 1938 e 1973), do pintor holandês Van Gogh (Le Café de nuit, 1888) ou do pintor afro-americano Jacob Lawrence (Pool Parlor, 1942). As pernas da mesa escondem altifalantes que ampliam os sons do jogo através dos microfones instalados em toda a superfície. Assim as jogadas são sempre amplificadas, especialmente quando as bolas caem nos buracos. Ao alongar a mesa e usar a cor vermelha, o artista não só acentua um imaginário político particular, mas também abre espaço para a inclusividade e a coesão social.

Three board games are scattered throughout the entrance area, ready to be used. These "Petelecos" are derived from football fields and bear titles such as "Cabeça de área," "Zona do Agrião," or "Ai o bambu quebrou no meio," alluding to the cutout shapes of the boards and the asymmetries that favor one side. Two photographic prints multiply the movies "La mano de Dios" (Maradona, World Cup, 1986) and "Drible da Vaca" (Pelé, World Cup, 1970) creating geometric patterns in black and white, accompanied by videos of the respective plays in a loop. Maradonas historic goal for Argentina, which he dubbed as a symbolic revenge against England due to the Falklands War (1982), and Pelé's historic non-goal for Brazil, named ‘the goal that wasn't but should have been’. These two idols occupy legendary, mythical spaces that appeal to the collective imagination of the people.

The center of the gallery is occupied by a 13-meter-long red billiard table entitled "É hora da onça beber água" (2020), inspired by the billiard table paintings of the American artist and photographer Man Ray (La Fortune, 1938 and 1973), the Dutch painter Van Gogh (Le Café de nuit, 1888), and the African American painter Jacob Lawrence (Pool Parlor, 1942). The table’s legs hide speakers that amplify the sounds of the game through microphones installed across the entire surface. Thus, the cue play sounds are always amplified, especially when the balls fall into the pockets. By elongating the table and using the color red, the artist not only accentuates a particular political imagery, but also creates space for inclusivity and social cohesion.

O comprimento exagerado da mesa alonga metaforicamente o tempo lúdico, enquanto monumentaliza o jogo e o convívio alegre. Froiid também cita os quadros do compositor de samba, cantor e pintor brasileiro Heitor dos Prazeres, que retratou a vida nas favelas, com jovens sambando e jogando, muitas vezes com a cabeça e a vista viradas para cima. O título da obra é uma expressão que indica um momento perigoso – quando a onça bebe água ao cair da noite, os outros animais estão em alerta.

The exaggerated length of the table metaphorically extends the leisure time while monumentalizing the game and the joyful interactions. Froiid also references the paintings of Brazilian samba singer-songwriter, and painter, Heitor dos Prazeres, who portrayed life in the favelas, with young people dancing and playing, often with their heads and eyes turned upwards.

The title of the work is an expression that indicates a dangerous moment – when the jaguar drinks water as night falls, the other animals are on alert.

Em volta da mesa, quatro pinturas abstratas lembram as linhas direitas de Piet Mondrian, porém servem de quadros onde as pessoas podem escrever com giz as marcações dos jogos. As linhas existentes vão guiar o público a encontrar formas de marcação e de escrita inusuais. Os dez quadros em Na mão do calango 1 a 10 representam jogadas impossíveis de sinuca desenhadas sob tecido de mesa de sinuca verde.

Around the table, four abstract paintings, reminiscent of the straight lines of Piet Mondrian, serve as frames where people can tally their game wins with chalk. The existing lines will guide the audience into finding unusual ways of marking and writing. Ten frames in "Na mão do calango 1 to 10" represent impossible billiard plays drawn in green billiard fabric.

O mesmo tecido é usado nas pinturas de Tríptico com silhuetas diretamente retiradas do quadro Jogo de Sinuca (1963) de Heitor dos Prazeres. Nas molduras estão gravadas as frases Não me inveje, trabalhe; O olho do dono que engorda o boi; A língua é o chicote do corpo. Com o uso de uma linguagem popular, a forma e o conteúdo das obras se enraízam e entrelaçam na cultura de massa, enquanto as expressões em si são analisadas de perto, recebendo assim novas camadas de significado.

The same fabric is also used in the paintings of the "Tríptico com silhuetas", which is directly taken from the painting "Jogo de Sinuca" (1963) by Heitor dos Prazeres. The frames are engraved with the phrases "Não me inveje, trabalhe", "O olho do dono que engorda o boi," "A língua é o chicote do corpo." With the use of popular slang, the form and content of the works become rooted and intertwined in mass culture, while the expressions themselves are closely analyzed, thus creating new meanings for it.

Na mesma linha, uma série de quadros utilizam imagens icónicas, apropriadas por caminhoneiros e motociclistas para adornar os seus veículos.

Um sofá junto a uma parede de altifalantes convida a escutar O pulo do gato (2023), uma instalação de som com letreiros luminosos, feita em colaboração com o rapper brasileiro Matéria Prima. Os versos e batidas são remixados num stream infinito, cujo código é visível nos ecrãs LED. Aludindo às práticas e estéticas do tuning, a obra é também uma homenagem ao rap, à criatividade infinita e ao génio musical dos artistas.

A exposição fecha com uma fotografia que retrata um campo de futebol em terra batida. Vemos apenas o canto. Uma pedra marca a esquina e as linhas são desenhadas com cal. O saco de cal aberto está jogado no chão e as linhas estão já esbatidas, misturadas com a areia, como consequência do jogo que aconteceu. A força da fotografia está na forma como ela consegue encapsular o espírito sonhador e competitivo de tantas crianças e jovens com pouco acesso. No jogo, tudo é possível – é só preciso um pouco de cal e já a terra batida se transforma num verdadeiro campo de futebol. A força que se encontra dentro desse gesto é grande demais para caber numa foto e então se expande para todo o espaço em volta.

Following that same idea, a series of paintings use iconic imagery appropriated by truck drivers and motorcyclists to embellish their vehicles.

A sofa next to a wall of speakers invites visitors to listen to "O pulo do gato" (2023), a sound installation with luminous signs, made in collaboration with Brazilian rapper, Matéria Prima. The verses and beats are remixed into an infinite stream that has its code visible on LED screens. It alludes to tuning practices and aesthetics, with the work also being a tribute to rap, infinite creativity, and the musical genius of artists.

The exhibition ends with a photograph depicting a sand football field. We only see its corner. A stone marks its corner, while the limits are drawn with chalk. An open bag of chalk is lying on the ground, and the lines are already blurred, mixed in with the sand, as a consequence of the game that took place. The strength of the photograph lies in how it manages to encapsulate the dreamy and competitive spirit of so many children and teens that have limited access to things. In the game, anything is possible – just a little chalk, and the sand field turns into a real football field. The power found within this gesture is too great to fit into a photograph making it extend to the surrounding space.

Mundaréu é um lugar generoso para ser vivido, jogado, habitado. Através da coreografia espacial, transmite-se o lado físico e a corporalidade do convívio, assim como uma postura orgulhosa, empenhada e desafiadora. É um lugar para sonhar, mas também para lembrar aqueles que viveram vidas de opressão social e racial, que encontraram resistência na partilha e nas relações interpessoais. Com esta sala de estar, marcada pelo seu carácter identitário, Froiid desdobra o tempo livre e nos chama para nos aproximarmos mais uns dos outros, para não perdermos as redes sociais físicas e para apreciarmos a profundidade e riqueza do conhecimento popular.

Texto crítico

Ana Salazar Herrera

Mundaréu is a generous place to be lived in, played, and inhabited. Through spatial choreography, the physical side and corporeality of interaction are conveyed, as well as a proud, committed, and challenging posture. It's a place to dream, but also to remember those who lived lives of social and racial oppression, finding resistance in sharing and in interpersonal relationships. With this living room, marked by its identitarian characteristic, Froiid unfolds free time and calls on us to come closer to each other, to not lose physical social networks, and to appreciate the depth and richness of popular knowledge.

Critical text

Ana Salazar Herrera

22 de Fever

February p , Albuquerque Contemporânea

Rua Antônio de Albuquerque 885 - Savassi

30112-011, Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil

Fotografias por:

Photographs by: Daniel Mansur

Texto:

Text: Ana Salazar Herrera

ISBN: 978-65-981908-2-8

albuquerquecontemporanea.com

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.