I'm Alive de Germana Monte-Mór

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I’M ALIVE

GERMANA MONTE-MÓR


Óleo e feltro sobre linho / Oil and felt on linen / 2023


I’M ALIVE Taísa Palhares

É relativamente recente o trato da artista Germana Monte-Mór com uma paleta variada de cores em seus trabalhos[1]. Desde 2015, ela realiza de maneira mais constante desenhos e pinturas em que o asfalto e a tinta a óleo surgem como protagonistas de formas orgânicas a simular uma dança lenta e envolvente num espaço movediço. Como um desenvolvimento natural de sua poética, que desde os anos 1990 se apresenta no limiar da experimentação entre matéria e forma, o aspecto geológico[2] de suas obras mais recentes é acrescido de uma poderosa energia na qual diferentes tons de azul, vermelho, verde, rosa, laranja, marrom e amarelo transformam a superfície num campo de irradiação luminosa. O apelo sensorial dos trabalhos em asfalto decorria de uma certa remissão ao informe, com suas linhas e bordas sinuosas e o movimento lento e espontâneo que pareciam performar, e cuja sensação era potencializada pela evidenciação do caráter mineral da tinta que seguia espontaneamente um caminho de diluição e solidificação no contato com as superfícies (da tela e do papel). Agora, a materialidade incorporada da cor está em primeiro plano. Trata-se de cores puras, vibrantes, extrovertidas, que nos relevos em que a artista sobrepõe duas telas surgem em combinações ousadas.

It is relatively recent that artist Germana MonteMór deals with a varied palette of colors in her works [1}. Since 2015, she has been making drawings and paintings more consistently in which asphalt and oil paint appear as protagonists in organic forms, simulating a slow and engaging dance in a shifting space. As a natural development of his poetics, which since the 1990s has been on the threshold of experimentation between matter and form, the geological aspect[2] of his most recent works is increased by a powerful energy in which different tones of blue, red, green, pink, orange, brown and yellow transform the surface into a field of light radiation. The sensorial appeal of the asphalt works resulted from a certain remission to the formless, with their sinuous lines and edges and the slow and spontaneous movement that they seemed to perform, and whose sensation was enhanced by the evidence of the mineral character of the paint that spontaneously followed a path of dilution and solidification upon contact with surfaces (screen and paper). Now the embodied materiality of color is in the foreground. These are pure, vibrant, extroverted colors, which in the reliefs in which the artist superimposes two canvases appear in bold combinations.


Em seu conjunto, as obras lembram inscrições pré-históricas, como figurações sedimentadas numa pedra ou no muro, cujas formas curvilíneas sinalizam para um processo de vida em atividade, em expansão e adaptação recíproca. No entanto, as cores fortes e saturadas estabilizam as passagens com contornos demarcados, pulsando afirmativamente diante de nós. E assim parecem dialogar com o tipo de alegria dissonante dos papéis colados de Matisse ou com a graça dos relevos e colagens com figuras amebóides de Hans Arp. A exploração da tridimensionalidade presente em trabalhos com relevos se dá tanto pela criação de recortes vazados, quanto pela colagem de figuras em feltro sobre a tela colorida, em uma brincadeira de positivo-negativo das formas orgânicas que a artista faz migrar de um trabalho a outro, como num jogo combinatório no qual o semelhante nunca é igual. Essa dinâmica em aberto também é, a meu ver, a causa do prazer especial que provocam: uma sensação de liberdade, de multiplicidade, de variedade que em nada se aproxima do caráter repetitivo e limitante da sociedade contemporânea.

As a whole, the works resemble prehistoric inscriptions, like figurations sedimented on a stone or wall, whose curvilinear forms signal an active life process, in expansion and reciprocal adaptation. However, the strong and saturated colors stabilize the passages with demarcated contours, pulsing affirmatively before us. And so they seem to dialogue with the kind of dissonant joy of Matisse's glued papers or with the grace of Hans Arp's reliefs and collages with amoeboid figures. The exploration of the three-dimensionality present in works with reliefs takes place both through the creation of hollow cutouts and through the collage of felt figures onto the colored canvas, in a positive-negative play on the organic forms that the artist makes migrate from one work to another, as in a combinatorial game in which similar is never the same. This open-ended dynamic is also, in my opinion, the cause of the special pleasure they provoke: a sensation of freedom, of multiplicity, of variety that in no way comes close to the repetitive and limiting character of contemporary society.

[1] Como observou o crítico de arte Rodrigo Naves no ensaio “Germana Monte-Mór: percursos da imaginação” (2017), escrito como apresentação da mostra da artista na Galeria Estação, em São Paulo. [2] O crítico de arte Tiago Mesquita observou com cuidado a predominância de motivos geológicos na obra da artista na apresentação do livro “Da cabra”. _ [1] As art critic Rodrigo Naves observed in the essay “Germana Monte-Mór: trajectories of imagination” (2017), written as a presentation for the artist’s exhibition at Galeria Estação, in São Paulo. [2] Art critic Tiago Mesquita carefully observed the predominance of geological motifs in the artist’s work in the presentation of the book “Of goat”


Óleo sobre tela/ Oil on linen / 2023


Óleo e asfalto sobre linho / Oil and asphalt on linen / 2023

Óleo sobre linho / Oil on linen / 2023


E novamente estamos imersas e imersos no mundo natural, pois os trabalhos de Germana Monte-Mór não nos deixam esquecer da parte encarnada da arte, daquilo que ela tem de sensual e corporal. Desde a modernidade, lutar contra o anestesiamento ou alienação do nosso próprio corpo sempre foi uma tarefa da arte em meio ao ambiente inóspito produzido pela sociedade industrial e pós-industrial. Ouso dizer que, após os últimos anos de confinamento por causa da pandemia, em que as relações humanas foram reconfiguradas e todo o nosso aparato sensório sofreu um processo de fragmentação acelerada por conta da crescente virtualização da vida, a atitude de reocupar o espaço sensível, de recolocar o corpo no centro da experiência, não é uma tarefa simples. Ao mesmo tempo, coloca-se como um exercício fundamental para uma possível política das artes hoje. E, ao contrário do discurso corrente, não é somente por meio de contra-narrativas que seguem o desejo legítimo de reparação que a arte pode ter esse papel político. Todavia, é também apostando na redescoberta dos sentidos por meio de pequenas delicadezas e de gestos sutis e silenciosos, tal como realiza Germana Monte-Mór nesses trabalhos que são figurações de um lugar de vivência pulsante. Pois, apesar de tudo, estamos vivos.

And again we are all immersed in the natural world, as Germana Monte-Mór's works do not let us forget the embodied part of art, what is sensual and corporeal about it. Since modernity, fighting against the anesthetization or alienation of our own body has always been a task of art in the midst of the inhospitable environment produced by industrial and post-industrial society. I dare say that, after the last few years of confinement due to the pandemic, in which human relationships were reconfigured and our entire sensory apparatus underwent a process of accelerated fragmentation due to the increasing virtualization of life, the attitude of reoccupying sensitive space, of putting the body back at the center of the experience is not a simple task. At the same time, it stands as a fundamental exercise for a possible arts policy today. And, contrary to current discourse, it is not only through counter-narratives that follow the legitimate desire for reparation that art can have this political role. However, it is also focusing on the rediscovery of the senses through small delicacies and subtle and silent gestures, as Germana Monte-Mór does in these works that are figurations of a place of pulsating experience. Because, despite everything, we are alive.


Óleo e asfalto sobre linho / Oil and asphalt on linen / 2023

Óleo sobre linho / Oil on linen / 2021


Visão geral da exposição / Overview of the exhibition



Guanabara V / Óleo sobre tela encartonada e pigmento / Oil on cardboard canvas and pigment/ 2021



Visão geral da exposição / Overview of the exhibition



Quase vermelhos, para Cildo Meireles / Almost red, for Cildo Meireles / Óleo sobre linho / Oil on linen / 2023


I’M ALIVE

GERMANA MONTE-MÓR 18/10 a 18/11/2023 Texto / Text: Taísa Palhares Fotografia / Photography: Daniel Mansur Realização / Realization: Albuquerque Contemporânea

Rua Antônio de Albuquerque, 885 - Savassi, Belo Horizonte albuquerquecontemporanea.com


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