ÃO NT IÇ GE ED AR R NI
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JANEIRO FEVEREIRO 2014 #12
R$ 15,00
A VOZ DOS GUETOS Hip hop, breakdance e a arte que vem da periferia
Ferreira Gullar, o maior poeta vivo do Brasil, diz que vivemos uma farsa. SKATE E FOTOGRAFIA
TANGO DE RAIZ
COPA DOS QUARENTA Um jeito Revestrés de falar de futebol
15 MOTIVOS PARA VER O OSCAR
ZUENIR VENTURA
30 36 44 54 HOMENAGEADA DA EDIÇÃO Dona Lenir, a primeira-dama da dança piauiense
REPORTAGEM
A voz dos guetos: para conter o grito da favela, o desafio é calar sua arte
ENSAIO FOTOGRÁFICO
MÚSICA
Em Buenos Aires, Revestrés encontra o tango de raiz
Sob o controle do skatista Fabiano Rodrigues
58 62 66 68 TIPOS
COPA
Aba Foto, além do 3x4
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ENTREVISTA
Ferreira Gullar diz que vivemos uma farsa, duvida de quem escreve poemas com facilidade e diz que não se pode fazer arte como quem faz um embrulho
O campeonato proibido para menores de 40
CINEMA
GASTRONOMIA
And the Oscar goes to...
Em Campo Maior, as delícias do Café na Roça
70 74 76 80 WILLIAM POR ADRIANO
ADEMÃ
Shows, Cinema, Salipi
Numa única palavra: poeta
LITERATURA
Benjamim Santos conta a história do menino e seu cajueiro
AS 10 DICAS Os preferidos de Luri Almeida
24 26 28 52 72 78 81 82 OPINIÃO
O professor intelectual transformador
OPINIÃO
A missão do homem do ano
CRÔNICA Morcegos Azuis
PIAUIÊS
Neto 78 e o Cabeça-de-cuia abeirando
MISTURÊBA Poesia, HQ e game
OCUPPYREVES REVESDICAS O espaço do leitor, agora com ilustração
Para ler, assistir e ouvir
UM OUTRO OLHAR
Papel difícil e arriscado para Zuenir Ventura
EDITORIAL POR ANDRÉ GONÇALVES
que é mentira? O que é verdade? Essa pergunta me martelou por uns dias, e de certa forma foi ela que nos fez decidir colocar na capa dessa Revestrés #12 a frase dita por Ferreira Gullar, para muitos o maior poeta vivo em língua portuguesa, durante nossa entrevista, no Rio de Janeiro. Se para uns o que ele afirma ser uma mentirada é verdade e para outros não, uma verdade é incontestável: Gullar é, além de um poeta acima de qualquer questionamento, um homem que acredita no que diz e no que faz. Verdade seja dita, a entrevista com Gullar foi, para nós, um típico evento de Revestrés: idas e vindas, perda de material em um taxi, correria e a surpresa (ou nem tanta assim) de encontrar um homem de cara séria, com convicções firmes e opiniões fortes, mas cercado de móbiles produzidos por ele mesmo com alegria quase infantil e uma leve ponta de vaidade feliz escondida em pequenos gestos do, agora, também artista plástico. De Buenos Aires, vem a matéria com a cantante de tango Jorgelina Piana. O que chamamos de “tango de raiz” e que toca de verdade a alma portenha está ali, em cada frase cantada por essa moça que tem como intenção manter vivo no coração de sua gente o verdadeiro tango, um tango que não aparece assim para qualquer turista por estar correndo, caliente ainda, por uma Buenos Aires quase subterrânea. Verdades e mentiras sobre o gueto. Hip hop, rap, break e a periferia tentam se descobrir e mostrar o quê e quem são para gente que só conhece o mundo pela tela da TV. Longe de nós responder quem são eles. Mas, outra vez, tentamos dar voz à moçada que canta a sua realidade e mostra que, do outro lado da tela e dos noticiários, existe gente, gente de verdade. Além das estatísticas que, acredite, vez ou outra mentem. Foto de capa: André Gonçalves
4 • facebook.com/revista revestres
GULLAR É, ALÉM DE UM POETA ACIMA DE QUALQUER QUESTIONAMENTO, UM HOMEM QUE ACREDITA NO QUE DIZ E NO QUE FAZ. Nessa edição começamos a falar de futebol. Não é mentira, tem bola rolando na Revestrés! Mas futebol com o nosso olhar. Na Réves #12 você conhece um campeonato só para gente acima dos 40 anos, com Cruzeiro, Londrina e Barcelona jogando entre si. É verdade, espie lá. Dicas para ver o Oscar, a crônica de Rogério Newton, a vida de seu Aba Foto, Café na Roça, texto de Zuenir Ventura, uma breve homenagem à primeiradama do ballet piauiense, Lenir Argento, e um cara meio maluco que mistura skate e fotografia. Entre outras coisas. Está tudo aqui, nessa Revestrés #12. Que sua viagem seja boa. De verdade.
FALA LEITOR
Acabo de examinar o número 11 dessa publicação e me apresso a enviar meus parabéns pela qualidade e variedade das matérias, além do gosto editorial. Destaco a entrevista com o professor Manoel Paulo Nunes, figura admirável e crítico literário respeitado por todos. Muito justa e merecida a homenagem ao jornalista Carlos Castello Branco, cujos artigos me acostumei a ler desde jovem. Athanázio, de Balneário Camboriú/SC, por carta
A edição é toda boa, primorosa: Castellinho, O. G., Nonato Oliveira, Willyams, Carlos Said, o circo mambembe... Belezas de matérias, que põem a imprensa do nosso Piauí, hoje, entre as melhores do Brasil. Edmilson Caminha, de Brasília, por e-mail E depois que devoro uma Revestrés percebo que conheço muito pouco de cultura piauiense, de pessoas, lugares, arte, música e sensações! Suzana Dâmaris, no Twitter Revestrés honra a tradição da Santíssima Trindade do jornalismo piauiense: Carlos Castello Branco, Mário Faustino e Torquato. Francisco Magalhães, no Twitter A crônica do Rogério Newton na Revestrés#11 é de uma beleza e um sabor que não dá pra explicar. Sozinha, já vale toda a edição. Diego Everton, no Twitter OS MUROS DO NONATO Creio que Nonato Oliveira é o artista que melhor representa nosso estado e esse tipo de atitude mostra o micro do macro. É o simbolo de todo o descaso, principalmente vindo daqueles que retém o poder. Total falta de respeito com o artista. Revoltante! Beetholven Cunha, no facebook É um risco que se assume ao pôr um trabalho na rua, exposição ao tempo (sol e chuva). A arquitetura das coisas muda e isso requer destruir para reconstruir. Belos trabalhos, mas, reitero: esse é um risco que se corre. Danilo Alves, no Facebook ARTISTA-PRÁTICO? Adorei a ideia da matéria. Faz um tempo, mas ainda é muito latente essa questão da “posse” da arte. Patricia Ferreira, no facebook QUEM QUER QUIBE? Li a matéria sobre o seu Nagano na Revista Revestrés e fiquei maravilhado! Que belo achado e que texto delicioso! Acho ótimo esses perfis sobre personagens das cidades. E fiquei morrendo de vontade de comer um salgado dele. Filipe Saraiva, no facebook
CONQUISTANDO NOVOS LEITORES!
Revestrés sendo devorada pela pequena Valentina, de Minas Gerais; os irmãos Tarsila e Levi e o estimado gato, Leo. Puro bom gosto! (fotos enviadas pelos leitores) ERRATA: Na edição passada dissemos que a coluna de Castellinho não foi publicada em 31 de março de 1964, data histórica. Checamos nos arquivos e foi publicada sim. E nossa estagiária já está procurando um curso de História. NOTA DA REDAÇÃO: Cartas e comentários publicados neste espaço estão sujeitos a edição. twitter.com/@derevestres •
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PARTICIPARAM DESTA EDIÇÃO
OPINIÃO
Robson Carlos da Silva
OPINIÃO
Neulza Bangoim Veras de Araújo
CRÔNICA
Rogério Newton
Poeta e Cronista. Jornalista, Professora Oeirense (PI), publicou Pedagogo, Mestre de Comunicação Ruínas da Memória em Educação (UFPI) (1994), Pescadores da e Doutor em História Social e Mestre em Políticas Públicas Tribo (2001), Último da Educação (UFC). Round (2003), ConProfessor e Diretor do (UFPI). versa Escrita n’Água Centro de Educação, (2006) e Grão (2011). Comunicação e Artes da UESPI. Coordenador do Núcleo de Pesquisa em História Cultural, Sociedade e Educação.
ENSAIO
Fabiano Rodrigues
Skatista profissional no Brasil e Europa. Desenvolve pesquisa de autorretratos desde 2010. Recebeu o Prêmio Aquisição, do Banco Espírito Santo, durante a edição de 2012 da SP-Arte.
Artista plástico e publicitário piauiense. É VP de Criação da agência de marketing OutPromo, desenvolve OSCAR projetos digitais Phylippe Moura e trabalhos com Publicitário, piauiense, diferentes suportes. há 2 anos morando em São Paulo e redator da ALMAP. Cinéfilo, editor do blog Essa Cena Foi Foda, dá as dicas para o leitor Revestrés ficar atento à premiação do Oscar 2014. UM OUTRO OLHAR
Zuenir Ventura
Jornalista e Escritor. Colunista do jornal O Globo, ganhou o Prêmio Jabuti em 1995, na categoria reportagem, pelo livro Cidade Partida. Seu livro 1968: o Ano que 10 DICAS Não Terminou serviu Luri Almeida de inspiração para a Paulistana, atriz, minissérie Anos Rebelredatora publicitária e des, produzida pela locutora. Nesta edição, Rede Globo. Luri dá 10 dicas do que acha imperdível aqui ou por onde já passou.
6 • facebook.com/revista revestres
Quimera - Eventos, Cultura e Editoração Ltda Rua Arlindo Nogueira, 510, Sala 401, Centro Teresina - Piauí DIRETORES RESPONSÁVEIS
André Gonçalves Wellington Soares CONSELHO EDITORIAL
André Gonçalves Wellington Soares Samária Andrade Luana Sena ADMINISTRATIVO
PIAUIÊS
Neto78
REVISTA REVESTRÉS EDIÇÃO LENIR ARGENTO (ISSN 2238 8478) Nº12 / ANO 2 É UMA PUBLICAÇÃO BIMESTRAL DA
Adriano Leite DESTAQUE
Adriano Lobão
Escritor e Mestre em Letras pela UESPI. Publicou os livros Uns Poemas, Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra, Yone de Safo, As cinzas as palavras e Ave eva. Tem poesias publicadas em várias coletâneas e revistas. Em 2012 lançou seu primeiro romance: Os intrépidos andarilhos e outras margens.
REPÓRTERES
LITERATURA
Benjamim Santos
Teatrólogo, é um dos grandes nomes do teatro infantil no Brasil. Atuou nos grupos Teatro de Arribação e Teatroneco e foi crítico teatral no Jornal do Commércio nos anos 70, além de dirigir espetáculos musicais do Quarteto em Cy, MPB-4, Nara Leão e outros. Parnaibano, edita hoje o jornal O Bembém.
Samária Andrade Luana Sena Liliane Pedrosa Nayara Felizardo FOTÓGRAFOS
Maurício Pokemon André Gonçalves DIREÇÃO DE ARTE / PROJETO GRÁFICO
Alcides Júnior REVISORA
Nereyda Áurea ESTAGIÁRIA
Victória Holanda IMPRESSÃO
Halley SA Gráfica e Editora FALE CONOSCO Rua Arlindo Nogueira, 510, Sala 401, Centro, CEP 64000-290 Teresina Piauí revistarevestres@gmail.com twitter.com/@derevestres facebook.com/revista revestres
ANÚNCIOS, ASSINATURAS E NÚMEROS ANTERIORES
(86) 3226-2420 (86) 8845-6188
Nosso desafio ĂŠ ser humano
Rua Bartolomeu Vasconcelos NÂş 2440 - Ilhotas - Teresina-PI - Cep 64015-030 Fone: (86) 8858 0124 / 3194 6950 / 9994 2424 institutodeneurociencias.com.br facebook.com/institutodeneurocienciasdopiaui
Quem participou desta entrevista: ANDRÉ GONÇALVES
PUBLICITÁRIO, ESCRITOR, FOTÓGRAFO
SAMÁRIA ANDRADE
JORNALISTA, PUBLICITÁRIA, PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO
WELINGTON SOARES PROFESSOR E ESCRITOR
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Maranhense, nascido José Ribamar Ferreira, ele adotou o sobrenome da mãe e vive há mais tempo no Rio de Janeiro. Considerado o maior poeta vivo do Brasil, Ferreira Gullar, crítico de arte, fala que é perigoso ter opinião no Brasil: “Qualquer opinião que contraria o que está estabelecido é preconceito”.Aos 83 anos, escreve aos domingos para a Folha de São Paulo, participa de palestras concorridas e está com vários livros reeditados (alguns na 19ª edição). Gullar recebe Revestrés em seu apartamento onde aceita o risco de continuar opinando: diz que vivemos uma farsa – das artes de vanguarda à política –, duvida de quem escreve poemas com facilidade, compara capitalistas a artistas e garante que não se pode fazer arte como quem faz um embrulho. “Eu digo as coisas que têm que ser ditas”. TEXTO E EDIÇÃO SAMÁRIA ANDRADE FOTOS ANDRÉ GONÇALVES
twitter.com/@derevestres •
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que vocês vão fazer com essa sumidade?”. A pergunta vem da simpática senhora que chega quando nos apresentamos na portaria do prédio onde mora Ferreira Gullar. O poeta, crítico de arte e cronista vive ali desde 1979. A esquina, a uma quadra da praia, é movimentada. O térreo é ocupado por lojas variadas: meias, móveis usados, freezers e uma pequena lanchonete que vende açaí. “É uma honra morar no mesmo prédio que ele” – continua a senhora - “Digam que a Vovó Leda, do 606, mandou um abraço”. A simpatia da Vovó Leda dissipa uma certa apreensão que nos acompanhava. Ferreira Gullar mora sozinho. É ele mesmo quem abre a porta para nos receber. Assim como era a sua voz grave e objetiva nas ligações que fizemos. A diarista Maria das Dores cuida da casa do escritor apenas duas vezes por semana. Somente para despachá-la ele interrompe cerca de duas horas de conversa conosco. Gullar namora a poeta Cláudia Ahimsa, 34 anos mais jovem, a quem se refere como “minha companheira”. Moram em apartamentos separados, ele em Copacabana e ela no Flamengo. Conheceram-se na feira de livros de Frankfurt, Alemanha, numa época em que Gullar andava desanimado com as perdas contabilizadas: a morte da mulher, a atriz Thereza Aragão; a morte do filho caçula Marcos e a doença de outro filho, Paulo - como Marcos, com esquizofrenia. Por Cláudia, apaixonou-se instantaneamente, embora não seja dado a grandes demonstrações. “Ela é mais poeta que eu” – afirma, garantindo que consegue manter a isenção crítica. Gullar já não viaja de avião, por isso está há quase uma década sem ir ao Maranhão, onde moram seis dos seus onze irmãos. Conta que no dia seguinte a entrevista, véspera do natal, sua filha Luciana vai chegar de São Paulo, onde vive, e a casa estará cheia de netos e bisnetos. Luciana tem oito filhos que já deram sete bisnetos a Gullar. Aliás, é a chegada de tanta gente e a data – próxima ao natal – que nos botou apreensivos sobre a realização da entrevista previamente combinada. Apenas uma hora e meia antes de estarmos ali, almoçávamos tranquilamente em Copacabana quando resolvemos ligar e combinar o dia em que seríamos atendidos. “Não sei, amanhã é véspera de natal, depois é natal...” – argumentou Gullar. “Então hoje!” afirmamos. E ele: “Hoje? Mas que horas?...”. “Daqui a uma hora e meia”. “Daqui a uma hora e meia são quatro horas...”. “Combinado: quatro horas estamos aí. Obrigada”. E desligamos. Os momentos seguintes passaram em modo speed: pagar a conta do almoço - chamar o táxi - correr até o hotel no Flamengo - pegar o gravador - chamar outro táxi – voltar pra Copacabana - conferir na agenda as perguntas formuladas 12 • facebook.com/revista revestres
há cerca de um mês - esquecer a agenda no táxi. Ops! Só nos apercebemos deste último ponto com a pergunta da Vovó Leda: “O que vocês vão fazer com essa sumidade?”. Ao longo da vida, nem todos consideraram a presença de Gullar motivo de tanta honra quanto a sua vizinha de Copacabana. Ainda em São Luís, ele escrevia poemas, trabalhava em jornal e era locutor de rádio. Após presenciar o assassinato de um operário pela polícia durante um comício de Adhemar de Barros, Gullar se nega a ler, em seu programa de rádio, uma nota que aponta os “comunistas” como responsáveis pelo ocorrido. Foi demitido. Um ano depois, em 1951, tinha 21 anos e estava no Rio de Janeiro, onde continua a escrever poemas, trabalha como revisor de revistas como O Cruzeiro e depois como crítico de arte do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Aproxima-se dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e de Décio Pignatari, com quem
A CRÍTICA FOI SUBSTITUÍDA POR “NOTAS NA COLUNA”. ENTÃO SE DIZ QUALQUER COISA, PORQUE NÃO SE TEM RESPONSABILIDADE ALGUMA COM O QUE ESTÁ SENDO DITO. investiga a arte concreta, rompendo depois com este movimento e lançando o manifesto neo-concreto, ao lado de nomes como Lygia Pape, Lygia Clark e Amilcar de Castro. No início dos anos 60, revê sua postura poética, até então influenciada pelo experimentalismo, e passa a não participar de movimentos de vanguarda. Mais tarde torna-se crítico de muitos deles. Escreve ensaios, peças de teatro, dedica-se à pintura - embora sempre a considere um hobby. Filia-se ao Partido Comunista e, no início dos anos 70, com a ditadura militar, parte para o exílio e mora na Rússia, Chile, Peru e Argentina. Em Buenos Aires, dá aulas de português para sobreviver. O “Poema Sujo”, escrito na capital argentina, chega ao Brasil em 1975, antes de seu autor, através de Vinicius de Moraes, que promove sessões para que intelectuais e jornalistas ouçam o texto gravado em fita cassete. Em 77, Gullar volta ao Rio. É preso e interrogado por 72 horas. Depois disso é absolvido. A convite do amigo Dias Gomes e em parceria com este escreve episódios para séries da TV Globo como As noivas
de Copacabana e Carga Pesada (primeira versão). Gullar não só tem opinião e fala abertamente sobre ela, como muda de opinião e defende seus novos pontos de vista. “Eu passei a minha vida quase toda sendo comunista. Mas voltei a pensar e vi que tava errado”. O escritor é ainda tradutor para o alemão, espanhol e inglês. E é reconhecido através de numerosos prêmios, entre eles uma indicação ao Nobel de Literatura em 2002, e, em 2010, recebe o Prêmio Luís de Camões, a mais importante premiação literária de Língua Portuguesa. Ainda assim diz que sua obra poética não é vasta: “todos os meus poemas caberiam num livro de 600 páginas”. Hoje tem uma vida tranqüila e é pouco dado a badalações. Gosta de ir ao cinema e de visitar exposições na companhia de Cláudia. Aprecia ficar em casa, um bom apartamento, entulhado de pequenos objetos: esculturas, lembranças de viagem e de ami-
NOVELA NÃO É DRAMATURGIA DE QUALIDADE. TODOS OS AUTORES SABEM DISSO. ELES NÃO DIZEM PORQUE... AH, QUANDO EU ERA TELENOVELISTA DA GLOBO EU TAMBÉM NÃO DIZIA (RISOS). gos, caixas cheias de envelopes e velhos recortes de revista – a maioria ele usa para fazer colagens que mostra com entusiasmo. Nas paredes, obras de grandes artistas como Iberê Camargo, Alfredo Volpi, rascunhos de Oscar Niemeyer. “Eu vou me misturando aqui”, revela sua estratégia. Quadros e móbiles – uma dezena pendendo do teto - criados por Ferreira Gullar decoram o ambiente. Conversa conosco numa ampla mesa de madeira, cercada por oito cadeiras. Fala também com as mãos, ora arrumando o característico cabelo chanel, ora como se contasse para cada sílaba um toque com a ponta dos dedos sobre a mesa. Na sala ao lado, quatro sofás cobertos com plástico bolha. O ponto mais iluminado da sala é próximo a janela, onde está a cadeira de balanço cercada de edições recentes dos jornais O Globo e Folha de São Paulo, reveladoras do uso frequente deste espaço. “Podemos começar” – ele avisa, educado, indicando as cadeiras onde devemos sentar, em volta da mesa. É quando lembramos novamente da agenda que se foi no táxi. twitter.com/@derevestres •
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Samária – O seu trabalho é muito conhecido na poesia e na crítica. Como você vê a crítica literária hoje? Ferreira Gullar – Praticamente não existe, né? Antigamente todos os suplementos culturais tinham um texto crítico de um grande nome, um Otto Maria Carpeaux, um Álvaro Lins. Eles escolhiam as obras ou autores que achavam representativos e comentavam. Hoje existe a crítica acadêmica, estudos feitos nas universidades, mas a crítica literária na imprensa não existe. André – E qual o significado dessa ausência da crítica? Isso pode repercutir na produção literária atual? FG – Eu não sei avaliar objetivamente isso, mas sei que os jovens poetas sentem a falta de uma resposta sobre o que eles fazem. Eles têm que saber: “o que eu escrevi tem importância? Vale alguma coisa?”. E hoje não há essa avaliação. Claro que o autor tem o seu juízo crítico a respeito do que faz, ele não depende só da crítica. Mas é estimulante que ele veja que seu trabalho teve alguma repercussão. Do jeito que está se torna até difícil pro cara continuar. É claro que aqueles que são poetas, que nasceram poetas, continuam de qualquer maneira, mas acho lamentável que não haja crítica. Samária – Por outro lado, paralelo a essa ausência de crítica, percebe-se um movimento de promoção de alguns autores e obras. Na novela das 8, por exemplo, quase todo capítulo tem a inserção de alguém lendo um livro e comentando positivamente. FG – A crítica foi substituída por “notas na coluna”. Então se diz qualquer coisa, porque não se tem responsabilidade alguma com o que está sendo dito. Aí tem reportagens, matérias, entrevistas, tudo pra promover o livro, o filme. Eu não vejo novela, mas minha companheira comentou sobre a oferta de livros. É estranho, até porque eles não falam dos poetas mais notáveis. Alguns dos que são citados têm qualidade, outros nem têm. É tudo gente que quer entrar pra Academia (risos. Refere-se à Academia Brasileira de Letras). Wellington – Ao contrário da maioria dos escritores nacionais, que almejam uma vaga na Academia Brasileira de Letras, você parece não ter essa ambição. FG – Parece não. Eu não tenho. Fui convidado umas vinte vezes. Então não se trata de aparentar. Eu tenho muitos amigos na Academia e acho inclusive que hoje ela desempenha um papel mais aberto, com um diálogo maior com a pessoa interessada em literatura. Mas fazer parte da Academia não é do meu feitio, compreende? E não é que eu ache que a Academia não merece a minha presença. Eu fico até constrangi14 • facebook.com/revista revestres
PUBLIQUEI MEU ÚLTIMO LIVRO DE POEMAS EM 2010 E ATÉ HOJE NÃO ESCREVI POEMA ALGUM. SÃO TRÊS ANOS JÁ! E EU NÃO ESCREVI NADA E TALVEZ NEM VOLTE A ESCREVER. do, fica parecendo que eu sou arrogante, porque todo ano eles me convidam e eu recuso, mas ser acadêmico é uma coisa que não assina muito comigo. André – Sobre as novelas, o senhor já escreveu para televisão, redigindo para a dramaturgia da Globo. Não pretende retornar a esse formato? FG – Outro dia um jornalista escreveu que dizer que novela não é literatura é elitismo. Mas novela não é dramaturgia de qualidade, todo mundo sabe! Uma boa peça de teatro dura uma hora e meia. Não existe dramaturgia que resista ao tempo que as novelas duram. Novela é divertido, mas é uma bobajada, uma incoerência. A verdade é que ninguém que escreve novela quer continuar. Todos preferem fazer minissérie. Na novela você é prisioneiro de um gênero que
VOCÊ ACHA QUE CASAIS NUS NO MUSEU É OBRA DE ARTE? É CLARO QUE ISSO NÃO É ARTE. E TEM OUTRA COISA: PRA SER ARTE TEM QUE ESTAR NO MUSEU? ENTÃO É A INSTITUIÇÃO QUE TRANSFORMA ESSA BRAVATA EM OBRA DE ARTE? tem que desenvolver com ou sem assunto. Se eu escrevo uma minissérie eu sei quantos capítulos tem, sei como organizar a história, como terminar, mas uma novela é imprevisível. Só se eu for Deus pra saber o que vai acontecer no capítulo 280, né? (risos). Em dramaturgia existe uma norma: nenhuma cena pode ser feita sem conduzir à ação. Ou seja: eu só faço uma cena de duas pessoas conversando se isso faz com que a história avance. E na novela só o que tem é duas pessoas conversando à toa! A novela é feita pra ganhar dinheiro, não tem compromisso com a qualidade. Todos os autores sabem disso. Eles não dizem porque... ah, quando eu era telenovelista da Globo eu também não dizia (risos). Samária – O senhor é um poeta que passa anos sem publicar um novo livro de poesias. Como é, para o senhor, escrever poesia? FG – Artigo de jornal eu faço a hora que eu quero. Mas uma coisa é escrever crítica, outra é escrever poema. Poesia eu não escrevo quando quero. Pra escrever poesia eu tenho que estar num estado especial. Eu sempre digo: a poesia nasce do espanto. Pode ser algo do cotidiano, mas alguma coisa me chama a atenção, se revela para mim; algo que eu não conhecia, e que me comove. A partir daí, eu entro num estado que me possibilita escrever. Agora, a frio, decidir assim: “hoje eu vou escrever um poema” (fala imitando vozes)... Assim sai bobagem. Eu cus-
to escrever poemas e, consequentemente, até reunir um número que dê um livro, passam-se 10, 12 anos, como já ocorreu. Publiquei meu último livro de poemas em 2010 e até hoje não escrevi poema algum. São três anos já! (enfatiza, batendo com os dedos na mesa). E eu não escrevi nada e talvez nem volte a escrever. Eu não sei, não depende de mim. André – O senhor percebe alguma transformação na sua poesia de quando começou a escrever para hoje? FG – Minha poesia tem uma continuidade interna. Algumas preocupações permanecem, mas a maneira como isso é formulado, mudou. Talvez eu seja o poeta que mais mudou em sua carreira, mas ao mesmo tempo meu ponto de vista tem uma continuidade, algumas indagações que são permanentes. O meu último livro, no fundo, indaga as mesmas coisas que o primeiro, só que é formulado de uma outra maneira. Wellington – Pra que serve a poesia? FG – As pessoas costumam dizer que a poesia, a arte, a literatura, revelam a realidade. Eu digo que não: elas não revelam, inventam. As pessoas dizem que a arte revela a realidade porque a vida é pouca, a vida não basta. É por isso que a arte existe. Como a vida não basta, o cara vai inventando coisas pra ela ficar mais bonita, mais interessante. O homem precisa de arte pra viver, pra ser mais feliz. Você lê um poema do Drummond e ele te comove, te mostra que a vida tem
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NÓS VIVEMOS EM UMA ÉPOCA EM QUE TODO MUNDO É DE VANGUARDA. NO PASSADO, TODO MUNDO DESCONFIAVA DA NOVIDADE. HOJE QUEM DESCONFIA DA NOVIDADE TÁ DESCLASSIFICADO. uma riqueza que você desconhecia, e isso te enriquece. Arte é pra isso. Samária – O senhor tem uma relação um tanto conturbada com alguns artistas de vanguarda, já fez críticas a artistas como Marina Abramovic... (É considerada uma das pioneiras da arte com performance e ficou conhecida quando, em 2010, o Museu de Arte Moderna de Nova York – MoMA, promoveu a exposição A artista está presente). FG – Aquilo que ela faz é uma bobagem, né? Você acha sinceramente que casais nus no Museu é obra de arte? É claro que isso não é arte! (refere-se a Imponderabilia, encenado pela primeira vez pela própria Marina Abramovic em 1977. Nesta performance, um casal nu, de frente para o outro, impede a passagem por outro caminho, fazendo com que os visitantes da exposição passem entre os dois). E tem outra coisa: se os casais nus estiverem no quarto não é arte. Pra ser arte tem que estar no museu. Então é a instituição que transforma essa bravata em obra de arte? A inovação, a rebeldia, é contra a instituição, né? E essa é uma rebeldia que precisa da instituição pra se legitimar? Então esse trabalho é uma bobagem. Perguntaram pra ela o porquê desse trabalho e ela disse: “é pra constranger as pessoas” (bate na mesa com os dedos, demonstrando irritação). E essa é a finalidade da arte? Constranger as pessoas?! Tem também aquele outro que mandou urubu pra Bienal. O que ele quer? Ser rebelde? (refere-se a polêmica obra Bandeira Branca, de Nuno Ramos, com três urubus vivos, exposta na Bienal de São Paulo de 2010). É gozado: quer ser rebelde na instituição, porque se ele mandar urubu pro mercado não é obra de arte! Qual o objetivo? É dizer que a arte não tem sentido? Então ele que pare de fazer, ué. Em compensação tem uma artista contemporânea chamada Yayoi Kusama que cria coisas deslumbrantes. Ela tem uma linguagem própria, é criativa, e o objetivo dela não é constranger nem humilhar ninguém. É deslumbrar! André – E como pensar sobre artistas conceituais como Marcel Duchamp que com trabalhos como A 16 • facebook.com/revista revestres
Fonte ficou conhecido e é até hoje citado? (Duchamp criou o conceito de ready made – está feito, que se trata do transporte de um elemento a princípio não artístico para o campo das artes. A Fonte é um vaso sanitário que Duchamp enviou para uma seleção de obras a serem julgadas num concurso de arte promovido nos Estados Unidos, com a assinatura R. Mutt – nome da fábrica que produziu o urinol. Em tempo: a peça foi recusada). FG – Quando ele pegou aquele urinol e mandou para uma exposição, aquilo foi uma atitude de rebeldia. Isso tinha a ver com o momento em que a indústria invadia a sociedade e se impunha como o novo caminho da vida social. Então o artesanato, a coisa feita à mão, aparentemente perdia o sentido. E a pintura é uma coisa artesanal! Então parecia que a pintura era uma coisa velha. A nova idade era a idade da indústria, da máquina. Eu li uma matéria que contava que
NAS ARTES PLÁSTICAS A VANGUARDA FOI LEVADA A UM NÍVEL QUE ESTÁ DESTRUINDO TUDO: A LINGUAGEM, O SENTIDO ESTÉTICO. Isso é um caminho irônico que ele assumiu. Só que depois virou moda as outras pessoas fazerem aquilo, porque é fácil, não precisa fazer nada. Ele próprio disse nessa época: “tudo o que eu disser que é arte, será arte” (risos). O pessoal pega o lado irônico e assume como o verdadeiro caminho da arte. No fundo há um espírito anti-arte nisso, como se arte fosse uma coisa velha, ultrapassada, então precisa inventar alguma coisa nova. André – Alguns dos trabalhos de vanguarda vêm acompanhados por discursos que ajudam a interpretar essas obras. Quando as pessoas têm acesso a esse discurso, isso não facilita algumas interpretações? FG – Esses trabalhos são acompanhados por discursos porque ninguém entende o que sejam. Ontem eu fui ao Paço Imperial e lá tem uma exposição: uma máquina tosca, barulhenta, feia, uma coisa sem capricho algum, com uns tubos de plástico que murcham e enchem de ar. E daí? Isso é uma bobagem! (refere-se à exposição Evento, de Mariana Manhães). E tem um texto que diz “Evento”, se tirar o “e” fica “vento”. Que coisa inteligente hein, cara? (risos). É só um jogo de palavra, uma perda de tempo. Duchamp visitou uma exposição da indústria naval em Paris e ficou encantado com uma hélice de navio enorme - e uma hélice é uma coisa linda, uma escultura! Então ele ficou olhando aquilo e perguntou ao Brancusi- que era escultor – “você é capaz de fazer uma escultura como essa?”. E Brancusi nem ligou pra pergunta e foi embora. Eu acho que ali nasceu o ready made. Eu não vi nenhum crítico europeu falar da importância que esse fato teve, mas acho que ali Duchamp colocou o problema: isso não foi feito por artista, é produto da indústria e é tão belo quanto uma obra de arte. Quando ele mandou o urinol para a exposição, isso tinha uma ironia, porque o urinol é uma coisa depreciativa. Isso é uma grande piada do Duchamp. Só que enquanto ele fazia essas piadas, também tava fazendo uma obra chamada O Grande Vidro que demorou oito anos pra ficar pronto. Então “já tá feito” e levou oito anos?! Ele fez mais alguns ready mades, mas não é isso que constitui a obra dele.
Samária – O senhor acha que algumas pessoas ficam constrangidas em afirmar que não compreendem certas obras contemporâneas? FG – Sim, porque nós vivemos numa época em que todo mundo é de vanguarda. No passado, todo mundo desconfiava da novidade. Hoje quem desconfia da novidade tá desclassificado. O próprio museu tem que aceitar a novidade. Por isso ele se chama “Museu de Arte Moderna” (arrasta as palavras). Se ele não aceitar o casal nu, deixa de ser moderno. E o diretor do museu também tem que ser moderno. É tudo uma mentirada, tudo uma grande farsa. Enquanto isso, os verdadeiros artistas continuam fazendo arte de qualidade. Mas vocês repararam que essa vanguarda exasperada só acontece nas artes plásticas? Houve vanguarda em todos os gêneros no começo do século XX – na literatura, cinema, teatro, música - e a vanguarda enriqueceu as artes, porque a vanguarda twitter.com/@derevestres •
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é uma coisa positiva (enfatiza a última palavra). Mas sucede que nas artes plásticas ela foi levada a um nível que está destruindo tudo: a linguagem, o sentido estético. Por que só nas artes plásticas? Essa é uma pergunta que precisava ser respondida. Samária – Por que só nas artes plásticas? FG – Eu acho que é culpa das bienais. Quando vi a segunda Bienal de São Paulo eu perguntei: ué, e quando vier a terceira? Nêgo vai produzir obras pra encher todas essas salas?! São centenas de obras! Mas obra de arte não se produz assim, entende? Um cara como o Iberê (Camargo) pra pintar um quadro era um sofrimento, e uma alegria, e uma paixão! Não era uma coisa feita como se faz um embrulho. O resultado é que para manter as bienais se faz uma arte sem nenhuma reflexão, uma invencionice. As bienais se transformaram no centro de propagação dessa linguagem. Todo artista cria sua obra e aquilo é importante pra vida dele. Porque arte, você faz da melhor maneira, o artista procura dar o melhor de si. Ninguém quer fazer uma obra pra ser abandonada no dia seguinte. E na Bienal o cara faz um troço que só vale ali e acabou! Isso ainda se mantém um pouco pela mídia, mas tá no fim. André – O seu processo de criação exige um certo tempo. No dias atuais, povoados de instantaneidade, internet, onde tudo parece que tem que ser resolvido em instantes - com esse ritmo é possível fazer boa poesia? FG – Eu duvido que se faça boa poesia às pressas ou dessa maneira que você descreveu aí. Internet serve para uma série de coisas, mas não pra poesia. Poesia não se faz assim, arte não se faz assim. É uma coisa que requer reflexão e descoberta. E isso leva tempo. Samária – O senhor defende que a obra de arte exige uma elaboração do autor. O senhor sofre pra escrever poesia? FG – Não. Esse negócio de que arte é sofrimento é bobagem. Mesmo quando o cara escreve sobre uma coisa dolorida, o ato de escrever transforma o dolorido em alegria: a alegria estética. Alguns poemas, peças de teatro, romances, são mais espontâneos, outros exigem mais e você tem que ter uma trabalheira, né? Mas você tem prazer. Ninguém mandou você fazer aquilo! (risos). Samária – O crítico muitas vezes é tido como um chato. Pra ser crítico é preciso ser corajoso? FG – Dizer as coisas que têm que ser ditas é perigoso. As pessoas ficam furiosas porque eu digo o que tem que ser dito. O Chico Buarque, que é uma pessoa ta18 • facebook.com/revista revestres
O CHICO BUARQUE, QUE É UMA PESSOA TALENTOSA, MARAVILHOSA, ELE ELOGIA CUBA, MAS NÃO QUER MORAR LÁ.
lentosa, maravilhosa, ele elogia Cuba, mas não quer morar lá. No Brasil o Chico publica o livro que quer, faz a poesia que quer, canta a canção que quer, fala mal do governo - um cara que faz tudo isso não vai querer morar num país onde não se faz nada disso, né? Então é mentira. É a mesma coisa do esquerdismo. O cara não tem coragem de dizer que Cuba é uma ditadura. Era um sonho maravilhoso e não deu certo. Eu passei a minha vida quase toda sendo comunista, fui preso, mas voltei a pensar e vi que tava errado. O propósito de Cuba é o melhor e mais generoso possível: - querer a sociedade justa. Só que tá provado que o caminho não é esse e as pessoas não têm coragem de dizer. As pessoas vivem de mentira, é tudo hipocrisia, uma cretinice. Todo mundo quer ser libertário, aberto. Já reparou que não existe mais opinião? Tudo é preconceito. Qualquer opinião que contraria o que está estabelecido é preconceito. André – O senhor já declarou que o capitalismo é invencível. Por quê? FG – Por que a China virou capitalista? Porque viu que era a saída! Nesse momento há um milhão de pessoas inventando pequenas empresas, médias empresas - isso é o capitalismo. Ninguém pode com isso. Agora, o capitalismo é o regime da exploração, do lucro máximo. Os Estados Unidos são um país riquíssimo e continuam a explorar o trabalhador de uma maneira vergonhosa! É terrível, mas o capitalismo é isso! E mais: ele é produtivo porque segue a ambição humana, que não tem limite. Então a iniciativa individual pode criar riquezas sem parar e isso é bom. Agora o que não pode é desabar para a exploração. Esse é o problema: não querer dividir com o outro, querer levar vantagem, não ter limites. O problema não é o capitalista, é o capitalismo. Samária – E na prática, é possível separar o capitalista e o capitalismo? FG – É preciso compreender que ser um empreendedor é um talento. Assim como o cara nasce poeta, jogador de futebol, ele nasce empresário. Não é todo mundo que é empresário. Um empresário é um criador de riqueza, é um criativo! Um dos erros de Marx foi dizer que o patrão só explora e quem produz é o trabalhador. Não é verdade. Sem o patrão não existe o trabalho, sem a empresa não existe o trabalhador, os dois criam a riqueza. É uma coisa dialética e os dois têm peso indiscutível. A vida é mais complicada do que a gente gostaria. André – O senhor diz que o capitalismo é invencível, que está ligado aos instintos humanos, mas ao mesmo tempo reconhece que esse é o regime da exploração. O senhor vê saída nisso?
o domingo seguinte a entrevista que concedeu à Revestrés, o texto de Ferreira Gullar na Folha de São Paulo, intitulado Invenção da Alegria, falava de duas exposições que ele cita na entrevista. Revestrés visitou as duas exposições e reproduz abaixo trechos da crítica publicada por Gullar. Sobre a exposição Evento, de Mariana Manhães: Trata-se de uma instalação com máquinas que produzem vento e um tubo de plástico ora inflado pelo vento que a máquina produz, fazendo desagradável barulho. Não se percebe ali qualquer preocupação com beleza e acabamento; pelo contrário, a impressão é de algo improvisado, feito de qualquer modo. Sobre a exposição Obsessão Infinita, de Yayoi Kusama Arte pode ser também a invenção de linguagens novas ou inovadoras, que nos fascinam e encantam. Este é o caso de Yayoi Kusama, artista japonesa, que nos arrasta a um deslumbrante universo de cores, formas e luzes. (...) A sala de luzes, com centenas de lâmpadas que mudam de cor a cada momento, parece levar-nos a um passeio pelo espaço cósmico, fervilhante de estrelas. O que significa isso? Não se sabe, mas não importa, não é preciso saber, uma vez que a obra é seu próprio significado. É que tudo tem expressão, seja um tubo de plástico, seja uma sala de luzes coloridas. O que distingue uma coisa da outra é a capacidade de nos deslumbrar que as formas tenham. Mostrar a banalidade é mostrar o óbvio. A arte é a superação da banalidade.
FG – Veja só: o Bill Gates, que ganha milhões e milhões de dólares, pegou o dinheiro dele e investiu numa instituição para tratar crianças com AIDS. Ele chamou outros empresários e espalhou essa instituição por vários países. Fez isso porque percebeu que não tem sentido ganhar dinheiro sem limite. Se eu tenho um bilhão no banco, vou comprar o que: 300 automóveis? 200 apartamentos? Não tem sentido! O sentido da vida é ajudar as pessoas, é dar dinheiro pra saúde, educação. Então, quando Bill Gates faz isso, ajuda as pessoas a tomarem consciência. E isso não é ficar inventando que o socialismo vai continuar. Ele já acabou! Wellington – Tendo sido comunista e perseguido pelo regime militar brasileiro, algumas de suas opiniões mais recentes geram certa controvérsia. O que o senhor pensa sobre isso?
AS PESSOAS VIVEM DE MENTIRA, É TUDO HIPOCRISIA, UMA CRETINICE. TODO MUNDO QUER SER LIBERTÁRIO, ABERTO. JÁ REPAROU QUE NÃO EXISTE MAIS OPINIÃO? TUDO É PRECONCEITO. FG – Eu sou insultado na internet todos os dias. Eu nem leio, porque eu não fico procurando isso. Mas tem quem elogie também. Samária – Como o senhor se define político-ideologicamente? FG – Eu sou a favor da sociedade justa, acho a desigualdade social inaceitável. Mas, apesar disso, não acredito que vamos chegar numa sociedade em que todos ganhem a mesma coisa e tenham as mesmas posses. Isso é contra a natureza humana. Existe a ambição e existe outro fator: as pessoas são diferentes. Então, acredito que sempre haverá desigualdade. Você não pode achar que o Bill Gates deva ganhar a mesma coisa que o cara que conserta computador. Uma coisa é eu ser um jogador de pelada, outra é ser Ronaldinho. Você não pode nivelar a sociedade por baixo. Agora, também não é justo que um ganhe um milhão por hora e outro quase nada. Torço para que essa desigualdade seja corrigida o tanto quanto possível. André – Como o senhor vê a situação do poeta, do escritor, que segundo a imagem mais romântica é despreocupado com questões econômicas ou pelo 20 • facebook.com/revista revestres
menos mais distante desse lado de ambição do capital? FG – Eu sou poeta e não sou isso que você tá dizendo. Eu tô demonstrando aqui (fala com ênfase). E não é verdade que poeta seja desligado. Drummond não era uma pessoa desligada da realidade, tão pouco Bandeira, Vinicius, João Cabral. E o poeta não é obrigado a fazer poesia política, inclusive tem que tomar cuidado porque em geral sai ruim. Eu mesmo já fiz alguns poemas por razões políticas, ideológicas, pra ajudar isso e aquilo, e esses poemas não são bons. Wellington – Vivendo há tanto tempo no Rio de Janeiro, o que ficou do Maranhão na sua obra e que relação o senhor mantém com o estado? E com o Piauí? FG – É só ler o Poema Sujo e você vê que ele nasce da minha experiência em São Luís, da minha vida, infância, família, da cidade - tá tudo presente. Eu tenho uma ligação permanente com a cidade. São Luís é fundamental na minha vida e em meu trabalho. Teresina também está no Poema Sujo. Meu pai era comerciante ambulante e me levava até a capital do Piauí nas viagens dele. Então Teresina também faz parte de minhas vivências. Eu conheci Mário Faustino. Fomos colegas no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Eu fazia a página de artes plásticas e ele de poesia. Ele era uma pessoa muito inteligente, brilhante! Wellington – De que forma o senhor reage ao ser considerado, entre críticos e leitores, o maior poeta brasileiro vivo? FG – Eu escuto. Eu não digo isso, eu não acredito nisso e isso não faz parte de minhas preocupações. O que me importa é que pessoas leiam e se sintam comovidas, tocadas, enriquecidas pelo que eu escrevo. No começo a minha poesia era mais distante. Depois, com a própria idade, amadurecimento, os erros que cometi - tudo isso me ajudou a me aproximar mais das pessoas. Na rua, algumas pessoas me abraçam, fazem declaração de admiração. E é reconfortante ver que o que eu tô fazendo tem algum sentido, porque o sentido nunca é a gente, é o outro. Samária – E sobre as colagens, pinturas, relevos, que o senhor tem produzido, pretende expor esse seu lado para as pessoas? FG - Uma coisa maluca, né? Eu nunca imaginei que ia fazer colagens em relevo. Eu não planejo nada. Eu só reconheço o que é bom e penso: “aquilo pode dar pé”. A vida é feita de acasos.
Trechos extraídos de Poema Sujo, escrito por Ferreira Gullar quando este estava no exílio na Argentina, em 1975. O poema chegou ao Brasil antes do seu escritor, através de Vinicius de Moraes, que promovia sessões para que intelectuais e jornalistas ouvissem o texto gravado em fita cassete.
OPINIÃO POR ROBSON C. DA SILVA
DOUTOR EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
O professor intelectual transformador e a lógica do vazio das sociedades contemporâneas O QUE ESTÁ EM JOGO É A POSSIBILIDADE E O PRAZER NARCÍSICO DO INDIVÍDUO QUE SE EXPRIME MESMO QUE PARA NADA, SOMENTE PARA SI, CONTANTO QUE SEJA VEICULADO E AMPLIFICADO POR UMA MÍDIA QUALQUER.
tualmente é recorrente, nos debates acadêmicos acerca das sociedades modernas e do indivíduo contemporâneo, reflexões críticas sobre a crescente desagregação dos costumes da época do consumo de massa e a emergência de um modo de socialização e de individualização jamais concebido, em contraposição com o instituído a partir do advento da modernidade. Uma leitura atual e que nos revela importantes aspectos dessa conformação social são os ensaios de Lipovetsky (2007) refletindo a partir e sobre as sociedades pós-modernas, as quais o autor caracteriza enquanto sociedades onde reina a indiferença em massa e sentimentos de saciedade e de estagnação, onde a autonomia privada é obviamente predominante, resultando numa espécie de pulverização do ideal da modernidade em relação à capacidade de subordinação às regras racionais construídas coletivamente. Nas sociedades pós-modernas prevalece um processo de “personalização”, tendo como valor fundamental a realização pessoal, de respeito pela singularidade subjetiva, ou seja, o direito de o indivíduo ser absolutamente ele próprio, um indivíduo livre em valor e individualista, que teve na transformação dos estilos de vida e na revolução do consumo os fundamentos centrais. Viver livre e sem nenhum tipo coação, escolhendo sem restrições o seu modo de existência se constitui no desejo mais legítimo dos sujeitos contemporâneos, visto que, enquanto aspirações centrais, percebe-se a ausência de ideologias políticas com força suficiente para despertar multidões e de projeto histórico mobilizador, persistindo o governo absoluto do “vazio”. Fica evidente que se trata de ideais e valores onde o consumo, longe de se esgotar, atinge sua apoteose, em especial por meio da busca desenfreada pela aquisição dos objetos de fascínio, produtos da força dos apelos midiáticos, e de cada vez mais informação, caracterizando uma cultura pós-moderna, perfeitamente iden24 • facebook.com/revista revestres
tificável pela busca da qualidade de vida, pelo culto desenfreado e ansioso por participação e por expressão, numa extremada paixão pela personalidade. Numa afirmação emblemática, Lipovetsky (2007), destaca que nas sociedades pós-modernas o individualismo é total, face ao “surto individualista induzido pelo processo de personalização”, ao que ressalta se tratar da manifestação e efetivação de narcisismo, em que o indivíduo se sente atraído pelo relacional, vinculado a grupos setoriais, formados por “seres idênticos”, voltados para a diferenciação. Há, assim, a predominância de espetáculos e exposições sem sentido, assim como de declarações totalmente insignificantes, sem evidente pretensão de causar qualquer efeito, pois o que está em jogo é a possibilidade e o prazer narcísico do indivíduo que se exprime mesmo que para nada, somente para si, contanto que seja veiculado e amplificado por uma mídia qualquer, como facilmente podemos perceber no destaque e na centralidade que as “celebridades” assumem, suas falas sendo reproduzidas e seus ideais, estilos e valores, em sua quase totalidade efêmeros e vazios, tornados significantes, desvelando como a exposição, o comunicar e a expressão são promovidos sem outro objetivo que não o de expressar em toda sua profundidade a lógica do vazio. Neste sentido, buscando trazer reflexões gestadas no campo da educação e partindo do questionamento acerca de quais ações reais e efetivas devem ser realizadas pelos professores no sentido de contribuir para que seus alunos sejam capazes de superar os efeitos da lógica do vazio, pensamos nas contribuições do professor intelectual transformador (GIROUX, 1997), por acreditarmos que o professor deve conduzir seu trabalho através da combinação entre a prática acadêmica consistente e a reflexão constante sobre essa prática a serviço da formação de estudantes que venham a se tornar sujeitos sociais emancipados, cidadãos re-
flexivos e ativos. Três pontos são essenciais na condução das reflexões sobre a concepção desse modelo de professor. Em primeiro lugar, para que o professor seja considerado um intelectual transformador faz-se necessário compromisso e responsabilidade ativa na formação de propósitos e condições reais de desenvolvimento da prática educativa, com destaque para a questão central que é o ser ativo, ou seja, que o professor esteja ativamente participando, atuando e intervindo diretamente nos espaços onde desenvolve sua atividade profissional, efetivando, assim, uma constante integração entre a reflexão e o agir ativamente, articulando sua formação teórica e os saberes experienciais próprios de sua vivência profissional (TARDIF, 2002). Em segundo lugar, a concepção de intelectual transformador funciona como uma crítica às ideologias tecnocráticas e instrumentais que concebem o professor apenas como um técnico aplicador de teorias elaboradas pelos supostos especialistas, notadamente aqueles que, através da pesquisa acadêmica, produzem a teorização sobre a realidade educacional, às vezes sem nunca ter posto os pés no espaço de alguma escola. E finalmente, em terceiro lugar, deve-se partir sempre da concepção de que as escolas são espaços em constante construção, espaços onde se entrelaçam, ininterruptamente, conhecimentos, valores sociais diversos, diversificadas práticas de linguagens e formas
culturais particulares, aspectos parciais de uma cultura social mais ampla, em constante conflito e disputa pelo direito de “representar” e de “se representar”, de ter seus ideais representados e de impor suas significações frente ao “outro”. (COSTA, 1999). Neste sentido, acreditamos que o professor intelectual transformador traz o perfil essencial para contribuir na formação de alunos como cidadãos críticos e ativos, desenvolvendo a vontade de lutar e superar as relações sociais injustas para que se possa pensar no estabelecimento de condições de vida mais democráticas, justas, éticas e humanas. (GIROUX, 1997). Assim, o professor intelectual transformador deve conduzir sua prática por pedagogias que incorporem interesses políticos emancipatórios, centrando suas reflexões na problematização dos conhecimentos envolvidos, sustentando suas argumentações em favor de um mundo mais justo, e através do emprego do discurso e do diálogo aberto e afirmativo e que conduza os sujeitos a serem capazes de promover mudanças, seja na escola ou nos demais espaços sociais, tais como os ideais e valores da lógica do vazio que, ao serem desvelados e desnudados em suas ideologias aprisionadoras, poderão ser superados por valores que reforcem a ideia de coletividade, convivência, entendimento, diálogo e, acima de tudo, profundidade na escolha, na opção e condução de suas aspirações e na construção de suas personalidades.
OPINIÃO POR NEULZA BANGOIM
MESTRE EM POLÍTICAS PÚBLICAS
A missão do homem do ano O CAPITALISMO LIBERAL E A BURGUESIA IMPUSERAM SUAS REGRAS PARA A NOVA SOCIEDADE, COLOCANDO O PODER SOCIAL E CULTURAL DA IGREJA EM SILÊNCIO E ELA, DESDE ENTÃO, SE VIU OBRIGADA A SE READEQUAR.
ano de 2013 terminou e como de costume a mídia escolhe dentre os mais variados temas a personalidade que mais se destacou durante o ano. Para a revista norte-americana Time, a personalidade mais influente do mundo foi o papa Francisco. Para o Vaticano, o título celebrou a tão difícil escolha de um novo líder, principalmente para os brasileiros, em sua grande maioria católicos. A Igreja Católica, ao longo dos séculos, experimentou diversas formas de disseminar a sua doutrina e, em muitos períodos, o que ela obteve foi o afastamento dos seus seguidores. O Brasil na década de 1980 era quase 100% católico, porém, já no Censo Demográfico, de 2000, somente 73,77%, assim, se declararam. Diante disso, o passar do tempo e as mudanças do mundo contemporâneo a fizeram enxergar que precisava urgentemente mudar de postura e linguagem para voltar a conquistar seu público e continuar com sua influência no mundo. Na história da Igreja, sua posição no mundo era superior, não precisando se curvar às modificações do tempo para se reavaliar. Mas, a partir de um determinado momento histórico, ela notou que havia um desgaste na sua relação com os fiéis que requeria modificações radicais em sua postura. Com a Revolução Burguesa, no século XVIII, uma nova ordem entra em vigor, deixando claro que uma sociedade baseada no absolutismo e no mercantilismo, que oferecia privilégios aos nobres e ao clero, não tinha mais lugar. O capitalismo liberal e a burguesia impuseram suas regras para a nova sociedade, colocando o poder social e cultural da Igreja em silêncio e ela, desde então, se viu obrigada a se readequar. A racionalidade científica amplia o seu espaço e o mundo experimenta um período de desencantamen26 • facebook.com/revista revestres
to. Ademais, a secularização do mundo, fenômeno pelo qual as pessoas tendem a ignorar os ensinamentos da Igreja e, ela própria, deixa de pertencer a uma esfera puramente religiosa e põe as sociedades num mundo moderno, cheio de desafios. A hierarquia do episcopado percebeu, em face disso, que era preciso se reposicionar pastoral e teologicamente para se adequar às mudanças. Assim, de 1962, no papado de João XXIII, até 1965, com o papa Paulo VI, acontece o Concílio do Vaticano II, evento que provocou a ruptura da Igreja para um novo tempo. Já em 1965, Paulo VI fala sobre a condição do homem no mundo na Constituição pastoral Gaudium et Spes (Esperanças e Angústias), que tratava de mudanças profundas (sociais, psicológicas, morais e religiosas), desequilíbrios contemporâneos e aspirações comuns a todo o gênero humano. A partir daí, o pensamento da Igreja muda da concepção de “poder” para uma “eclesiologia da comunidade”, apesar da Igreja tradicional ou conservadora ser favorável à eclesiologia do poder, que concebe o dualismo natural e sobrenatural, com a acentuação da dimensão clerical e dos aspectos de visibilidade da instituição. Mas, a partir dos anos 1990, a Igreja Católica, no pontificado de João Paulo II, retrocede em suas doutrinas e práticas, passando do âmbito menos público para um mais religioso. João Paulo II destaca a importância do despertar da “consciência religiosa dos homens”, em uma de suas primeiras encíclicas, “Sollicitudo Rei Socialis” (Solicitude Social da Igreja). Nessa encíclica, a Igreja Católica culpa as “estruturas de pecado”, a “avidez do lucro” e a “sede do poder” pelos entraves ao desenvolvimento integral no mundo contemporâneo.
O PAPA RESPONDEU A VÁRIAS PERGUNTAS EM UMA COLETIVA AOS JORNALISTAS CREDENCIADOS, MAS FOI ILZE SCAMPARINI, DA REDE GLOBO, QUE FEZ A PERGUNTA QUE O COLOCOU NAS MANCHETES EM TODO O MUNDO. “COMO VAI ENFRENTAR O LOBBY GAY?” Já o papado de Bento XVI foi conservador, apesar da surpresa de sua renúncia. Bateu em teclas já sabidas do pensamento da Igreja, como o casamento homossexual ser uma das várias ameaças atuais à família tradicional, pondo em xeque “o próprio futuro da humanidade”, bem como o aborto e a eutanásia, que “colocam em perigo a paz”. Deixou de enfrentar problemas sérios no interior da Igreja como os vários casos de pedofilia no clero da Irlanda, Europa e Estados Unidos, como também o vazamento de documentos para a mídia, que revelavam as intrigas internas e os escândalos sexuais, que ganhou o nome de VatiLeak. Em 2013, Jorge Mario Bergoglio é eleito Papa e escolhe Francisco como nome para o seu pontificado. A impressão que se tem até agora, e justificativa da revista que o consagrou como personalidade do ano, é de simplicidade e espontaneidade. Durante o ano que passou o papa viveu meses de muitas festas e viagens, como a vinda ao Brasil, em julho, para a Jornada Mundial da Juventude, que aconteceu no Rio de Janeiro. Em uma semana, o papa Francisco encontrou cerca de 3,5 milhões de pessoas, de 175 países e aumentou em 37% a confiança na Igreja Católica. No avião que o levou a Roma, o Papa respondeu a várias perguntas em uma coletiva aos jornalistas credenciados, mas foi Ilze Scamparini, da Rede Globo, quem fez a pergunta que o colocou nas manchetes em todo o mundo. “Como vai enfrentar o lobby gay?” Por ter escrito, em carta às carmelitas argentinas, ser o casamento de pessoas do mesmo sexo uma “pretensão destrutiva ao plano de Deus”, esperava-se uma resposta diferente. Mas o inconcebível aconteceu. Ele respondeu: “Se uma pessoa é gay e procura Jesus, e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. Sabendo que teria uma grande repercussão, ele disse: “E agradeço muito por você ter feito esta pergunta”. Depois que vários países aprovaram o casamento gay, inclusive a Argentina, em 2010, é possível que a Igreja se veja obrigada a novamente se readequar para acompanhar as modificações do tempo e, assim, se reaproximar de seus seguidores, valendo a pena a escolha do papa Francisco como personalidade.
POR ROGÉRIO NEWTON
notícia foi lida nos computadores e tablets de argila da gente que mora nos bairros pobres: estão paralisadas, há mais de um ano, as obras do novo mercado. Os caracteres reluzentes informam que a estrutura metálica, exposta ao tempo, está sendo roída pela ferrugem. O redator batucou as teclas com fúria e, esgar no canto da boca, situou o mercado às margens da BR-230. Como muitos, havia tomado a pílula do esquecimento. Além de não lembrar, não queria ver as ruínas da nova construção na margem direita do riacho. A boca do esgoto, redonda e enorme como a de um animal faminto, está escancarada, pronta para o dia da inauguração. Desde tempos imemoriais, o pequeno rio forneceu água abundante, correndo sem alarde entre as pedras, ladeado por árvores altas e cachos de marias-moles brilhantes sob o sol amarelo. O que determinou a escolha do lugar para a edificação da capela a das primeiras casas do povoado foi o córrego e sua boa água de brejo. Pouco a pouco, o território foi ocupado por hordas de esquecidos. Por isso, ninguém ali sabe explicar como morcegos azuis surgem das sombras apodrecidas. Tem razão os internautas que murmuram protestos. Também me associo a eles, embora discorde do discurso raso, como são os discursos dos esquecidos. Entretanto, houve um que se espantou com os marimbondos fosforescentes e as borboletas, abrindo e fechando as asas enlameadas, nas longas e retorcidas hastes de metal. Teve o delírio de en28 • facebook.com/revista revestres
POUCO A POUCO, O TERRITÓRIO FOI OCUPADO POR HORDAS DE ESQUECIDOS. POR ISSO, NINGUÉM ALI SABE EXPLICAR COMO MORCEGOS AZUIS SURGEM DAS SOMBRAS APODRECIDAS.
TEM RAZÃO OS INTERNAUTAS QUE MURMURAM PROTESTOS. TAMBÉM ME ASSOCIO A ELES, EMBORA DISCORDE DO DISCURSO RASO, COMO SÃO OS DISCURSOS DOS ESQUECIDOS. xergar muçambês sob os arcos da ponte Zacarias. Estava esquecido, mas não cego. Outro, meio vesgo, em quem a pílula provoca arrasadores efeitos colaterais, vislumbrou, numa noite insone e cheia de presságios, um jardim nas margens ressecadas e nuas. Logo, o redator de olhos miúdos e sinistros veio dizer em caracteres implacáveis que o teto de alumínio seria transportado de helicóptero e colocado sobre as hastes curvas, incandescente como uma nave ao sol. As fotos saídas dos tubos de neon ilustram a notícia morna nas telas trêmulas de luz. Os vãos cinza de concreto, as curvas de metal ante o céu azul, acossado por nuvens brancas e lerdas. A ferrugem varando o espaço. Os fantasmas vindos das sombras, disfarçados de morcegos azuis.
HOMENAGEADA DA EDIÇÃO
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a cidade de Porto, a 198 km de Teresina, ainda criança, Lenir se deslumbrava com desenhos de bailarinas – mas não achava que a dança pudesse fazer parte de sua realidade. Adolescente, precisou fazer tratamento médico no Rio de Janeiro. O pai, que chegou a ser prefeito de Porto, a mandou para a casa de uma prima Maria Nair Santos, que era mãe de Beth Carvalho. Lenir acompanhava a prima de seu pai nas aulas de balé que esta fazia e passou a retardar sua volta à terra natal. No anexo do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, teve a oportunidade de fazer aulas com professores de gabarito como Tatiana Leskova e Johnny Franklin. O amor pela pintura a fez estudar Desenho e Arte na capital carioca. De volta ao Piauí, ela passou a ser professora de artes plásticas no Liceu Piauiense e Colégio Sagrado Coração de Jesus. Sob a permissão desconfiada do pai, que achava balé “aquela coisa que as moças levantam a perna”, ensinou as primeiras aulas de dança em sua própria casa, para amigas interessadas na novidade. Lenir fundou sua primeira escola - chamada Escola de Ballet Clássico - em 1957. O espaço funcionou até 1960. Nesse período, numa viagem ao Rio de Janeiro para fazer cursos de dança, a bailarina conheceu o marido, comerciante. Voltou a morar na capital carioca, onde permaneceu até 1972. Na volta definitiva a Teresina ela criou a Academia de Ballet Lenir Argento, que esteve aberta de 1972 a 1997 e foi responsável pela formação inicial de grande parte dos bailarinos profissionais do Piauí. Homenageada pelo Ballet Bolshoi, em visita a Teresina, Dona Lenir recebeu menção honrosa pelo pioneirismo e ganhou até nome de rua no bairro Mário Covas. Deixou dois filhos, aos 78 anos, em 2003, ano em que a Escola de Dança do Piauí foi rebatizada em sua homenagem. twitter.com/@derevestres •
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REPORTAGEM 36 • facebook.com/revista revestres
Foto: Maurício Pokemon
A periferia fala. Para conter o grito da favela é preciso mais que violência – o desafio é calar sua arte. POR VICTÓRIA HOLANDA FOTOS MAURÍCIO POKEMON E ANDRÉ GONÇALVES
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Foto: Maurício Pokemon
ão José e Afegão. Comunidades rivais na zona Sul de Teresina tinham algo em comum: vozes abafadas pela pobreza, drogas e repressão policial. De um lado, Preto Kedé. Do outro, Mano Lu. Sem saber, os dois compartilhavam os mesmos anseios: cantar o que o seu povo queria dizer. “Eu ando na rua e sou tratado como bandido. Um dos motivos é que sou negro, moro em uma comunidade discriminada pelo confronto de gangues. É preconceito, é racismo”, diz Kedé, 25 anos. Calça larga, boné de aba reta, cabelo estilo rastafari, tatuagem de microfone no antebraço. Sábado à tarde, Preto Kedé cumprimenta os colegas de infância na calçada. Gingado popular, tropeçando nas gírias, fala com a mãe e nos recebe na sala de casa. “Conheci o Mano Lu no projeto Vida P, no Parque Piauí. Eu tinha o grupo Atitude de Rua e ele o Calibre Ativo. A gente começou a trocar uma ideia,
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HOJE, EU ME CONSIDERO UM MILITANTE, PORQUE EU REINVIDICO NAS MINHAS LETRAS. AS PESSOAS NÃO REIVINDICAM SEUS DIREITOS PORQUE TÊM MEDO DE FALAR. KEDÉ, MÚSICO
deixar essa ideia de treta de lado. Começamos a ter outra visão quando conhecemos o Hip Hop. Sempre colados um ao outro, já com ideias construtivas. Hoje, eu me considero um militante, porque eu reinvidico nas minhas letras. As pessoas não reivindicam seus direitos porque têm medo de falar”, diz Kedé. Ultrapassaram o arame farpado da rivalidade. Preto Kedé e Mano Lu encontraram no Rap a desculpa que precisavam para cantar a realidade. Os confrontos de gangues ficaram para trás e Atitude de Rua se transformou no que perdura até hoje: A Irmandade. Formado em 2003, o grupo tem dezenas de composições esperando o momento de chegarem até o estúdio. Gravaram quatro clipes e cantam dezessete canções que estão no disco Correria (2010). Kedé não reclama. Otimista, compartilha o sufoco para imprimir 1000 cópias do CD. “A gente tenta apoio de lojas, gasta vale, todo dia é o mesmo corre. Até hoje a gente recebe muita porta na cara. A banda está resistente e essas coisas fazem é motivar a gente”, diz.
Foto: Maurício Pokemon
ULTRAPASSARAM O ARAME FARPADO DA RIVALIDADE. PRETO KEDÉ E MANO LU ENCONTRARAM NO RAP A DESCULPA QUE PRECISAVAM PARA CANTAR A REALIDADE. Influenciados pelo Rap dos grupos paulistas Facção Central e Racionais MC´s, Kedé e Mano Lu contaram com a colaboração de outros colegas que passaram pela formação do grupo. Na batida particular do Rap, a violência cotidiana, o preconceito e a atuação policial carimbam o repertório do grupo. A essência de suas músicas ultrapassou o esperado. No YouTube, site de compartilhamento de vídeos, o clipe Superman tem mais de 16 mil visualizações. Na canção, a violência do morro foi expressa pela boca de quem a enxerga todos os dias: “O sangue na calçada / O choro da mãe preta / Que se repete a cada fim de semana”. E no mote principal, a rima: “Não vem dar uma de Superman / Se na quebrada é só pêi pêi pêi / Dar uma de herói / Se na quebrada aqui quem manda é nós”. A composição Ira critica a repressão. A letra cita o nome de alguns policiais e diz: “Ele tem o direito dele, mas eu tenho o meu. Eu não vou andar com medo. Na liberdade de expressão, pode querer calar minha boca, mas não meu coração”. Por volta de agosto de 2013, a polêmica desta música invadiu os portais locais e redes sociais. Na TV, foi compreendida como ameaça aos policiais. O
resultado não poderia ser diferente e a mídia foi alvo das notas de A Irmandade. Chegaram feito bala. A composição Direito de Resposta não mediu palavras: “Falou mal do meu povo / Afetou a favela / Fomos alvos da polícia / E destaque nas telas”. “A mídia não quer saber de solução. Quem são os verdadeiros ladrões? Tem muita gente que está matando o povo só com a caneta. E ninguém fala nada, a mídia não fala. Preferem o quê? Ganhar em cima da desgraceira da gente. Tem gente que acha que estamos incentivando a violência, mas estamos falando o que realmente acontece. Por mais que essas pessoas se envolvam no crime, na droga, não deixam de ser inocentes porque eles são sujeitos a isso, são vítimas disso”, defende Kedé. Comandante do Rone - Rondas Ostensivas de Natureza Especial, o capitão Fábio Abreu foi um dos policiais citados na música Ira. Quase um semestre após a polêmica em torno da composição, o oficial se diz impassível. “Para mim é indiferente o que ele fez. Cheguei a registrar Boletim de Ocorrência (BO), mas não fui mais atrás. Na verdade, criou - se um factoide. Eu não me senti ameaçado, porque isto não tem potencial de ameaça”, coloca o capitão. twitter.com/@derevestres •
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Foto: André Gonçalves
ois jovens se enfrentam na periferia. Microfone na mão, os adversários se atacam na batalha e se abraçam fora da roda. Assistidos por cerca de 50 pessoas, seis inscritos competem pela melhor performance. A única arma é a rima. Acompanhados pelo som de caixa amplificada, têm 45 segundos para concluir o improviso. O público determina quem ganhou: se duas rodadas não forem suficientes, na terceira se dá o desempate. “A violência sempre aconteceu nas ruas. Antigamente, na história do Hip Hop, rolava agressão e até morte. A batalha de MC´s, então, veio canalizar a violência para algo positivo. No improviso não tem regra. Cabe ao adversário destruir a ideia do outro. Vão se ofender, mas no final, têm que se cumprimentar”, diz Washington Gabriel, 39 anos. No Hip Hop, Washington Gabriel é WG. Participou do grupo Flagrante, formado pelos rappers Gil BV, Cley, Petecão, Jean, Bira e hoje integra o grupo Afronto. Em 2012, lançou o disco solo Lá do começo. MC e grafiteiro, WG é um dos organizadores da 1ª Batalha de MC´s da Casa do Hip Hop, no bair40 • facebook.com/revista revestres
A VIOLÊNCIA SEMPRE ACONTECEU NAS RUAS. ANTIGAMENTE, NA HISTÓRIA DO HIP HOP, ROLAVA AGRESSÃO E ATÉ MORTE. A BATALHA DE MC´S, ENTÃO, VEIO CANALIZAR A VIOLÊNCIA PARA ALGO POSITIVO. WASHINGTON GABRIEL, GRAFITEIRO E MC
ro Parque Piauí, zona Sul de Teresina. “O prédio da Casa estava abandonado há 12 anos até que a gente entrou com um projeto e a SEDUC cedeu o espaço em 2005”, diz ele. Munida de estúdio musical, a Casa abriga atividades culturais espontâneas e tem até uma grife de roupa – Mucambo Nuspano. “Já funcionamos com grafite, computação básica, metarreciclagem e cursinho pré – vestibular, mas hoje, uma das fontes de renda são as camisas e bonés feitos em serigrafia”, relata WG. Na periferia, sobra espaço para a diferença. Línecker Diego de Oliveira, 26 e Emmanuel EmHi-
Foto: André Gonçalves
ip Hop são dois termos ingleses cuja origem presume - se ter se construído em meados de 1968, por um dos grandes organizadores do movimento Hip Hop, Afrika Bambaataa. Ele teria se inspirado em dois movimentos que se originaram nos guetos americanos, enquanto expressão de um estilo de dança popular. Daí o significado dos termos “saltar” (Hop) balançando os “quadris” (Hip).
Na casa do hip hop, Emmanuel EmHique, WG e Línecker
Conhecido como cultura de rua, o Hip Hop configura - se a partir dos seguintes elementos artísticos: breaking (dança), rap (música), DJ (disc jockey) e grafite (artes plásticas). Os rappers são aqueles que cantam ou compõem rap. Chamam-se também MC, porém, devido à ampla divulgação do rap e da indústria cultural, o MC passou a ser chamado de rapper.
que de Carvalho, 20, cantam Rap Gospel. Moradores do bairro Dirceu, zona Sudeste, conheceram o espaço em 2010, período em que percorriam o caminho até a Casa do Hip Hop a pé. “No Dirceu, o índice de criminalidade é grande. Eu já usei droga, mas conheci o evangelho. Comecei a cantar o Rap Gospel. Decidi que seria influenciado pelas coisas boas”, diz Línecker. Na Casa do Hip Hop, MC Línecker gravou 13 faixas do disco solo Maranata (2011) – que quer dizer “O Senhor vem”. “Fizemos 500 cópias do disco. A gente critica o governo, a condição da igreja, hoje com pastores mercenários e, até os irmãos que não verificam na Bíblia se o que está sendo pregado é correto. A gente quis trazer a essência da periferia e temos tentado despertar a juventude que está ociosa”, diz ele. Línecker ganhou a 1ª Batalha de MC´s na Casa do Hip Hop. Como prêmio, levou o boné da marca Mucambo. Mas essa não foi a única batalha vencida – e prova em sua música Sempre vou rimar: “Tô nessa guerra / E vou vencer”. twitter.com/@derevestres •
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Foto: Maurício Pokemon
u me questionava como é ser mulher, ser feminina e estar em um estilo totalmente masculino e machista. O Hip Hop é muito machista. Eu comecei a entender que não existe nada mais feminino que meu próprio corpo”, diz Cleyde Silva. Aos 23 anos, a bgirl – garota que pratica breakdance – partiu da necessidade de estar na dança e percorreu seu próprio caminho. Influenciada pelo irmão mais velho, Gleydstone Silva, Cleyde começou a dançar aos 12 anos no Centro Social do Parque Piauí – CSU. “Gleydstone sempre gostou de rap, de skate e começou a pensar em alguma coisa que trouxesse o pessoal do Parque Piauí para ministrar oficinas no Dirceu”, descreve Cleyde. O Centro Comunitário do bairro Dirceu, zona Sudeste de Teresina, foi cenário das primeiras atividades. Cleyde conta que os ministrantes ensinavam mixagem de som e dança de rua para quem se interessasse. “Até que começaram a acontecer festas particulares, os responsáveis pela presidência do espaço sumiram e a gente queria um lugar para treinar, mas não tinha”. Abandonado desde 2006, o espaço chegou a abrigar o Bomber Crew. Constituído em 2005, o grupo masculino de breakdance acolheu a primeira bgirl 42 • facebook.com/revista revestres
EU ME QUESTIONAVA COMO É SER MULHER, SER FEMININA E ESTAR EM UM ESTILO TOTALMENTE MASCULINO E MACHISTA. O HIP HOP É MUITO MACHISTA. EU COMECEI A ENTENDER QUE NÃO EXISTE NADA MAIS FEMININO QUE MEU PRÓPRIO CORPO. CLEYDE SILVA, BGIRL
do conjunto - Cleyde. “Eu tive a necessidade de criar um grupo só de meninas, mas elas dispersaram e eu fui direto para o Bomber”, relata. Nessa dicotomia homem/mulher do break, a bgirl destaca o posicionamento feminino enquanto resistência – o machismo é a barreira a ser ultrapassada. “Às vezes, a menina deixa de dançar porque se acha inferior. Tenho pensado o Hip Hop no sentido de resistir a um monte de coisa. Hoje, eu acho que o machismo pode ser trabalhado com a ideia de estar ali. Se você se coloca em um lugar inferior, você só está reforçando o machismo”, destaca.
Foto: André Gonçalves
contribuição do Hip Hop de raiz é conferir a esses jovens um lugar de fala e de existência porque a ordem que vivemos não tem lugar para eles”, diz Valéria Silva, Doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e professora da Universidade Federal do Piauí – UFPI. “O movimento Hip Hop criou uma estética própria. Ele ajuda a constituir identidades num ambiente de opressão. O Hip Hop se coloca contra – hegemonicamente. Isso é decisivo, daí a sua relevância”. Para a professora, os novos modos de vida determinam que lazer significa consumo e a consequência disso é a extrema desigualdade. “E pior: que viver é igual a consumo. É uma segmentação social profunda, em que uns podem quase tudo e outros não podem nada. Isso reserva um lugar de não - gente para as pessoas e as propõe a buscar isso a qualquer custo, especialmente para os jovens negros, pobres que moram na periferia”. Em janeiro deste ano, jovens, principalmente da periferia, ocuparam os shoppings de São Paulo e Rio de Janeiro – Eram os “rolezinhos”. “Qual o problema de alguém decidir ir ao shopping? O fato deles irem ao shopping em grupo é porque se sabem frágeis diante daquela estrutura. A polícia e as instituições existem para proteger as camadas que nos dominam. Se você vai de 300, há maior visibilidade”, coloca a professora. Os shoppings fecharam as portas para impedir o acesso dos adolescentes, relatos de repressão policial e adesão de manifestantes declarando discriminação foram destaques na mídia. A professora defende: “Repressão policial é uma marca de como o Estado se relaciona com a sociedade brasileira. A polícia não consegue se olhar como funcionário público que existe para promover a segurança das pessoas. É uma polícia armada, que vai para o confronto com os jovens. E nós trivializamos isso. Mas é especialmente banalizado quando acontece com os empobrecidos. Isso porque a polícia, como braço armado do Estado, incorpora a ideologia de criminalização da pobreza. Os ‘rolezinhos’ fazem isso aflorar, mas a violência acontece todos os dias”.
REPRESSÃO POLICIAL É UMA MARCA DE COMO O ESTADO SE RELACIONA COM A SOCIEDADE BRASILEIRA. A POLÍCIA NÃO CONSEGUE SE OLHAR COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO QUE EXISTE PARA PROMOVER A SEGURANÇA DAS PESSOAS. É UMA POLÍCIA ARMADA, QUE VAI PARA O CONFRONTO COM OS JOVENS. E NÓS TRIVIALIZAMOS ISSO. VALÉRIA SILVA, DOUTORA EM SOCIOLOGIA
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Por Fabiano Rodrigues ENSAIO FOTOGRÁFICO
abiano Rodrigues, através de um controle remoto, dispara a câmera e registra o ápice de seu movimento em um enquadramento previamente planejado. Skatista profissional, desenvolve pesquisa de autorretratos, clicados em meio às suas manobras. As fotos são impressas em cópia única. E a composição, a captura do movimento e o interesse do paulista pela arquitetura impulsionam uma linguagem na qual tenta dar conta de suas ambições expressivas e performáticas. Fabiano segue andando de skate e fotografando dentro de instituições e transformando sua relação particular com a cidade e com a vida.
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POR NETO78
SIGNIFICADO Abeirar Aproximar, acercar-se, avizinhar, chegar perto de modo calmo, sorrateiro, achegar. No Piauiês, como “Aberar”, adquire outro significado: sair de perto, deixar o local. Ex: “É melhor aberar que o Cabeça-de-cuia tá chegando”.
Seção inspirada na Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês, de Paulo José Cunha.
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MÚSICA
Em Buenos Aires, Revestrés encontra o tango de raiz POR SAMÁRIA ANDRADE FOTOS ANDRÉ GONÇALVES
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Bar e Restaurante Teatral La Clac é uma típica casa noturna na Avenida de Mayo, em Buenos Aires: charmoso, sem luxo, com cara de cult, empoeirado e antigo. Atrai os turistas pela promessa de bom vinho e pratos e pela decoração curiosa – nas paredes há de fotografias e discos antigos à bicicletas e roupas penduradas. Outra isca é o cartaz na calçada, que anuncia a atração musical. Aquela noite seria Jorgelina Piana, uma moça bonita de 37 anos que cantará tango e tem credenciais para isso: é neta do compositor Sebastián Piana – pianista argentino dedicado ao tango. Falecido em meados dos anos 90, ele é autor de tangos clássicos como Milonga Sentimental e Tinta Roja. Embora hoje sua obra seja citada apenas entre os conhecedores mais tradicionais do tango, suas composições estão na lista de tangos históricos e já foram gravadas por artistas como Júlio Iglesias. Do restaurante avista-se a escada que conduz ao subsolo, onde funciona o teatro La Clac. O palco é pequeno e sem acústica. As cadeiras parecem improvisadas, de vários modelos e cores. Ali, no subsolo, escutam-se as vozes que vêm do restaurante. Jorgelina Piana é acompanhada por um trio de bons músicos que parecem ter dispensado a produção: estão com barba por fazer, instrumentos gastos e sapatos também. A neta do senhor Piana tem as unhas de um vermelho intenso, mas nada no figurino lembra uma cantante de tango que está no imaginário da maioria dos turistas: não há vestido, flores, adereços. Ela usa uma calça comprida preta e blusa com pequeno brilho – a maior extravagância. Talvez isso explique a ausência de turistas, que não chegam ao subsolo, permanecem no restaurante. A plateia de Jorgelina não soma 20 pessoas. No entanto, todos cantam juntos e se emocionam sinceramente quando a cantora chora ao oferecer uma música a uma amiga espanhola. Aquela era a primeira apresentação de Jorgelina depois de sua recente volta a Buenos Aires. Ela e o marido, o escritor Sebastian, viveram 12 anos na Espanha, onde nasceram os dois filhos do casal. Foram para a Galícia em busca de oportunidades, como muitos argentinos. Voltaram com a crise financeira na Espanha, que igualmente está fazendo muitos hermanos regressarem. Na Espanha, Jorgelina se apresentava em festas. De volta à capital portenha, tenta reencontrar o tango que seu avô deixou de herança. “Chamar-me Piana tem um enorme peso. Eu não quero que pensem que uso o nome de meu avô, porém tenho que usá-lo porque devo ter compromisso com esse nome, compreende?”- afirma Jorgelina. Ela interpreta músicas do avô e de outros compositores tradicionais, buscando algumas inovações twitter.com/@derevestres •
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MÚSICA
DO RESTAURANTE AVISTA-SE A ESCADA QUE CONDUZ AO SUBSOLO, ONDE FUNCIONA O TEATRO LA CLAC. O PALCO É PEQUENO E SEM ACÚSTICA. AS CADEIRAS PARECEM IMPROVISADAS, DE VÁRIOS MODELOS E CORES. ALI, NO SUBSOLO, ESCUTAM-SE AS VOZES QUE VÊM DO RESTAURANTE. estéticas, mas com o cuidado de não provocar rupturas. Reclama que os turistas não conhecem o verdadeiro tango argentino e se empolgam facilmente com bailarinos e figurinos – coisas que só distraem a atenção sobre o que deveria ser o principal. “Eu quero comunicar-me através da música” – argumenta, e responsabiliza a mídia pelo que chama o declínio do tango. “Os meios de comunicação não tocam tangos clássicos, eles não dão audiência. Tocam apenas música da moda. É uma lástima!”. Matias Zambrano, um dos produtores que tenta promover o tango clássico, arrisca uma interpretação complementar para o fenômeno: “Para que haja audiência é preciso haver um referente comum entre o público e a música, mas o tango clássico deixou de produzir esse processo de identificação com o público jovem”. E afirma que seu sonho é que apareçam mais cantoras como Jorgelina, dispostas a defender o tango. “Ela é genuína”. Na seleta plateia, um dos que se emocionam com a cantante é Cláudio Manzi, outro amante do tango 56 • facebook.com/revista revestres
com pedigree. Cláudio é músico e neto de Homero Manzi, autor de muitas das letras musicadas por Sebastián Piana. Ele afirma que seu avó e o de Jorgelina não fizeram o tango como um fardo nem como algo comercial, mas porque amavam o que faziam. Como Jorgelina, Cláudio sente que tem um legado a defender: “Quando me dei conta de que Manzi era imortal, vi que não posso perdê-lo”. O músico também se apresenta em casas de shows alternativas para públicos diminutos. “Eu faço isso por minha conta, me submeto a fazê-lo mesmo não tendo a competência de meu avô”. E justifica a sua responsabilidade: “Há uma obrigação com nossas raízes. Eu fui tocado pela mão de Manzi”. Jorgelina chora ao cantar e emociona sua plateia porque acredita que tango é sentimento. Com a carga dramática própria a uma argentina cantante de tango de raiz, ela argumenta: “Eu sofro não por desamor, mas ao contrário, por muito amor. Eu tenho uma vivência sentimental com o tango. Quando che-
EU SOFRO NÃO POR DESAMOR, MAS AO CONTRÁRIO, POR MUITO AMOR. EU TENHO UMA VIVÊNCIA SENTIMENTAL COM O TANGO. QUANDO CHEGO EM BUENOS AIRES, TENHO QUE SOLTAR ESSE SENTIMENTO SEM ECONOMIA. JORGELINA PIANA, CANTORA
go em Buenos Aires, tenho que soltar esse sentimento sem economia”. E confessa que sua pretensão é viver exclusivamente de tango. “Esse é meu desafio e minha ilusão”. Para a cantora, o verdadeiro tango não pode ser tocado em qualquer lugar e, por isso, ao invés de se entristecer com pequenos palcos ou plateias, ao contrário, orgulha-se disso. Não há um comportamento elitista nesse pensamento, mas o reconhecimento de que o tango continua a correr pelo subsolo de Buenos Aires. E ali, no subsolo do teatro La Clac, onde escutam-se as vozes que vêm do restaurante, quando Jorgelina canta, não se escuta mais nada.
TIPO
O fotógrafo luta pela preservação do passado através das fotografias. E poderia existir uma causa mais nobre que essa? POR NAYARA FELIZARDO FOTOS MAURÍCIO POKEMON
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á quem o chame de louco, poucos querem ouvir por algum tempo as suas reivindicações. Quando aparece nas redações de jornais, portais e TVs, deixa a todos apreensivos. Acaba sobrando para o estagiário fazer a matéria que os outros jornalistas já fizeram. Estou falando de Francisco das Chagas Machado Sobrinho, o Aba Fotos. Aos 64 anos, fotógrafo há mais de 40, ele é um dos mais ferrenhos militantes que o Piauí já teve. É daqueles que acreditam na causa e lutam por ela, mesmo sozinho, mesmo contra todos e até enfrentando os piores deboches. O Aba Fotos luta pela preservação do passado através das fotografias. E poderia existir uma causa mais nobre que essa? Imagine-se perdendo todos os registros feitos em momentos importantes da sua vida. Imagine uma situação em que, de repente você ficasse sem referências imagéticas do que já viveu. Pois é justamente devido a essa possibilidade aterrorizante que o presidente do Sindicato dos Fotógrafos, Lojistas e Cinegrafistas do Estado do Piauí perde o sono, o tempo, a saúde e faz muita gente perder a paciência. Ele não reluta em incomodar jornalistas, órgãos públicos e políticos. Nem mesmo a presidente da República, Dilma Roussef, escapou de ouvi-lo em janeiro de 2013, quando veio ao Piauí. O Aba não desiste nunca de fazer todos entenderem a diferença entre fotografia e congelamento de imagem. A sua batalha mais difícil é contra as máquinas digitais das instituições que emitem documentos. “Aquela foto não tem qualidade, nem durabilidade. O certo é fazer a fotografia 3x4, revelar, levar ao scanner, depois salvar no computador e só então microfilmar. Assim, a imagem será preservada e não apagará nunca”, defende o fotógrafo.
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TIPO
A TECNOLOGIA VEIO PARA AJUDAR O FOTÓGRAFO A GANHAR MAIS DINHEIRO. FOI CRIADA PARA EVITAR QUE A FOTO QUEIMASSE, E NÃO PARA QUE AS PESSOAS DEIXASSEM DE REVELAR SUAS FOTOGRAFIAS. TODO MUNDO CONFUNDE ISSO. ABA FOTOS, FOTÓGRAFO
Quando toca no assunto, o Aba aumenta e emposta o tom de voz, mas sempre falando pausadamente, como se isso garantisse o entendimento e a adesão do ouvinte à sua causa. “O governo foi retirando aos poucos as fotografias analógicas dos documentos, até que elas se reduziram a apenas 3% do mercado. Mas isso não é tecnologia, é apenas um congelamento de imagem, sem qualidade e sem durabilidade”, repete. A luta do fotógrafo também é contra as mídias móveis como CD, pen drive ou cartão de memória. “Tudo isso é passível de vírus. Se você salva suas fotos em uma mídia dessas, pode ficar sem passado. A tecnologia veio para ajudar o fotógrafo a ganhar mais dinheiro. Foi criada para evitar que a foto queimasse, e não para que as pessoas deixassem de re60 • facebook.com/revista revestres
velar suas fotografias. Todo mundo confunde isso”, explica. Mas a causa do Aba Fotos não é apenas por um bem coletivo, como a preservação do passado que todos nós tanto valorizamos. Ele também milita pela sua própria sobrevivência. Há 25 anos, o Aba era um empresário que tinha 30 empregados para dar conta de 20 a 30 mil cópias de fotografias para documento, por dia. Com isso, ganhava mais de R$ 140 mil por mês. “Eu já tive quatro comerciais da minha loja em horário nobre na [afiliada da] Globo”, lembra. A falência começou há aproximadamente 15 anos, quando ele decidiu investir cerca de R$ 200 mil em equipamentos de fotografia analógica. Pouco tempo depois, as câmeras digitais começaram a ganhar popularidade. Sem capital de giro, o Aba não conseguiu acompanhar os avanços tecnológicos. “Aí a Kodak inventou o cartão de memória e esse negócio da pessoa poder passar a foto para o computador. Essa mudança no mercado da fotografia e a falta de interesse dos fotógrafos em lutar contra isso foi que me quebrou. A culpa de eu estar vivendo desse jeito também é do governo. Agora só se tira foto 3x4 para carteira de identidade e alistamento militar”, critica o fotógrafo. Atualmente, ele tem que sublocar o pequeno es-
paço onde funcionava a sua empresa para um salão de beleza e uma xerox. Faz no máximo quatro meia dúzia de fotos 3x4 diariamente e ganha menos de um salário mínimo por mês. Para manter a família e os quatro filhos, conta com a ajuda dos 12 irmãos. Ao longo dos anos, a militância por uma causa que ele não reconhece ser perdida, lhe rendeu várias doenças, obrigando-o a tomar remédio contínuo para gastrite, esofagite, depressão, pré-câncer de pele, síndrome do pânico e hipertensão. “O gasto é muito alto, só com medicamento. Por isso fiquei com vergonha de receber dinheiro só da minha família e decidi pedir à sociedade brasileira e internacional”, admite Aba Fotos. O donativo pode ser depositado direto na conta do fotógrafo. “É só procurar no gugos (SIC) por Reivindicação dos Fotógrafos Lojistas Brasileiros, que você vai encontrar meu site”, sugere. E nesse momento eu descubro que o Aba Fotos não é tão avesso assim a tudo que se refere à tecnologia. Na verdade, o site ao qual ele se refere é alimentado pelo próprio fotógrafo com textos, fotografias e, claro, campanhas de doação para ele mesmo. Aliás, talento para publicitário o Aba Fotos parece que tem. “Por 18 anos anunciei em todos os ca-
HÁ APROXIMADAMENTE 15 ANOS, QUANDO ELE DECIDIU INVESTIR CERCA DE R$ 200 MIL EM EQUIPAMENTOS DE FOTOGRAFIA ANALÓGICA, AS CÂMERAS DIGITAIS COMEÇARAM A GANHAR POPULARIDADE. nais de TV e nos jornais locais. Eu mesmo era quem fazia as propagandas”, lembra. Perguntei se ele nunca havia pensado em mudar de ramo, investir na publicidade, talvez. Mas a resposta foi categórica. “Eu não me vejo fazendo outra coisa”. Então está explicado. O Aba Fotos acredita fielmente nas suas ideias e não seria feliz de outra forma. De todo modo, se formos refletir, ele defende que tenhamos nossa passagem pela terra literalmente revelada em fotografias, sem risco de isso ser perdido por conta de um vírus no computador. Visto por esse ângulo, não parece tão louco assim. Sua luta pode parecer insana para nós, mas quem nunca teve um ideal estranho às outras pessoas?
COPA Um jeito RevestrĂŠs de falar de futebol
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Cruzeiro, Londrina, Barcelona e outros times se enfrentam em campeonato proibido para menores de 40 anos. POR LUANA SENA FOTOS MAURÍCIO POKEMON
o meio do campo a bola corre, entre chutes, dribles e lances na expectativa do gol. “Ô, Lêlê! A bola tá seca!”, berrou com indignação um dos jogadores prestes a bater o escanteio. O Lelê se levanta, repõe com rapidez o objeto redondo cuja posse, naquele sábado, era disputada por 22 quarentões em plena forma. O campo de futebol do bairro Promorar, zona Sul de Teresina, era o palco da disputa entre o Cruzeiro do bairro Dirceu e o 89, time da cidade de Timon. A rodada faz parte da 1ª fase do Campeonato dos Quarentões, já de praxe na comunidade. “É pra ficar equilibrado. Porque não dá pra gente, que já passou dos 30, jogar contra garoto de 20 e poucos anos, né?” Quem indaga é Vanderley Rodrigues, o Lelê, presidente do Centro Esportivo do Promorar. Além das funções técnico-administrativas do local, Lelê coordena a escolinha de futebol da criançada e joga no Juventude – que, apesar do nome, é um dos times mais antigos do futebol amador da cidade. “O Promorar é um dos grandes centros do futebol teresinense”, afirma Lelê, morador da região há 30 anos. Lelê já foi meio de campo do time juvenil do Flamengo do Piauí, no fim dos anos 80. Também jogou no Caxiense, do Maranhão. Mas, apesar da paixão, não fez carreira com futebol, embora encare com seriedade tudo que envolve o assunto. O Campeonato dos Quarentões é anual, vai de dezembro a fevereiro, e cada time paga uma taxa de 400 reais para participar. O espaço, cedido pela prefeitura, além do campo oferece também vestiário com chuveiro e sala de reunião, de onde saem todas as decisões da diretoria composta por moradores do bairro. Ali mesmo os jogadores se aquecem, trocam de roupa, tomam dindim e bebem água em canecas de plástico, à vontade, dentro de um isopor térmico. Inscritos estavam, além do Cruzeiro e do 89, o time do bairro Angelim, Londrina; Raça, de uniforme roxo, patrocinado pela Poty Gás e representando o Porto Alegre; Juventude, formado pelos ex-jovens dos anos 80, ali mesmo do Promorar; Barcelona, que
A POLÊMICA PARTICIPAÇÃO DE JOGADORES NÃO-QUARENTÕES PARECEU PREOCUPAR LELÊ. “O REGULAMENTO É BEM CLARO: O ANO BASE É 1973. SE NÃO COMPLETOU 40 EM JANEIRO, NÃO PODE PARTICIPAR. ISSO AQUI NÃO É BAGUNÇA NÃO”. twitter.com/@derevestres •
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COPA Um jeito Revestrés de falar de futebol
ESSES CARAS PASSAM A SEMANA TRABALHANDO, ISSO AQUI É UMA MANEIRA DE ESPAIRECER E TAMBÉM MANTER A FORMA. HÁ UNS DOIS ANOS O CAMPEONATO DOS QUARENTÕES SÓ TINHA BARRIGUDO. LELÊ, PRESIDENTE DO CENTRO ESPORTIVO DO PROMORAR
fica longe da Espanha, no bairro Dirceu II; e a turma do Vamos Ver o Sol, simpaticamente apelidado de VVS. O objetivo, evidentemente, é a diversão. “Esses caras passam a semana trabalhando, isso aqui é uma maneira de espairecer e também manter a forma”, avisa Lelê. “Há uns dois anos o Campeonato dos Quarentões só tinha barrigudo, hoje em dia tá todo mundo mais saudável”. Mas futebol é coisa séria, e além de boa forma e brincadeira, está em jogo o prêmio de dois mil reais, que o campeão deve investir no time e cobrir os gastos – somente o juiz ganha 90 reais por cada rodada que apita. Já passavam 20 minutos do primeiro tempo e o Cruzeiro havia marcado o primeiro gol quando surge uma denúncia: “Lelê, os cara ali tão falando que um jogador do Cruzeiro tem 39!”, disse um jovem que assistia a partida. “Pode falar o que quiser, quero ver é o documento”, respondeu apressado o organizador. A polêmica participação de jogadores não-quarentões 64 • facebook.com/revista revestres
pareceu preocupar Lelê. “O regulamento é bem claro: o ano base é 1973. Se não completou 40 em janeiro, não pode participar. Isso aqui não é bagunça não”, disse, zangado. O banco de reservas estava lotado de jogadores ansiosos pra entrar em campo, mas o juiz apitou e a partida acabou com a vitória de dois a um pro 89. Em seguida seria a vez de Londrina e Raça entrarem em campo. Vestindo calça de ginástica e havaianas, Duda, como é conhecido o técnico do Londrina, reunia o time para as últimas orientações antes de entrar em campo. Feirante, ele tira o fim de semana para se dedicar ao time e aos amigos. “Gosto de tudo que envolve futebol. Pra mim é mais do que lazer, é uma terapia”. Outro também que deve ao futebol seus melhores momentos é o Lelê, lá do começo da história. Além desse que cobrimos, ele organiza outros tantos campeonatos do Centro Esportivo. Louco por futebol, como se define, gasta boa parte do salário pagando
ELE BATIA BOLA COM A GENTE AQUI NA RUA. HOJE TÁ LÁ, MAIOR GOLEADOR BRASILEIRO DO CAMPEONATO FRANCÊS. O MAIOR ORGULHO É VER ESSE CARA JOGANDO HOJE E SABER QUE ELE SAIU DAQUI. LELÊ, PRESIDENTE DO CENTRO ESPORTIVO DO PROMORAR
assinatura de canais para ver jogos de todos os cantos do mundo. Pinta, apara a grama e cuida do campo com as próprias mãos, como se fosse sua segunda casa .“Eu acho que até mesmo a primeira, sabia?”, confessa aos risos. Dá aula na escolinha para mais de 100 crianças - todas com o sonho de ser o Neymar. Impossível? Orgulhosos, moradores do bairro que assistiam a partida falam sobre a história de Eduardo Ribeiro dos Santos - do Promorar para a Europa. “Ele batia bola com a gente aqui na rua. Hoje tá lá, maior goleador brasileiro do campeonato francês”, diz Lelê sobre o piauiense que defende o clube Ajaccio desde 2012. “O maior orgulho é ver esse cara jogando hoje e saber que ele saiu daqui”.
OSCAR No dia 2 de março (isso mesmo, em pleno domingo de carnaval), acontece a cerimônia do Oscar 2014. De qualquer forma, existem vários motivos para você não perder essa festa que muita gente olha com cara feia mas, no fim das contas, todo mundo comenta e corre atrás dos filmes indicados. Revestrés destaca, aqui, 15 desses motivos, para você ficar de olho. POR PHYLIPPE MOURA
Gravidade e Trapaça têm 10 indicações cada. Gravidade deve levar boa parte dos prêmios técnicos (som, mixagem de som, efeitos visuais), além de Melhor Diretor para Cuarón. Você pode até questionar a qualidade do filme, mas é inegável a habilidade do mexicano em nos tirar o fôlego. Trapaça traz pelo terceiro ano consecutivo um filme de David O. Russell para o Oscar. Um fenômeno, já que O Vencedor e O Lado Bom da Vida são bem mais ou menos. Trapaça segue o mesmo caminho. Jonh Williams, em sua 44ª indicação. É a pessoa viva com o maior número de indicações da história do Oscar. Este ano ele vem com uma trilha belíssima para A Menina que Roubava Livros. Se Trapaça engana no jogo, traz a nova queridinha da América: Jennifer Lawrence. Ela é a atriz mais jovem a receber 3 indicações. Ano passado ela venceu o Oscar de Melhor Atriz. Este ano, na categoria Melhor Atriz Coadjuvante, Lawrence tenta sua segunda estatueta. 2014 é ano de eleição e ano de Copa do Mundo no Brasil. E para os amantes do cinema é o aniversário de 75 anos de O Mágico de OZ. Os velhinhos da Academia não iriam deixar essa data de fora e a homenagem vai acontecer para o filme de Victor Fleming. 66 • facebook.com/revista revestres
O Brasil mais uma vez ficou fora da categoria de Filme Estrangeiro. Só não digo que era a nossa melhor chance porque muitos anos e filmes virão. Quem deve ganhar é A Grande Beleza, filme italiano de Paolo Sorrentino. Filme chato, mas belo. Lembra muito o olhar de Fellini em La Dolce Vita, com seus ricos excêntricos. Outro fato curioso é, entre os indicados, estarem um documentário do Cambodja, The Missing Picture e também o palestino Omar. Minha torcida é para o dinamarquês A Caça e pelo belga Alabama Monroe. Dois espetáculos. Se Jonh Williams é imbatível em indicações, Meryl Streep não fica atrás pelo time das meninas. Ela alcança sua 18ª indicação, agora por Albúm de Família. Apesar do recorde de Meryl, a briga fica entre Amy Adams e Cate Blanchett. Por outro lado, 8 novatos estreiam nas indicações. São eles: Chiwetel Ejiofor, Matthew McConaughey, Barkhad Abdi, Michael Fassbender, Jared Leto, Sally Hawkins, Lupita Nyong’o e June Squibb. De todos eles os que têm mais chances de levar uma estatueta é o dueto de Clube de Compras Dallas Matthew McConaughey, como Melhor Ator, e Jared Leto , quase certo de levar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
Ellen Degeneres - A comediante vai apresentar o Oscar após 7 anos. Ela volta para tentar animar um pouco a já conhecida longa e chatíssima cerimônia do Oscar. Tem que gostar muito de cinema para aguentar a maratona modorrenta da Academia. Porém, com Degeneres no comando, as chances da festa melhorar são enormes. Melhor ator - Todos os 5 indicados a Melhor Ator podem ganhar sua primeira estatueta da carreira. Existe uma legião de fãs na torcida para Leonardo Di Caprio. Porém a disputa está fortíssima, e Chiwetel Ejiofor, por 12 Anos de Escravidão e Matthew McConaughey em Clube de Compras Dallas estão no mínimo com um corpo de vantagem. Melhor Curta-metragem - Essa categoria é um tapa na minha e na sua cara. Porque ninguém asssistiu os indicados e ninguém nunca verá. Aí você fica todo pimpão achando que sabe tudo de cinema e não conhece esses incríveis curta-metragens. Tomem essa, porque eu já tomei. Megan Ellison - Ela é a primeira mulher a receber 2 indicações a melhor filme no mesmo ano desde 1951. A produtora de Trapaça e Ela fica com o recorde, porque o Oscar de melhor filme deve ir para 12 Anos de Escravidão. Se Trapaça ganhar, pode enterrar os velhinhos porque deu pane no planeta. Hayao Miyazaki - O mestre da animação emplaca sua 3ª indicação. É o diretor com maior número na categoria. Vidas ao Vento é um forte candidato, que tem Frozen (Pixar/Disney) como favorita. Melhor ator coadjuvante - Olho no Jared Leto. Cantor de uma das piores bandas do mundo, o 30 Seconds to Mars, mas dono de uma das melhores atuações da temporada. Oscar no twitter - De longe o melhor lugar para acompanhar a transmissão. Lá tem gente mais engraçada do que a Ellen Degeneres, e que não ganha um centavo pra isso. Um olho na TNT e outro no twitter. Melhor documentário curta-metragem Ninguém viu.
*Detentora dos direitos para TV aberta no Brasil, a Rede Globo, não vai transmitir a festa ao vivo por estar transmitindo o carnaval do Rio de Janeiro. A platinada programa um “resumão” para o dia 3 de março. A cerimônia poderá ser vista ao vivo pela TV fechada, no canal TNT (tnt.com.br). twitter.com/@derevestres •
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De passagem r, io por Campo Ma u Revestrés tomo rovou p Café na Roça e nais ti os quitutes ma de sol. e a base de carn NA POR LUANA SE CIO POKEMON FOTOS MAURÍ
a opo a tapioca têm m co ca io ap /t dos Tanto o beiju iga, ou, rechea te an in m m m do co o enas hã do ú ltim con hecida ção simples, ap te horas da man típico da região cono en at ço pr pa O l. es so le ão eram nem se e ed ienaque com carne d e de sol” é ingr das as mesas d rn as h to ca n a e ri d 3 ei ra d 01 ei 2 ca il e , d as go e pedra pera a carne, como “capital br adas. Mesas d r al i. O sol tem am íl ias po F r ra s. ai nt ut co fr travam-se ocup en pa se m rdestina e te fáci l de al ha com esta ma m istura no um nu ar , m iju to be ra o pa ra de madeira, to as en a carne tempe refeição. de passagem ap m em qualquer be i va inteiras estava m ue q sa rredor que del icio rto na roça. próx imo ao co a, o de part es ce m o a nt m u ca fezin ho espe po e a, o dono. Atrás d Café na Roç o Sousa Lima, or, nd ai u M m d po E tá am Acontece que no es C há e ed leva à cozin ha, para ser garçom torno na cidad or on ai m C u M as do po v en A am ap a C n é ia rada ho nunca a, foi conDe União, ele fo ina, um ca fezin u o Café na Roç , cusri iju ab be ue e q d o im ad 78 km de Teres ss h A Manoel pan nove anos. com leite acom ade de A ntônio es ut fé ed it ri ca u q op m s u pr se É e . d es fé d l, r ca 013. tratado. O loca 1º de abri l de 2 fr ito ou qualque lo em to e bo , oi el r á ho H po il o o. m e nt ad nd cuz d sável por ápio do po Gayoso, foi ar re ta mpa m o card sozin ho, respon tes, e, an -s aj ar vi rn s, to ro ei ra caseiros que es ti ag pass Parecia men tá na rota de rás de uma at s da. do anos o Café es ea m fo es no lugar que aquela empreita mesmo só ou os a coisa mudou ir uc re po , cá aventu ra da mapa . De lá nda das 6 às 10 não boa e barata ue gu se nq a ci a e al nd re gu pr imeira refeiç m se u . O cafunciona de simples sa i por 0 horas, jantar 2 a a às ap 16 ch as a d n e o A li, um cuscuz fé ps. O pã região e, ao n hã serv indo ca eço de um dro dois br ica de cera da fá or P . ga ti m u an r a ue m ta centavos - pr q u al é nd in ha. qu sarão sede u la o ar de faze as be no bolso de m af u rr ac ga , os as u an d 0 8 em 50 centavos ca a acreslongo de seus o para a sua mes – e outros mais vã m e do it ti ue le q an e ra m fé i pa ca fo o s, do reai ma opçã anduíche da No cardápio, tu mar a gosto. U com uem cr iou o “s q fé i ca fo – o o nd et u pl térm icas para to m d m o, queico centados. E ápio que leva ov ie tudo é o ca fé d rd be , ar ca z) ov do ro pr ar vo a ej ou no s es d z (m il ho roça”, item mai de fr uta, cuscu seiro. e alguém am ch e leite, pão, suco a nt com gostin ho ca e ue rn nq ca ci e e jo to oi ag ue ju e ovo fr ito. P mer. co para ajudar a
HECIDA COMO N O C O IÃ G E R A D O PRATO TÍPICO SILEIRA DA CARNE DE SOL” “CAPITAL BRA E ENCONTRAR S E D IL C Á F E T É INGREDIEN A A CARNE, R E P M E T L O S POR ALI. O NUMA MISTURA , U IJ E B O A R E A CARNE TEMP E DELICIOSA QUE VAI BEM NORDESTINA REFEIÇÃO. EM QUALQUER d ia com
pida, aten fa la curta e rá e d lheo, nd u m d E ssoas que esco pe e d o er m nú de ria em suas aper reio o gran parada obrigató o m co a oç R a o por ra m o Café n an hã era formad m la ue aq n o ic novo ou férias viagens. O públ feriado de ano o ra pa a íd sa e or flu xo do turistas d período de mai do o eç m co o ais três e era apenas a a contratar m eg ch o nd u m d E ento entre os Café na Roça – á-lo no atend im ud aj ra pa s io funcionár bro e janeiro. Instameses de dezem de com ida no to fo m u m co com celu lar Como já ficou esa nos reparou m a m hu n ne e o esti lo gram, quas , o ambiente e os at pr os o nd ens, na mão, registra o álbum de viag ss no ra pa m ia que o. Só não do Café – fotos des sociais, clar re as ra pa e a usa na para a revist ica rede que se n ú a ue rq po in fizemos checkir. rm do e roça é a d
William por Adriano
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ntendo a poética de William Melo Soares como uma busca pela expressão mais sutil para evocar os sentimentos mais tênues, como quem tenta “colher uma flor / na fenda da pedra bruta”. Suas frases se transformam em evocações, que se transformam em versos, que se revolvem de um lirismo desapegado de maiores arabescos linguísticos. Mesmo quando se utiliza de jogos com a linguagem, busca a consequente resolução, revelando-se mais afeito a um cultivador de sensações que a um tecelão de signos. Oriundo de Alto Longá, vivente neste mundo desde dezembro de 1953, William segue semeando os versos que justificam uma trajetória que pode ser condensada numa única palavra (que costuma substituir seu próprio nome): poeta.
ADRIANO LOBÃO É ESCRITOR FOTO MAURÍCIO POKEMON
nçalves Foto: André Go
ins para var novos jard le e ev d va ti a 6 lâminas Cri sas, poesia: 1 ia Solidária e ro m e o d n s co vé E in e d o l a a aço Jardim França. Mas, rmando o esp etaria Municip ro fo cr o e s, id S Is a se d n re ie to st u e je ia p lecionados aM Um pro as de autores s poemas, se Ponte Estaiad O em à o o. a ã p d d 0 a n 3 tr ra n e B e d e ia ceber mais os e Lavín o espaço d r Júlio Medeir cada devem re o p m o 0 d 8 ra 1, o e b d la e ro tam foi de vid H. Dobal. que represen arquitetônico s e to to to u e je d N ro ro p p to a O e u d s. sensorial dos Poeta es como Torq com a oferta de um jardim nto turístico, o s, trazem nom o p sã to u n m a cl u S in s a a em e a a d in por C rnívoras, nte estaiad to prevê ain espaço da po ideia. O proje com plantas ca o a r d im a rd te rm n ja o e sf fr m n u à a e tr s visuais – z, secretário “O objetivo é ara deficiente isse Olavo Bra p d l a , í” ci u e ia sp P e o e e Teresina ntas olfativas África. s tipos de pla ra te n re e if América e da d a d m s a d – co o jogador enca zi a o, tr d n s a b ca ti u ó se ex e s ecie de um herói sertão. abrigando esp No comando revivência no b so la e p s a ndo batalh o que está se g jo os desafios e m u , o ç a do de Cang Games. Esse é o enre uense Sertão ia p ra to u d ro star pela p oas e deve cu ss e desenvolvido p 5 2 e lv rojeto envo O ambicioso p ais. de 200 mil re o rn to em o lg a m jogo tégia e RPG, u ra st e e d o d ri híb cultura Cangaço é um nalidade e na io g re a n a st o ssante em 3D que ap nos soa intere ó “S r. ta n o sp cultura”, ra de ssa história e nordestina pa o n em to n e fundam rtão Games. criar algo com ecutivo da Se ex r to u d ro p os, habilidades, diz Erick Pass scolher suas e e d m lé a , ca, e terá Em Cangaço típicas da épo s a rm a r sa u s cenários erá medicinais do o jogador pod s ta n la p e s ção reza à sua disposi ga. itos da caatin çado áridos e inósp e deve ser lan m a g o s, e st fase de te ões para Atualmente em 2014, em vers e d re st e m eiro se vendido ainda no prim a Linux. Será rm fo ta la p a d que será lém res apostam PC e Mac - a to u d ro p s o e o fato wnload ter sucesso é b o através de do o g jo o rá “O que fa aente, e que um fenômeno. divertido e atr , te n a ig tr in ar”. roduto em quem jog te n dele ser um p a rc a m a ci a experiên provocará um 72 • facebook.com/revista revestres
“Não posso explicar o qu e estou faze sem parecer ndo ridículo. Só o que vinha à minha cabeç a era raiva e sexo. Às veze uma coisa im s, pedia a outra . Sentia que algo estava muito errado ”. É assim qu o personage e m Máscara d e Ferro com narrando sua eça história no liv ro Por dentr Máscara de o do Ferro, lança O personage d o n o último jane m, criado há iro. 14 anos por e Facões), co Bernardo Au n s e rélio (de Foic guiu virar liv cultura (BNB es ro através do e BNDES) e s e d it ais de apoio d o financiamen colaborativo à to coletivo d onde muitos o Catarse - s artistas estã projetos atra it e o conseguido vés de doaçõ emplacar se es de gente uma ideia, s us do mundo to ó os fãs de q d o. Para se te uadrinhos já r somaram m arrecadaçõe ais de 600 m s para vários il e m projetos des Máscara de se segmento Ferro, criado . e ilustrado p de Sousa po or Bernardo r novos 50 a – q rt u istas em 201 adrinista esc virar um sup 1 – traz no e olhido para p er-herói – m nredo a histó articipar da as sem nenh é contada”, coletânea M ri a d u m o mecânico qu superpoder. diz o autor, d aurício e perde a na “Mais import estacando a morada e re ante que o e parte literári solve nredo é a m a além dos d aneira como esenhos. Zo para a ediçã a história rbba Igreja e o do livro. Cu Laís Romero sta 30 reais colaboraram e está dispo nível na livra ria Quinta Ca pa.
Foto: Maurício Pokemon
Artes e shows no shopping O Festival Artes de Março 2014, promovido pelo Teresina Shopping, faz uma homenagem ao movimento tropicália e ao representante piauiense deste movimento, Torquato Neto. A exposição Torquatália será reconstituída. Ela foi montada pela primeira vez em 1982 (dez anos após a morte do poeta, jornalista e compositor piauiense), na galeria do Teatro 4 de Setembro e teve como uma das organizadoras Ana Maria, viúva de Torquato Neto. O Artes de Março também prevê palestra com o jornalista Paulo José Cunha e o publicitário George Mendes, sobre a vida e obra de Torquato. O evento ainda terá exposições de fotografias, artes plásticas, espetáculos de dança, teatro e música. A maior expectativa fica por conta de três shows nacionais, com Arnaldo Antunes, Ana Cañas e Os Mutantes. Todo o evento é gratuito e ocorre ao longo do mês de março no próprio Teresina Shopping. O Artes de Março é criado e produzido pela Lucaia produções, coordenada pelo arquiteto Paulo Vasconcellos. A empresa é ligada à Sucesso Publicidade e reúne artistas plásticos, arquitetos, jornalistas e outros profissionais.
Kátia é premiado O filme Kátia, que conta a história de Kátia Tapety, piauiense que é a primeira travesti eleita a cargo político no Brasil, recebeu o prêmio de melhor longa na 8ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos da América do Sul. Dirigido pela parnaibana Karla Holanda, professora de cinema na Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, a produção teve gravações em Oeiras, Colônia do Piauí e Rio de Janeiro. A Mostra Cinema e Direitos Humanos é realizada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República com produção da Universidade Federal Fluminense e Ministério da Cultura e patrocínio da Petrobras e BNDES. A Mostra apresenta filmes que discutem temas atuais de Direitos Humanos na América do Sul.
Foto: divulgação
Foto: divulgação
Eu tenho enfrentado muitas dificuldades, mas a minha carreira está nas mãos de Deus e o meu futuro Deus proverá. Stephany Absoluta, no Twitter
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Foto: Flickr/Universo Produção
Não tente compreender a vida. Aprenda a vivê-la. Ademã é uma homenagem a Ibrahim Sued, o maior colunista social do Brasil, que encerrava suas colunas com “a demain, de leve!”
Chora e resiste Cícero Filho, que ficou conhecido do público regional ao dirigir filmes como Ai, que vida!, chega ao público e crítica nacional. Desta feita como personagem do documentário Passarinho lá de Nova Iorque, de Murilo Salles, exibido na Mostra Tiradentes de Cinema, em Minas Gerais (jan/2014). Salles acompanhou Cícero Filho na gravação do filme Flor de Abrilque não aparece no documentário - e o coloca como um dedicado artesão do ofício. Passarinho mostra Cícero tentando refazer uma cena que não o satisfez. Trata-se de um momento difícil para atores e diretor: uma mãe que chora o filho morto. Diante da emoção que busca, é o próprio diretor que chora acompanhando a cena. No Jornal O Estado de São Paulo, no texto intitulado Cícero Filho, um diretor que chora e resiste, o crítico Luiz Carlos Merten analisa: “O digital, a internet, eis o que torna o fenômeno Cícero Filho possível. É um personagem maravilhoso, que permite a Murilo Salles levar adiante sua reflexão sobre o que é, afinal, a brasilidade”. Ao se referir ao trabalho tanto de Cícero quanto de Salles, Merten diz que ambos têm uma tarefa bela e romântica, mas ameaçada pelo domínio que Hollywood estabelece sobre os mercados, sufocando as produções de menores recursos. Sobre o resultado do que se vê em Passarinho, o crítico reflete: “Cícero é ele e, no personagem, Salles celebra a resistência, a capacidade que o cinema brasileiro tem de se (re)inventar”.
Salipi em novo endereço A próxima edição do Salipi - Salão do Livro do Piauí- vai acontecer pela primeira vez na Universidade Federal do Piauí - UFPI. O homenageado dessa próxima edição será o dramaturgo piauiense Gomes Campos. Ele foi professor de filosofia da UFPI e, entre outras peças, é autor de O Auto do Lampião no Além. Com várias premiações nacionais, o texto, escrito nos anos 60, soma drama e humor e é carregado de valores políticos, religiosos, morais e sociais, narrando a chegada de Lampião e seu bando ao inferno. O Salipi 2014 ocorre de 30 de maio a 08 de junho e, com a mudança, espera encontrar melhores acomodações para suas várias atividades.
FOTO MAURÍCIO POKEMON
POR BENJAMIM SANTOS
O MENINO SE ABAIXOU E PEGOU A CASTANHA COM A PONTA DE UNS DEDOS, DEIXOU QUE ELA FICASSE QUIETINHA NUMA PALMA DE MÃO E, DEVAGAR, SEM TIRAR OS OLHOS DELA, FOI PRA DENTRO DE CASA. 76 • facebook.com/revista revestres
ma vez um menino, passando pelo quintal de casa, achou uma castanha de caju. Era um menino chamado Humberto, que hoje seria Beto ou Betinho, mas no tempo dele ele era mesmo o Humberto, filho de Dona Anica. Seu nome inteiro: Humberto de Campos Veras; Campos por parte de mãe;Veras, herança do pai. Ele viu a castanha e ficou parado, como se estivesse pregado na terra do chão, os olhos na castanha, a castanha entre as pedras, as pedras perto do poço. Ele reparou que era uma castanha nobre, diferente, que não servia pra assar, nem pra jogar-castanha com os meninos da rua. De repente: “me planta”, a castanha falou. E o susto foi tão imenso, quase do tamanho da torre-da-matriz, que Humberto correu assustado no rumo da porta da cozinha. Mas quem disse que ele ao menos chegou na porta da cozinha? Parou. Pensou. Voltou. E lá, a castanha parecia que estava sorrindo pra ele, parecia. O menino se abaixou e pegou a castanha com a ponta de uns dedos, deixou que ela ficasse quietinha numa palma de mão e, devagar, sem tirar os olhos dela, foi pra dentro de casa. “Mamãe, olhe o que eu achei!” Foi só Dona Anica olhar e ter um sorriso no rosto. “Plante, meu filho. Ela está pedindo pra ser plantada. Plante. Depois é só cuidar dela, escondidinha dentro da terra, molhar e molhar todo dia e, sabe-Deus, essa castanha ainda vai lhe fazer muita festa.” Humberto olhava pra Dona Anica, olhava pra castanha, olhava pro quintal. E foi. Escolheu lugar entre o poço e a cerca de carnaúba, cavou a terra com as mãos e com um caco de telha, cavou e, lá no fundo, colocou a castanha como se estivesse deitando no centro da terra um pedaço mesmo do centro da terra. Era tardinha. A noite caiu como uma fada. Humberto dormiu e não sonhou. Ou será que sonhou? Sei, não. Se tiver sonhado foi com belas e grandes árvores, as árvores sagradas da História do Mundo. A Árvore da Vida. A Árvore do Paraíso, aquela do fruto de desejo da mulher e
do homem. Ou com as Sagradas Árvores dos Celtas, aquela gente que amava a floresta, que cuidava de fadas e gnomos. Era assim que ele queria também sua Árvore. Ou será que sonhou com a árvore da imaginação dos bispos e clérigos que condenaram Joana à fogueira acusando a Donzela de fazer bruxedos noturnos sob a copa de uma faia? Não, com essa, não, que era só fruto da maldade engenhosa de uns poucos clérigos. Dia seguinte, acordou mais cedo do que cedo acordava, abriu a porta da cozinha. No quintal, a castanha germinava sem que ele visse. Germinava. Té que um dia: viu. Brotou. Subiu na terra úmida de orvalho e água e afeto. Era um cajueiro. “Meu cajueiro!” Tão miudinho e era já mais lindo que os limoeiros, as ateiras, os mamoeiros e as laranjeiras do quintal; mais verdinho que o pé de murici que fazia sombra às galinhas perto do alpendre; mais cheiroso que as florinhas do jardim cuidadas por Dona Anica: os jasmins, o resedá, o casa-cedo de cálices dourados. Daí prá frente foi só alegria e fabulação. O cajueiro deu de crescer e crescia mais depressa que o menino, o menino ficando pra baixo, o cajueiro se encorpando, se esgalhando, ramificando, engrossando o tronco e os galhos, té que deu pro menino subir nele e, de-lá-de-cima, olhar os quintais, o cemitério, o mundo e pensar em ganhar o mundo. Bem maior que o menino, um dia o cajueiro ficou pra trás, perdido do seu amo, seu plantador, que cresceu e foi simbora pra voltar vez-outra e depois nunca mais. O cajueiro virou lembrança do homem, escritor famoso de cidade grande, quando queria se alembrar de menino. A mãe lhe mandava doce-de-caju que Humberto de Campos comia e se alembrava. Famoso, vendedor de muitos livros, isto coisa de oitentanos atrás, Humberto escreveu aquelas suas lembranças e, nelas, botou a história dos primeiros tempos do cajueiro, um remoto cajueiro de 36 anos que continuava existindo lindo na Parnaíba, onde plantado, e que, só remoto, existia na lembrança do homem Humberto. twitter.com/@derevestres •
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Decidir quem ocupa a Revestrés está virando uma tarefa difícil no fechamento da revista. São tantos e tão bons trabalhos! Desta vez quem merecidamente ocupa a Revestrés é a ilustração de Robério Aslay, estudante de Direito, artista plástico e poeta teresinense. Se você tem alguma produção que caberia direitinho aqui (textos, fotos, poemas, ilustrações, etc) saiba: já estamos selecionando para a Revestrés#13! Envie para: ocuperevestres@gmail.com
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Foto Maurício Pokemon
Por Luri Almeida UM FILME
Pelo menos três memoráveis: Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças: um casal tenta, em um experimento maluco, apagar lembranças um do outro. O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante, de Peter Greenaway, nos serve um banquete inesquecível de gastronomia, sexo e paixão; e o mais recente, Incêndios, de Denis Villeneuve. O roteiro é intenso e, acima de tudo, surpreendente.
UM LIVRO
Polegarzinha, de Michel Serres, que fala da revolução que as novas tecnologias estão fazendo. Polegarzinha é uma menina que vive grudada em seu celular, e através dele ela aprende, estabelece relações e atua e participa do mundo. Os Reis Vagabundos foi um dos trabalhos que marcaram minha vida. Dirigida por Maria Helena Lopes, nela uma trupe de clowns transforma o cotidiano miserável de moradores de rua em pura poesia. Quando assisti, pensei: é isso que quero fazer na vida. E fui fazer.
UMA PEÇA DE TEATRO
Recentemente vi, no SESC Pompeia, Escalafobética. É um espetáculo clownesco para adultos, inspirado no genial Tim Burton e protagonizado pela talentosa palhaça Rubra que, inclusive, canta maravilhosamente bem.
OUTRA PEÇA DE TEATRO
UMA ATRIZ
Beth Coelho e Denise Stoklos são atrizes com super domínio de palco, e, usando linguagens distintas de atuação, trabalham o corpo, a voz e interpretam de forma impecável. Nada nelas é previsível, nada é realista. Deve ser por isso que não decolaram na televisão. Ainda bem. Me identifico com os antiheróis, os abobalhados, os lúdicos e desacreditados.
UM PERSONAGEM
UMA PROPAGANDA
UM LUGAR
Praia de Barra Grande, no Piauí, Bar do Hugo, em São Paulo, Pinacoteca de São Paulo, Mercado do Mafuá, em Teresina.
UMA EXPOSIÇÃO
UMA CANTORA
Uma tão poética que tenho como referência é de uma companhia aérea argentina: um menino fanático por aviões espera todos os dias pelo mesmo voo para correr atrás da sombra da aeronave. Um dia resolve roubar a sombra. O piloto vai buscá-la e explica que, se não devolvê-la, ninguém vai conseguir voar.
Lucian Freud (neto do Freud), Cazuza - mostra a sua cara, e a badaladíssima do Stanley Kubrick. Todas muito interativas, com recursos que aguçam todos os sentidos, você participa ativamente da mostra. Faz pouco tempo conheci o trabalho de Camille, cantora francesa bem experimental, meio performática. Ela brinca com a voz e faz do seu canto uma aventura. Recomendo.
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MÚSICA
DICAS
FILME
Um filme que passou quase despercebido do grande público brasileiro, mas que é brilhante: o francês Dentro da Casa, dirigido por François Ozon. Uma estória que, aos poucos, vai nos deixando sem saber o que é ficção ou realidade, narrada por Claude, um rapaz que demonstra talento para escrever e começa a ser direcionado pelo professor de literatura Germain. Um delicioso quebra-cabeças literário começa a ser desenvolvido e nos faz ficar em dúvida se o professor manipula o aluno ou é o contrário. DENTRO DE CASA - DIREÇÃO FRANÇOIS OZON - FRANÇA
LIVRO
O novo livro do professor de comunicação e poeta Laerte Magalhães chama-se Provisório (Para Sempre). Trata-se da primeira experiência de Laerte em prosa. Provisório (Para Sempre) é dividido em quatro partes. Na primeira, pequenos e bem-humorados contos. Na segunda, crônicas. No terceiro momento o autor aborda histórias com temas rurais e até se arrisca em contos de assombração. Na quarta e última parte, ensaios sobre a vida urbana e seus contratempos. O texto leve de Laerte já está presentes em três livros anteriores, sendo dois de poesia - Cian - Sobre Todas as Coisas e Um Ponto Fora da Curva; e um terceiro livro, acadêmico, com o resultado da pesquisa de mestrado do autor - Veja, Isto é, Leia produção de sentidos na Mídia. PROVISÓRIO (PARA SEMPRE) - LAERTE MAGALHÃES
SITE
Um duo que produz música eletrônica experimental com influências marcantes de dark ambient, trip hop, IDM, noise, techno e chega ao new age e ao shoegaze. É assim que se definem os integrantes do Superalma, o mineiro Igor Almeida, idealizador do projeto em 2006, e o paulistano Alan Alves, VJ que se integrou recentemente ao projeto. O Superalma acaba de lançar seu EP Bad Omen, obra bastante conceitual de 24 minutos, e que pode ser baixada pela internet. Apesar de ser um projeto que se propõe a unir áudio e vídeo, já que se apresenta exclusivamente com suporte visual, a sonoridade é instigante e vale a pena ser conferida. Destaque para a última faixa do EP, Subversion. Para baixar: superalma.bandcamp.com/ BAD OMEN - SUPERALMA
Imagine você fazer a assinatura para receber mensalmente uma revista, porém sem saber que revista vai receber. Essa é a proposta do site Stack Magazines. Nele, você faz uma assinatura e espera. Todo mês chega, em seu endereço, uma revista independente de alguma parte do mundo, de temas variados e que, provavelmente, você e a maioria das pessoas nunca ouviram falar. Uma excelente oportunidade de se arriscar em novidades que nunca teria chances de conhecer. Em breve, em algum lugar do mundo, alguém irá receber uma Revestrés. STACKMAGAZINES.COM
UM OUTRO OLHAR
POR ZUENIR VENTURA
udo o que eu não queria em 1989 - com 58 anos, uma mulher de 52 e um casal de filhos de 25 e 24 - era ter mais um filho ou coisa parecida. Que viessem os netos e seriam muito bem-vindos. Mas filho ou coisa parecida nem pensar, até porque, completando a família, já moravam conosco minha irmã e suas duas filhas. Era esse o estado de espírito do clã Ventura, quando nos aconteceu, digamos, uma “coisa parecida”. Um belo dia, cheguei à minha casa com um adolescente acreano de pouco mais de 13 anos e disse: “Aqui está o mais novo membro das família”. Não foi bem assim, evidentemente, mas foi quase como se fosse. De repente, mulher, filhos, irmã e sobrinhas ganhavam, sem direito a escolha, alguém para conviver com eles durante não se sabia quanto tempo. E alguém problemático, cheio de dramas e conflitos, vindo de uma terra distante e de uma cultura estranha - um menino que, aos 7 anos de idade, fora entregue pela mãe ao fazendeiro Darly Alves da Silva, para acabar de criá-lo. Genésio Ferreira da Silva, esse o seu nome, assistira a toda a preparação do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, arquitetado na fazenda por Darly e executado por seu filho Darci no dia 22 de dezembro de 1988. E resolveu contar o que sabia à polícia e à justiça. A atuação de Genésio nas investigações, sua coragem, os riscos que correu, tudo isso está contado no livro “Chico Mendes – crime e castigo”, onde também descrevo como fui obrigado pelas circunstâncias a retirar o menino do Acre e trazê-lo para o Rio de Janeiro. Desprotegido e vulnerável em meio a um clima de guerra entre fazendeiros e seringueiros, ia acontecer com ele o que acontecera com Chico: seria assassinado. Questão de tempo. A história adquiriu um tom meio épico, quando o jornalista Élson Martins e eu praticamente sequestramos Genésio num pequeno avião alugado, com o conhecimento do Juiz de Direito da cidade de Xapuri, e o entregamos à guarda do comandante da PM em Rio Branco, coronel Roberto Ferreira da Silva, que 82 • facebook.com/revista revestres
por acaso tinha o mesmo sobrenome do menino e se dispusera a protegê-lo. A operação acabou me dando a heroica sensação de que salvara uma vida. Um mês depois, porém, o coronel me telefonou para comunicar que Genésio não podia permanecer lá: ele descobrira, dentro da corporação que comandava, uma trama para executá-lo. A saída era trazê-lo para o Rio, onde Genésio permaneceu sob minha tutela até os 21 anos. No entanto, por medida de precaução - sabiam no Acre que ele estava comigo - ele estudava fora, meio às escondidas, passando os feriados e as férias conosco. Produto quase vegetal dos povos da floresta, esse ser telúrico nunca se aclimatou à selva de pedra. Vivia em estado de eterno exílio, frequentou várias escolas em umas oito ou nove cidades, percorreu outros tantos lugares. Nunca deixou de ser perseguido por uma saudade visceral de sua terra, mas em nenhum momento hesitou em cumprir o incômodo e arriscado papel de testemunha que o destino lhe reservou. Em dezembro de 1990, minha mulher e eu acompanhamos Genésio a Xapuri para funcionar como testemunha no então chamado “julgamento do século”, um espetáculo que atraiu a imprensa e os ambientalistas do mundo todo, formando um grande circo. Com uma coragem que impressionou o júri, ele confirmou o que já havia dito à polícia, e o seu depoimento acabou sendo decisivo para a condenação a dezenove anos de prisão de Darly, como mandante, e de Darci como executor do assassinato de Chico Mendes. O garoto saiu dali como herói, com direito a convites para estudar nos Estados Unidos, oferecimento de bolsas e até notícia na TV informando que ele já estava vivendo na América em conforto e segurança. Desligadas as câmeras, nada disso aconteceu. Genésio cumpriu o seu dever, mas quase ninguém cumpriu suas promessas. De todas as histórias que vivenciei profissionalmente, a de Genésio é a mais difícil e sofrida de contar. Ele mesmo vai contá-la em livro breve.