Revestrés#17online

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A ÃO IV IÇ PA ED ISA G AL AD

w w w . r e v i s t a r e v e s t r e s . c o m . b r

#17 Revista Bimestral • Novembro / Dezembro 2014

R$ 15,00

CINEMA CINQUENTÃO Othon Bastos fala dos 50 anos de Deus e o Diabo na Terra do Sol DESCULPE A POEIRA Em São Paulo, Revestrés visita sebo de ex-diretor da Bravo! e VIP

o n i n e l m i o Bras o d ENSAIO DE JOÃO VERÍSSIMO

FRANGO NO BALDE

TEXTOS DE ERIC NEPOMUCENO

OS MENINOS DE BARÃO



32 38 46 50 HOMENAGEADA DA EDIÇÃO Uma canção para Adalgisa Paiva

CINEMA

ENSAIO FOTOGRÁFICO

Instante ou eternidade, por João Veríssimo

Os 50 anos de Deus e o Diabo na Terra do Sol

VIDA

Ex-diretor da Bravo! e VIP comanda sebo em Sampa

56 60 64 66 MÚSICA

Tamanho não é documento para Os Meninos de Barão

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ENTREVISTA

Ziraldo: “É lendo que se chega lá!” – aos 82 anos, o multiartista roda o Brasil em feiras literárias e, em Oeiras, conversa com a Revestrés

GASTRONOMIA

A lavadeira, o apartamento, o arroz com capote

ADEMÃ

Da Bienal de São Paulo à SALIPA, em Parnaíba

68 71 72 73 FICÇÃO

O Juramento e A Varanda, de Eric Nepomuceno

PIAUIÊS

Um magote de gente, por Radamés

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30

Duas visões sobre o Brasil e os outros, por quem está morando fora

O incômodo com a opinião alheia

Como será o Natal no Bar do Júnior, por Rogério Newton

OPINIÃO

LENORA POR JANAÍNA

O frango frito americano, agora made in Piauí

OPINIÃO

CRÔNICA

AS 10 DICAS

Os preferidos de Mirton de Paula

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OCUPPYREVES

Revestrés é ocupada com texto de Pedro Carvalho

REVESDICAS Para ouvir, assitir e ler

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UM OUTRO OLHAR Dois poemas de José Inácio Vieira de Melo


POR ANDRÉ GONÇALVES

EDITORIAL

a m l o a ã a h c m e o d C ta e l p e rS ó existe verdadeiramente uma maneira de conhecer o mundo e descobrir novos horizontes, novas formas de ver e de viver a vida: sair do próprio lugar e pôr o pé na estrada. Nesta edição, fizemos isto. A equipe Revestrés resolveu se espalhar um bocado e multiplicar a experiência de contar estórias e descobrir gente que também seja um pouco de revestrés. Uma parte da turma foi para Oeiras, a meio caminho do sul do Piauí, para conversar um pouco com um senhor de cabelos branquíssimos, 82 anos de estórias para contar e dono de um dos mais marcantes traços das artes e da cultura no país: Ziraldo, o pai do Menino Maluquinho. Entre crianças e adultos que visitavam a FLOR, lindo nome da Feira Literária de Oeiras, realizada no improvável interior do estado, Ziraldo posou para fotos, mostrou que segue polêmico e doce e, por pouco, não fez nossos intrépidos entrevistadores saírem da cidade com panelas na cabeça como o seu mais famoso personagem: todos ficaram um pouco maluquinhos. Outra parte dos de revestrés foi a São Paulo. Em meio à Bienal de Artes, engarrafamentos e exposições, descobrimos outro que, se quisesse, também poderia colocar a panela na cabeça e o paletó azul: Ricardo Lombardi, o sommelier de livros. Um cara que largou o Yahoo e a bem sucedida carreira no jornalismo para deixar crescer a barba, esticar o tempo e vender livros. Livros usados. Ricardo, em uma garagem, montou um sebo: o Desculpe a Poeira. Teve revestrés que descobriu um grupo de irmãos que tem uma banda que se apresenta em até 28 shows por mês. Os Meninos de Barão, da cidade maranhense de Barão de Grajaú, realizam, à sua maneira, um grande sonho. Um pequeno grande exemplo de superação, com o perdão do trocadilho e a maior das admirações. Mais alguém da Revestrés botou logo a panela na

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cabeça e foi conversar com Othon Bastos, o Corisco de Deus e O Diabo Na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Não foi exatamente uma tarefa fácil, mas está cumprida. O filme marcou a história do cinema brasileiro e completou, em 2014, 50 anos, e cismamos em tê-lo, de alguma forma, nessa edição. Você confere o papo em nossas páginas. D´além-mar, João Veríssimo. Um fotógrafo raro e com olhar muito peculiar, que se pergunta e nos responde com imagens: o que vemos é o instante ou a eternidade? Sério candidato a andar por ai com panela na cabeça, João nos brinda com imagens improváveis e inesquecíveis. E Revestrés, como sempre, tem mais. Crônicas, dicas, estivemos no SALIPA em Parnaíba, temos artigos e, para fechar a edição, dois contos, isso mesmo, uma seção “dois em um” com Eric Nepomuceno, duas vezes ganhador do prêmio Jabuti. De novo, estamos no ar. Sempre vivemos um pouco no ar, aliás, maluquinhos que somos, e esperamos que você nos acompanhe nessa Revestrés #17.

FOTO DE CAPA MAURÍCIO POKEMON


FALA LEITOR

Ao me deparar com a Revestrés que traz uma matéria com o Zé Didor, fiquei entusiasmado e perplexo. Entusiasmado por ver que a Revestrés está ajudando a divulgar o Museu Zé Didor pelo Brasil e pelo mundo. Quando quase ninguém mais lembrava dele, vocês aparecem e acabam com seu injusto anonimato. Perplexo por ver a beleza da matéria, as fotos, a filosofia ressentida do Zé Didor contra os “poderes” de sua cidade. Obrigado Revestrés por nos lembrar que aqui em Campo Maior está o maior museu particular do mundo. Marcus Paixão, no Facebook Minha @derevestres chegou! E o #Occupyareves dessa edição tá demais. Parabéns para os alunos da UnB pelo ensaio! Aldenora Calvancante, no Twitter Enquanto fazia exames no meu cachorro, deixei minha @derevestres na cadeira da recepção. Quando voltei, lugar mais limpo. Mas eu perdôo. Leiam a edição #16 da @derevestres Por favor! Leiam. André Linhares, no Twitter

ENTREVISTAS REVESTRÉS EM LIVRO A Revestrés lançou em livro suas 12 primeiras entrevistas. Publicando no formato livro os organizadores pretendem deixar documentado, de forma mais perene, o pensamento de artistas, escritores, professores, pensadores, que ajudam a lançar luzes sobre questões diversas em nossos tempos. A publicação tem prefácio de Affonso Romano de Sant’Anna e é editada pela Quimera Editora, que publica a Revestrés. O apoio cultural, que permitiu a publicação do livro, veio da Academia Piauiense de Letras, Instituto de Pesquisas Amostragem, Grupo Educacional CEV e Citroën Jelta France. A publicação está à venda nas livrarias ou direto com a editora e custa R$ 30,00 a unidade.

ERRATA

NOTA DA REDAÇÃO: Cartas e comentários publicados neste espaço estão sujeitos a edição.

Na última edição cometemos um pecado, sem intenção: trocamos, sem avisar à autora da ilustração do Piauiês, a palavra destacada. A palavra que Alana Pereira ilustrou era “chanim” e, na hora de fecharmos a revista, ficou “gataral”. Pois aqui reproduzimos novamente a ilustração e a palavra a que ela corresponde: chanim, que é o diminutivo de gato. À Alana, nosso pedido de desculpas.

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PARTICIPARAM DESTA EDIÇÃO

OPINIÃO

Flávia Peres

Nasceu em Teresina (PI), é piripiriense, formada em Psicologia pela UFC-CE e com Doutorado em Psicologia Cognitiva na Ufpe. É professora de Psicologia do Departamento de Educação da Ufrpe e mãe de Laura.

OPINIÃO

Gledson Oliveira

Recifense, professor de Educação Física, trabalha na Secretaria Municipal de Saúde pelo Programa Academia da Cidade em Recife e é pai de Laura.

CRÔNICA

Daiane Rufino Leal Rogério Newton Jornalista, possui mestrado em Comunicação, é professora e coordenadora do curso de Comunicação Social do campus de Picos da Uespi, onde também coordena o Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Cultura.

Poeta e cronista. Oeirense (PI), publicou Ruínas da Memória (1994), Pescadores da Tribo (2001), Último Round (2003), Conversa Escrita n’Água (2006) e Grão (2011).

REVISTA REVESTRÉS EDIÇÃO ADALGISA PAIVA (ISSN 2238 8478) Nº17 / ANO 3 É UMA PUBLICAÇÃO BIMESTRAL DA

Quimera - Eventos, Cultura e Editoração Ltda Rua Arlindo Nogueira, 510, Sala 401, Centro Teresina - Piauí DIRETORES RESPONSÁVEIS

André Gonçalves Wellington Soares CONSELHO EDITORIAL

André Gonçalves Wellington Soares Samária Andrade Luana Sena DESTAQUE

PIAUIÊS

Janaína Lobo

Artista da dança e trabalha com ENSAIO pesquisa, criação e coreografia. João Veríssimo Português, fotógrafo, Formada em poeta, micro-contista, Arquitetura e Urbanismo desenhista, trabalha como jurista na área e com especialização em Estudos da Defesa Nacional Contemporâneos em Portugal desde em Dança. 1995.

Radamés Araújo FICÇÃO

Eric Nepomuceno

Jornalista, tradutor e contista, além de autor de livros de não-ficção. Traduziu obras de Júlio Cortázar, Eduardo Galeano e Gabriel Garcia Márquez. Ganhador de dois prêmios Jabuti.

Artista 3D, piauiense, mora em São Paulo há 10 anos, onde fundou a eDA Filmes, especializada na criação e animação de personagens.

ADMINISTRATIVO

Adriano Leite REPÓRTERES

Luana Sena Liliane Pedrosa Nayara Felizardo FOTÓGRAFOS

Maurício Pokemon André Gonçalves DIREÇÃO DE ARTE / PROJETO GRÁFICO

Alcides Júnior ESTAGIÁRIA

Victória Holanda IMPRESSÃO

Halley SA Gráfica e Editora 10 DICAS

Mirton de Paula

UM OUTRO OLHAR

José Inácio Vieira de Melo

Publicitário, músico, editor da revista online Poeta, jornalista e Terezona, skatista. produtor cultural. Publicou A Terceira Romaria, ganhador do prêmio Capital Nacional de Literatura - 2005. Edita o blog Cavaleiro de Fogo.

FALE CONOSCO Rua Arlindo Nogueira, 510, Sala 401, Centro, CEP 64000-290 Teresina Piauí revistarevestres@gmail.com twitter.com/@derevestres facebook.com/revista revestres

ANÚNCIOS, ASSINATURAS E NÚMEROS ANTERIORES

(86) 3226-2420 (86) 8845-6188

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V A M O S F I C A R

#vamosficarjuntosthe


J U N T O S T H E

Vamos perdoar todas mágoas, todas as divergências, todas as pequenas dores. A nossa esperança é que você esqueça um pouco da correria do dia-a-dia, das preocupações, dos preconceitos e de qualquer outra coisa que te distancie de quem você ama. Neste Natal #vamosficarjuntosthe.


Quem participou desta entrevista: ANDRÉ GONÇALVES

PUBLICITÁRIO, ESCRITOR, FOTÓGRAFO

SAMÁRIA ANDRADE

JORNALISTA, PROFESSORA DA UESPI

WELINGTON SOARES PROFESSOR E ESCRITOR

LUANA SENA REPÓRTER

MAURÍCIO POKEMON FOTÓGRAFO

e m o B o


o n i n e asil r B Aos 82 anos, o multiartista fala sobre mulheres, política, humor e bundas – as preferências nacionais. TEXTO E EDIÇÃO LUANA SENA

FOTOS MAURÍCIO POKEMON


Olha, filho! Trisca nele, é de verdade!”, dizia a mãe toda simpática para uma criança que posava ao lado de Ziraldo. Passava um pouco das dez da manhã, e o escritor tentava em vão pôr duas gotas de adoçante no café, entre uma foto e outra com crianças, adultos e fãs de todos os tipos, aglomerados ali no Hotel do Cônego, no centro histórico de Oeiras. A cidade no sertão do Piauí era cenário do passeio de Ziraldo, o cartunista, chargista, jornalista, escritor, pintor – ele não cabe em uma só categoria ou definição. São 82 anos, completados no último outubro, sendo 66 deles puramente dedicados à arte. Nesse mais de meio século ele navegou pela publicidade (“sou o ‘super decano’ da publicidade no Brasil!”), explorou o jornalismo (O Pasquim, A Palavra, e Bundas) e escreveu histórias para crianças, sua verdadeira paixão. No campo infantil, tudo começa com “A turma do Pererê”, em 1959, a primeira revista em quadrinhos brasileira totalmente colorida. Depois veio Flicts, a história de uma cor af lita por não achar seu lugar no mundo. O livro foi editado no mesmo ano em que o homem foi à Lua, e Neil Armstrong confirmou: “The moon is Flicts”. Ganhou também o Jabuti por Menino Maluquinho, um dos nomes mais famosos da literatura infantil dos anos 90. Com esse personagem Ziraldo acredita ter encontrado “o menino do Brasil”. Sozinho, o garoto de dez anos, paletó azul e uma panela na cabeça vendeu mais de dois milhões de exemplares e deu inspiração para roteiros de peças, filmes, quadrinhos e programa de TV. Ziraldo veio ao Piauí participar da II Fei12 • facebook.com/revista revestres

ra Literária de Oeiras (Flor), que aconteceu em novembro. Lá ele conversou com crianças, apreciou os trabalhos em sua homenagem, palestrou, bolou um concurso cultural e atendeu solícito a todos os que desejavam trocar duas palavras – no caso da Revestrés, foram mais que duas. Menos do que gostaríamos, mais do que imaginávamos diante do encontro apressado no café do hotel e com uma dúzia de pequenos leitores à sua espera. E, apesar das condições, ele foi gentil e bem humorado. Um Ziraldo avesso aos avanços, mas que fala com tom moderno e descolado – mesmo quando defende ideias de outros tempos. Parece identificar-se com o ofício de repórter, curioso, inquieto. De repente vira ele mesmo o entrevistador: “O que significa o nome dessa revista? Como vocês bancam?”- um autêntico remanescente de O Pasquim. Com o tempo estourado (de Oeiras viajaria mais de 300 quilômetros até o aeroporto de Teresina) e diante do pedido de seu assessor para apressar a conversa, esforçou-se para não deixar ninguém na mão: “faz o seguinte: me pergunta algo que eu possa responder só sim ou não!”, pede, arrancando risos. Era impossível, porque Ziraldo não cabe só em uma palavra – são muitas e diversas as histórias e as opiniões polêmicas, que nem precisamos apertar muito para que surjam. Às vezes sério, às vezes galanteador, critica com graça, elogia discreto. E segue falando sobre leitura, imprensa, guerra dos sexos e bundas – um de seus assuntos preferidos e inspiração para o mais recente trabalho, no Rio de Janeiro. Mineiro de Caratinga, carioca da Lagoa, admirador das mulheres, especialista em bundas e doido por carnaval. O Ziraldo é da cor do Brasil.

EU NÃO LIGAVA MUITO PRA MONTEIRO LOBATO NÃO, MEU NEGÓCIO ERA GIBI. MEUS AMIGOS DE INFÂNCIA SÃO O SUPER-HOMEM, O FANTASMA, O BATMAN


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TENTEI FAZER DUAS PUBLICAÇÕES DE PROTESTO DEPOIS DO PASQUIM E QUEBREI MINHA CARA. A JUVENTUDE BRASILEIRA ESTAVA VOLTADA PARA OUTROS TIPOS DE INTERESSES Luana – Você já disse em muitas entrevistas que “vive um sonho de escrever para crianças”. Como isso tudo aconteceu? Ziraldo – O negócio é o seguinte: o fato de ser autor de livro para crianças – falar autor infantil parece um autor retardado, né? “Nossa, esse autor é tão infantil!” (risos) – ocorreu a mim. Não é uma coisa que eu tenha escolhido “vou escrever livro para crianças”. O que eu queria ser mesmo, quando era menino, era desenhista de histórias em quadrinhos. Esse que era o meu sonho. A minha geração tinha como referência da fantasia, da imaginação, o Monteiro Lobato. Mas eu não ligava muito pra Monteiro Lobato não, meu negócio era gibi. Meus amigos de infância são o Super-Homem, o Fantasma, o Batman e alguns heróis muito significativos para mim naquela época, mas que não sobreviveram, como o Espírito, que foi fundamental na minha infância. Tinha o Místico, tinha o Íbis, o Bozo, o Vingador, o Cometa – uma porção de heróis que não sobreviveram, mas que estão muito vivos na minha mente até hoje. Eu passei a minha infância inteira desenhando história em quadrinhos. Aí eu fui para o Rio levar as histórias, para ver se eu arranjava emprego – essa profissão não existia. Samária – Você também trabalhou com publicidade nessa época, inclusive em grandes agências. Como foi trabalhar com propaganda? Ziraldo – Acabei trabalhando em agência de publicidade porque naquela época não tinha fotógrafo em agência, nem existia televisão, então tudo era desenhado na agência. O que é engraçado é que os artistas tinham hora, igual bancário: você chegava às oito, saía meio dia pra almoçar, voltava, saía às seis... Batia ponto pra desenhar! Para criar, para ter ideias! Quer dizer, o sistema era muito engraçado. Eu trabalhava na McCann Erickson. Aliás, dessa geração de criadores de 1948 só tem dois vivos: eu e um tal de Altino, que era um dos diretores na época e hoje está aposentado. Mas eu sou o “super decano” da publicidade brasilei14 • facebook.com/revista revestres


EU SOU O SUPER DECANO DA PUBLICIDADE BRASILEIRA. E AINDA ESTOU TRABALHANDO! ra. E ainda estou trabalhando, você imagina, desde 48! 66 anos que eu tenho de profissão. E aí eu só consegui fazer a minha história em quadrinho nos anos 60. Eu publiquei muitos desenhos, caricaturas em revistas. Fiz histórias em quadrinhos para revistas Vida infantil, infanto-juvenil, que eram revistas da época, mas só publiquei a minha em 1960, quando criei a “Turma do Pererê”. E aí a vida seguiu: eu saí de agência, fui pra imprensa, virei cartunista, chargista. E não fiz mais quadrinhos. Em 1969 fiz o Flicts, um livro para crianças que marcou muito a minha vida. Isso foi no ano do AI-5, e ele saiu em cima da confusão que estava o Brasil. Eu estava no Pasquim, com toda aquela turma, e ficaria ali até ele fechar, em 1970. André – O Pasquim marcou a história do Jornalismo, entre tantas coisas, pela sua postura crítica à ditadura e à censura. Você acha que existiria espaço hoje para um novo Pasquim? Ziraldo – Não, não... Existe não. A história da luta pela liberdade tem características próprias em cada ocasião. Próprias e circunstanciais, entende? Eu tentei fazer duas publicações de protesto depois e quebrei minha cara completamente. Em 2002 tentei fazer O Pasquim 21, contra a vontade do Jaguar e do Millôr, que achavam que a gente devia imortalizar aquela ideia do Pasquim original. Mas eu achei que cabia no espaço ainda uma publicação de protesto. Acontece que a juventude brasileira estava voltada para outros tipos de interesses. O Pasquim 21 foi uma saída que eu achei para substituir a Bundas, uma revista que eu tinha feito em 1999 para protestar contra essa coisa leviana da imprensa brasileira, essas revistas de banheiro de luxo, “Quem”, “Caras”, que ficam vendendo a vida pessoal das pessoas da televisão. Eu acho abominável! Então eu fiz a Bundas. Wellington – Uma característica forte das publicações que você encabeçou sempre foi a política. Como era manter essas revistas? Ziraldo – Isso acontecia, de certo modo, por acaso. Eu levava cartunistas para publicar na Bundas – que era a forma mais barata que eu tinha pra fazer, porque eu não tinha dinheiro, e pagava twitter.com/@derevestres •

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A BUNDAS EU FIZ PARA PROTESTAR CONTRA ESSA COISA LEVIANA DA IMPRENSA BRASILEIRA, ESSAS REVISTAS DE BANHEIROS DE LUXO por cartum – mas o pessoal só sabia fazer charge. Então a Bundas virou uma revista política. Extremamente política. A nossa paixão era o Fernando Henrique Cardoso, o governo dele. O Aroeira fazia uma caricatura do FHC que ele podia mover uma ação contra ele por deboche. Mas enfim, não aconteceu nada – nem um anúncio. Primeiro por causa do nome. Segundo porque a imprensa brasileira não estava interessada em protesto. A revista não tinha repercussão e eu pensei “estou enganando o povo”. Faço uma revista chamada Bundas, o povo pensa que é de sacanagem e ela é política! Decidi fazer um jornal político, e aí veio O Pasquim 16 • facebook.com/revista revestres

21. Mas não aconteceu nada com ele também, em termos de venda, repercussão. Eu acho essas duas revistas muito bem feitas, tem uma série de teses universitárias sobre elas e tudo, influenciou outras futuras publicações, mas tive que fechá-las. Então, eu tive dois editoriais e dois fracassos financeiros e econômicos profundos. Até hoje pago dívidas de O Pasquim 21 e da Bundas. Mas essa é a minha história. André – O seu trabalho tem uma forte presença: mulheres de biquíni, mulatas brasileiras... Como você acha que as mulheres dos anos 2000 se per-


o n i n e m O dono é o undo m o d um relato terno e emocionado do escritor, recebeu o prêmio de Melhor Documentário no festival Criancine.

V

ida de moleque é vida boa, cantava Milton Nascimento no ano de 1995, quando o Menino Maluquinho invadiu as telas de cinema. O personagem de Ziraldo é um garoto levado que protagoniza aventuras em tirinhas e livros, traduzindo o sabor da infância. A história se tornou um sucesso, vendendo milhões de livros e sendo adaptada para teatro, filmes, musicais infantis e programas de TV - “Um menino muito maluquinho” passa de segunda a domingo na TV Brasil. Em 2010 o personagem completou 30 anos com o documentário “Ele era um menino feliz – O Menino Maluquinho 30 anos depois”, produzido por Caio Tozzi e Pedro Ferrarini. O filme, que traz

No mesmo ano foi lançada a centésima edição do livro “O Menino Maluquinho”, limitada a 1000 unidades impressas, e uma versão digital em formato pdf, disponível na internet. O livro foi traduzido em 11 idiomas e é comercializado em 21 países. Maluquinho consagrou seu autor, que por essa publicação ganhou o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. A história de Ziraldo se confunde com a de seu personagem – “Acho que descobri o menino brasileiro”, diz na nossa entrevista – tanto que ambos completam aniversário no mesmo dia, 24 de outubro. As crianças se identificam com as travessuras e os adultos sentem saudade da infância, onde tudo que é bom é brincadeira.

O AROEIRA FAZIA UMA CARICATURA DO FHC QUE ELE PODIA MOVER UMA AÇÃO POR DEBOCHE cebem no seu trabalho? Elas ainda se identificam no seu traço? Muda algo nessa percepção delas a cada geração? Ziraldo – Olha, tudo é episódio. Eu acabo de fazer uma exposição no Rio, chamada “As mulheres do Ziraldo”, em que eu trato a beleza feminina com a maior dignidade, na minha opinião. Eu faço recriações em cima de alguns clássicos, como aquela foto da Marilyn Monroe, como les demoiselles do Picasso e várias outras, e o estilo do desenho vem do Pasquim – aquelas mulheres de bunda grande, cintura fininha. Pintei tudo em acrílico, com dois me-

tros de altura, telas gigantes. Quando estávamos publicando o Pasquim, e a gente criticava muito o feminismo, estabeleceu-se uma relação extremada da turma do Pasquim com o movimento feminino. Uma dicotomia. A Betty Friedan (considerada a fundadora do movimento feminista moderno nos Estados Unidos) veio ao Brasil e nós entrevistamos ela no Pasquim. E teve uma briga dela com o Millôr, fantástica! O Millôr chamando ela de idiota e ela chamando ele de machista. Ele com aquela lucidez, mostrando pra ela que a posição das mulheres era idiota, quer dizer, não adianta querer igualdade sexual porque não há hipótese de haver isso. twitter.com/@derevestres •

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AS MULHERES ESTÃO TOMANDO CONTA DO MUNDO! QUANDO VOU TRABALHAR COM UMA EMPRESA PAULISTA SENTO NUMA MESA COM 30 MOCINHAS PARA DISCUTIR Luana – Por que você não acredita na igualdade dos sexos? Ziraldo – A mulher não sente do mesmo jeito que o homem sente. Inclusive há aquela frase engraçada: “a mulher não é o feminino do homem, é um outro ser”. São dois seres diferentes. Então essa coisa foi muito exacerbada naquela época – agora passou essa exacerbação. As mulheres já compreenderam que ao invés de atacar o homem e ficar com essa coisa do politicamente correto, elas fizeram uma paródia do que eu sempre falei: o tempo que você gasta sonhando, é o mesmo que você gasta fazendo. Ao invés de ficar criticando, brigando, vá lá e faça! As mulheres estão tomando conta do mundo! A presidente do Brasil é mulher, a da Argentina é mulher, a primeira-ministra da Alemanha é uma mulher. Até o final desse ano 90% dos países serão governados por mulheres! Então, hoje, mais de 70% dos C.O de empresas americanas são mulheres: a Warner, a Disney. Quando vou trabalhar com as empresas paulistas sento numa mesa com 30 mocinhas para discutir. Então, ao invés de ficar enchendo o saco da gente, vem cá, abraça a gente, cheira a gente, toma conta da gente igual mamãe fazia. E vai cuidar da sua vida! E outra coisa, mesmo com o mundo moderno, não adianta: não tem mulher no mundo que dispense a mão de um homem no ombro. A coisa que mais realiza uma mulher é isso. Ela quer mostrar para o mundo que ela tem o homem dela. Você vai botar isso na sua revista e vai aparecer uma porção de gente me chamando de machista. (risos) André – Muda alguma coisa na sua concepção, no seu sentido de humor, com a chegada dos 80 anos? Ziraldo – Não! Não muda nada! Comportamentalmente, só mudam as circunstâncias. O Freud, quando resolveu classificar a natureza humana, explicar as reações humanas diante da vida e do próximo, usou estereótipos gregos – Complexo de Édipo, de Electra, etc. E até hoje é assim: tem gente que não resolve a relação com a mãe, que briga com irmão, tem gente que mata os outros. Eu pos18 • facebook.com/revista revestres


SE O MENINO MALUQUINHO LIGAR NO ESCRITÓRIO O PAI PARA A REUNIÃO E VAI, ‘ALÔ, FILHÃO!’, COM TODO MUNDO ESPERANDO. ISSO É SER BRASILEIRO so te elencar todos os sentimentos humanos existentes no dicionário e veja se você inventa um que não está na lista. Covardia, medo, carência afetiva, saudade, tristeza, mágoa, vingança... Inventa mais um aí! O ser humano é o mesmo. O que muda são as circunstâncias. Luana – Você foi bastante assediado na sua chegada a Oeiras, na Feira Literária e nos passeios que fez pela cidade. O que achou da experiência? Ziraldo – Nós somos muito carentes, né? É impressionante. Olha, eu já dei entrevista em quase todos os países da América Latina. Já dei entrevista em muitos lugares do mundo. Nunca me perguntaram “O que você tá achando de Paris?”, “O que você achou aqui do México?” (Risos). No Brasil tem isso! Você acha que se eu não tivesse curiosidade pelo Piauí, pra conhecer esses lugares e esse povo, conhecer Oeiras, eu teria feito, aos 82 anos, essa peregrinação que eu fiz aqui? 320 km de carro pra ir e pra voltar, mais cinco horas de voo, dois aeroportos, pra um velhinho? Samária – Você ainda usa uma máquina de escrever, não é? Qual sua relação com as tecnologias? Você usa computador e as redes para divulgar seu trabalho? Ziraldo – Nenhuma, nenhuma, nenhuma. Não tenho nem acordo. Meus assessores viajam comigo pra poder me ajudar nessa parte. Até pouco tempo escrevia em uma Olivetti moderníssima, que digita e imprimi ao mesmo tempo. (Risos) Luana – As crianças ficam encantadas com a sua presença e lhe chamam de “pai do Menino Maluquinho”. Seria esse o seu personagem preferido? A que você atribui os 30 anos de sucesso dele? Ziraldo – Não, é não. Eu sou igual mãe: não tenho como dizer de qual filho gosto mais, eu gosto de tudo igual. O estouro veio pela identificação. Você gosta daquilo com o que você se identifica. E eu acho que encontrei o menino brasileiro. Não é o Calvin, o menino americano. O brasileiro que twitter.com/@derevestres •

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O SER HUMANO QUE NÃO CONSEGUE SE EXPRESSAR PELA LEITURA É UM HANDICAPPED, É UM ALEIJADO. MAIS QUE UM ALEIJADO – TEM UM ALEIJÃO MUITO PREOCUPANTE é essa melação. Se o Calvin ligar pro pai dele no escritório o pai não atende. Se o Menino Maluquinho ligar no escritório, o pai para a reunião e vai, “alô, filhão!” (diz, imitando), com todo mundo ouvindo e esperando. Isso é ser brasileiro. Nos Estados Unidos seria um absurdo inimaginável. Wellington – Quando você afirma que “ler é mais importante que estudar”, você está usando uma força de expressão ou ref lete uma vivência própria? Ziraldo – Eu acho que se você não ler você vai ser sempre empregado dos outros, a não ser que você jogue futebol – a não ser que você jogue muito bem futebol. Quer dizer, o ser humano que não lê, não escreve, não consegue se expressar pela leitura, é um handicapped, é um aleijado. Mais que um aleijado – tem um aleijão muito preocupante. Eu fui para uma Feira do Livro em Porto Alegre, e tinha um cego no avião comigo. Sentou do meu lado, magrinho, franzino e cego. Quando eu chego no local da palestra, lá está o ceguinho chegando também, e eu pensei “olha, o ceguinho veio!”. Entramos no circo armado, para mais de quatro mil pessoas falarem sobre livros, e tinha três ou quatro “catarinas” – aqueles caras de um metro e noventa, loiros, descendentes de europeus de Santa Catarina – eles estavam lavando o chão, carregando coisas, fazendo o trabalho pesado. Esses três ganhavam um salário mínimo, cada um. E aí quando eu fui sentar na mesa da palestra, quem sentou ao meu lado? O ceguinho. E me surpreendi: “ele veio fazer palestra?”. E fez uma palestra brilhantíssima, sobre leitura, literatura brasileira. Menino de uma cultura formidável, que lê por braile. E pagaram dez mil reais a ele de cachê. Aqueles três catarinas lá não vão ganhar dez mil reais nem em três anos, trabalhando os três. Então isso mostra que ler é mais importante do que tudo. É lendo que se chega lá. Meu negócio é falar isso por aí. 20 • facebook.com/revista revestres


R O L F A ERTÃO S O D N

o meio da Praça Matriz, centro histórico de Oeiras, um banquete de livros é armado à temperatura máxima de 37 graus. O clima é seco em novembro, mas ninguém se importa: centenas de crianças correm, passeiam, brincam, escolhem livros para ler nos lounges construídos de material reciclado, como um fast food. É a Flor – Feira Literária de Oeiras – que, em sua segunda edição, convidou o escritor e quadrinista Ziraldo para falar a crianças e professores do ensino público da cidade e regiões próximas. O objetivo do evento é formar leitores – daí a ideia de distribuir livros em mesas quilométricas à disposição dos pequenos leitores. A iniciativa da feira partiu de Tiana Tapety, secretária de Educação em Oeiras. “Envolvemos sete mil alunos e 66 escolas municipais”, afirma, antes de destacar os benefícios da leitura no ensino. “Conseguimos per-

ceber o reflexo da feira nas crianças, porque a leitura se pratica todo dia. Não se faz educação sem leitura”. Há dois anos a Flor foi incorporada ao Festival Cultural de Oeiras, que está em sua 9ª edição. O propósito de juntar os dois eventos é dar mais vida ao festival que já acontecia e proporcionar dentro dele uma programação infantil: bate-papo literário, oficinas para crianças, contação de histórias e teatro em plena praça, tudo de graça. “A cidade se apropriou do evento, participando de tudo, se sentindo parte e não só espectador”, acredita Stefano Ferreira, secretário de Cultura. “Acho que um grande diferencial da Flor é a preparação que se faz antes com as crianças, trabalhando os livros do convidado, e gerando comoção e interesse delas em conhecer a pessoa, o autor”, destaca Tiana. “A feira é só a culminância de um projeto”. No próximo ano, a 3ª Flor pretende trazer outro grande nome para sua programação: Mauricio de Sousa. twitter.com/@derevestres •

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OPINIÃO POR FLÁVIA PERES E GLEDSON OLIVEIRA

Duas visões sobre o Brasil e os outros, por quem está morando fora

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or versos e ruas que passeamos em terras estrangeiras, em momentos estamos imersos muito mais em nossa história, nas terras de Piripiri, Fortaleza e Recife, do que no ar gelado e na força da Cordilheira dos Andes, que de súbito nos avisam que estamos no Chile. É como uma certeza que se desenvolve somente no ato de distanciar-se, uma necessária condição que permite vermos a nós mesmos por outros ângulos, mirando as costas em um espelho que nos arrebata de surpresa, espanto, felicidade e até tristeza, porque é assim que nós somos, e não daquele jeito, e isso não nos torna mais bonitos ou mais feios, senão apenas únicos. E se permanecemos em alguns instantes nas comparações entre as culturas, abre-se um labirinto de trajetórias que são de todo um povo, mas também individuais, e vemos que o idioma, o sotaque, o gesto ou a forma de se abraçar são os fios de Ariadne que nos tornam brasileiros em qualquer lugar e, além disso, fazem-nos chegar ao interior do Piauí que há em mim. Ou do Pernambuco que há em nós. Isso é como dizer que deve haver um lugar para onde a gente sempre volta. Para mim, esse lugar fica na latitude 04º16’24” sul e longitude 41º46’37” oeste, mas não é tanto no mapa que nos localizamos, porque os lugares existem mais nas memórias e desejos de futuros do que na geografia. De verdade, esse lugar deve ser o que somos, mas para lá voltamos sempre diferentes. Como Levinas, Bakhtin, Vigotsky e tantos que falam, a seu modo, de alteridade, vamos reafirmando que a existência do outro constitui um movimento para o exterior, que altera, irrompe e modifica um determinado curso ou impulso egoísta. Assim, há algumas particularidades que evidenciam e realçam nossa maneira de habitar o mundo, interpelando-nos e nos tornando responsáveis na situação com o outro em terras estrangeiras: o momento da comida, da hora do almoço, da mesa posta é um deles. Porque esse momento é linguagem, no ato de comer ou no idioma que envolve os alimentos. * * *

FLÁVIA PERES Falarei do que nos permite sobreviver e querer mais ou querer menos, a comida. Pois aquela mesa farta com tantas possibilidades de desfrute que vão do mais simples arroz com feijão e bife à sofisticação que se pode perceber em um prato de Maria Izabel, de uma boa cabidela ou das receitas caseiras especiais; dos sucos e das sobremesas; e todos os pratos postos em uma única mesa para um bom apetite, isso não se acha por aí tão fácil. Mas não é com apetite que também digo que há distâncias maiores que as geográficas, em relação ao que se come e como se come. E faltaria de minha parte um mínimo de abertura ao outro se eu não lembrasse também daqueles que entenderiam minhas observações sobre comida justamente por não as tê-las vivido, porque em suas memórias sobressalta-se muito mais a falta de alimento, e assim mínguam em fome. Por uma exclusão desu22 • facebook.com/revista revestres

mana, estariam à margem dessa história de saudade. Foi estando fora do Brasil que ouvi notícias de lá como a que saímos do “mapa da fome”. Sem entrar na discussão política que nos assolou nos últimos meses, em suas mais diversas mesas de jantar e de bar, foi comovente saber disso vivendo em outro país. Comovente porque se falamos de geografia, torna-se nítido que há distâncias que são mais difíceis de percorrer e mudar de lugar, como entre os brasis que existem no Brasil. Distâncias que permitem deixar tão longe as realidades dos que vivem em um polo de fartura nas refeições e de momentos de alegria à mesa, daqueles que em outro polo sentem a falta de tudo isso. O que é alimento para o corpo e para a alma, como quando a família se reúne para tomar café da manhã, instante tão parecido com almoçar e jantar em Piripiri, é para alguns uma realidade que só se percebe no encontro com o que é outro.


O QUE É ALIMENTO PARA O CORPO E PARA A ALMA, COMO QUANDO A FAMÍLIA SE REÚNE PARA TOMAR CAFÉ DA MANHÃ, INSTANTE TÃO PARECIDO COM ALMOÇAR E JANTAR EM PIRIPIRI, É PARA ALGUNS UMA REALIDADE QUE SÓ SE PERCEBE NO ENCONTRO COM O QUE É OUTRO No Chile, percebe-se menos essa realidade de fome entre as pessoas mais carentes, trata-se de um país menor geograficamente, com um maior cuidado com suas crianças. Agrada-nos vislumbrar um contexto assim para nossa filha! Há um crescimento interessante, uma organização social mais atenta ao meio ambiente e isso faz desaparecer o terceiro mundo em muitas de suas regiões, não fosse, claro, seus corpos carregados de expressões, posturas, jeitos de andar e marcas de que somos feitos. Essas marcas têm em sua história também a alteridade da colonização e da ditadura, por isso dor e fome. Nesse Chile, há algo que lembra uma boa tarde em Piripiri, mas regada a chá e empanadas e não a café com peta, rosca, bolo frito. Há vinho para as noites frias, mas não tanta sede para cerveja, como em nosso nordeste. Há as neves eternas que convidam para um chocolate quente, mas não há um café com leite e pão com manteiga, na simplicidade de não haver motivo para o convite. Há algodão doce, mas quase não se encontra pipoca nos parques e praças. Nas casas de chilenos típicos há um prazer nas refeições em família, de certo que os poemas de Neruda nos deixam ouvir algo do burburinho de sua casa chilena na hora das refeições, porque o poeta sabia contemplar o que comia e compartilhava essa alegria. Mas o desejo de comer feijão em Santiago só será saciado em uma casa com brasileiros, então se pode sonhar com uma boa feijoada. Há muitos pratos nos cardápios com mariscos e peixes, também frango, mas acompanhados de batata ou salada, nunca de um baião de dois. Há sorvetes deliciosos e as frutas são lindas e igualmente gostosas como as nossas, mas não encontrei maracujá em nenhum mercado. O abacate é usado em vários pratos e sanduíches, mas sempre de um modo ao sal, sim, muito saboroso, apenas são quase desconhecidas vitaminas de abacate com leite ou a possibilidade de comer essa fruta de um jeito doce. Não há doces de goiaba, laranja, banana, como os de Piripiri. E isso, digo, em lugar nenhum do mundo há! Acontece que não há lugar do mundo que não seja, antes, olhado pelo que há de único em nossa existência, que é, antes, uma existência social, política, institucional.

Somos capazes de provar que o mundo é apetitoso, mas parte do sabor está no paladar de quem o sente, e isso é também memória. O mar dessas bandas da Terra guarda o reflexo da mesma lua que brilharia no Brasil, é como um reverso ilustre, o Oceano Pacífico, cheio de iguarias que colorem as mesas. Mas há risco de tsunamis em alertas espalhados pela costa e, se não temos terremotos no Brasil de litoral vasto, há outras particularidades decorrentes das chuvas tropicais ou dos tubarões de Boa Viagem que nos fazem o outro do outro. Aqui ou lá, há deliciosas iguarias. Quando estamos provando um bom peixe, quase sempre se ouve uma boa estória que ora vem do sertão, ora do Atlântico, como conversas de sertanejos e pescadores, todos fortes. Digo que, em tempos de eleições, resgatei nas horas das refeições muita conversa sobre planos de governo, ideologias e sobre a situação do Brasil. Digeri alguns assuntos ligados a isso, outros ainda não, mas dou graças à diversidade de criaturas que formam este singular universo, como em um verso de Borges que em “castelhano argentino” continua dando graças por la razón, que no cesará de soñar con un plano del labirinto. * * * Gledson Oliveira Falarei da língua em primeiro lugar, pois me apetece ainda mais, por ter sido um dos motivos que nos levaram a sair da terra Tupi kaiowa-Guarani e optar por vir passar esta temporada na terra dos Mapuches, Rapanui e Aymaras. Chegando aqui nos deparamos com o quão perto estamos, e o quanto no separamos. Do nordeste do Brasil para o mundo, mais precisamente a Santiago do Chile. Saímos da provinciana cercania do bairro Poço da Panela em Recife-PE, para a também região metropolitana de Santiago do Chile, comuna de Ñuñoa. Incorporei o vibrar da língua de cá, com nomes como Avenida Irarrázaval. Assim como relaxei com suas nasalizações de “entonces”, seus T’s como os da “terrinha” de Luiz Gonzaga, e os G’s da nossa gente que fala “rent”. twitter.com/@derevestres •

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QUEM SABE SE ESSAS POTÊNCIAS CONVERGISSEM SEUS OLHARES, PODERIAM FAZER CRESCER TODO ESTE DIVERSO E RICO BLOCO SÓCIO CULTURAL, QUE É O CONE SUL, DE MODO A FORTALECÊ-LO E TORNÁ-LO AUTÔNOMO E COMPETITIVO FRENTE AOS BLOCOS EUROPEUS, ASIÁTICOS E NORTE AMERICANOS Tordesilicamente separados. Não bastasse pela cordilheira, lagos, rios e florestas impuseram ainda línguas e culturas separadas, desde as cruzadas ibéricas, sobre todo o continente sul americano. Talvez seja essa a explicação histórico-dialética para a latente separação dos povos da então “América Latina em pó”. Fragmentada e mantida, a duras penas, por um tratado comercial, mas que ainda sofre para entender que o processo de globalização começa dando as mãos aos seus vizinhos e trocando com eles todo nosso repertório cultural, misturando-nos, ensinando e aprendendo. É turva, como nos sonhos, a visão de uma América Latina vivendo sua latinidade, dançando frevo, forró, samba, tango, rumba ou la cueca. Viemos em um período que fica difícil de se desligar da terra natal, como as eleições. Nessa conjuntura, observamos o Brasil pela perspectiva que vinha das redes sociais, já que por aqui pouco se fala de Brasil ou outros países da América do sul. E chegamos em um país sem analfabetismo mas que luta pela requalificação e democratização do ensino básico e superior. Um inverno longo que tingira de branco, como raramente acontece, o cerro Manqueue, mas que surpreendia a todos com dois dias de calor fora de época, seguidos de chuva e um tremor de 6.4° Richter. Esse choque de realidade nos fez conhecer um país de extremos políticos, sociais e climáticos. De gente de fala apressada, mas cordial e paciente. Que pede “permisión” para passar e não tolera a indelicadeza, repreendendo aos indelicados. “Rigor e Afecto” diz um grafiteiro entre tantos outros que declaram suas ideias nos muros chilenos. As comparações são inevitáveis, sobretudo porque são latentes as semelhanças, apesar das diferenças. Aqui, sabe-se o número exato de mortos pela ditadura, e o dia de sua independência fora marcado pela primeira reunião do governo democrático. E desde então continuam a defender sua democracia diariamente. Protestam pelos seus direitos de maneira veemente, com orgulho de sua terra, história e bandeira, e defendem os direitos civis modernos combatendo a homofobia, a xenofobia e o conflito de classes, com campanhas governamentais de massa. Justo nesse momento em que no Brasil chega-se a 24 • facebook.com/revista revestres

especular o separatismo e volta de um regime militar totalitário. Esse enfoque confronta a realidade e nos coloca de frente ao turbilhão que vive a América Latina. Amar aos animais e “cuidar de los niños” são lições do povo ordeiro e esclarecido dessa terra que se projeta para o futuro dando prioridade aos pedestres. Não se pode definir o Chile por Santiago, tampouco o Brasil por São Paulo. Por isso não pretendo fazer um paralelo maniqueísta destes países e povos. Para tanto, aponto as convergências. Assim como o nosso país, o Chile, com sua ampla latitude, é fronteiriço a diversos países da América do Sul. No entanto mantém seu olhar mais voltado para Europa e Estados Unidos, e olha por sobre ombros para “los hermanos”, a ponto de falar um castelhano tão específico que chega a ser incompreensível, tanto quanto nosso português, para os ouvidos vizinhos. Quem sabe se essas potências convergissem seus olhares, poderiam fazer crescer todo este diverso e rico bloco sócio cultural, que é o Cone Sul, de modo a fortalecê-lo e torná-lo autônomo e competitivo frente aos blocos europeus, asiáticos e norte-americanos. O fato é que somos hoje uma América recém-saída de ditaduras duríssimas que comprometeram nossas histórias e avanços sociais, mas ainda não estamos totalmente livres desse ranço, haja vista os conflitos constantes entre projetos de sociedade liberais e sócio capitalistas. Vivemos em um continente que não mais se abriga nas asas do sonho do norte e alça seu próprio voo no mundo globalizado, infelizmente de forma desarticulada. Penso o que seria do diálogo entre os povos latino-americanos se não fosse o futebol. Falando de assuntos cotidianos, como política, economia, culinária, moda, música, o que temos hoje para conversar entre nosotros não dá conta do quão somos semelhantes. Insistimos em tomar para nós exemplos europeus de mobilidade, saúde e educação e não atentamos para os exemplos e trajetos que trilharam nossos vizinhos, incluindo seus percalços, que provavelmente se aproximam dos nossos e, portanto, serviriam de melhor estudo. A única palavra que me vem à mente para justificar essa separação é o preconceito. Seja ele linguístico, étnico ou de comportamento. Foi-nos incutido de alguma forma, e


durante 500 anos, que nossos ancestrais indígenas são selvagens sem alma, que somos as baratas do novo mundo, o bordel do planeta ou ainda a reserva de minério, madeira e água que deve ser explorada pelas potências arianas detentoras da sabedoria. E que nós estamos acabando com tais riquezas quando na verdade somos secularmente saqueados, assediados, explorados e corrompidos por essas potências que nos relegam ao posto de vira-latas. Estamos sendo levados a um consumismo desenfreado típico do modelo fordista e por isso vivemos como num balde de caranguejos competindo para sairmos do status latino, sem saber que fora desse balde só viveremos alguns segundos na panela.

Nossa filha, ainda longe desses preconceitos dos mais velhos, nos fez perceber o quanto é importante estarmos abertos para o outro para compreender e se fazer entender, cada vez que ela tentava estabelecer uma nova amizade com outra criança ou falar com um adulto. Atendo-se a uma palavra nossa que define um sentimento em um único vocábulo, a saudade, presenciamos a internalização desse significado ao vermos brotar as lágrimas de nossa pequena Laura quando se viu em uma fotografia junto aos seus amigos e amigas da escola no Brasil. Um sentimento sincero de quem tão cedo descobriu que se pertence a algum lugar mesmo que à sua frente se tenha o mundo inteiro.

* * * Olhar o Brasil do estrangeiro tem sido um acontecimento, porque é um constante transformar-nos na relação com o outro. E seguimos com apetite pelos dias no Chile, pelo idioma, pela saudade, com o tempero da comida caseira, mas não de qualquer casa, falamos daquelas que queremos voltar sempre. De sobremesa, a certeza do que nos falta na hora das refeições: muitas pessoas queridas, que seguem espalhadas pelo mundo, para nossos corações; e uma boa farinha, para a farofa e a paçoca, parte do fio que nos levará de volta.


OPINIÃO MESTRE EM COMUNICAÇÃO

POR DAIANE RUFINO LEAL

O incômodo com a opinião alheia

A

[...] A PRODUÇÃO COLETIVA DE SIGNIFICADOS NA CULTURA POPULAR ESTÁ COMEÇANDO A MUDAR O FUNCIONAMENTO DAS RELIGIÕES, DA EDUCAÇÃO, DO DIREITO, DA POLÍTICA, DA PUBLICIDADE E MESMO DO SETOR MILITAR.

s eleições presidenciais deste ano foram as primeiras da história com a presença ativa das redes sociais virtuais. Nesse espaço, onde os comportamentos reais são reproduzidos, vi ressurgir um bem antigo: o incômodo com a opinião alheia. As redes sociais, que tem o poder de ampliar o universo microssocial tornando-o macro, revelam as minúcias delicadas das relações humanas interpessoais e sociais. Nelas, cada um apresenta-se com o seu ideal de pessoa, na diuturna criação de uma imagem socialmente aceita, mas concomitantemente deixa à mostra seus preconceitos, moralismos e intolerâncias. Nesta nova ágora muitas vezes e por muitos alguns não é permitido ser livre sem ser cerceado, sem ser odiado. Na instância prática observei, durante o período eleitoral de 2014, que muitas pessoas excluíam aqueles “amigos” que manifestavam seu voto a determinado candidato ou que usavam seu espaço na rede para defender o programa ou o candidato. Os mais comedidos não excluíam os eleitores declarados, mas expunham sua repugnância contra eles. Assim, se por um lado tínhamos uma onda de manifestações sobre o processo eleitoral em si na defesa ou na crítica de algum candidato, do outra lado e tão significativo quanto, tínhamos o time do silêncio, aqueles que preferiam não falar e não gostavam de quem falava. Quando alguém, apesar do seu direito constitucional ao voto secreto, manifesta-se publicamente

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HENRY JENKINS, “CULTURA DA CONVERGÊNCIA” (2009, PAG. 30).

sobre ele não significa que queira influenciar o outro ou chatear alguém, pode estar apenas usufruindo de um outro direito garantido em lei: o da livre manifestação de opinião e pensamento. E aqueles que objetivam conquistar adeptos à sua ideia ou ao seu candidato também tem o direito de fazê-lo e ninguém tem a obrigação de segui-lo, mas tem o dever de ouví-lo. A audição, esta sim, é o sentido da democracia, bem mais que a fala, o tato ou a visão. Já tivemos no Brasil recente um momento nebuloso de nossa história em que aqueles que se manifestavam ou, pelo menos, indicavam defesa de determinados partidos políticos ou ainda participavam de grupos politicamente ativos eram presos, torturados e até mortos. A redemocratização do país, pós Ditadura Militar (1964 a 1985), veio a permitir, com a Constituição cidadã de 1988, uma significativa liberdade de pensamento e de opinião. Não se pode permitir agora que o cerceamento cultural social venha a tolher na prática os direitos adquiridos em lei. Devemos louvar o fato de que tantos falaram sobre política ou, pelo menos, sobre o processo eleitoral, através das redes sociais. Para os críticos que argumentam serem supérfluas e vazias as discussões, recomendo olhar para o mínimo como o princípio. O início de uma era de livre circulação de ideias, de diálogo, de discussões, de tensão que incita uma evolução. Pior seria a apatia, o desdenho e o descaso com um dos processos políticos mais relevantes do país que é o da eleição presidencial, juntamente com a escolha de governadores, deputados e ministros. Aqueles que preferiram o voto anônimo e de-


SAÍMOS, AOS POUCOS, DE UM UNIVERSO EM QUE OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO PRODUZEM EM MASSA E DISTRIBUEM SEUS CONTEÚDOS UNILATERALMENTE, PARA OUTRO UNIVERSO EM QUE CADA PESSOA PODE TAMBÉM PRODUZIR CONTEÚDO, INSTAURANDO-SE A INTERLOCUÇÃO COMO CARACTERÍSTICA DOS PRÓPRIOS MEIOS fenderam o silêncio em prol da preservação das relações é necessário que compreendam que não há relações sem conflitos! Viver é estar constantemente em guerra, inclusive social, e não se pode querer que nas redes virtuais eles, os conflitos, sejam extintos, principalmente numa eleição, quando a disputa tempera as expectativas e alimenta as discussões. Como participar de uma rede social e exigir sossego absoluto, calmaria, o não incomodo? A opinião alheia sempre incomodou e sempre incomodará. O enfisema social é que ao se criar algo libertador, se cria, neste mesmo algo, algum elemento cerceador. Deixemos que a internet realmente nos permita a liberdade política que precisamos, que aquilo que

sempre nos foi tolhido na comunicação unilateral dos meios de comunicação tradicionais seja agora transgredido. Porém, antes do instrumento tecnológico que permita essa liberdade de opinião precisamos de mentes que aceitem a opinião alheia, aceitem o voto alheio, saibam ouvir os argumentos do outro e tenham capacidade para discordar com uma remessa de novas opiniões, pois assim prospera-se para a evolução democrática social. A amarra que a intolerância humana traz para as relações sociais é tão maléfica quanto a falta de mecanismos tecnológicos para dissipar informações e opiniões. Libertemo-nos e deixemos libertar.




POR ROGÉRIO NEWTON

A M E O P DIDO R Ó S

M

e preocupei em saber como será o Natal dos frequentadores do Junior Bar, no Mafuá. Senti isso no meio da feira, entre a Quintino Bocaiúva e a Alcides Freitas. É a mesma coisa de estar num filme, sendo a vida a única película. Tudo se move. Talvez paradas só as casas de portas e janelas, que ainda sobrevivem à febre dos portões de aço. Entre as bancas dos vendedores de frutas e verduras, os carros passam devagar, para não esbarrar nos transeuntes que atravessam a rua, pra lá e pra cá. Há um entra e sai dos pequenos comércios, mulheres nas calçadas vendendo feijão verde debulhado e um sem número de gentes e de cores acontecendo ao mesmo tempo. Mesmo que a manhã ou sol me apunhalem pelas costas, quero viver tudo, sem disfarces, pois aquele mercado não os oferece a ninguém. O Junior Bar é um cubículo de móveis rústicos e gastos, um freezer velho, um aparelho de som empoeirado, uma prateleira onde reina a 51. O forro de gesso despencou a metade. Dá pra ver o telhado, as ripas, as teias de aranha. A bicicleta deve ser do dono, encostada, do lado de lá do balcão. A conversa rola e o tira-gosto, de seriguela, uma delícia! Do lado direito de quem entra, o aviso: “Deus me Guia”. Impossível não haver um ser invisível na vida daquelas almas. Já teriam passado para outro planeta, com certeza melhor, quem sabe na estrela Ashvin, onde há existência humana. Renato jogou na Vila Operária, Bariri, Parentão, Miguel Lima. Um ponta esquerda entortador. Alguém se aproxima, como os outros, magro. Diz que só bebe em fins de semana, a não ser na “incarcança”, tempos de amores contrariados e depressão. Pipo se descontrai depois de trabalhar duro, carregando peso. Sentado na calçada, José John, natural da Pi-

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A CONVERSA ROLA E O TIRA-GOSTO, DE SERIGUELA, UMA DELÍCIA! DO LADO DIREITO DE QUEM ENTRA, O AVISO: “DEUS ME GUIA”. IMPOSSÍVEL NÃO HAVER UM SER INVISÍVEL NA VIDA DAQUELAS ALMAS. çarra, pede uma moeda para cantar Bob Marley. De repente, lá dentro, numa conversa acalorada, entre goles, alguém cita o nome de Monteiro Lobato, o que faz José John cantar o Sítio do Pica-pau Amarelo, como se estivesse ligado numa tomada. Sua casa é em algum lugar próximo dali. Dorme em cima de papelões, às vezes nem isso. Seu quase xará, José João, bebe há trinta anos, mas de junho pra cá maneirou, senão morreria. Reza a lenda, quem parece que deixou de vez foi Wilson, de muletas. O álcool roia seu coração. Seu irmão Calton aperta minha mão com força, no exato instante em que chega Marco, oscilante, o rosto chupado. Segundo José João, fatura 30 reais por dia, olhando carros, de sexta a domingo. Ao lado, uma porta sem fechadura, por onde entram feirantes com suas coisas para guardar lá dentro. Mercadorias, restos de feira, pertences vários. O lugar é mais espaçoso que o bar. Há um arco cheio de dignidade, onde parece ter sido a sala de uma residência. Mais dia, menos dia, tudo virá abaixo. Vez em quando, assoma do burburinho um samba, um bolero, um tango, vindos do Bar do Luis, de cabelos nostálgicos. Geraldo está sempre ali com o imperturbável chapéu e discos de vinil na calçada. Nossa suprema sorte é que no Mafuá não há shopping, lojas chics, clínicas de vidro... Sobre o asfalto, segue pulsando um poema sórdido.



N HOME

IÇÃO D E A AD AGEAD

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ir a r im e p o em om pia , ou c t m n y l o de sp ma O t as, C in e ns e e o s no n m a o e d h s r s s a a p el o L obo n t av e d il h o e d a d l s l o i a e r n V o mi n s e, í. A p s tro hin o P iau mo d mae , a o o r s d d e iano lu n a m um o siç õ de p ir a e o mp F oi a r ic a e c . a n l o u o u s mú s ca cr i o r tic a m o i pi , a r e o p o c s a r an ão p t ud o s s or omo R io B s es d e. N o a pr o fe a d ç a i i l no c a i va , c r a i b i P i n p i s o e S il s, en eà t e s o o n h n l e m e a o r o f 10 len t o . E sc is ó s t . A os o Cr e sus eu t a 6 ã J s 9 o 8 e a J v om de 1 ão d . es s a de o r aç os to -se c C expr g a n eir o s a a o c ad a a J d é c m a d e , r e d s g a u io sd ano sus , io S a a s ce no R e ad o s 18 e Je olég o m i va n d C A a é o . o t P ã a n s. a lm a gi s a o r aç na s c eu f il h o sua A dal exer t a li a do C s i r i a a e o r s c u d g i a q f r eir mu s t e ve io S a ad e c om olég t i vid par a u em a C q o , t o o n m , i r e, n ume c aç ã a i va a , co es X I I I. d e di in s t r de P o Fre n t is t o n e s e i ã d e d r aç õ n e v n e o l L a t o g A r ã n o i g s i g ás al A lí p i a im a sua cir u r e G in próx r ia A N orm o f oi a a i s t a r l r d e, a M s é o o t o e is t a nd E sc io C a i va a a gi s i a n a m c m ô n P t n O n f lu e q u e, io de iona s de or A no R a i va A l ve i a , in . L ec s P r g ad ic a ” 0 o í e a 4 o c u o b s ã 9 1 mú s iz P ia ep u n ci “ a s em L a a e r m D c o i F D u t C sio mú s a s al o ne nt ar ar o G in á es a p el a do c a ca g r av r õ e a a ç o i s h l p l A s i f . , r eir a eir a s n t er e nda ções ena s i F er v p r im eoi p o si S egu b o ã i s m N B a m o a ão i c a l. vida in o u sec ou d mu s -se n . E ns : C on u r a nj o e her d i a ó r i d a l v a í a s a m em i vid bre s ia a ua f a tos. cr ia t - na s a”. n ag e a. So a r l m e da s r u e a e ve n i e s m r r T r e o a o e d a h p c m h r a r a fo tor la M in exe ad o s P aiv t r ans E sco r omo par a e a liz ar da iz ã o p à r u u e o e L L d m “ , a m m , ra d ir o u no m co es e o ci e siç ão do J a ne o se mb é l e il õ el a s d a mp o e t n p o f r en o a s c s s s i d a o e a a t r i a u m t s ace e ad tea u ano de s or a , ei o s en ag ple t o eça s fes s e 80 m p m o s m r o a u o s p h u o c a e ur que e f oi om q quen tor a P roc Já c s de s in a s , pe p o si . o e i l e r m p p õ e f o s is mT xem ta, c í–U pr o c í li a e r ua e P iau i a ni s m e p o a d f d o l e a a om n om do n eder só c ixan i va é de F e a a d P d , i 97 7 gi s a i ve r s em 1 A dal a Un e d c a e l úsic e, f a ic a . de M er o s mú s l c a s o c om r t er i is s o de a m o r p c om s eu

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HALLEY


HALLEY


Por João Veríssimo ENSAIO FOTOGRÁFICO

e t n a t s In rnidade? e t e ou rizonte de seu ho m lé a ra do olha pa nos. Mas : misturan a e d 0 ta 5 n á o h v , à a artística”. nde Lisbo ente mais te s ra n e G e s , m e ra a u o d q d ti na Ama de rma em eira sen o nasceu o de man stos na fo cional des d e a im a g N s rd s e a o rí s s b e a fe a V e r oão ode se rea da D s de que istrar form o, “tudo p rista na á de apena tando reg n im ju n e s o p te s e , rí m o e D o V . c ic ó s a fí e. Para trabalh a coisa s eternidad Veríssimo m ser um e o d ã o o p J , e instante e d ta a eternid desenhis contista, instante e e ro u q ic a m tr , s Poeta és, mo sa. na Revestr i, u q A . ue você u q 5 9 s lo 19 u c ó s tes tem o tipo de len

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A aparição e a aparência dos epílogos

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A despojada crepitação dos ícones


A valentia mission谩ria das ins贸nias


O degelo entre estranhos

Os pequenos passos da memĂłria

O ferro nas tantas idades do fogo

A solidão enfeitiçada


Os poros e o p贸len da luz


A senda iluminada da espera

O encanto predador dos casulos

O corpo ind贸mito dos anjos


A estranha utilidade da espera


CINEMA

leta p m ol co orisco, S o C rra d rete de m filme e T na ntérp “Era u nheiro o b a di m”. Di 014. I taca: e o d e o s 2 e s age Deu nos em astos d o mínim de cor HOLANDA 50 a thon B com áximo R VICTÓRIA O PO eom


R

io de Janeiro, 35mm, preto e branco, 125 minutos, 1964. Definições técnicas não seriam suficientes para caracterizar um filme que se tornaria emblemático no cenário cinematográfico. Há meio século, um jovem de 25 anos fez o que se tornou marco do cinema brasileiro. Escolhido para representar o Brasil no Festival de Cannes, em 1964 na França e indicado à Palma de Ouro, Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, completa 50 anos em 2014. Inspirado nas histórias populares do Nordeste, Glauber Rocha concebeu um filme que resiste cinco décadas depois de produzido. Prêmios não faltaram: Crítica Mexicana no Festival Internacional de Acapulco, México; Grande Prêmio Festival de Cinema Livre, na Itália; Náiade de Ouro no Festival Internacional de Porretta Terme na Itália, todos em 1964. Em 1965, o Troféu Saci de Melhor Ator Coadjuvante foi para Maurício do Valle como Antônio das Mortes e, em 1966, o filme ganhou o Grande Prêmio Latino Americano no I Festival Internacional de Mar del Plata, na Argentina. E não foram por acaso. Na ficha técnica, produção de Luiz Augusto Mendes; roteiro de Walter Lima Jr e Glauber Rocha; direção de fotografia e câmera de Waldemar Lima, cartaz de Rogério Duarte e, claro, direção do próprio Glauber. A trilha sonora de Sérgio Ricardo não poderia se tornar mais simbólica. Na canção final do filme, a perseguição de Corisco é musicada. “Se entrega, Corisco!/ Eu não me entrego não!”. Encontrado por

Antônio das Mortes, Corisco deixa seu recado na hora final: “Mais forte são os poderes do povo!”. O refrão ficaria conhecido até hoje: “O sertão vai virar mar / E o mar vira sertão!”. No desfecho, o último verso explica a que veio o filme: “Que a terra é do homem/ Não é de Deus nem do Diabo!”. O filme se passa quando Manuel, interpretado por Geraldo Del Rey, revolta-se com a exploração de que é vítima por parte do coronel Morais e o mata durante uma briga. Começa então a fuga de Manuel e sua esposa Rosa, vivida por Yoná Magalhães. Eles são perseguidos por jagunços até se integrarem aos seguidores do beato Sebastião, feito por Lídio Silva, no lugar sagrado de Monte Santo. Ao mesmo tempo o matador de aluguel Antônio das Mortes, vivido por Maurício do Valle, extermina os seguidores do beato. Isso faz com que o casal tenha de continuar fugindo e se encontre com Dadá, interpretada por Sônia dos Humildes, e Corisco, cangaceiro remanescente do bando de Lampião. Do elenco, apenas Yoná Magalhães e Othon Bastos continuam vivos. Corisco é interpretado por Othon Bastos, então com 31 anos. Já era seu quarto filme, depois de Sol sobre a Lama, Tocaia no Asfalto e O Pagador de Promessas, todos de 1962. Hoje com 81 anos, contou por telefone como este papel foi um divisor de águas na sua carreira. “Após Deus e o Diabo, passei quatro anos sem filmar outro papel. Foi uma experiência tão forte, tão importante, que eu achava que não podia destruir essa imagem. Só voltei a filmar quatro anos depois, em Capitu”, filme de 1968 dirigido por Paulo Cesar Saraceni, em que Othon Bastos interpretou Bentinho. twitter.com/@derevestres •

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CINEMA

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL É, SEM FAVOR, UM DOS MAIORES MOMENTOS DO CINEMA FALADO, DE TODA A HISTÓRIA DO CINEMA ALEXEI BUENO, POETA E ENSAÍSTA

O longa-metragem foi gravado em Monte Santo, Feira de Santana, Salvador, Canché (Cocorobó) e Canudos (BA), e teve as filmagens concluídas em quatro meses. No entanto, Othon Bastos precisou gravar o papel de Corisco em apenas 20 dias. “O meu papel foi rápido, mas eles ficaram filmando”, conta. Os moradores de Monte Santo fazem os figurantes do longa e aparecem nas tomadas de peregrinação. “Era uma estrutura pobre, muito pouca, de um cinema que não era de milhões. Era um filme com o mínimo de dinheiro e o máximo de coragem, na aventura e certeza que se estaria fazendo um bom filme”, relata. O ator Adriano Lisboa havia sido escolhido para fazer o personagem Corisco, mas comprometeu-se com outro trabalho. Assim, Othon foi chamado para o papel. “Eu tive que pedir licença dos ensaios de uma peça e ir para o alto sertão gravar. Fui levado de jipe até a cidade Monte Santo, numa estrada terrível de 1963, onde conheci os colegas Geraldo Del Rey, Maurício do Valle e Yoná Magalhães”. Mais de uma vez Othon Bastos define Glauber Rocha como um vulcão. “Ele ficava por trás das câmeras, ia jogando energia pra você e você ia fazendo as coisas como ele queria”, destaca sobre o diretor. O longa é marcado por curiosidades. No roteiro original de 139 páginas, a figura de Lampião aparece numa série de flashbacks. No filme, ele é encarnado, em sentido quase mediúnico, pelo próprio Corisco. “Se você reparar, o filme tem duas visões: até a entrada do cangaceiro é uma coisa, depois é outra. Tinha flashback e isso foi tirado para que Corisco conte a história”, fala Othon sobre a experiência. Para uma produção que marcou o Cinema Novo e a história do cinema brasileiro, Othon Bastos lamenta o esquecimento que sofre o longa. “O Brasil enterrou Glauber Rocha e toda a sua poesia. O Governo não pensa em cultura. O Glauber era uma pessoa que tinha que ser lembrada sempre”, critica. Meio século após a produção do filme muita gente se dedica ao estudo dos filmes de Glauber Rocha.

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Alexei Bueno, poeta, ensaísta brasileiro e diretor do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) do Rio de Janeiro, é autor de Glauber Rocha: mais fortes são os poderes do povo!, onde analisa cada filme do diretor. Porém, não se denomina pesquisador mas, sim, grande apaixonado pelo cinema. “Esta paixão nasceu exatamente na noite em que vi Deus e o Diabo na Terra do Sol, em 15 de março de 1977, no Cineclube Macunaíma no Rio de Janeiro. Eu tinha 13 anos, já tinha visto filmes, mas nada como ocorreu naquela sessão, uma espécie de choque estético, inesquecível. Escrevi um livro sobre um dos cineastas que mais admiro”, considera. Alexei Bueno faz uma equiparação didática: a produção de Glauber Rocha está para o cinema brasileiro como Villa-Lobos está para a música brasileira. “Não imagino comparação mais simples e perfeita”. Segundo ele, para que uma grande obra de arte seja marco não existe mistério algum: basta ser uma grande obra de arte. “Deus e o Diabo na Terra do Sol é, sem favor, um dos maiores momentos do cinema falado, de toda a história do cinema, pela concepção, pela força épica e lírica, pela visão de profundidade ímpar do país, pela mise-en-scène literalmente genial, por tudo isso e muito mais”, analisa. No conceito de Bueno, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, todos de Glauber Rocha, consistiriam na Trilogia Brasileira. “Formam uma visão completa do Brasil. Uma visão trágica do nosso irracionalismo, do nosso subdesenvolvimento político, das espantosas sobrevivências arcaicas que, infelizmente, estão mais vivas do que nunca entre nós”, critica. Essa relação fez com que Alexei Bueno, com apenas 18 anos, não suportasse a ideia de que não viria a conhecer Glauber Rocha. “Fui ao velório e lá passei toda aquela fria e triste madrugada de agosto de 1981. Eu tinha 18 anos, e nunca imaginei que não viria a conhecê-lo. Glauber foi um gênio do cinema, um gênio escancarado, escandaloso”.


a r r e T a N Sol do B

ahia e Rio de Janeiro. Em um, Glauber Rocha nasceu. No outro, morreu. No site Tempo Glauber, que remete ao espaço Tempo Glauber fundado no Rio de Janeiro em 1983, dois anos após a morte de Glauber, Dona Lúcia Rocha, mãe do cineasta e falecida em janeiro deste ano, reuniu e divulgou a obra do diretor. No espaço, foi publicado trecho onde Glauber Rocha explica de onde surgiu a ideia do filme: “Eu parti do texto poético. A origem de ‘Deus e o Diabo...’ é uma língua metafórica, a literatura de cordel. No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história que é de verdade e de imaginação, ou então que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A ideia

do filme me veio espontaneamente”, conta em depoimento disponibilizado no site. Glauber Rocha nasceu em 1939 em Vitória da Conquista, Bahia. Foi representante do Cinema Novo, movimento cinematográfico surgido no Brasil na segunda metade dos anos 50. Juntamente com Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra e outros, Glauber Rocha inaugurou uma perspectiva crítica sobre os filmes produzidos no Brasil, que refletiam sobre situações sócio-políticas do país e procuraram contrapor interesses industriais no cinema. Morreu em 1981 no Rio de Janeiro, vítima de complicações respiratórias. Foi velado no Parque Lage, cenário de Terra em Transe, em meio a grande emoção e exaltação, cena esta que foi registrada no documentário Glauber o Filme, Labirinto do Brasil, de Sílvio Tendler. Foi casado com a atriz Helena Ignez, que, por sua vez, depois se casou com Rogério Sganzerla, representante do Cinema Marginal. Pai de cinco filhos, Glauber Rocha foi idolatrado por uns e odiado por outros. Enérgico e revolucionário, na metáfora do filme que lhe deu destaque Glauber Rocha não foi nem Deus, nem o Diabo.


VIDA

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a pequena loja, uma senhora oferece seus préstimos ao proprietário: “Sou sua vizinha, aposentada, tenho tempo livre. Posso lhe ajudar a arrumar os livros ou ficar aqui, se você precisar sair”. A oferta parece surpreender o proprietário. Mas nem tanto. Desde que Ricardo Lombardi, 44 anos, largou uma carreira considerada bem sucedida no jornalismo e resolveu se reinventar, tem sido assim: as pessoas se interessam pela sua história e parecem querer participar, de alguma forma. O sebo Desculpe a Poeira ocupa a pequena garagem da mãe de Ricardo, dona Lúcia. O ponto, de 3 metros por 8, é alugado por 600 reais - coisa de mãe. O preço de mercado está por volta de 1.500

reais. Numa região charmosa do bairro Pinheiros, em São Paulo, com rua de calçamento, outras garagens também viraram negócios diferenciados, como lanchonete e serviço de costureira. As estantes laterais e mais uma menor, ao centro, estão abarrotadas de livros criteriosamente escolhidos pelo jornalista, agora livreiro. São apenas uma parte do acervo que ele possui e zela. “Depois deixa que eu coloco de volta, tá?”- diz para uma cliente que havia tirado o livro da estante. Ricardo já gostava de indicar leituras - na maioria das vezes, livros e revistas. Há sete anos tem um blog no Estadão onde faz exatamente isso. O blog tem o mesmo nome da loja e ele diz: “Um dia tive um clic: vou fazer isso analogicamente. Vou colocar minhas sugestões de leitura fora do virtual!”. twitter.com/@derevestres •

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VIDA

COMECEI A FICAR INCOMODADO COM O MERCADO DE JORNALISMO. MINHAS FUNÇÕES ESTAVAM CADA VEZ MAIS DISTANTES DA ESSÊNCIA DA PROFISSÃO. [...] ENTÃO FUI PROCURAR OUTRO PROJETO, ONDE EU PUDESSE ME ENCAIXAR MELHOR No blog há textos sobre Machado de Assis, Truman Capote, análises sobre os 100 livros mais vendidos na história e indicações que podem começar assim: “Por que ler...”. Na loja física o livreiro pretende oferecer um atendimento personalizado. “Eu quero que as pessoas entrem e se sintam bem”. Desde o dia em que teve o clic, há cerca de um ano e meio, boa parte dos finais de semana do jornalista foram na garagem: limpando, pintando, colocando prateleiras, iluminação, “até quando eu achei que já era hora de desligar uma chave e ligar outra”, diz. “Pra mim é tudo muito novo. Passei 25 anos dentro do jornalismo, minha carreira é dentro de redação”. Ricardo começou a trabalhar aos 17 anos no setor de arquivo do Estadão, na época em que virou estudante universitário. Iniciou os cursos de

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Direito e Letras, abandonando ambos e indo se encontrar no curso de jornalismo que fez na faculdade Cásper Líbero. Ele passou oito anos no Estadão. Foi mudando de função e de empregos. Morou em Nova York, onde foi correspondente do IG. Trabalhou em revistas e portais: Bravo, VIP, America Online e por último no Yahoo, até o início de 2014, onde atendia pelo pomposo cargo de Head of Media. Na maioria das vezes foi Diretor de Redação ou Editor. Quando achou que sua garagem estava pronta, viu que era hora de abandonar a carreira de jornalista. “Comecei a ficar incomodado com o mercado de jornalismo. Minhas funções estavam cada vez mais distantes da essência da profissão. Isso era normal, porque eu comecei muito mais a administrar uma revista do que a fazer jornalismo. Cheguei a um


DURANTE MUITO TEMPO EU VIVI DISSO [JORNALISMO] E ME APROVEITEI DISSO, DE VÁRIAS MANEIRAS, TANTO INTELECTUALMENTE COMO FINANCEIRAMENTE. MAS, PRA MIM, ESSA FASE PASSOU ponto em que 80% do tempo eu fazia coisas que não estavam ligadas ao jornalismo. Isso me pareceu algo esperado, mas eu não estava me adaptando. Então fui procurar outro projeto, onde eu pudesse me encaixar melhor”. Ricardo é frequentador de livrarias e sebos e comprador de livros. O Desculpe a Poeira tem um acervo de quase 5 mil títulos. Devido ao espaço reduzido, apenas cerca de 2 mil estão expostos. “Esse também é um trabalho de edição: escolher o que eu vou colocar na estante. É ainda a profissão de editor, né?”. Ele acredita que o Desculpe a Poeira vá ocupar um nicho no mercado: “As livrarias cresceram demais, são megalivrarias, tratam o livro como mercadoria, com a força do marketing empurrando os lançamentos. Por outro lado, os sebos, com raras

exceções, viraram depósito de livros, que ficam ali sem nenhum critério ou, às vezes, usando o mesmo critério da megastore”, avalia. E fala quase lamentando: “É a lógica capitalista, né?”. Ricardo pretende escapar a essa lógica: quer aceitar encomendas, indicar livros, conversar, atender as pessoas calmamente, quer que elas tenham tempo de descobrir que gostam de coisas que nem sabiam que existiam. Ele trabalha sozinho e, desde que abriu, tem se surpreendido com o movimento, tanto que há dias não consegue atualizar a prateleira que já tinha na Estante Virtual, uma plataforma de sebos. Considera que a internet é o elemento que pode ajudar os pequenos negócios a funcionarem, mas analisa que as lógicas no virtual e no real são distintas. “Na Estante Virtual a pessoa geralmente já sabe o que

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VIDA NO DIA EM QUE REVESTRÉS VISITOU O SEBO DE RICARDO, O ESPAÇO ESTAVA FUNCIONANDO HÁ APENAS UMA SEMANA. O LIVREIRO É ATENCIOSO, FALA COM CALMA E, DESDE QUE RESOLVEU MUDAR DE VIDA, TAMBÉM DEIXOU A BARBA CRESCER quer. Na loja física, ela vai procurando. Na digital cabe tudo, na loja cabe só uma fração do acervo”. O jornalista diz que se preparou para dar o salto que pretendia, embora não tenha noção de onde isso vá parar. Ele continua com o blog no Estadão: “Isso deixa meu pé dentro do jornalismo”, afirma, “mas a vida de executivo eu não aceito mais. Considero uma página superada em minha vida”. E é sincero ao afirmar: “Durante muito tempo eu vivi disso e me aproveitei disso, de várias maneiras, tanto intelectualmente como financeiramente. Mas, pra mim, essa fase passou”. Tomou uma decisão profissional, mas também de vida. Vendeu o carro, anda de bicicleta e já disse que não paga mais 300 reais em restaurantes. Hoje vive com cerca de 30% da renda que já desfrutou. Além do recente sebo e do que ganha no Estadão, outra fonte de renda vem de um segundo imóvel que aluga. Ele é casado com Camila Sarpi, designer de joias, e tem dois filhos, de seis e dois anos. No dia em que Revestrés visitou o sebo de Ricardo, o espaço estava funcionando há apenas uma semana. O livreiro é atencioso, fala com calma e, desde que resolveu mudar de vida, também deixou a barba crescer. Reclama que, em São Paulo, as pessoas andam muito apressadas, sem tempo para nada. O tempo, que ele reclama para os outros, também busca para si: deseja coisas como fechar para almoço e ter mais tempo para família. Educado, lembra que são quase 18h, e quer pegar os filhos na escola. Nada mais justo para quem resolveu se reinventar e ser dono do próprio horário. Ricardo ainda se surpreende com o interesse que sua história tem despertado. Ele tem sido procurado por jornalistas e pessoas que querem conhecê-lo ou ajudá-lo espontaneamente. E acha que tem uma explicação para isso: “Não é só o sebo. As pessoas se interessam pela história de ruptura com a vida que se levava”. O livreiro não tem intenção de aconselhar ninguém, mas reflete: “Se você está saindo da sua casa e 54 • facebook.com/revista revestres


passando 10 horas por dia num lugar, fazendo alguma coisa, você precisa enxergar um sentido naquilo. Pode ser um sentido temporário: a pessoa está fazendo aquilo porque daqui a dois anos vai pegar esse dinheiro e tirar um ano sabático na Europa. Ou pode ser o sentido da paixão mesmo - ‘eu amo fazer isso’”- filosofa. E continua: “Cada pessoa encontra isso em alguma fase da vida. O Nelson Freire, pianista, encontrou isso aos quatro anos de idade, então pra ele foi mais fácil (risos). Mas as outras pessoas têm fases distintas. Acho que a riqueza do ser humano tá nisso: você trocar de fases, de projetos, de acordo com a fase interior que você vive”.

Endereço do sebo Desculpe a Poeira: Rua Sebastião Velho, 28-A, Pinheiros, São Paulo-SP Endereço do Blog: cultura.estadao.com.br/blogs/Ricardo-lombardi/ No facebook: /SeboDesculpeAPoeira


MĂšSICA

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les nasceram no município de Barão de Grajaú, no Maranhão, mas já conquistaram pelo menos 30 cidades do interior daquele estado e do Piauí. Há 11 anos, os cinco irmãos que compõem a banda Os Meninos de Barão atraem milhares de pessoas e conquistam fãs por onde passam. As dificuldades enfrentadas na infância impediram que eles crescessem em tamanho, mas não foram obstáculo para a carreira artística e o sucesso. Dimy, Zé Nilson, Tony, Zilton e Edilson não andam pelas ruas de alguns dos municípios do Piauí e Maranhão sem serem reconhecidos. Dão autógrafos, fazem selfies, recebem apertos de mão dos homens e beijos assanhados das mulheres. A agenda chega a ser mais lotada do que a de muitos artistas com projeção nacional. Em alguns meses eles fazem até 28 shows. A média habitual é de 15 a 20 por mês, às vezes com duas apresentações no mesmo dia. Encontrar data disponível para contratá-los não é uma tarefa fácil. Os interessados devem se antecipar. A carreira dos irmãos teve início quando o mais novo, Tony, hoje vocalista da banda, tinha apenas 7 anos. “Nós sempre tivemos esse sonho. Come-

çamos participando dos festivais de calouros e a gente ganhava. Aí aconteceu essa ideia de montar a banda só com a família”, conta Tony. O nome do grupo veio da associação com a cidade onde eles vivem e com o tamanho dos rapazes, naquela época ainda crianças. Hoje, o maior deles é Tony, que tem menos de 1,60m. A ideia deu tão certo que Os meninos de Barão trabalham quase sem folga. Cada show tem três horas de duração. Ou seja, a rotina dos irmãos se resume basicamente à estrada e aos palcos. “A gente gosta do que faz, mas tem hora que cansa”, admite Edilson, um dos tecladistas. A responsável por tudo isso, que vende os shows e organiza a agenda, é a matriarca Alexandrina Vieira. É ela também quem acompanha a banda por todos os lugares, fazendo o trabalho da mãe que cuida dos seus “meninos” e de produtora. Tentando segurar uma lágrima no canto do olho, Alexandrina lembra as dificuldades enfrentadas pela família. “Há 20 anos o acesso à saúde no interior do Maranhão era muito difícil. Eles nasciam bons, mas quando começavam a andar sentiam dor nas pernas. O médico dizia que era falta de cálcio”, conta. twitter.com/@derevestres •

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MÚSICA

NÓS SEMPRE TIVEMOS ESSE SONHO. COMEÇAMOS PARTICIPANDO DOS FESTIVAIS DE CALOUROS E A GENTE GANHAVA. AÍ ACONTECEU ESSA IDEIA DE MONTAR A BANDA SÓ COM A FAMÍLIA TONY, VOCALISTA

Mas não era só isso, faltavam também vacinas e alimentação adequada. “Se for contar nossa vida, dá um romance. Passamos por momentos difíceis, que só a gente sabe. O mais novo é perfeito assim (refere-se a Tony), porque nasceu em uma época melhor e a gente pode acompanhar”, disse Alexandrina. Hoje Os Meninos de Barão são um sucesso. Em algumas ocasiões, já tocaram para mais de oito mil pessoas. Nas cidades de Barão de Grajaú, Balsas, São Francisco, São João dos Patos, Guadalupe, Palmeirais, Amarante e Floriano, todos sabem quem são eles. E as músicas da banda chegam a ser as mais pedidas nas rádios locais. Eles interpretam os ritmos mais atuais do forró, arrocha e sertanejo, mas também fazem sucesso com as suas próprias composições. O com-

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positor é o outro vocalista do grupo, Zé Nilson. “Temos umas 20 músicas. Já dava para gravar um CD todo autoral”, disse. Quando sobem no palco, a aparente timidez se transforma em carisma. Algumas adaptações são necessárias, principalmente para Zilton, tecladista. A mala onde são guardados os instrumentos serve de batente para que ele consiga alcançar o teclado e ainda possa ser visto. As luzes coloridas e a voz dos cantores, tão igual a dos vocalistas de grupos espalhados pelo Brasil, completam o show. Em festas com duas bandas ou mais, os pequenos artistas são a grande atração. Com o trabalho, os meninos da dona Alexandrina já garantiram uma casa melhor para a família e outros bens materiais. A mais nova conquista


Nosso Amor não tem Fim Compositor Zé Nilson Está distante o meu amor mas sei que não me esqueceu não é feliz com outro alguém não existe mais ninguém diga por que continuar assim só pra sofrer sei que gosta de mim eu te amo

da banda foi um micro-ônibus que ainda nem tem placa. “Isso vai trazer mais conforto para as viagens”, ressalta Dimy, responsável pela iluminação, som e também motorista do grupo. O sonho agora é continuar fazendo sucesso e conquistar mais espaço no Nordeste ou mesmo no restante do Brasil. A banda, que já tem 10 CDs promocionais planeja lançar o primeiro DVD no próximo ano. No que depender do carinho e da euforia dos fãs quando os cinco irmãos se agigantam no palco, todas as conquistas já estão garantidas.

(REFRÃO) O meu desejo é ter você comigo aqui dizer que é eterno tudo que sentir não há outra forma eu não vejo outra saída pra nós dois não faz assim nosso amor não tem fim. Por favor ouça o que eu te digo sem razão pra existir ficar contra esse amor sei que não vai conseguir diga por que continuar assim só pra sofrer sei que gosta de mim eu te amo.


GASTRONOMIA

e h c n E alde! b o frango o : n a Americ in Piauí. – B C u é o F agora made e c r i D o , ação d ar do mundo EMON s n e s IO POK ÍC a l R U v u A o op An TOS M A FO mais p A SEN POR LU

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á 60 anos, lá no Kentucky, nos Estados Unidos, vivia o Coronel Harland Sanders, fazendeiro. Ele já tinha sido vendedor, ajudante de ferreiro e sentia que faltava alguma coisa. Abriu um restaurante pequeno, num posto de gasolina de beira de estrada. O prato principal: frango frito. Claro que estamos falando do KFC, o frango mais famoso do mundo. A franquia existe em mais de 100 países no mundo, mas nunca chegou à Teresina. O que acaba de desembarcar por aqui é o primo do frango crocante de Kentucky – o FCB American, sequinho e crocante como o original e, como manda a tradição, vendido no balde. O dono não nega a semelhança: foi comendo nas franquias do KFC por toda a América Latina que Kleber Nussrala inspirou-se para montar seu restaurante. “Eu trabalhava numa multinacional e viajava por vários países, e sempre me pegava com fome a noite, no fim do dia. A opção era sempre o frango crocante”, recorda o empresário maranhense. Kleber casou-se com Elsiane, uma teresinense, e juntos rodaram por vários lugares do mundo. “Morei 21 anos em Curitiba, trabalhava com comércio exterior, mas sempre desejei ter meu próprio negócio”.

Há cinco anos começou a pensar na ideia para valer, e junto a esposa idealizou o FCB (Frango Crocante no Balde). Apostou nas pesquisas de mercado que apontavam Teresina e São Luís com grande potencial de crescimento nesse ramo, e no gosto popular por frango. O FCB inaugurou dia 21 de outubro, na Avenida Principal do Dirceu. A escolha do lugar também respondeu ao que indicavam as pesquisas. “Meu produto se encaixa nas classes A, B e C, e o Dirceu é um bairro que engloba todas essas classes”. A data de abertura foi divulgada em outdoors e com um grande faixa: um simpático frango azul sorrindo e abraçando a sigla. No cardápio, cinco opções de tamanho de balde estão disponíveis ao cliente: o balde mini, pra uma pessoa, custa R$11,50 e o balde família com 20 pedaços sai por R$42,99. Pedaços selecionados de frango com osso são marinados, empanados à mão e fritos na hora – o segredo está no tempero e na corânica que permite o frango ser sequinho por fora e macio e suculento por dentro. Kleber, que já manjava de cozinha, inventou seu próprio tempero e treinou as 12 pessoas que hoje lhe ajudam no restaurante.

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GASTRONOMIA

É claro que a ideia tinha que ser abrasileirada – para acompanhar os baldes de frango, Kleber criou as porções de risoto, arroz com moela, batata frita e macaxeira. Todas têm bastante saída, mas ainda ficam perdendo para o balde. “O público infantil é uma boa parte da clientela, eles gostam como Mac Donald’s”, comenta o dono. A semelhança com o fast food fica sobretudo no modo prático de produção (“São 4 etapas: tempera, empana, frita e embala”) e na aparência da lanchonete – tudo foi padronizado para ser um projeto piloto de franquias. “O próximo passo é abrir outra loja na zona Leste. O público dessa região tem vindo muito até o Dirceu provar o nosso frango”, observa o empresário. Até o final do ano que vem, a pretensão é abrir mais três lojas na cidade, e, logo mais, expandir para o meio-norte do país – Maranhão, Para e Ceará podem ser os próximos estados a receberem o KFC do lado de baixo do equador. Além do sabor, Kleber pescou os clientes pelo balde. “As pessoas fazem questão de levar o balde pra casa, algumas estão até colecionando”, comemora. “Acho que é uma inovação porque o fran62 • facebook.com/revista revestres

A IDEIA TINHA QUE SER ABRASILEIRADA – PARA ACOMPANHAR OS BALDES DE FRANGO, KLEBER CRIOU AS PORÇÕES DE RISOTO, ARROZ COM MOELA, BATATA FRITA E MACAXEIRA


SÓ POSSO DIZER QUE PARA ELE FICAR SEQUINHO TEM A VER NÃO SÓ COM O MODO COMO É FRITO, MAS TAMBÉM COM O TEMPERO KLEBER NUSSRALA, EMPRESÁRIO

go na brasa que se consome por aqui é durante o dia. Não entrei para competir, tirar a clientela dos outros, mas sim para ser uma opção noturna”, faz questão de frisar. O segredo da crocância e do tempero, assim como o velho Sanders, Kleber não revela. “Só posso dizer que para ele ficar sequinho tem a ver não só com o modo como é frito, mas também com o tempero”, revela. Foram muitos anos sonhando com seu próprio restaurante, até ver tudo isso virando uma realidade. A sensação não podia ser outra: “Quando eu vejo um cliente abrindo o balde e dizendo ‘que cheirinho delicioso’, eu me sinto muito realizado”.


Lenora por Janaína 3

lembranças para uma noite quente. Ou como falar da minha tia ídola-inspiração em poucas linhas.

A lavadeira. De criança eu lembro, no teatro assistindo Nósdestinos, lá nos anos 90, tia Lenora dançando e a tia Rosa cantando: ela era uma lavadeira, dançava e tirava da barriga vários tecidos: amarelo, laranja, vermelho, rosa, amarelo, laranja... Aquilo era tão impressionante, tão lindo, tão próximo e tão distante, que ficou na memória estética e sentimental. O apartamento. Na sua casa, quando eu ia pequena para dormir lá (era um dos programas preferidos da infância em Brasília), ficava olhando meio hipnotizada todos aqueles quadros lindos de bailarinos espalhados pelas paredes, sem saber que eram Carolyn Carlson, Pina Bausch, Kazuo Ono... Aquele apartamento na Asa Norte tinha cheiro de arte e foi minha primeira biblioteca.

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Arroz com capote. Programa obrigatório nas vindas ao Piauí são as noites regadas a arroz com capote e conversas sobre todas as histórias da História da dança brasileira, pelo olhar de quem faz parte e é testemunha viva (sou uma pessoa de sorte!), de quem conhece todos os personagens e tem tanto conhecimento que escapa pelos poros. Conhecimento encarnado, vindo lá das ladeiras de Olinda, do cais em Floriano e do mundo. ... Uma fortaleza de sensibilidade, a mãe de toda a família, fascinada pelo corpo e pela arte do movimento, o olho clínico de quem é a grande mestra da arquitetura do movimento. De quem herdei o ofício maravilhoso e insano de trabalhar com a sensibilidade e a dança.


JANAÍNA LOBO É ARTISTA DA DANÇA E ARQUITETA FOTO SÁTIRO VALENÇA DIREÇÃO DO ESPETÁCULO NÓSDESTINOS - ARIMATAN MARTINS


Fotos André Gonçalves

Revestrés viu em São Paulo BIENAL DE ARTES Um dos mais importantes eventos de arte contemporânea do mundo, chega a sua 31ª edição com o título “Como (...) coisas que não existem”. No parêntese cabe de tudo: escrever, pensar, imaginar... A ideia é propor uma discussão sobre como o que não existe pode passar a existir e contribuir com uma visão diferente do mundo. Há artistas emergentes e obras provocadoras. Entre elas a instalação “Errar de Deus”, do grupo argentino Etcétera...E León Ferrari, que traz imagens de Nossa Senhora cobertas por baratas, escorpiões e uma cobra. Um abaixo assinado, que será enviado ao Papo Francisco, pede que a Igreja Católica acabe com a ideia de inferno. Há ainda telefones que convidam a tentar falar com Deus. Ele tanto pode estar ocupado como pode dizer uma mensagem diretamente a quem o telefona. Em tempo: Revestrés assinou o pedido para que se acabe com o inferno e falou com Deus. Ele informou: “Não é erro de programação. Eu fiz o ser humano assim mesmo”. SALVADOR DALI 218 peças do pintor, ilustrador, escritor, catalisador de correntes de vanguarda, designer e cineasta Salvador Dalí (1904-1989) estão expostas no Instituto Tomie Ohtake. Elas trazem uma retrospectiva do artista espanhol. Há trabalhos minuciosos – ele chegou a pintar com pincéis de duas cerdas e auxílio de uma lupa - e belas gravuras pouco conhecidas

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Salão do Livro em Parnaíba O Salão do Livro de Parnaíba - Salipa, em sua quinta edição, levou para o litoral do Piauí escritores como Cristovão Tezza, Alice Ruiz e Sônia Rodrigues. Este ano o evento fez homenagem a Assis Brasil, escritor piauiense, parnaibano, que tem mais de 100 livros publicados e, somando-se todos os livros, já vendeu mais de um milhão de exemplares. Além de palestras, aconteceram feira de livros, shows de música e uma programação dedicada às crianças. João Cláudio Moreno fez show em homenagem a Luiz Gonzaga. O evento (de 12 a 15/11) é realizado pela Prefeitura de Parnaíba em parceria com a Fundação Quixote.

Por Aí que ilustraram livros como Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Dalí também estuda a relação com a mulher, Gala, por meio da pintura. Ela está em diversas obras – como em El pie de Gala, em versão 3D. O lado marqueteiro de Dalí, muitas vezes criticado, aparece de forma divertida. Em comerciais de TV, ele é garoto-propaganda de uma empresa aérea e de uma marca de chocolates. A exposição segue em São Paulo até 15 de janeiro. DAMIEN HIRST Considerado, hoje, o artista visual mais famoso e rico do mundo, o britânico Damien Hirst, 49 anos, tem revolucionado o mundo da arte com obras desconcertantes. Ele é tido como a maior celebridade visual desde Andy Warhol, é acusado de usar a arte como entretenimento e calcula-se que sua fortuna chegue a R$ 870 milhões. Na série inédita Negras Paisagens Urbanas em Bisturi, na galeria White Cube, 17 telas exibem representações em grande escala de mapas aéreos. Quando o visitante se aproxima, vê que a obra foi cuidadosamente construída com estiletes, bisturis, giletes. A ideia é indicar o quanto as grandes cidades, vistas de perto, podem ser cortantes. No dia da abertura o artista vendeu seis telas, cada uma avaliada em R$ 3,6 milhões.

A exposição Por Aí reúne 30 fotos de André Gonçalves e Manoel Soares, clicadas em diversos lugares do mundo. As fotos mostram alguns dos lugares por onde os fotógrafos passaram e revelam detalhes de cidades como Paris, Milão, Veneza, Buenos Aires, Rio de Janeiro. A abertura da Exposição aconteceu dia 03/12, na Urban Arts, em Teresina. Ela permanece no local até o início de janeiro e a visitação é gratuita.

Favor esquecer Camões. Proibido mexer no meu estilo. Merci. Ademã é uma homenagem a Ibrahim Sued, o maior colunista social do Brasil, que encerrava suas colunas com “a demain, de leve!”

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A D N A R A AV

u o yo s. t s an pen hap ther pl non) t a h n o is w aking ohn Le e f (J m Li st á usy b e d a q ue e n a r r a v a a d ou e t ro s u nd a , lemyenos de t rês m da casa da Grota F vore i h r r w nc o d a á nd o a nd a

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t ro no s e g u os e e. E pelo r o v r á ois pa lm a d m s u o n e e b so is ou m to de m a r a g la m o de s ob e u e nt o . do o bich o im n r a p lh m o o a c em fic r ia . Vê meio de da, o hom a m da pré-h istó n a r a v a r D r o nd e ie r a q ue v r v or e , p o g a r á u t a x d e t o e c for ma elo t ron a s. O la ubindo p ntena s de for m ig s quat ro s o t r a g la , ce o pela for m iga s a mpa r a d e o n a s , de d de s c e m ia o , ap o s hu m a o ã d m a r a a s p a nd o to fica a s idênt ic ga r to va i devora ir e t n ia d la elo pat a s , a s e sc em p r idos, e o d p s m la o E c . e m zia s de dos fi nos que se aprox ima c o me d ú e u s q a , o ig t r o laga a s for m nc o nt r a m e e am ra . o c n o tr á s de out z de f ug ir, se ju nt r t a a m u , sa lto e , em ve for m iga s m rápido for m iga s u s a á d o ã o t t r n a ca lá, Ee ssa . O lag esmo t ronco, e fi m a m m e o no m e ju nta e at ac a m eio met r s . Q ue s a m ig is m a r m fo u e s ob e is s ob e a is e ma ca m o laga r to, q m o d n A té a d e v or c he g a m . a ve z c er r e t u u q o s e a z o t o, out r a v e devora nd e cerca m o laga r , lá a c fi e ro s o e ju nta m d e no v o, no s p o d e t r o e ga m se e h c m e o u it q u q ue a s re c e m o d á ou a lt u ra pa O laga r t a . t :o s io e íp a c e qu pr in u m sa lto o m n e b e u é q m r a d e ne v ít ima s d e v or a do nd o d a s a , n a v e rd a p im a c c a s r e a ta. co sa lto p pelo t ron é que some de v is co a z li s e d t r a s , at o t ron laga r to u ra de ou t inua m descend c o r p à i e va c on r m iga s E a s fo a b a i x o.


o d n u m o a r a pH v i ad a c a en e s cr i t a . i n ô r c m ail.co fira a t ur a e . Con do por lei tres@gm o t x e ves mt o na da co sta, apaix l: ocupere cu p a i i r a o a é m d oés un , us e vestr e sec ez Re estudant ssa seção v a t e o, Des par a r valh oduz ro C a r d p e ê P oc p or qu e v ia r o v n e P ar a

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oje é dia de visita na escola, mas não é qualquer visita. Não é dessas com gosto de café e conversa dos problemas da vida. Vêm o pai com o filho, pois essa visita está mais para planejamentos e assinaturas que para qualquer conveniência boba. É dia de conhecer a escola, afinal, o menino já está na idade. Chegam na hora do recreio, quando estão os jovens todos dispersos e circulantes como formigas, hora em que poderiam ver que há uma criança para tomar aquela vida, ou mesmo aquela vida para tomar uma criança. O pai ri: – Que coincidência! E, embora não entendesse por que, o garoto sabia bem que o pai fora atrás do maior número possível de contatos para se certificar de chegar na hora do recreio. Era fundamental analisar os olhos dos estudantes, suas expressões de surpresa, talvez devesse até passar bem perto das mesas para que uma mão trêmula de desespero lhe puxasse a manga com o sussurro de “Não, não faça isso, ele não merece”, ou talvez redobrar atenção para aqueles que escrevem no papel, vai que um deles escreve “Socorro” e coloca o bilhete no seu bolso, enfim, vai que. O diretor recebe-os de braços e sorrisos abertos, e embora eu já tenha dito que não era visita de convites para tomar café, ele me trai e os convida. A criança olha para o pai, o pai olha para a criança. Vão ambos para a diretoria, mas não sem antes bisbilhotar vertiginosamente cada fresta de porta que aparecia, e também pôr um olho vigilante em cada janela de sala, e checar se a escola tem extintor, e também segurança. Quando chegam na diretoria, que para o desgosto do pai tinha livros demais, diabo é isso, vão querer forçar meu filho a ler tudo, o homem começa a disparar sua metralhadora de nomes e números. São tantos por cento no vestibular tal, com tantos por cento já na primeira fase, e uma enxurrada ácida de siglas e letras maiúsculas, e bons resultados na universidade da cidade tal, mas meu Deus, querem jogar meu filho no outro lado do país, eu ainda nem sentei, diretor, e como assim programa para o exterior, eu sou é do interior, onde fica esse exterior? – Não, doutor – Interrompeu ele, com uma mão

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de advertência – Tudo menos essa conversa de United States! E depois de ter-lhe dito o preço da mensalidade, o preço do lanche e de ter sugerido o preço que pagaria se a prestação atrasasse, deixou que saísse daquela sala tão apertada, tão claustrofóbica. Ainda era recreio, e para o pai não havia chance melhor: embrenhou-se naquela selva estudantil. Vigiava-os, ponderando em sua balança mental a possibilidade de terem sido todos instruídos a costurar nos rostos aquelas amostras serenas de sorriso, tudo enquanto ele estava na sala do diretor. Podem ter arrastado aos prantos cinco ou dez rebeldes para alguma câmara subterrânea de fuzilamento, onde a carne morta seria usada para fazer o lanche e o sangue para regar as belas rosas do jardim. Vai que aquelas tapeçarias na parede não ocultavam marcas de fios de choque, pau-de-arara, grilhões e manchas de sangue, vai que isso aqui antes não era um centro militar de tortura, enfim, vai que. Logo o pai conheceu toda a instituição, da cantina com cheiro de frango e gordura à vastidão verde e quente do campo. Caminhou cuidadoso, como se houvesse dezenas de minas vietnamitas que esperassem, astutas e escondidas, por um passo errado e definitivo. Ia o filhinho tão bem agarrado ao seu braço, quase um bicho-preguiça, que era como se fosse possível uma força sobrenatural sair das profundezas do inferno e levá-lo para sempre de seus braços, como se pudesse acontecer de um repentino apagão escurecer tudo, e quando a luz voltasse, o garoto não estaria mais lá. Mesmo estando tudo tão claro, limpo, organizado e disciplinado, havia para aqueles dois pares de olhos um cinza nevoeiro escolar. O nevoeiro mais denso, mais cruel, mais incógnito. De toda forma, por via das dúvidas, só para não dar sorte ao azar, mantinha-lhe consigo, encolhido e bem colado ao braço. Mas afinal, de que é feita a cola que gruda tão bem os dedos do pai no menino? Talvez do medo dessas escolas pagas, da mensalidade que vai agora invadir o quarto e puxar seu pé todas as noites, do receio do menino estressar e fugir, desse monte de livro fazer o menino virar ateu, ou até maçom, da quase certeza de o menino voltar com vergonha dos pais, porque não têm tanta condição como os outros. Ou pode a cola ser feita simplesmente de um amor de pai que luta feroz contra a ideia de entregar o filho assim, meio de bandeja, meio de graça, para longe de casa, para o mundo, para sempre.


POR RADAMÉS ARAÚJO

SIGNIFICADO Magote Ajuntamento de pessoas ou coisas; bando, multidão; rancho; acervo. Sinônimo de “ruma”, “montão”. Ex.: “Eita, que tem um magote de menino chutando bola e é já,já que um arranca a tampa do dedo”. Seção inspirada na Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês, de Paulo José Cunha.


Foto Maurício Pokemon

Por Mirton de Paula

MÚSICA

Sem ela, minha vida não movimenta. Do clássico ao metal, depende do meu humor. Há pouco tempo retomei o ato de degustar LPs.

Pode ser o litoral do Piauí ou o Mediterrâneo. O ato de absorver uma cultura e a experiência do deslocamento é o que importa, entrego-me a programar, interagir e explorar minuciosamente meu destino.

VIAJAR

HOBBY

ARTE

Sempre invento algo para ocupar meu tempo, acho que é coisa de gente inquieta mesmo. Colecionar, cuidar e praticar. Esses três verbos fazem parte da quebra de monotonia e sempre trazem um novo hobby na minha vida.

Antes de cursar publicidade o interesse já havia surgido, comprei uma Zenit, li muitos livros, revelei vários filmes e hoje a paixão é imensa. Filho caçula e temporão criado tendo a TV como babá, só podia resultar em uma paixão pelos comerciais. A propaganda bem feita emociona, é bem mais que um instrumento de varejo. Amo minha profissão.

PUBLICI DADE

CERVEJA

Falei de música em particular, mas aproveito para expandir o campo. Sou um amante da arte de modo geral. Chorei quando me vi diante de um Van Gogh, emociono-me com filmes, concertos etc. Seria completamente vazio sem a arte. Agradeço a educação que recebi.

AMIZADE

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FOTO GRAFIA

Nem preciso citar o clichê da “Canção da América”, carrego meus amigos no peito sempre. Em épocas de Facebook, prefiro uma boa conversa ao vivo e, de preferência, degustando uma boa música, bebida e comida.

Se eu troco um whisky mais velho que eu por uma boa cerveja? Lógico, hoje temos uma infinidade de marcas e tipos que valem a pena saborear. IPA, LARGER, STOUT etc. Uma bebida gelada que combina com o clima do meu país.

DIAS NUBLADOS E PÔR DO SOL

SKATE

Herança de quem nasceu em Teresina. Tenho verdadeiro fascínio por esses momentos. A luz que se vai do dia e os dias cinzentos. Aproveito para pensar e ficar em silêncio, sorrindo por dentro, e fotografar. Além de torcer pro Vasco, a coisa que mais me atraiu no mundo dos esportes foi o skate, pratiquei street em 87 e, agora, retorno como um 40tão no Long Board. Uma música no fone e um skate no pé curam qualquer mágoa.


CINEMA

DICAS Para muita gente o filme do ano. Relatos Selvagens, longe de ser um “filme com Ricardo Darín”, é um filme argentino, que tem Ricardo Darín como protagonista de um de seus seis episódios e que mostra gente que chega a uma situação limite e não consegue “deixar pra lá”. Damián Szifron, o diretor, conseguiu o apoio de ninguém menos que Pedro Almodóvar e sua El Deseo, e realizou o filme que tem um pouco do cineasta espanhol, um pouco de Quentin Tarantino e muito, muito, da alma argentina. Destaque para o impressionante elenco (que, além de Darín em excelente interpretação, tem Erica Rivas majestosa no delicioso episódio do casamento) que faz do filme um tanto ácido um momento em que as pessoas riem de situações absolutamente improváveis e limítrofes. Imperdoável não assistir.

MÚSICA

RELATOS SELVAGENS - DIREÇÃO DAMIÁN SZIFRON Ex-vocalista da banda de rock Pic-Nic, a cantora carioca Guidi Vieira lança seu primeiro CD, Temperos. O trabalho, independente, teve produção de Daniel Medeiros (Fino Coletivo) e marca a estreia da cantora no gênero MPB. Guidi já havia participado de CDs de artistas como Carlinhos Vergueiro, Amin Nunes e Doces Cariocas. Em Temperos, que para ser produzido contou com apoio de parceiros e amigos que realizaram um crowdfounding, Guidi passeia por diferentes estilos: blues, balada, xote e samba. São 10 faixas, nove inéditas e uma de Caetano Veloso - Tigresa. Temperos lança Guidi Vieira como um bom e promissor nome na MPB, e merece ser ouvido com atenção e carinho.

MÚSICA

GUIDI VIEIRA - TEMPEROS FACEBOOK:/GUIDIVIEIRA - SOUNDCLOUD.COM/GUIDIVIEIRA

Cantado por intérpretes como Ney Matogrosso, Zizi Possi, Milton Nascimento, Nara Leão, Fafá de Belém e Ângela Maria, o cantor e compositor piauiense Clodo Ferreira fez em dezembro o pré-lançamento do CD que leva seu próprio nome - Clodo Ferreira. O CD será lançado oficialmente no primeiro semestre de 2015, e nele estarão canções inéditas do compositor em parceria com nomes como Dominguinhos (Carece de explicação), Evaldo Gouveia (Agora é fácil), Cezzinha (Gostando de mim) e outras novidades. “O novo CD tem a característica de ser composto por música tipicamente brasileira, com base em instrumentos acústicos (violão, cavaquinho, sanfona e percussão)”, diz Clodo. O repertório é todo de ritmos bem nacionais, como baião, toadas, valsas, choros e serestas. Para aguardar e ser das primeiras pessoas a adquirir.

LIVRO

CLODO - CLODO FERREIRA Bifurcações é novo livro do poeta Demetrios Galvão. Com o verso cada vez mais afiado, a escrita deste trabalho desenha uma intensa afetuosidade: seu universo particular, a experiência de ser pai, a casa, questões existenciais, a relação com seus gatos. Ao longo de 40 poemas, divididos em quatro capítulos, o leitor anda por descaminhos surrealistas, visionários. Demetrios também é autor de Cavalo de Tróia (2001), Fractais Semióticos (FUNDAC/ PI, 2005) e Insólito (Ed. Corsário, 2011). Na apresentação de Bifurcações (Patuá, 2014) o grande poeta Afonso Henriques Neto já avisa: “profusão de belas imagens (aponta para mundos encobertos, misteriosos, fantasmagóricos, luz aberta sobre o invisível).” (Thiago E) BIFURCAÇÕES - DEMETRIOS GALVÃO twitter.com/@derevestres •

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UM OUTRO OLHAR

POR JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

PINTURA RUPESTRE Brusca vertigem que, ao ser vislumbrada, cresce com cada lápide da santa arquitetura – lápis da ciência dos calendários cósmicos, marcando dentro do coração os fevereiros futuros. Fruto do vero carmim, minha carne transgride transparências concentrada na rosa e no jardim. O silêncio que pinta a solidão constrói pedras, passagens e paisagens para dizer ao tempo suas cores, como a figura dentro da amplidão da caverna é a sombra da criança. Ainda sinto os passos dessas formas.

REGISTRO DA FALA DO SILÊNCIO O que mais tem falado em mim é o silêncio, mas um silêncio plural – de fogo – que com sua língua escarlate abrasa as palavras e as queima antes de serem.

Um silêncio de lá, de longe – das plagas interiores – que fala o tempo todo sem dar nome ao dito. Em sonho é imagem: e vejo, inebriado, a sua cara – semblante formidável: tão formoso quanto pode ser um deus. O silêncio, este que fala e de que tanto falo, é um hieroglífico poema, e estes versos: tradução e codificação. 74 • facebook.com/revista revestres




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