Terreiro da tradição completo

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projeto SESC Terreiro da Tradição promove, desde 2007, apresentações de grupos ligados às culturas de tradição oral e atividades educativas que buscam aproximar do ambiente escolar os saberes e as práticas dos artistas populares. O registro do primeiro ano do projeto compõe a publicação SESC Terreiro da Tradição, que traz um catálogo de 30 grupos, provenientes de nove municípios do Ceará, com narrativas e poéticas de mestres e brincantes, além de textos dos pesquisadores Gilmar de Carvalho, Oswald Barroso e Ana Mae, depoimentos de educadores, alunos da Escola Educar SESC, seus familiares e demais colaboradores que participaram do projeto. A obra traz ainda fotografias de Davi Pinheiro e ilustrações de Vando Farias, sendo acompanhada de dois DVDs, de autoria de Henrique Dídimo, com o registro audiovisual dos grupos.

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Índice 04 Apresentação

Luiz Gastão Bittencourt

06 Introdução

2 Capítulo

ficha catalográfica elaborada por: Ana Paula Lima Barros - Bibliotecária (crb-3/647)

S493

SESC Terreiro da Tradição / Denise de Sena Abintes Cobello e Paulo Henrique Leitão dos Santos org. Textos de Oswald Barroso; Gilmar de Carvalho e Ana Mae Barbosa; ilustrações de Vando Farias; Fotografias de Davi Pinheiro. _ Fortaleza: SESC, 2010. p. il. Acompanha 2 dvds, documentarista e realizador áudio visual Henrique Dídimo. 1. Cultura Popular 2. Projeto SESC Terreiro da Tradição 3. Memória i. Cobello, Denise de Sena Abintes ii. Santos, Paulo Henrique Leitão dos iii. Barroso, Oswald iv. Carvalho, Gilmar de v. Barbosa, Ana Mae vi. Farias, Vando vii. Pinheiro, Davi viii. Dídimo, Henrique ix. SESC. Administração Regional no Estado do Ceará cdd – 306.4

Regina Leitão

46 Educação é Cultura

Dane de Jade e Gorett Nogueira

50 O SESC Fortaleza enquanto terreiro da tradição

Denise de Sena Abintes Cobello Vejuse Alencar de Oliveira Paulo Henrique Leitão dos Santos

62 Grupos Banda de Pífanos do SESC Boi Ceará do Mestre Zé Pio Boi Coração do Mestre Piauí Brincantes da Jandaiguaba Caninha Verde de Mestra Gerta Capoeira Cordão de Ouro SESC Ativo Coco do Iguape Coco do Pecém Companhia Catirina Cordão do Caroá Discípulos de Mestre Pedro Emboladores Marreco e Passarinho Garajal Grupo Ânima de Bonecos Mamulengo Estrela do Norte Maracatu Az de Ouro Maracatu Nação Axé de Oxossi Ora Sabá Omi - Afoxé Acabaca Pastoril Estrela de Belém - TSI SESC Pastoris de Mestra Rita Costa Quadrilha Junina Esperança Nordestina Esta obra foi composta em Chaparral Pro (tipografia projetada Boi pela calígrafa e designer norte-americana Carol Reisado de Caretas Coração Twombly), utilizada para corpo de texto (11/14) e títulos (46/46) e Armordisplay Reisado de Mestre Sebastião (tipografia projetada pelos designers pernambucanos da Tipos aCASo) utilizada para as capitulares e vinhetas. ImpressoLer em papel couché doReisado Metamorfose do Sertão - SESC mate (240 g/m - capa e 120 g/m Reisado - miolo) pelaSão Expressão Gráfica & Editora, em agosto de 2010. Miguel Reisado SESC Nossa Senhora da Saúde Repentistas Dimas Mateus e Rubens Ferreira Teatro de Caretas Toré dos Pitaguary 2

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Capítulo

12 Ceará - Uma Cultura Mestiça

Oswald Barroso

26 Tradição, Mídia e Mercado na Contemporaneidade

Gilmar de Carvalho

36 Ainda o Multiculturalismo

Ana Mae Barbosa

252 A popular arte de aprender e ensinar

Marta Araújo

254 Depoimentos de alunos, pais e educadores

286 Contatos dos Grupos 288 Artistas Visuais 290 Ficha Técnica

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Foto: Cláudio Pedroso

Apresentação

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SESC compreende a educação e a cultura como elementos indissociáveis e essenciais para o pleno desenvolvimento dos indivíduos. Com uma atuação multidisciplinar, agregadora dos saberes e competências acumulados nesses dois campos, a instituição vem contribuindo, há mais de 60 anos, para a formação de sujeitos autônomos, capazes de compreender o ambiente social em que vivem e aptos a participar, de forma afirmativa, ética e solidária, dos processos de transformação social. O projeto SESC Terreiro da Tradição é um exemplo bem sucedido de integração entre ações educativas e culturais. Tendo por eixo central a valorização das distintas expressões das culturas de tradição oral, o projeto vem oferecendo maior visibilidade aos grupos e artistas populares, ampliando o acesso às suas produções e propiciando ao público o contato com múltiplas linguagens. Acreditamos na valorização, fomento e difusão das nossas tradições culturais enquanto ferramenta de ensino e aprendizagem para as novas gerações. Por isso, esta publicação foi pensada na perspectiva de contribuir com a formação de educadores, pesquisadores e artistas, ensejando a construção de diálogos entre práticas e saberes, educativos e culturais, que permeiam os processos de formação das identidades do povo cearense. A presente publicação representa um esforço coletivo para a reconstituição da nossa memória. Sua edição concretizou-se graças à valorosa contribuição dos mestres e brincantes, artistas e estudiosos da cultura, educadores, alunos da Escola Educar SESC e seus familiares, e demais colaboradores, que, com imaginação e criatividade, projetam na sociedade novos olhares e ações. A todos que compõem este trabalho dedicamos a publicação SESC Terreiro da Tradição.

Luiz Gastão Bittencourt presidente do sistema fecomércio e conselho regional do sesc-ce

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Foto: Cláudio Pedroso

Introdução

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fomento e difusão das culturas populares é uma das linhas de atuação prioritárias do SESC no Ceará. Ao longo do ano, em uma ação continuada, realizamos em todo o Estado extensa programação de atividades educativas e apresentações artísticas que valorizam as diversas expressões das culturas de tradição oral. O Projeto SESC Terreiro da Tradição, desenvolvido conjuntamente, desde 2007, pelos programas Cultura e Educação, soma-se a esse esforço. Já no primeiro ano de sua implantação, o projeto promoveu, no SESC Fortaleza, apresentações de 30 grupos. Destes, 17 são oriundos de bairros da capital; os demais são originários dos municípios de Maracanaú e Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza; da cidade de São Gonçalo do Amarante e do distrito do Pecém, no litoral Oeste do Estado; da praia do Iguape, no município de Aquiraz; das cidades de Quixadá e Quixeramobim, no Sertão Central; e de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense. O registro audiovisual dessas apresentações compôs um acervo de inestimável valor, que ora disponibilizamos ao público, nos dois dvds que acompanham a publicação SESC Terreiro da Tradição. Na Escola Educar SESC, o projeto mobilizou educadores, que elaboraram um conjunto de atividades pedagógicas a partir de elementos das culturas tradicionais. Oficinas de cordel, xilogravura, escultura em argila, contação de histórias e brinquedos populares são alguns dos conteúdos que têm dinamizado nossas práticas e reflexões educativas. Essas vivências pedagógicas têm contribuído para o aperfeiçoamento das percepções estéticas, o estímulo à criatividade e à capacidade de improvisação, o desenvolvimento da corporeidade e das dimensões sensoriais e espaciais dos indivíduos, além de fortalecer os processos comunicativos e de socialização dentro e fora do contexto escolar, envolvendo profissionais da educação, alunos, familiares e comunidade do entorno da escola. Em 2008, aprofundando ainda mais essa relação, organizamos um encontro dos grupos, mestres e artistas com os educadores. Foi um momento importante de trocas e de diálogo, que propiciou o contato direto com as diversas redes de sociabilidades construídas afetivamente entre os indivíduos e coletivos integrantes de cada expressão cultural.

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O trabalho de pesquisa e documentação estendeu-se ainda por mais dois anos. Nesse período, a equipe do projeto visitou as sedes dos grupos e locais de moradia dos integrantes, registrando suas falas, poéticas e imagens. Todo esse material compõe a publicação SESC Terreiro da Tradição, material multifuncional de registro cultural e educativo, dividido em três capítulos. O primeiro apresenta textos do pesquisador Oswald Barroso, abordando as artes populares, a geografia e os elementos fundantes da cearensidade; seguido do professor Gilmar de Carvalho, que discute as relações entre culturas de tradição oral e culturas de massa; e finalmente a pesquisadora Ana Mae Barbosa, que destaca o multiculturalismo. O capítulo seguinte funciona como catálogo que explora as possibilidades da antropologia visual. Trinta expressões culturais participantes do Terreiro da Tradição têm suas estéticas e contextos interpretados nas fotografias, além de suas falas e poéticas transcritas através de recortes que complementam a iconografia proposta. O terceiro capítulo traz o relato das experiências pedagógicas inovadoras edificadas pelo conjunto de professores, famílias, educandos e coordenações pedagógicas, que fazem da Escola Educar SESC uma referência na inacabável construção de um currículo multicultural. A publicação SESC Terreiro da Tradição fornece aos leitores um conjunto de informações intercambiáveis e conexas às imagens dos coletivos artísticos registrados e será acompanhada, também, de exposição itinerante, reunindo o trabalho dos artistas visuais Henrique Dídimo, Davi Pinheiro e Vando Farias, respectivamente responsáveis pelo material audiovisual, fotográfico e pelas ilustrações que compõem a publicação. Ao propiciar o acesso à alternância das expressões culturais e à imagética dos fazeres e saberes das culturas populares, esperamos ainda estimular novas pesquisas nessa área do conhecimento e incentivar a realização de experiências educativas e artísticas. Com o projeto SESC Terreiro da Tradição, consolidamos o compromisso do SESC com a difusão e reconstituição da memória das culturas do nosso Estado.

Regina Leitão diretora regional do sesc-ce

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1 CapĂ­tulo


Ceará Uma Cultura Mestiça Foto: Andrea Gerônimo

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omo quase todo o Brasil, o Ceará tem uma cultura mestiça, formada a partir de etnias oriundas de três continentes, branco-europeia, afro-negra e ameríndia. Se comparado aos demais Estados brasileiros e nordestinos, chama a atenção uma maior contribuição ameríndia, ao lado da sempre hegemônica presença branca de origem europeia e de uma relativamente menor participação negra, na conformação étnica de sua gente e de sua cultura. Some-se a isto uma série de outros fatores, cuja enumeração faremos a seguir. Entre eles, a colonização retardada (em pelo menos cem anos) de seu território, acentuando a persistência de traços indígenas. Em seguida, a ocupação pela civilização branco-europeia sendo feita a partir do interior em direção ao litoral. Do ponto de vista geográfico, a ausência de zonas de transição (agreste e mata) entre sertão e litoral, determinando o largo predomínio do semiárido e diferenciandoo de outros Estados nordestinos. No que se refere à economia, os diversos ciclos, pelos quais passou sua história, notadamente o da pecuária e o do algodão, mas também o da carnaúba, o do caju etc. Como tipos característicos, a presença marcante do vaqueiro nos primeiros séculos da colonização determinando muitas das peculiaridades do cearense, além da presença de outros tipos, como o jangadeiro, o roceiro, a rendeira etc. Em relação ao clima, as estações que dividem o ano em um período chuvoso e outro sem chuvas. Além disso, o fenômeno da seca que com o adensamento da população transformou-se em catástrofe social, desorganizando periodicamente a sociedade com a intensificação do êxodo rural. Ainda do ponto de vista geográfico, as diversidades sub-regionais, incluindo sertão, litoral, serras e vales úmidos, e a existência do Cariri, zona de exceção dentro do semiárido, verdadeiro caldeirão de culturas. No que diz respeito à atividade produtiva, a ausência de uma tradição agroindustrial marcante compensada por uma vocação comercial e artesanal notável. Quanto à vida social, a urbanização recente e o crescimento agigantado de Fortaleza, a modernização acelerada da sociedade coexistindo com formas arcaicas de cultura e o aguçamento das desigualdades e dos contrastes sociais. Vale acrescentar a presença dos santuários de Juazeiro do Norte e de Canindé, os dois maiores centros do catolicismo popular no Nordeste. E ainda, o nomadismo, o despojamento, o desapego à terra e ao patrimônio, a inventividade e o espírito aventureiro, a hospitalidade, o cosmopolitismo, a molecagem e outras tendências psicossociais de sua gente. Enfim, estes e uma série de outros traços e fenômenos com implicações socioculturais, que somados ajudaram a tecer o amálgama cultural que informa a originalidade do Ceará.

Oswald Barroso É poeta, jornalista, escritor e dramaturgo. Graduado em Comunicação Social, Mestre e Doutor em Sociologia pela ufc, dedica-se à pesquisa sobre o Ceará e sua cultura desde 1975. Tem 20 livros publicados, entre textos para teatro, ensaios sobre cultura, reportagens, poesias e narrativas. Atualmente é professor de Cultura Brasileira, Estética, Antropologia da Arte e Música nas Tradições Populares, no Curso de Música da Universidade Estadual do Ceará. Coordena o Grupo de Pesquisas Cênicas do Theatro José de Alencar cnpq/uece. É membro das diretorias da Comissão Nacional do Folclore e da Comissão Cearense de Folclore e cidadão Honorário de Juazeiro do Norte. Foi diretor do Museu da Imagem e do Som ce e do Theatro José de Alencar. Criou e dirigiu o Teatro da Boca Rica. Fez parte dos grupos Siriará e Nação Cariri.

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a cultura do sertão O sertão semiárido, com sua economia fundada nos ciclos do gado e do algodão, ocupando quase todo o território cearense, é responsável pelas características principais de cultura cearense. Nele, por quase dois séculos, dominou o que Capistrano de Abreu chamou de civilização do couro, onde quase tudo girava em torno do boi. Do seu couro eram feitas as tiras que amarravam a taipa das paredes da casa, se fazia a mobília, o vestuário, as máscaras e inúmeros outros objetos. A carne comia-se nas três refeições ou transformava-se em charque, para vender. O leite bebia-se quatro vezes ao dia, virava manteiga, queijo, doce ou coalhada. Até hoje, no sertão, do boi, nem mesmo o berro se perde, porque imitado pelo vaqueiro em seus aboios longos e tristonhos. Os traços dessa cultura vaqueira ainda influenciam fortemente o imaginário sertanejo. Seus marcos são as fazendas de gado, outrora enormes territórios a estenderem-se em volta de uma casa-grande de paredes grossas, muitos alpendres, grandes depósitos e pouca mobília. Nelas moram os fazendeiros com suas famílias, rodeados pelas casas de taipa de seus agregados, pelos engenhos de rapadura, aviamentos de farinha, roças de subsistência e oficinas artesanais onde se sobressai a figura do mestre seleiro. A festa mais importante, ainda hoje, ocorre na data do santo padroeiro que, até o século passado, se fazia coincidir com a apartação do gado, da qual se originou a atual vaquejada.

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Nos meados do século xix, toma vulto o cultivo e o comércio do algodão, obrigando roceiros e fazendeiros a levantarem cercas para demarcar seus espaços. O boi passou a ser criado em confinamento, a população adensou-se, obrigando o desenvolvimento da produção de alimentos. Apareceu a figura do roceiro, desenvolveu-se o comércio, antes restrito às feiras e aos mascates que percorriam o interior. Surgiram as cidades, não apenas em torno das fazendas (como no início), mas também no cruzamento de caminhos e em volta dos portos de embarque do algodão e de outros produtos de exportação. O sertanejo em geral, a exemplo do vaqueiro, seu tipo mais característico, é profundamente religioso. Devoto do santo padroeiro de sua freguesia, sua religião mistura elementos do catolicismo ortodoxo e de rituais mágicos populares, originários de cultos animistas africanos e ameríndios. É ao mesmo tempo penitencial e festeira, fatalista e terrena, punitiva e redentorista. Expressa-se nas romarias, como a de Canindé, e nos ritos das irmandades de penitentes, mas também nas festas de padroeiro, renovações de santos, danças devocionais de São Gonçalo, lapinhas e pastoris. Inclui o uso de patuás, relíquias, escapulários, ex-votos, rezas fortes, superstições, mastros, cruzeiros, altares naturais e de carregação, salas de santos e outros objetos, instalações e procedimentos mágicos. A diversão do sertanejo, pelo menos até meados deste século, era cachaça e samba. Samba de terreiro ou latada, baile rústico ao som da rabeca, da viola e, mais recentemente, da sanfona. Além disso, eram as festas da Igreja Católica, os batizados, os casamentos e as festas de padroeiro, com suas quermesses e leilões. Hoje, além dessas, são os forrós e as vaquejadas. Na época natalina, formam-se os pastoris e brincase o boi, nos reisados de caretas (ou de couro), folguedo onde o boi é a figura principal, acompanhado de Pai Francisco (o vaqueiro) e de Catirina (sua mulher). Entram no brinquedo ainda outras figuras, como o Doutor, o Padre, o Urubu, o Babau, o Jaraguá, a Ema e a Burrinha. A introdução das relações capitalistas no meio rural, a divisão das propriedades, a decadência da pecuária, o quase desaparecimento da criação extensiva, o empobrecimento da flora e da fauna, o tempo e a modernidade, enfim, modificaram a vida no sertão e o próprio vaqueiro. Ele, que antes, nas fazendas de gado, constituía um seguimento de profissionais de elite, hoje, pouco difere dos demais trabalhadores rurais. Virou assalariado como os outros, ganhando remuneração miserável, por volta de um salário mínimo.

As mudanças nas relações de trabalho resultaram na quebra dos laços de dependência entre patrão e vaqueiro, provocaram também a ruptura dos laços de amizade e lealdade. Se desapareceram as relações de sujeição, desapareceu também o compadrio e a afetividade, que possibilitavam gestos de generosidade, por parte do fazendeiro. Como consequência, o vaqueiro troca com frequência de fazenda. Falta-lhe segurança no emprego. Nas travessias com o gado, foi substituído pelo caminhão. Pouco se liga à terra, ao gado, à fazenda e ao patrão. Seu nomadismo por vocação tornou-se uma imposição do meio social. Migra com facilidade, mudando de profissão. Em contrapartida, cresceu entre os vaqueiros e demais trabalhadores rurais a inclinação gregária, o sentimento de pertença a uma mesma classe, a solidariedade e a tendência a somar forças em defesa de reivindicações comuns. Por isto, o aparecimento de associações reunindo a categoria que, além da defesa dos interesses dos associados, organizam missas, cortejos, festas e outros eventos, para promover a outrora legendária figura do vaqueiro. São conhecidas as atividades das associações de vaqueiros de inúmeros municípios, entre eles Canindé, Morada Nova e Tauá. A cozinha sertaneja, a exemplo da cearense em geral, é a fusão do tempero antigo de Portugal, dos seus modos tradicionais de fazer doces e conservas (que inclui a herança moura, sarracena e árabe), com a alimentação indígena, os frutos da terra, a mandioca, o milho e as batatas, além de elementos vários de origem negro-africana. Sua culinária é sazonal, divide-se em uma culinária da estação chuvosa e uma culinária do verão. Explode em abundância na época da colheita, que corresponde às festas juninas (Santo Antônio, São João e São Pedro), quando mostra toda a sua pujança. No sertão domina a carne e o leite, embora apareçam também o milho, a mandioca, o feijão e o arroz (que, juntos, viram baião de dois). Além do artesanato em couro, que tem na arte do seleiro seu núcleo central, encontra-se um sem-número de outros artesanatos, com destaque para os trançados de palhas, cipós e fibras vegetais, para a louça de barro e o fabrico da rede.

A CULTURA DO LITORAL O litoral cearense, extenso e arenoso, embora marcado por traços da cultura do sertão, que muitas vezes chega até ele, guarda peculiaridades que lhe dão feições culturais próprias. Sua cultura gira em torno da pesca e outras atividades artesanais. Tem no jangadeiro e em sua mulher, rendeira ou labirinteira, seus tipos característicos. O jangadeiro é o pescador de águas salgadas, que utiliza a jangada como embarcação, por ele próprio fabricada.

Como resultado do aperfeiçoamento das antigas embarcações indígenas, operado por influência da arte náutica ibérica, surgiu a jangada imortalizada pelos poetas e feitos dos jangadeiros. Em seu tamanho maior, ela tem de seis a sete paus (duas bordas, dois meios e dois ou três centros), mede de 8 a 9 metros de comprimento, por 1,80 m a 2 m de largura. Em seguida, aparece a jangada tipo paquete (de 4,50 m por 1 a 1,30 m). O bote (de 3 m por 80 cm) é a menor delas. As jangadas grandes costumam levar quatro tripulantes: o Mestre, o Proeiro, o Bico-de-proa e o Contrabico. As jangadas eram construídas, antigamente, pelos próprios jangadeiros, em processo totalmente artesanal, com rolos de madeiras leves, como a piúba e a timbaúba, justapostos e unidos por espeques de madeira. Com o escasseamento dessas madeiras, entretanto, e para permitir melhor abrigo nas viagens mais longas, de algumas décadas para cá, as jangadas passaram a ser feitas de tábuas, tendo um porão, que permite não só o armazenamento do pescado, mas até o descanso dos pescadores. As velas tradicionalmente são confeccionadas de algodãozinho branco, porque pegam melhor o limo da maresia e a gordura do peixe, ficando mais resistentes com o tempo. No litoral Oeste do Estado, principalmente nos municípios mais próximos ao Piauí, como Camocim e Acaraú, a jangada é substituída pela canoa, como embarcação preferida dos pescadores. A canoa, que também é impulsionada por uma vela triangular, embora mais rápida quando pega vento, tem a desvantagem de naufragar com maior facilidade. Jangadas e canoas não permitem permanências prolongadas no mar, com pernoites repetidos. Geralmente, quando as utilizam, os pescadores embarcam madrugada cedo e voltam à tardinha, estacionando suas embarcações para a pesca de linha, ou tarrafa, na risca do horizonte (quando visto de terra, claro). Para a pesca da lagosta, que exige percursos mais longos e permanências mais demoradas no mar, são utilizadas lanchas, isto é, barcos lagosteiros a motor.

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Além da pesca mar a dentro, no litoral cearense é praticada a pesca de arrastão ou de linha, à beira-mar, e a pesca de curral, com os pescadores tomando o curioso nome de vaqueiros, pois, segundo dizem “criam peixes”. Há ainda a pesca, na foz dos rios, realizada em botes ou pequenas canoas, praticada, quase sempre, por aqueles que “não se dão” com o balanço do mar. São estas as embarcações “cavalgadas” pelo pescador cearense, em suas lidas marítimas, nas quais passa metade de sua vida, homem anfíbio que é, meio do mar, meio da terra. Navegador pouco afeito às longas travessias, suas incursões limitam-se às proximidades do litoral. Mais lírico do que épico, o mar concentra seu espírito, como algo maravilhoso e cheio de mistério, mas não para ser vencido ou dominado. Ao contrário do vaqueiro que objetiva vencer o boi, o pescador vive na defensiva, a um só tempo ele deseja e teme o mar, nunca o ataca. Um tanto desligado da vida em terra, o pescador é um imaginoso. Na solidão das águas seu espírito solta-se em histórias inverossímeis e ocorrências extraordinárias: narrativas de naufrágios e salvamentos miraculosos, aparições de seres encantados e animais humanizados, piratas, corsários, aventureiros vários, sereias, toninhas que protegem os náufragos, tubarões assassinos, baratas do mar, botos, peixes voadores etc. Também as furnas, pedras e lagos do litoral estão povoados de mistério. Correm lendas sobre serrotes encantados, aventureiros perdidos, princesas prisioneiras, pedras que soam, furnas que dão acesso a cidades subterrâneas, tesouros guarnecidos por monstros, pedras que se enchem e se esvaziam com a respiração do mar, ou os mais estranhos acontecimentos que se possa conceber. Em algumas praias, como Jericoacoara, por exemplo, todo um complexo de mitos e lendas, narrados por seus contadores de história, povoa o imaginário dos nativos. A casa do pescador, que já foi tradicionalmente de palha de coqueiro, hoje é de taipa, à semelhança das habitações da gente pobre da zona rural. Casa pequena, com chão de areia solta, dois ou três compartimentos e, quando muito, um alpendre (uma puxada, como dizem) na frente. Quando está no mar, o pescador veste calça e blusa frouxas de algodão tingido com cascas de árvores, como o cajueiro. Usa na cabeça chapéu de palha pintado de branco, em tinta impermeável. Sua esposa

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ocupa-se dos serviços domésticos e dos artesanatos do labirinto ou da renda, da confecção de tarrafas e redes de pesca ou do crochê. Quando está em terra, o pescador ocupa o tempo bebericando aguardente de cana nos botecos, embalado pelo som de um violão, por canções cheias de nostalgia e histórias de mar. Gosta de folguedos. A dança do Coco de Praia, a Caninha Verde, o Fandango, o Reisado de Caretas, os Pastoris, as Congadas e o Teatro de Bonecos (Cassimiro Coco ou mamulengos) são os mais tradicionais. Os homens velhos e mesmo os moços impossibilitados (por falta de gosto ou de saúde) para as tarefas do mar, ainda assim ocupam-se de atividades a ele ligadas. São peixeiros (vendedores de peixe, que saem com pencas deles amarradas nas extremidades de uma vara, apoiada no ombro), ou artesãos vários. Compõem desenhos em garrafas, utilizando as areias coloridas das dunas, fabricam miniaturas de jangadas e outras embarcações em madeira mole, esculpem figuras em cascos de tartaruga etc. As mulheres dedicam-se ao paciente artesanato do labirinto e da renda, que lhes preenche o dia, enquanto aguardam a volta dos filhos e maridos, ocupados na pesca. Sentadas em posição oriental, tendo à frente suas almofadas ou bastidores, as rendeiras e labirinteiras, junto com suas artes, compõem a paisagem tradicional de nossas praias. No Ceará, a renda e o labirinto espalharam-se (especialmente do século xix aos meados do século passado) por todo o litoral, introduzindo-se numerosas vezes no interior. Ainda hoje, podem ser vistos em comunidades pesqueiras de muitas das nossas praias, mesmo naquelas onde o cotidiano foi tomado pela presença de turistas, como em Jericoacoara, Prainha e Canoa Quebrada. Tal foi a incidência desses artesanatos em nosso Estado, que por muito tempo o Ceará foi conhecido como a terra da mulher rendeira, personagem imortalizada na famosa modinha criada por Lampião. Em alguns lugares, como no município de Cascavel, é também ocupação tradicional de homens e mulheres a fabricação de louça de barro. Na alimentação tradicional da população praiana, domina o pescado e o caju. Os peixes e crustáceos aparecem na forma de vários pratos, entre eles a peixada, o peixe frito passado na farinha, o peixe na água grande, o peixe à delícia, a lagosta ao natural, os casquinhos de siri, a sopa de cabeça de peixe, o peixe cozido com caju azedo, a caranguejada etc. O caju é aproveitado ao natural, ou como: caju cristalizado, carne de caju, doce de caju em calda e em massa, mocororó, cajuína, suco de caju, castanha assada, tijolinho de castanha, batida de caju etc. Há ainda a fruta do murici, com sua apreciada cambica.

A CULTURA DO CARIRI O grande Cariri compreende territórios não só do Ceará, como também de Pernambuco e da Paraíba, incluindo regiões de serras (Araripe, Caririaçu e Borborema), sertões e vales. No Ceará, localiza-se no extremo sul do Estado, abrangendo 25 municípios e uma área razoavelmente povoada, que tem como centro político e econômico o chamado Vale do Cariri, formado por terrenos especialmente férteis, que reúne os municípios de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, cujas sedes, ligadas por largas avenidas, formam hoje, praticamente, uma mesma unidade urbana. Fazem parte do Cariri cearense, além dos municípios citados, Missão Velha, Jardim, Araripe, Campos Sales, Nova Olinda, Potengi, Santana do Cariri, Abaiara, Aurora, Barro, Brejo Santo, Jati, Mauriti, Milagres, Penaforte, Porteiras, Altaneira, Antonina do Norte, Assaré, Caririaçu, Farias Brito, Granjeiro e Várzea Alegre. Considerada uma espécie de oásis em meio ao semiárido, a região do Cariri sempre foi vista como um território especial dentro do Nordeste brasileiro, tanto por sua localização (no centro geográfico da região), quanto pela excelência de seu solo e de seu clima, entre outros fatores. Em épocas précabralinas, foi domínio da nação dos cariris, espécie de reduto sagrado dos indígenas, que combateram tenazmente em defesa de seu território, por mais de 30 anos, o invasor branco. No Brasil Colônia, atraiu exploradores vindos dos mais diferentes centros de irradiação colonizadora, localizados na costa e no interior brasileiro, desde São Paulo, passando pela Bahia e Pernambuco e indo até o Maranhão, que nele se estabeleceram com fazendas de gado e engenhos de rapadura. A estas migrações somou-se uma outra, iniciada em 1898, a partir do chamado milagre de Juazeiro que, alimentada por motivações religiosas, continua a atrair para a região populações de peregrinos procedentes de todo o País, especialmente do Nordeste. Cabe assinalar, também, que por ocasião das secas periódicas que se abatem sobre o semiárido, o Cariri funciona ordinariamente como refúgio de flagelados. Esta capacidade particular de atração sobre a população dos Estados próximos (e até mais distantes) fez do Cariri não apenas uma região privilegiada, em termos de cultura, dentro do Ceará, mas o transformou numa espécie de caldeirão cultural do Nordeste. Nele se cruzaram e se cruzam correntes migratórias provenientes tanto das zonas canavieiras da Bahia e de Pernambuco, onde a presença do negro é marcante, como dos sertões profundos da Bahia e do Piauí (com seus remanescentes indígenas), sem falar na Paraíba, no Rio Grande do Norte e nas Alagoas, Estado que, no século passado, parece ter dado a maior contribuição para o enriquecimento cultural da região.

Desta maneira, os vários Nordestes, o do sertão, o da mata, o do agreste, o da praia, o da serra, com suas diferentes culturas, estão reunidos no Cariri. Nele se pode encontrar marcas da cultura ibérica medieval, com seus acentuados traços mouriscos, da cultura negra-africana, com suas danças e batucadas, da cultura ameríndia com sua magia anímica, caldeadas com elementos modernos das mais diferentes proveniências. A partir do Juazeiro do Norte, onde o zelo do Padre Cícero pela arte do povo foi exemplar, esta cultura explode em exuberância. Aquele sacerdote, uma espécie de santo popular para os nordestinos, não apenas organizou a cidade em torno de ofícios, mas transformou o exercício das diferentes artes em práticas religiosas, missões dadas por ele, em nome de Deus, às quais os artistas deviam se dedicar e deixar como herança para seus filhos e netos. Daí a origem da mística que encerra o trabalho dos artistas e artesãos, não apenas do Juazeiro, como de todo o Cariri e até mesmo de outras regiões onde chega a influência do santo sertanejo. Mais que um meio de prover a subsistência em sua materialidade, é uma expressão de vida e de fé, uma forma de transcendência e de afirmação do espírito. Formas estas que se renovam anualmente, em cada grande romaria, quando levas de romeiros trazem seus ex-votos, cantos, danças e outras formas de devoção para o santuário do Juazeiro do Norte, considerado, hoje, a grande meca dos nordestinos, centro do território sagrado do “Meu Padim Padre Cíço”, como lhe chamam os romeiros. Toda esta cultura, alicerçada na tradição e no sagrado, nascida em terreiros e oficinas caseiras, exibe-se em feiras, como as do Crato e de Potengi, e em festas, como a dos Caretas, em Jardim, ou a de Santo Antônio, em Barbalha. Às vezes, feiras e festas se confundem, nas milhares de tendas e pequenas barracas armadas ao longo das ruas e caminhos, durante as romarias de Juazeiro ou nas festas de padroeiro. Outras vezes, antigos feirantes se ocupam em mercados, em numerosas casas de comércio, e até em lugares especializados em arte, como o Centro Cultural Mestre Noza e a Editora de Cordel Lira Nordestina, em Juazeiro do Norte, ou a Casa do Homem Cariri, em Nova Olinda. Mas não é raro se ver as ruas e caminhos cortados por grupos de brincantes e devotos, agrupados em reisados, bandas cabaçais, lapinhas e pastoris, ou em irmandades de penitentes e de dançadores de São Gonçalo. Hoje, o território cultural do Cariri tem como centro a grande imagem do Pe. Cícero, erguida no cimo da Serra do Horto, marco do mundo romeiro.

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A CULTURA DAS SERRAS Encravadas no sertão semiárido, as serras não se constituem de todo uma região cultural à parte, no Ceará. Suas vegetações de mata, seus climas temperados, suas divisões em pequenas propriedades, entretanto, junto com outros fatores, fazem decorrer variações culturais, não de todo insignificantes. A começar pelo temperamento do homem serrano, bem mais tranquilo e pacífico que o sertanejo. A ele não é exigido nem a economia de energia, nem os grandes rasgos de coragem, que caracterizam o homem do sertão. Talvez o traço que mais diferencie a cultura das serras seja a maior presença do negro, assim como do trabalho coletivo, decorrente da incidência mais numerosa de engenhos de rapadura e alambiques de aguardente. Isto é notável, principalmente na Serra do Araripe, mas também na Ibiapaba e nas serras de Aratanha e Baturité. Ao mesmo tempo, observa-se, em algumas delas, a permanência marcante de traços indígenas, notadamente na arquitetura popular, no mobiliário e acervo de utensílios domésticos, na Ibiapaba, mas também na Serra da Meruoca, próximo a Sobral. Chama a atenção a qualidade da louça de barro da Ibiapaba, onde se destacam as feiras de São Benedito e Ipu, bem como do artesanato de trançado, especialmente o de palha e fibras vegetais (que chegou a constituir o principal sustentáculo econômico da Serra de São Pedro, onde fica a cidade de Caririaçu). A culinária é enriquecida com os derivados da canade-açúcar, o açúcar mascavo, o mel com farinha, queijo ou batata doce, o puxa-puxa, o alfenim, a batida, a rapadura, a aguardente, o caldo-de-cana, o rolete-de-cana etc. Como a fruticultura é abundante, multiplicam-se os doces, inclusive de buriti. Entre os folguedos encontram-se vários tipos de reisados, como o Reisado de Bailes (serra do Araripe), o Reisado de Caboclos (na serra da Meruoca), o Reisado de Caretas (na serra de Baturité) etc. E, ainda, a dança do coco de roda (na serra do Araripe), os dramas (na serra de Baturité), a dança de São Gonçalo etc. Todo este imenso acervo cultural, herdado de nossos antepassados, é legado dos mais preciosos, cuja guarda e proveito cabe às novas gerações. Devemos dele fazer uso, não o dilapidando ou tornando-o estático e fechado a mudanças e influências exteriores, pois isto significaria seu definhamento. Mas renovando-o e enriquecendo-o frente aos desafios que o presente nos coloca, seja no diálogo com outras culturas, seja com a soma de novas invenções.

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MIRAGENS E TRAVESSIAS Marco de miragens e travessias, Porto sem cais, leito seco de rio habitado por vazio e correnteza Água fugaz de áridas bacias Em seu chão, nada perdura ou se fixa Nem a secura conhece a certeza Tudo se arrisca, mas direto não passa Sonha, disfarça, divaga e vagueia Errante e sem rumo, vagabundeia Feito vela ao vento, jangada sem prumo Ave sem pouso, que no ar borda rendas Aranha a tecer tendas ao relento. Neste País toda a vida é provisória Arranha-céus, cidades, catedrais Alicerces de ilusória eternidade Com seus vitrais de sol e descampados. Terra de barbatões desencantados Cavaleiros andantes, claridades Narrativa sem termo e sem início Precipício sem antes nem depois Ermo andor onde a vida se compôs em vastas solidões desencarnadas feito um ciclope de dor e poesia. Bastião onde o mar é perecível Pois um dia em sertão transmudará seu clamor de impossível maresia Seu galope de ondas transportadas. Esta Pátria eu trago nos meus ombros Feito rede de escombros encardida Como teia de fundas cicatrizes Mar de varizes, aguda ferida Ao corpo colada como tecida Na pele em flor, em dor xilogravada. Geografia de severas estiagens Rotas de sangue, nômades heresias Chão de sonhos e ásperas poesias Que no ar se levantam em viagens Arabescos, barroca arquitetura De um bicho rarefeito em miragens Olhos sujos de sal, cabeça chata Feito um cão, um cachorro vira-lata Que se ergue em solar iluminura.

ESPELHO DA MEMÓRIA

UM PAÍS CHAMADO SI-ARÁ

Em terras áridas, sob o sol do Equador, caldeando etnias de três continentes, índios, brancos e negros teceram um Ceará mestiço, cuja cultura, em síntese sempre inacabada, desafia permanentemente nossa compreensão. Para mirá-lo será preciso construir espelho de múltiplos prismas, capaz de penetrar os desvãos do nosso rosto e interrogar as rugas de nossa memória. Espelho que se vá moldando com o barro de nosso chão e com a poeira alegre de nossos terreiros, que se vá compondo com os objetos colhidos nos baús de nossos ancestrais e nas tendas de nossos feirantes, que se vá urdindo com os cipós da caatinga e com os fios das redes e labirintos, que se vá polindo com a ponta afiada das facas peixeiras e com as espadas alumiosas de nossos reisados, que se ilumine com os círios dos santuários e romarias. Espelho de sol que se aventure com as velas de nossa imaginação encardidas pela brisa atlântica e pelo mormaço dos carrascais. Talvez a luz de tal espelho, feita de calor e cristal, possa aclarar os caminhos dos muitos cearás. Dos cearás do sertão, das serras, das praias e dos vales úmidos. Dos cearás das chuvas e das secas, da fartura e da fome. Dos cearás do gado, do algodão, do caju, da oiticica e da carnaúba. Dos cearás de taipa e cimento armado, de marcas de ferro e grafites. Dos cearás dos vaqueiros, pescadores, artesãos, mascates, moleques e santos guerreiros. Dos cearás do charque, da farinha, do milho, da moda, do cinema e da rapadura. Dos cearás das rebeliões visionárias, dos coronéis impiedosos e dos poetas irreverentes. E dos muitos outros cearás que se possa descobrir. Talvez o brilho de tal espelho faça algum narciso às avessas aguçar a memória e mirar pela primeira vez com espanto e prazer seu rosto caboclo. Talvez o ajude a perceber como suas as mãos hábeis e ligeiras das rendeiras, a língua astuta e prolixa dos camelôs e repentistas, os pés andarilhos dos retirantes, as pernas arqueadas dos vaqueiros, o andar ondeante do jangadeiro, a dança sapateada dos brincantes, o riso trocista dos caretas e mateus e o canto anazalado das beatas. Forjar a face de um espelho que, aos poucos, nos revele os traços, não é tarefa fácil. Nos anima saber que ajudará um povo, carregado de sonhos e miudezas, a melhor receber seus hóspedes e a projetar, mundo afora, a formosura de sua imagem.

No primeiro dia era o nada, puro movimento. No segundo dia, fez-se o ar, que adensado virou matéria incandescente e houve uma grande explosão. No terceiro dia, esfriado seu fogo, o incriado esboçou o mundo e formaram-se as nuvens. No quarto dia, apareceram a terra e o mar. O divino boiou sobre as águas e sua mão moldou os peixes e as plantas marinhas. Depois povoou a terra de bichos, árvores e plantas outras. No quinto dia, o invisível se fez carne e seu espírito tomou forma de homem e de mulher. No sexto dia, a carne se fez verbo e saiu a nomear o mundo. No sétimo dia, suas mãos criaram os objetos e a vida humana se fez. Dizem também que, no oitavo dia, deus desceu aos infernos para fundir os metais. Mas o certo é que a criação do mundo nunca se completou. O ar, o fogo e a água uniram e separaram a terra, ligaram e apartaram continentes. O tempo girou seus ciclos intermináveis, feito um moto contínuo. Espécies apareceram e desapareceram, montanhas irromperam do chão em busca do céu e depois foram engolidas pela argila que o vento açoitava. Tudo se fez e desfez, enquanto o planeta riscava no ar suas elipses. Passaram-se séculos e milênios para que o cosmos parisse um país de chão duro e natureza arranhenta, um começo de mundo chamado Siri-ará. Crustáceo de alva armadura que na terra se entoca, porque seu litoral era de dunas soltas e brancas, feito um deserto movediço. Lençol de areias volantes onde sucumbiriam seus invasores, antes de perceberem que haviam chegado ao país do sol e do vento. Só depois tiveram notícias do sertão, caminhando por dentro, vindos de terras baianas. Então perceberam a necessária couraça dos vaqueiros futuros, como dos siris, a armadura dos bichos brutos e das gentes que aqui habitam.

A GEOGRAFIA O Ceará é quase todo sertão. Mais que qualquer outro Estado do Nordeste, seu território é dominado amplamente por terrenos cristalinos e sedimentares, solos duros e pedregosos, onde brota uma vegetação baixa, rala e espinhenta, agressiva ao extremo. Seu clima é semiárido, com uma estação chuvosa concentrada em temporada curta e incerta. Sujeito a secas periódicas, o sol é seu senhor. Um sol inclemente e absoluto, presente durante todo o ano, que pouco conhece obstáculos ou dá tréguas. São terrenos muito antigos, onde o astro rei impera soberano e a natureza se cobre de mormaço e claridade. Quase tudo é planura. Só o perfil das serras recorta o horizonte de suavidades, feito uma paisagem lunar. E o sertão avança até a praia, beijada por um mar verde esmeralda.

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Quando é verão, a terra veste cinza e a vida adormece sob um lençol pardo. No céu avaro de nuvens, o azul desmaia de luz, cantam acauãs, avoantes, arapongas, curiós e corrupiões, enquanto o gavião desliza seu voo de asa delta. No chão se estende a caatinga, com suas coroas de cactos e seus rosários de mandacarus e xique-xiques. A fauna e a flora mostram seus espinhos. Num sudário de garrancho e pedra, o solo disfarça seus líquidos. E a terra descansa sob o areal ardente. Mas se chove, o que parecia morto, de verde, rejuvenesce. Acorda a mata, num despertar repentino. A natureza explode em sons e cores. Canta o riacho, o sapo, a jia, a rã e a borboleta imita as flores. Em sombra e água fresca se refaz o dia. Do chão sobe o cheiro da terra e o aroma das frutas acende o apetite dos bichos. Com seu sopro de mar, o vento aracati enche a noite de carícias.

Adivinhando nos nativos reunidos em seus aldeamentos os pendores artísticos, os jesuítas ensinaram-lhes novas artes, como a carpintaria e a marcenaria. Só depois veio o africano de riso claro e corpo de pantera, bantos principalmente, congos e angolas, que em tudo acrescentaram o estilo conciso de seus desenhos, o apimentado e a doçura de sua cozinha. Também eles conheciam os metais e artes outras, como a tecelagem de fios e a pintura em tecidos. Sob o sol do Equador, homens e mulheres destas três raças e de muitos povos se amaram e se odiaram. Do encontro fatídico, nasceu o cearense, gente mestiça, cabocla, cabeça chata, arataca, cabra da peste.

A FORMAÇÃO ÉTNICA

A CULTURA

Neste solo árido, batido pela brisa marinha, marcaram encontro etnias de três continentes. Com sua tez em brasa e seus pés andarilhos, era senhor destes sítios, o ameríndio. Tabajara, pitiguara, kanindé, tremembé, kariri, tapeba, kalabaça, pitaguari e outras nações tapuias eram parte da natureza agreste. Com mãos hábeis, moldavam o barro, trançavam palhas e cipós, esculpiam a madeira e a pedra, teciam o algodão, para fabricar vestes, utensílios domésticos, habitações, instrumentos de trabalho e batalha, compunham adereços com plumas, sementes, ossos e outros materiais retirados da mata e pintavam seus próprios corpos, para os ritos festivos e de combate. Com a casca da aroeira e do cajueiro, tingiam de vermelho, e com a de outras plantas silvestres, de azul os fios de algodão, as palhas e as fibras de outros vegetais. Produziam sandálias de cordas de croatá (ou caroá). Recriavam o mundo com seu manuseio e a terra mãe lhes provia o sustento. Uma tarde chegou o conquistador branco, ibérico, meio luso, meio mouro, meio celta, falso louro, pele trigueira. E aportou também o batavo, com seus cabelos dourados, e outros aventureiros europeus, franceses e espanhóis principalmente. Mas também vieram povos de latitudes mais longínquas como os árabes, com seu gosto pelo barroco, os ciganos com sua predileção pelas cores fortes, e os judeus, com as artimanhas do comércio. Mesmo antes de o colonizador português apossar-se de seu território, a Serra da Ibiapaba era uma babel, tantos povos e gentes que a habitavam, além dos tupis, tantas as línguas, tantos os saberes. Estes já conheciam a fundição de metais e aos saberes indígenas acrescentaram outros, como os da funilaria, da arte do couro, da ourivesaria, da tecelagem, da selaria e de bordados muitos, como a renda, o labirinto, o filé e o crochê.

Por mãos dessa gente, nasceu e se constrói uma cultura complexa, na qual tradição e modernidade coexistem em síntese sempre inacabada. Cultura que desafia permanentemente nossa compreensão. Sabemos que na infância foi o gado e seus caminhos, a povoar nossa imaginação. Civilização do couro, currais e casas de taipa, casas grandes de fazenda, sobrados e casarões das primeiras cidades, igrejas coloniais muito alvas na cabeceira das praças. Adensou-se a população e logo a seca espalhou suas feridas, abrindo calvários e semeando migrações. Mas a cada inverno, novas roças eram plantadas e as feiras voltavam. De novo a gente matuta rezava e dançava nas festas de padroeira. Planta nativa, o algodão, por muito tempo, foi o ouro branco cearense. Com ele, surgiram as usinas, os portos e o comércio exportador. De cidades, o litoral povoou-se. O comércio, saído das feiras e dos mercados, invadiu as ruas. Apareceram as primeiras indústrias. As avenidas foram alargadas e calçadas para os automóveis, mas nelas também pisou o maracatu com seu passo dolente. A modernidade chegou com seus cafés, seus cinemas e edifícios. O Ceará que já levara a sua cultura Brasil afora, abriu-se para o mundo. As cidades incharam. Convivem favelas e condomínios privados, carros importados e pangarés. Dois mundos compartilham o mesmo espaço, coexistem duas cidades, duas culturas que se entrelaçam e se apartam, para formar um Ceará único em sua diversidade, em suas diferenças.

DE QUE CEARÁ FALAMOS

O CEARENSE

E ao Ceará dos verdes camaleões e dos tejuaçus, dos carcarás e das asas-brancas, das aves de arribação e das cascavéis silvantes, ao Ceará da solidão dos desertos e das pedras escaldantes, do céu escampo e do sol a pino, da jurema, dos juazeiros e oiticicas, dos cajueirais, da cajuína e do mocororó, ao Ceará do vento aracati; juntou-se o Ceará do jumento nosso irmão, dos bodes pais de chiqueiro, das ovelhinhas sem lã e dos coqueirais sem fim. Somou-se o Ceará da pecuária, das grandes possessões de terra, dos vaqueiros e barbatões, o Ceará das farinhadas e das moagens, dos carros-de-boi, das clãs guerreiras com seus capitães, das lutas seculares entre famílias, dos currais e casas fortes, das mulheres valentes, feito Jovita Feitosa, e dos malassombros, das bandas cabaçais e dos rabequeiros, das tocaias e vinganças, o Ceará dos reisados, das quermesses, lapinhas e novenas, do baião de dois, da carne seca, da paçoca, do mucunzá e da tapioca, das cachimbeiras e dos curandeiros, dos poetas repentistas, emboladores e cantadores, dos folhetos de feira, do sono modorrento nas tipoias de tucum, o Ceará das jangadas, canoas e paquetes, dos currais de pesca, dos pescadores, das rendeiras e labirinteiras, do coco de praia, dos bonequeiros, dos cegos que pedem esmola nas feiras fazendo versos e das danças de São Gonçalo. O Ceará místico do Juazeiro do Padre Cícero e de São Francisco de Canindé, de Antônio Conselheiro e do Beato José Lourenço. O Ceará revolucionário de Tristão Araripe e Bárbara de Alencar, o Ceará dos poetas e dos artistas, de Patativa do Assaré, do Cego Aderaldo, do Mestre Noza e de Chico da Silva. Surgiu o Ceará do povo simples, dos romeiros e penitentes, das secas terríveis com seus retirantes, das violas, zabumbas e ganzás, dos xaxados, baiões e maracatus, dos forrós de pé de serra e dos aboios dolentes em fim de tarde. Ceará dos pausde-arara ou semi-leitos, da panelada, da paçoca com banana, do baião de dois, da buchada de carneiro e do arroz com pequi. Ceará das feiras animadas e dos mercados abarrotados, dos terreiros de macumba e umbanda, dos urubus à espreita, do carrancismo patriarcal, dos mascates e ambulantes, dos camelôs e bodegueiros, do comércio árabe, dos gatos pé duro e cachorros vira-latas, dos galos anunciando a madrugada, do Bode Ioiô, da molecagem que um dia vaiou o sol na Praça do Ferreira. Mas também o Ceará dos novos ricos, dos arranha-céus coloridos, dos shoppings centers, dos grandes açudes e da fruticultura irrigada, das filas de aposentados, do progresso que constrói e destrói coisas belas, das mudanças rápidas, do desapego ao passado, do forró eletrônico, das quadrilhas populares, das grandes fortunas e da miséria extrema. Ceará moderno da globalização, da abertura para o mundo, da hospitalidade muitas vezes ingênua, da pós-modernidade precoce e do humor industrial.

Nasceu, assim, o Ceará do vaqueiro audaz e do hábil artesão, do afoito jangadeiro e da delicada rendeira. Reino de cantadores inspirados, moleques astutos e brincantes faceiros. Nação de morenas dengosas e cegos sanfoneiros. País de beatos, conselheiros, rezadeiras e santos guerreiros. Pátria de poetas irreverentes e rebeldes visionários. Feudo de patriarcas impiedosos e senhores ambiciosos. Território de camelôs e bodegueiros. Chão sagrado onde nasceu Moacir, filho do sofrimento e da angústia, povo de Iracema e Martim. Pátria de Josés, Joões, Franciscos, Raimundos, Pedros, Antônios, Cíceros e Marias, Auxiliadora, de Lourdes, do Socorro, da Conceição, de Jesus, das Dores e das Graças. E porque o chão lhe dói e lhe queima sob os pés, o cearense não conhece paradeiro. Erra nômade sobre seu próprio território, quando não ganha mundo. Para ele, a terra é travessia, lugar de passagem. Seu lugar são as estradas, rotas, roteiros, idas e vindas, meios de transporte com malas a carregar. Os castelos que levanta, embora belos e caprichados, são temporários, porque de areia. Mas isso não o preocupa, sabe que poderá erguê-los de novo e de novo. Feito um caracol, carrega no próprio corpo sua casa, como dentro de um matulão. E pouco lhe custa carregar, porque seu tesouro guarda sob o couro, pele curtida pelo sol, na agilidade do corpo, no desempeno. Seu bem maior está nas mãos, na habilidade e rapidez dos dedos. Mãos, que alguém já disse “de mestres”, tal a inventividade e os prodígios de que são capazes. É nas mãos que pulsa o coração do cearense. Órgão que lhe salta do peito num passe de mágica, para se exibir em público na forma do mais belo artefato. Porque se os pés estão sempre ocupados em correr mundo, as mãos cuidavam de imaginar. Judeu e cigano, seu pouso é um acampamento onde faz auto, como no desenrolar de um cortejo. Porque sabe que sobre a terra tudo passa e até a natureza se faz e desfaz a cada ciclo. Sol e chuva, seca e enchente, morte e vida, seu espaço ele reconstrói a cada década, só no próprio corpo sua cultura permanece. Finge, negaceia, se faz de morto, o cearense é um anti-herói com caráter. Traz em si a diferença como uma identidade incorporada. Bem inalienável, porque ninguém o pode tirar. Nele está entranhada. Por onde o cearense vá, carrega sua cultura. Daí sua capacidade extrema de sobrevivência, de criatividade, de habilidade corporal, de memória e memorização.

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SEUS TESOUROS Os tesouros cearenses são construções imaginárias. Em seu território não há venezas, nem mesmo olindas e ouro pretos (embora haja Icó, Aracati, Aquiraz e alguma coisa em Fortaleza). Seus tesouros patrimoniais são cidades encantadas, Juazeiro, Caldeirão e, porque não incluir, Canudos, cidadela inventada por seu filho, Antônio Conselheiro. Caldeirão e Canudos desapareceram pelo fogo, mas o Juazeiro do Padre Cícero ainda está lá, feito um marco invicto, para não me deixar mentir. Se você for até ele, encontrará uma cidade pobre com problemas sociais enormes. Trata-se de uma cidade sagrada, um centro de romarias, que chama a atenção pela vitrine de misérias sociais. No entanto, na imaginação do romeiro, o Juazeiro do Padre Cícero é uma Nova Jerusalém, é uma cidade belíssima, um portal do divino na terra, um lugar santo onde o invisível se manifesta. Do mesmo modo é o Canindé de São Francisco, com suas casas de ex-votos.

Os tesouros cearenses, os mais preciosos, são construções imaginárias de grande beleza e complexidade, nascidas das cabeças e dos corações do povo arataca. São paraísos encantados, frestas que se abrem no mundo ordinário, tão vulgar e desigual, aberturas onde a eternidade toma forma. O Ceará é o ponto do Brasil mais distante de qualquer fronteira internacional. Do ponto de vista geográfico, não há Estado brasileiro mais longe de outro país que o Ceará. Muitos dos elementos formadores de sua cultura nele foram preservados como num freezer ou num abafador tropical. Em seus desvãos sertanejos, em seus pés de serra, traços muito antigos das culturas que lhe deram origem foram preservados. Se algum europeu, francês ou português, mesmo um africano ou asiático, se internar no alto sertão cearense vai bater com muitos elementos de sua cultura, vai se identificar, vai se ver como num espelho no modo de viver cearense. Como bom comerciante, o cearense sempre foi muito aberto ao estrangeiro, ao diálogo entre a sua e outras culturas. Sabe trocar, deixar e levar por onde passa, assim como trazer de volta para refazer ao seu modo. E quando ele é o sujeito das trocas e dos diálogos, trabalha sem intermediários, não reproduz o colonizador. Melhor faz quando revisita povos decisivos em sua formação cultural, aí a cultura cearense tem seus períodos de renascimento, de renovação, seus momentos de criação mais exuberante.

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Gilmar de Carvalho

Foto: Francisco Sousa

Tradição, Mídia e Mercado na Contemporaneidade Nasceu em Sobral (ce), em 1949. É bacharel em Direito (ufc, 1971) e em Comunicação Social (ufc, 1972). Trabalhou como jornalista e publicitário, antes de ingressar no magistério superior (ufc, 1984 / 2010). Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (1991) e Doutor em Comunicação e Semiótica pela puc de São Paulo(1998). Menção Honrosa do Prêmio Rodrigo Melo Franco (iphan, 1998), pela contribuição à divulgação da gravura de Juazeiro do Norte (ce).Vencedor do Prêmio Sílvio Romero (Funarte, 1999) por sua tese de doutorado, publicada com o título de “Madeira Matriz” (sp, Annablume, 1998). Premiado com o Érico Vanucci Mendes (cnpq, 1999). Interessou-se, desde sempre, pelas relações da comunicação com a cultura. Autor de vários títulos, tem artigos publicados por revistas acadêmicas no Brasil e no exterior.

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m ponto de partida para se pensar a tradição é analisar suas relações com a mídia e com as novas tecnologias, num contexto de valorização do mercado. Tradições podem ser pensadas como as práticas de longa duração. Isso não significa que se mantenham à margem das modificações provocadas pela dinâmica da cultura. Pelo contrário, constituem a parte menos vulnerável à tensão das transformações sociais, às mudanças provocadas pelos novos padrões de comportamento, pelas questões de mercado, e ao impacto das mídias e novas tecnologias. Observar e acompanhar essas mudanças pode ser um exercício criativo e complicado nos dias em que vivemos. De certo modo, a tradição vive um impasse: pode ser vista como anacrônica ou conservadora, por muitos, e é compreendida como fator de sedimentação social por outros. Sem juízos de valor, preconceitos ou sem obedecer ao senso comum, vale menos o que se pode deduzir e mais a oportunidade da discussão na contemporaneidade. Partamos do pressuposto de que a tradição não se fecha às influências recebidas, cada vez maiores e de maior impacto sobre crenças, valores, manifestações, saberes, ofícios, celebrações, o que a unesco achou por bem delimitar como o campo da “cultura imaterial”.

Um importante teórico da Semiótica da Cultura, o ucraniano Iuri Lotman, afirmou que “toda obra de arte inovadora é elaborada com um material tradicional” (1978, p.57). Vale ir adiante e pensar as relações da tradição com a mídia e o mercado, uma discussão que poderá ter o Ceará como pano de fundo, com todas as implicações possíveis no campo da economia, da antropologia e da comunicação. A mídia há muito deixou de ser um conjunto de aparatos tecnológicos com a finalidade de difundir mensagens. Esta seria apenas uma de suas funções, talvez a mais evidente e a menos importante. Pode-se pensar a mídia como o lugar central ou nodal onde a sociedade se pensa e onde decisões são tomadas. Considere-se aqui o campo fértil das ideologias, a explosão demográfica, o processo de urbanização e a facilitação de equipamentos como rádios, televisores, computadores, celulares, câmeras digitais, mp3, e teremos uma babel de imagens, sons e material informativo que cria novas teias e novas redes de usuários e produtores, tornando viável a “global village” antecipada por McLuhan. Impossível pensar a sociedade atual sem o primado das mídias e sem as tecnologias de ponta que avançam, inexoravelmente, numa velocidade que nos deixa atônitos diante das reações que provocam e das situações com as quais nos deparamos.

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É tudo muito novo, sem a ancoragem de grandes teóricos, numa abordagem multidisciplinar, onde vamos beber na fonte dos filósofos, dos sociólogos, dos antropólogos e dos semioticistas, com a inserção social de muitas tribos, novos públicos e a consequente ampliação do mercado. No caso cearense, essa passagem é muitas vezes mais abrupta, quando segmentos marginalizados, com pouco acesso à palavra impressa, são jogados para o universo virtual, sem escalas e sem uma preparação para a aceitação de novos parâmetros. Certo é que muitas situações são irreversíveis e não adianta lamentar, de modo reacionário, o avanço das tecnologias e das mídias, numa visão mais apocalíptica ou, de outro lado, também não vale festejar esse acesso como conquista ou como panaceia, como pretendem os mais integrados, na visão lúcida de Umberto Eco. Temos situações curiosas que nos levam a reflexões mais densas nesse campo que envolve vida, arte, cotidiano e trabalho. Pode-se partir do pressuposto de que as manifestações que fazem sentido para as comunidades continuarão sendo praticadas, ainda que com fortes mudanças. O boi de Quixeré, cidade situada no Vale do Jaguaribe, é um bom exemplo. A tradição ancestral do folguedo, tão bem estudada por Oswald Barroso em Reis do Congo, ganha um novo ingrediente quando o desenho dos bichos sofre influências dos mangás, os quadrinhos japoneses, e dos monstros da Internet. A influência é aceita e buscada pelo artista plástico Toinho do Boi. Com um computador pessoal, muita imaginação, vontade de inovar, ele imprime bichos, extraterrestres, criaturas monstruosas, lendas contemporâneas traduzidas pela Indústria Cultural e a partir do papel machê modela essas novas figuras de uma cosmogonia ou mitologia contemporâneas, algumas delas com forte impacto no imaginário coletivo de boa parte de nossa cultura, como o “chupa-cabras”, mulas-sem-cabeça

que soltam fogo pelos olhos, dragões que parecem migrar de filmes de “ninjas”, e está feita a festa para os jovens que sentem a tradição sendo atualizada, sem a imposição de limites à criatividade ou à antropofagia, fazendo com que a tradição mais ancestral dialogue ou se aproprie da novidade tão cara ao mundo da cultura de massa. Quando Toinho assumiu o comando do folguedo, eram cinco bichos: boi, jaguar, bode, ema e urubu. Ele achou pobre o que encontrou e propôs outros bichos e uma maior animação. O reisado chegou a contar com vinte e seis bichos, inclusive um “Jegue Maluco”, autor de “mungangas” para alegrar o folguedo. O novo espetáculo parte da tradicional matança do boi e introduz novos personagens que povoam a imaginação do jovem de hoje. Não se pode a rigor falar em traição, mas numa apropriação que poderá significar (e só o tempo dirá) a atualização e a permanência, por exemplo, de um folguedo que ganha cores e formas espetaculares na cidade amazonense de Parintins, com a incorporação de alegorias que se movimentam e que foram, inclusive, copiadas e adotadas pelas escolas de samba cariocas. “Caprichosos” e “Garantidos”, azuis e vermelhos, criaram uma competição acirrada que implica em um clima de espetáculo, com patrocínio de empresas multinacionais, cobertura televisiva e proteção policial aos jurados, que se comprometem a não terem contato com os nascidos na cidade. O boi é um pretexto para plumas, brilhos, coreografias, marcações, que motivaram a construção do “bumbódromo”, incluída, há algum tempo, no calendário turístico e cultural brasileiro, adequado a esses tempos de manifestações massivas. O boi de Quixeré pode ter como contraponto seu congênere do Serrote do Meio, em Itapajé, onde a coberta da ema é de palha seca de bananeira, ou o do Poço da Onça, em Miraíma, território da família Torrado, onde, por conta do grande número de capotes, as penas de galinha de angola são a cobertura utilizada para o “passo ema”.

Importa mais o envolvimento da comunidade com o espírito do folguedo e menos o aparato promocional e grandioso que o espetáculo possa ganhar. Vale, talvez, analisar as possibilidades criativas, as adoções de determinadas práticas e materiais, como forma de não deixar a manifestação se extinguir e perder espaço ou significado no confronto com manifestações massivas. As antenas parabólicas estão cada vez mais presentes nas casas sertanejas, muitas vezes convivendo, harmoniosamente (?), com paredes de taipa, cisternas de placas, falta de saneamento e de perspectivas, onde a captação de imagens se configura como a possibilidade do sonho num cotidiano sem muitos brilhos e fantasias, exatamente o que nos oferece a Indústria Cultural, com a dosagem da redundância com a novidade, como tão bem preconizou o teórico francês Edgar Morin. Não tão redundante que pareça o mesmo e não atice a curiosidade; não tão novo que possa provocar estranhamento e dificulte a recepção. Essa é a lógica da chamada Indústria Cultural, que tem suas falhas, que nem sempre funciona, mas na maioria das vezes dá resultados favoráveis a quem nela investe, como as grandes corporações de entretenimento e mídia. Curioso como muitos líderes de folguedos reclamam do “tempo da apresentação”. Antigamente, eles dizem, a brincadeira não tinha hora para começar nem para acabar. Hoje, premidos pelos patrocinadores, de acordo com o espírito das secretarias de cultura e a reboque da imitação do formato da mídia, os grupo têm de quinze a vinte minutos para uma exibição apressada, sujeita a uma ordem nem sempre clara, com gritos, comandos e palavras de ordem que denotam a pressa e o mau humor dos organizadores. Os brincantes se sujeitam, querem se exibir, ao tempo da apresentação, o que termina por trazer prejuízos a todos os envolvidos na festa. A perda de sentido da manifestação para a comunidade levou ao progressivo definhamento dos dramas, espécie de esquetes musicais, com declamação, realizados sobre mesas ou tablados, com figurino de crepom e envolvendo músicos, de preferência sanfoneiros ou violonistas. Tem-se estudado pouco essa manifestação, que parece amplificada a partir de patronatos e colégios de freiras, e tem raízes no pastoril, em trechos de burletas e com pitadas do teatro de revista, numa mistura das mais antropofágicas e impensáveis.

Interessante como se tem vestígios desses dramas em quase todo o Ceará. É possível ainda se ver algumas fotografias em velhos álbuns e a memória de alguns envolvidos esclarece alguns pontos. Dona Zilda em Guaramiranga, Dona Maria Cega, do Alto da Maritacaca, em Itapipoca, e as “dramistas” do Guriú (Camocim), registradas, por iniciativa de Pingo de Fortaleza, mostram a distribuição geográfica. O impacto da manifestação que se tornou anacrônica, a partir das emissões televisivas, quebrou o encanto de flores que cantavam e dançavam, a graça dos bêbados que faziam a parte cômica do folguedo, o drama dos casais separados pelo autoritarismo dos pais, e assim por diante. Alguns velhos cadernos ainda desafiam os obstáculos da encenação. Mocinhas têm vergonha de subir ao tablado, estilizadas como flores, tudo parece muito ingênuo para o que a mídia veicula e que se torna o padrão hegemônico, com roupas e performances bastante erotizadas (pensar nas paquitas, assistentes de palco da Xuxa; no visual sadomasoquista da Tiazinha, na dança da garrafa ou no É o Tchan). Mesmo sentimento que tem afastado meninas e meninos dos pastoris, como reclama a velha mestra Dona Tataí, da Lapinha Santa Clara, de Juazeiro do Norte. Nostálgicos, os envolvidos nas montagens chamam a atenção para o impacto do espetáculo nas noites sertanejas, muitas vezes sem luz elétrica e sem maiores atrações. Alguns chegam a cantar à entrada e se emocionam: “Uns acham feio/ outros acham bonito/ ô meus senhores/ queiram desculpar”. A tradição também está na mesa e vale falar dos “fartes”, pastéis árabes, com recheio de angu com gengibre, citados pela Carta de Pero Vaz de Caminha, e ainda hoje feitos sob encomenda, por Dona Rita Cunha, em Sobral. Qual o motivo de tamanha permanência? Por falar em comida, um item que foi reciclado e voltou com todo o vigor para os pontos de degustação: a tapioca. Durante muito tempo confinadas às frigideiras, no interior das cozinhas, elas voltaram com um “glamour” de comida típica atualizada.

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Hoje, pode-se pensar na tapioca como nosso disco de pizza. Elas deram nomes a novos estabelecimentos de comida rápida, as “tapiocarias”. Servidas com coberturas ou recheios doces, de chocolate, leite condensado, cocada e caramelo, desafiam nossa imaginação, indo a reboque dos programas de gastronomia da televisão. Incorporaram o queijo de coalho, como não poderia deixar de ser, mas não abriram mão do catupiry, da mozarela e de queijos mais refinados, como provolones e gorgonzolas. Também recorrem à carne-de-sol desfiada, à linguiça calabresa, ao tomate com mozarela e orégano (mesma cobertura da pizza mais tradicional), ao milho enlatado, e não se inibem diante da adoção do tomate seco, da rúcula, do cogumelo “shitake”, enfim, do que estiver sendo mais consumido no momento. Não se trata apenas de uma estratégia bem-sucedida de “marketing”, mas de algo que tinha a ver com hábitos antigos e foi oferecido aos turistas, em espaços temáticos, mas foi tão bem recebido pelos nativos. Ainda em relação à comida, o baião-de-dois ganhou como ingrediente o creme de leite, ao invés da nata e os queijos (fundidos e ralados) capazes de transformar o prato numa bomba calórica com alta dosagem de gorduras animais. A paçoca, ao invés de ter a carne de sol, a farinha e a cebola, socados em pilões de madeira, passou a ser feita em processadores, potentes liquidificadores que trituram o material com alguns toques da tecla pulsar. Tenta-se do ponto de vista da mídia e do mercado o reforço do “genuíno”, do “autêntico”, do “tradicional”, como se feijões e arroz não fizessem parte da cozinha portuguesa, salvadorenha, peruana, cubana (moros y cristianos) e árabe (arroz com lentilhas). Vale apelar para a tradição quando a luta é contra o cosmopolitismo, o mesmo que vende essas comidas nas tevês e que exibe nossos ingredientes como o exótico das cozinhas de fusão, onde importa mais o sotaque do chefe que as receitas que ele possa preparar ou ensinar. Perdemos a noção de patrimônio em troca de vermos estrelas na cotação de nossos restaurantes regionais, alegorias de taipa, com adereços que parecem deslocados diante do que se consome, mas que dá o respaldo do “feito em casa”, da comida da fazenda, da casa da avó ou de um sertão que se faz presente na metrópole.

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Um bom exemplo de relação entre mídia e tradição, sem prejuízo (pelo menos aparente) para os produtores populares é o caso da cantoria. Desde a implantação do rádio no interior cearense (a primeira rádio, Araripe, do Crato, remonta a 1951), os violeiros souberam ocupar espaços e logo ganharam (conquistaram) programas de cantoria. Nesses programas, eles passaram a ser produtores, roteiristas, apresentadores, publicitários e até técnicos de som, muitas vezes. Com o desenvolvimento das tecnologias, passaram a gravar cantorias em fitas cassete para vendê-las nas apresentações e pelejas. Gravaram vinis e superaram bem a fase da cantoria chamada de “pé-de-parede”, nos sítios, fazendas e pequenas cidades, com a presença das bacias onde eram jogadas moedas para a complementação do cachê estabelecido pelos donos das casas e anfitriões das cantorias. Depois, passaram a ocupar (poucos) espaços na televisão (principalmente nas emissoras públicas ou regionais, como a TV Diário) e a vender dvds de apresentações. Folhetos de cordel também serviram como subprodutos, itens a mais para serem comercializados nas apresentações ao vivo, bem como a venda de livros reunindo pelejas mais quentes e que ficaram na lembrança do público e dos apologistas, aqueles que dão os motes, seguem os violeiros e animam como ninguém uma cantoria. Por último, vieram os festivais. Os cantadores desenvolveram um faro para esses empreendimentos que levaram as pelejas de viola para outros patamares. Eles alugam espaços legitimados (teatros, auditórios de clubes e centros culturais), convidam as duplas, contratam serviços profissionais de som, recrutam profissionais que montam cenários, montam bancadas de especialistas ou apreciadores da viola e dão início às mostras competitivas. Geralmente, é tudo gravado e depois é vendido o cd e/ou dvd. A afinidade entre o produtor (violeiro) e as regras do espetáculo é grande e tem sido bem-sucedida. A discografia brasileira de cantoria deu um salto recente e é grande o número de cantadores que entrou em estúdio, solo ou em duplas, para deixar seus registros. Da mesma forma, o calendário de festivais mantém-se aquecido com a realização de eventos bem cuidados, e pode-se falar na introdução de temas como a ecologia, a insistência na política e na base do noticiário para mostrar uma atualização e oferecer um produto atraente às novas plateias.

Outro exemplo bem-sucedido da relação da tradição com a cultura de massa é a utilização pela televisão do teatro de bonecos. São muitos os relatos das apresentações dos “casimiro coco” pelo sertão. Por detrás das empanadas de chita, bonecos toscos (feitos de sabugos de milho) ou os de Pedro Boca Rica, com um acabamento da “Comédia dell’Arte”, faziam a festa da garotada. Artistas mambembes faziam o circuito dessas apresentações e o grande trunfo estava mesmo na performance, nas diferentes modulações de vozes, nos bordões e no sentido de espetáculo, na afinidade com os receptores e em fazer a coisa certa na hora certa. Os bonecos de Boca Rica estão no Museu de Arte e Cultura Populares (Fortaleza) e no Memorial da América Latina (São Paulo), e a incorporação de seu desempenho migrou para outros grupos que passaram a ocupar espaços na televisão, principalmente com o “Botando Boneco”, da TV Jangadeiro, e com o “Nas Garras da Patrulha”, da TV Diário. Destacam-se Augusto “Bonequeiro” e a troupe do Circo Tupiniquim. O sucesso do programa consiste em reunir no mesmo espaço crítica, informação e humor, com personagens que caíram no agrado do povo e ganharam vida própria em shows de humor nas pizzarias, na literatura de cordel (“Coxinha”, por exemplo), fazendo rir adultos e crianças e levando a velha tradição a uma atualização massiva. Nem sempre são tranquilas as relações da tradição com a cultura de massa ou com as novas tecnologias. O forró, por exemplo, rompeu com a tradição musical do universo sertanejo, recodificado e reinterpretado por nomes como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Patativa do Assaré, Marinês, os 3 do Nordeste e outros grupos, para buscar um modelo que dialoga com a lambada e o axé, na trituração de sucessos até das paradas internacionais, com a adoção de muitos metais, teclados, uma sanfona para dar uma marca tradicional, cantores e cantoras, gelo seco, luzes, dançarinos e dançarinas, numa megaestrutura que vende milhares de discos (sem falar na pirataria), passa pela gravação de dvds, pela ocupação de casas de shows, programas televisivos, publicações (até mesmo uma revista que mostrava nus de cantoras) e moda, tudo reunido num grande pacote empresarial. Criou-se um contraponto chamado “forró pé-de-serra”, para os nostálgicos de sempre.

Esse “novo” forró industrial mudou a configuração do cenário musical cearense, ensejando a formação de conglomerados de bandas, estúdios de gravação, presença marcante em rádios assumidamente voltadas para essa programação, sujando as ruas da cidade com cartazes de cores fortes, pouco apuro gráfico e faixas que se entrecruzam, mais confundindo que informando sobre apresentações e lançamentos. Pode-se falar em uma Indústria Cultural cearense que envolve cifras nada desprezíveis e maior preocupação com a diluição que com a criação propriamente dita. Esse clima envolve as vaquejadas, que também têm seus circuitos, apoiados por grandes empresas e por políticos populistas, envolvendo também moda, prêmios e competições, onde antes se tratava de uma brincadeira despretensiosa dos vaqueiros, quando voltavam da labuta e antes de voltarem para casa. Os circuitos de vaquejadas seguem um padrão “country”, estilizado, onde os ecologistas não perdem a oportunidade de denunciar os maus-tratos aos quais são submetidos os animais, incluindo os currais estreitos e a quebra do rabo no instante da derrubada do animal no chão do picadeiro ou arena. Esse modelo atingiu seu clímax na “Festa do Peão de Boiadeiro”, em Barretos, interior de São Paulo, onde foi construída uma arena especial, nos moldes que Oscar Niemeyer projetou para o carnaval carioca, chamado de sambódromo, por solicitação e interferência do então vice-governador, o antropólogo Darcy Ribeiro. Nesse contexto de massificação galopante, fica difícil manter características, quando tudo entra numa voracidade empresarial e passa a ser pensado para um grande número de consumidores / fruidores. Exemplo disso pode ser a quadrilha junina, festa de congraçamento de comunidades, com aspecto amador, em que pessoas se reuniam pelo prazer de brincar. Hoje, as quadrilhas são microempresas, têm inscrição no cadastro de pessoas jurídicas, como forma de receber financiamento estatal e das empresas, e atuam o ano inteiro. As mais ricas vendem as roupas usadas para as mais pobres ou do interior. Elas participam de um grande número de competições e formou-se, de acordo com as informações do brincante André Ribeiro, um polígono que envolve Fortaleza, Mossoró, Campina Grande e Caruaru, onde os grandes festivais acontecem.

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As quadrilhas contratam profissionais que são um misto de coreógrafos, cenógrafos e figurinistas. Também escolhem um “enredo” (como também cobrado dos maracatus cearenses, com a adoção do modelo das escolas de samba carioca, quando da ditadura militar), desenvolvem trilhas sonoras e ensaiam com “playbacks”, entrando os conjuntos regionais na fase final, às vésperas das exibições. No Ceará, ressalte-se, é compulsório o toque da sanfona como forma de reforço da tradição. Elas são também obrigadas ao desenvolvimento de um determinado número (doze) de passos tradicionais (caminho da roça, trancelins, grande roda etc), sobrando espaço para a inovação, com adereços de mão, marcação de espaço para exibição e toda uma parafernália de luzes, gelo seco, brilho e muito “glamour”, como nas escolas de samba, de cuja estética “kitsch” são herdeiras. A Indústria Cultural cearense ganha força com o chamado “humor”, um nicho de mercado construído aos poucos e que hoje envolve uma rede de casas de shows (pizzarias inclusive), um sem-número de profissionais e espetáculos voltados preferencialmente para turistas. A irreverência, citada como traço de uma identidade cearense, pode ser acompanhada desde a Padaria Espiritual (movimento artístico do final do século xix), passou pela música de Ramos Cotôco (1871 - 1916), pelo teatro de Carlos Câmara (anos 1920) e ganhou força com o dia em que vaiaram o sol na Praça do Ferreira, 30 de janeiro de 1942. A partir daí, a verve entrou como traço identitário e assim tivemos a contribuição de Quintino Cunha, poeta e piadista, além do reforço dos excêntricos, quando a cidade convivia mais proximamente com seus “loucos”, como Levi, Chagas dos Carneiros, De Rancho, Burra Preta, Zé Tatá, Ferrugem, o que estava longe de revelar traços misóginos, homofóbicos ou de dificuldade de aceitar a diferença. Ganharam o nome de Coca-Colas as moças que namoravam os norte-americanos, durante a Segunda Grande Guerra. O rádio e a televisão trataram de atrair essa irreverência e dar a ela o caráter de mercadoria e o estatuto de espetáculo. Mas era preciso migrar para o sudeste para se destacar como Chico Anysio, Renato Aragão, Wilson Aguiar. O diferencial dos novos humoristas foi criar um mercado para seus shows.

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Eles estão aqui, têm público garantido, criaram personagens na maioria das vezes histriônicos e caricatos. São acusados, muitas vezes, de pouco refinamento, com excessivo apelo ao que Bakhtin chama de “baixo corporal” (piadas que envolvem secreções, fezes, urina e o que está abaixo da cintura). Importante é que eles mantêm uma atividade em que parece não haver tréguas e que parece estar em plena euforia. Como ficou explicitado dessa panorâmica de explicações, onde vários casos foram pontuados e discutidos, a tradição, no contexto massivo e do ponto de vista da prevalência do mercado, está sujeita a variantes que privilegiam o lucro, o caráter espetacular e que não se preocupa com vínculos, raízes ou contexto histórico, na medida em que tudo passa a ser compreendido como peça de uma engrenagem maior e mais forte. Em alguns casos, admite-se que as relações não são tão agônicas, como no que se refere aos violeiros, mas podem ser encontrados vestígios ou marcas da tradição nas novas roupagens ou versões de acontecimentos que foram menores, domésticos ou amadores e parece que essa tendência ao espetáculo é irreversível e que cabe à tradição tentar dialogar e fazer valer alguns pressupostos, muitas vezes com base no próprio mercado que valoriza o artesanal como estratégia ou apelo de vendas. O problema não se resolve com a adoção de uma reflexão mais integrada ou com a compreensão do que Nestor-Garcia Canclini chama de hibridismo cultural, conceito retomado pelo antropólogo italiano Massimo Canevacci. As questões não se resolvem quando se tem um escaninho para guardá-las ou rótulos apropriados para etiquetá-las. Elas se tornam cada vez mais complexas, no contexto contemporâneo, e nos desafiam como pensadores e como cidadãos. Cabe uma reflexão sobre a interferência autoritária, quando os envolvidos não são sequer consultados, como no caso do artesanato cearense, onde em nome de um padrão de acabamento foram tomadas decisões de cima para baixo, impostas pela ascendência que o Estado tem sobre os produtores. Assim, passaram a fazer filé e labirintos com fios e tecidos coloridos, adotaram padrões que nunca fizeram parte do repertório das comunidades (como decalques de rendas nas peças de cerâmica ou inserções de inscrições rupestres) e criaram catálogos que servem de “inspiração”, a partir das oficinas ministradas por “designers” e de determinações de especialistas de certas áreas.

O resultado final é desrespeitoso para com o artífice, que deveria saber dos limites e possibilidades de seu ofício e estar sintonizado com o mercado. Em meio aos “iluminismos” de toda ordem, interferências do mercado, da mídia e do impacto das tecnologias, fica difícil manter um ritmo de produção que satisfaça as expectativas de consumidores ávidos por novidades e que atenda ao ritmo de vida, de possibilidades e de superação dos artistas das camadas populares, perplexos, como todos nós, diante do frenesi contemporâneo de novas tendências, de superação do costumeiro e de manutenção da “aura” num contexto que se propõe serial, ainda que com as marcas sofridas de seus autores.

Não se trata de dar receitas ou encontrar soluções; mas Expedito Seleiro, “designer” do couro, com sua oficina em Nova Olinda, com a criação de peças para as grifes Cavalera e Triton, e a família Cândido, de Juazeiro do Norte, na modelagem em barro das cenas, “temas” do cotidiano do Cariri, parecem ter encontrado uma síntese, um ponto de equilíbrio entre criação e encomenda, entre tradição e contemporaneidade, atingindo uma aceitação pelo mercado que não implica em perda da força do ofício ou diluição de seus próprios fazeres. Os Irmãos Aniceto, banda cabaçal do Crato, aliando música e performance (conceito tão caro a Paul Zumthor), parecem “eternos” diante da performance dos mitos Cariri e “clássicos” quando se discute mais uma vez a velha questão do popular num contexto em que a ênfase deveria ser dada à tradição.

BIBLIOGRAFIA ANDRADE, M. de. O Turista Aprendiz. São Paulo: Duas Cidades, 1983 mBAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo, Brasília: Hucitec, Ed.unb, 1996 mBARROSO, O e CARIRI, R. Cultura Insubmissa. Fortaleza: Secult, 1982 mBARROSO, O. Reis do Congo. Fortaleza: mis, 1996 mCANEVACCI, M. Sincretismos. Uma exploração das hibridações culturais. São Paulo: Studio Nobel, Instituto Italiano de Cultura, 1996 mCANCLINI, N. G. Culturas Híbridas. São Paulo: edusp, 2000 mCARVALHO, G. de. Tramas da Cultura. Fortaleza: Museu do Ceará, 2005 mCARVALHO, G. de. Artes da Tradição. Fortaleza: leo/Expressão Gráfica, 2005 mCOSTA, P. A.B. Anicete. Quando os índios dançam. Fortaleza: Departamento de Comunicação Social e Biblioteconomia da ufc, 1999 mECO, U. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1985 mLOTMAN, I. A estrutura do texto artístico. Lisboa: Estampa, 1978 mMcLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1971 mMORIN, E. Cultura de Massa no século xx. O Espírito do Tempo. Rio de Janeiro: Forense, 1969 mPORTO ALEGRE, M.S. Mãos de mestre. São Paulo: Maltese, 1994 mZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura. São Paulo: educ, 2000.

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Ainda o Multiculturalismo Foto: Rocha Maia

Ana Mae Barbosa

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É professora titular da Universidade de São Paulo (usp) e da Universidade Anhembi Morumbi. Fez mestrado e doutorado nos Estados Unidos. Foi presidente da International Society of Education througt Art - InSea (90-93) e Diretora do Museu de Arte Contemporânea da usp (87-93). Autora de 19 livros sobre Arte e Arte/Educação, recebeu o Grande Prêmio de Crítica da apca, o Prêmio Edwin Ziegfeld (1992), o Prêmio Internacional Herbert Read (1999) e a Ordem Nacional do Mérito Científico (2004). Ensinou na Yale University e The Ohio State University e proferiu palestras nas Universidades de Harvard e Columbia, no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (moma) e em cerca de 30 países das Américas, Europa, Ásia e África. Fez curadorias de Christo, Bárbara Kruger, Oswald de Andrade e Flemming. Foi consultora do Canal Futura e membro do Conselho da Petrobras Cultural. Atualmente é curadora de Artes Visuais das Casas de Cultura da aes Eletropaulo.

stamos vivendo no Brasil a época do Multiculturalismo Reparador. Por força de lei, as escolas têm que incluir nos currículos conteúdos de cultura afro e de cultura indígena. Isto está levando professores a buscar o conhecimento dessas culturas em nosso país, o que é não só louvável, mas essencial para uma educação democrática e participativa. Este semestre, a convite do grupo Arteducação Produções, fiz a cocuradoria de dois seminários na Caixa Cultural de São Paulo e de Curitiba, dirigidos para professores, sobre culturas afro e culturas indígenas, com a participação de especialistas, mestres e doutores indígenas e negros, engajados. Foi um sucesso enorme. Em Curitiba, as produtoras tiveram que duplicar o curso para atender à demanda. Insisto na qualificação dos profissionais com quem trabalhamos como engajados porque ser negro ou indígena não necessariamente garante que a pessoa seja defensora dessas culturas, as conheçam e as valorizem.

Durante mais de um século as universidades brasileiras se encarregaram de sabotar todo e qualquer código cultural que não fosse o europeu e norte-americano branco. Em geral, a cultura do povo, as culturas afro brasileiras e as indígenas podiam servir de assunto para teses e dissertações , mas não tinham entrada como evidência material estética nas Universidades. O projeto Multiculturalista que orientou a minha direção no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo foi execrado por artistas, historiadores e curadores. Tive apenas o apoio dos antropólogos culturalistas. Havia, ao lado das muitas exposições do código hegemônico como as de Christo e Barbara Kruger, três linhas de pesquisa e projetos que resultaram em exposições: os projetos Estética das Massas, Arte e Minorias, e Arte e Público. Tiveram um incrível sucesso de público. Mudou o público do mac. Ao invés de apenas universitários, começamos a ter todas as classes sociais visitando o museu. Contudo, os especialistas nunca aceitaram exposições de produção das minorias e das massas.

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O projeto Estética das Massas, que apresentou as exposições Carnavalescos (1987), A Estética do Candomblé (1989) e A Mata (1990), pretendeu investigar, pôr a descoberto, as experiências estéticas que dominam a vida da grande massa, sejam religiosas ou de ação coletiva. As exposições Arte e Loucura (1987), Civilidade da Selva, Mitos e Iconografia Indígena na Arte Contemporânea (1988) Conexus : artistas mulheres do Brasil e dos Estados Unidos em diálogo (1989) e Combongós, Latas e Sucatas: Arte Periférica (1989) fizeram parte do projeto Arte e Minorias. Quero falar aqui da exposição Combongós, Latas e Sucatas: Arte Periférica, sob a curadoria de Glaucia Amaral e May Suplicy. Essa exposição foi o ponto de encontro de dois destes projetos, o de Estética das Massas e o de Arte e Minoria. Este último, como obviamente está explicitado no título, pretendia trazer para o museu a imagem produzida por minorias sociais ou uma reflexão sobre a produção dessas minorias. Combogós, Latas e Sucatas: Arte Periférica apresentou arte da minoria social que executa trabalho braçal para sobreviver, mas faz esse trabalho com preocupação estética. A exposição foi o resultado de uma pesquisa entre trabalhadores da classe pobre dos subúrbios de São Paulo. As curadoras identificaram alguns trabalhadores que demonstravam preocupação estética ao realizar seus trabalhos cotidianos. Três instalações surgiram disso. A primeira, projetada por dois homens, Amerides Dias, já conhecido das curadoras como pedreiro do sesc Pompéia, e José Francisco Tomé, que trabalharam juntos sem se conhecerem anteriormente. Eles se encontraram para discutir a exposição, visitaram juntos a Bienal de São Paulo e decidiram fazer uma casa de lata (folha de flandres). Amerides e José Francisco ganham suas vidas fazendo exatamente o que eles fizeram para a instalação: Amerides constrói pisos de cacos de cerâmica (caquinhos) e Tomé cria utensílios de cozinha e jardim a partir de latas vazias. Nas classes média e pobre do Brasil, as casas costumam ter o piso feito de caquinhos por razões de ordem econômica, sendo os caquinhos e o cimento que os junta, todos da mesma cor para imitar a homogeneidade dos pisos mais caros feitos em cerâmica inteira. Amerides Dias, entretanto, rejeita a falsa homogeneidade e, como Gaudi, tira partido da diversidade das formas e cores dos caquinhos. Também José Francisco Tomé

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criou cinco filhos vendendo objetos para cozinha e jardim feitos de latas vazias. Sua preocupação em tirar partido dos padrões impressos nas latas o diferencia dos muitos brasileiros que sobrevivem desta mesma atividade. Outra instalação foi realizada por Ismênia Aparecida dos Santos. Ela preparou uma mesa com pratos e comidas feitas em argila, sobre uma toalha de mesa tecida à mão de maneira tradicional por outras mulheres de Minas Gerais. A produção de Ismênia se constituiu periférica em relação à sua própria produção de sobrevivência. Como ceramista popular, serializou sua produção de pavões, que tem um mercado certo. Contudo, Glaucia e May a viram fazendo os pratos que produziu para seus filhos brincarem. É nessa produção, que faz para seu próprio prazer, para uso interno familiar, que extrapola os níveis de contenção estética impostos pelo mercado. Diferentemente da obra Dinner Party, de Judy Chicago, cujo sentido ritual é evidente, a mesa de Ismênia, embora também celebrando as mulheres, é uma obra lúdica. A terceira instalação, composta por um exército de figuras feitas de escapamento de carros, tinha um identificável toque Pop, demonstrando a imersão e alimentação da estética do cotidiano na indústria cultural. É muito comum se ter nas oficinas mecânicas bonecos deste tipo para anunciar que se consertam escapamentos, mas raramente há preocupação estética identificável na produção das figuras. Painéis feitos por um pintor de placas de bar completavam a exposição. Esta exposição mostrou trabalhos da qualidade estética que enriquecem a qualidade de vida da população que não vai a Museu, mas exercita, como dizia John Dewey, o canal de comunicação estética que é conatural a todo ser humano. Prazer estético não é exclusividade dos ricos. Mas, onde está o prazer estético da grande massa iletrada do Brasil? Tem que haver uma contínua pesquisa das manifestações populares de massa que dominam o olhar. Nós atingimos nosso objetivo multicultural realizando esse tipo de exposição baseado em uma estética antropológica no mesmo museu que exibia modernistas europeus e a vanguarda brasileira. Na sala próximo a essa exposição, tínhamos obras de Matisse, Chagall, Picabia, Braque, Morandi, Marini, Picasso, De Chirico, Modigliani, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, João Câmara, Daniel Senise, Carlos Delfino e Camela Gross.

Um dos grandes dilemas sobre o qual se debruçam os filósofos e pesquisadores da Fundação dia (Estados Unidos, N. York), que já produziu muitas publicações importantes, é, precisamente, a relação entre estética erudita e estética das massas, do povo, das mulheres, das classes não educadas artisticamente, embora aptas à fruição estética. Os escritos de Martin Jay, Jonathan Grary, James Clifford, Virginia Dominguez, Trinh T. Minh-ha, Thomas Crow, Martha Rosler, Graig Wens, Douglas Crimp, Barbara Kruger, Krzystof Wodiczko e suas discussões publicadas por Hal Foster foram as bases teóricas de nossa ousadia. A grande transgressão desta exposição está na democratização do espaço institucional. O produtor popular tem, nessa exposição, as mesmas condições de trabalho que têm os artistas eruditos no Museu. Alguns até trabalharam dentro do mesmo princípio de organização de instalações que a teatralidade da arte contemporânea concebeu. O multiculturalismo nos Estados Unidos significa visibilidade para os códigos estéticos-culturais, mas frequentemente os mantêm separados. Há, em Nova Iorque, por exemplo, um museu para artistas negros, outro para artistas latinos, um outro para arte política etc. Nosso esforço para confrontar muitos códigos estéticos-culturais no mesmo espaço apaga limites e desafia os cânones dos valores estabelecidos.

Várias mesas redondas discutiram a exposição que descrevi. Um curso de Andreas Brandolini, um designer de Berlim, que expôs na Documenta 87, incluiu análises das instalações. Os criadores da casa de lata, apesar da ausência de educação formal, foram convidados pelo professor para discutir com os alunos universitários seus trabalhos e suas ideias sobre design, função e formas. Embora não possamos destruir preconceitos, ao menos podemos denunciar a carência de pontes entre o erudito e o popular, e de um olhar contemporâneo que seja capaz de dar sentido cultural à estética do cotidiano. Até hoje encontro pessoas que dizem que só agora entendem o que eu queria fazer no Museu . Quando pergunto o que descobriram me dizem : - Você queria pôr a Arte Popular no Museu. Puro engano, eu queria trazer para o Museu um código ainda menos reconhecido: a Cultura Visual do Povo. A chamada Arte Popular é tão rica no Brasil que tem até o aval burguês. À Arte Popular chamo Arte do Povo. É a Arte reconhecida em separado pelo código hegemônico como arte do povo, resultando que o artista do povo que a faz também se reconhece como artista. Chamo Cultura Visual do Povo quando o produto tem alta qualidade estética, não é codificado pela cultura dominante e o próprio criador não se vê como artista. Exemplo: o lateiro, as bancas dos feirantes, os bonecos de escapamento, a confeiteira de bolo, quando criativa. A Estética das Massas está ligada aos valores visuais dos grandes mitos e manifestações populares, como o Carnaval, o Candomblé, a Procissão, a Parada Gay etc.


À “Popular Art” dos americanos, traduzida comumente e erroneamente por Arte Popular em português, chamo de cultura de massa (no singular) ou arte de massa. Este livro que o sesc está publicando tem textos excelentes e honra a política multicultural do sesc. Costumo dizer que o SESC foi multicultural por necessidade de contemplar em sua programação todos os seus associados, desde o dono da loja até quem a limpa. Quando as teorias multiculturais chegaram ao Brasil, o sesc pôde dar sentido prático a elas. É a única instituição brasileira multicultural. Dizem que este ano a Bienal de São Paulo vai ser multicultural. Vamos ver. Hoje minha ansiedade é interculturalista . O multiculturalismo significa reconhecimento de vários códigos culturais e o interculturalismo a possibilidade de trabalhar com vários códigos culturais ao mesmo tempo. Durante os seminários aos quais me referi no início do texto, em São Paulo e Curitiba, fiquei imaginando que aulas maravilhosas se poderiam dar sobre cultura indígena a partir das pinturas corporais de diferentes grupos. Explorar as práticas, os códigos e os significados das pinturas corporais desses grupos. Mostrar outras pinturas corporais como a dos aborígines australianos, as tatuagens célticas de mil

anos atrás. Mostrar que foram transferidas do corpo para os objetos, como no caso da cerâmica Marajoara no passado e dos ornamentos arquitetônicos das casas da Ilha de Marajó, hoje. Buscar tatuagem no design e analisar o design nas tatuagens. Comparar com as tatuagens de hoje nas cidades e chegar até o grafite, que é a tatuagem no corpo das cidades . Ainda a apropriação do grafite pelo mercado e pela arte de galeria de código europeu e norte-americano. Interculturalismo é um instrumento de duas mãos: trata de fortalecer os códigos culturais do grupo, mas introduz também outros códigos culturais alheios ao grupo. Isto tanto para os grupos com ênfase no código erudito, que precisam ser introduzidos a outros códigos considerados periféricos, como para os grupos de código minoritário que precisam ser introduzidos aos códigos hegemônicos do poder. Ninguém chega ao poder sem dominar seus códigos. É preciso conhecê-los, não necessariamente admirá-los e muito menos se subjugar a eles. Arte vista como campo expandido e de diferentes códigos tem em comum a possibilidade de levar os sujeitos à conquista da autonomia e dialeticamente à conquista da heteronomia, ao mesmo tempo: Exercitar a subjetividade e a “outricidade”, como diz Augusto de Campos, é uma das funções da Arte. Parabéns ao SESC Ceará e aos autores por este livro.

BIBLIOGRAFIA ANG, IEN. On Not Speaking Chinese: Living Between Asia and the West. London: Routledge, 2001 mBARBOSA, ANA MAE. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: Editora Com Arte, 1998 m BHABHA, HOMI. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da ufmg, 2001 mBREA, JOSÉ LUIS (org.). Estúdios Visuales: la epistemologia de la visualidad en la era de la globalización Madrid: Akal, 2005 mDUFRENE, PHOEBE. Voices of Color. NJ: Humanities Press, 1997 mKEIFER-BOYD, KAREN.; FEHR, DENNIS.; FEHR, KRIS. Real-World Readings in Art Education: Things Your Professors Never Told You . NY: Palmer, 2000 mMASON, RACHEL. Por uma arte-educação multicultural. Campinas: Mercado de Letras, 2001 mMORIN, FRANCIS. A quietude da terra. Salvador/ New York: Palotti/dap, 2000 mNEPERUD, RONALD. Context, Content and Community in Art Education: Beyond Postmodernism. NY: Teachers College Press, 1997 mRICHTER, IVONDE MENDES. lnterculturalidade e Estética do cotidiano no ensino das Artes Visuais. Campinas: Mercado de Letras, 2003 mRIDEL, Oswald. O Escravo no Ceará. Em Da Senzala para os Salões (Coletânea). Fortaleza: Secretaria de Cultura, 1988 mSERAINE, Florival. Folclore Brasileiro - Ceará. Rio de Janeiro: Funarte, 1978 m SERAINE, Florival. Antologia do Folclore Cearense. Fortaleza: Ed. ufc, 1983 mSOUZA, Simone de (org.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/Nudoc, 1994.

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2 CapĂ­tulo


Foto: Davi Pinheiro

“A Cultura é aquilo que sai de dentro da alma da gente. A Cultura é uma festa bonita. É uma conversa de amor, a felicidade que a gente tem”

Foto: Cláudio Pedroso

Educação é Cultura

Mestre Aldenir (Mestre do reisado da Vila Lôbo - Crato)

O

Programa Cultura do SESC Ceará promove um conjunto de ações que visam desenvolver, difundir e preservar as manifestações da cultura brasileira, incentivando os fazeres e saberes humanos, tal como preconiza sua “Ação Finalística”, documento interno que norteia o modus operandi da instituição: “No campo da cultura, a ação social pode ir além da atenção ao indivíduo, às suas necessidades e ao aperfeiçoamento pessoal e contribuir, mais amplamente, para a transformação da sociedade. (...) significa privilegiar produtos culturais que contribuam para construir um novo olhar-o-mundo, e que se instrumentalizam em uma ação transformadora dos indivíduos e da sociedade, excluindose, portanto, da ação programática da Entidade, aqueles produtos culturais que tendem à sua reificação”. Com base nesses fundamentos, a política do Programa percebe cultura como educação e fortalece as artes em suas diversas linguagens (artes cênicas, música, literatura, artes visuais, audiovisual), disponibilizando espaços equipados, como teatros, galerias, bibliotecas, ateliês, salas de ensaios, salas de vídeos e de convivência multicultural, para realizações de oficinas, seminários, debates e projetos afins, colaborando, assim, para alcançar as finalidades acima citadas. Ao considerar a diversidade cultural brasileira, o SESC tem dedicado especial atenção às manifestações populares transmitidas pela oralidade, somando esforços com as políticas públicas

Maria Gorett Nogueira da Silva

Dane de Jade

diretora de programação social do sesc-ce

gerente de cultura do sesc-ce

para a superação do descaso histórico do qual ainda são vítimas os grupos relacionados a essas estéticas e expressões artísticas tidas como tradicionais. Nesse sentido, realiza o SESC Cordel, uma conjugação de ações que, ao longo de mais de uma década, editou mais de 500 títulos em folhetos de cordel, contemplando a produção poética de diversos autores, lançou livros, fomentou a produção da xilogravura, revitalizou a histórica tipografia Lira Nordestina, realizou seminários, palestras, oficinas e exposições, o que lhe rendeu a conquista do prêmio Rodrigo de Melo Franco, do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (iphan). O SESC Cordel procura alinhar suas ações com as políticas de incentivo às práticas tradicionais e hoje se estende a todas as Unidades Operacionais do SESC Ceará. Nesse contexto amplo, abrange várias ações de fundamental importância para que a literatura de cordel, como expressão viva da oralidade, se mantenha cada vez mais fortalecida entre as novas gerações. Outro projeto de significativa relevância a ser destacado é a Mostra SESC Cariri de Cultura, realizada desde 1999 na região do Cariri, situada no extremo sul do Ceará, a 580 km da capital Fortaleza, composta por 28 municípios difusores da cultura de um povo que descortina seus saberes e se abre em intercâmbio e acolhimento a todas as tribos que vêm habitar e compor o seu vasto cenário.

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Mais recentemente, a Mostra vem ampliando seu raio de atuação para Fortaleza, expandindo, dessa forma, os desdobramentos que se consolidam no campo da educação dos sentidos, na economia, turismo, desenvolvimento e cultura, configurando-se como um laboratório híbrido de experimentações e vivências que dialogam com a pluralidade das expressões existentes na região, no País e fora dele. Destaca-se por sua ação de produção e irradiação da arte e cultura, ampliando o potencial das expressões artísticas que brotam no coração da Nação Cariri, difundindo e estabelecendo conexões a partir da grande rede que integra artistas, técnicos, produtores, patrocinadores e comunidades. Foi na ambiência dessa Mostra que surgiu o Projeto Difusão das Culturas de Raiz, com a iniciativa do Projeto SESC Terreiro da Tradição, espaço aberto às trocas, pesquisa e difusão dessas práticas tradicionais em seus locais de origem e em espaços das Unidades SESC. Reisados, cocos, cordel, bandas cabaçais, mamulengos, repentes, emboladas e tantas outras manifestações são folguedos perpetuadores de elementos da identidade de povos de todas as partes do mundo que habitam o Nordeste brasileiro. Fecundados nas coletividades rurais, tocam na alma das pessoas, criam o ânimo da festa, do amor e da felicidade, fincando raízes na memória social. Assim, buscando conferir visibilidade a essas expressões e trabalhar a autoestima dos artistas do povo, as ações do Programa Cultura potencializam políticas públicas de identidade pelo fortalecimento de práticas reconhecidas pela unesco como patrimônio imaterial da humanidade.

Cada mestre, apesar de todas as dificuldades com que vive, rege e repassa de geração a geração os saberes de sua arte. Por essa razão é que a tradição não morre, ao contrário, se recria a cada contexto, em canto, dança e ritmo. Fomentar e difundir as tradições orais evidencia a compreensão do SESC através da cultura como prática social educativa. De acordo com a professora Ria Lemaire, “repensar a distinção entre cultura e educação a partir das suas origens permite ver nela uma estratégia política que permitiu impor a cultura oficial do estado-nação às despesas das culturas das pequenas nações. São a sua ciência e sabedoria em que cultura e educação coincidem, que oferecem, neste limiar do século xxi, instrumentos valiosíssimos para a crítica e revisão dos sistemas educativos vigentes”. Por essas razões, entendemos não ser possível pensar educação e cultura de forma segregada. É necessário dar voz e vez aos mestres populares, apesar de sabermos que, em alguns momentos, podemos detectar neste universo alguns elementos que revelam posturas e práticas ideológicas passíveis de questionamentos. Porém, exatamente por compreendermos o longo período de descaso no campo das políticas culturais no cenário nacional, é que buscamos desenvolver ações que possam contribuir para a inclusão desses sujeitos no campo ideológico-prático do respeito pela diversidade, pelos valores humanos, promovendo o diálogo cultural necessário à construção de identidades fundamentadas nos “patamares superiores da condição humana”.

BIBLIOGRAFIA AÇÃO FINALÍSTICA DO SESC. Serviço Social do Comércio – Departamento Nacional mBURKE, PETER. Cultura popular na idade moderna: Europa, 1500-1800. 2ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 1998 mCANCLINI, NESTOR GARCIA. A encenação do popular. In: Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000 mCAPRA, FRITJOF. Os dois paradigmas. In: O ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1982 mCARVALHO, Gilmar DE. Patativa Poeta Pássaro do Assaré. 2ª ed. Fortaleza: Omni Editora Associados, 2002 mDIRETRIZES GERAIS DE AÇÃO SESC. Serviço Social do Comércio - Departamento Nacional, 2004 mHOBSBAWN, ERIC & RANGER, TERENCE (Orgs). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984 mITAÚ CULTURAL. Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial In: Revista do Observatório Itaú Cultural. oic – n. 4, jan/mar. 2008. São Paulo: 2008 mLEMAIRE, RIA. Reler os textos – resgatar as vozes?. In: Tradições populares açorianas. Ponta Delgada-Açores: Ed. da Universidade, 2007 mMATURANA, HUMBERTO. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Editora ufmg, 1998 mRELATÓRIO DE GESTÃO DO SESC CEARÁ. Serviço Social do Comércio – Departamento Regional Ceará mSANTOS, FRANCISCA PEREIRA DOS. As mulheres como transmissoras da tradição poética em cordel: o caso de Patativa do Assaré. In: Patativa em Sol Maior. Treze ensaios sobre o poeta pássaro. Org: CARVALHO, Gilmar de. Fortaleza: Edições ufc, 2009 mYÚDICE, George. A conveniência da cultura:. usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora ufmg, 2004.

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O SESC Fortaleza enquanto Terreiro da Tradição Foto: Davi Pinheiro

O

Paulo Henrique Leitão dos Santos

Foto: Davi Pinheiro

Foto: Davi Pinheiro

coordenador da ação comunitária do sesc fortaleza

Vejuse Alencar de Oliveira

Denise de Sena Abintes Cobello

gerente do sesc fortaleza

assessora da direção do sesc-ce

s espaços privilegiados para o trabalho do SESC são suas unidades, suas instalações e equipamentos. No SESC Fortaleza, desenvolvemos as ações dos programas Educação, Saúde, Cultura, Lazer e Assistência. Como segundo espaço de atuação do SESC, temos a comunidade, compreendendo-se por tal a rua, a praça, os prédios públicos e privados, alcançando a população nas suas mais diversas faixas etárias, condições socioeconômicas, escolaridade etc. Reunir os programas de atuação do SESC em torno do desenvolvimento de Projetos Especiais tem sido um dos nossos grandes objetivos. O Projeto SESC Terreiro da Tradição, reunindo os programas Cultura e Educação, tem sido uma valiosa experiência. Pois, para além da interlocução entre os programas, ele traz na sua dinâmica o encontro de gerações, bem como o repasse da cultura popular através deste encontro. Terreiro pode ser compreendido como um espaço de convivência situado ao redor das casas, a céu aberto ou com teto, chão de terra batida ou cimentado, geralmente localizado à frente das residências, das edificações de importância, ou até mesmo escondido no fundo dos quintais. Terreiros são espaços socialmente construídos na história da humanidade; apresentam diversos formatos, usos e funcionalidades, sendo comumente o ambiente reservado para os ritos, os festejos e as cerimônias. Podendo ainda ser considerado como pátio central, terraço, barracão. No Ceará, terreiro é também um canal de comunicação de salas, alpendres e cozinhas com os ambientes externos aos domicílios. Lugar de coexistência e intercessão dos espaços públicos e privados. Sua origem é atemporal. Espaço de organização, ajuntamento e passagem das manifestações culturais e artísticas herdeiras da tradição oral. Os terreiros, até nossos dias, acolhem os reisados, os bois, as brincadeiras juninas, a caninha verde, o maracatu, o coco, a cantoria, dentre outras expressões culturais.

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Já a palavra tradição quase sempre parece remeter ao passado e à conservação das coisas. Aparentando ser o oposto de mudança e modernidade. Entretanto, tradição é um termo que deriva do Latim, do verbo tradere (traditio), significa trazer, entregar, transmitir... Significado que alude a trânsito, itinerância, movimento. Nessa perspectiva, a tradição também pode ser concebida enquanto um sistema de processos e transições que transportam as experiências e os acúmulos de conhecimento das sociedades, propiciando suportes de referência, diálogo e aprendizagens entre as gerações. O Projeto SESC Terreiro da Tradição, desenvolvido a partir de 2007 pelos Programas Educação e Cultura do SESC, no decorrer de quase quatro anos, trabalhou esses dois conceitos, enquanto parâmetros que norteiam sua metodologia de pesquisa e registro dos grupos culturais tradicionais. Terreiro e tradição, vistos, respectivamente, enquanto espaços e processos, constituem importantes dimensões de análise para pesquisa e reconstituição das memórias e das culturas das gentes cearenses. Primeiro, para que possamos entender melhor as espacialidades e os contextos nos quais os grupos estão inseridos e, segundo, para pensarmos a tradição não como um conjunto de regularidades e permanências, mas como um processo que pereniza as experiências do passado, ao mesmo tempo em que dialoga, seleciona e se apropria das informações do presente. Através da programação cultural que acontecia nos fins de tardes das terças-feiras, no pátio do SESC Fortaleza, em 2007, o Projeto Terreiro da Tradição conjugou o registro das apresentações artísticas dos grupos culturais tradicionais às políticas e ações de formação de plateias, além do desenvolvimento de atividades lúdicas e educativas na Escola Educar SESC e nas comunidades que compõem o seu entorno. Constituído para ser desenvolvido como um sistema de organização aberto, o projeto contou com a participação de todos os programas do SESC, que, de forma complementar, alternaram-se na empreitada de conhecer, valorizar e difundir as expressões artísticas das culturas tradicionais. Diversos grupos de trabalho interagiram durante os tempos de execução do projeto. O Programa Assistência, através da atividade Ação Comunitária e do Programa Mesa Brasil SESC, contribuiu no processo de reorganização da Associação de Moradores Frei Humberto, na comunidade do Mercado Velho, vizinha à Escola Educar SESC Fortaleza. Todos esses grupos, aliados aos técnicos dos Programas Cultura e Educação, ajudaram a organizar as reuniões com antigos brincantes de maracatu que estavam dispersos na comunidade e, por

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meio de encontros percussivos, fundaram o Maracatu Nação Axé de Oxossi, grupo que, para nosso orgulho, participa desta publicação, lado a lado com o Maracatu AZ de Ouro, o mais antigo de Fortaleza. Ainda em setembro de 2007, em plena efervescência do projeto, a Escola Educar SESC transferiu-se das dependências da unidade do SESC Fortaleza, para uma nova sede, construída nas proximidades do SESC. A escola crescia em tamanho físico, em número de alunos e funcionários. Buscamos, então, aprofundar ainda mais nosso entrosamento com as comunidades situadas nos arredores das duas unidades. Decidimos priorizar o contato direto, casa a casa, percorrendo os becos e travessas que formam o emaranhado de caminhos que caracterizam essas comunidades. Procurávamos identificar novas pessoas, grupos ou espaços de referência. Chegamos à lavanderia comunitária, aos grupos religiosos, aos times de esporte amador, aos pequenos comerciantes, e percebemos a organização de redes sociais que estabelecem outros canais de comunicação e mediação de conflitos entre os moradores. Certa vez, visitando um dos becos no início da noite, descobrimos que este servia de depósito para os carrinhos dos catadores de lixo e dos vendedores ambulantes da comunidade. No mesmo instante, constatamos que estávamos diante do local de encontro e articulação de uma significativa rede, que, na comunidade, representa a maioria dos trabalhadores informais. A partir dessas redes, quase invisíveis, começamos a aglutinar moradores interessados em discutir as potencialidades existentes nas comunidades. Foi então que o Programa Lazer, através do Projeto SESC Ativo, propiciou ao grupo de capoeira do professor Pote e à Escolinha Comunitária de Futsal, que não dispunham de lugar apropriado para seus encontros, um espaço para treinamento na nova quadra da Escola Educar SESC. Concomitantemente, a equipe da atividade Educação em Saúde do SESC realizou diversas campanhas e oficinas sobre saúde preventiva para os moradores e participantes dos grupos culturais do entorno da Escola. Em 2008, com a continuidade do projeto, realizamos um encontro de interação entre educadores da Escola Educar SESC e os mestres, brincantes e artistas populares participantes dos grupos culturais tradicionais. As formas e conteúdos registrados nas oficinas e os exercícios pedagógicos realizados na escola compõem um importante documento para o desenvolvimento e a inspiração de novos trabalhos educativos embasados nos saberes e práticas das expressões culturais tradicionais.


Aliás, a preocupação com a formação de acervos visuais norteou todos os momentos do projeto. Por isso, as imagens das apresentações artísticas de 2007 estão associadas a registros fotográficos e audiovisuais realizados em 2010, formando um inestimável acervo dos trinta grupos participantes do projeto. O material coletado possibilita a construção de múltiplos discursos visuais. Nosso olhar buscou registrar os artefatos lúdicos, o gestual, as expressões, os símbolos e os contextos vivenciados.

Diálogo das experiências e a construção de discursos visuais A linguagem comunicativa que utilizamos para a concepção desta publicação foi a representação dos grupos culturais através das imagens, mediados por meios e modos que o campo de estudo da antropologia visual possibilita. As imagens fotográficas e audiovisuais, coladas ao recorte das falas e poéticas registradas, permitem interpretações e leituras que a linguagem escrita sozinha não proporciona. O conjunto visual da publicação SESC Terreiro da Tradição acaba por representar processos de seleção dos discursos e imagens, compostos por todos os profissionais envolvidos no projeto. Os olhares dos artistas responsáveis em fazer o registro e a ilustração, as imagens organizadas pelos profissionais do SESC até a finalização da criação visual, formam um amplo sistema de informações que pode ser acessado para o desenvolvimento de inúmeros processos criativos. A diversidade cultural registrada mostra que nenhum processo de pesquisa é capaz de apreender a totalidade dos objetos e fenômenos observados. É necessário vivenciarmos as paisagens e culturas coexistentes nos vários sertões, serras e litorais cearenses para percebermos o quanto ainda precisamos preservar e conhecer. Os monólitos de Quixadá, a chapada do Araripe, a barragem e a ponte de ferro de Quixeramobim, o sopé da serra de Santo Antonio dos Pitaguarys, as lagoas e fontes de água doce do Iguape, os carnaubais de São Gonçalo do Amarante e as areias do Pecém... são territórios que alimentam os costumes, os cheiros e sabores, os usos e fazeres, os ofícios e artesanatos dessas culturas que formam, neste trabalho, uma nova cartografia cultural dos grupos populares no Ceará.

São centenas de recantos, onde se perpetuam práticas culturais diversas, revelando milhares de cearenses que, no Natal e Dia de Reis, no período momino, nas festas juninas, nas comemorações e ritos religiosos, constroem de forma particular suas expressões culturais e significações, formando o que iremos denominar de “comunidades de memória”. Conhecemos uma destas comunidades no Sertão Central do Ceará, distrito de Cipó dos Anjos, localidade de Boágua. Da cidade mais próxima, Quixadá, até a comunidade, leva-se mais de uma hora, de carro, em estrada de areal. Lá, várias famílias de agricultores utilizam a brincadeira do Reisado de Caretas Boi Coração como referência para organização das suas memórias. O Caipora, a Vitalina, a velha Donana e os demais autos dramáticos que compõem a brincadeira exprimem a capacidade imagética de toda a comunidade. Seguindo, no município vizinho, na cidade de Quixeramobim, tivemos a oportunidade de encontrar o Mestre Piauí, topador de boi que, com seu batalhão de filhos, mantém uma brincadeira com características muito diferentes das registradas a poucos quilômetros, em Quixadá. Diversidade também constatada nos grupos de Juazeiro do Norte, cariri cearense, onde Mestre Sebastião e Mestra Fátima promoveram, à tardinha, um encontro único no terreiro de sua casa, no Bairro Romeirão, com Mestre Cachoeira, Ciço Zabumbeiro e Dona Maria do Horto. Cada reisado é único, suas indumentárias, suas formas de cantar, seus estilos no jogo de espadas. O Reisado Discípulos de Mestre Pedro (Reisado dos Irmãos), o Reisado do Mestre Sebastião e o Reisado São Miguel são exemplos dessa pluralidade registrada. Todos possuem saberes próprios, resultantes de acúmulos e práticas distintas. Em Juazeiro, reencontramos também Mestre Antônio e Mestre Raimundo, do Bairro João Cabral; conversamos com Mestre Valdir e com Mestre Domingos, filho do saudoso Mestre Miguel da Banda Cabaçal Padre Cícero, e aproveitamos para visitar o Mercado de Juazeiro, a Igreja Matriz e a Igreja dos Franciscanos, construída em estilo Romano Lombardo. Esses encontros e visitas foram fundamentais para a composição do acervo de imagens e formação da memória visual dos grupos participantes. Quando nossa expedição chegou ao litoral, nas praias do Iguape e do Pecém, também nos deparamos com comunidades de pescadores praticantes de diferentes danças de coco, cada uma com passos, cânticos e instrumentos musicais específicos e que, por meio do improviso (embolada), revelam uma rebuscada capacidade de criação poética.

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Versatilidade também presente nos violeiros e repentistas Dimas Mateus e Rubens Ferreira e nos emboladores de coco Marreco e Passarinho. Ambas as duplas representam a Casa do Cantador, situada no Carlito Pamplona, antigo bairro operário de Fortaleza, casa que desde 1951, através da Associação dos Cantadores do Nordeste, apoia, com recursos escassos e muita vontade, os trovadores e poetas populares do Brasil. Pertinho do bairro Carlito Pamplona, na faixa litorânea que vai do Pirambu até a Barra do Ceará, existe uma grande concentração de grupos culturais tradicionais, tais como: o Boi Ceará do Mestre Zé Pio e o Boi Juventude do Mestre Ciro. Bem próximo, no Cristo Redentor, encontramos o Pastoril Estrela Luminosa (Grapel) e o Pastoril Nossa Senhora de Fátima (com sede em Maracanaú), ambos inspirados nas lembranças e ensinamentos de Mestra Rita Costa. Atualmente, essa família constrói uma rede de grupos de pastoril que alcança as cidades de Fortaleza, Maracanaú e Pacatuba, dentre outras. Na outra faixa litorânea da cidade, em frente à Beira Mar, reside no alto do Morro do Mucuripe a Caninha Verde da Mestra Gerta, folguedo tipicamente português, descendente da economia do ciclo da cana de açúcar. Constitui o único grupo tradicional de Caninha Verde que sobreviveu aos novos tempos, em Fortaleza. Ainda por trás dos prédios da Beira Mar, no bairro da Varjota, Dona Socorro e Seu Marcos dividem-se na organização da Quadrilha Junina Esperança Nordestina e do Reisado SESC Nossa Senhora da Saúde, grupo este fundado pelo SESC em conjunto com os educadores sociais do Reisado Brincantes do Cordão do Caroá, grupo também participante do projeto e reconhecido enquanto Programa de Extensão e Pesquisa das culturas populares da Universidade Federal do Ceará. Uma característica marcante desse projeto é a participação de grupos organizados a partir das ações do SESC. O Grupo de Pastoril Estrela de Belém, fruto do Trabalho Social com Idosos - TSI , é um desses expoentes, que apontam para a necessidade de organização da memória visual e documental dos grupos culturais do SESC. No SESC Fortaleza, a dimensão inclusiva, que contempla a diversidade, promove o encontro de gerações como processo natural, visto que nas diversas atividades desenvolvidas a presença de crianças, adolescentes, adultos jovens e adultos velhos é constante. Sabemos que, embora não possamos destruir preconceitos, podemos estabelecer pontes entre as gerações, visando a um futuro melhor para toda a população e, principalmente, para “os idosos de amanhã”. Acreditamos que o caminho para o encontro das gerações seja a busca por interesses comuns e, nesse contexto, as expressões culturais mantêm essa capacidade de reunir as diversas gerações.

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Durante a realização do projeto na Escola Educar SESC, foram possíveis diversos níveis de interação, desde a mais simples convivência, como, por exemplo, numa apresentação artística dos grupos na qual idosos, jovens e crianças puderam desenvolver habilidades diversas, até uma efetiva troca de experiências e de conhecimentos durante as oficinas de trabalho. Mestra Gema Weyne, uma referência no trabalho sociocultural intergeracional, nos mostrou que as artes podem ser ferramentas de integração e acolhimento. Sua “pedagogia do cuidado” agrega um importante segmento de difusão das culturas tradicionais. Em Maracanaú, município na região metropolitana de Fortaleza, participamos, na aldeia de Santo Antônio dos Pitaguarys, do ritual do Toré. Debaixo da sombra de sua mangueira sagrada de mais de duzentos anos, recordamos os índios escravizados que eram amarrados a seu tronco para receber severas punições e depois serem jogados na senzala, que ainda está de pé ali bem próximo. Outra comunidade de memória que registramos foi a Jandaiguaba, um dos núcleos dos índios Tapebas no município de Caucaia. Lá, a afetuosa matriarca Dona Isabel, que entende dos remédios do corpo e do espírito, foi nossa contadora das lembranças vivas das brincadeiras do passado e do boi mantido atualmente pela comunidade. Outro grupo com forte identidade étnica, também visitado no projeto, foi o Afoxé Acabaca. O Candomblé, religiosidade de matriz africana, influencia diretamente os rumos da brincadeira que, além de festejo, assume papéis de afirmação das identidades negras. O Reisado Metamorfose do Sertão, na cidade de São Gonçalo do Amarante, é outro bom exemplo dessa diversidade de significados e funções que os grupos culturais tradicionais aglutinam. Nele, participam da brincadeira os colaboradores do SESC Ler de São Gonçalo, os alunos do programa de alfabetização e membros da comunidade. Muitos são brincantes tradicionais de boi, glosadores e antigos papangus. Quando souberam que seus saberes e práticas culturais eram importantes para o desenvolvimento de novas aprendizagens, não tardaram a estabelecer conexões entre seus conhecimentos e os novos saberes estudados. Hoje, o grupo é uma referência na troca de códigos culturais com outros grupos, uma vez que agrega ao seu enredo linguagens artísticas de várias expressões culturais tradicionais e, mesmo assim, preserva uma identidade processual própria. Outra escolha que produziu enorme diferença na condução do projeto foi podermos contar com a participação de grupos de


teatro popular que fundamentam seus processos criativos nas linguagens artísticas dos grupos culturais de tradição oral. O Ânima de Bonecos, as Catirinas, o Teatro de Caretas, a Banda de Pífanos do SESC e o Garajal são grupos que vêm desenvolvendo de forma sistemática pesquisas sobre os grupos tradicionais e promovendo a troca e/ou a hibridação de códigos e expressões culturais as mais distintas. Potengy Guedes, dando vida aos seus bonecos, foi precursor nessa labuta de fundir e difundir as brincadeiras populares. Hoje, com a produção de um intenso trabalho musical, ainda desenvolve apresentações com seu Mamulengo Estrela do Norte. A tradição incorpora ao seu repertório, a todo instante, novas informações. Os grupos culturais tradicionais são como incubadoras de linguagens comunicativas, criativas e imagéticas, que irradiam desses processos. Nessas redes organizadas a partir de referências e memórias, percebemos como é grande a participação de cozinheiras, costureiras, artesãos e atores diversos que contribuem, na maioria das vezes, além das suas possibilidades, com a organização e desenvolvimento de cada expressão cultural registrada.

São redes anônimas, com grande poder de influência sobre os grupos culturais, formadas por familiares, amigos, companheiros de ofício. Na construção da brincadeira, produzem relações que reforçam os vínculos afetivos e de reciprocidade social das comunidades. A publicação SESC Terreiro da Tradição aposta no fortalecimento dessas redes e no surgimento de outras redes e circuitos que promovam políticas específicas de valorização e desenvolvimento dessas comunidades de memória, detentoras de saberes e práticas, excluídos do grande mercado de bens culturais. As imagens e discursos reunidos nesta coletânea são fragmentos, indícios da enorme variedade cultural a qual pertencemos. Em nossa sociedade, cada vez mais poluída por imagens associadas ao consumo, onde os gostos e preferências são manuseados pela hipermídia da publicidade e da propaganda, é necessário que eduquemos para outra cultura visual. O SESC Terreiro da Tradição é uma iniciativa que educa para o reconhecimento do outro, a partir de suas falas, imagens e contextos para que, mediados por nossas diferenças, possamos construir melhores sentidos e interpretações acerca de nós mesmos.

BIBLIOGRAFIA AGUIAR, MACIEL DE. Brincantes & Quilombolas. São Mateus, ES: Ed. Memorial. 2005 mANDRADE, MÁRIO DE. Danças Dramáticas do Brasil. 2ª ed. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1982 m BAKHTIN, MIKHAIL MIKHAILIWITCH. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de Fraçois Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo, Brasília: Hucitec/Universidade de Brasília, 1993 mBARBOSA, ANA MAE e AMARAL, LILIAN (orgs.). Interterritorialidade: mídias, contextos e educação. São Paulo: senac sp / sesc sp, 2008 mBARROS, JOSÉ D’ASSUNÇÃO. O campo da história: especialidades e abordagens. 5ª ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Ed, Vozes. 2008 mBARROSO, OSWALD. Teatro Popular Tradicional: Reis do Congo. Fortaleza: Ed. ufc, Ministério da Cultura, Museu da Imagem e do Som, 1996 mBRANDÃO, THÉO. O Reisado Alagoano. Revista do Arquivo n° clv. São Paulo: Departamento de Cultura, 1953 mCAMPOS, EDUARDO. Estudos de Folclore cearense. Fortaleza: Ed. ufc, 1960 mCASCUDO, LUIS DA CÂMARA. História de nossos gestos: uma pesquisa na mímica do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Ed. Global, 2003 mCASCUDO, LUIS DA CÂMARA. Literatura Oral no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Global, 2006 mCASCUDO, LUIS DA CÂMARA. Made in Africa. 4ª ed. São Paulo: Editora Global, 2002 mCASCUDO, LUIS DA CÂMARA. Mouros, franceses e judeus: três presenças no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Ed. Global, 2001 mDELLA CAVA, RALHP. Milagres em Juazeiro. Tradução de Maria Yedda Linhares. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976 mHOLANDA, FIRMINO e CARIRY, ROSEMBERG (orgs.). O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto: apontamento para a História. Fortaleza: Ed. Interarte, 2007 mFILHO, F. COUTINHO. Violas e Repentes. Repentes Populares em prosa e Verso. Recife: 1953 mFREYRE, GILBERTO. Casa Grande & Senzala.: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 1996 mHERRERO, MARINA. Jogos e brincadeiras do povo Kalapalo. São Paulo: sesc-sp, 2006 mCAVALCANTE, MARIA JURACI M.; QUEIROZ, ZULEIDE F. DE; E OUTROS (Orgs.). História da Educação – vitrais da memória: lugares, imagens e práticas culturais. Fortaleza: Ed. ufc, 2008 mMACEDO, JOARYVAR. Império do Bacamarte: uma abordagem sobre o coronelismo no Cariri cearense. Fortaleza: Ed. ufc, 1990 mMENESES, OCTÁVIO AIRES. Dia de Reis no Juazeiro de Outrora. Rio de Janeiro: sesc – ce, 2008 mMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 1997 mMOTA, LEONARDO. Cantadores: Poesia e Linguagem do Sertão Cearense. 7ª ed. RJ/SP/Fortaleza: ABC Editora, 2002 mMOTA, LEONARDO. Sertão Alegre: Poesia e Linguagem do Sertão Nordestino. 3ª ed. rj/sp/Fortaleza: ABC Editora, 2002 mMOTA, LEONARDO. Violeiros do Norte: Poesia e Linguagem do Sertão Cearense. 7ª ed. rj/sp/Fortaleza: ABC Editora, 2002 mOLIVER, ROLAND; FAGE, J.D. Breve História da África. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Ed. Sá e Costa, 1980 mPACHECO, LILIAN. Pedagogia Griô. A reinvenção da Roda Viva. Lençóis, Bahia: Ponto de Cultura Grãos de Luz e Griô, 2006 mSEMINÁRIO NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS CULTURAS POPULARES. sp: Instituto Polis; Brasília: Ministério da Cultura, 2005 mSOUZA, MARINA DE MELO E. Reis Negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: Ed. ufmg, 2002 mTUGNY, ROSÂNGELA P. e QUEIROZ, RUBEN C. (orgs.). Músicas africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Ed. ufmg, 2006. mURBAN, J.; BARRETO, S. (Fotografias); VASQUEZ, P. K.; PERSICHETTI, S. (Textos). Aparecidas. Campinas: Ed Tempo d´Imagem, 2002 mVASCONCELOS, MARIA DE FÁTIMA (org.). Diversidade cultural e desigualdades: dinâmicas identitárias em jogo. Fortaleza: Ed. ufc, 2004 mVIDAL, LUX B. (org.). Grafismo Indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Studio Nobel/Ed. usp/fapesp, 1992.

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C

Banda de Pífanos do SESC

rianças e adolescentes moradores do entorno do SESC Fortaleza formam a Banda de Pífanos do Sesc. Desde 2002, eles participam das aulas semanais, em que aprendem a tocar o pífano e instrumentos de percussão. Em suas apresentações, executam o repertório tradicional das bandas cabaçais, xotes, xaxados, baiões, canções carnavalescas, juninas e religiosas.


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“Participar da banda de pífanos foi muito importante pra minha vida. Antes eu não tinha nada pra fazer, nada pra ocupar minha mente, mas agora eu tenho a música.” Alisson França de Oliveira (17 anos)

“Na banda de pífanos eu decidi o que eu quero pra minha vida. Continuar estudando música, praticando, é tudo que eu quero pra mim. Foi o que me fez despertar pra cultura. Muitas pessoas até estranham, porque, na minha idade, eu gosto de músicas antigas, como Luiz Gonzaga, e isso não é muito comum.” Ivonila de Sousa (18 anos) 66

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Boi Ceará de Mestre Zé Pio

O povo da praia Me chama pra brincar boi Na beira do mar Quando a maré espana Torino o boi Ceará (Domínio público)

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“Tem 59 anos que eu brinco e ainda estudo o bumba meu boi. Acho que eu ainda não sei o que é o bumba meu boi.” Mestre Zé Pio

osé Francisco Rocha, o Mestre Zé Pio, carrega consigo, desde a infância, a tradição dos grupos de boi de Fortaleza. Iniciou no Reis de Ouro, aos três anos de idade. Depois, ele e Chico Preto, ainda crianças, ajudaram a montar o Boi Garoto e o Boi Canário. Nas mãos dos meninos, qualquer material servia para a brincadeira: com uma mala velha, fazia-se o Boi; de um par de tamancos, o Jaraguá; uma bacia, coberta com lençol, virava a Ema. Zé Pio, pescador de profissão, fundou também o Boi Terra e Mar e ajudou a reerguer o Boi Ceará, criado por Mestre Assis na década de 40, e que hoje se mantém vivo e forte, graças à bravura do mestre e seus brincantes.


O meu pai nunca foi vaqueiro Mas amansa o barbatão Com braço e meio de corda Traz o Garrote ao Morão. Eu, como sou filho dele Sigo no mesmo rojão (Domínio público)

“No Boi, o improviso tem que ser feito na hora. Se não for, não é bumba meu boi.” Mestre Zé Pio

“Tem gente que pergunta onde é que a gente arranja tanta rima. Eu não sei... Fica tudo na cabeça. Quanto mais eu falo, quanto mais eu rimo, mais as rimas vão saindo. E quanto mais a gente canta, mais tem vontade de cantar, mais a gente dança e mais a gente pula.” Mestre Zé Pio

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Ei, França Ei, França Que que tem que eu não direi Pelejar com França Combater com nosso rei. Que que tem meu secretário Que é de tanto pelejar A bandeira brasileira Para a guerra começar Oi, meu Mestre Maroto Piloto sou eu Bacalhau de quatro pernas Na costela do Mateus Olha fogo, meus cordão E olha a guerra no mar (Domínio público)


Boi Coração de Mestre Piauí

“Ensinar os mais novos me faz saber que, quando eu for embora, alguém vai assumir o meu lugar. Mestre é sempre eterno. A gente vai, mas sabe que outro vai tomar conta. E é tanto saber que a gente tem que deixar...” Mestre Piauí

M

estre Piauí começou a brincar o Boi quando tinha doze anos de idade, em Quixeramobim, cidade do Sertão Central cearense. Herdou a tradição dos tios e dos irmãos mais velhos e, aos 70 anos, dedica-se a transmiti-la às novas gerações. Filhos, netos e sobrinhos tomaram gosto pela brincadeira e acompanham mestre Piauí no Boi Coração. No grupo, todos fazem de tudo: tocam instrumentos, cantam, dançam. Juntos, já percorreram dezenas de cidades, fazendo apresentações nas ruas, em praças e escolas. Nos lugares por onde passa, o mestre faz questão de deixar sua mensagem de amor e respeito pelas tradições.

“Para manter esses 58 anos de trabalho na cultura, a gente penou muito, sofreu mesmo! Teve vezes que eu pensei em nem continuar mais. Mas a gente tem que fazer o que a gente gosta, não é? Então a gente continuava.” Mestre Piauí


“Antigamente, era tão difícil que, até para pôr o boi pra brincar, tinha que falar com o delegado. Muitas vezes a gente estava brincando quando a polícia chegava e mandava parar. Diziam: Piauí, vá falar com o delegado. Se eu não tivesse falado com o delegado, os guardas carregavam o boi. Se eu não prestasse conta com ele, o boi não podia brincar mais.” Mestre Piauí

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“A dança do boi é parecida com a dança dos reis. São todas brincadeiras de Santo Reis. Mas, antigamente, a gente saía para brincar de casa em casa. Agora, a gente faz aquela festa de comidas e alegrias para nossos brincantes e para todo o povo. É festa para todo mundo!” Mestre Piauí


“É como se fosse um pé de planta, que a gente vai aguando para não deixar morrer, para viver o tempo todo. Não pode deixar de aguar nenhum dia. Tem que ser todo dia.”

Eu tava na ponta da rua Eu vi a rua se fechar Eu vi a fumaça da pólvora Eu vi a corneta bradar Eu vi Antônio Conselheiro Lá no alto da Bahia Com cento e dois mile homem É Jesus, José e Maria (Domínio público)

“Cada bicho tem seu modo de dança. No boi, a dança pode ser um xote ou um baião. Se a pessoa cantar como xote, a gente dança como xote. Se cantar como baião, dança como baião. A dança do Jaraguá é uma marcha, a do Bode é outro xote e a da Ema é um baião. Sempre com muita alegria.” Mestre Piauí

Mestre Piauí


Brincantes da Jandaiguaba N

o quintal da casa de Dona Isabel, homens, mulheres, idosos e crianças encontram-se para cantar, dançar e tocar instrumentos, irmanados na brincadeira que remete à tradição dos reisados, bois e maracatus, além das raízes dos índios Tapebas, fortemente presentes na comunidade da Jandaiguaba, localizada no distrito de Capuan, em Caucaia. São os Brincantes da Jandaiguaba, grupo que se formou a partir de uma oficina ministrada, em 2005, pelo Mestre Potengy Guedes, artista com vasta experiência nas brincadeiras populares tradicionais. Ali mesmo, naquele quintal, o grupo confeccionou os trajes dos brincantes, construiu os próprios instrumentos e montou cada uma das figuras que formam a brincadeira – Boi, Jaraguá, Babau, Ema, Burrinha, Mateus... A partir da vivência com o Mestre Potengy e outros artistas populares, a comunidade se apropria dos saberes tradicionais e cria seu próprio repertório, dando novos sentidos, cores, sons e texturas à brincadeira.

“O Boi da Jandaiguaba é fruto de uma experiência comunitária. A comunidade resolveu fazer e eu entrei no desafio junto com eles. Foi um mutirão que aconteceu e todos participaram. Eu lembro que tinha umas 20 pessoas ao redor do boi, fazendo o boi, noite adentro, pro boi sair.” Potengy Guedes (Babi)


“O Potengy chegou aqui na intenção de fazer bonecos, mas ele viu que a nossa comunidade tinha o intuito de ter um boi, porque antigamente já se brincava. Então ele melhorou, adaptou, e a gente foi seguindo junto, abrindo a visão de mundo, sempre pessoas melhores, com a capacidade de ter contato com as pessoas e nos transformando mais e mais.” Ismael Oliveira Matos

“O boi é uma dança que misturou o folclore, o histórico e a vontade do povo. E a maior vontade do povo é um agrupamento de pessoas que se respeite, que cada um tenha o seu potencial voltado praquilo que ele vai criar, sem dividir, sem exclusão de raça, de cor, de tamanho, porque pra mim não importa se tem 10 ou 60 anos, todos são seres humanos e todos têm suas responsabilidades.” Isabel Francisca de Oliveira (Dona Isabel) sesc terreiro da tradição

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“Cada animal tem o seu sentido. A Burrinha que carregou Maria, fugiu com José e Maria pro Egito; o Jaraguá que foi um dos que avisou pros três reis magos fugirem por caminhos desertos; o Babau, que era animal das matas que tinha naquela época; o Boi, que anunciou o nascimento de Jesus, o galo cantou e o boi também mugiu...” Isabel Francisca de Oliveira (Dona Isabel)

“O que é o boi? De onde o boi vem e pra onde o boi vai? O boi vai pro fim do mundo. Não acaba nunca.” Isabel Francisca de Oliveira (Dona Isabel)


CaninhaVerde de Mestra Gerta F

ormada no bairro Mucuripe, em Fortaleza, a Caninha Verde de Mestra Gerta é um dos raros grupos no País que ainda mantêm a tradição dessa dança de origem portuguesa. Gertrudes Ferreira dos Santos, a dona Gerta, é quem comanda a brincadeira, iniciada, há mais de 60 anos, pelo marido, José dos Santos, quando este tinha apenas 15 anos. No início, ela ajudava na confecção dos trajes – short e chapéu verdes e blusa amarela, representando as cores da folha e da flor da cana-de-açúcar. Mas, após a morte do esposo, assumiu a liderança e hoje transmite seus conhecimentos para os cerca de 40 participantes do grupo, formado por crianças e adultos, entre dançadores, tocadores de violão, cavaquinho, surdo e pandeiro.


“A caninha verde chegou aqui na Primeira Guerra Mundial. Cinco portugueses estavam no mar, com fome, com sede, não tinham água pra beber nem comida pra comer. Encontraram, mandado por Deus, um pescador lançador da tarrafa. O pescador levou os portugueses até a costa e preparou os peixes pra eles comerem. Depois levou eles até o canavial e lá eles se transformaram em índio.”

Mestra Gerta


Ninguém viu o que eu vi ontem No galho de um alecrim Vi dois pássaro cantando Viva o Senhor do Bonfim Papagaio cana verde Na janela e na cozinha Leva carta, entrega carta Ao namorado da Mariquinha Na entrada de Lisboa Vi dois belos castanheiros Bota castanha em março e uva branca em janeiro E a minha caninha verde e a minha verde caninha Salpicada de amor e de amor salpicadinha (Domínio público)

“A flor da cana é amarela, que é a cor da blusa. Com a folha verde eles fizeram a saia. Nós não gostamos da saia e então fizemos o short. E assim fizemos a brincadeira.”

Mestra Gerta

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O Capoeira Cordão de Ouro SESC Ativo 96

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grupo Capoeira Cordão de Ouro, sediado em São Paulo, possui diversas ramificações no Brasil e no exterior. A tradição iniciada, há mais de 40 anos, pelos mestres Suassuna e Brasília, tem como um de seus seguidores, em Fortaleza, o professor Pote, que desenvolve, desde 2007, junto ao Projeto SESC Ativo, um trabalho de formação de jovens capoeiristas na Escola Educar SESC, no bairro Farias Brito. Lá, crianças e adolescentes, alunos da escola ou moradores do entorno, aprendem os movimentos do jogo e sua musicalidade, marcada pelo toque do berimbau, do atabaque, do pandeiro, reco-reco e agogô. O professor Pote se preocupa também em compartilhar com os alunos seu conhecimento sobre a origem e o desenvolvimento da capoeira, sua história de resistência e de libertação.

“O Projeto Capoeira SESC Ativo tem contribuído para a inclusão de crianças, jovens e adultos através da prática esportiva, promovendo a auto-estima e melhoria da qualidade de vida.” Miguel Boaventura (Gerente de Lazer do SESC)


“Na roda de capoeira todo mundo é igual. Eu mesmo vejo médico capoeirista, advogado capoeirista, policiais capoeiristas... A capoeira atinge todas as classes.”

“O capoeirista não pode só jogar a perna pro ar, nem só tocar um instrumento, nem só cantar. Ele também tem que saber falar sobre a capoeira, sobre a arte da capoeira.”

Pote (professor de capoeira)

Pote (professor de capoeira)


“Dizem que a capoeira veio da África mas pra mim foi só o nome, porque quem desenvolveu foram os brasileiros. E é tanto que brasileiro viaja pra Angola, pra Cabo Verde e outros países da África e ninguém sabe o que é capoeira. Agora vem pro Brasil que todo mundo conhece.” Pote (professor de capoeira)

Na vida tem muitos tombos Mas não vá desanimar Lê-lê-á Na vida tem covardia Lê-lê-ô Mas não vá se acovardar Lê-lê-á Mas se tiver fé em Deus tu vai se safar. Então eu vou jogando capoeira, vou tocando berimbau. Eu vou de qualquer maneira e às vezes até faço um salto mortal. Eu vou jogando capoeira. Quem não cultiva amizade foge da verdade e a queda é fatal. Eu vou jogando capoeira. O meu mestre me ensinou respeito pra ser respeitado que isso é legal. Eu vou jogando capoeira. Aprendi com a capoeira a cair e levantar Lê-lê-ô Mas se eu não tiver cuidado ainda posso escorregar Lê-lê-á Mantenha seu olho aberto, bem aberto e corpo fechado porque na volta do mundo vai ter muito mau olhado. Eu vou jogando capoeira, vou tocando berimbau. Olho de Gato


Coco do Iguape

“Mestre pra mim não é o que é reconhecido pela Secretaria de Cultura não, mestre pra gente é sempre o mais velho, o que tem mais idade. Eles são os verdadeiros mestres.” Klévia Cardoso

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brincadeira do coco está intimamente ligada ao cotidiano dos pescadores da Praia do Iguape, no município cearense de Aquiraz. As referências, eles encontram em todos os seus elementos: nos passos, pulados e sapateados, que remetem à necessidade de protegerem os pés nos longos percursos feitos na areia quente da praia; no ritmo marcado pelo batuque no caixão de madeira, originalmente usado para carregar os cocos que seriam vendidos na Capital; nos versos, que falam da lida e dos amores dos homens do mar. Somam-se ainda elementos de ascendência indígena e africana, representativos da luta empreendida por esses povos durante o processo colonizador que deu origem à atual formação do lugar. Essa prática cultural atravessou gerações, reinventou-se, e hoje é apropriada pelos brincantes do Coco Raízes Artísticas do Iguape.

“O coco de praia é um coco sapateado, é uma coisa quente, rítmica e muito eufórica.” 102

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Klévia Cardoso


ça nasceu porque a areia era muito quente, então eles começavam a pular pra proteger os pés. O mestre que ia e

m

cima do burro começou a bater no caixote de madeira e assim nasceu o ritmo. A s emboladas falavam do próprio cotidiano dessas pessoas. Quando eles voltavam até o Iguape, suas famílias esperavam e faziam uma grande festa.” Klévia Cardoso

“A dança do coco é a dança do pescador. Os antigos moradores do Iguape viviam diretamente da pesca e, quando

dan

ento não tava bom pra pesca, eles plantavam um vasto coqueiral nos seus terreiros. Então o que é que eles faziam quando não dava pra ir pro mar buscar peixe? Eles pegavam os cocos e levavam até Fortaleza num caixote, para trocar ou vender. A v o


“Tudo tem um significado, tudo tem uma história. No coco, a música não é só uma música, a dança não é só uma dança, tudo vem da história do cotidiano de nosso povo, de muitas e muitas gerações passadas. E hoje nós estamos desenvolvendo isso no presente e para o futuro.”

Três coco siricoia miudinho Três coco siricoia miúda Três coco siricoia miudinho, sabiá Três coco siricoia miúda (Domínio público)

Klévia Cardoso

“Os instrumentos são o caixote, o triângulo, os ganzás e as quengas de coco. Os brincantes são os emboladores, os batedores de caixote e os coquistas.” Klévia Cardoso

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Coco do Pecém

A

praia do Pecém está localizada no município de São Gonçalo do Amarante, no litoral oeste do Ceará. Ali, o coco surgiu como uma brincadeira de pescadores, hoje também praticada por mulheres e crianças. Os emboladores entoam os versos – gravados na memória ou criados, de improviso, no calor da brincadeira – acompanhados pelos tocadores de tambor e ganzá e pelas palmas dos brincantes, que marcam a melodia. Um dançador entra na roda e convida outro brincante para compartilhar a performance. O primeiro retira-se e o que fica, por sua vez, tira o próximo para dançar, e assim sucessivamente. Com destreza e habilidade, exibem movimentos ágeis e ritmados, num sapatear “contaminado” pelo fervor da embolada.

“A embolada faz um jeito de dançar. O dançador só dança se tiver a embolada pra contaminar os seus passos.” José Miranda dos Santos (Seu Mirandinha)

“Quando eu comecei no coco, o pessoal já brincava nos tamancos. Tinha uns tamancos que eram desse tamanho, altos mesmo, feitos de madeira da burranga. Eu achava bonito demais o sapato alto!” José Miranda dos Santos (Seu Mirandinha) sesc terreiro da tradição

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Pisei na ponta da barra Ô, mulher! Buzina para entrar Ô, mulher! Botei Maria no leme Ô, mulher! Fui pra proa navegar Ô, mulher!

“O embolador diz os embolados e o grupo fica batendo palmas junto com o tambor. Tem que tomar cuidado pra não cair, senão derruba todo mundo. Eu já tô muito velho, mas ainda danço sem cair.” José Miranda dos Santos (Seu Mirandinha)

Minha canoa, meu leme Ô, mulher! Minha rede deu pescar Ô, mulher! Pra pegar camarão preto Ô, mulher! Camarão branco do mar Ô, mulher! Menina, se quer ir, vamo Ô, mulher! Não se ponha a imaginar Ô, mulher! Imaginar cria medo Ô, mulher! Quem tem medo não vai lá Ô, mulher! (Domínio público)

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“Eram doze companheiros, mas foram morrendo tudim e hoje só tem eu. Mas foram chegando os mais novos e agora nós temos outra tripulação.”

“Eu já dancei muito na minha vida e tenho prazer de ver, dançar e ensinar. Principalmente pras crianças, que têm aquele olhinho pra frente.”

Francisco Braga Mendes (Assis)

José Miranda dos Santos (Seu Mirandinha)


Companhia Catirina A

Companhia Catirina surgiu em 2002, a partir do encontro das artistas Josy Maria Correia e Júlia Fiúza. Depois de uma soma de experiências profissionais e de vivências, elas perceberam a necessidade de desenvolver uma linguagem própria de trabalho. Para isso, adotaram como principal instrumento de criação a cultura tradicional popular do Ceará, em suas mais diversas linguagens. Seus espetáculos – que contam sempre com artistas convidados – percorrem o teatro, circo, dança, música, mamulengos, artes plásticas, literatura e contação de histórias. Em seu núcleo principal, o Ateliê da Palavra, a companhia conta com acervo de material coletado em suas pesquisas, que inclui brinquedos populares tradicionais, uma Palavroteca (com volumes da literatura local, nacional, internacional e gibiteca) e uma Folheteria de Cordel.

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Eu me chamo Carmem Elza do Mato Grosso do Sul Cheguei no Ceará num caminhão de caju! Companhia Catirina

“A Companhia Catirina se diferencia por se insinuar pelas mais diversas formas de expressão oral, manifestadas no seu fazer artístico e transmitidas através de oficinas vivenciais e trocas de experiências. Com essas práticas, a Catirina é hoje um veículo capaz de revelar toda nossa pluralidade social.” Companhia Catirina


Nos encontremos no Horto De Padim Ciço Romão e fizemos promessa com muita satisfação Cantar pelo mêi do mundo: Essa é a nossa profissão. Companhia Catirina

“Com base na cultura tradicional popular, os personagens da Catirina vêm do cotidiano. São os poetas populares, os tocadores de emboladas, contadores de histórias e os brincantes de folguedos.” Companhia Catirina



Cordão do Caroá

“O Cordão do Caroá traz em seus espetáculos manifestações presentes nas memórias coletivas do homem sertanejo, patrimônio imaterial da cultura cearense, que se traduz em cores e movimento, num reino onde todos são reis e rainhas, guerreiros e cavalheiros, que na ponta de suas espadas cantam vivas a santos reis, mostrando a toda gente nossas tradições, representadas nas brincadeiras populares.” Ezequias Martins Arruda

O

Reisado Brincantes do Cordão do Caroá teve origem na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. Iniciou, em 2000, com saraus de poesia, que reuniram estudantes universitários, curiosos da cultura cearense e interessados em aprender e compartilhar seus conhecimentos. Tendo à frente o Mestre Paulo Henrique Leitão dos Santos, eles formaram o grupo, inspirados pelos saberes dos mestres populares e dos brincantes de folguedos. Em mais de dez anos de atividades, como Programa de Extensão da UFC, o grupo mergulhou nas pesquisas e nas vivências da tradição oral, conhecendo a multiplicidade das formas de expressão do povo cearense. O reisado apropriou-se desse aprendizado e traduziu seus saberes para a realidade urbana e mestiça de Fortaleza.


Cortaram cabeça do rei da França Herodes a cabeça de João Na grota de angicos, ai Cortaram cabeça de Lampião Jacaré num mergulho se fez peixe Moby Dick engoliu embarcação Jonas é no bucho da baleia E o surfista na boca do tubarão Mas ele é rei Mas ele é rei Dom Rei Sebastião Cordão do Caroá

“Buscamos vivenciar as musicalidades, as poéticas, as estéticas, os fazeres e os movimentos que emergem a partir das dinâmicas que perpassam os processos de fruição e criação das brincadeiras e ritos presentes nas culturas populares. Nossa linguagem artística prioriza o desenvolvimento da intuição, da capacidade de improviso, da autonomia para a criação, do ensino-aprendizagem por meio da convivência e da reciprocidade.” Mestre Paulo Henrique Leitão dos Santos 122

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“Valsas, quilombos, autos, coroações, marchas, entremeios, xotes, embaixadas, quem pode esquecer o sentimento causado na primeira vez que vimos um jogo de espadas? Ou do emaranhado de cores e brilho? Do batuque... Do apito. O Reisado Brincantes Cordão do Caroá nos ensina a abrir nossa alma e deixá-la livre, exposta, indelével, indecifrável.” Iulix Matos

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Discípulos de Mestre Pedro

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ntônio Ferreira e Raimundo Ferreira começaram a brincar reisado ainda crianças, acompanhando o irmão Pedro de Almeida, em Juazeiro do Norte. Após a morte do mestre, e para manter viva sua memória, eles montaram, junto com outros brincantes, o grupo Discípulos de Mestre Pedro, mais conhecido como Reisado dos Irmãos. Desde 1996, Mestre Antônio comanda o grupo e Raimundo, como o palhaço Mateu, faz a graça da brincadeira. Os irmãos estão reunidos também na Cooperativa de Artistas Populares Filhos da Terra do Padre Cícero, que já deu origem a cinco novos grupos: o Reisado Mirim Afilhados de Cícero Zabumbeiro, com cerca de 30 crianças; Guerreira Santa Madalena, formado por 27 mulheres, a maioria adolescentes; Maneiro Pau do Mestre Raimundo, com 18 integrantes; além de uma banda cabaçal, que acompanha os reisados, e dois grupos de quadrilha junina.

Na serra do Paraserra Raposa comeu um galo Quem come muito é cavalo Quem não come morre em pé A banha do jacaré É remédio pra azia Quem dorme muito Meio dia Apanha com satisfação Eu tomei por devoção Rezei o rosário da véa Maria. (Domínio público) 126

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“Na Cooperativa de Artistas Populares a gente quer resgatar mais artistas. A gente recupera uma criança na rua e leva pra dentro da sede. Cada momento que a gente tá acompanhando aquela criança, vai engrandecendo a nossa arte, nós vamos ficando maior e tirando aquela criança de estar badernando na rua. A gente tenta passar pras crianças o ensinamento de não deixar que a cultura morra.” Raimundo Ferreira Evangelista

Eu saí de manhã cedo Mas saí com muita fé Pra brincar nessa Matriz De Jesus de Nazaré Pra comemorar cem anos de Patativa do Assaré. Raimundo Ferreira

“Quando se encontra grupo com grupo, os Reis pega cada um sua Rainha, coloca no braço, e vão tirando o duelo de espadas. Na hora que um consegue tomar a Rainha do braço do outro, então apita e aquele reisado já tá perdido.” Mestre Antônio

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“A gente faz renovação, reza o santo de ano em ano. O pessoal faz e sempre convida os grupo pra ir brincar depois da reza. A gente entra na casa e depois que sai pra fora a gente canta umas música, bota o Jaraguá, que é o primeiro entremeio, depois coloca o Orangotango, depois canta outras peças, coloca o Cão e a Alma, depois coloca o Guriabá, depois o Doido e a Doida, depois os Cangaceiro, que é tipo uma peça mais pra teatro, depois o Lobisomem, e termina as apresentações com o Boi, que é o último entremeio que a gente apresenta. Depois a gente faz o jogo de espadas, canta a despedida e acaba o reisado.” Mestre Antônio


“Se a gente toma a Rainha no dia de Natal, a gente fica com a Rainha e ela tira os quilombo o resto do dia com a gente, tira o quilombo do dia de Ano e o quilombo do dia de Reis, quando for à noite, que a gente tiver no trono, é que eles vêm pegar a Rainha deles. Mas é tudo uma brincadeira, faz parte da tradição.” Mestre Antônio


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Emboladores Marreco e Passarinho

Antônio Zacarias da Silva ganhou o apelido de Passarinho quando participava de um programa de rádio na cidade de Limoeiro do Norte, na década de 70. O programa ia ao ar às 5 horas da manhã e o locutor convidava o público a “acordar com o passarinho”. A habilidade do canto e o gosto pela liberdade fizeram o apelido pegar. Assim, o embolador, nascido em Chorozinho, percorreu o Brasil todo, fazendo versos rápidos e improvisados, ao som enérgico do pandeiro. Nessas andanças, encontrou muitos parceiros, como Antônio de Oliveira, Zé Calixto, Beija-flor, Caximbim... No Projeto SESC Terreiro da Tradição, apresentou-se com Marreco, embolador natural de Acopiara, que fez sua primeira apresentação na Praça do Ferreira, nos anos 80, e desde então viaja pelo País levando sua arte, conquistando novos públicos, também ao lado de parceiros, como Jota, Jotinha e Jotão, e muitos outros.


“Continuo torcendo, pedindo a Deus pra que apareça alguém que continue levando essa arte, porque é uma arte muito bonita e a gente sente que o povo gosta. Agradeço a Deus pelo que dou e pelo que tenho: tenho família, tenho saúde e, aos 51 anos, ainda consigo viver cantando e sobreviver da minha profissão. Porque é muito difícil um artista popular conseguir viver só da sua arte, principalmente na nossa área, pois os emboladores recebem pouco apoio. Então a gente apela pra Deus e pro povão.”

“De começo, cantador vivia mais de feira. Hoje não, as coisas tão mais liberadas, vai num programa de televisão, no rádio, tem esses convites, esses espaços.” Passarinho

Marreco

“A primeira diferença da embolada pra cantoria de viola é o instrumento, que é o pandeiro. A segunda é que o violeiro canta bem lento, ele tem tempo: se ele não achar a rima bem rapidinho, ele bate a viola e lá na frente ele acha a rima e vai simbora. Já o coquista não tem tempo pra isso não, o coquista é rápido, ele não pode errar, se errar passa por cima. Outra coisa, o coquista pode errar o português, pode usar o singular e depois rimar com o plural, já o violeiro não pode não, o violeiro que zela nome tem que ser correto.” Passarinho sesc terreiro da tradição

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“Eu chamava um parceiro, botava umas mudas de roupa dentro duma mala, começava por Natal, rodava o Brasil e saía no Maranhão. Passava dois, três meses numa viagem só. Saía só com a cara e a coragem mesmo, era uma coragem medonha! E dava certo.” “Eu respeito muito a poesia clássica, que por sinal também componho. Mas eu admiro mais a poesia popular. Porque a poesia clássica impõe, você é obrigado a saber usar as pontuações, saber as regras gramaticais... Na poesia popular não, tem muito poeta que nunca estudou, mas consegue o mais difícil, que é fazer o povo gostar da arte.” Marreco

Passarinho


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or volta de 2003, Mario Jorge Maninho participou de um curso de Artes Cênicas no bairro Jereissati, em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza. Ele, que já vinha de uma família de artistas, encontrou ali vários atores com trajetórias diferentes, mas com o desejo de trabalhar juntos. O ponto de encontro do grupo passou a ser a própria casa de Maninho. Lá, eles se reuniam para trocar ideias, planejar as apresentações e confeccionar máscaras e bonecos. Nos encontros, com a experiência do convívio e da construção coletiva, o grupo desenvolveu sua própria linguagem, tendo o palhaço como figura central, que articula o circo e o teatro com vários elementos dos folguedos populares e outras linguagens artísticas.

Garajal

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Eita, eita, Garajal! Grupo bom vem pra animar Tem teatro, tem boneco Tem palhaço e cultura popular Grupo Garajal

“Quem deu a ideia do nome Garajal foi a avó do Maninho. Ela ensinou que garajal era onde se guardavam bregueços. Parecia o nome perfeito para o lugar onde o pessoal guardava o material das máscaras e dos bonecos, na casa do Maninho. Então o grupo passou a se chamar Garajal.” Grupo Garajal

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“Em cinco anos de estrada, o Garajal nunca teve um mestre. A palavra mestre faz parecer que alguém do grupo guarda um conhecimento verdadeiro, acabado em si mesmo. Não é assim que o teatro funciona.” Grupo Garajal


Grupo Ânima de Bonecos

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Grupo Ânima de Bonecos foi criado em 1998, com o propósito de trabalhar o boneco como uma ferramenta lúdicopedagógica, aproveitando sua carga simbólica e seu valor imagético. O grupo promove uma releitura do mamulengo tradicional, explorando a transdisciplinaridade da arte do títere, através de um programa de televisão voltado para o público infantil, atividades de arte-educação nas escolas e apresentações teatrais.


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Ânima: realidade de sonho e sonhos de real idade; jogo cênico de inúmeras numeretas; espaço/ tempo do agora, posto que só há o jogo na ação do fazer; arte de realizar o tempo e o espaço de poesia; poema de imaginar... Grupo Ânima de Bonecos

“Defendemos a importância do homem no ato de botar boneco. Como dizia o mestre Pedro Boca Rica, uma das referências titereiras do Ceará, a alma do boneco é o bonequeiro. Sem o homem, não há boneco, representação ou simbologia.” Cleomir Alencar

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Mamulengo Estrela do Norte P

otengy Guedes, também conhecido como Babi, começou a fazer teatro na década de 70. Acreditava que era esse o meio ideal para denunciar os desmandos da ditadura militar imposta ao País. Iniciou no Curso de Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, em 1976, foi para Campinas (SP), onde fez parte, como músico e ator, do Grupo de Teatro Popular do Nordeste, dirigido pelo pernambucano Joacir Castro. Em 1979, seguiu para Brasília, onde conheceu Carlos Gomide, fundador da Carroça de Mamulengos. Iniciava, ali, sua trajetória de mamulengueiro: artista mambembe, percorreu vários estados do Nordeste, convivendo e aprendendo com mestres como Sólon e Saúba (PE), Antonio do Babau (MariPB), os irmãos Miguel, Antonio e Zé “Relampo”(RN), Pedro Boca Rica (CE), entre outros. Com o acervo de bonecos que foi formando ao longo desses anos, a experiência adquirida junto aos mestres e a sensibilidade de artista que transita por múltiplas linguagens – é também compositor, poeta, músico, cantor, construtor de instrumentos musicais artesanais e arte-educador – mantém, desde 1980, o Mamulengo Estrela do Norte, com o qual vem difundindo o Teatro Popular de Bonecos por todo o País.

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“O mamulengo, pra mim, representava um instrumento de comunicação que eu podia levar pra onde eu quisesse, independente das pessoas. Na época da ditadura, quando era um grupo, a gente queria fazer uma manifestação, mas metade não tinha coragem e a gente não podia ir. Com o mamulengo não, se eu tivesse coragem eu pegava minha malinha e ia brincar.” Potengy Guedes


“Com os mestres da tradição, a gente descobre como ser um diamante bruto, que, se você não olhar direito, você não percebe a riqueza daquela coisa. Você pensa que é tudo igual, mas o mestre vem e coloca alguma coisa diferente e, de repente, você descobre um novo valor naquela brincadeira.” Potengy Guedes

“Eu fico imaginando que é possível uma transformação do mamulengo sem perder as características básicas, que é a dinâmica de comunicação direta com o público e, ao mesmo tempo, aquela estética tradicional, baseada em traços bem simples, que, pra mim, é como se fosse um espelho. A pessoa não vê o boneco, ela se vê no boneco.” Potengy Guedes


“Depois de muito tempo brincando com os bonecos, percebi que eu não tinha mais o controle sobre eles. Tinha momento que eu não sabia se eu tava brincando com eles ou se eles tavam brincando comigo, porque eles têm a personalidade deles bem formada e eles reagem de acordo com a situação que a gente coloca. Chegando numa fábrica é uma, chegando numa fazenda é outra reação, mas é sempre o mesmo personagem.” Potengy Guedes

“Meu mamulengo sempre foi um mamulengo de luta, envolvido nas causas do povo brasileiro.” Potengy Guedes


Maracatu Az de Ouro M

ais antigo dentre os atuais maracatus de Fortaleza, o Az de Ouro foi criado, em 1936, por Raimundo Alves Feitosa, o Raimundo Boca Aberta. Influenciado pelos maracatus pernambucanos e pelos Autos de Reis de Congo, que já aconteciam no Ceará, ele criou um maracatu com personalidade própria, trazendo a batida cadenciada e a pintura negra nos rostos dos brincantes. Foi presença marcante nos carnavais de rua de Fortaleza até que, na década de 50, as dificuldades financeiras e as mudanças nas características da festa carnavalesca fizeram com que o Az de Ouro interrompesse sua trajetória. A brincadeira foi retomada, na década de 70, por Joaquim Pessoa de Araujo, mestre Juca do Balaio. O grande compositor e tirador de loas, falecido em 2006, conseguiu dar novo fôlego ao maracatu, trazendo de volta os antigos brincantes e agregando novos, consolidando a tradição hoje mantida pelo novo presidente, Marcos Gomes, e pelos mais de 300 integrantes que fazem o maracatu.


“Eu acho que a gente não pode só visar o Carnaval, a gente precisa visar também o maracatu como uma referência de integração, de união entre as pessoas que participam, que dedicam seu suor e sua vida ao maracatu, e também entre todos que gostam dessa tradição. O maracatu não é de uma, duas, três pessoas, é de um número de pessoas que a gente não pode calcular, o maracatu é do povo. Por isso, queremos que as pessoas se apropriem do maracatu, se apropriem da história, se apropriem da cultura.” Marcos Gomes

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“A gente busca dar continuidade, mesmo com muitas dificuldades, com muitos problemas, porque a gente sabe que o nosso esforço é recompensado. Eu acho que o Mestre Juca do Balaio sabe que nossa intenção é fazer o que ele pediu, que a gente desse continuidade ao maracatu Az de Ouro.” Marcos Gomes

“Antigamente só tinha homem participando, não tinha mulher. Do começo até o fim, eram só homens. Hoje, depois de 70 anos, o Maracatu Az de Ouro tem 70% de mulheres e 30% de homens, esses nos batuques. Mas as mulheres já querem participar também do batuque, isso aí é uma coisa que logo logo a gente sabe que vai acontecer.” Marcos Gomes

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Maracatu Nação Axé de Oxossi O

Maracatu Nação Axé de Oxossi nasceu a partir de um trabalho desenvolvido pelo SESC na comunidade do Mercado Velho de São Sebastião, localizada no entorno da Escola Educar SESC, no bairro Farias Brito, em Fortaleza. Mestra Fátima Marcelino e outros moradores do local assumiram o grupo e, desde 2006, o maracatu desfila no Carnaval de rua de Fortaleza, onde alcança seu ápice e sua coroação. Na brincadeira ancestral do maracatu, oriunda das antigas Coroações de Reis de Congo no Brasil, o grupo reinterpreta elementos simbólicos dos impérios europeus, ressignifica o massacre das etnias indígenas e a luta pela liberdade das etnias negras e promove a preservação dos saberes culturais cearenses e a valorização da comunidade do Mercado Velho. 164

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Mercado Velho de São Sebastião, Berço encantado de paz e união Oxossi trouxe o som de um belo lundu Assim nasceu nosso Maracatu Loa de estreia do Nação Axé de Oxossi no Carnaval de Fortaleza, de autoria de Descartes Gadelha e Inês Mapurunga


“Os moradores da comunidade do Mercado Velho de São Sebastião passaram a adotar o respeito e a solidariedade, preservando coletivamente seu patrimônio, tanto material quanto imaterial. O povo cuidando do próprio povo, unidos num negrume que sonhamos feito de uma saudade do futuro.” Iulix Matos

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“Eu amo o meu maracatu. Não só o meu, mas todos eles. Eu amo o maracatu. Ave Maria! Era um sonho que na avenida eu botei.” Fátima Marcelino *

“Enquanto eu viver vou estar na avenida. Espero que alguma mulher tenha coragem de fazer o que eu fiz, não é toda mulher que tem não. Eu mesma costuro, eu mesma faço, eu mesma chamo o pessoal e estamos aí. Que Deus me dê muita força para levar a frente nosso maracatu.” Fátima Marcelino *

* Em entrevista para Gilson Brandão Costa, professor da UFC.


Ora Sabá Omi Afoxé Acabaca

“A festa do afoxé é a oportunidade para os descendentes de escravos relembrarem a cultura e a mística dos seus rituais ancestrais.” Afoxé Acabaca

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riado em 13 de maio de 2006, o Afoxé Acabaca – Associação Cultural Afrobrasileira Bloco de Afoxé Camutuê Alaxé - encontra no poder ritualístico do afoxé sua forma de divulgar as religiões vindas da África e de lutar contra os preconceitos. A ideia original do grupo surgiu a partir da iniciativa de Ivaldo Ananias Machado da Paixão que, para colocá-la em prática, uniuse a diversas entidades e pessoas envolvidas com a preservação da cultura negra no Ceará. O grupo desfila nos carnavais de rua de Fortaleza e Maracanaú e participa das diversas formas de manifestação em favor das liberdades e conscientização das minorias cearenses.


“O Afoxé Acabaca é um afoxé absolutamente de raiz. Nossos instrumentos são os atabaques, os abês ou xequerês, e os agogôs, sendo que os atabaques nós só tocamos com mão. A gente não aceita surdo, não tem caixa, tem que ser mão e couro.” Ivaldo Paixão

“A proposta do Afoxé Acabaca, a principal, é lutar contra todo tipo de preconceito, seja ele étnico, religioso, de orientação sexual, cultural, de faixa etária...Nos colocamos frontalmente contra qualquer tipo de preconceito.” Ivaldo Paixão 172

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Mãe-de-cazumba Faça tilintar O som do Adjá Porque, sou Acabaca E vou falar, agora eu vou Falar dos afoxés do Ceará Larôiê, odo Iyá Okê Oxossi Ora Yêyê Eparrei, Épá Babá Caô Caô cabieci Lê Oba Filhos de Sudan, foi o pioneiro Korin Orun, Kalunga Banzo Acabaca Oba Orun, filhos de Oyá E o mais novo É o Oxum Odolá É Afoxé, Afoxé Tem disso sim no Ceará Larôiê, odo Iyá Okê Oxossi Ora Yêyê Eparrei, Épá Babá Caô Caô cabieci Lê Oba Odô Iyá, Mãe-de-cazumba... Ivaldo Paixão, Liliana Araújo e Marcello Santos

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Pastoril Estrela de Belém TSI SESC E

m 1991, integrantes do Programa Trabalho Social com Idosos (TSI) do SESC em Fortaleza iniciaram a montagem de uma apresentação para comemorar os festejos natalinos. Buscaram inspiração na tradição popular nordestina e, sob a coordenação de Gema Weyne, formaram o Pastoril, que seria batizado de Estrela de Belém. A formação inicial permaneceu e a cada ano agrega novos participantes, que atuam também como incentivadores de formação de outros grupos de jovens e idosos. 176

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“Antes de entrar no grupo eu já brincava o pastoril com a garotada da vizinhança e com os meus filhos. Hoje me sinto honrada de ter sido uma das fundadoras do Estrela de Belém, que tem me dado tantas alegrias.”

“Tenho aprendido cada vez mais sobre o pastoril em nosso grupo que, sem fugir das raízes, usa da criatividade.” Maria de Fátima Parente de Menezes

Yolanda Parente

“Tenho muita alegria e satisfação em trazer de volta este folclore, que desde menina danço. Me aprofundei nas raízes da história desta dança pastoreira de herança europeia, mais , precisamente portuguesa usada por pastores aguardando a chegada do Messias.” Gema Weyne

“No TSI encontrei a oportunidade de realizar um sonho de criança: il. participar de um pastor Entrei como mestra do cordão encarnado, depois passei a pastora, a amanhã talvez seja outr personagem. Como educadora, agora sou também multiplicadora desse projeto.” Teresinha Brasileiro

“Nas disputas dos cordõe s azul e encarnado para eleger a pastora rainha Mestra e Contra Mestra está a alegria das torcidas . Momento máximo deste auto natalino é a apoteo se final com a apresentação da Família Sagrada Jesus, Maria e José com anjos em cânticos e louvores emocionantes.” Gema Weyne


Senhores e Senhoras Estamos aqui chegando Para comemorarmos A vinda de Jesus Com a Estrela de Bel茅m Louvando a sua gl贸ria Cantemos sempre unidas Natal da nossa hist贸ria. Gema Weyne


“O pastoril é hereditário. Traz a raiz portuguesa dos meus avós e bisavós, carregado numa grande árvore genealógica que fez a brincadeira chegar até a nossa geração.” Dila Costa (Pastoril Nossa Senhora de Fátima)

Pastoris de Mestra Rita Costa

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os antepassados portugueses, a mestra Rita Costa herdou a tradição do pastoril. No bairro Tirol, em Fortaleza, onde criou seus 13 filhos, ela deu continuidade à brincadeira, fundando, na década de 40, o Pastoril Nossa Senhora de Fátima, inicialmente formado apenas pela família numerosa – a que foram se juntando sobrinhos, netos, genros, noras... -, depois agregando gente de toda a vizinhança. Seus descendentes são os responsáveis, hoje, por manter e renovar o patrimônio deixado pela mestra: montaram três pastoris – Estrela Luminosa (no bairro Cristo Redentor), Nossa Senhora de Fátima (em Maracanaú) e Tia Rita (em Pacatuba) - nos quais enriquecem a tradição acrescentando novos quadros e, sobretudo, compartilhando esse saber com as novas gerações.


“Nosso diferencial é a homenagem que prestamos à nossa mestra Rita Gomes da Costa. Ela é nossa estrela luminosa, nossa grande guia. Com ela, nossa tradição do pastoril nunca vai morrer. Vai passar de pai para filho, assim como aconteceu com a gente.” Nisa Costa (Pastoril Estrela Luminosa)

“Não tem ensaio nem coreografia. O conhecimento é passado de um para o outro, é natural. Por isso, o pastoril acontece o ano todo. Não esperamos dezembro chegar pra nos reunir. A qualquer hora, o grupo está pronto para se apresentar.” Dila Costa (Pastoril Nossa Senhora de Fátima)

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“Naquele tempo (época da fundação do pastoril), não tinha televisão. As pessoas ficavam nas calçadas e nos morros, conversando, contando anedotas e fazendo amizades. Todos ficavam curiosos e queriam ver o nosso pastoril. Era uma brincadeira saudável. Até hoje meu pai chama o pastoril de brincadeira! Essa coisa de brincante vem de longe...” Dila Costa (Pastoril Nossa Senhora de Fátima)


“Nosso grupo tem 63 anos e tem uma história de trabalho, de persistência frente aos obstáculos. E uma história de inovação, porque nada está pronto, acabado. Apesar de sermos um dos grupos mais antigos, nós sempre estamos querendo aprender mais. É preciso transmitir conhecimentos e difundir nossa cultura popular.” Dila Costa (Pastoril Nossa Senhora de Fátima)

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“Antigamente, o pastoril se desenvolvia apenas no toque do pandeiro, que uns chamavam de pandeirola ou pandola. Quando nós começamos, meu pai – Antônio Costa, que hoje tem 83 anos de idade e ainda ministra oficinas – fazia nossos pandeiros com latas de doce e tampinhas de refrigerante batidas, que ele prendia com um arame. Ficava um instrumento de percussão muito bonito, com um som muito lindo!” Dila Costa (Pastoril Nossa Senhora de Fátima)

“O pastoril acontece em volta do presépio. Por isso, os personagens principais são Maria, José e a Criança, que fazem o quadro vivo junto do anjo Gabriel. Tem também o anjo Miguel, que protege as pastorinhas das tentações do demônio, fazendo louvações e esperando por noites e noites a chegada do Menino Jesus.” Dila Costa (Pastoril Nossa Senhora de Fátima)

Estrela luminosa Quem te deu aquela luz Vem guiar os nossos passos Até o berço de Jesus


Quadrilha Junina Esperança Nordestina

“As mães participam dos ensaios e das costuras. São os brincantes e suas famílias que bordam todas as roupas.” Maria do Socorro de Souza

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Quadrilha Junina Esperança Nordestina foi fundada em 2003, no bairro Varjota, em Fortaleza. É formada por 20 pares, entre crianças e jovens, que preservam e atualizam as tradições juninas e os valores culturais do Ceará e do Nordeste. Com ensaios diários, o grupo resiste às dificuldades, contando com a parceria da comunidade para dar continuidade ao trabalho.


“Com a quadrilha, as famílias ficaram mais próximas, pais e filhos ficam mais tempo juntos. Eu também me aproximei mais das pessoas da comunidade. Aprendi que, com 60 anos de idade, ainda posso fazer muito pelas pessoas e pelo lugar onde eu vivo.” Maria do Socorro de Souza

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E no Terreiro, ao som de uma concertina Esperança Nordestina vem manter a tradição Tira o chapéu, bota o chapéu e rodopia no salão É Esperança Nordestina, é São João. Marcos Antonio de Sousa


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a comunidade de Bo’água, distrito de Cipó dos Anjos, em Quixadá, formou-se o Boi Coração. No início, a brincadeira acontecia somente nos terreiros das casas e nas fazendas da região, e os brincantes, mascarados e vestidos com trajes rasgados, feitos de palha, carregavam o Boi nas costas, por longas travessias, espalhando encantamento pelos percursos do sertão. Hoje, o grupo ocupa novos espaços, faz apresentações em escolas da região e em outros municípios cearenses, mas mantém o espírito da brincadeira, formada pelo Vaqueiro e Cabôco, que topam o Boi, e pelo Capitão, que vai chamando, uma a uma, as figuras: o Velho e a Velha, a Dama, o Ispáia Brasa, os Urubus, a Caipora e os Caretas.

Reisado de Caretas Boi Coração

“Às vezes eu até me acanho de vestir uma calça nova pra brincar, botar um chapéu de couro novo na cabeça, porque no tempo dos papangus mesmo, a gente usava a roupa era toda rasgada véa, coberta de poeira. Às vezes, pegava um bocado de palha de carnaúba, enfiava num cordão e amarrava na cintura. A máscara era toda feia também. Era marmotoso mesmo! Mas hoje é diferente, por isso que eu até me acanho de botar coisa melhor pra brincar.” Assis Rufino


Oi, de casa! Oi, de fora! Manjerona é quem taí É o cravo, é a rosa É a flor do bugari Santo Reis do Oriente Chegaro fora de hora Eles vinha de Belém Foi visitar Nossa Senhora Se essa casa fosse minha Eu mandava ladrilhar Com pedrinhas diamante Só pra Santo Reis passar Essa casa tá bem feita Por dentro, por fora não Por dentro cravos e rosas Por fora, manjericão (Domínio público)

“Hoje é difícil chamarem a gente pra brincar nas fazendas. A gente vai mais é fazer apresentação, nas escolas. Mas aí a gente não faz a brincadeira toda, não. A gente fica com uma vontade de brincar, mas o tempo que dão é curto demais.” Assis Rufino

“Eles (os integrantes do grupo) não são apenas papangus, como eles dizem. Na verdade, eles são artistas. É importante que eles compreendam isso, que não são artistas da televisão, mas são artistas da comunidade onde eles vivem. Dão vida à própria representação do universo deles, porque o boi está ligado historicamente com a nossa vida.” Edinês Brito Pereira sesc terreiro da tradição

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“De primeiro, no nosso reisado não existia mulher não, era só homem. Dizem que antigamente o povo era muito matuto, mas os homens não tinham vergonha de fazer o papel da Velha, das Damas, não tinha cerimônia nenhuma. E hoje, no mundo moderno, ave Maria, os meninos ficavam era escondidos, atrás de nós, com vergonha de ser a Dama”. Chico Emílio

“Antigamente, o papangu era uma coisa só do sertão. Às vezes, a gente brincava duas vezes numa noite, numa casa aqui e outra acolá, e andava era a pé, cinco léguas, com o boi nas costas.” Assis Rufino


“Lá em casa criou-se oito filhos e quase toda noite eu cantava o reisado pra eles dormirem. Quando dava umas 7 horas da noite, não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha nada pra eles ouvirem, o negócio era jantar, se deitar e eu ia cantar pra fazer eles dormir. Tinha deles que aguentavam o reisado todinho, mas outros não aguentavam não, na metade do Boi já tavam dormindo. Eu era alucinado mesmo pelo reisado.” Assis Rufino


Reisado de Mestre Sebastião M

estre Sebastião Cosmo, natural de Natal (RN), chegou em Juazeiro do Norte no ano da grande seca de 1958. De frente à casa onde foi morar com a família, residia Mestre Manoel Cordeiro, tradicional brincante de reisado da região. Foi dele que partiu o convite para brincar o reisado. No início, Mestre Sebastião até pensou em recusar, não entendia ainda a brincadeira, o pai não queria deixar. Mas o chamado da tradição falou mais alto e, aos 15 anos, já era “embaixador” do reisado. Com 17, decidiu montar seu próprio grupo, e até hoje mantém-se firme na brincadeira, à frente do Reisado de Mestre Sebastião, com o apoio de Mestra Fátima, sua esposa, que mantém também o Reisado de Mestra Fátima, formado só por mulheres.

“Quando foi um dia, o Mestre Manel Cordeiro disse: - Bastião, você quer brincar? - Brincar com saia? Eu digo: - Não, quero não! Eu não sou homem pra vestir uma saia. Aí ele disse: - Não, Bastião, você veste uma saia mas é o mesmo homem. E eu doido pra brincar, aprender a arte, mas meu problema era saia pra vestir.” Mestre Sebastião Cosmo

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“De primeiro, era aqueles encontros, eu fazia um trono aqui, você fazia um trono na sua casa, a gente saía visitando. Então, se fosse per uma hora dessa, você ficava me esperando: - Vai passar por aqui e vai fazer aquela festa de reis, da rainha. Se, no jogo de espadas na rua, você tomasse minha rainha, ninguém ia brigar com você, não. Você levava ela, passava o dia com ela e de noite entregava no trono. Se hoje você for fazer uma coisa dessas, tem confusão.” Mestre Sebastião Cosmo

“Aqui no Juazeiro tem muitos mestres mas, pra quem entende, são poucos que são mestres. Porque o trajar, ele representa a pessoa, a elegância do grupo, mas se você tem condições, você pode fazer seu traje bonito como for. E eu, se não posso fazer meu traje, eu vou do jeito que estiver. O povo olha pra você e olha pra mim, olha pra cima e olha pra baixo, e diz: - Mas, rapaz, o traje ali daquele homem, eita traje bonito! Aí lá vem eu maltrapilha. Você faz sua apresentação e eu faço a minha, maltrapilha. Aí você acha que seu traje elegante vai mostrar a cultura sua? Não, o traje não mostra, quem mostra é você. Pra mim o principal de um mestre é ele saber cantar, ter voz, saber dançar. Porque você pode ir bem vestido, mas se você chega no mei do povo e não tem voz, não sabe dançar, você não é ninguém”. Mestra Maria de Fátima Monteiro Cosmo sesc terreiro da tradição

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Reisado foi minha infância Inda hoje eu tenho lembrança Do Reisado que eu brinquei Chegou a vez Eu hoje estou recordando A velhice adesmanchando O que a mocidade fez. Mestre Sebastião Cosmo

Mas eu não tenho medo De dragão devorador Porque tenho São Jorge Ele é meu protetor Mas eu sou guerreiro Eu nasci pra guerrear Com espada de São Jorge Todos maus eu vou cortar Mestra Maria de Fátima Monteiro Cosmo 210

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“Manel Cordeiro foi o primeiro mestre meu aqui em Juazeiro. E quem enterrou ele foi eu, e ainda mais trajado. Ele pedia: Bastião, todo tempo que eu morrer eu quero ir trajado. Porque aqui os mestres são assim. Quando morre um mestre, a gente tem que trajar aquele grupo e carregar ele trajado. Só que quando a gente chega lá a gente deixa a capa, por causa dos espelho, que a gente não pode enterrar ele com os espelho não.” Mestre Sebastião Cosmo


Reisado Metamorfose do Sertão SESC Ler 212

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Reisado Metamorfose do Sertão teve início em 2004, como uma atividade cultural do SESC Ler de São Gonçalo do Amarante. Alunos do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos começaram a pesquisar a história dos antigos grupos de reisado da região, ainda presentes nas lembranças de muitos deles, e descobriram na brincadeira uma forma de reconstruir a memória do lugar, promover a diversidade cultural, abolir preconceitos e fomentar o diálogo e o respeito entre as gerações. Contando com a participação de outros membros da comunidade, o grupo passou a realizar entrevistas com antigos brincantes de boi, moradores da região e pesquisadores. Somando os novos conhecimentos a suas próprias lembranças de infância, criaram o grupo, formado por crianças, adultos e idosos que buscam perpetuar e ressignificar o folguedo. Em 2009, o trabalho do grupo ganhou ainda mais força com o reconhecimento obtido por meio do prêmio Microprojetos Mais Cultura, do Governo do Estado, e com a fundação da Associação dos Brincantes de Reisado Metamorfose do Sertão.


“Brincar o reisado humaniza, faz com que a gente se sinta mais vivo, mais autônomo e mais autêntico para encontrar lugar na sociedade.” Mestre Caringuim

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Desceu de cima Terra fria estremeceu Balanceou as portas, que o surubim gemeu É boi de prata e boi de ouro É boi de toda estimação que por hora é o garrote de São Gonçalo do Amarante (Aboio) Da minha casa pra tua Tem dois riachos no meio o de lá dá um suspiro e o de cá suspiro e meio Valei-me, Nossa Senhora Mãe de Deus da Conceição Quem bulir comigo chora Soluça que nem pagão É boi de prata É boi de ouro Boi de toda estimação Que por hora é o garrote do Metamorfose do Sertão (Domínio público)

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“Eu acho que é preciso brincar só por brincar, para criar vínculos, não só pra fazer as apresentações.” Mestre Caringuim

“Nas nossas rodas de conversa, a gente foi descobrindo que ser cultura, forte, cada um é. Não existe uma só cultura, existem diversas culturas. E nesse passeio pela diversidade cultural, nós encontramos o que São Gonçalo fazia há muito tempo e deixou de fazer, estava adormecido. E nós fomos buscar isso de uma forma muito responsável.” Maria Vênus de Andrade Cunha


Reisado São Miguel B

rincantes experientes, com passagens por vários reisados da região do Cariri cearense, resolveram juntar-se para, em 2008, montar o Reisado São Miguel, em Juazeiro do Norte. O núcleo inicial era formado por cinco integrantes, tendo à frente o Mestre Valdir. Ao invés do violão e da viola, instrumentos mais habituais no reisado, eles saem acompanhados de uma banda cabaçal – com zabumba, caixa, pífanos e prato. Os personagens da brincadeira são o Contra-Mestre, Rei, Rainha, Mateus, embaixadores e os entremeios Jaraguá, Lobisomem e Guriabá, todos com indumentária feita pelo próprio grupo, com papelão, E.V.A., cetim, espelhos, fitas e areia prateada, associados para garantir o brilho e a profusão de cores que são marcas da brincadeira.

“O Rei está ali pra defender sua Rainha em qualquer momento que for preciso. Quais são: hoje é um dia de Natal, e o mestre está com o reisado na rua, então minha responsabilidade é tomar de conta dela, tanto pra não perder ela pra outro Rei quanto pra não deixar em momento nenhum ela se machucar. Então o Rei é o responsável pela Rainha. Já o Mestre é responsável por todos, do brincador pequeno ao contra-mestre, é ele.” Tarcísio (Rei do Reisado São Miguel)

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Este reisado é dos jovens Muito gentil ele foi realizado Na Rua Jaime Docyr O mestre dele se chama Mestre Valdir Ele está representando O Estado do Cariri. Mestre Valdir Vieira

“O mestre, na verdade, não termina de aprender nunca. A única coisa que diferencia ele é o pouquinho de conhecimento que ele tem a mais do que os outros. Mas o mestre é um brincante do mesmo jeito, ele tá aprendendo a cada dia. Enquanto estiver batendo as pestanas e o sangue correndo nas veias, a gente tá aprendendo.” Mestre Valdir Vieira


“Passamos nosso conhecimento da brincadeira e o conhecimento da vida pessoal também, nossa experiência do dia a dia, e nos preocupamos até mesmo com a própria educação do brincante. Se ele estiver fazendo alguma coisa errada que venha a comprometer a própria brincadeira, nós interferimos porque todos nós somos responsáveis e cobramos essa disciplina.” Mestre Valdir Vieira 224

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Reisado SESC Nossa Senhora da Saúde surgiu a partir do Projeto SESC Difusão das Culturas de Raiz, que tem desenvolvido ações de valorização das tradições populares em vários bairros de Fortaleza. Um deles foi o bairro Varjota, onde, com a mobilização da comunidade, foi formado o reisado, que, em 2010, completa seis anos.

Reisado SESC Nossa Senhora da Saúde 226

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“O SESC trouxe até nossa comunidade o projeto Reisado de Congo. No começo eu via os ensaios, mas não me sentia muito parte daquela história. Com um mês de ensaios, eu senti uma coisa muito forte e quando vi já estava lá, dançando, cantando. Então decidi me doar de corpo e alma ao projeto que estava chegando.” Kátia Juliana de Sousa


“Brinquei no Reisado Brincantes do Cordão do Caroá e foi lá que me descobri como Mateus. Lá também ganhei minha primeira cafuringa, que guardo com muito carinho pois me foi dada de coração. Hoje sou o Mateus e um dos organizadores do Reisado SESC Nossa Senhora da Saúde, que não está deixando a tradição acabar na comunidade da Varjota.” Marcos Antônio de Sousa (Seu Marcos)

Olha a proa do navio, capitão Olha o balanço do mar Cuidado com essa onda, capitão O barco pode virar Rema, rema, capitão Rema, rema, sem parar Cuidado com essa onda, capitão Olha o balanço do mar Marcos Antônio de Sousa (Seu Marcos)


Oh, meu general Levanta a tua espada Avisa a embaixada Que o reisado vai passar Olha também Avisa minha rainha Nosso Rei e a princesinha Todo o povo do lugar Marcos Antônio de Sousa (Seu Marcos)

“A sede dos dois grupos (Reisado Nossa Senhora da Saúde e Quadrilha Junina Esperança Nordestina) é na minha casa, que é pequena, mas mesmo assim conseguimos fazer nossas reuniões. Quando o espaço não dá, o ensaio acontece em frente à sede. Fica complicado, mas é o que temos.” Maria do Socorro de Sousa


“Qual o objetivo da Casa do Cantador? É dar um apoio aos cantadores que vêm de fora. Porque, antes dela, você chegava em Fortaleza e não tinha pra onde ir. Se ficasse em hotel acabava com o dinheiro. Mas se tivesse a Casa do Cantador, chegava lá e era bem recebido, podia economizar.”

Repentistas Dimas Mateus e Rubens Ferreira

Dimas Mateus

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imas Mateus é natural de Russas, município da Região do Vale do Jaguaribe. Descobriu a viola aos 15 anos mas, pela insistência dos pais, acabou se tornando agricultor e, só anos mais tarde, deixou o trabalho na roça para fazer da poesia profissão. Estudou apenas dois meses na escola, mas fez do mundo a sua própria. Repentista e cordelista, mestre do improviso ao som da viola, Dimas Mateus já escreveu cordéis memoráveis – como “Brasil 500 anos, 500 estrofes” e “Transposição do Rio São Francisco” - e foi por duas vezes presidente da Associação dos Cantadores do Nordeste, a primeira do gênero a ser criada no Brasil, há mais de 60 anos. Na Associação e nas cantorias, tem ao seu lado o amigo e parceiro Rubens Ferreira, proveniente de Almofala, distrito de Itarema. Vindo de uma família de cantadores (o pai e dois irmãos já eram repentistas), aos 25 anos fez sua primeira cantoria profissional e há quase trinta dedica-se a difundir, preservar e renovar essa arte.


“O cantador é um humorista por natureza. Por mais que ele seja fechadão, na hora que ele vai cantar ele se transforma. Quando ele passa a ser um artista, mesmo com a seriedade, ele tem uma comicidade, aqui acolá ele solta uma estrofe que deixa o povo alegre.” Rubens Ferreira

“Geralmente numa cantoria a gente começa com sextilhas, que é uma estrofe com seis versos, mas aí vem a setilha, que já é uma estrofe com sete, vem oitava, quadrão, galope à beira mar, martelo agalopado, o boi da cajarana, segura o remo, o cantador de vocês, voa sabiá, martelo alagoano... São inúmeras, umas setenta modalidades, mais ou menos.” Dimas Mateus

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Falar em Luiz Gonzaga Sigo cheio de emoção Lembrando de suas músicas Cinturinha de pilão Dezessete e Setecentos E o jumento, nosso irmão Falar no rei do baião O nome imortalizado Lembro das festas juninas Forró, baião e xaxado De Samarica parteira E casamento improvisado Amigo de violeiro E o pensamento veloz Subiu no pódio da fama Foi boêmio como nós A morte veio traiçoeira Para calar sua voz. Rubens Ferreira

“Tem alguns estilos, por exemplo, o gabinete, que são muito bons de cantar, mas tão esquecidos. Muito cantador novato não sabe nem o que é. Gravamos um CD agora e colocamos o gabinete, então tamo resgatando as modalidades.” Rubens Ferreira sesc terreiro da tradição

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Teatro de Caretas

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Teatro de Caretas reúne atores, diretores, dramaturgos, estudiosos da arte teatral, interessados em pesquisar e criar linguagens contemporâneas para um teatro referendado nas tradições populares do Nordeste. O grupo apresenta espetáculos de teatro de rua em que alia arte e política, tendo como orientação o fortalecimento dos movimentos sociais e a transformação humana. Tem nas ruas e praças – como espaços de sociabilidade e reveladores das contradições das cidades modernas – seu cenário habitual, buscando sempre novas formas de apropriação dos espaços públicos e interação com as plateias.

“O cenário é a praça, os personagens podem ser aqueles que ali transitam e a história poderá surgir e se modificar a partir da sugestão de quem, naquele momento, presencia o ato teatral.” Teatro de Caretas


“Propomos a desconstrução da hierarquia entre ator e espectador. Assumimos um novo procedimento: o da construção da própria atuação na cena de rua, em que o ator dialoga com a plateia desde o momento da criação ou adaptação do texto até a consolidação do espetáculo.” Teatro de Caretas

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“Nossa pesquisa estética está ligada a uma ideia/ação social que busca o encontro entre tradição e contemporaneidade. Tendo a arte teatral enquanto meio para o engrandecimento humano, inspirados no jogo clássico dos artistas populares, colhemos um repertório de brincadeiras, improvisações e cenas populares para o teatro de rua.” Teatro de Caretas

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Toré dos Pitaguary

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m 1991, teve início uma forte articulação para reconhecimento da área indígena de Santo Antônio do Pitaguary, localizada ao pé da serra da Aratanha, entre os municípios de Maracanaú, Pacatuba e Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza. A luta pela demarcação da terra passava também pelo reconhecimento de suas tradições culturais. Por isso, os Pitaguary retomaram o ritual do Toré, que passou a ser ensinado na escola da comunidade e deu origem a um grupo mirim.

Desenhei o rio e a serra O cheiro do meu avô que Tinha com flores da terra Eu vejo as serras azuis O som das pedreiras Bem cheias Sou índio, sou forte guerreiro O sangue me foge das veias Maria Madalena Braga da Silva


“Acho que a maior característica do Toré é a espiritualidade. É ela que faz com que o índio cante, dance e bata seu instrumento. É como se uma força envolvesse a pessoa e desse o impulso para que ela fizesse seu ritmo.” Cacique Daniel


“A gente fez uma parceria com a escola, pra ver o desenvolver da criança na escola, como ela tá no projeto, e eu vou na escola pessoalmente, encontro um professor e pergunto como é que os alunos estão. De acordo com o que é me repassado, a gente tem a regra de convivência e aí a gente faz a regra funcionar, entendeu? É desse jeito.”

“Índio é assim mesmo: os velhos morrem, mas a cultura continua igual.” Cacique Daniel

Carlo Guedes 248

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3 CapĂ­tulo


A popular arte de aprender e ensinar Foto: Jr Panela

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proposta educacional do SESC está voltada para novas experiências, novas maneiras de ser, novas ideias. Educamos para a autonomia, para a liberdade possível em cada etapa da vida, para a autenticidade. O currículo, associado à orientação político-filosófica do SESC, envolve modos distintos de encarar o homem e a sociedade, de conceber o processo de transmissão e elaboração do conhecimento e de selecionar os elementos da cultura com que a escola objetiva trabalhar, ressignificando os conteúdos escolares. Desenvolvemos uma educação orientada para a formação de um aluno participativo, crítico e criativo, transformando a informação em conhecimento, garantindo o acesso aos saberes produzidos pela história da humanidade e contribuindo para a formação da cidadania. São esses os objetivos primeiros da Escola Educar SESC, compreendendo ainda que os seres humanos precisam ser respeitados na sua originalidade, constituída, entretanto, de múltiplas interferências. Assim, as salas de aula abrem suas portas e janelas para os sentimentos e as histórias de seus alunos, professores e comunidade. O cotidiano escolar está repleto da vida que acontece fora de seus muros. As realidades dos alunos, com todas as suas diferentes cores e sabores, são consideradas em todas as situações escolares. O currículo escolar contempla as aprendizagens que acontecem dentro e fora da escola, onde existe a interferência de todos os atores e agentes educativos, cada um com seus saberes, adquiridos em suas experiências, incluindo anseios, sonhos e necessidades, elementos construtores de um roteiro multicultural. O que os alunos vivem e conhecem não é apenas o que dizem os livros ou a observação empírica; é também a realidade sonhada, são as ideias, as fantasias, os desejos e as crenças. Portanto, são fruto do desenvolvimento de valores, conhecimentos e habilidades que os ajudam a compreender criticamente a realidade em que vivem e nela inserirem-se de forma mais consciente e participativa. Assim, além de propiciar o acesso a informações relativas às suas vivências imediatas, estimulamos o interesse dos alunos por abordagens mais abrangentes sobre a realidade, oferecendo oportunidades de acesso ao patrimônio artístico e cultural, priorizando as estratégias que recorrem à oralidade, à observação e à experimentação, levando-os a integrar progressivamente novos elementos e, principalmente, a vivenciar novas possibilidades.

Marta Araújo gerente de educação sesc ce mTexto elaborado a partir das propostas pedagógicas da Educação

Infantil e Ensino Fundamental do SESC - Departamento Nacional Colaboraram: Lidiana Maciel (diretora pedagógica da Escola Educar SESC), Juliana Cruz (coordenadora da Educação Infantil da Escola Educar SESC), Arabella Roseno (coordenadora da Educação Infantil da Escola Educar SESC), Kátia Lima (coordenadora do Ensino Fundamental - séries iniciais da Escola Educar SESC), Emanuela Páscoa (coordenadora do Ensino Fundamental - séries finais e Educação de Jovens e Adultos da Escola Educar SESC), Susy D'avila (coordenadora de Idiomas e Pré-vestibular da Escola Educar SESC) e Rafaelly Pinheiro (coordenadora do Tempo Integral e Projeto Habilidades de Estudo da Escola Educar SESC).

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“A cultura leva à expansão do horizonte mental do indivíduo, fundamental no processo educativo e na formação de um cidadão crítico, livre e inserido em sua comunidade.” Davi Ricardo de O. Albuquerque Professor da Escola Educar SESC

“A Cultura é importante, aprendi a dança do boi, conheci o Luíz Gonzaga, o Padre Cícero e trouxe da minha casa pra mostrar para o meu colega, panela de barro, garrafa de barro, chapéu e boneca de pano, foi legal.”

Nossa proposta pedagógica, nos diversos segmentos, tem como prioridade oportunizar o processo de conhecimento em sua totalidade, tendo em vista as diversas formas de linguagem e expressão, em parceria com elementos da cultura, ressignificando os conteúdos escolares e contribuindo para o conhecimento acerca da cultura popular. Trabalhamos com a Pedagogia de Projetos, sendo nosso primeiro passo, no processo de elaboração desses projetos, identificar o conhecimento prévio de nossos alunos bem como ouvir suas opiniões, pois as crianças trazem consigo os conhecimentos elaborados em suas experiências de vida. Num segundo momento, os educadores oportunizam a comparação entre as opiniões semelhantes e divergentes na turma, fazendo também questionamentos que levem os alunos a se envolverem na busca por mais informações sobre o tema. Nesta etapa, o professor introduz a construção de conceitos, estabelece um programa de estudos, incluindo a leitura e a escrita, consulta a enciclopédias, realização de experimentos, entrevistas etc. Essas atividades objetivam desenvolver o conhecimento necessário para compreensão do tema abordado. É importante ressaltar que a motivação dos alunos está fortemente dirigida ao aprendizado da compreensão, da leitura e da escrita. Finalmente, são sistematizadas as novas informações recolhidas e os novos conceitos introduzidos, observando-se em que medida estes se integraram aos esquemas de compreensão dos alunos. Isso é feito tanto por meio da retomada do problema inicial como da aplicação dos conhecimentos recémadquiridos a outros problemas correlatos. Um aspecto fundamental para o trabalho com projeto didático é o fortalecimento dos educandos como seres produtivos e criativos, intelectualmente capazes e produtores de cultura. O estudo do entorno de nossa escola e de outros lugares de vivência favorece as capacidades de orientação e representação espacial, através da interpretação e elaboração de desenhos, plantas ou mapas de espaços conhecidos. Observando, ao longo do tempo, as transformações ocorridas na localidade, os alunos também desenvolvem a percepção de tempo histórico. Além de propiciar um melhor aproveitamento dos recursos locais, com benefício pessoal e da comunidade, essa abordagem oferece a oportunidade de ampliar o debate sobre questões de alcance mais geral.

Dessa forma, a vivência na Escola Educar SESC constitui um importante exercício de convivência democrática, interesse pelo bem-estar coletivo, interesse por participar e colaborar na manutenção e melhoria do espaço. Essas questões são tomadas como conteúdos prioritários do trabalho pedagógico. Assim, esse conceito emerge constantemente nas salas de aula, onde é desenvolvido o sentido crítico dos alunos em relação aos conhecimentos, reconhecendo que, enquanto produtos culturais, os conhecimentos são dinâmicos, transformam-se e diferenciam-se no tempo, e de um grupo social para outro, compreensão essencial para o convívio democrático numa sociedade diversificada como é a sociedade brasileira. A Escola Educar SESC elegeu a Pedagogia de Projetos como metodologia de trabalho por entender o conceito de cultura como um dos principais elementos explicativos da condição humana, fundamentais para a formação de um ser capaz de pensar, acumular conhecimentos e transmiti-los às novas gerações. E é com essa proposta que a Escola Educar SESC trabalha todo um conjunto de práticas, valores e crenças, partilhados por todos aqueles que interagem no seu âmbito, acreditando no princípio de que se aprende participando, vivenciando sentimentos, nas atitudes tomadas diante dos fatos, escolhendo procedimentos para atingir objetivos. Ensina-se, principalmente, pelas experiências proporcionadas, pelos problemas enfrentados, pela ação desencadeada. Ao trabalharmos com projetos didáticos, proporcionamos ao educando o envolvimento com experiências educativas em que o processo de construção de conhecimento está integrado às práticas vividas. Nessa perspectiva, o aluno deixa de ser apenas um “aprendiz” de conteúdos, passando a entender-se como um ser humano que, ao mesmo tempo, produz e se apropria do conhecimento, tornando-se um sujeito cultural. Dentro desse contexto é que a Escola Educar SESC desenvolveu o Projeto SESC Terreiro da Tradição, o qual proporcionou, aos alunos da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, a exploração de temas como: emboladores de coco, reisado, quadrilha junina, pastoril, maracatu, entre outros, oportunizando às crianças a pesquisa sobre os personagens e suas características.

Luiz Gustavo Constantino de Araújo Aluno do 4º ano da Escola Educar SESC

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Diversas oficinas foram trabalhadas na Escola, aprofundando o conhecimento dos educandos sobre a cultura popular. Destacamos aqui o pastoril, como expressão cultural que proporcionou descobertas significativas, pois iniciamos seu estudo em uma roda de conversa, na qual consideramos o conhecimento prévio das crianças sobre o assunto. Dentre as falas das crianças, ressaltamos estas: “Professora, os pastores são aqueles homens da igreja”; “Eles vestem paletó”. Diante desta gama de informações, sentimo-nos desafiados a articular as experiências e saberes das crianças juntamente com o conhecimento científico, valorizando o ponto de vista de cada uma, levantando hipóteses a partir dos conhecimentos prévios e, consequentemente, constituindo-nos assim sujeitos cooperativos. Diante das descobertas, as crianças ficaram curiosas em saber mais sobre o pastoril. Então, o próximo passo foi propor que buscassem a ajuda de seus familiares na pesquisa sobre o assunto, envolvendo as famílias neste trabalho, por considerarmos que a parceria entre família e escola viabiliza a integração e uma aprendizagem dialógica. Paralelo ao trabalho com as pesquisas, desenvolvemos, por meio do jogo simbólico, uma das principais formas de representação do mundo real. Desenvolvida com as crianças da Escola Educar SESC, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, a dramatização incluía performances dos personagens, relacionando-os entre si e (re)criando novas hipóteses de aprendizagem. Tendo por título “Terreiro da Tradição”, a apresentação alcançou sua culminância na festa de encerramento do semestre, quando as crianças vestiram-se de pastores e pastoras, com pandeiros nas mãos, representando os dois cordões (azul e encarnado). Durante o desenvolvimento deste trabalho, pudemos realizar diversas ações com as crianças: pesquisas, oficinas de cordel, xilogravura e escultura em argila. Trabalhamos com uma metodologia semelhante para as demais expressões culturais, respeitando a especificidade de cada tema, trabalhando também com exposições temáticas, vídeos, teatro, música e dança, além de proporcionarmos o encontro dos Mestres da Cultura com os professores e alunos.

De acordo com a Proposta Pedagógica da Educar SESC, “toda leitura nasce da relação que se tem com a cultura já existente, aquela que nos situa enquanto alguém que faz parte do mundo, de determinado grupo, sociedade. É através dela que o mundo vai tornando-se observável, investido de significados”. Em harmonia com esse pensamento, consideramos todos os tipos de pesquisas trazidas pelas crianças; realizamos leitura de imagens, textos, notícias, fotografias, cantigas populares etc. O conhecimento construído pelos educandos vai sendo repassado para as famílias, de acordo com suas hipóteses, diante de cada atividade realizada e de cada experiência vivenciada. Neste projeto, cada grupo representou uma expressão cultural, possibilitando a troca de informações e o envolvimento de todos os alunos no projeto. A comunidade escolar passou a conhecer e valorizar ainda mais as culturas populares. O interesse e o envolvimento das crianças foram responsáveis pela integração entre a comunidade local e a escolar. Atividades conjuntas que envolviam o conhecimento do trabalho realizado na comunidade do entorno da escola, bem como a rica experiência com o Maracatu Nação Axé de Oxossi, composto por pessoas da comunidade do Mercado Velho, foram fatores fundamentais desta integração. O SESC acredita na educação e na cultura como função maior da escola, como elementos capazes de difundir o conhecimento acerca da diversidade de manifestações culturais e das nossas origens, colaborando para a reconstituição da história e tradição de um povo que traz consigo alegrias, tristezas, lutas, reivindicações e valores, e costumes que são legados de geração em geração, permitindo, assim, um campo dialógico no qual o discurso cultural é ampliado, possibilitando a todos a democrática expressão de suas diferenças culturais.

“Iniciamos o projeto com o levantamento do conhecimento prévio das crianças, resgatando as vivências de seus familiares através de pesquisas, que são socializadas posteriormente com o grupo.” Manuela de Sousa Bruno Professora da Escola Educar SESC

“É na educação que se forma um cidadão, e este não é isento de sua cultura, de sua identidade, formada pela oralidade e pelas tradições populares.” Ana Paula Oliveira e Sousa Professora da Escola Educar SESC

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“Minhas memórias de infância, brincando de reisado nas férias em Quixeramobim, foram decisivas para a compreensão de que a cultura é fundamental na formação dos indivíduos. Por esse motivo, na minha prática pedagógica costumo inserir conteúdos que abordem as manifestações culturais populares como fatores de relevância na estruturação das cidadanias e dos múltiplos espaços geográficos.” Wagner Santana

Professor da Escola Educar SESC

Portanto, a fim de alcançarmos a excelência do trabalho pedagógico desenvolvido na Escola Educar SESC, contamos com uma equipe de educadores qualificados e motivados para a atividade educativa. Dispomos de mecanismos que viabilizam a formação continuada dos educadores, destacando-se a programação e avaliação conjuntas de atividades, a disponibilização de materiais de consulta, consultorias e cursos de formação continuada, considerando como requisito fundamental o conhecimento da proposta pedagógica da Escola, dos conteúdos a serem ensinados e das referências pedagógicas que dizem respeito ao modo como tais conteúdos são aprendidos. Esses são os requisitos básicos que constituem os conteúdos da formação inicial dos educadores e, em continuidade, dispõem eles também de apoio no momento da seleção de objetivos educacionais, do planejamento das atividades didáticas e avaliação, quando são consideradas as características específicas de seus alunos. A reflexão contínua sobre a prática pedagógica é condição prioritária para que os educadores possam aperfeiçoar sua ação, sendo essencial o desenvolvimento das estratégias que fazem parte do cotidiano de seu trabalho: o planejamento conjunto, o registro das atividades e a discussão com a coordenação e demais professores. Ao planejarem em equipe, os professores ampliam seu repertório de atividades e materiais, favorecendo, também, uma análise da adequação das atividades propostas aos objetivos educativos. É dessa forma que o processo de ensino/aprendizagem na Escola Educar SESC ocorre, numa sintonia de ritmos, estratégias e propostas educativas para todos, independente da origem

social, da idade, das experiências vivenciadas. É com essa forma diferenciada que compreendemos as crianças e jovens que chegam à escola, entendendo-os como sujeitos socioculturais. Consideramos suas diferenças, cientes de que são indivíduos que possuem historicidades, visões de mundo, valores, sentimentos, emoções, desejos e projetos; indivíduos portadores de lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios, fruto de um conjunto de experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais. Enfim, para compreendê-los, levamos em conta a dimensão da "experiência vivida". Considerarmos a educação como um processo contínuo que acompanha, assiste e marca o desenvolvimento do indivíduo, e que envolve a preservação e a transmissão da herança cultural, deduzindo a importância que o sistema educativo, em geral, e a escola, em particular, assumem na socialização das culturas. Os registros aqui expressos, através fotos, entrevistas e textos, contribuíram de forma significativa para documentar o objetivo alcançado no percurso da aprendizagem e desenvolvimento do trabalho realizado na Escola Educar SESC Fortaleza. Ao percorrer os passos dados na construção destas aprendizagens, todos tivemos nossas memórias uma vez mais ativadas. Pois é a partir da análise das situações vividas por aqueles que fazem a comunidade escolar no seu cotidiano é que nos certificamos cada vez mais do papel fundamental da Escola Educar SESC na formação de cidadãos críticos e atuantes em uma sociedade cada vez mais multicultural. Enfim, cremos que ao formar cidadãos estamos gerando cidadania.

BIBLIOGRAFIA HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998 mHERNÁNDEZ, F. Repensar a função da escola a partir dos projetos de trabalho. In: Revista Pátio. Ano 2, n.6, p.27-31, ago/ out 1998 mHERNÁNDEZ, F. e VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000 mFREIRE. PAULO. Pedagogia da Autonomia. São Paulo, Paz e Terra, 1997 mGADOTTI, M. Saber aprender: um olhar sobre Paulo Freire e as perspectivas atuais da educação. In: LINHARES. C; TRINDADE, M. N. (Orgs.) Compartilhando o mundo com Paulo Freire. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003 mPIAGET, J. Aprendizagem e Conhecimento. São Paulo: Freitas Bastos, 1974 mPIAGET, J. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins Fontes, 1990 mPIAGET, J. A linguagem e o pensamento. São Paulo: Martins Fontes, 1986 mVYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1988

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“Educar partindo do conhecimento prévio do aluno é oportunizar ao mesmo um relato da sua vivência nas relações e manifestações culturais, no contexto em que o formando esteja inserido.” Antonio Sérgio Mendes Bezerra Professor da Escola Educar SESC

“Nós, como educadores e formadores de opinião, devemos sempre resgatar e preservar a cultura, para que ela sempre fique viva e presente no dia a dia.” Natalia dos Santos Roosevelt Professora da Escola Educar SESC

“Educação e cultura são eixos indispensáveis ao aprendizado e formação do ser. Quando sistematizamos os conteúdos contextualizando-os com a prática, é visível o envolvimento e aprendizado das crianças. Sem falar da importância de partirmos do que a criança já conhece sobre o assunto estudado.” Sandra Teixeira dos Anjos Martins Professora da Escola Educar SESC


“No ano de 2006, uma adolescente da comunidade do Mercado Velho visitou minha sala de aula, conversou com as crianças do 4º ano, ensinou os passos do reisado, falou dos personagens pertencentes a esse folguedo, demonstrando encantamento e fundamentação durante seu emocionante depoimento. Na ocasião, percebi a importância da valorização de nossa identidade nordestina e o papel da escola nesse processo, de modo a tornar cada sujeito protagonista de sua própria história.” Thiago Luis Silva Viana

Professor da Escola Educar SESC

“A verdadeira escola tem como um de seus principais papéis transmitir e perpetuar nossas tradições, nossas raízes culturais, que nos caracterizam e nos enriquecem.” Sulamita Bezerra de Sousa

Professora da Escola Educar SESC

“Quando fui estudar brincadeiras populares com as crianças, não me preocupei, de imediato, só em pesquisar e teorizar sobre o assunto. Procurei lembrar da época em que eu era criança, esperando chegar as férias para viajar para a casa de meus avós no interior do Ceará. Durante as aulas, deixei fluir todo o sentimento que tenho até hoje.” Francisca Adriana J. da Costa Professora da Escola Educar SESC


“Trabalhamos com pesquisa teórica e com relatos de profissionais da área da cultura popular, além da coleta de informações trazidas pelas próprias crianças, a partir de suas vivências no ambiente familiar.” Ana Maria Cruz Ferreira Lima

Professora da Escola Educar SESC

“A cultura deve ser abordada na escola, resgatando as vivências dos antepassados e partindo do conhecimento histórico para reconstruir com os alunos sua cultura.” Marliam Viana de Sousa Ferreira Professora da Escola Educar SESC

“Diversas práticas pedagógicas envolvendo diretamente a cultura popular cearense foram trabalhadas com as crianças da Escola Educar SESC. Através de projetos que priorizam as identidades de nosso povo, as crianças vivenciaram experiências de ontem e hoje, por meio de registros fotográficos, visita a museus, teatro dentro e fora da escola, dança, exposições e discussões de suas próprias vivências, tornando o aprendizado próximo à realidade vivida.” Cristiane de Araújo Lessa

Professora da Escola Educar SESC



“A escola de hoje precisa ir além da sala de aula, não pode ser mais só aquilo de passar conteúdos , sempre a mesma coisa. Não pode ser só o professor falando e o aluno calado, concordando com tudo. Não, o professor precisa ouvir o que os alunos têm a dizer, precisa se envolver nos nossos assuntos.” Daniel Pierre Aluno do 7º ano da Escola Educar SESC

“Uma das atividades mais legais é a contação de histórias. A professora leva a gente pra biblioteca e lá a gente vê e também ouve os livros.” Isabele Aquino

Aluna do 4º ano da Escola Educar SESC

“Nos jornais, na televisão, a gente vê principalmente notícias do Sudeste ou do estrangeiro. Então na escola é a chance que a gente tem de aprender sobre a vida das pessoas do interior, a cultura e os costumes que ainda existem nessas cidades. Se a escola não passar isso, a gente não sabe nem que existe, pensa que é só coisa do passado.” Gabriele Arícia

Aluna do 7º ano da Escola Educar SESC


“A escola valoriza a cultura nordestina e as crianças se reconhecem como parte desse ambiente, dessa sociabilidade. Elas identificam seus antecedentes, de onde vieram, e passam a refletir melhor sobre como se inserem no contexto atual.” Patrícia Fontenele

Mãe de Arícia Fontenele, aluna do 7º ano da Escola Educar SESC

“Antes eu tinha muita vergonha, até de falar. Mas depois que eu comecei a participar das apresentações culturais na escola, eu aprendi a lidar melhor com o corpo e a me expressar.” Ângela Fabrícia Aluna do 7º ano da Escola Educar SESC

“A Escola Educar SESC, por meio do Projeto Terreiro da Tradição, tem buscado difundir os folguedos que mostram as raízes da cultura popular cearense. Nos diversos momentos de conversas com os alunos, utilizamos indumentárias, cores, músicas, passos de dança e personagens presentes no Pastoril, para destacar a importância do multiculturalismo no nosso País.” Ivanilda Gonçalves Pereira e Monalisa Pimentel Professoras da Escola Educar SESC

“Eu acho muito importante que a escola trabalhe as tradições culturais do Nordeste, porque a gente aprende muitas coisas que a gente não sabia, e ainda aprende a dançar. Além do lado intelectual tem o lado do movimento. São coisas que não se separam na cultura.” Pedro Coelho

Aluno do 7º ano da Escola Educar SESC


“A formação dos professores na escola subsidiou nossa ação docente, nos deu segurança para orientar os alunos, que passaram a ser pesquisadores de sua própria cultura. Dessa forma, o processo ensino-aprendizagem ganhou um sentido bem maior. As temáticas abordadas traziam as tradições, as danças, a culinária, as indumentárias típicas do povo nordestino. As crianças perceberam a beleza de sua cultura, fortalecendo sua identidade.” Thiago Rodrigues Professor da Escola Educar SESC

“A influência da escola não fica só nos alunos, chega até a família. Muitas vezes meus filhos chegam em casa e perguntam sobre um escritor ou sobre um artista que eles estão estudando na escola e que muitas vezes nem eu conheço. Aí eu pesquiso, me informo, pra poder conversar com eles. Eu aprendo junto.” Camila Saldanha de Miranda

Mãe de Pedro Lúcio e Leonardo Sebastian, alunos da Escola Educar SESC

“Tenho na educação minha formação acadêmica, na cultura minha formação histórica, e a unificação das duas torna minha presença mais significativa e atuante dentro da sala de aula e na sociedade.”

“A formação da identidade se dá na percepção de seu contexto cultural próximo, promovendo a valorização do indivíduo em sua cultura local.”

Karla Roberta S. de B. de Oliveira

Francisco Lindemberg Pereira Cândido

Professora da Escola Educar SESC

Professor da Escola Educar SESC


“O Projeto Terreiro da Tradição possibilitou a construção de uma aprendizagem significativa, levando as crianças a apropriarem-se da cultura popular tradicional, valorizando-a cada vez mais.” Natália Mesquita Professora da Escola Educar SESC

“Acredito que o ato de contar histórias com o objetivo de resgatar a história de um povo, seja para crianças, jovens ou adultos, possibilita um trabalho pedagógico mais rico e eficiente.” Claudiana Ferreira Almeida Professora da Escola Educar SESC

“O Projeto Terreiro da Tradição, que prioriza a valorização da cultura popular, possibilitou que a Escola Educar SESC aplicasse em suas práticas pedagógicas uma compreensão consciente e libertadora sobre as manifestações diversas da cultura africana e afro-brasileira.” Ana Maria Cruz Ferreira Lima e Katywssy Pereira Cardoso Professoras da Escola Educar SESC


“Na Escola Educar SESC, trabalhamos com os alunos o Teatro de Caretas e o Grupo Garajal, destacando-se, entre as temáticas, “Retirantes” e “Brincadeiras Populares”. O trabalho iniciou com a apresentação dos temas, seguido de pesquisas sobre o teatro e rodas de conversa, onde eram apresentados e discutidos os assuntos que inspiraram a coreografia.”

“O Projeto Terreiro da Tradição, enquanto parceria estabelecida entre os programas Cultura e Educação do SESC, possibilitou que a dança do coco adentrasse a Escola Educar SESC, impulsionando nos alunos a vontade de conhecer e divulgar as variadas formas dessa manifestação.”

Flávia Facundo dos Anjos Professora da Escola Educar SESC

Francisca Adriana Justino da Costa e Sandra Teixeira dos Anjos Martins Professoras da Escola Educar SESC

“As brincadeiras populares fizeram parte da minha formação, em viagens para cidades do interior do Estado, onde tive a oportunidade de presenciar diversas manifestações populares. Esses momentos marcaram minha memória e estão presentes nas minhas ações em sala de aula.” Sâmia Valéria Santos Vasconcelos Professora da Escola Educar SESC


“Além das atividades culturais que acontecem na escola, minha filha se interessa em acompanhar toda a programação cultural da cidade. Ela chega e diz: 'Mãe, pai, eu quero ver uma peça que tá passado, me leva!' Com isso, até nós, pais, acabamos indo mais ao teatro, incentivados por ela e pela escola. Apesar de muitas vezes estarmos cansados, depois do trabalho, a gente faz um esforço pra ir, porque a escola todos os dias nos mostra que a formação cultural dos nossos filhos deve ter prioridade.” Iracema Chavante Soeiro

Mãe da Marina Chavante Soeiro, aluna do 5º ano da Escola Educar SESC

“Eu gostei muito quando a gente fez uma peça de mamulengos, porque eu aprendi que, quando a gente manipula, os bonecos ficam vivos.” Antonio Levi Pierre

Aluno do 4º ano da Escola Educar SESC

“Quando a gente participa das peças e das danças na escola, a gente passa a ver as apresentações de um jeito diferente, porque a gente já fica imaginando tudo o que está por trás, todo o trabalho do grupo, toda a preparação que existe até chegar ao público.” Guilherme Monteiro

Aluno do 7º ano da Escola Educar SESC

“A boa formação cultural vai refletir na vida adulta dos alunos, porque há uma preocupação permanente com as raízes, com a cultura, com o meio ambiente.” Danielle Pierre Fernandes

Mãe de Antonio Levi, Daniel Bruno e Luís André, alunos da Escola Educar SESC


“Cultura e educação estão interligadas, pois valorizar as identidades culturais é uma forma de educar. Conhecer nossas origens, danças, instrumentos é conhecer nossa história e compreender o desenvolvimento da sociedade em que vivemos.” Elane Cristina Lima de Aguiar Professora da Escola Educar SESC

“Na escola tudo é cultural. A gente já teve projetos sobre a história do Nordeste, sobre os anos 60, sobre a poluição dos mares, e tudo isso é cultural.” Lílian Dias

Aluna do 5º ano da Escola Educar SESC

“A minha experiência com a Cultura Popular começou desde cedo, pois, ainda na infância, fui apresentado, através do meu pai, a este mundo fabuloso e fantástico das manifestações de raiz. Na Escola Educar SESC, tive a oportunidade de teorizar e vivenciar junto com as crianças, através de ações pedagógicas, a cultura popular por outros prismas. Repassando para as crianças a minha experiência e aprendendo muito com elas. Através de espetáculos produzidos para finalização de semestres, vivenciamos várias manifestações não só do Nordeste, mas de todo o País. Do universo do cangaço à magia do boi, da simplicidade dos mamulengos às manifestações religiosas, das esculturas de barro aos ritos indígenas, tudo isso foi interiorizado e pesquisado dentro de um processo artístico e criativo, sempre culminando em belas apresentações para deleite dos pais e familiares que fazem a família SESC.” Luciano Lopes Coordenador de Cultura da Escola Educar SESC



Ilustrações

Foto: Davi Pinheiro

Artistas Visuais

Autodidata, pintor, escultor e ilustrador. Suas linguagens artísticas e psicodélicas remetem ao universo infantil. Da sua imaginação emergem inúmeros personagens, cores e formas fantásticas. Suas criações possibilitam novos trânsitos entre os mundos da animação, da ilustração, da pintura e da escultura nas artes visuais. Na publicação SESC Terreiro da Tradição, o autor vivenciou e desenvolveu uma coleção composta por quinze telas e três objetos, através de um processo de pesquisa das expressões e manifestações das culturas populares. A ilustração de Vando Farias nos proporciona um mergulho em novas formas de representação, releitura, olhares e sentires variados na perspectiva da construção de um Mundo Lúdico.

Foto: Davi Pinheiro

Fotografias Fotógrafo profissional desde 2005, trabalhando como freelancer. Realizou a cobertura fotográfica de vários eventos culturais do Estado - II e III Encontro de Mestres do Mundo, II Festival de Música de Câmara, I e II Festivais ufc de Cultura, entre outros – e de apresentações de artistas como Fausto Nilo e Nonato Luiz. Fotografa também para publicações, como Revista Universidade Pública, da Universidade Federal do Ceará, e Revista da Secretaria do Desenvolvimento Agrário, do Governo do Estado do Ceará, e já realizou trabalhos para projetos de instituições diversas, como Secretaria do Desenvolvimento Agrário, Petrobrás e Sistema Fecomércio/SESC/SENAC/IPDC. Em conjunto com o fotógrafo Celso Oliveira, fotografou o acervo do Memorial da Cultura Cearense do Centro Dragão do Mar de Arte de Cultura e produziu fotos para o banco de imagens do Projeto Rota das Emoções (Maranhão, Piauí, Ceará), do Sebrae.

Davi Pinheiro

Contato mvhfarias@uol.com.br

Vando Farias

Contato mdavipinheirosantos@gmail.com

Foto: Davi Pinheiro

Vídeos Documentarista, professor e escritor. Como realizador audiovisual, vem desenvolvendo trabalhos em parceria com universidades e instituições culturais. Participou do Laboratório de Antropologia da Imagem da Universidade Federal do Ceará (lai-ufc), tendo realizado diversos documentários etnográficos. Em parceria com o SESC, realizou documentários sobre artes e tradições populares. Mais recentemente, foi diretor assistente do filme “Espelho Nativo”, premiado pelo concurso doc-tv iv (TV Cultura). É professor da Escola de Audiovisual de Fortaleza (Vila das Artes), onde implementou o Projeto Pontos de Corte. É dramaturgo do grupo Teatro de Caretas e pesquisa música e cultura popular. Contato mhenriquedidimo@gmail.com

Henrique Dídimo

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sesc terreiro da tradição

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Ficha técnica SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

PUBLICAÇÃO SESC TERREIRO DA TRADIÇÃO

PRESIDÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL

ORGANIZAÇÃO GERAL

REVISÃO DE TEXTO

Antônio Oliveira Santos

Denise de Sena Abintes Cobello

Aécyo Flávio Brauna Bittencourt

DEPARTAMENTO NACIONAL - DIREÇÃO GERAL

Paulo Henrique Leitão dos Santos

José Ednardo Abreu Gadelha

Maron Emile Abi-Abib

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO DEPARTAMENTO REGIONAL – CEARÁ

EQUIPE DE PESQUISA Antônio Alves de Oliveira

PRODUÇÃO EDITORIAL

Antônio Luciano Moraes Melo Filho

Carolina do Vale

Arabella Pereira Roseno

PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL

Caio Henrique Quinderé Castello Branco

Luiz Gastão Bittencourt da Silva

Cibely Maria Cláudio Sombra

DIRETORIA REGIONAL Antonia Regina Pinho da Costa Leitão

Carlos Roberto Nogueira de Vasconcelos

CONFECÇÃO DA CAPA-ESTANDARTE Vejuse Alencar de Oliveira

Denise de Sena Abintes Cobello

FOTOGRAFIA

Emanuela Galvão Páscoa

Davi Pinheiro

Francisca Kátia da Silva Lima Castro

ILUSTRAÇÕES

DIRETORIA ADMINISTRATIVA-FINANCEIRA

Francisco Granjeiro T. Neves (Mano Granjeiro)

Domingos Sávio da Costa

Hugo Fernandes Lemos

DIRETORIA DE PROGRAMACAO SOCIAL

Juliana Mendes Cruz

VÍDEOS

Maria Gorett Nogueira da Silva

Leni Oliveira da Silva Lima

Henrique Dídimo

ASSESSORIA DA DIREÇÃO Denise de Sena Abintes Cobello

Lidiana de Araújo Maciel Maria Silvia Oliveira de Lima Maria Vênus de Andrade Cunha

Vando Farias

COORDENAÇÃO SESC AUDIOVISUAL Caio Henrique Quinderé Castello Branco

GERENTE DE CULTURA

Marta Maria Araújo Pereira

Rosiane Oliveira (Dane de Jade)

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

Paulo Henrique Leitão dos Santos

Viraluz Design & Editorial

GERENTE DE EDUCACAO

Rafaelly Pinheiro Oliveira

Marta Maria Araujo Pereira

Rejane Maria Braga Cardoso

GERENTE DE LAZER Miguel Boaventura Fernandes Matos

Rita Susy D’avila Paiva Rosiane Oliveira (Dane de Jade) Vejuse Alencar de Oliveira

GERENTE DE SAÚDE Regina Barros Miranda GERENTE DE ASSISTÊNCIA Leda Maria Mendes de Azevedo GERENTE DO SESC FORTALEZA Vejuse Alencar de Oliveira sesc terreiro da tradição

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Contatos dos Grupos Banda de Pífanos do SESC

Companhia Catirina

(SESC Fortaleza) Rua Clarindo de Queiroz, nº 1740 – Centro CEP: 60.035-131 | Fortaleza-CE Tel: (85) 3452.9090 / 3464.9347 E-mail: culturafort@sesc-ce.com.br

Rua Mozart Pinto, nº 556 – Monte Castelo CEP: 70.325-670 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8705.6523 / 8894.0538 / 3223.1847 / 3063.0377 E-mail: ciacatirina@hotmail.com

Boi Ceará do Mestre Zé Pio Rua Vento Leste, nº 94 – Goiabeiras CEP: 60.332-380 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8837.9448 (Crisliano) E-mail: boiceara@hotmail.com / crislianocandido@hotmail.com

Cordão do Caroá (Casa José de Alencar) Avenida Washington Soares, nº 6055 – Alagadiço Novo CEP: 60.830-640 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8836.0958 / 8886.9671 E-mail: paulohleitao@hotmail.com / ezequiasmartinsarruda@yahoo.com.br

Boi Coração do Mestre Piauí

Discípulos de Mestre Pedro

Loteamento Humberto Martins, nº 100 – Alto da Colina CEP: 63.800-000 | Quixeramobim-CE Tel: (88) 9225.5815

Rua Hosana Pereira, nº 652 – João Cabral CEP: 63.050-650 | Juazeiro do Norte-CE Tel: (88) 3571.2048 / 9271.8628 / 8852.3199 E-mail: discipulosdomestre.pedro@gmail.com

Brincantes da Jandaiguaba Rua Freitas Barbosa, nº 16 – Jandaiguaba (Distrito Capuan) CEP: 61.000-600 | Caucaia-CE Tel: (85) 8627.5194 / 3342.6392 E-mail: oliver171@gmail.com

Caninha Verde de Mestra Gerta Rua Terra e Mar, nº 65 – Vicente Pinzon (Conj. Santa Teresinha) CEP: 60.181-120 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8621.5649 / 9690.1381 E-mail: caninhaverde2010@hotmail.com

Capoeira Cordão de Ouro SESC Ativo (Educar SESC Fortaleza) Av. José Bastos, nº 813 – Otávio Bonfim CEP: 60.325-330 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8613.6723 / 9972.4918 E-mail: pote_cordaodeouro@hotmail.com

Coco do Iguape Rua Coronel Oswaldo Studart, nº 197 – Iguape CEP: 61.752-000 | Aquiraz-CE Tel: (85) 8818.2911 / 8702.5421 E-mail: kleviadococo@gmail.com / kleviadoiguape@gmail.com

Coco do Pecém Colônia dos Pescadores do Pecém – S/N CEP:6267-4000 | São Gonçalo do Amarante- CE Tel. (85) 8768.3537- Francisco Braga Mendes (Assis)

Emboladores Marreco e Passarinho Marreco Travessa 13, nº 13 – Jardim Fluminense CEP: 60734-000 | Fortaleza-CE Tel: (85)8627.4408 (86) 9994.5917 E-mail: marrecoembolador@hotmail.com Passarinho Rua do Matadouro, nº 1812 – Passaré, Riacho Doce CEP: 60.743-340 | Fortaleza-CE Tel: (85) 3295.0836 / 8820.1014

Garajal Rua 18, nº 119 – Jereissati I CEP: 61.900-430 | Maracanaú-CE Tel: (85) 8792.7355 / 3382.2430 E-mail: grupogarajal@yahoo.com.br Blog: www.grupogarajaldeteatro.blogspot.com

Grupo Ânima de Bonecos Rua Vila Demétrios, nº 25 – Benfica CEP: 60.040-210 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8794.7611 E-mail: animabonecoencantado@yahoo.com.br

Mamulengo Estrela do Norte Rua Freitas Barbosa, nº 16 – Jandaiguaba (Distrito Capuan) CEP: 61.000-600 | Caucaia-CE Tel: (85) 8667.6837 / 3342.6392 E-mail: potengyguedes@gmail.com

Maracatu Az de Ouro

Reisado de Caretas Boi Coração

Rua Edite Braga, nº 395 – Jardim América CEP: 60.425-105 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8842.2374 / 9662.0674 / 3021.0449 E-mail: maracatuazdeouro1936@hotmail.com

Localidade Boa Água, nº 62 – Cipó dos Anjos CEP: 63.9000-000 | Quixadá-CE Tel: (88) 3412.1471 / 9915.7470 / 9601.5831 E-mail: boicoracaoboagua@yahoo.com.br

Maracatu Nação Axé de Oxossi

Reisado de Mestre Sebastião

Rua Justiniano de Serpa, nº 19 – Farias Brito CEP: 60.035-111 | Fortaleza-CE Tel: (85) 3223.4411 / 3283.2207 / 8618.7623 E-mail: janaina24@hotmail.com

Rua Farias Brito, nº 627 – Romeirão CEP: 63.000-000 | Juazeiro do Norte-CE Tel: (88) 9903.7191 / 8832.8067 / 9293.7705

Ora Sabá Omi - Afoxé Acabaca Rua Costa Barros, 2208 – Aldeota CEP. 60.160-281 | Fortaleza-CE Tel. (85) 8608.2615 / 9972.6278 / 9903.1602 / 8111.8736 E- mail: ivaldoama@bol.com.br

Pastoril Estrela de Belém TSI SESC Rua Clarindo de Queiroz, nº 1740 – Centro CEP: 60.035-131 | Fortaleza-CE Tel: (85) 3243.2919 / 9135.3310 E-mail: tsi@sesc-ce.com.br

Pastoris de Mestra Rita Costa Pastoril Estrela Luminosa Rua Marcílio Dias, nº 1470 – Cristo Redentor CEP: 60.310-750 | Fortaleza-CE Tel: (85) 8773.7195/3236.5501 E- mail: nubiagrapel@hotmail.com / nubia.grapel@hotmail.com Pastoril Nossa Senhora de Fátima Rua 8, nº 158 – Jereissati I CEP: 61.900-310 | Maracanaú-CE Tel: (85) 8690.7169 E-mail: alexandremneto2004@hotmail.com / dyllarte@bol.com.br

Reisado Metamorfose do Sertão - SESC Ler Rua Filomena Martins, s/n – Conj. São Gonçalo CEP: 62.670-000 | São Gonçalo do Amarante-CE Tel: (85) 9662.9157 E-mail: mcunha@sesc-ce.com.br

Reisado São Miguel Rua Jaime Docyr, nº 368 – João Cabral CEP: 63.180-000 | Juazeiro do Norte - CE Tel: (88) 8828.9081 E-mail: valdirvieira@gmail.com

Reisado SESC Nossa Senhora da Saúde Rua Dom Amaro, nº 387 – Varjota CEP: 60.176-240 | Fortaleza-CE Tel: (85) 3267.3817 / 8896.1841 / 8611.2044 E-mail: reisadonossasenhoradasaude@hotmail.com

Repentistas Dimas Mateus e Rubens Ferreira (Casa do Cantador) Rua Coelho Fonseca, nº 195 – Álvaro Weyne CEP. 60.335-050 | Fortaleza-CE Tel. (85)3236.2929 / (85)3236.2878 / (85)9646.3705 E-mail: acn@casadocantadorfortaleza.com.br Site: www.casadocantador.com.br

Pastoril Tia Rita Rua: 88, nº 348 – Setor H CEP: 61.800-000 | Pacatuba-CE Tel: (85) 8643.1129 / 8839.9580 E-mail: joanacosta@hotmail.com

Teatro de Caretas

Quadrilha Junina Esperança Nordestina

Toré dos Pitaguary

Rua Dom Amaro, nº 387 – Varjota CEP: 60.176-240 | Fortaleza-CE Tel: (85) 3267.3817 / 8896.1841 / 8611.2044 Email: quadrilhajuninaesperancanordestina@hotmail.com

Rua Carlos Chagas, nº 941 – Bom Sucesso CEP: 60.541-550 | Fortaleza-CE Tel: (85) 9972.2376 / 9621.9191 E-mail: teatrodecaretas@yahoo.com.br

Rua Manoel Pereira, nº 9491– Santo Antônio do Pitaguary CEP: 61.900-000 | Maracanaú-CE Tel: (85) 8819.6008 E-mail: a-p-i.py@hotmail.com


Esta obra foi composta em Chaparral Pro (tipografia projetada pela calígrafa e designer norte-americana Carol Twombly), utilizada para corpo de texto (11/14) e títulos (46/46) e Armordisplay (tipografia projetada pelos designers pernambucanos da Tipos do acaso) utilizada para as capitulares e vinhetas. Impresso em papel couché mate (240 g/m2 - capa e 120 g/m2 - miolo) pela Expressão Gráfica & Editora, em agosto de 2010.


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