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Para o Rio entrar nos trilhos
by Alerj
TRANSPORTE
Para o Rio entrar nos TRILHOS
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CPI criada pela Alerj busca soluções para a crise do sistema de trens da Região Metrololitana do Rio
TEXTOJULIANA MENTZINGEN E ROBERTO MALFACINI FOTOS RAFAEL WALLACE
Moradora de Realengo, na Zona Oeste do Rio, a estudante Luana Oliveira, de 24 anos, pega o trem do Ramal Santa Cruz até a estação Central do Brasil, de segunda a sexta-feira, para ir ao trabalho na Tijuca. Seu expediente se inicia às 9h, mas, por causa dos intervalos irregulares das composições da concessionária Super-
Via, o horário de chegada é sempre incerto. A situação piorou ainda mais com a suspensão dos trens expressos, que desde o início da pandemia de covid-19 estão operando como paradores. “Toda semana os trens atrasam, as estações ficam cada vez mais cheias e os vagões, superlotados. As pessoas sempre chegam atrasadas no trabalho por causa da falta de regularidade”, lamenta. O relato da Luana dá voz à rotina de sufoco dos 340 mil passageiros que transitam pelos 270 quilômetros da malha ferroviária, que corta 12 municípios da Região Metropolitana do Rio.
Para o diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Willian de Aquino, uma das razões da decadência socioeconômica do estado é a má qualidade da mobilidade urbana. “Existem regiões da capital e do estado, como a Zona Oeste e a Baixada
Fluminense, totalmente descobertas de mobilidade de transporte de média e alta capacidade. As pessoas ‘moram mal’ porque não têm como se deslocar. O transporte é fundamental para não haver problemas de segurança, educação e saúde. Não adianta colocar hospital, escola e comércio se ninguém consegue acessar”, explica.
O especialista compara o sistema de mobilidade urbana ao funcionamento do corpo humano. “Se não houver um sistema integrado de transporte, a cidade não vive. O sangue da cidade é a movimentação das pessoas. Se as pessoas não circularem, a cidade não respira, a indústria, o comércio e o serviço não funcionam”, completa.
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A precariedade do serviço oferecido à população e a falta de integração do sistema estão em discussão na Alerj, que, em fevereiro deste ano, instalou a CPI dos Trens. A cada audiência pública, os deputados questionam a operadora do sistema sobre os motivos das interrupções e dos atrasos nas viagens, a superlotação das composições, a acessibilidade e o valor da tarifa, além de outros problemas apontados pelos usuários. A presidente da comissão, deputada Lucinha (PSD), aponta ainda problemas estruturais. “A SuperVia tem que instalar banheiros nas plataformas, iluminação nas estações e garantir a acessibilidade às pessoas com deficiência, idosos e gestantes com escadas rolantes”, pontua. Outra reivindicação discutida pelo colegiado é a suspensão do reajuste da tarifa, prevista para passar de R$5 para R$7, um aumento de 40%. A SuperVia alega que a majoração é necessária para compensar a queda de 70% no número de passageiros na pandemia. “Tínhamos antes da pandemia 600 mil passageiros por dia, hoje são 340 mil. Precisamos transportar ao menos 450 mil passageiros por dia para que possamos cobrir os custos operacionais”, declarou o diretor-presidente da concessionária, Antônio Carlos Sanches. Lucinha, entretanto, diz que o argumento não é válido, pois os problemas já ocorriam antes mesmo do período de calamidade pública.
O QUE DIZEM OS PASSAGEIROS Presente nas audiências públicas realizadas pela CPI, a coordenadora do Observatório dos Trens, Rafaela Albergaria, diz que o serviço dos trens evidencia a incapacidade de se garantir o direito à cidade para pessoas mais pobres e moradoras de periferias, repercutindo no crescimento dessa população. “A gente entende que o transporte de mobilidade media a possibilidade da nossa existência, de ter acesso à trabalho, saúde, educação e lazer. O transporte já é o segundo maior gasto que compromete a renda das pessoas que vivem nesses territórios”, afirma a idealizadora do projeto que debate mobilidade a partir das demandas da população que utiliza os trens. Usuários de todos os ramais apontam irregularidade nos horários e falta de segurança nas estações e plataforDIARIAMENTE, 340 mil passageiros utilizam os trens da SuperVia. Eram 600 mil antes da pandemia
mas. O professor Pedro Nery, passageiro do Ramal Japeri, já foi roubado dentro da composição quatro vezes quando voltava à noite do município, onde estudava. “Todos os assaltos foram coletivos e aconteceram em trens mais antigos, em circulação desde 1960. Infelizmente não temos opção. Chegar e sair de Japeri por outro meio que não seja o trem é ainda mais difícil e caro”, conta. Segundo a vendedora Fernanda Santos, usuária do Ramal Belford Roxo, o maior problema é a irregularidade nos horários dos trens. “Estão sempre atrasados e a circulação sempre fica suspensa. Além disso, as pessoas precisam descer em Madureira e trocar de composição para chegar até a Central. Nos fins de semana, o intervalo é de uma hora e meia”, reclama. Já para a estudante Thamyres Lopes, usuária do Ramal Saracuruna, o que mais chama atenção é a falta de segurança nas estações, principalmente à noite. “A estação de Triagem, por exemplo, quando começa a escurecer fica deserta e mais perigosa”, disse. De acordo com a coordenadora do Observatório, o entorno de toda a extensão da linha férrea é um local muito mais violento para as mulheres, devido à falta de iluminação. “A estação Vila Rosali, no Ramal de Belford Roxo, tem saída para um cemitério. Várias mulheres nos relatam que não soltam ali depois que escurece. Elas descem na estação seguinte e andam cinco quilômetros para voltar para casa a pé, porque não têm como pagar outra passagem”, exemplifica.
QUAL É O CAMINHO A SEGUIR? Segundo o diretor da ANTP, enquanto permanecer o modelo tarifário de cobrir custos pagos apenas pelos passageiros, o destino vai ser sempre o mesmo: os sistemas não vão suportar. “Todos os países que têm transporte de mobilidade com o mínimo de qualidade, usam parte da tarifa paga pelos empregadores e parte paga pela sociedade, através dos impostos. Não adianta achar que a tarifa vai cobrir todos os custos. Esse modelo é ultrapassado e falido”, destaca Aquino. Para ele, uma das soluções seria a criação de um fundo de transporte público com despesas bem definidas de todos os agentes que geram custo. Além disso, é preciso um plano de integração física para a questão tarifária
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DEPUTADOS realizaram vistorias em quatro ramais do sistema da SuperVia
PLANO EMERGENCIAL Falta de investimento em manutenção e de segurança resumem os problemas do sistema dos trens urbano. Durante a CPI, o presidente da SuperVia, Antonio Carlos Sanches, informou que somente em 2022 ocorreram 347 furtos de equipamentos, como cabos e parafusos, quase quatro vezes mais do que a empresa registrou em 2021. Em 12 das 104 estações de trem não há sistema de câmeras de segurança, e há relatos da ação de traficantes. Para o deputado Luiz Paulo (PSD), a SuperVia precisa de um plano de investimento emergencial, que considere o processo de recuperação judicial da concessionária. “Os trens são os organizadores do sistema de transporte metropolitano. Se eles pararem, o sistema entra em colapso. A tarifa não pode ter mais aumento nenhum porque, se fizer isso, perde passageiro. A concessionária nos disse que fez um acordo com os credores para alongar um pouco o perfil do pagamento para ter um fluxo de caixa. Tem que aparecer o dinheiro para investir, principalmente, na manutenção, para fazer funcionar direito aquilo que está funcionando muito mal. Para isso, será preciso uma negociação entre a SuperVia, o Governo do Estado, a Agência Reguladora e a Defensoria Pública, representando os usuários”, analisa o deputado.
Rafaela Albergaria Coordenadora do Observatório dos Trens e melhoria dos pontos de integração de um modal para o outro. “As pessoas não podem sair de um ônibus, subir e descer metros de escada para acessar a plataforma de trem. Tem que ter cobertura nos pontos de ônibus e estações para as pessoas não ficarem ao relento. O Bilhete Único Intermunicipal precisa de uma integração tarifária mais barata para incentivar a integração, em vez das viagens diretas. É preciso planejar transporte humano, e não transporte urbano, para se ter uma cidade com qualidade de vida”, acrescenta.