Director's Cut - Cronenberg

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NOVEMBRO 2012 DAVID CRONENBERG THE WATCH O TEMPO PODE MATAR


ESPM - CSO2C TEORIA DA COMUNICAÇÃO II PROF. JOÃO CARLOS GONÇALVES

ALÉSSIO PEREZ BÁRBARA SARQUIS RAFAELLA BLASOTTI VÍTOR GUIMARÃES

IRECTOR’ UT


ÍNDICE INTRODUÇÃO GÊNIO OU LOUCO?......................................................................4

DAVID CRONENBERG BIOGRAFIA.........................................................................................7 FILMOGRAFIA..............................................................................10 MARCAS DE AUTORIA..................................................................12 CRÍTICAS COMENTADAS.............................................................14 ANÁLISES SEMIÓTICAS................................................................32

THE WATCH O TEMPO PODE MATAR ROTEIRO........................................................................................39

CONCLUSÃO GÊNIO E LOUCO..........................................................................42

REFERÊNCIAS.................................................................44


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INTRODUÇÃO “Como cineasta, eu faço perguntas mas não tenho respostas. Fazer filmes é uma exploração filosófica. Eu convido a plateia a vir para a jornada e descobrir o que eles pensam e sentem.” DAVID CRONENBERG Gênio ou louco? Esta edição tem como tema a vida e obra do diretor canadense David Cronenberg, e é resultado da pesquisa realizada pelo grupo sobre sua filmografia, suas características, seu imaginário e sua mensagem. Após assistir na íntegra sua filmografia, analisar comentários e críticas da imprensa especializada, após assistir à documentários e entrevistas, analisar citações, assim como material gravado por trás das câ-

meras durante a produção de seus filmes, e até mesmo após produzir um curta-metragem baseado em suas obras, decifrar David Cronenberg ainda é uma tarefa desafiadora. Parasitas, banhos de sangue, cabeças explodindo, máfia russa, ratos, bebês mutantes, violência, homensmosca, realidade virtual, ou não, mentes atormentadas, corpos atormentados, realidades atormentadas. Seja bem vindo a David Cronenberg.

“Todos temos a doença - a doença de ser finito. A morte é a base de todo o horror” DAVID CRONENBERG

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AVID RO EN ERG


David Paul Cronenberg nasceu em Toronto, Canadá, no dia quinze de março de 1943. Seu pai, Milton, era escritor e jornalista e sua mãe, Esther, pianista. Sua irmã, Denise, é a figurinista de todos os seus filmes. Desde pequeno, Cronenberg escrevia histórias sangrentas e violentas, e, não à toa, hoje é conhecido como “O Barão do Sangue” e “O Rei do Horror Venéreo”. Criado em uma família de classe média judia, estudou no Instituto Hardbord Collegiate, na qual a maioria dos alunos, na época, era judia. Estudava Ciências na Universidade de Toronto, mas acabou desistindo do curso para se formar em Literatura. Cronenberg ficou casado com sua primeira esposa, Margareth Hindson, de 1970 a 1977. Em 1979, casou-se com a sua segunda esposa, Carolyn Zeifman, com quem está até hoje. Cronenberg é pai de Cassandra (filha de Margareth), Caitlin e Brandon (filhos de Carolyn). Enquanto estava na fa-

culdade, Cronenberg escreveu, dirigiu, filmou e editou dois curta-metragens: “Transfer” (1966) e “From the Drain” (1967). Em seguida, fez mais dois filmes experimentais de ficção-científica, chamados “Stereo” (1969) e “Crimes of the Future” (1970), que deixaram claro a sua inclinação para temas excêntricos. O filme que marcou sua entrada no mercado foi “Shivers”, de 1975, mas foi com “Scanners” (1981) que ele passou a ser mais reconhecido e respeitado pela crítica, ganhando fama com a “explosão de cabeças”.

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BIOGRAFIA

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Em 1984, o diretor ganhou o Genie Award por “Videodrome” (1983), filme que trata sobre um canal de televisão que altera profundamente a mente e o corpo das pessoas que o assistem. Após dirigir mais alguns filmes, “Naked Lunch” (1991) foi um enorme sucesso. Uma adaptação do livro de William S. Borroughs, que tem o mesmo nome, o longa de Cronenberg ganhou sete Genie Awards (incluindo Melhor Diretor) e foi indicado para mais três. Além disso, ganhou o NSFC Award por Melhor Diretor e Melhor Roteiro; o NYFCC Award por Melhor Roteiro e Melhor Atriz Coadjuvante; e o BSFC Award por Melhor Roteiro. Também foi indicado para o Urso de Ouro e ao International Fantasy Film Award por Melhor Filme. Em 1999, foi lançado “eXistenZ”, primeiro filme com roteiro original desde “Videodrome”. Nesse filme, Cronenberg fala, novamente, sobre a relação entre os seres humanos e a tecnologia: as pessoas se conectam

a jogos de realidade virtual através de uma “bioentrada” localizada na base da espinha. Foi também nesse ano que o diretor entrou para a Calçada da Fama do Canadá. Em 2002, Cronenberg foi nomeado Secretário da Ordem do Canadá, e em 2004 a revista de ficção-científica Strange Horizons o nomeou o segundo melhor diretor do gênero da história, na frente de diretores mais conhecidos, como Ridley Scott, James Cameron e Steven Spielberg. Além disso, nesse


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mesmo ano, ficou em nono lugar na lista dos quarenta melhores diretores, publicada pelo jornal The Guardian. Dois anos depois, ganhou o Carrosse d’Or, prêmio do Festival de Cannes, e em 2007 foi eleito um dos maiores diretores de todos os tempos pela revista especializada Total Film. Seu filme mais recente chama-se “Cosmopolis”, que conta a história de um bilionário de Nova York (interpretado por Robert Pattinson) que quer cortar o cabelo do outro lado da cidade, que está um caos por causa da visita do presidente dos Estados Unidos. Nesse trajeto, uma série de coisas acontecem e as pessoas ao seu redor começam a destruir o seu mundo.

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FILMOGRAFIA 1966: “Transfer” (curta-metragem)

1967: “From The Drain” (curta-metragem) 1969: “Stereo” 1970: “Crimes of the Future” 1975: “Shivers” 1977: “Rabid” 1979: “The Brood” 1981: “Scanners” 1983: “Videodrome” 1983: “The Dead Zone” 1988: “The Fly” 1988: “The Dead Ringers” 1991: “Naked Lunch” 1993: “M Butterfly” 1997: “Crash” 1999: “eXistenZ” 2002: “Spider” 2005: “A History of Violence” 2007: “Eastern Promises” 2011: “A Dangerous Method” 2012: “Cosmopolis”

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MARCAS DE AUTORIA

David Cronenberg possui marcas de autoria bastante características, presentes em todas as suas obras. Seus filmes retratam as mudanças em suas principais personagens, tanto físicas, quanto psicológicas, ocasionadas, na maioria das vezes, pela interferência da tecnologia em suas vidas, tornando os personagens dependentes dela, praticamente como parasitas. Como pode ser visto em “Videodrome” e “eXistenZ”, esse tema é tratado de forma clara: no primeiro filme, a vida dos personagens muda completamente ao assistirem a um certo canal de televisão. No segundo, os personagens passam a viver em um jogo de realidade virtual, até o espectador não saber mais se o que está acontecendo é vida real ou jogo. Outra marca dos filmes de Cronenberg é a atuação dos personagens: eles são, em sua maioria, inexpressi-

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vos; não demonstram muitas emoções, são frios. Essa característica fica muito clara em “Cosmopolis” , no qual o personagem principal, Eric Parker, permanece o filme todo com expressões muito semelhantes e sérias. Os cenários dos filmes são escuros, normalmente fechados e claustrofóbicos. Além disso, a maioria das trilhas sonoras, elemento fundamental nas suas obras, é composta por Howard Shore. Cronenberg se coloca como espectador nas obras. O diretor prefere, em suas composições, manter a câmera estática. Além disso, durante os diálogos, a câmera mostra apenas o tronco e os rostos dos personagens. Desse modo, o cineasta não formula grandes teorias, nem procura influenciar o receptor. Apenas retrata friamente uma realidade cada vez pior, deixando-nos como juízes.



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CRÍTICA COMENTADA

“Cosmopolis” – Folha de antinaturalistas, em que os personagens parecem, talS. Paulo vez, drogados. Ou sonados Crítica: ‘Cosmópolis’ como velhos boxeadores mostra busca infinita por po- depois de apanhar. É assim nos primeiros diáloder INÁCIO ARAUJO
 - 07/09/12 gos do filme, em que o motorista adverte Eric Packer CRÍTICO DA FOLHA (Robert Pattinson) de que “Cosmópolis” é um re- aquele será um dia de trântorno a David Cronenberg. sito terrível, porque vai pasNão o Cronenberg de Freud sar o presidente. “Que presie Jung, não o dos mafiosos dente?”, replica Packer. O importante é que ele russos --estavam muito OK esses filmes mais recentes, deseja cortar o cabelo. Senmil por cento acima da mé- do assim, trata de entrar dia que vemos no cinema. em sua limusine. A limusine Desde a abertura, porém, de que é inseparável, onde “Cosmópolis” é outra coisa: permanecerá até o final do parece o jovem Cronenberg. filme. Aquele das interpretações Packer é um jovem mag-

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nata das finanças. Acaba de fazer uma aposta contra o yuan -tudo lhe diz que a moeda chinesa não deve ultrapassar um dado patamar. Que importância tem isso? Toda e nenhuma. Toda: nessa aposta ele jogou o que tinha e o que não tinha (é o que se chama de alavancagem). Nenhuma: ele parece indiferente ao risco, tal a certeza de que não é capaz de errar. Dito isso, a vida segue. Logo ele recebe Didi (Juliette Binoche), consultora artística. Ela revela que existe um Rothko dando sopa. “Não basta”, responde Eric. Ele quer comprar a capela Rothko (Houston, Texas). Para Packer não há limite. Mas, pode-se perguntar, existe vida? Por que ele quer comprar a capela? Porque tem um dinheiro infinito. E esse dinheiro, para quem já tem tudo, não significa nada, exceto poder.
E quando se tem poder é preciso buscar mais poder. Essa busca é infinita. O jovem Packer pode transar no

seu carro, mas não demonstra nenhum prazer nisso. Ou pode dar um tiro em um auxiliar, sem se abalar. Nada significa nada para ele. Se estamos próximos do Cronenberg do século passado, quando tratava com tanta frequência de seres em estado de mutação, é porque Eric Packer é também, a seu modo, um mutante: o homem-limusine. Pois a limusine branca que habita também não significa muito: existe apenas para definir uma categoria de mutantes, os seres ligados ao mercado de capitais. Eles representam o capitalismo em seu estágio mais recente. Não se trata mais de produzir. Esse capital só consegue se reproduzir, se multiplicar. Esse é Eric Packer. EMOÇÃO E PODER Não estamos mais às voltas com um manipulador, como em “Wall Street”, nem com o deslumbrado de “A Fogueira das Vaidades”. Packer não tem medo nem prazer. Não conhece nenhu-

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COSMOPOLIS

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ma espécie de emoção que não venha da acumulação (e da demonstração) de poder. É o homem-limusine, inexistente como um zumbi e perigoso como uma arma de fogo: essa duplicidade será demonstrada em muitos

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diálogos e poucos cenários. Pois “Cosmópolis” é um filme de que deve fugir quem procura “ação”. Um filme que amará quem percebe quanta ação está ali implicada.


A crítica feita por Inácio Araujo, da Folha de São Paulo sobre o filme de David Cronenberg, “Cosmópolis”, vai de encontro com o que o grupo pensa sobre o filme: é o retorno do diretor há suas origens. Depois de filmes como “Um Método Perigoso”, que pode ser considerado mais “normal” ou “comum”, vemos em “Cosmópolis” um filme com uma crítica intensa sobre a sociedade e, especificamente, ao capitalismo, que é explorada de forma atípica do que vemos em outros diretores. Como costumava fazer, Cronenberg volta a explorar a mutação de seus

personagens, transformando-os em sua própria alegoria. Inácio Araujo comenta que “Eric Packer é também, a seu modo, um mutante: o homem-limusine.”. O crítico também aponta marcas de autoria típicas do diretor, como personagens pouco expressivos e pouca mudança de cenários (cenários internos), estes sendo fechados e claustrofóbicos, mostrando assim uma reaproximação maior com trabalhos antigos de Cronenberg que foram percebidas pelo grupo ao longo de nossos estudos.

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COMENTÁRIOS DO GRUPO

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CRÍTICA COMENTADA

“Marcas da Violência” – Cri- fantasia das HQ. Temos o vilão misterioso e assustador, ticos.com.br de rosto marcado por cicaA RAIZ DO MAL NO PRÓPRIO trizes e um olho de vidro, em UMBIGO confronto com o pacato pai de família de cidade do interior, que nas horas de perigo Por MARCELO JANOT 15/11/2005 se transforma num autêntico super-herói sem uniforme, O fato de Marcas da Vio- habilíssimo no manejo com lência ser adaptado de uma armas e quase à prova de história em quadrinhos ajuda balas. Ao redor deles, gravia entender o porque de per- tam a mãe dedicada e fiel, o sonagens com característi- filho exemplar que é persecas tão arquetípicas de uma guido pelo típico bad boy da certa sociedade americana, escola, o xerife bonachão e junto com aqueles que pa- aqueles amigos que passam recem saídos do universo de o dia jogando conversa fora

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na lanchonete. É um mundo idealizado onde a violência não tem vez e só há lugar para gente de Bem, como afirma o orgulhoso xerife ao tentar expulsar dali o gângster que surge como elemento de desordem em tão inabalável rotina. Só que Marcas da Violência, antes de ser uma versão filmada de uma HQ, é um filme de David Cronenberg. No cinema deste diretor canadense, isso implica em um mergulho pelos caminhos mais inexplorados da mente do ser humano. Assim, se a história em quadrinhos de John Wagner e Vince Locke se ocupava mais com a trama de aventura e suspense envolvendo um grupo de mafiosos, a Cronenberg o que interessa é o indivíduo, como este se apresenta e se relaciona com o mundo ao seu redor. Como em Spider, seu filme anterior, temos a história de um homem em conflito interior por causa de seu passado. Claro que em situações e ambientes completamente diferentes, mas

como estudo de personagens, são legítimos Cronenbergs. A forma como ele trabalha o tempo já é o primeiro sinal de que o espectador não está diante de um filme de suspense comum, como as situações-clichê poderiam sugerir. Um longuíssimo plano praticamente fixo, em que dois homens conversam após terem cometido uma chacina, é o cartão de visitas. Corta para a menininha tendo pesadelos com um monstro imaginário e sendo

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MARCAS DA VIOLÊNCIA

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reconfortada pela família. A mãe quer realizar uma fantasia fazendo sexo com o marido vestida de colegial. A cena também é longa, causando estranhamento, que será explicado mais tarde ao se associá-la ao momento em que eles voltam a fazer sexo, com a mesma intensidade, mas em atmosfera quase oposta. Num curto espaço de tempo, situações se repetem, mas Cronenberg já virou o mundo daquelas pessoas de cabeça pra baixo. Vejamos agora o exem-

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plo da transformação sofrida pelo filho pós-adolescente do casal: na primeira vez em que é confrontado pelo bad boy, bota o galho dentro usando um discurso medroso, de recuar para evitar o conflito. Depois que o pai, por uma causa nobre, estoura os miolos de bandidos, ele se sente à vontade para descarregar contra o colega de escola o instinto de violência que carregava, inerte, dentro de si. Ou seja: será que carregamos dentro de nós esse instinto violento que, a despeito da educa-


da política governamental de George W. Bush. Tom Stall (Viggo Mortensen), o cidadão acima de qualquer suspeita, se vê frente a frente com o inimigo (Ed Harris) de ficha suja, que chega irredutível com um discurso misterioso e fazendo terror psicológico. Resta alguma dúvida de quem seja o Bem e o Mal? Na América interessada muito mais em aniquilar de uma vez o inimigo, não há espaço para procurar a raiz do Mal dentro do próprio umbigo. Cronenberg sabe como cutucar uma ferida até sair pus, mas não oferece o remédio para a cicatrização.

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ção que recebemos, pode ser despertado graças ao exemplo daquele que propositadamente ou não, nos autoriza a isso? A violência sempre está presente em seus filmes, de forma explícita, excruciante, mas aqui ela é mais do que o meio pelo qual os personagens se manifestam: ela é o fim, como o título original (History of Violence) já anuncia. Ao invés de os personagens apenas se servirem da violência, são reféns dela. Cronenberg faz um estudo da violência através do indivíduo, com toda a peculiaridade que o seu cinema possui. E ao mesmo tempo oferece uma leitura crítica

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COMENTÁRIOS DO GRUPO Assistir a um filme de David Cronenberg não é uma experiência fácil. Nunca foi, e esperamos que nunca seja (Cronenberg, com seu filme desse ano, Cosmópolis, ainda mantem sua essência. A mesma que notamos desde Stereo em 1969). Ele mostra uma incrível desconstrução, um buscar de raízes. Cronenberg, a um espectador desavisado, não formula grandes teorias, não tem uma grande pretensão de mudar o mundo, afinal, mudar o mundo é uma utopia quase adolescente. Ele simplesmente escancara alguns demônios que carregamos dentro de nós, como em Marcas da Violência. Quão longe estamos de nos transformar completamente? Em qual calo preci-

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sariam pisar para que precisássemos cometer atos que vão contra tudo em que acreditamos? David Cronenberg, desde sempre, mostra uma ideia de futuro caótico, seja olhando daqui a décadas ou mostrando o quanto estamos brincando com fogo a cada momento. As transformações que esse brilhante cineasta canadense nos mostra nesse filme uma história de violência – como diz o título original. Sendo que o espectador pode encará-la como um simples conto, ou como resultado de toda a história de uma cultura que tem a base em dominações, atos violentos e a opressão do cotidiano que podem levar alguém a mudar completamente.



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CRÍTICA COMENTADA

“Spider” – Criticos.com.br

CRONENBERG DE VERDADE Por MARCELO JANOT 09/01/2003 De tanto explorar os recônditos doentios da mente humana, o cineasta canadense David Cronenberg parece cada vez mais à vontade em suas viagens pela psique. Scanners, Videodrome, A Hora da Zona Morta, A Mosca são títulos que lhe valeram, nos anos 80, a alcunha de mestre do horror psicológico. A partir de Gêmeos: Mórbida Seme-

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lhança, seu cinema ganhou uma sofisticação estética que de certa forma foi rompida pelo experimentalismo de Crash: Estranhos Prazeres e eXistenZ. Com Spider – Desafie Sua Mente, ele volta a causar estranhamento, mas desta vez por motivo inverso: o filme é de um formalismo inédito na obra de Cronenberg, mas na essência seu cinema está ali, reconhecível em estado bruto. Tudo no filme é visto sob o ponto de vista de Dennis Cleg (Ralph Fiennes), um sujeito que volta ao bairro onde passou a infância,


após 20 anos em uma instituição para deficientes mentais. Uma volta nada triunfal. O presente não é uma negação, mas sim uma afirmação de seu passado, e a noção de tempo se mistura em sua mente, descortinando uma história familiar trágica e traumática. Como nada é muito claro para Dennis, também não é para o espectador, convidado involuntário dessa viagem-pesadelo por sua mente esquizofrênica. De posse de um caderninho de anotações, Dennis revisita os momentos difíceis de sua infância ao lado do pai (Gabriel Byrne), da mãe e depois da madrasta, apresentada como uma prostituta (ambas vividas por Miranda Richardson). Introspectivo, o passatempo predileto do menino era formar teias de fios pelo quarto, daí o apelido de Spider (Aranha). Defender o filme a partir das brilhantes atuações de Fiennes e Miranda seria muito fácil; atacá-lo acusando -o de psicologia barata também, dada a subjetividade

do que pode se chamar de “psicologia barata”. O que vale atentar é para o fato de que Cronenberg, com sua narrativa seca e minimalista, valorizada pelos detalhes (os closes nas unhas sujas, a forma como ele observa a gargalhada da prostituta, etc), nos oferece uma visão muito mais original, verdadeira e profunda do sujeito esquizofrênico do que filmes como Uma Mente Brilhante e Shine, por exemplo. Mérito também para a atmosfera sombria, cinzenta, desenvolvida pelo desenhista de produção Andrew Sanders em trabalho conjunto com o diretor de fotografia Peter Suschitzky, assim como o roteirista Patrick McGrath (que adaptou seu próprio ro-

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SPIDER

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mance), que envolve a platéia nesta teia circular que, quanto mais parece desfeita, mais cresce. Apesar de poder ser considerado “estranho” pelos espectadores que não estão tão acostumados com filmes que se explicam pelas imagens em silêncio e não têm o hábito de ver uma mesma atriz interpretando dois papéis que se confundem, não há motivos para comparar Spider com Cidade dos Sonhos, por exemplo. Cronenberg, ao contrário de David Lynch, não joga com o espectador através das idas e

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vindas no tempo, personagens que surgem e desaparecem sem explicações, etc. Tudo em Spider se justifica pela confusão mental do personagem, inclusive o surpreendente desfecho. No final das contas, ele acaba se filiando a um gênero único: “filme de David Cronenberg”.


Uma perturbação de sentidos que influenciou até a Darren Aronofsky em Pi. É uma das sensações de Spider. Cronenberg clia um ambiente claustrofóbico, arquitetado pelo excesso de cinza, elevado pela atuação brilhante de Fiennes e pelo fato de que ele, David Cronenberg, é um dos poucos capazes de transformar um livro em um filme a altura. Como já havia feito em Crash e viria a fazer em Um método perigoso e Cosmópolis, Cronenberg consegue criar uma obra estilizada e ao mesmo tempo fidelíssima a original. Spider é um desafio a todos os sentidos, é perturbadora, pelas cenas, pelas brilhantes atuações e até pelos si-

lêncios da trilha executada pelo genial Howard Shore, silêncios que chegam a ser, por mais clichê que seja a expressão: ensurdecedores. Como muitas vezes, o cineasta se coloca e nos põem como espectador. Em uma linguagem “achem o que quiserem”, Cronenberg nos deixa como juízes do que aconteceu, mostrando uma história extremamente intimista e perturbadora, de uma maneira fria. Alterando o tempo de acordo com o que a personagem pensa (ou será que não?) Spider é uma obra brilhante para desafiar os sentidos. Para que olhemos para dentro e pensemos: Será que eu estou prestes a implodir?

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CRÍTICA COMENTADA

“Um Método Perigoso” – O tra seu classicismo formal, considerado inadequado Globo ao padrão narrativo de seu No Divã com David Cronen- realizador, o canadense David Paul Cronenberg (“Scanberg ners”), acostumado a filmes Por RODRIGO FONSECA 
 O Globo | 16:17h | com vísceras à mostra. Mas não é difícil encontrar sime06.jul.2012 tria para o longa-metragem ‘Um método perigoso’ — que não tem obrigação (“A dangerous method”) vem alguma de ser um tratado sendo mediocrizado desde cientificamente embasado sua exibição na disputa pelo sobre psicanálise — na obra Leão de Ouro do Festival de do cineasta. Basta citar “M. Veneza, em setembro, sob a Butterfly”, que Cronenberg acusação de simplificar as rodou em 1993. Os sintomas teses de seus personagens: estéticos são os mesmos. 

 Sigmund Freud e Carl Gustav Lá, num diálogo meloJung. Protesta-se muito con- dramático com a peça ho-

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mônima de David Henry Hwang, roteirizada pelo próprio dramaturgo, o cineasta usou a cartilha do folhetim para narrar uma história de amor entre um diplomata (Jeremy Irons) e uma cantora de ópera (John Lone) que nasceu $. No drama de “M. Butterfly”, Cronenberg encontrou matéria-prima para discutir uma de suas questões centrais (onipresente em “Um método perigoso”): a castração. Em seus filmes, a liberdade de criar (e viver) é castrada por interditos éticos (“Videodrome”; “Gêmeos $— Mórbida semelhança”), epistemológicos (“A mosca”; “eXistenZ”), criminais (“Marcas da violência”) ou sexuais (“Crash — Estranhos prazeres”). Essa reflexão volta a escoar quando Cronenberg discute os limites científicos na prática processual de análise de Jung. 

 De novo, trata-se de uma adaptação de peça — “The talking cure” — na qual o autor é roteirista: Christopher Hampton, o mesmo de “Ligações perigosas”.

E, como em “M. Butterfly”, o exercício ilícito do prazer é retratado em vestes de melodrama romântico: em 1904, Jung (defendido com brio por Michael Fassbender, de “Shame”) estabelece uma relação que extrapola a conduta clínica com a paciente Sabina Spielrein (Keira Knightley). Diagnosticada histérica, Sabina, que se contorce entre espasmos (evocando caracterizações de filmes anteriores do cineasta), excita-se com a humilhação. E Jung se rende ao desejo por ela (e pelas potencialidades analíticas que ela oferece). Duas figuras, Otto Gross (Vincent Cassel, demolidor) e um Freud cínico (Viggo Mortensen) põem em xeque as certezas do analista que estudaria o homem e seus símbolos. Pai simbólico de Jung, Freud passa a rival dele numa atordoante atuação de Mortensen.

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UM MÉTODO PERIGOSO

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COMENTÁRIOS DO GRUPO

O filme “Um Método Perigoso” pode ser considerado, e muitas vezes o é, como um ponto fora da curva de David Cronenberg. Esse julgamento pode ocorrer devido às características estéticas do filme que não são encontradas nos filmes mais antigos e clássicos do diretor (como, por exemplo, a quantidade enorme de cenas externas). Porém, Rodrigo Fonseca, crítico de O Globo, demonstra que o filme se relaciona com o que Cronenberg está acostumado a fazer em outra esfera, não tanto a da estética, mas

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a do conteúdo, e inclusive fazendo uma comparação com “M. Butterfly” e outros filmes. Neste filme o diretor demonstra de forma polêmica a relação entre o desejo interior das pessoas e as próprias teorias de Freud e Jung. Mesmo com algumas diferenças entre este filme e antigas obras de Cronenberg, também observamos algumas semelhanças; como a câmera parada utilizada várias vezes durante os diálogos, os próprios diálogos e a o teor crítico do filme.



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ANÁLISE SEMIÓTICA

O filme eXistenZ trabalha o relacionamento homem-máquina, assim como a tecnologia afetando e/ou criando realidades na mente humana. Lançado meses antes de Matrix, eXistenZ trata do mesmo tema de confusão entre realidade “artificial” e “física” e, no melhor estilo cronenberguiano, retrata de forma pessimista, visceral e grotesca a intervenção da tecnologia no corpo humano Na cena que primeiro mostra a “bio-port”, orifício instalado no corpo humano para conexão com o jogo eletrônico, e a introdução “game-pod” nessa porta, pode-se fazer um paralelo com um cordão umbilical, e com o próprio senso de maternidade. Quando da instalação da “bio-port” no usuário, há uma clara relação com próprio parto, visto a anestesia epidural aplicada no usuário. O “game-pod” é claramente inspirado em um corpo feminino, onde o botão de

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controle lembra claramente um mamilo. Esse corpo feminino contém toda a informação do jogo, e o usuário é alimentado de realidade por esse “organismo” por meio de um cabo que representa o cordão umbilical. Pode-se ainda traçar um paralelo entre sexualidade e maternidade, já que por via da inserção do aparelho no corpo humano – manobra essa que deve ser realizada após lubrificação prévia do orifício “bio-port” – o usuário visa obter prazer e satisfação com o jogo. Para se obter prazer – para se entrar no jogo – devese estimular o “game-pod”, que responde ao toque enquanto o usuário entra em um estado hipnótico de prazer Como em outros filmes, a exemplo de The Brood Filhos do Medo, a maternidade é tratada como uma doença parasítica, ou seja, o usuário do jogo parasita o feito tecnológico a seu bel -prazer.


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eXistenZ

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ANÁLISE SEMIÓTICA “A tela da televisão é a retina do olho da mente. Assim a tela da televisão é parte da estrutura física do cérebro. Dessa forma tudo que aparece na tela da televisão emerge como uma experiência crua para aqueles que assistem. Dessa maneira, televisão é realidade, e a realidade é menos que a televisão” Esse discurso da personagem Brian O’Blivion coloca a televisão como parte do organismo humano, e Cronenberg retrata, mais uma vez, a influência da tecnologia no corpo humano, assim como a crescente dependência nos meios tecnológicos, colocando o homem no patamar de parasita em relação à tecnologia. Pode-se fazer uma relação da busca por realidade

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por meio da televisão, realizada pela personagem Max Renn, com o mito da caverna de Platão, só que, no caso do filme, a personagem é capturada pela ilusão, ao invés de se ver livre dela. A frase de efeito “Long live the new flesh”, que se tornou uma marca do diretor David Cronenberg, é retratada no filme como uma relação do tumor crescente na personagem principal, que representa uma união da carne com a máquina, do físico com o tecnológico. O tumor de Max Renn é a própria materialização física do vídeo, da televisão, em seu corpo


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VIDEODROME

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O TEMPO PODE MATAR

HE ATCH



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ROTEIRO

O filme se inicia com uma introdução abstrata ligada à temática do filme, com créditos iniciais. As personagens “Chefe”(Aléssio Perez) e Cristina (Bárbara Sarquis) discutem então que a personagem Igor (Vítor Guimarães) deve ser afastado da pesquisa que conduz, pois tem não tem plena consciência do valor e do risco que sua descoberta tem. No dia seguinte à conversa entre o Chefe e Cristina, Igor pede uma cópia do projeto para ela. Impossibi-

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litada de discordar, ela não tem outra opção a não ser lhe entregar. Em seguida vemos Igor andando em direção a um encontro com o Chefe, em um ambiente externo com a cidade de fundo. O Chefe demonstra estar preocupado com a saúde mental do físico, e o relembra de um acontecimento passado, conhecido como “Experimento Filadélfia”, no qual os americanos experimentam com a teoria de campo unificado de Einstein, deixando claro que o tempo é algo que não


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esta sob nosso controle. Igor, então, mostra não se importar com as consequências que seu experimento pode tomar, e diz “Nossa própria existência, como se fossemos parasitas do tempo. Cada dia que passa é um dia a menos.”. O Chefe, continua contando o fato ocorrido com a Marinha Americana, na tentativa de persuadir Igor, que responde: “Eles morreram do mesmo jeito que eu e todo o mundo vai morrer se eu não conseguir com que isso dê certo.”. Em uma última tentativa de tirar Igor do projeto e o proteger, o Chefe diz que irá tirar todas as credenciais do físico, e que esse precisa descansar. Igor então sai caminhando, e podemos ver que ele tem o projeto no bolso. Ao fim desse dia de trabalho, vemos Igor a caminho de sua casa. Ao entrar em seu apartamento, ele retira seus pertences do bolso, e vai em direção ao bar, aonde sua mulher o espera.

O ambiente, diferente de famliar e reconfortante, é frio e impessoal. Ela lhe diz que faz seis dias que ele não volta para casa, e é notável a falta de interesse de Igor nela. Ele diz que a pesquisa saiu do controle, e que não pode envolver ela nisso. Após um momento de tensão entre os dois, o casal se beija, e a cena é cortada. O “Chefe” então recebe uma ligação de Cristina, que revela que Igor conseguiu uma cópia do projeto. O “Chefe” diz então que este foi o último erro de Cristina.

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Na próxima cena, vemos a esposa de Igor amarrada à cama, inconsciente, e Igor fugindo com o projeto. Há então um corte para Cristina, encontrada morta no banheiro, provavelmente por ordem do “Chefe”, farto de seus erros. O “Chefe” então encontra a esposa de Igor amarrada na cama e, enquanto a liberta, descobre sobre a fuga de Igor, deixando claro que sabe onde ele se escondeu. Vemos em seguida Igor chegando em seu laboratório, num lugar desorganizado e sujo, o que reflete seu estado mental. Igor então inicia a produção de sua máquina, e a testa com sucesso. A esposa então chega ao laboratório e encontra Igor perturbado e paranóico, sabendo que o “Chefe”o procura, e se vê obrigada por Igor a entrar na máquina, que dessa vez não funciona como deveria. O “Chefe”, então, chega ao laboratório, e retira o corpo da esposa de Igor da máquina, mas encontra Igor

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armado, e os dois sentam para uma conversa. Após tentar convencer Igor a parar sua experiência, o “Chefe”é atingido por um tiro, mas sobrevive, e sai em uma perseguição a Igor. O “Chefe” consegue fechar o carro de Igor, sair do carro e ir de encontro a ele, derrubando-o. Os dois tem uma última conversa, e então o “Chefe” nocauteia Igor, deixando-o inconsciente. Há um corte, então, para Igor acordando em sua própria casa, e ao ver o relógio em seu pulso, descobre que sua obsessão pelo controle do tempo fez o seu corpo assimilar o relógio, em uma cena grotesca ao estilo de David Cronenberg. O filme é cortado para os créditos finais, deixando o espectador em dúvida acerca da realidade do ocorrido.



NOVEMBRO/12

CONCLUSÃO “Todo mundo é um cientista louco, e a vida é seu laboratório. Toos estamos realizando experimentos para achar uma maneira de viver, de resolver problemas, de afastar a loucura e o caos” DAVID CRONENBERG Gênio e Louco. David Cronenberg e sua temática relacionada ao crescimento da tecnologia, assim como da sua dependência pelo homem, acaba antecipando muitos temas que vêm à tona anos depois de seus filmes. Videodrome antecipou a dependência do homem pela imagem, seu vício pelo desconhecido, ainda que bizarro e grotesco. Cosmopolis foi adaptado para o cinema antes do surgimento de movimentos como “Occupy Wall Street”

e ainda assim trata do tema como se fosse escrito para ele. Em eXistenZ, somente a realidade física não basta para o homem, o que é um paralelo à própria internet dos dias de hoje. Para Cronenberg, a tecnologia veio para transformar o homem em algo mais, ainda que desconhecido, ainda que inesperado, ainda que não gostemos.

“Meu dentista me disse outro dia: Eu já tenho problemas suficientes na minha vida, então por que eu deveria assistir aos seus filmes?” DAVID CRONENBERG

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EFERĂŠNCIA

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1149619-critica-cosmopolis-mostra-busca -infinita-por-poder.shtml (15/09) http://www.criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?secoes=&artigo=198 (15/09) http://www.criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?secoes=1&artigo=932 (15/09) http://rioshow.oglobo.globo.com/cinema/ eventos/criticas-profissionais/um-metodo-perigoso-6203.aspx (15/09) http://www.tribute.ca/people/david-cronenberg/2839/ (05/11) http://movies.yahoo.com/person/david-cronenberg/biography.html (05/11) http://www.egs.edu/faculty/david-cronenberg/biography/ (05/11) http://www.imdb.com/name/nm0000343/bio (05/11) http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/ CronembergCinema.pdf (18/11)


ESPM - CSO2C TEORIA DA COMUNICAÇÃO II PROF. JOÃO CARLOS GONÇALVES

ALÉSSIO PEREZ BÁRBARA SARQUIS RAFAELLA BLASOTTI VÍTOR GUIMARÃES

IRECTOR’ UT



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