ALEX BISINOTTO HÉLIO MARTINS DE OLIVEIRA
PRATICAR AS VIRTUDES
UNIPAC 2009
ALEX BISINOTTO HÉLIO MARTINS DE OLIVEIRA
PRATICAR AS VIRTUDES Trabalho proposto pelo Prof. Murillo Sapia Gutier, disciplina Ética Geral e Profissional - Abordagem: Apontamentos referente ao Quarto Mandamento: Praticar as Virtudes do Livro “Os 10 Mandamentos da Ética”. 8º Período de Direito Noturno – Turma Única – UNIPAC –Uberaba -MG
UNIPAC 2009
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1. AS VÁRIAS FACES DA EXCELÊNCIA MORAL................................................... 2. NÃO SER ESCRAVO DO DINHEIRO...................................................................... 3. A DOSE CERTA DE PRETENSÃO E AMBIÇÃO................................................... 4. BOM SENSO E SENSIBILIDADE............................................................................ 5. A VERDADE DOA A QUEM DOER?........................................................................ 6. O BOM HUMOR E A ÉTICA..................................................................................... 7. O RECATO E OS BONS COSTUMES DA ÉTICA ................................................. 8. OUTROS EXEMPLOS DE VIRTUDES.................................................................... CONCLUSÃO ................................................................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................
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INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho consiste em tecer alguns apontamentos referentes ao livro “Os Dez Mandamentos da Ética” do escritor Gabriel Chalita, mais precisamente no que se concerne ao quarto mandamento, intitulado “A Prática das Virtudes”. O escritor faz uma releitura da ética tomando como alicerce dez pontos de sustentação que estão incrustados no próprio homem e que caso não observados tornarão a ética perdida no caminho da história. De uma forma geral, o livro é uma verdadeira viagem por dentro do próprio homem onde o exercício destes dez princípios norteará para o seguinte mandamento virtuoso: exercício do bem deve ser a busca de toda atividade humana. De princípio buscamos uma conceituação do que venha ser virtude. Por virtude se designa um hábito da pessoa que facilita seu agir moral em direção ao bem. O termo vem do latim virtus, com o significado mais amplo de força ou capacidade, a ética da virtude é preocupação do ser Humano desde há muito tempo. Centra-se no agente moral que é a pessoa responsável pela decisão de como aplicar os princípios morais gerais às situações específicas para alcançar os resultados desejados. Desta forma, as virtudes são atitudes ou características de caráter que nos permitem ser e agir de forma a desenvolver o nosso mais alto potencial. As virtudes capacitam-nos ou habilitam-nos a perseguir os ideais que adotamos. Não ser escravo do dinheiro, ter bom senso e doses certas de pretensão e ambição, bom humor, recato e bons costumes, honestidade, coragem, amor, compaixão, generosidade, fidelidade, lealdade, integridade, justiça, autocontrole, prudência, são todos exemplos de virtudes. Virtudes são como hábitos; quer dizer, uma vez adquiridos, elas conformam o caráter de uma pessoa. Mais ainda, uma pessoa que desenvolveu virtudes estará naturalmente disposta a agir consistentemente com os princípios morais. A pessoa virtuosa é a pessoa ética. A estrutura da personalidade compreende, entre outros elementos psicológicos, um conjunto de virtudes que tornam o indivíduo mais elevado, íntegro, humanitário. Uma virtude representa retidão moral, probidade, excelência moral. As pessoas podem ser avaliadas pela riqueza de suas virtudes. De forma sucinta, vamos apreciar algumas dessas virtudes. No decorrer deste trabalho, poderemos observar que elas quase sempre caminham juntas, raramente apresentamse isoladas.
1. AS VÁRIAS FACES DA EXCELÊNCIA MORAL
Trataremos agora dos exemplos de virtudes, ou de como a excelência moral é desempenhada conforme as emoções e as vontades em jogo, em cada situação. Com isso pretendemos tornar mais concretas as ligações entre os estudos gerais sobre a ética e as situações específicas com que nos deparamos no mundo real, em nossa prática cotidiana, em nossas relações como mundo e com as outras pessoas. Sempre é bom lembrar que não existe um número determinado de virtudes. Também é bom lembrar que as formas de excelência moral não são completamente distintas uma das outras. É fácil perceber que existem situações em que uma virtude não pode aparecer sem a outra, e outras situações em que é muito difícil distinguir uma coisa de outra.
2. NÃO SER ESCRAVO DO DINHEIRO
Liberalidade e magnificência são as virtudes que nos mantêm livres das coisas materiais, ou que nos mostram que as coisas materiais devem estar a serviço da gente, e não o contrário. Liberalidade é o meio-termo entre a prodigalidade e a avareza, e diz respeito ao modo como cada pessoa cuida de suas riquezas, isto é, tudo aquilo que pode ser medido ou convertido em dinheiro. Um indivíduo liberal gasta sua renda de maneira equilibrada, sem exageros, garantindo a satisfação de suas necessidades materiais e de seus desejos com realismo, beneficiando assim tanto a si mesmo quanto às outras pessoas da sociedade, pois seus gastos vão representar ganhos para comerciantes, produtores, prestadores de serviço etc. O liberal faz com que a economia da comunidade se mantenha em movimento, e pode mesmo gerar novos empregos e manter os já existentes. De fato, discutir a liberalidade nos leva, necessariamente, nos dias de hoje, a considerar os efeitos dessa atitude na sociedade em geral, em termos econômicos, e sociais, mas ela não é uma forma de excelência moral simplesmente porque traz benefícios desse tipo. A prodigalidade, extremo da liberalidade, é o gasto responsável e repetido que alguém faz sem considerar a real grandeza de suas riquezas, adquirindo coisas inúteis ou que visam apenas à obtenção de prazeres passageiros, sem a devida consideração racional sobre as riquezas que a pessoa produz e o que ela gasta. Assim, o pródigo fatalmente acabará despojado de quaisquer bens materiais que podem ser convertidos em dinheiro. Além disso, outro elemento que pode caracterizar o pródigo é a origem de suas riquezas. Pode ser, por
exemplo, que ele gaste o dinheiro de outras pessoas, de quem obtém sua renda, de maneira lícita ou ilícita. Em todos os casos, no entanto, o pródigo só pode atingir uma finalidade ética ou, em outras palavras, suas ações só podem ter conseqüências boas por acaso e não como um desejo deliberado. Ele gasta tudo que obtém, mais cedo ou mais tarde, e acaba arruinado. O avarento, por sua vez, está ainda mais afastado do liberal do que o pródigo, no sentido oposto. A avareza se caracteriza pelo acúmulo sem sentido de riquezas, sempre pequenas, e pela recusa de distribuir esses valores, assim como de gastar em qualquer grau. O avarento tem uma enorme dificuldade em utilizar o dinheiro até mesmo para garantir seu sustento, para adquirir as coisas de que precisa. É capaz de comprar alimentos velhos e de baixa qualidade apenas para acumular mais dinheiro, por exemplo. O avarento, então, não produz bem nem para os outros nem para si mesmo, ainda que fosse ilusório e passageiro. O avarento ama as riquezas mas não usufrui delas, inveja as riquezas alheias e faz tudo que pode para privar os outros de usufruí-las. A fim de ilustrarmos a característica que predomina no avarento, indicamos aqui uma um texto extraído do livro do escritor inglês Charles Dickens, trata-se de “Um conto de Natal”, onde o velho Ebenezer Scrooge era muito rico e sovina, pagava mal seus funcionários e ainda os obrigava a trabalhar muito mais do que o razoável, ameaçando-os sempre com a demissão. Ele fazia isso apenas para acumular mais e mais dinheiro. Na véspera de Natal, no entanto, Scrooge é visitado por três fantasmas, um de cada vez, que o levam a observar, de uma dimensão diferente, a sua própria vida. O primeiro era o fantasma dos Natais passados, o segundo, do Natal presente, e o terceiro era o avantesma dos Natais futuros. Visitando o passado, viu a si mesmo, então jovem, vivendo num sótão e enfrentando as privações da pobreza, mas ainda estava alimentado pelos sonhos e era movido por sentimentos delicados e corretos. O fantasma do presente, por sua vez, mostrou-lhe o quão solitário, egoísta, misantropo e sem esperança ele era, tendo como único projeto de vida juntar e juntar dinheiro. O susto final foi dado pelo fantasma dos Natais futuros, que lhe fez ver como a morte o encontraria, mais sozinho ainda, sem que houvesse uma só pessoa a bendizer o que quer que fosse dele. Dariam de ombros, simplesmente, ao saber que morrera, visto que jamais se importara com a miséria ou o sofrimento das pessoas. Um velho usuário, cuja alma a avareza fizera engelhar e enregelar. Espantou-se de tal sorte Ebenezer Scrooge que mudou completamente de vida e se tornou um ancião generoso e bonachão, que a cada Natal se lembrava de tudo o que fizera e tentava se penitenciar da extrema mesquinhez em que vivera durante tanto tempo. Passou a viver, pois, com liberalidade.
Do ponto de vista do indivíduo, a liberalidade é como um modo de administrar os bens materiais, servindo de medida e ponderação para os gastos que todos têm de ter, de dinheiro ou de trabalho, para viver bem. Um seu parente próximo é a magnanimidade, que se relaciona intimamente com a liberalidade, à medida que também trata das riquezas e de seu uso. A pessoa magnificente é como um artista, pois ela pode ter uma visão do que é conveniente e gasta grandes somas com bom gosto. (Aristóteles, Ética a Nicômaco, livro 4). A principal diferença entre uma e outra virtude está na grandeza e no destino do valor despendido. Um milionário arremata uma coleção de arte num leilão e doa as obras compradas a um museu público. O ato é nobre, porque torna disponíveis ao público produções artísticas que estimulam, além do prazer estético, o desenvolvimento cultural e social da população. Além disso, a grandeza dos valores gastos fazem com que esse tipo de atitude receba o nome de magnificência. Os extremos que se opõem à magnificência são a vulgaridade ou o exibicionismo, por um lado, e a mesquinhez, por outro. A primeira, que também pode ser chamada de mau gosto, consistem em gastar fortunas para adquirir coisas caras que servirão apenas como meio de ostentação. É como se a pessoa que se exibe dessa forma tentasse mostrar que seu valor equivale ao das coisas que comprou, aos valores que dilapidou, como se pudesse tomar das coisas um valor que a própria pessoa não tem. No outro extremo fica a mesquinhez, quase uma irmã gêmea da avareza. A diferença é que a mesquinhez é como um sofrimento constante que atormenta a pessoa: é como uma doença que não a impede de usas suas riquezas mas a obriga a calcular e recalcular todo gasto que tenha de fazer. Ela nunca obterá prazer nessa ação, e sempre se sentirá como se algo pessoal tivesse sido subtraído dela.
3. A DOSE CERTA DE PRETENSÃO E AMBIÇÃO
A magnanimidade é o meio-termo entre a pusilanimidade e a pretensão. Esta forma de excelência moral tem a ver com o mérito das atividades que um indivíduo desenvolve, com sua conduta em relação a tudo o que faz e que define sua vida em sociedade. Uma pessoa magnânima tem prazer em receber honrarias pelo que é e por causa das ações nobres que promove. É exatamente isto o que a caracteriza: a realização de atos bons para toda a comunidade em que vive e a obtenção de reconhecimento, mas sem ostentação, pelo bem que produziu. Um exemplo fácil é o de um político comprometido realmente com o
bem-estar da população e com o seu desenvolvimento social, político e econômico. Mas a magnanimidade não tem a ver apenas com a prestação de um serviço público. Servir os outros é uma característica desta virtude, mas não é a única coisa que a descreve. Uma definição mais certeira para um indivíduo magnânimo seria que ele aspira, nem mais nem menos, a realizar tudo aquilo que está à sua altura. Pessoas capazes de poucas realizações – por limitações naturais ou sociais – também podem ser magnânimas, pois isto depende dos projetos de cada um e de sua relação com a nobreza das ações. Até mesmo deixar água fresca disponível para trabalhadores em sua rua pode ser um gesto de magnanimidade, embora a palavra comunique a idéia de atitudes mais grandiosas. Aspirar ao bem da comunidade, empenhar-se em sua obtenção, com as habilidades e as forças que uma pessoa tem, mostra a excelência moral que chamamos de magnanimidade. Seu oposto mais extremo é a pusilanimidade. Como a própria etimologia da palavra explica, é a característica de pessoas que têm alma pequena, espírito fraco. O pusilânime aspira a menos do que é capaz de realizar. É como um gigante covarde que teme a própria sombra, ou um homem poderoso que tenha medo de impedir ou denunciar um crime. Na política, essa falha moral, causa males infindáveis. Imagine, por exemplo, se uma figura pública se omite na defesa dos cidadãos mais fracos, pela covardia, contra especuladores e exploradores da sociedade. No outro extremo está a pretensão. O pretensioso é aquele que aspira a coisas que estão além de suas forças, de suas capacidades, e que exagera suas realizações, buscando não o bem como finalidade de suas ações, mas sim o elogio sem mérito, a homenagem vazia, a bajulação. Por isso, a pretensão está sempre acompanhada da vaidade. O pretensioso ostenta seus erros, tem orgulho de suas falhas morais sem ter consciência de quanto está se afastando do bem verdadeiro. O pretensioso não tem vontade de caminhar na direção certa, que exige autoconhecimento e compromisso com a excelência moral. Junto à magnanimidade está outra forma de excelência moral muito semelhante, mas que não tem uma denominação própria. Ela é o meio-termo entre a ambição e a desambição. Em termos gerais, é como a magnanimidade, mas numa escala menor, com relação aos objetivos visados e às honrarias resultantes das ações assim realizadas. Uma pessoa que age conforme essa virtude “sem nome” equilibra suas aspirações – as suas ambições digamos – de modo a não se deixar levar pela paixão exagerada pelas honrarias e homenagens, por um lado, e não a se entregar a uma atitude de não buscar nem se importar com as honrarias que mereceria receber. Em outras palavras, a ética recomenda uma certa dose de ambição (ou de
desambição, se olharmos pelo lado oposto), mas ela precisa sempre ser ponderada com os mesmos critérios que dizem respeito à excelência moral: sem desmedida.
4. BOM SENSO E SENSIBILIDADE
Parece difícil relacionar coisas tão opostas quanto ser amável e sentir raiva. No entanto, a amabilidade é o meio-termo em relação aos extremos em que a cólera pode se manifestar: uma fúria absoluta, por um lado, e uma total apatia em relação aos afetos que nos dirigem de encontro a situações, coisas ou pessoas. Na verdade, falta uma palavra para designar esta forma de excelência moral; falta uma palavra para descrever bem a dose equilibrada de cólera que se deve aplicar em certas ocasiões, conforme seja necessário, e respeitando os princípios da ética. Mas esta cólera justa deve ser controlada de perto, porque a virtude em questão tende muito mais para a falta do que para o excesso. Ao contrário, por exemplo, da liberalidade, que tem mais a ver com o excesso (a prodigalidade) do que com a falta (a avareza). Para agir segundo o modelo da excelência moral, precisamos ser gentis com as outras pessoas e cultivar a boa vontade com uma atitude de vida em relação às situações que enfrentamos todos os dias. Por outro lado, é importante ser capaz de indignar-se diante de certas situações e mesmo demonstrar alguma energia e irritação, a fim de, por exemplo, evitar que uma injustiça seja cometida. Para defender nossos próprios interesses legítimos, onde alguém que não pode se defender com as próprias forças, como no caso das crianças ou de pessoas que sofrem qualquer tipo de discriminação, é justificável permitir que a cólera se mostre. No entanto, não é possível definir em termos gerais qual é a dose razoável, segundo a ética, de cólera que pode se mostrar em nossas ações. Cada caso deve ser avaliado individualmente, em cada situação vivida é preciso ponderar as conseqüências de nossa atitude e a magnitude das forças que são enfrentadas. Afinal, pode acontecer de um erro nesse momento causar uma injustiça ainda maior do que aquela que se deseja evitar ou corrigir. Em qualquer caso, é recomendável manter a mente tranqüila, pois decisões tomadas sob o efeito de emoções, como a raiva, tem grande chance de serem más decisões, ou seja, errôneas. O melhor, portanto, é sempre alimentar a boa vontade em nossos corações, para que nos relacionemos sem preconceitos com as pessoas que conhecemos, e com todos os outros membros da comunidade com quem não temos relações diretas. Assim fazendo, teremos segurança para defender nossa individualidade, ao mesmo tempo que não cometeremos injustiças com os outros, com agressões ou mesmo um mau humor desnecessário.
5. A VERDADE, DOA A QUEM DOER?
Verdadeiro e falso são atributos que dizem respeito a quase todo tipo de afirmação que pode ser feita a respeito da realidade em que vivemos e das coisas que pensamos. Por exemplo, a frase “Está nevando” pode ser verdadeira ou falsa, e para descobrirmos isto basta olhar para fora. Verdade e falsidade estão ligadas à própria linguagem que usamos para nos comunicar, mas também se relacionam com temas e estudos muito sofisticados, como a discussão sobre a verdade filosófica, a verdade do mundo (qual é a origem de todas as coisas), a verdade dos sonhos etc. Para discutir a realidade nesse nível, existem todas as ciências e a filosofia. A propósito uma das definições mais concisas para a filosofia é de que ela busca a verdade absoluta a respeito de todas as coisas que existem. Mas verdade e falsidade se relacionam também com o cotidiano mais corriqueiro e, por isso mesmo, também estão inversamente ligadas a uma forma de excelência moral, a sinceridade ou veracidade. Obviamente, é difícil determinar em que situação uma mentira pode ser ética, mas pode acontecer. Vamos ilustrar com outro exemplo: Encerrado em uma cama, preso a tubos e aparelhos que o mantêm vivo, está um homem cego, destituído de esperanças. Ao seu lado, mais próximo da janela e voltado para ela, outro homem passa os dias deitado de lado, sofrendo de uma gravíssima lesão na coluna vertebral. Travam alguma amizade, aquela aproximação típica de quem está só, e triste. Pergunta o cego o que o companheiro vê, pela janela. E ele lhe descreve cenas belíssimas de um parque cheio de crianças alegras e vivazes, a correr e a brincar sobre a grama verdejante, à sombra amiga de frondosas árvores, cuidadas pelos olhares atentos e amorosos das mães que lêem seus livros ou que os fecham e guardam para participarem das brincadeiras inocentes. Acostumou-se o cego a ouvir a cada dia mais e mais detalhes de uma vida que continuava feliz e descuidada, do lado de fora do tétrico hospital. Mas eis que um dia o doente da janela não suporta mais a doença e sucumbe. Trazem outro companheiro de infortúnio ao cego, que anda melhor, por conta mesmo da narrativa do ex-confrade, com o lenitivo da cena de paz que lhe narrava o camarada da cama do lado, está mais esperto e esperançoso, agora com boas perspectivas até de alta médica. Cumprimentamse os novos companheiros, travam alguma amizade, e o cego pede ao colega que descreva o que vê pela janela. Soergue-se pouco a pouco o doente, esticando o pescoço, relanceia o olhar para fora e dá de ombros. “Ali fora não há nada”, diz ele - “Apenas um muro velho que não deixa enxergar coisa nenhuma”.
Se alguém dá abrigo a um injustiçado perseguido político, pode ser lícito ocultar o paradeiro dessa pessoa se a polícia o buscar, pois esta atitude poderá ser a diferença entre viver ou morrer, para o indivíduo. No entanto, é bastante claro que a ética exige de todos um amor incondicional à verdade. No entanto, quando se trata de falar sobre a conduta individual no que diz respeito àquilo que cada pessoa é capaz de fazer e, em suma, àquilo que cada pessoa é, dizer a verdade pode ser um ato realizado de modos extremos, ou com deficiência moral, ou com sinceridade, que é uma forma de excelência moral. Uma pessoa com falsa modéstia, o extremo mais distante do meio-termo representado pela sinceridade, falha porque não assume nem reconhece em si mesmo potencialidades que realmente possui. Ela minimiza suas qualidades. Um dos problemas desse fato é que, por exemplo, o falso modesto deixa de colaborar com a comunidade, com as outras pessoas, em coisas que poderia ser capaz de realizar bem, simplesmente porque se omite de ações que podem tanto beneficiá-lo com reconhecimento social e honraria, quanto melhorar a vida da comunidade em que está inserido. Mas a falsa modéstia é um problema menor, se comparada à atitude oposta, a jactância. A jactância, que também pode ser chamada de vaidade, ostentação e arrogância, dentre outras coisas, implica exagerar a verdade sobre si mesmo para garantir vantagens pessoais ou destacar-se do grupo social, como se o indivíduo fosse melhor – e diferente, na essência – do que os outros. Não é difícil enxergar como essa deficiência moral é repugnante. No fundo, os dois extremos são formas de deturpar a verdade. Uma por omissão, pois é uma falsificação da realidade e uma fuga da responsabilidade, e outra por exagero (e não necessariamente mentira, embora esta não seja descartada, o que representa uma fraude em relação às outras pessoas e uma ostentação vazia). O meio-termo entre estes extremos é a sinceridade, ou veracidade.
6. O BOM HUMOR E A ÉTICA
Estas reflexões podem dar a entender, numa leitura superficial, que a ética exige rosto sisudo, grave, contido. É verdade que se trata de assunto sério, mas isso não quer dizer que o bom humor, uma boa anedota ou a ironia diante das coisas da vida não façam parte do conjunto de virtudes que a excelência moral assume. Sempre é bom lembrar que um comportamento ético se realiza somente quando a razão e as emoções, corpo e alma, mente e
coração se integram e se harmonizam, determinando as escolhas que revelam o caráter de cada um. Por isso, também temos que dizer algo sobre o meio-termo entre o humor destrutivo e a total graça, a espirituosidade. Afinal, o relaxamento também faz parte da existência de todos – ou pelo menos deve fazer. As pessoas, porém, que gracejam com bom gosto são chamadas espirituosas, ou seja, dotadas da presença de espírito, que se traduz em repentes pertinentes; tais repentes são considerados movimentos de caráter, e da mesma forma que o corpo é apreciado por seus movimentos, o caráter também o é. (Aristóteles, Ética a Nicômaco, livro 4) Assim como nossas expressões faciais, gestos e posturas corporais são parte inseparável das palavras que utilizamos para nossa comunicação, o humor faz parte do modo como nosso caráter se manifesta diante das outras pessoas e das situações que vivemos. Mas para isso, como para toda forma de comunicação, existe uma medida equilibrada, um meiotermo, que inclui na esfera da ética. O excesso de humor, ou uma disposição exagerada e sem limites para ridicularizar todo tipo de situação, pode tornar-se uma ação destrutiva com facilidade e causar problemas para a convivência e a escolha de atitudes referentes a problemas importantes. Uma pessoa que age assim pode irritar interlocutores ou ofendê-los, pode ocultar a gravidade de um assunto, ou mesmo transformar em inimigos pessoais que teriam muito a ganhar se agissem juntas, em parceria. Por outro lado, uma total falta de humor torna uma pessoa enfadonha e indisposta ao convívio social, dando origem a uma situação de isolamento na comunidade, além, é claro, do aborrecimento geral. Feliz ou infelizmente, não é possível estabelecer uma medida ideal de humor, e a atitude quanto a isso deve sempre ser considerada caso a caso, de acordo com o contexto em que estamos inseridos. Devemos cultivar sensibilidade para cada situação, a fim de sabermos o quão espirituosos podemos ser. Rir de um time de futebol em decadência, para um torcedor apaixonado pela equipe, certamente é inadequado.
7. O RECATO E OS BONS COSTUMES DA ÉTICA
Qualquer pessoa, diante de situação constrangedora, pode vir a enrubescer. Isto é uma reação natural, e pode ser provocada por um comentário malicioso, por um tropeço ou um palavrão. Coisas banais, como também as mais graves, podem envergonhar pessoas
distintamente, conforme suas experiências de vida e suas atitudes particulares frente às situações que encontram. A vergonha, assim, poderia ser descrita como reação biológica, ligada tão-somente à fisiologia de nossos corpos. Mas não é só isso, uma vez que ela é condicionada pelas particularidades que compõem a vida de cada indivíduo, pelos valores sociais transmitidos pela comunidade durante sua formação, pelo modo de ser e de pensar de cada um. Por isso, também devemos considerar a vergonha nos termos da excelência moral, uma vez que ela também faz parte das preocupações da ética. Neste caso, o meio-termo é denominado recato, e fica entre os extremos da impudência (falta de vergonha) e do acanhamento (excesso de vergonha). Não é difícil imaginar os problemas que a falta e o excesso de vergonha podem ocasionar. Uma pessoa impudica pode simplesmente não se importar com o corpo coberto ou não, e, em muitos lugares, andar nu ou com partes do corpo expostas pode significar uma ofensa grave aos outros. Por outro Aldo, um indivíduo acanhado pode vir a perder toda iniciativa, uma vez que sofre do medo terrível de errar e de ser repreendido por isso, sendo forçado a evitar ao máximo qualquer atividade ou a tomar qualquer posição, fazer escolhas, etc. É óbvio que o recato tem significados tão diferentes quanto diferentes são as culturas que compõem a sociedade. Alguém ainda hoje é capaz de tachar de desavergonhada índios que andem nus? Mas se alguém andasse pelado nas ruas de uma cidade grande brasileira, seria preso, por atentado ao pudor. Ao mesmo tempo, o recato tem a ver com a idade de cada pessoa. É compreensível, por exemplo, que um adolescente tenha vergonha com mais freqüência que um idoso, simplesmente porque tem menos experiência de vida e está mais sujeito a cometer erros por conta disso. À medida que ele cresce, é de esperar que adquira novos conhecimentos e aprenda a lidar cada vez melhor com as situações que a vida lhe põe no caminho. Percebemos então que o meio-termo da vergonha é alcançado por meio de um aprendizado atento, que sedimente os resultados das experiências vividas, e pelo bom senso, que devemos ter em qualquer situação cotidiana, tanto para não nos envergonharmos de nada que fizermos quanto para não chocar ninguém desnecessariamente. Em todas essas virtudes fica clara a grande riqueza do meio-termo. O chamado equilíbrio aristotélico. Os exageros são sempre condenáveis, assim na ausência como no excesso. O meio-termo, o razoável, o bom senso conduzem com firmeza ao encontro da felicidade.
8. OUTROS EXEMPLOS DE VIRTUDES:
AUTOCONFIANÇA:
Esta
virtude
pode
ser
conquistada
mediante
o
desenvolvimento de recursos e habilidades que proporcionam competência, segurança e tranqüilidade no decurso da vida. A pessoa autoconfiante é prudente e equilibrada, de tal sorte que procura agir sempre com cautela. Pelo fato de possuir imensa fé em si, ela sabe que pode contar consigo mesma, em situações as mais adversas. BENEVOLÊNCIA: É uma qualidade que dispõe o indivíduo a praticar o bem, podendo acrescentar generosidade, gentileza e simpatia. Para tanto, é preciso renunciar a sentimentos de hostilidade e egoísmo. CONTENTAMENTO: É uma virtude que promove alegria e bem-estar. Proporciona o poder de enfrentar adversidades, sem aflição, com serenidade e jovialidade, porque capacita o ser humano a adaptar-se a tais situações, e a mudar suas atitudes diante delas. CORAGEM: Trata-se de uma habilidade ímpar para enfrentar, com serenidade e domínio do medo, os perigos que se apresentam do decurso da vida. Ela proporciona ao indivíduo a aptidão de avaliar uma gama de possibilidades para vencer as adversidades. A coragem inspira o indivíduo a agir com perseverança e determinação em face de todas as situações e circunstâncias. DESAPEGO: É uma virtude que capacita o indivíduo a ver os fatos e situações com imparcialidade, com isenção de ânimo. A pessoa que consegue desapegar-se de suas próprias idéias e opiniões, livre de preconceitos, é capaz de agir com justiça. O desapego em relação a pessoas, bens materiais e imateriais, é outra faceta desta valiosa virtude, que possibilita uma vida mais rica e feliz. DESPREOCUPAÇÃO: Ser despreocupado denota serenidade, confiança, paz. Significa viver a cada momento, com intensidade e prazer, permitindo ao amanhã cuidar de seus próprios interesses. No entanto, despreocupação não quer dizer descuido, imprudência, imprevidência. Muito pelo contrário, pois esta virtude inspira o indivíduo a tornar-se responsável e cuidadoso com a administração de tudo que lhe compete. DETERMINAÇÃO: Firmeza e perseverança são duas aliadas desta virtude. Ela permite ao indivíduo progredir, a ter sucesso em todos os seus empreendimentos, pois não tolera preguiça, desalento, falta de ânimo. Não importam as circunstâncias ou obstáculos, a presença desta virtude capacita o ser humano a concluir sempre todas as tarefas a que se
programou. Determinação é uma virtude necessária para assimilar as demais virtudes e para livrar-se de todas as negatividades. DISCIPLINA: É ordem, organização, aceitação de preceitos e normas. O próprio Universo é obediente a uma ordem implacável, caso contrário não poderia existir. Para assimilar e manter esta virtude, o indivíduo precisa corrigir, moldar e aperfeiçoar seu caráter. Para tanto, não poderá prescindir do concurso de outras virtudes, como paciência, tolerância e perseverança. Terá também que abominar hábitos nocivos, como rebeldia e inconformidade. Na ausência da disciplina, a vida torna-se impossível. DOCILIDADE: Consiste em uma força magnética que atrai a todos. A vida torna-se mais encantadora quando as pessoas agem com docilidade, bom humor e gentileza. Empatia. Significa colocar-se no lugar do outro, em sua própria pele. Ver as coisas sob sua perspectiva. Compreender seus motivos. E, então, poder aconselhar com acerto e coerência. ENTUSIASMO: É a chama que provoca ação. É vida em movimento. É motivação. É o fogo interior que proporciona prazer e vitalidade para executar até o fim os planos traçados. Graças ao entusiasmo, o mundo inteiro está em constante progresso. ESTABILIDADE: Significa coerência, responsabilidade, constância. Esta virtude não admite rigidez, mas requer flexibilidade e adaptabilidade. Assim, a confiança é desenvolvida e a convivência humana torna-se harmônica e duradoura. FLEXIBILIDADE: Esta virtude permite constante adaptação às pessoas e circunstâncias. Ela promove a harmonia nos relacionamentos e proporciona condições para a necessária moldagem às permanentes mutações da vida. Tal como o salgueiro, podemos nos curvar, pela força do vento, e, ao mesmo tempo, permanecer firmemente enraizados. GENEROSIDADE: Significa desprendimento, liberalidade, altruísmo. A pessoa dotada desta virtude aprecia verdadeiramente os outros, e presta a ajuda necessária sem esperar nada em troca. Ela também promove o fortalecimento das relações, a paz no contexto social. HONESTIDADE: Este dom suscita a necessária confiança entre as pessoas. Em todos os atos da vida, a citada qualidade deve estar sempre presente. Por outro lado, sua carência provoca as mais nefastas conseqüências. HUMILDADE: Mesmo sendo possuidor de múltiplas virtudes, o indivíduo pode ainda abarcar mais uma, a humildade. Significa modéstia, compostura, ausência de vaidade. Simplicidade na maneira de se apresentar. Comedimento na forma de referir-se a si próprio. A pessoa pode conhecer sua força e poder, e apesar disso, não precisa jactar-se perante os outros.
INTROSPECÇÃO: É a pedra fundamental de todas as virtudes. Graças a ela, o ser humano torna-se capaz de avaliar e transformar sua personalidade. Mergulhar no interior de si mesmo é uma condição necessária para o auto-aperfeiçoamento. Esta virtude desperta os poderes pessoais e harmoniza todo o ser. JOVIALIDADE: O dom de ser alegre, bem-humorado, de rir e fazer rir, é uma qualidade indispensável para a existência da harmonia nos relacionamentos. Proporciona bem-estar e leveza de espírito. Irradia simpatia, conquista a amizade, desenvolve o ânimo. Longanimidade. Significa complacência, indulgência, benignidade, tolerância. Proporciona o desenvolvimento de uma natural disposição de ânimo para suportar, com serenidade e resignação, insultos, vexames, ofensas e contrariedades. MATURIDADE: Esta virtude confere a habilidade de agir com coerência e acerto em todas as circunstâncias. Ela proporciona o desenvolvimento de outra fenomenal virtude, a sabedoria. MISERICÓRDIA: É uma qualidade ímpar nos relacionamentos humanos. Esta virtude confere às pessoas o dom de perdoar as faltas dos outros, de compreender suas fraquezas, pois carrega em si a tolerância e a compaixão. PACIÊNCIA: Ser paciente significa ser calmo, sereno e equilibrado. Denota controle sobre desejos e emoções. Afasta o desespero e a aflição. Possibilita pensamentos e julgamentos imparciais e objetivos. PRECISÃO. Esta qualidade proporciona clareza e perfeita definição. Na presença de exatidão, os pensamentos, palavras e ações serão apropriadas a cada circunstância. A virtude em questão possibilita a habilidade de fazer as coisas de forma correta. Graças ao autocontrole, paciência, serenidade, conhecimento de causa, este dom pode prosperar, trazendo benefícios incalculáveis ao progresso e bem-estar. PUREZA: Significa ausência de vícios de toda ordem. Presença de uma mente sã, plena de amor e justiça, isenta de máculas, livre de preconceitos e superstições. SABEDORIA: A conquista da maturidade proporciona o surgimento da sabedoria. Esta virtude confere o poder de controlar impulsos e reações, ter uma visão de águia, reconhecer a verdadeira intuição, ser previdente. A pessoa que conquistou o poder da sabedoria é capaz de agir de forma correta, em todas as circunstâncias, com base em conhecimentos vastos, em sua longa experiência, na própria realidade. Pode-se observar o perfeito equilíbrio de todos os poderes e talentos quando a sabedoria está presente.
CONCLUSÃO
Todas as virtudes têm o seu mérito, porque todas são indícios de progresso no caminho do bem. Há virtudes sempre que há resistência voluntária ao arrastamento das más tendências; mas a sublimidade da virtude consiste no sacrifício do interesse pessoal para o bem do próximo, sem segunda intenção. De um modo geral, buscou-se com este trabalho dar ênfase ao meio termo que deve sempre sublimar nossas ações. Pouco se comenta, sobre as virtudes dos homens, antes admiradas e respeitadas, hoje de exemplos tão raros. A impressão que guardamos dos comentários feitos a respeito das virtudes vem possivelmente das educadoras religiosas, na nossa infância, quando pareciam ser qualidades apenas das criaturas santas e angelicais, distantes das nossas próprias possibilidades. Querer ser virtuoso, quando criança, era a imagem do garoto obediente, bem comportado, que não falava nome feio, que não brincava espontaneamente; era a figurinha aureolada, introspectiva, coisa ridícula para as crianças de hoje. Até parece que, em nossos dias, não se usa mais a palavra "virtude". Temos, nas virtudes, aqueles padrões de comportamento que um dia chegaremos a vivenciar espontaneamente, sem que para isso nos custe algum esforço. Reagiremos de modo natural, por hábito, com bons sentimentos, sem dificuldades. É preciso compreender que a atitude virtuosa deve estar despida do interesse pessoal, ou das intenções ocultas; praticar o bem pelo próprio bem. E a maior qualidade que a virtude pode ter é a de ser praticada com a mais desinteressada caridade, o que lhe confere grandioso mérito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHALITA, Gabriel, Os Dez Mandamentos da Ética, Editora Nova Fronteira, 2ª edição: 2009. Site: <http://www.capela.org.br/Catecismo/virtudes.htm> Acesso em 05 de Outubro de 2009 às 21:00 hs. Site: <http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/85744> Acesso em 06 de Outubro de 2009 às 14:00 hs.