Deslocações_28.06.19

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DES LO CA ÇÕES










































Breves relatos gravados no aplicativo de comunicação Whatsapp. Falas que expressam o tempo que essas mulheres podem dedicar às suas memórias e subjetividades. Falas que, mesmo curtas, expressam uma suspensão no tempo, um deleite por rememorar histórias. Abrem brechas para subverter as cobranças dos trabalhos domésticos. Que tempo é esse em que elas param para falar um pouco de si? Nessa capital onde confluem tantas presenças, tanta informação, tanto trabalho, qual o tempo dispendido para fabular sobre o passado? Esses áudios enviados com carinho a Alfredo, com mensagens emocionadas, com envio de beijos e abraços. Um tempo retirado no caos das atividades do dia para falar sobre suas trajetórias. Trajetórias essas que ganham importância e exposição e podem ser ouvidas por outras pessoas. O tempo dedicado ao cuidado, sabemos, não é valorizado em nossa sociedade. É necessária uma política dos cuidados. Que valorize e contabilize o tempo da esfera privada, do doméstico. Entramos, através deles, em contato com um passado idílico: tudo era muito simples, mas rico em experiência e criatividade. Elas falam de memórias da infância com procissão com lamparinas. A falta de luz vira um pretexto para brincar com a situação. É perceptível um imenso prazer em lembrar do passado. Uma verdadeira viagem a um tempo que dizem sobre as mulheres que elas se tornaram. Elas falam muito das brincadeiras, do tempo do brincar. Relembram de histórias de assombração. Que se antes amedrontavam hoje guardam o prazer em rememorar a infância. Essas brincadeiras eram também momentos de se iniciar as atividades laborais. Muitas começaram a trabalhar muito jovens. Elas relatam ainda uma relação íntima com a natureza. São lembranças que marcam. Lembranças boas. Sonho de fazer faculdade. A batalha. Memórias de dificuldades na infância. Memória presente. Elas fazem um elogio a simplicidade. Aos conhecimentos tradicionais. Um desejo de compartilhar a experiência vivida. “Você precisa ir um dia para ver com teus olhos!”. Diz um dos relatos. A infância próxima a natureza e o contraste da experiência de viver em uma grande cidade. O êxodo para o urbano nos diz do processo de pauperização junto ao de urbanização. Mas a precariedade é relativa. Porque se enquanto eram crianças e brincavam com essa condição, hoje são mulheres adultas que lidam com as condições exaustivas e também precárias que o trabalho doméstico impõe. Deslocações. Esse é um convite para nos deslocarmos e, com elas, fabularmos sobre a vida.


DESLOCAÇÕES Um projeto de Alfredo Brant com participação e fotografias de Alfredo, Netina, Janaina, Valdice, Glimaria, Sueli, Viviane, Pamela, Jane, Edna, Silvia, Ray, Mazé,Kelly, Berenice, Norma, Pati, Valdirene, Marilene Texto Denise Costa Edição e Design Alfredo Brant et Charlene Cabral Desenvolvido durante o Laboratório de Publicações da Feira Dente 2019.


BrasĂ­lia, Junho, 2019


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