Ruínas_editing

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RUÍNAS RUÍNAS





RUĂ?NAS Alfredo Brant



C’est moi qui l’ai inventé, lui et tant d’autres, et les endroits où ils passaient, les endroits où ils resterait, afin de pouvoir parler, puisqu’il fallait parler, sans parler de moi, on ne m’avait pas dit qu’il fallait parler de moi, j’ai inventé mes souvenirs, sans savoir ce que je faisais, pas un seul n’est sur moi. Ce sont eux qui m’ont demandé de parler d’eux, ils voulais savoir comment ils étaient, comment ils vivaient, ça m’arrangeait, je croyais que ça m’arrangeait, puisque je n’avais rien à dire, puisque je devais dire quelque chose. Samuel Beckett, L’Innommable (1953)


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[CARROS VERMELHOS ABANDONADOS]



[CARROS VERMELHOS NÃ0-ABANDONADOS]


Depois que só restavam ruínas ele provavelmente retornou ao local onde havia crescido para tentar reencontrar alguma memória antiga, já que se esquecera de quase tudo do que havia acontecido. O que ele estava documentando seriam essas construções modernas que se apropriam dos escombros de prédios ou casas antigas em estado de abandono total ou parcial? Talvez fosse contratado por um órgão publico do patrimônio arquitetônico para fazer isso. Talvez não. Poderia ser só um viajante solitário errando em zonas periféricas de cidades turísticas. Entre o que ainda vai existir como um todo, que vai eclodir e se tornar visível para assim então significar algo, digamos, palpável, havia o que lutava para não desaparecer, que lutava contra a degradação do tempo e do abandono. Mas esses objetos ainda existiam por si mesmos. Já no outro extremo havia aqueles objetos os quais o estado de abandono era tão grande e a degradação tão avançada, que eles já não existiam por si só. Eram apenas formas abstratas condenadas à desaparição. Os objetos recolhidos nesses arquivos tinham aspectos e formas diferentes entre eles. Contudo a forma de organização estabelecida, a conservação e a própria catalogação dos objetos mostravam um certo método de trabalho. Mas por serem afinal objetos diferentes e diversos, a lógica desses arquivos não era clara. Como se ele tivesse estabelecido um vocabulário de elementos disparates que juntos deveriam criar algo de coerente. E a coerência parecia ser um constante jogo de aparição e desaparição. Como se essas coisas simples e banais tentassem existir para depois desaparecer no meio dos seus pares. Era um movimento por vezes desestabilizador, as vezes assegurador. Um anonimato que não era necessariamente solitário ou desolador. Um anonimato que o fixava nesse universo de palavras e objetos que comunicava algo muito simples e direto. Mas qual o porquê desses carros vermelhos ou desses closes em rostos de pessoas passando na rua? Haveria uma simbologia escondida nessas escolhas? Ou somente um vontade de se distanciar de todas as classificações pré-estabelecidas e ingenuamente asseguradoras? A segunda opção parecia mais plausível, pois nessa linha, carros, pessoas e ruínas tinham o mesmo estatuto, a mesma importância. Isso fazia algum sentido ao se mergulhar nesses arquivos. O movimento continuava em direções mais obscuras e os arquivos se tornavam mais crus e impregnados de um certo mal-estar. Da saturação excessiva desses carros vermelhos a uma coleção avulsa de retratos de mulheres, algo de obsceno começava a emanar daquelas imagens. A redundância dos objetos incomodava mais à medida que a intenção se tornava um vestígio. As pessoas se tornavam objetos, os objetos se tornavam seres peculiares e tudo se desagregava em pedaços insignificantes com o passar do tempo. Que absurdo era esse? O que ele pretendia com isso? Desaparecer no meio da multidão esperando que o mundo se esquecesse dele? Era um movimento incessante de vai e volta, como um fantasma vagando por esses arquivos que se tornava visível quando lhe convinha. Quase como uma manifestação sobrenatural. Era como um vulcão que continua vivo e em atividade, mas que pode passar anos, décadas, mesmo séculos sem se manifestar. Entretanto, por mais estáticas que pudessem ser essas atividades elas estavam lentamente transformando a paisagem e modificando os elementos físicos, geográficos e humanos. A continuidade dessa montagem não-linear parecia levar a um estado de indiferença total. Como o estado de torpor que se experimenta em um dia quente durante as férias de verão. Uma sensação não-exprimível, única e plena.


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“Não existe um consenso entre os vulcanologistas para definir o que é um vulcão “ativo”. Vulcões dormentes são considerados aqueles que não se encontram atualmente em atividade mas que poderão mostrar sinais de perturbação e entrar de novo em erupção. Os vulcões extintos são aqueles que os vulcanólogos consideram pouco provável que entrem em erupção de novo, mas não é fácil afirmar com certeza que um vulcão está realmente extinto”. Mesmo os vulcões inativos podem entrar em erupção.



[CINCO CUMPLICES]


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[UMA CRONOLOGIA DE MULHERES]


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[CINCO OU SEIS ATIVIDADES INATIVAS]


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Essas memórias inquietas o levaram a inventar relações secretas entre cada imagem. Todos esses corpos, esses gestos e esses rostos foram inventados, nada disso existiu. Essas pessoas não tinham passado, não tinham futuro. Elas somente existiam para o colecionador em conjunto, naquele momento. Juntas elas poderiam enfim dialogar, criar entre elas afinidades e conflitos. Sua vontade transcendental era superar as convenções e as imagens preexistentes e criar uma memória mutante, baseada nos seus desejos mais íntimos e secretos. Nessa montagem esquizofrênica de temporalidades disparates, os olhares poderiam finalmente se cruzar, os corpos se tornariam mais palpáveis e outros sentidos poderiam ser estimulados. Como um vulcão inativo que se desperta milhares de anos depois. Uma inatividade prolongada seguida de uma grande erupção sem que isso possa ser previsto.O que ele amava nesses encontros efêmeros e profundos era um entendimentos tácito entre as duas partes. Agora todas essas pessoas são suas cúmplices. Ele se sentia pleno, invadido por uma abundancia e um sentimento de absorção do mundo que nos é acessível somente pela imaginação mais hedonista. Ao mesmo tempo ele conseguiria libertar essas pessoas, para que elas pudessem continuar suas atividades repetitivas e monótonas ou vagar pela noite em busca dos estímulos que elas tanto necessitavam ou simplesmente permanecerem indiferentes ao mundo exterior. “Vocês estão livres para vagar eternamente pelas ruínas das nossas memórias”. Incluídos nesse espaço estrangeiro, todos poderiam experimentar permanentemente a sensação do viajante que passeia o olhar por paisagens sempre inéditas, respirando ares novos, ouvindo uma língua desconhecida. Poderiam vagar para sempre pelo deserto sem fim, permanecer na minúscula ilha perdida no meio de um mar desconhecido da qual eles nunca saíram ou alcançar o cume de uma montanha cristalina onde ninguém nunca chegou. “Vocês estão livres – dizia ele num tom profético – livres de todos determinismo, de todo racionalismo, das trevas dos passado, das angustias do futuro. Vocês me pediram para falar por vocês e foi o quê tentei fazer, porém agora não ha mais autor, não ha mais linguagem, não ha mais nada para dizer. Agora vocês são livres”.



“MONTAGEM 01”



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“MONTAGEM 02”



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Mais le moyen de réfléchir et de parler à la fois, de réfléchir à ce qu’on a dit, dit, pourra dire, tout en disant, on réfléchit à n’importe quoi, on dit n’importe quoi (…) mais le moyen de penser et de parler en même temps, c’est spécial, comme faculté, la pensée vagabonde, la parole aussi, loin l’une de l’Wautre, enfin, n’exagérons rien, chacune de son côté, taupes de faïence, c’est au milieu qu’il faudrait être, la où on souffre, là où on exulte, d’être sans parole, d’être sans pensée, là où on ne sent rien, c’est où il ferait bon être, là où on est. Samuel Beckett, L’Innommable (1953)



Sobre Ruínas Receber, interpretar e organizar as novas imagens. Buscar estratégias para dar sentido ao fluxo constante de imagens ao qual somos confrontados. Aprender a ler os arquivos. O engajamento e a tomada de consciência através das imagens significam não somente um ato de resistência política e social, mas também uma forma de desenvolver uma relação pessoal profunda entre imagens e si próprio. Ruínas é um caderno de arquivos que propõe uma reflexão sobre maneira como catalogamos as imagens e criamos categorias. Inspirado por trabalhos de Foucault e de Barthes, nos quais ambos refutam a noção clássica do “autor” como aquele que tem o controle de sua obra, sempre centrada nos seus gostos, referências e na sua história pessoal e propondo, ao contrario, que seja “a linguagem que fale e não o autor”, decidi mergulhar nos meus arquivos fotográficos como se eles não me pertencessem. A escrita é neutra e sem identidade e “o surgimento do leitor só acontece com a morte do Autor”, dizia Barthes. Tendo essa premissa em mente, olhei para essas fotografias como se não tivesse sido eu quem as realizou, tentando me desapegar de todos as informações, sentimentos e julgamentos que tinha em relação a elas. Por meio desse processo de autonegação voluntário, encontrei nos romances de Samuel Beckett uma direção para esse projeto. Ele também acreditava que a sua linguagem era a única realidade possível de ser criada e que não se deve tentar materializar o imaginário. Por meio de um protocolo obsessivo de criar categorias que podem ser tanto profundamente existenciais quanto banais, fui a procura de verbetes de dicionário que pudessem dar conta desse corpus de imagens que não mais me pertenciam. Com esse protocolo, pude criar categorias e ilustrá-las com imagens. Essas categorias não visam criar modelos fechados de entendimento do mundo. Pelo contrario, elas são profundamente abstratas e libertadoras. No fundo, elas buscam estimular a imaginação e nos liberar dos “ideais de unidade, especificidade, pureza e conhecimento integral”. São uma tentativa de descobrir, por meio de montagens heterogêneas, um outro tipo de conhecimento. A ideia da ruína vem do fato que todas essas imagens são vestígios de um mundo real que já se perdeu, mas que continua assombrando o presente. São imagens que já não me pertencem e que buscam – por si só ou em grupos – uma significação que permita uma leitura do mundo. Com a edição, quis imprimir um movimento constante de aparição/ desaparição, sem nenhuma intenção racional, transportando esses arquivos e categorias para um universo onírico, tentando extrair algo poético desses documentos. É por meio dessa recusa das categorias que nos asseguram e como propõe Beckett - da experiência “incessante do irredutível inabitual” que este projeto busca “extrair o inteligível a partir do sensível”, pois entender o mundo é tentar criar relações entre as coisas do mundo, através de suas conexões intimas, suas correspondências, suas contradições e suas analogias.



INDICE DE IMAGENS por ordem de aparição

LEGENDAS INDICE # { [ ( “

} ] ) ”

imagens avulsas aparição e desaparição CATEGORIAS imagens ilustrativas MONTAGENS

#01 sem título #02 sem título #03 sem título #04 sem título #05 sem título #06 sem título {aparição} [#08] RUÍNA vista frontal [#09] RUÍNA vista lateral #10 RUÍNA vista frontal #11 RUÍNA {desaparição} {aparição} [#14] CARRO amarelo com vegetação [#15] Detalhe CARRO branco [#16] Detalhe de CARRO vermelho e CARRO vermelho com vegetação [CARROS VERMELHOS ABANDONADOS] [CARROS VERMELHOS NÃO-ABANDONADOS] (imagem ilustrativa 1) {desaparição_saturação} #25 sem título #26 sem título #27 sem título #28 sem título {aparição ou sobre vulcões inativos_01} (imagem ilustrativa 2 ou sobre vulcões inativos_02) [CINCO CUMPLICES] (imagem ilustrativa 3 ou sobre vulcões inativos_03) [UNE CRONOLOGIA DE MULHES] {desaparição_modificação dos elementos naturais} [CINCO OU SEIS ATIVIDADES INATIVAS] (imagem ilustrativa 4) “MONTAGEM 01_quatro situações sem aparente relação” {aparição_inação do espírito} [51] TORPOR [52] TORPOR [53] TORPOR [54] TORPOR [55] TORPOR [56] TORPOR {desaparição} {aparição} “MONTAGEM 02_cronologia inefável” {RUÍNA_realização de algo coerente a partir de certos elementos}






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