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DO VAZIO EXISTENCIAL AO AMOR

DO VAZIO EXISTENCIAL AO AMOR

NESSE ARTIGO GOSTARIA DE TRATAR DO ASSUNTO DO VAZIO EXISTENCIAL, TAMBÉM CONHECIDO COMO NIILISMO. PARA MERGULHAR NESSE BREVE ESTUDO, CONVIDO VOCÊ A PENSAR ATRAVÉS DE UMA PERSPECTIVA EXTREMAMENTE IMPORTANTE AO OCIDENTE: O INDIVÍDUO. AS PERGUNTAS QUE PRETENDEM SER RESPONDIDAS SÃO: O QUE É INDIVÍDUO? O QUE É VAZIO? COMO UM INDIVÍDUO SE SENTE VAZIO? HÁ DIFERENTES NOÇÕES DE VAZIO? QUAL A RELAÇÃO DO VAZIO EXISTENCIAL COM O SUFISMO?

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Por Hélio Laureano

Etimologicamente, individuo significa “aquilo (ou aquele) que não pode ser dividido”. Dessa forma, a noção de individuo se refere aquele (ou aquilo) que é distinto, único. Usualmente, os dicionários também farão referência aquilo que é humano ou próprio dele. Homem. Mulher. Aquele que é da espécie ou entidade humana.

Ao pensar em indivíduo, naturalmente surgirá no pensamento ocidental o “senso do eu”, como destacou o antropólogo Marcel Mauss. Assim, por definição, todo indivíduo tem ou é um ente, um eu. Dessa forma, a noção do homem se amplia para muitas possibilidades autocentradas. Surgem palavras como eu, ego, egoísmo, egoísta, egocentrismo, egotismo. Também indivíduo, individualismo, individualidade, individuação, individual. O indivíduo, apesar de ser membro de uma sociedade, é apresentado como centro de tudo, onde todas as coisas são criadas a partir dele ou para ele. Nisso surgem expressões como próprio, propriedade, apropriar, desapropriar.

A palavra vazio etimologicamente surge do Latim vacivus, que traz o sentido de desocupado, vago, desprovido e sem nada. Um prato sem comida é um prato vazio. No senso comum, pessoas com pouca ou nenhuma noção de existência, intelectualidade, responsabilidade e respeito, podem ser consideradas vazias. Nas sociedades modernas o vazio existencial vem sendo estudado por sociólogos, antropólogos, filósofos e psicólogos através da expressão niilismo, do latim "nihil", que significa nada. Por que os indivíduos muitas vezes se sentem vazios?

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“Há uma vela no seu coração, pronta para ser acesa. Há um vazio na sua alma, pronto para ser preenchido. Você sente isso, não é verdade?”

As sensações de vazio se manifestam de duas maneiras especiais: no pensamento e no corpo. Opensamento autocentrado em algumas correntes da psicologia surge do desamor na infância. Nanecessidade de ser visto e amado, a criança pode começar a se tornar eficiente em tudo o que faz:um bom filho, um filho quieto, um filho exemplar. Todas essas são características desejáveis emuma pessoa, é verdade. No entanto, em muitos casos, esse comportamento esconde a necessidadepremente de uma eficácia de atuação. Um autocentramento gerador de uma vida exemplarcarente de atenção genuína.

Ao passo que esse centramento evolui ao longo de sua experiência de vida, o indivíduo, cada vez mais focado em si e menos atento ao todo, passa por uma série de derrotas relacionais que acabam por impedir a noção própria de potência e autorrealização. Não conseguindo mais ser suficiente em si, passa a se sentir solitário e cada vez mais inapropriado. Vazio de si e de todos.

A Gestalt Terapia explica que todos somos neuróticos, quase que por natureza. A origem de nossas neuroses é o chamado “distúrbio de fronteira-de-contato”, ou seja, explicando de forma simples, nossos problemas surgem quando não conseguimos por algum motivo lidar com aquilo (ou aquele) que não sou eu. Tudo o que não sou eu ou não provenha de mim tende a gerar angústia. Um desses distúrbios de contato pode nos ajudar a compreender o niilismo na sociedade e no indivíduo. É a introjeção.

“A introjeção... implica a incorporação de aspectos do meio que se tornam elementos estranhos, já que não passaram por uma discriminação prévia para serem aceitos ou rejeitados. A introjeção propicia, então, uma invasão do meio sobre o indivíduo, que fica impossibilitado de desenvolver sua personalidade, visto que permanece superenvolvido com os elementos estranhos que incorporou. Assim, sobrecarregado, o indivíduo tem dificuldade de perceber-se e expressar-se. A desintegração da personalidade é outra consequência possível da introjeção.” Como a pessoa pode manejar sua introjeção de modo a poder lidar melhor com o meio, recobrando a autopercepção e expressão própria? Para essa pergunta, gostaria de recorrer as palavras de Rumi: “Há uma vela no seu coração, pronta para ser acesa. Há um vazio na sua alma, pronto para ser preenchido. Você sente isso, não é verdade?”

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O amor é o vazio de todas as possibilidades.

O vazio descrito por Rumi não é, certamente, o niilismo de que estamos tratando nesse artigo. Ele fala de possibilidades. Uma vela que está “pronta para ser acesa”. Um vazio que está “pronto para ser preenchido”. E também fala uma sensação. O niilismo tem origem em nossas sensações de incapacidade diante do mundo. Mas, o que Rumi nos fala é de outra sensação. A sensação é um produto do corpo. É um sentir. Todo sentir é corporal. Não há sensações fora do corpo físico. É-nos explicado que as sensações são as nossas primeiras impressões do mundo. Quando a sensação é boa, temos a tendência de religarmos nossas memórias potentes e queremos sentir mais daquilo. Quando a sensação é do desconhecido, há uma angústia que resgata memórias de nossas dificuldades introjetadas. Então, entendemos que as sensações geram sentidos ao que estamos vivenciando. Rumi nos questiona sobre a sensação ao mesmo tempo em que fala sobre um vazio na alma. Que sensação pode haver em tal vazio? A sensação de novidade. De oportunidades. O vazio, quando não é existencial, é o abandono das preconcepções, preconceitos, autocentramento, individualismo, egoísmo, sabedoria aparente e segurança. Nesse vazio, onde sua alma está sendo preenchida, há a sensação do amor, do ser amor e do ser amado, acompanhado de um profundo silêncio interno. Esse amor, o amor puro, como disse Rumi, é algo que não pode ser compreendido. Não há palavras que possam realmente expressar o que é. Então, não há também nenhum impedimento para ele. Por isso, o pensamento final é um mergulho nas palavras de Rumi: “O que você procura está procurando você. Esqueça segurança. Viva onde você tem medo de viver. Destrua sua reputação. Seja notório. A tarefa não é buscar o amor, mas apenas procurar e desfazer todas as barreiras dentro de si mesmo que você construiu contra ele. Quando o mundo empurra-o de joelhos, você está na posição perfeita para orar. A nossa tarefa não é buscar o amor, mas simplesmente achar as barreiras que construímos dentro de nós e que nos impedem de permitir o amor fluir.”

Ilustrações: aquarelas da série de arte 'NATURE' de Ksenya Knysh. ttps://br.pinterest.com/pin/556827941439039331/

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