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EDITORIAL

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SUSTENTABILIDADE

SUSTENTABILIDADE

Avelino Gaspar

Diretor da IACA

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À medida que a consciência ecológica se tornou mais aguda, nas últimas décadas, cresceu a indignação coletiva contra formas de produção que delapidam os recursos naturais, surgiram posições, umas mais radicais do que outras, que questionam os estilos de vida, incluindo a alimentação dos indivíduos, e foi-se densificando a ideia de que não se consegue compaginar ética com produção alimentar e com alimentação animal.

Felizmente, tanto a nível nacional como internacional, são inúmeros os casos, no setor agroalimentar, em que o sucesso do negócio assentou em medidas de responsabilidade social e ambiental, que mostraram que a eficiência produtiva é compatível com a ética e com a responsabilidade para com as gerações futuras. Não podemos esquecer que a responsabilidade ambiental e o compromisso ético nas opções que dizem respeito às opções alimentares, e aos estilos de vida em geral, não estão apenas do lado da produção e da indústria, mas também, e talvez sobretudo, da parte dos consumidores, que, com as suas escolhas, direcionam o mercado, forçam a indústria a fazer os investimentos necessários e dão preferência a produtos que respeitem, em toda a cadeia de produção, os padrões mais exigentes de sustentabilidade, de bem-estar animal, de justiça social, de salvaguarda dos direitos humanos fundamentais, de minimização do impacte ambiental. Estilos de vida mais responsáveis têm, não podemos ignorar, custos, que todos temos de estar dispostos a suportar, para que as gerações vindouras usufruam dum planeta onde possam ter uma vida de qualidade.

Inevitavelmente, o setor agroalimentar encontra-se numa encruzilhada ética, que não queremos ver como obstáculo, mas, sim, como desafio. É uma encruzilhada, porque neste setor se cruzam deveres e valores de diferentes direções: a necessidade de alimentar as populações, a obrigação de apresentar produtos de qualidade, a pressão para aumentar a capacidade de produção a fim de responder à crescente procura; e, noutro sentido, o imperativo de poupar os recursos ambientais, a sensibilidade para com o sofrimento animal e o dever de respeitar os direitos humanos e sociais de todos os intervenientes na produção. Estes dois conjuntos de deveres não são antagónicos e, por isso, têm de ser encarados como um desafio. Precisamos de ser imaginativos na procura de soluções que integrem estas duas facetas éticas e, para isso, temos de contar com as possibilidades que as tecnologias nos oferecem.

Este é um desafio também para o setor específico dos alimentos compostos para animais: trata- se de aliar a responsabilidade ética aos esforços por assegurar qualidade, eficiência e controlo de custos, na produção de rações. Do bom desempenho deste setor depende a qualidade final da alimentação que chega ao consumidor. Há que ir ao encontro das exigências da sociedade, que não tolera a utilização de aditivos de crescimento ou antibióticos na cadeia alimentar, ainda que saibamos que essa utilização tem o devido acompanhamento médico-veterinário. É missão da indústria de rações fornecer a nutrição mais adequada possível, que responda às necessidades de cada espécie animal e que mantenha os custos finais de produção de carne num patamar acessível a toda a população. Para garantir que isto seja possível a longo prazo é imprescindível rasgarmos horizontes no que diz respeito à procura de matérias-primas alternativas, diversificando as fontes de proteínas, como a farinha de insetos, o girassol, a colza, o tremoço, a fava, a ervilha. Precisamos de reduzir a dependência da soja, que, como é do conhecimento geral, é maioritariamente importada de outros países (EUA, Brasil, Argentina). Um menor consumo de soja levará a uma menor pressão na desflorestação. Estas e outras metas impõem aos produtores de rações a adoção das melhores práticas e devem conduzir a uma atitude ativa de sensibilização dos clientes a não procurar rações medicadas com antibióticos ou aditivos de crescimento.

Se tivermos em conta que ao referido sentido de responsabilidade generalizado se associou um crescente desenvolvimento dos estilos vegetarianos e vegans, não podemos deixar de olhar para o futuro sem ter em consideração possibilidades que, de momento, são ainda experimentais, mas que, a médio e longo prazo podem ser alternativas realistas ao consumo alimentar. Refiro-me às possibilidades de produção de proteína animal sem necessidade de abater animais, através da produção laboratorial de carne. Neste momento isto já não é pura ficção e será, provavelmente, um fator decisivo na configuração da palete alimentar das próximas gerações. Enquanto essas possibilidades não se concretizarem ao nível da produção alimentar em larga escala, teremos de continuar a investir em tudo aquilo que reforce a sustentabilidade da produção agroalimentar e, ao mesmo tempo, garanta os meios para assegurar alimento a todas as populações, que, embora vivendo num mundo globalizado, não usufruem de forma equitativa dos recursos alimentares e da matéria-prima que é necessária para os produzir.

A crise pandémica que ainda estamos a viver demonstrou isto mesmo. A escassez de matéria-prima nalgumas zonas do planeta deveu-se, em parte, ao armazenamento desigual de alguns países. Isto alertou-nos para a necessidade de prevermos alguma autossuficiência regional. Não é um desiderato fácil de atingir, sobretudo se tivermos em conta o aumento de interesse pela chamada “carne biológica”, que exige áreas mais extensas de produção.

Estas são apenas algumas das inúmeras variantes que nos levam a falar de “encruzilhada ética” na produção agroalimentar. Enfrentamo-la não como obstáculo, mas como desafio, na certeza de que ética e produção podem ser compatíveis.

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